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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X AS MULHERES NAS EMPRESAS RECUPERADAS Maria Alejandra Paulucci 1 Resumo: A proposta deste trabalho é tecer considerações sobre o papel desempenhado pelas mulheres nas experiências das empresas recuperadas. Este fenômeno surgiu entre as décadas de 1980 e 1990 no Brasil e em outros países de America Latina, tais como Argentina e Uruguai, num contexto de grave crise econômica. Estas iniciativas se apresentam como uma forma de resistência ao desemprego, diante do crescimento acentuado de falências de empresas. Assim, mulheres e homens ocupam, resistem e recuperam coletivamente as fábricas nas quais trabalhavam com o intuito de defender sua fonte de trabalho. Isto significou uma redefinição das fronteiras entre o “espaço produtivo” e “espaço reprodutivo doméstico”, levantando reflexões sobre as conseqüências dessas mudanças tanto para mulheres quanto para homens. Nesse sentido, nossa proposta é, por um lado, apresentar as inovações e estratégias sociais implementadas pelas e pelos trabalhadoras/es no cotidiano dos processos de recuperação de empresas. Por outro lado, daremos visibilidade à participação das mulheres como protagonistas ativas no processo de recuperação da fonte de trabalho. Buscamos identificar características especificas de gênero nesses processos, considerando que a proporção de trabalhadores homens é bem maior nas experiências das empresas recuperadas. Este trabalho adquire uma perspectiva crítica dos estudos de gênero em torno às dicotomias que costumam ser estabelecidas entre as esferas da produção/reprodução, espaço público/privado. Tomamos como referência uma visão integral do trabalho feminino a partir da consideração das inter-relações entre trabalho doméstico e trabalho extra- doméstico. Palavras-chave: Empresas recuperadas; Trabalho; Gênero. 1-Introdução Neste texto tecemos considerações sobre como a nova organização do trabalho no interior das empresas recuperadas pel@s trabalhador@s (ERTs) 2 afeta o papel e a participação das mulheres neste processo. Trata- se, por conseguinte uma análise que busca dialogar com a perspectiva de gênero. Segundo Scott (1999), o conjunto de símbolos culturalmente significativos no contexto de socialização 1 Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciúma, Santa Catarina, Brasil. 2 Este trabalho está baseado nos dados da pesquisa realizada, entre 2010 e2013, no âmbito do projeto “Fábricas Recuperadas pelos Trabalhadores: Diagnóstico das Experiências Brasileiras”, pelo Grupo de Pesquisa em Empresas Recuperadas pelos Trabalhadores (GPERTs), do qual participo como pesquisadora desde 2012. O projeto foi financiado pelo CNPQ. O GPERTs é um grupo multidisciplinar e interinstitucional formado atualmente por pesquisadores de núcleos/laboratórios de 11 universidades brasileiras (CEFET-NI; INCUBES/UFPB; NEICT/UFF; NESOL/USP; NETS/UFVJM; PEGADAS/UFRN; SOLTEC/UFRJ; UFRB; UNESP Marília, UNESC e UNIRIO). Esta pesquisa resultou no livro: Empresas recuperadas por trabalhadores no Brasil (2013). Atualmente estamos atualizando os dados das ERTs em Brasil .

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

AS MULHERES NAS EMPRESAS RECUPERADAS

Maria Alejandra Paulucci1

Resumo: A proposta deste trabalho é tecer considerações sobre o papel desempenhado pelas mulheres

nas experiências das empresas recuperadas. Este fenômeno surgiu entre as décadas de 1980 e 1990 no

Brasil e em outros países de America Latina, tais como Argentina e Uruguai, num contexto de grave

crise econômica. Estas iniciativas se apresentam como uma forma de resistência ao desemprego, diante

do crescimento acentuado de falências de empresas. Assim, mulheres e homens ocupam, resistem e

recuperam coletivamente as fábricas nas quais trabalhavam com o intuito de defender sua fonte de

trabalho. Isto significou uma redefinição das fronteiras entre o “espaço produtivo” e “espaço

reprodutivo doméstico”, levantando reflexões sobre as conseqüências dessas mudanças tanto para

mulheres quanto para homens. Nesse sentido, nossa proposta é, por um lado, apresentar as inovações e

estratégias sociais implementadas pelas e pelos trabalhadoras/es no cotidiano dos processos de

recuperação de empresas. Por outro lado, daremos visibilidade à participação das mulheres como

protagonistas ativas no processo de recuperação da fonte de trabalho. Buscamos identificar

características especificas de gênero nesses processos, considerando que a proporção de trabalhadores

homens é bem maior nas experiências das empresas recuperadas. Este trabalho adquire uma perspectiva

crítica dos estudos de gênero em torno às dicotomias que costumam ser estabelecidas entre as esferas

da produção/reprodução, espaço público/privado. Tomamos como referência uma visão integral do

trabalho feminino a partir da consideração das inter-relações entre trabalho doméstico e trabalho extra-

doméstico.

Palavras-chave: Empresas recuperadas; Trabalho; Gênero.

1-Introdução

Neste texto tecemos considerações sobre como a nova organização do trabalho no interior das

empresas recuperadas pel@s trabalhador@s (ERTs)2 afeta o papel e a participação das mulheres neste

processo. Trata- se, por conseguinte uma análise que busca dialogar com a perspectiva de gênero.

Segundo Scott (1999), o conjunto de símbolos culturalmente significativos no contexto de socialização

1 Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Criciúma, Santa Catarina, Brasil. 2 Este trabalho está baseado nos dados da pesquisa realizada, entre 2010 e2013, no âmbito do projeto “Fábricas Recuperadas

pelos Trabalhadores: Diagnóstico das Experiências Brasileiras”, pelo Grupo de Pesquisa em Empresas Recuperadas pelos

Trabalhadores (GPERTs), do qual participo como pesquisadora desde 2012. O projeto foi financiado pelo CNPQ. O

GPERTs é um grupo multidisciplinar e interinstitucional formado atualmente por pesquisadores de núcleos/laboratórios de

11 universidades brasileiras (CEFET-NI; INCUBES/UFPB; NEICT/UFF; NESOL/USP; NETS/UFVJM;

PEGADAS/UFRN; SOLTEC/UFRJ; UFRB; UNESP Marília, UNESC e UNIRIO). Esta pesquisa resultou no livro:

Empresas recuperadas por trabalhadores no Brasil (2013). Atualmente estamos atualizando os dados das ERTs em Brasil.

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das mulheres se associa aos papeis tradicionais de representações de “o feminino e o masculino” desde

um modelo patriarcal de família (esposas, dona de casa, encarregadas da reprodução e cuidado das

crianças). O conjunto de normas que se geram a partir deste conjunto de símbolos e de suas

interpretações impõe a elas, como mulheres, os valores tais como: compreensão, aceitação, resignação

e subalternidade, e que costumam ser tidos como constitutivos de seus papeis tradicionais de gênero.

As práticas cotidianas sustentadas sobre essas representações, limitadas e habilitadas pela ordem

normativa restringem muitas vezes suas ações ao âmbito do privado, como mães e esposas “de”, sendo

as mulheres vedadas da participação no mercado de trabalho e carentes de protagonismo no âmbito

público da política.

Em grande medida, o processo de recuperação de empresas apresenta-se como um desafio

permanente e um aprendizado cotidiano que abre principalmente para as mulheres, um novo mundo de

ação (nas assembléias, nas discussões, no trabalho coletivo, nas mobilizações), onde percebem suas

próprias capacidades de agir e inovar como produtoras de riqueza. As experiências solidárias têm

demonstrado um “terreno privilegiado para exercitar novas práticas e proporcionar vivências de

igualdade e de autonomia para as mulheres” (NOBRE, 2012, p. 211)

Além do mais, a constituição de um novo sujeito político está presente em cada momento. A

politização supõe um sujeito ativo responsável pela redefinição de seu lugar na sociedade e de seu

próprio dever, que pugna por ampliar o âmbito político institucionalizado, questionando as fronteiras

instituídas da política, do social e do econômico, assim como o espaço publico/privado. A ERTS,

enquanto espaço de politização, intensificam a capacidade de expansão da participação de seus

integrantes em outros espaços públicos de decisão. Ampliar o acesso das mulheres à cidadania significa

valorizar a trajetória de suas lutas e reivindicações para inserir-se nos processos decisórios, no combate

à discriminação, ao machismo, à dupla jornada de trabalho.

No entanto, diante do novo cenário, as mulheres como “sujeito de direitos” devem explorar toda

sua criatividade a fim de enfrentar os novos desafios e novas tarefas que se apresentam no dia a dia,

dividindo seus tempos e os âmbitos produtivos/ reprodutivos. (NOBRE, 2012).

Nesse sentido, conforme Ruggeri (2005), no desenvolvimento e no exercício das ERTs surgem

práticas de inovação social que, sem pensar em mudanças tecnológicas ou de organização da

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produção, conseguem esboçar estruturas empresariais com padrões diferentes do modelo empresarial

capitalista. A essas rupturas do conceito de empresa o autor chama “inovações sociais”.

Estas inovações sociais vão além do fato da gestão coletiva; trata-se principalmente da abertura

social da empresa, da socialização do segredo empresarial, da constituição de redes solidárias. Ou seja,

o conceito de inovação compreende as estratégias e métodos adotados pelas/as trabalhadoras/es para

originar empresas de um novo tipo, em um complexo processo destinado a promover unidades

produtivas fora dos caminhos pautados pela organização econômica capitalista.

Tais inovações apresentam as soluções adotadas por trabalhadoras/es que conduzem seus

empreendimentos sem a estrutura hierárquica tradicional, e permitem identificar possibilidades de

construção de uma nova lógica de organização do trabalho (Paulucci, 2007, 2014). Ao integrar a

cooperativa, muita/os das/os experimentam pela primeira vez em suas vidas o gozo de direitos iguais

para todos/as, o prazer de poderem se exprimir livremente e de serem escutados/as e o orgulho de

perceber que suas opiniões são respeitadas e pesam no destino do coletivo (SINGER, 2000).

2- As principais características das ERTs

As ERTs multiplicaram-se pelo Brasil, Argentina e Uruguai durante a década de 1990, período

em que o desemprego e a informalidade atingiam níveis alarmantes. Tais iniciativas ganharam força a

partir da organização de trabalhadore/as que, a fim de manter seus postos de trabalho, buscaram ocupar

e controlar coletivamente empresas em situação falimentar, transformando-as em unidades

autogestionárias.

Em nosso entender, embora o fenômeno das ERTs já tenha surgido há mais de duas décadas se

sustentam ao longo dos anos com vários tipos de avanços e desafios, tanto na produção quanto na

organização do trabalho, e não se apresenta como um processo acabado ou fechado. Muito pelo

contrário, ainda está em permanente definição e redefinição, pois são experiências dinâmicas e que

estão em disputas constantes. Por isso, consideramos que as estratégias adotadas nas ERTs não podem

ser olhadas de uma maneira rígida e linear, como se fossem processos inalteráveis, pois uma de suas

peculiaridades é o dinamismo. Em outras palavras, elas estão permanentemente em construção e se

apresentam com muitas oscilações.

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Ponderamos que a análise das ERTs pode ser dividida principalmente em dois momentos. O

primeiro momento se dá quando as/os trabalhadoras/es adotam uma atitude defensiva, com o principal

objetivo de preservar seus empregos frente à falência ou pré-falência da empresa onde trabalham. É

necessário lembrar que o fato de recuperar os empregos não nasce com o componente utópico de

transformar a realidade social, senão da simples defesa por parte das/os trabalhadoras/es de sua fonte

laboral como meio de sobrevivência.

O segundo momento se inicia quando o processo de recuperação converte-se em um ato que

envolve uma nova proposta de ação coletiva e movimento social, com inovações sociais em um

contexto adverso. Perante o desafio de administrar as unidades produtivas, as/os trabalhadoras/es

buscam apoio e estabelecem alianças e parcerias com outros atores sociais, tais como dirigentes

políticos e sindicais, pesquisadores, e inclusive pessoas da sociedade civil.

A partir daí, a perspectiva inicial de preservação de postos de trabalho e/ou de alternativa ao

desemprego ganharia progressivamente um significado político ligado a uma proposta de

democratização do trabalho e da sociedade, em que a autogestão aparece como estratégia central.

Dessa forma a constituição de um novo sujeito político está presente em cada momento. A

politização supõe um sujeito ativo responsável pela redefinição de seu lugar na sociedade e de seu

próprio dever, que pugna por ampliar o âmbito político institucionalizado, questionando as fronteiras

instituídas da política, do social e do econômico, assim como o espaço publico/privado.

O processo de formação da cooperativa costuma ser demorado, desgastante, burocrático e na

maioria dos casos envolve ações judiciais Em muitos casos, o arrendamento do terreno, dos

equipamentos e do maquinário da antiga empresa é negociado com o objetivo de liquidar os débitos

trabalhistas. Quando começam a trabalhar no novo empreendimento, nem sempre conseguem obter

rendimentos nos primeiros meses, tendo em vista que necessitam de capital de giro para que o

empreendimento possa funcionar

Ao longo de todo o processo de recuperação, as ERTs enfrentaram e enfrentam até hoje

diferentes entraves para viabilizar suas atividades produtivas: dificuldades na comercialização de seus

produtos; baixa produtividade do processo de produção; dificuldades para o acesso ao crédito; assim

como falta de investimento na formação de seus trabalhadores para o desenvolvimento de novas

competências fundamentais para a manutenção e renovação da empresa.

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Tendo tudo isto em vista, as/os trabalhadoras/es passam a conduzir atividades que nunca tiveram

conhecimento e na maioria das vezes não possuem qualificação para executá-las. Precisam aprender a

realizar outras funções no interior da unidade produtiva, como exemplo, podemos citar a administração

e as rotinas financeiras do empreendimento, devem continuar produzindo para colocar os produtos na

venda e subordinar-se ao jogo das oscilações do mercado.

2.1 A participação de mulheres em ERTS: apontamentos iniciais acerca das relações de trabalho e

das desigualdades de gênero

Como foi mencionado anteriormente, na maioria das experiências de ERTs se desvenda uma

forma alternativa na construção de relações sociais e de produção, mediante praticas de ação coletiva.

Diante isso, nos perguntamos sobre o papel e participação das mulheres nas ERTs: o que acontece com

a divisão sexual do trabalho 3 e as relações de gênero4 no âmbito desses empreendimentos? Elas

mudam ou se mantém logo após a recuperação? As mulheres obtiveram algum tipo de poder político e

institucional dentro desses empreendimentos?

Com o intuito de analisar o papel das mulheres neste contexto destacamos alguns dados

relevantes de nossa pesquisa: nas 67 ERTS que existiam no Brasil em 2013 trabalhavam um total de

1856 trabalhadores, sendo 420 mulheres (23%) e 1436 homens (77%) (Henrique, et.al 2013). A

situação na Argentina é um pouco diferente, em primeiro lugar pela quantidade de empreendimentos

que existem, e em segundo pelo numero de pessoas envolvidas nestes empreendimentos. Os dados do

3 O termo “divisão sexual do trabalho” trata-sede uma acepção sócio-gráfica: estuda-se a distribuição diferencial de homens

e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões, e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição, e se

analisa como isto se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos. É a forma de divisão do trabalho social

decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social

entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos

homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções

com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.) (Hirata e Kergoat, 2007). 4 Desde a perspectiva de Scott (1995), a identidade de gênero se compõe de três aspectos inter-relacionados: em primeiro

lugar, um conjunto de símbolos culturalmente significativos que se encontram disponíveis e que enunciam representações

do que é o feminino e o masculino em contextos específicos. Em segundo, um conjunto de normas que são geradas a partir

desse conjunto de símbolos e de suas interpretações (religiosas, educativas, legais, científicas e políticas). Por último, as

práticas cotidianas sustentadas sobre essas representações, limitadas e habilitadas pela ordem normativa.

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último mapeamento realizado em maio de 20165 revelam que existem atualmente em todo o país 367

ERTs em funcionamento, com um total de 15.948 trabalhadores e trabalhadoras.6

Com relação ao ramo que ocupam, constatamos que entre as 67 ERTs brasileiras, 30 casos, ou

seja, quase a metade (45%), é do ramo metalúrgico. O ramo têxtil é o segundo mais freqüente,

compreendendo 11 empresas (16%). Em seguida, destacam-se 9 empresas no ramo alimentício (13%)

e 7 empresas que atuam na industria química e do plástico (10%). Por fim, as empresas restantes estão

distribuídas em uma maior diversidade de ramos de atividade (hotelaria, educação, cerâmica, papel,

calçados) (Henrique et al, 2014).

Já na Argentina, da mesma forma que no Brasil, as empresas metalúrgicas (72 ERTs) são a

maioria, envolvendo também o maior número de trabalhadores. Em número de empresas, o ramo

metalúrgico é seguido pelo de alimentação (13%), empresas gráficas (10%), têxteis (7,6%) e

gastronomia (6,8%). Em número de trabalhadores, o segundo lugar é da indústria de carne (13%),

depois empresas gráficas (9,5%) e alimentação (9%).7

Verificamos que existe uma diferenciação profissional entre os gêneros na distribuição das/os

trabalhadoras/es pelos diversos ramos da economia. As mulheres encontram-se concentradas naqueles

ramos tradicionalmente vistos como femininos, tais como confecção, têxtil e preparação de alimentos.

Em outros ramos, como, por exemplo, metal-mecânica, mineração, dentre outros, a participação das

mulheres é muito pequena ou inexistente (Henriques, et.al 2013). Essa distribuição coincide, portanto,

com a tendência histórica observada no mercado de trabalho capitalista, a qual não sofreu grandes

modificações nas últimas décadas (Safioti, 2013).

Também constamos que nas ERTs existe um acentuado predomínio feminino em um conjunto de

ocupações consistentes com os papéis de gênero tradicionais, especialmente nos cargos

administrativos/operacionais (auxiliares administrativas, secretarias administrativas) ou de serviços

gerais (faxineira, copeira). As possibilidades de inserção das mulheres no trabalho também estão

5 Informe realizado pela iniciativa do Programa Faculdade Aberta/Centro de Documentação de Empresas Recuperada.

Desde2001 este programa vem realizando os mapeamentos sobre as empresas recuperadas na Argentina, além de organizar

os encontros nacionais e internacionais sobre a Economia dos Trabalhadores. 6 Tendo em vista os resultados dos mapeamentos anteriores, realizados em 2002, 2004 e 2011, percebe-se um considerável

aumento no numero de casos: em 2002 existiam 128 ERTs, em 2004 foram registradas 161 com um total de 6900

trabalhadores, em 2011 existiam 205 casos onde trabalhavam 9362. 7 Informe “Las empresas recuperadas por los trabajadores en los comienzos del gobierno de Mauricio Macri. Estado de

situación a mayo de 2016”. Disponível em: http://www.recuperadasdoc.com.ar/informe-mayo-2016.pdf

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limitadas pela desigualdade de gênero na capacitação técnica, derivada de estereótipos sexistas, o que

indica que a divisão sexual do trabalho clássica do modelo capitalista e das relações de gênero

tradicionais permanece nas ERTs.8

Em algumas falas, durantes as entrevistas, as mulheres expressaram suas dificuldades para

participar em âmbitos de coordenação e decisão dentro da cooperativa, em frases como “a política é

território dos homens” ou “está permitido não homens não nas mulheres”. Nestas representações, que

aparecem impregnadas de papeis determinados pelo gênero, a participação política e a tomada de

decisão surgem associadas exclusivamente ao masculino. Isto indica por que uma discussão em termos

de gênero pode ser interessante para pensar essas questões.

Em suma, nossos dados indicam que muito possivelmente apresenta-se nas ETRs uma

desigualdade na divisão do trabalho pelo gênero, sendo que o fundamento desta desigualdade pode

estar em fatores como um “acesso diferenciado” ao equipamento técnico e a certos saberes e

conhecimentos, os quais se traduzem em condições que mantêm a dominação masculina nas relações

sociais.

Não obstante, quando investigamos se houve mudança no papel e participação das mulheres nas

ERTs em relação à antiga empresa e a participação delas ainda é pouco expressiva em 69% das ERTs e

que nada mudou em relação à antiga empresa. Contudo, é importante salientar, que nas 31% ERTs

restantes, os entrevistados apontam que as mulheres têm participação elevada. Obtivemos relatos de

que, após a recuperação, algumas mulheres passaram a ocupar postos de trabalho que eram ocupados

somente pelos homens, por exemplo: supervisoras/coordenadoras, gerentes administrativas, gerentes de

processo e possuem um papel bastante visível dentro das ERTs.

O que demonstra, mesmo que aos poucos, o reconhecimento e valorização das mulheres em um

ambiente predominantemente masculino, mas com ambiente democrático e igualitário, permitindo a

ascensão e destaque destas mulheres. Sem embargo constatamos que existe uma predominância de

homens nas lideranças destes empreendimentos. (Henriques, et.al, 2013; Ruggeri, 2015).

8 Um dos elementos fundamentais da ideologia da supremacia masculina repousa na idéia de que a fisiologia e o

metabolismo psico-biológico da mulher fazem dela um membro do coletivo da força de trabalho com menor capacidade

física. Desse modo, a divisão do trabalho entre os gêneros, através da história, tem sido justificada em nome da inferioridade

física da mulher (Saffioti, 2003).

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Outro aspecto interessante para analisar nas ERTs é modificação da extensão e das atividades

compreendidas na “jornada laboral”, que afetou de forma diferenciada as mulheres e os homens.

Verificamos, assim, que se diversificaram as tarefas realizadas pelas/os trabalhadoras/es no processo

produtivo. O trabalho se modifica e é modificado em função das novas necessidades da cooperativa; os

postos e as funções se dividem conforme saberes e condições das/os trabalhadoras/es, mas também em

função das necessidades produtivas especificas. Desse modo, existe um rodízio de funções que pode

ser tanto entre diferentes postos na mesma secção quanto entre diferentes seções, e inclusive entre a

parte gerencial/administrativa e a produção.

Em grande medida, constata-se que, por um lado, no momento de recuperação se reduz o pessoal

na área administrativa e nos postos hierárquicos (tais como gerentes, engenheiros, etc.). Junto com a

diminuição do numero de trabalhadores, faz-se necessário aprender a realizar vários tipos de

atividades, multiplicando-se as funções de cada trabalhador individual.

Por outro lado, há uma incorporação de novas atividades, como por exemplo, as ações de

mobilizações e passeatas, negociações com dirigentes sociais, políticos, reuniões com pessoas do

movimento sindical, e assim por diante. Tendo em vista as necessidades quando se inicia o processo de

recuperação da empresa, os/as trabalhadores/as assumem tarefas “tradicionais” do processo de trabalho

industrial e atividades novas ou “desconhecidas”, ou seja, aquelas que permitem colocar em marcha a

linha de produção, e aquelas que constituem a possibilidade de dar continuidade à unidade produtiva.

De fato, a autogestão apresenta-se como um desafio permanente e um aprendizado cotidiano,

que abre para os/as trabalhadore/as um novo mundo de ação (nas assembléias, nas discussões, no

trabalho coletivo, nas mobilizações) no qual eles/elas percebem suas próprias capacidades de agir e

inovar (como produtores de riqueza. Esta diversidade de situações adquire distintas expressões na hora

de “negociar” as participações individuais principalmente em todas as atividades que costumam ser

realizadas fora da jornada de trabalho. Com isto, a jornada de trabalho modifica-se em diferentes

aspectos: os tipos de tarefas e atividades realizadas; os ritmos e tempos de trabalho; a forma de habitar

a fábrica; e o trânsito entre a fabrica e os lares das/os trabalhadoras/es. (Paulucci, 2014)

Dessa forma, falar sobre a participação das mulheres nas recuperações das fábricas como uma

prática política nós faz refletir sobre um problema crucial: a questão do tempo e dos territórios.

Verifica-se em muitos dos processos de ETRs que as/os trabalhadoras/es tiveram que permanecer

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longas jornadas dentro da fábrica para “vigiar” e “defender a fonte de trabalho”.9 Como vimos, isto

implicou em uma redefinição das fronteiras entre o “espaço produtivo” e o “espaço

reprodutivo/doméstico”. Durante as recuperações, as fronteiras entre a casa/fábrica e produção/política

se inter-relacionam, o que traz conseqüências diretas na distribuição do tempo das trabalhadoras.

Nestas atividades as mulheres devem dividir seus tempos, entre a jornada laboral, a jornada

domestica e a militância política. Existe uma complexa articulação entre os tempos dedicados à

participação na recuperação da fábrica e as exigências do espaço doméstico, visto que a maioria das

trabalhadoras ainda dividem seu tempo produtivo/laboral com o tempo na esfera doméstica, cuidando

da casa, das crianças e dos maridos. Essa dupla jornada realizada pela mulher é em muitos casos tripla

jornada, não recebe seu devido valor. Nessa linha de pensamento Hirata (2003) salienta que “o fato da

mulher ter um trabalho doméstico não-remunerado, de fazer em casa uma série de coisas

gratuitamente, por amor aos filhos, ao marido, à família, faz com que ela não seja valorizada, em

nenhum tipo de atividade”. 10

Refletindo sobre nas “regulações temporais”, Dora Barrancos (2006) considera que, se para os

homens a participação política é um “investimento” do tempo, em contrapartida para as mulheres que

participam na política, gerenciar o tempo converte-se em um problema, pois estas devem

necessariamente enfrentar diferentes encruzilhadas. A mudança em suas práticas cotidianas a partir de

sua participação na luta pela recuperação das empresas onde trabalham e, inclusive, muitas vezes onde

também trabalham seus maridos, permite-lhes uma ruptura com esses estereótipos de gênero, adotando

um protagonismo na luta social e política.

A identidade como trabalhadora se reconstitui continuamente a partir das transformações do

conteúdo e a natureza da vida cotidiana, especialmente com a reorganização do tempo e do espaço. As

tendências destas mudanças se refletem na expansão dos mecanismos de desmembração das relações

sociais, redefinindo o conteúdo das identidades das mulheres. Os dados da pesquisa indicam que para

9 Principalmente na Argentina em muitas das experiências de ERTs foi necessário, como medida de força e defesa, ocupar

as instalações das empresas, tanto para impedir a entrada da policia ou de juízes quanto para evitar a retirada do maquinário.

Inclusive, em varias experiências as/os trabalhadoras/es tiveram que acampar nos portões da fabrica durante vários dias,

pois tinham que realizar turnos para se revezar e ficar na vigia durante 24 horas. Muitas das mulheres tinham que ir com

seus filhas/os assumindo seu papel do espaço doméstico, só que fora de ambiente privado. De fato, cabe quase que

exclusivamente às mulheres conciliar vida familiar e vida profissional (Paulucci, 2014; Hirata e Kergoat, 2007). 10 Entrevista a Helena Hirata. REVISTA ÉPOCA, ed. 288 de 24/11/03. Disponível:

http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT635911-1666,00.html

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muitas mulheres, possivelmente a participação no processo de recuperação das empresas implicou na

aquisição de certo graus de autonomia e valorização pessoal.

Cabe destacar que varias das ERTs argentinas abriram dentro do ambiente da fabrica centros

culturais e escolas para jovens e adultos. A re-abertura da fabrica implica muitas vezes que o local

adquira uma nova função sócio-educativa, organizada e com visibilidade pública. Esta costuma ir além

dos próprios trabalhadores das empresas, envolvendo outros sujeitos (Paulucci, 2014). Desse modo,

em muitos casos, a fábrica passou a ser, além de um lugar de produção, um “espaço de vida”; isto é,

um lugar de encontro e participação que inclui à família e a comunidade.

Estas estratégias resultam numa importante inovação, pois com essas iniciativas se apagam e se

redefinem os limites entre a fábrica e o bairro, entre o público e privado. De fato, a relação entre “a

casa” e “o trabalho” foi redefinida, imprimindo novos sentidos às formas de habitar e transitar as

distancias entre um espaço e outro, tanto nos aspectos físicos e materiais quanto nos simbólicos e

afetivos. Abrindo a possibilidade de que as mulheres comecem a questionar os lugares ocupam, tanto

dentro das fabrica quanto em seus lares, e esse próprio questionamento levou, em alguns casos, a

aceder a novos papeis.

Percebe-se um processo de re-significação, tanto do feminino quanto do masculino, bem como

do trabalho, do espaço da fabrica, e do próprio processo de recuperação das fabricas, não só através do

trabalho e da administração como também pelas maneiras de ocupar os espaços. Deste modo, esses

processos implicam em uma ampla re-significação do espaço fabril, como lugar de troca de

experiências e como espaço de aprendizagem coletiva. Apropriação do espaço significa mexer com a

organização das maquinas, criar um espaço para debater, de criar centros culturais, a possibilidade de

tomar decisões e de tomar a palavra durante as assembléias, assim como colocar as demandas dos

próprios trabalhador@s para o coletivo. Por isso, é necessário garantir o poder de ação, de voz e de

participação das mulheres nas ERTs. Esses são alguns dos significados e implicações desses processos

de re-apropriação.

Considerações finais

Este trabalho buscou dar “novos passos” para uma maior compreensão do fenômeno das ERTs,

tentando alcançar uma visão mais ampla sobre o papel das mulheres neste processo. Colocar as

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mulheres como foco de pesquisa significa dar- lhes visibilidade a partir de suas realidades, suas

necessidades, suas vivencias e suas preocupações.

Em nosso entender, os processos autogestionários nas ERTs podem ser instrumentos para

transformações sociais em direção a uma sociedade mais justa e equitativa. Seu potencial democrático,

igualitário, coletivo, emancipatório e solidário constitui-se como espaços onde se questiones a lógica

produtivista acumulativa e capitalista.

Mesmo, levando em conta o fato de que as experiências de ERTs são incipientes em relação à

alteração da lógica capital e da organização do trabalho, buscamos principalmente valorizar as

experiências existentes, com a firme convicção de que a autogestão é um processo em construção

permanente e que permite às mulheres questionar e inovar seus papéis.

Contudo, é necessário considerar que esses empreendimentos encontram-se imersos na cultura

predominante patriarcal. Portanto, uma grande parte das determinações sociais que advém dessa

cultura segue presente no cotidiano desses coletivos de trabalhadores e trabalhadoras. As eventuais

mudanças adotadas nas ERTs convivem com elementos culturais de trabalho hierarquizado e de

divisão do trabalho, que são resquícios da organização anterior, mas isso não implica na inexistência

de elementos para criar um novo modelo de gestão e de relações de trabalho.

Acreditamos que as iniciativas de ERTs podem criar espaços intermediários entre o

privado/doméstico e a vida pública, entre o trabalho remunerado e o não remunerado, podendo

contribuir para a superação desses bloqueios por que: criam espaços de discussão, reflexão,

deliberação e reivindicações coletivas.

Na proposta de autogestão, existe a possibilidade de viabilizar a dignidade da existência da/do

trabalhadora/o, e na produção, com base de uma visão que leva em conta não a lógica de reprodução

do capital, mas principalmente a lógica do desenvolvimento humano através do trabalho. Deste modo,

entendemos que o que mobiliza as ERTs e as diferencia das empresas capitalistas não é a acumulação

do excedente por uma classe social, e sim a reprodução do trabalho coletivo como forma de viabilizar

a dignidade da existência das/os trabalhadoras/os.

Percebemos assim que a novidade das experiências das empresas recuperadas não reside apenas

na preservação da fonte de trabalho e na luta contra as demissões d@s trabalhador@s, senão também

nas formas em que esses atores sociais se posicionam frente às novas conjunturas.

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Para fortalecer esta estratégia de luta das/dos trabalhadores é preciso dar visibilidade às

experiências, mostrando concretamente a possibilidade da recuperação de empresas em regime de

autogestão, com seus ganhos e desafios, o que significa principalmente trabalhar pelo fortalecimento

das experiências existentes. Ao mesmo tempo, é necessário colocar muita atenção e cuidado para não

reproduzir as desigualdades nas relações de gênero e na divisão do sexual do trabalho.

Consideramos que para que exista realmente igualdade de direitos e oportunidades para homens

e mulheres, é necessário transformar as instituições econômicas e sociais, incluídas as crenças, as

normas e as atitudes em todos os níveis da sociedade, desde o lar até no mercado de trabalho, desde as

comunidades até as instituições políticas locais, nacionais e mundiais.

Embora o horizonte que se apresenta para as/os trabalhadoras/es seja incerto, observa-se que, ao

longo de todo o processo de luta, em muitos dos casos das ETRs, estes conseguiram recuperar seus

trabalhos, a unidade produtiva e, sobretudo, manter sua união em organizações maiores, encontrando

novas alianças e redes dinâmicas. Dessa forma, as ETRs são casos paradigmáticos no conjunto de

outras experiências dentro da economia social e solidaria para poder analisar cenários onde as novas

relações podem significar a transformação da divisão sexual do trabalho, as relações de gênero e na

gestão coletiva.

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Women’s in recovered companies

Abstract: This paper aims to discuss women’s role in the experiences of recovered companies. This

phenomenon has emerged between the 1980s and 1990s in a series of Latin American countries that

were facing serious economic crisis, such as Brazil, Argentina and Uruguay.

These initiatives present themselves as a form of resistance toward unemployment associated to the

growth of bankrupt companies. Consequently, men and women occupy, resist and recover collectively

the factories in which they worked with the intention to defend their source of work. These processes

imply in a redefinition of the boundaries between “productive space” and “reproductive/domestic

space” and invite us to reflect about the consequences of this redefinition for both men and women.

Therefore, our proposal is, on the one hand, to present the innovations and social strategies

implemented by the workers in the daily life of the recovered companies. On the other, we intend to

give visibility to the participation of women as active protagonists in these recovery processes. Further,

we attempt to identify specific gender characteristics in these processes, considering that most of the

participants in the experiences of recovered companies are men.

This paper dialogues with a critical perspective from gender studies regarding the dichotomies

associated to production/reproduction and public/private space. Hence, we part from an integral vision

of feminine work based on the interrelations among domestic work and extra-domestic work.

Key words: recovered companies; work; gender.