AS HISTÓRIAS ORAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO … · da identidade como seres pensantes e atuantes...
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AS HISTÓRIAS ORAIS E SUAS CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO EDUCATIVO
NA MEMÓRIA DE EX-PROFESSORES DA CIDADE DE JOÃO PINHEIRO,
SERTÃO DO NOROESTE DE MINAS GERAIS
MARIA DE LOURDES DE AGUIAR FERREIRA*
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo geral verificar qual contribuição das histórias orais no
processo educativo na percepção de ex-professores do Ensino Fundamental I. É uma pesquisa
que se situa no campo qualitativo por analisar questões orais descritas por ex-professores
sobre a contribuição das histórias orais no processo educativo infantil e por ampararmo-nos na
revisão de literatura, acrescendo-se, assim, de conhecimento nos estudos de Bettelheim,
Coelho, Busatto (2001) , Costa (2014), Abramovich (1995). Foram entrevistados dois
professores de cada uma das seis Escolas Estaduais com Ensino Fundamental I, do centro
urbano da cidade de João Pinheiro, que se encontram aposentados ou atuam no Ensino
Fundamental II/ Médio/Superior, totalizando 12 professores. A escolha de apenas dois, deu-se
pelo fato de eles não terem ou atuarem apenas em um Ano de Escolaridade, pois
circularam/circulam pelos diferentes Anos dependendo da necessidade da instituição escolar.
A entrevista foi feita pessoalmente, gravada e transcrita posteriormente para análise das
respostas.
Palavras-chave: Educação, Contação de história, Ex-professores, Contribuição, Ensino
Fundamental I
ABSTRAT
This research has as general objective to verify which contribution of the oral histories in the
educational process in the perception of ex-teachers of Elementary School I. It is a research
that is situated in the qualitative field for analyzing oral questions described by ex-teachers on
the contribution of oral histories in the children's educational process and for supporting the
literature review, thus increasing knowledge in the studies of Bettelheim, Coelho, Busatto
(2001), Costa (2014) and Abramovich (1995). Two teachers from each of the six State
Schools with Elementary School I, from the urban center of the city of João Pinheiro, were
interviewed, who are retired or work in Elementary School II / Middle / Superior, totaling 12
teachers. The choice of only two was due to the fact that they did not have or only act in a
Year of Schooling, since they circulated through the different Years depending on the need of
the school institution. The interview was made in person, recorded and transcribed later to
analyze the answers.
* Mestra em Ciências da Educação pela Universidad Evangélica Del Paraguay. Diploma Revalidado pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN - Graduada em Letras pela Universidade do Estado de
Minas Gerais (2000). Atualmente é professora na: - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS
GERAIS. - Colégio Cenecista de João Pinheiro - CNEC - Professora e Ouvidora da Faculdade Cidade de João
Pinheiro Tem experiência nas disciplinas de Língua Portuguesa, Redação, Metodologia do Ensino de Língua
Português, Literatura Brasileira, Oficina de Textos, Literatura Infanto-Juvenil, Avaliação Educacional, Arte e
Musicalidade na Educação Infantil, Didática, Avaliação Educacional, Política e Gestão na Educação
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1. INTRODUÇÃO
O ato de contar histórias ficou esquecido, por algum tempo, devido à falta de tempo
dos pais, da desvalorização do idoso, da predileção às tecnologias e, possivelmente, por
alguns professores priorizarem a linguagem escrita como único meio de se ensinar a Língua
Portuguesa padrão, no entanto, a qualquer lugar que se vá, se perguntarmos da criança ao
adulto, todos se lembrarão e contarão qual era a história que gostavam de contar ou ouvir
incessantemente. Dirão que através da narrativa oral viajavam no imaginário, os personagens
ganhavam vida e permeavam suas fantasias infantis ou juvenis.
As narrativas orais são contribuintes para a compreensão da realidade, para a formação
da identidade como seres pensantes e atuantes na sociedade, o ato de contar histórias, seja ela
o conto maravilhoso, fantástico, misterioso, a lenda folclórica, a fábula ou o causo auxiliam
na compreensão da realidade independente de classe/cultura em que se vive, e com a
possibilidade do ir e vir culturas vão se integrando e modificando-se de acordo com as
necessidades e com o tempo.
Porém, os momentos de contar história estão escassos, e até mesmo em muitas escolas
de Ensino Fundamental I são deixados de lado, como pôde-se perceber nas expressões de
fascínio, nos olhos brilhando dos alunos dos Anos finais do Ensino Fundamental II, esperando
o desfecho de algum caso ou história contada, fator este que fez surgir o interesse de saber
como as ex-professores do Ensino Fundamental I percebiam o ato de contar história, a partir
daí surgiram os questionamentos: Quais são as contribuições da história oral no processo
educativo na percepção de ex-professores?; A contação de história contribui para a
preservação da identidade do aluno e da cultura local?; Havia um objetivo específico para
cada história contada?; Quais eram as metodologias usadas pelas professoras no momento da
contação de história?;Para as ex-professoras, quais as contribuições da contação de história
para crianças nessa faixa etária?; As ex-professoras tinham percepção da relevância dos
momentos da contação de história para a formação da personalidade, da identidade de seus
alunos?
(ALMEIDA 2009, p.13) aponta que “Os estudos sobre educação dessas regiões além
de escassos, tanto seus registros como sua memória correm o risco de se perderem”. A
escassez dos registros da educação das cidades interioranas, cidades do sertão, fica a cargo,
muitas vezes, da falta de acessibilidade à diversidade da cultura científica e da não
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valorização e confiança em si para o meio da pesquisa, dentre outras, com isso, a riqueza
produzida pelas pequenas localidades, deixam de ser compartilhadas.
Objetivou-se assim, registrar a contribuição das histórias orais no processo educativo
na percepção de ex-professores do Ensino Fundamental I para a formação da personalidade do
aluno e para subsidiar esta pesquisa amparou-se em teóricos que conceituam e dialogam sobre
os contos orais, memória e história. Sequencialmente fez-se entrevista oral com oito ex-
professores sendo eles três da zona rural e cinco da zona urbana que predispuseram respondê-
la. Compostas por cinco questões, foram gravadas e posteriormente transcritas dentro da
norma culta da língua. É, pois, de cunho qualitativo que para (MINAYO 2001), trabalha com
o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes.
(ABRAMOVICH 1995, p.17) afirma que é “através duma história que se podem
descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e ser, outra ética, outra ótica. É
ficar sabendo história, geografia, filosofia, sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e
muito menos achar que tem cara de aula”. É conhecer através de outras perspectivas, o ensinar
dos profissionais que, muitas vezes, não tiveram oportunidade de deixar registrado suas
contribuições para a educação de escolas rurais de João Pinheiro, noroeste sertão de Minas
Gerais.
A pesquisa torna-se relevante por preservar a tradição das histórias contadas pelas ex-
professores do Ensino Fundamental I para a formação da personalidade do aluno, assim como
preservar por meio da escrita a contribuição desses profissionais para a educação de João
Pinheiro-MG.
1.1 Narração/narrativa oral
A todo momento narramos, nossa vida perpassa pela contação de fatos fictícios aos
acontecimentos cotidianos. A narração é, pois, o ato de contar história, seja ela um enredo
ficcional, um fato que foi ou será anunciado no meio comunicativo, neste há a narratividade,
contudo, não deixa de ser uma história, ou um enredo pessoal acontecido que nos dá prazer
compartilhar. (MESQUITA 2006, p. 16) corrobora dizendo que “a narrativa, oral ou escrita,
está intimamente ligada à vida social dos grupos, em todas as suas práticas significantes, e
acompanha o homem desde a primeira idade, seja para fazê-lo dormir, seja para despertá-lo...”
(grifo do autor). Independente de quando, como e com quem as narrativas são contadas.
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As histórias contadas sempre nos remetem ao ambiente social do qual fazemos parte,
do que está próximo ou a trazemos para nossa realidade, sejam elas amorosas, angustiantes,
de viagens, problemas sociais ou o reconto de algum conto.
Muitas narrativas estão guardadas na memória de quem as viveu. Como diz (COSTA
2014, p.04) Narrar é repassar, [...]. É possibilitar o conhecimento do passado e do presente e
com eles estabelecer laços de afetividade, uma vez que é difícil amar o que não se conhece, é
construir uma outra história, diferente da história oficial, celebrativa, contínua e que
desafetiva os acontecimentos. Só quem vive sua história concomitante a seu acontecimento
tem prazer em recontá-la e assim perpetuá-la
Os contos, causos, fábulas, entre outras narrativas orais que “surgiram de uma
necessidade intrínseca do homem em explicar sua origem e a origem das coisas, dotando de
significado a sua existência” (BUSATTO, 2001, p. 21), a cada vez que são repassados,
ganham um novo significado. A eles são acrescentados ou omitidos pequenos detalhes devido
à pequena falha na memória ou por opção, neste último caso por ter, às vezes, uma
intencionalidade de quem os está narrando oralmente.
O contar história era entretenimento para as crianças, era o momento de ser criança já
que tinham que se portar como adultos mirins. “Antigamente, no tempo de nossos pais e avós,
a comunicação era feita muito mais pelo olhar do que pelas palavras. Bastava um olhar mais
forte e já se sabia o que eles queriam dizer” (GARCIA, et. al. 2003, p.44). Repreendiam com
olhares, com movimentos de cabeça ou de mão. O educar dava-se através dos gestos, as
crianças tinham que aprender desde cedo como se portar na fase adulta.
Abramovich (2003, p.42) aponta:
O primeiro contato da criança com um texto é feito, em geral, oralmente. É pela voz
da mãe e do pai, contando contos de fada, trechos da Bíblia, histórias inventadas
tendo a gente como personagem, narrativas de quando eles eram crianças e tanta,
tanta coisa mais... Contadas durante o dia, numa tarde de chuva ou à noite, antes de
dormir, preparando para o sono gostoso e reparador, embalado por uma voz
amada... É poder rir, sorrir, gargalhar com as situações vividas pelos
personagens...
As famílias educavam por meio da expressão corporal, paralela a esta, tínhamos o
contar histórias de fadas, de bruxas, de heróis. “Sobreviveram e se espalharam por toda parte
graças à memória e a habilidade narrativa de gerações de contadores variados, que dedicava
parte das longas noites do tempo em que não havia eletricidade para entreter a si mesmos e
aos outros contando e ouvindo histórias” (MACHADO, 2002, p. 69). As narrativas eram o
momento do contato mais próximo com os pais, era o modo envolvente que tinham de
manifestar carinho, amor, era o momento em que o sorriso e a expressão de terror não eram
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seus, mas dos personagens, do enredo, do mundo fantástico do faz conta não só para as
crianças, mas para os que contavam também, já que enquanto narravam reviviam os
momentos de ouvinte, suas fantasias, suas infâncias.
Tais narrativas acabam sendo contadas com diversos cunhos ideológicos, assim como as
narrativas dos contos infantis que eram usados pelos familiares para o ensino de valores
morais, éticos e religiosos, junto a esses as escolas os faziam com fins de alfabetização e de
escrita. Com fins pré-estabelecidos ou não os contos orais fazem parte da cultura de um povo,
é, pois, história e não deve ser apenas estudada, pesquisada com embasamentos semânticos e
linguísticos.
1.2 As narrativas orais nas escolas
Nas escolas, os professores na busca pela graduação para ampliar seus conhecimentos
percebem os contos orais diferentemente de quando ainda não tinham formação acadêmica,
no entanto muitos contam como narram uma história lida, preocupam-se apenas em formar
leitores.
Como diz Abramovich (1989, p. 18).
Para contar uma história – seja ela qual for- é bom saber como se faz. Afinal, nela
se descobrem palavras novas, se entra em contato com a música e com a
sonoridade, das frases, dos nomes…Se capta o ritmo, a cadência do conto, fluindo
como uma canção…Ou se brinca com a melodia dos versos, com o acerto das
rimas, com o jogo das palavras…Contar histórias é uma arte…e tão linda!!! É ela
que equilibra o que é ouvido com o que é sentido, e por isso não é remotamente
declamação ou teatro…Ela é o uso simples e harmônico da voz.
O professor ao contar história, deve contar como se fosse o narrador, impostar a voz
de acordo com cada personagem, ao contar história deve aguçar a curiosidade, dar vida ao que
está sendo contado para assim incitar o imaginário da criança, fazer com que ela viva a ação,
que anseie com o clímax.
Para Coelho, (2002 p. 12):
Há quem conte histórias para enfatizar mensagens, transmitir conhecimentos,
disciplinar, até fazer uma espécie de chantagem - se ficarem quietos, conto uma
história, se isso¨, ¨se aquilo...¨- quando o inverso que funciona. A história aquieta,
serena, prende a atenção, informa, socializa, educa.
A história oral, seja ela um conto, uma fábula, um apólogo ou o causo, como foi dito
anteriormente, não é uma ação mecânica, diferentemente da finalidade que se tinha, a de
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pregar moral e bons costumes, ela suscita na criança a vontade de agir, inconscientemente
prepara a criança para enfrentar as diversidades da vida.
(ABRAMOVICH 1991, p.21) aponta que o professor ao contar história deve: “Dar as
pausas, criar intervalos, respeitando o tempo para o imaginário de cada criança construir seu
cenário, visualizar seus monstros, criar seus dragões, adentrar pela casa, vestir a princesa,
pensar na casa do padre, sentir o galope do cavalo, imaginar o tamanho do bandido e outras
coisas mais...”. Ao atiçar o imaginário da criança, o professor a faz adentrar numa realidade
fictícia que lhe dá o poder de criar, recriar, ver o mundo com outros olhos.
Abramovich (1998, p.17):
[...] suscitar o imaginário, é ter a curiosidade respondida em relação a tantas
perguntas, é encontrar outras ideias para solucionar questões (como as
personagens fizeram). É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso de
conflitos, dos impasses, das soluções que todos nós vivemos e atravessamos
Toda criança é curiosa, para tudo há uma pergunta que nem sempre é respondida de
acordo com suas necessidades, fica então a imaginar e elaborar respostas para tais. Esse
exercício de elaboração contribui para que saiba desvencilhar do que poderá ainda vir. Como
diz (JOBIM E SOUZA 1994, p149) “A imaginação da criança trabalha subvertendo a ordem
estabelecida pois, impulsionada pelo desejo e pela paixão, ela está sempre pronta para mostrar
outra possibilidade de apreensão das coisas do mundo e da vida”. A infância não permite o
não, tudo para a criança é possível.
Como afirma (PENTEADO 1997 p.124): “As histórias infantis atendem à necessidade
infantil de fantasiar, apresentando um universo organizado, onde a fantasia pode ser
reveladora de conflitos de outra forma inexprimíveis, podendo assim contribuir para o alivio
das tensões existentes no interior da criança”. Ao ouvir uma história, a criança elabora melhor
seus anseios, suas dúvidas, dá a sua vida um outro significado, consegue transformar
problemas em soluções, na sua inocência infantil traça ações, às vezes, nunca imagináveis em
um desfecho surpreendente.
A contação de histórias é atividade própria de incentivo à imaginação e o
trânsito entre o fictício e o real. Ao preparar uma história para ser contada,
tomamos a experiência do narrador e de cada personagem como nossa e
ampliamos nossa experiência vivencial por meio da narrativa do autor. Os
fatos, as cenas e os contextos são do plano do imaginário, mas os
sentimentos e as emoções transcendem a ficção e se materializam na vida
real. (RODRIGUES, 2005, p. 04).
Não é apenas as brincadeiras de roda e os jogos que estimulam as crianças para a
aprendizagem, a socialização. As narrativas orais
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2. A contação de história sob a percepção de ex-professores dos Anos iniciais Ensino
Fundamental I
2.1 Os ex-professores entrevistados
Os sujeitos escolhidos para esta pesquisa foram oito professoras que atuaram nos anos
iniciais do Ensino Fundamental I, quatro delas, atualmente, aposentadas e enceram suas
carreiras, já as outras quatro ainda permanecem em plena atividade, porém em outro nível de
ensino, por isso a denominação de ex-professores. Todas atuaram entre 25 a 30 anos em
escolas tanto da zona rural, quanto urbana. Os anos de escolaridade, com os quais
trabalharam, variavam do 1º ao 4º Ano à sala multisseriada, não tinham um ano pré-
determinado, variavam de acordo com a disponibilidade do contrato vigente na época, entre
1980 a 2015, pois como cita CHAUÍ (1995, p.25) a memória é uma evocação do passado. É a
capacidade humana de reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total”,
procuramos aqui salvar o que ex-professores guardam na memória sobre a contação de
história em seus períodos de dedicação à educação de João Pinheiro-MG.
A primeira pergunta foi se elas costumavam contar histórias orais para os alunos,
onde e com qual frequência o fazia.
Como a sala ficava muito cheia, não tinha espaço, sempre com contava uma vez por
semana, mas todos participavam da mesma história. Procurava contar assim que
eu terminava o recreio. (Ex Prof. 01)
Eu gostava de contar na sexta-feira, pois depois de uma semana de atividades
estavam cansados. (Ex. Prof. 02)
Na sala de aula mesmo ou, dependendo do horário, debaixo do pé de jabuticaba.
Como a sombra não dava para pegar todos e eu não gostava de vê-los no sol, então
ficávamos na sala. Quando era possível ir para a jabuticabeira eu os colocava
sentados em círculos no chão. Como eu sempre usei saia, eu sentava em uma
cadeira e colocava-os em fechando o círculo em mim. (Ex. Prof. 03)
Eu gostava muito de contar história após o intervalo, após o recreio porque eu
percebia que era um descanso depois dos momentos das brincadeiras do recreio.
(Ex. Prof. 05)
O espaço que eu gostava de organizar era a sala de aula, outras vezes fora da sala
de aula também. (Ex Prof. 04)
Em sala de aula mesmo e uma vez por semana (Ex-professores 06, 07, 08)
A prática do contar história, não deve ter um lugar ou tempo específico, em
qualquer lugar que ela ocorra, seja debaixo de uma jabuticabeira, em sala de aula, no
pátio a história aflorará na criança seu poder criador. “Há um verdadeiro tesouro de
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histórias que abre as portas do imaginário, fazendo com que o aprendizado seja um
momento rico e prazeroso. Enfim, quando aprendemos por intermédio das histórias,
nunca nos esquecemos, pois esse é um aprendizado que dura para sempre”.
(GARCIA,et.al. 2003, p.10), a história contada permanecerá como ponto de partida ou
para outras histórias, ou para se entender o real, como exemplo de união do grupo que
para ouvi-la estava presente.
A segunda pergunta versava sobre quais os tipos de história que elas contavam, se
contavam também histórias criadas por elas, histórias tradicionais ou acontecidas na
região.
Contava os tradicionais contos, lendas, fábulas, causos e promovia apresentações
orais feitas pelos alunos que adoravam caracterizarem-se como personagens. Sim
eu gostava muito de criar histórias com base nos comportamentos dos alunos. Na
maioria das vezes eram pequenas fábulas que os ajudava a refletir um
comportamento inadequado. Eu contava de tudo, dependia de qual valor eu queria
reforçar nos alunos. Para cada clássico eu tinha uma da região e uma inventada
por mim. Essa oralidade era feita também pelos alunos, que escolhiam qual história
iriam contar, pois uma vez a cada quinze dias eram eles que nos presenteava com
uma história. Ex. Prof. 05
Eu contava histórias de fadas e histórias criadas por mim mesma. Contava histórias
de fadas e, às vezes, histórias de minha imaginação. (Ex. Prof. 01)
Eu contava a história da dona baratinha, do senhor ratinho, da dona Baratinha,
contava também muita coisa acontecida na região (Ex. Prof. 02)
Sim contatava histórias criadas por mim e histórias contadas pelas pessoas mais
velhas e da região. Isso sempre acontecia. (Ex Prof. 03)
Contava contos de fadas, causos e também de religião, história que eu ouvi quando
eu estudava como por exemplo a história da aparição de Nossa Senhora de Fátima.
(Ex. Prof. 07)
Contos de fadas, Chapeuzinho vermelho, Três porquinhos, O coelho e a lebre, a
raposa e as uvas, enfim os contos tradicionais. Histórias da região eu não
costumava contar não, somente a lenda do Boi Alegre que típica da nossa região
(Ex. Prof. 06)
As histórias tradicionais como lendas, contos infantis. Sim, eu gostava de muito de
contar histórias de conto de fadas e também fábulas para consolidar os princípios e
valores morais. (Ex. Prof. 08)
Eu costumava contar fábulas, lendas. Gostava sempre de trabalhar com histórias
que buscassem desenvolver a capacidade de criação das crianças, a imaginação, a
compreensão do mundo real. Contar minhas experiências, eu sempre tinha
historietas para ilustrar os conteúdos, principalmente na introdução dos conteúdos
novos, eu não gostava de introduzir um conteúdo novo sem mostrar a necessidade
daquele conteúdo em sua vida cotidiana. (Ex. Prof. 04)
Pode-se perceber nas respostas que mesmo as professoras que não têm uma formação
específica, que atuaram com pouco conhecimento teórico, assim como os graduados,
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preocupavam-se em destinar um tempo para a contação de história. Confirma-se que os
contos que se ouve ou aprende, quando criança, ficam na memória.
Para quais eram as metodologias usadas pelas ex-professoras no momento da
contação de história, obteve-se as respostas:
Na época não havia muito recurso, por ser uma escola rural, eu usava gravuras
retiradas dos livros, das revistas e dos jornais. (Ex Prof. 01)
Eu os colocava em volta assim como se fôssemos brincar de roda e pedia algum
para falar o que intendeu. (Ex Prof. 02)
Quando não tinha historinha, eu contava, mostrava gravura para eles, fazia
perguntas. Eu contava também de como eram as brincadeiras antigas. Como nós
não tínhamos brinquedos, as brincadeiras eram de passar anel, de roda, cantigas.
Quando eu terminava de contar as histórias fazia perguntas para ver se ficou
gravado na memória deles. (Ex. Prof. 03)
No momento de contação de história, eu gostava muito de diversifica-las. Eu
contava através interpretações, das mimicas, outras vezes eram histórias lidas, mas
fazendo a mudança de voz para explicitar os personagens principais, eu priorizava
também o momento em que as crianças poderiam escolher os contos para ler de
forma aconchegante, prazerosa. (Ex Prof. 04)
Gostava de organizar a classe em ciclo, sentados no chão. Perguntava se eles
conheciam a história. Falava sobe o lugar onde a história acontecia. Na maioria
das vezes falava sobre o tempo em que a história tinha sido escrita. Falava do
eterno conflito entre o bem e o mal que cada história contextualizava. Pedia para
eles ouvirem sem interromper e que depois podiam comentar ou perguntar. Contava
a história. Sempre perguntava a parte que eles mais gostaram. Que mensagem a
história passava. Quando percebia que eles conheciam a história mudava algumas
cenas e até o final. (Ex. Prof. 05)
As metodologias usadas pelas professoras, em sua maioria, são os mesmos. As
mudanças entre um e outro é o aprendizado teórico, as metodologias aprendidas em sala de
aula durante o tempo de formação acadêmica ou no período do estágio. Algumas das
metodologias seguem a finalidade que se tinha em família, usar o conto para educar dentro
dos valores morais e religiosos, contudo mesmo sem a preparação necessária as professoras
criavam, dentro das possibilidades que tinham, manter a tradição de encantar com os contos,
preocupavam em fazê-lo de forma lúdica.
Como apresenta Bettelheim (2004, p. 20).
Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma, e
favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em
tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos
que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de
contribuições que esses contos dão à vida da criança.
Independente dos recursos que se tenha, como para qualquer conteúdo a ser ensinado,
torna-se atrativo para a criança, faz com ela viva sua faixa etária como deve ser vivida, cheia
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de fantasias, num mundo encantado que é só seu e que servirá para sua elaboração entre
ficção e realidade.
Ao perguntar se as histórias contadas tinham um objetivo específico, elas
responderam:
Objetivava trabalhar mais autoestima dos meus alunos, o entusiasmo para virem
para a escola. Eu procurava despertá-los para a curiosidade, pois favorecia o
processo de ensino aprendizagem. Sempre acreditei estar contribuindo para o
desenvolvimento de sua personalidade como também na compreensão de si e do
outro. (Ex. Prof. 04)
Não, porque as histórias contadas desenvolvem criatividade tantos nas crianças
como nos adultos, não tem um objetivo certo. (Ex Prof. 01)
Objetivo era descansar das matérias. (Ex. Prof. 02)
O Objetivo era de eles chegarem em casa ter o que contar para seus pais a história
que ouviram, a sala de aula não é só para alfabetizar, é para ouvir também as
histórias e chegar em casa contar para mãe. O objetivo era também ter um início
para eles criarem textos, história. (Ex. Prof. 03)
As histórias contadas, tinham um objetivo específico na minha prática pedagógica,
porque eu vejo que a história, além de momentos de entretenimento para nossas
crianças, elas causavam admiração nos alunos, eu conseguia conquistá-los como
participantes da história e também como ouvintes. No momento de contar histórias,
os meus alunos, eu me sentia o centro das atenções pelo prazer que minhas
narrativas proporcionavam na turma de uma maneira geral. Cada história que eu
contava tinha um objetivo, na maioria das vezes, a conquista de respeito, também a
transmissão de tradições, é às vezes eu procurava explicar os fenômenos da
natureza através das histórias, aplicação as regras disciplinares, os valores para a
vida através dos contos. Sempre as histórias eram envolvidas nos objetivos que eu
queria alcançar na minha prática pedagógica. (Ex-Prof. 04)
Os objetivos eram exercitar a escuta, promover um momento de relaxamento e
lazer, exercitar questionamentos, trabalhar valores, promover a visão crítica,
oportunizar reconto através da dramatização. (Ex Prof. 08)
Variando os lugares para se contar as histórias, as professoras despertavam o
imaginário da criança, algumas sem saber do poder que as narrativas teriam sobre seus alunos,
mesmo repetindo o que um dia lhes fora contado. Os objetivos eram nenhuns ou desde ao
incentivo para produção textual e aprimoramento da leitura à formação da personalidade,
identidade da criança. Nota-se porém professores leigos, inconscientemente, tinham sim um
objetivo, o de perpetuar aquilo que aprenderam, os valores morais, religiosos e éticos, por
meio das histórias orais.
A última pergunta feita às professoras foi quais, para elas, eram as contribuições da
contação de história para os alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental I.
Para desenvolver a escrita, a fala, a escrita, a interpretação e a criatividade. (Ex
Prof. 01)
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Ver os personagens, colocar nome. (Ex. Prof. 02)
Contribuia na aprendizagem, no comportamento e na atenção, também (risos)
ajudava nessas três partes. (Ex. Prof. 07, 08)
eu vejo que ao contar as histórias, eu estaria contribuindo com as crianças o prazer
de ouvir histórias, também vejo assim como aspecto lúdico, a possibilidade da
interação, o despertar o imaginário da criança, a contribuição da formação da
identidade da criança, o desenvolvimento da oralidade.(EX- Prof. 03)
Eu acredito que oportunizar-lhes o aprender a ouvir, bem como a comparar
comportamentos de épocas diferentes, criticando-os ou aceitando-os. É crucial que
a criança aprenda através de ludicidade, pois tudo que é prazeroso torna-se mais
significativo e mais fácil de compreender. As histórias infantis podem ser usadas
para trabalhar qualquer conteúdo, introduzindo-o ou reforçando-o. Mesmo com o
advento da tecnologia acredito que o professor precisa aprender a valorizar as
histórias infantis, principalmente usando-as oralmente, para que haja uma
interação maior entre passado e presente. (Ex. Prof. 04)
Partimos, aqui, dos estudos de Abramovich (2001, p. 23) “O ouvir histórias pode
estimular o desenhar, o musicar, o sair, o ficar, o pensar, o teatrar, o imagiar, o brincar, o ver o
livro, o escrever, o querer ouvir de novo ( a mesma história ou outra). Afinal, tudo pode
nascer dum texto!” Dentre as contribuições apresentadas pelas professoras, ainda temos a
de Abramovich, a criança enriquece e amplia seu conhecimento, de um simples ouvir pode-se
ter diversificadas atividades realizadas pela criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Só conhecemos a nós mesmos a partir do que nos foi preparado, para conhecermos
hoje, é necessário que saibamos do ontem e isso só é possível quando priorizamos o nosso
passado através da história, história de quem já viveu, de quem construiu e preparou para nós
o chão que pisamos, principalmente no campo educacional, cujas linhas traçadas só
conhecemos verdadeiramente por meio da contação de história, pois no ato de contar está a
emoção, o sentimento, a vivência, o ser, o ter tido a experiência.
Através das histórias orais abrimos o livro do passado que ainda não foi escrito e o
fundimos com o presente para construirmos o futuro, brincamos, sorrimos, choramos e
fazemos história.
Por meio da narrativa oral, dos contos, causos compreendemos melhor a nossa
realidade, passamos do fictício ao real, tornamos -nos personagens principais de nossas
histórias e construímos outras nos valores das diversificadas culturas saberes de João
Pinheiro, sertão do noroeste de Minas Gerais.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 2.ed. São Paulo: Scipione;
1991.
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________________. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5ª ed. São Paulo: Scipione,
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________________. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 5ª ed. São Paulo: Scipione,
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