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AS FOTOGRAFIAS ESCOLARES NA PESQUISA EM
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Iêda Viana1 - UTP
Grupo de Trabalho – História da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo As mudanças no campo historiográfico contribuíram para a utilização de novas fontes, temáticas e problemas na construção histórica da área educacional, especialmente na perspectiva da Nova História. Neste artigo serão analisados alguns desses novos documentos históricos a que se tem recorrido, nesse campo investigativo, as fotografias escolares, bem como serão discutidos aspectos metodológicos próprios da análise deste tipo de fonte histórica, a partir de autores como Bencostta (2011), Napolitano (2008), Burke (2004), Martins (2002) e Kossoy (1999). Constituem estas duas ações os objetivos específicos deste texto. O objetivo geral é a captação de indícios da cultura escolar e da cultura social mais ampla que perpassam a interioridade da instituição escolar em estudo. Foram escolhidos registros fotográficos do Instituto de Educação do Paraná Erasmo Pilotto, tradicional instituição de ensino localizada em Curitiba, desde 1876, que correspondem ao período das primeiras décadas do século XX até os dias atuais. Destacam-se no conjunto documental imagens mais correntemente realizadas neste tipo de instituição, ou seja, registros de personagens escolares, de práticas e rituais escolares e de traços da cultura material escolar. Neles identificaram-se práticas, disciplinas, materiais didáticos, uniformes, como traços da cultura escolar; tipo de arquitetura, função e uso dos espaços, materiais e equipamentos como elementos da cultura material escolar; assim como vestígios culturais de imigrantes da sociedade local. Foi também possível perceber nas fontes em geral traços de permanências históricas como no mesmo tipo de fotografia registrada em diferentes épocas sobre o sujeito coletivo classe ou nas práticas desenvolvidas como os desfiles ou atividades, por exemplo; e também foram observadas mudanças culturais expressas nas diferentes formas de comportamento mais formal ou mais maleável na transição da escola tradicional para a escola nova, assim como traços da cultura escolar na cultura social e vice-versa. Palavras-chave: História da educação. Metodologia. Fotografias escolares.
Introdução
1 Dra. em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Professora no Programa de Mestrado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná.
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Neste artigo propõe-se fazer algumas reflexões sobre a noção de documento histórico,
sob o impacto das mudanças historiográficas, especialmente na perspectiva da Nova História,
o que se revelou no uso de novas fontes, temáticas e problematizações no campo da pesquisa
em História, como resultado de sua aproximação com outras disciplinas acadêmicas.
O foco central da análise será o uso de fotografias escolares na pesquisa em História
da Educação, com a atenção voltada a alguns registros fotográficos (primeiras décadas do
século XX até os dias atuais) do acervo do Instituto de Educação do Paraná Professor Erasmo
Pilotto – IEPPEP, primeira Escola Normal, criada em Curitiba, em 1876.
O objetivo geral da análise documental é a captação de indícios da cultura escolar e da
cultura social mais ampla que perpassam a interioridade da instituição escolar em estudo.
Inicialmente serão discutidos aspectos do referencial metodológico que fundamenta a
crítica documental desse tipo de fonte e a seguir será realizada a análise propriamente dita das
imagens que foram categorizadas como: registro dos sujeitos escolares (professores, alunos,
funcionários e outros); registro das práticas escolares (eventos, rituais e atividades); e registro
da cultura material escolar (arquitetura, disposição e uso dos espaços, materiais didáticos,
móveis e equipamentos).
Procurando entender o funcionamento interno das instituições escolares, a
investigação histórica no campo educacional, a partir dos anos de 1990, vem se interrogando
acerca da capacidade da escola de produzir uma cultura própria e original constituída por e
constituinte, também, da cultura social. Assim, vem ganhando importância nas pesquisas os
trabalhos de André Chervel (1990) que destaca essa originalidade da cultura escolar; de
Antono Vinão Frago (1995) que enfatiza os estudos sobre o espaço e o tempo escolares e a
alfabetização como integrantes da cultura escolar e conformadores de aspectos cognitivos e
motores dos sujeitos sociais; e o de Dominique Julia (2001) que defende a noção de cultura
escolar como conjunto de normas e práticas escolares (VIDAL, 2005), dentre outros. É esta
última noção especialmente que vem contribuindo para a reflexão sobre a história das
disciplinas escolares e para o enfoque sobre as práticas no cotidiano escolar, objetos que nem
sempre se apresentam separados nas análises, segundo Vidal (2005, p.11).
As fontes fotográficas: referencial metodológico
As mudanças epistemológicas que afetaram a produção do conhecimento na História
contribuíram para que os pesquisadores buscassem novas fontes, temáticas e
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problematizações, num diálogo profícuo com outras disciplinas como a antropologia, a
arquitetura, a literatura, a psicologia, a semiótica, dentre outras.
Assim, tanto as tradicionais fontes escritas privilegiadas pelos historiadores metódicos,
fundadores da historiografia clássica, permanecem sendo usadas, como documentos de
natureza diversa vem despertando interesse dos pesquisadores como as fontes orais
(depoimentos, entrevistas), audiovisuais (cinema, rádio, televisão, música, pintura, fotografia,
etc.) e outras.
Para os metódicos, “escreve-se História com documentos” e tão somente. Debruçando-
se sobre as fontes documentais dotados da crítica documental para a busca de “testemunhos”,
afirmavam sua neutralidade e transparência e estabeleciam sua datação e autoria, o que lhes
dava o caráter de “verdadeiros”. Na perspectiva da moderna historiografia, porém, nenhum
“documento fala por si mesmo”. A Nova História aponta o caráter representacional de todas
as fontes, acreditando que são monumentos carregados de intencionalidade e parcialidade.
Deste modo, todo documento histórico é portador de uma tensão entre evidência (de um fato
ou processo histórico) e representação (socialmente construída por alguém ou um grupo ou
uma instituição social), portanto sendo passível de um processo de múltiplas interpretações.
(NAPOLITANO, 2008, p.240).
Nesta perspectiva, estudiosos das fontes fotográficas compreendem que a imagem
fotográfica não é o real, como em geral se pensa no senso comum, mas uma interpretação
dele, ela é um vestígio calcado sobre o real, mas perpassado de significados culturais que
foram construídos no seu processo de produção, o que exige que seu uso seja priorizado pelo
exercício de análise e de interpretação, que possa conduzir ao entendimento dessa forma de
representação visual (Ibid.).
Segundo Martins (2002, p.225), existem significações e determinações ocultas na
realidade fotografada que demandam uma interpretação, para identificar o que está por trás do
visível e fotografado. Para este autor, a realidade apresentada pela imagem fotográfica “não é
mais ela mesma, e sim uma realidade mediada pelo tempo da fotografia, pelo olhar e pela
situação social do próprio fotógrafo, por aquilo que ele socialmente representa e pensa...”.
Com Kossoy (1999) pode-se acrescentar que a fotografia apresenta-se como
representação de realidades imediatas (primeira realidade) e mediatas (segunda realidade).
Para ele, a primeira realidade é o instante de curta duração, no qual se dá o ato de registro da
imagem por meio da ação ou técnica do seu autor que resultará na fotografia como suporte
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físico daquela imagem gravada. E a segunda realidade corresponde ao assunto, o verdadeiro
tema representado na imagem fotográfica, o evento visual e aparente do assunto selecionado
no espaço/tempo de um passado. Esta segunda realidade depende do ponto de vista e modo de
ver do fotógrafo – que realiza escolha com relação ao tema e à forma de sua tomada e
composição. Assim, as imagens dependem do modo de ver do fotógrafo e de cada um que as
interpreta, a partir de informações que possui sobre aquela imagem e tema.
Vale lembrar ainda que o uso deste tipo de documento, como outros de natureza
histórica, precisa levar em consideração que as fontes (não importa qual), constituem um
texto, portanto carregado de significados, para serem lidos e interpretados pelo pesquisador.
No caso da fotografia, ele é visual. A compreensão de sua representação só será possível se as
informações resultantes de sua análise estiverem relacionadas à natureza da linguagem
fotográfica (certo domínio da técnica de produção fotográfica), ao contexto histórico, no qual
foram produzidas as imagens e, em muitos casos, se forem cotejadas com outros documentos
complementares.
Estes são alguns aspectos do referencial metodológico que fundamentará a análise de
fotografias escolares encontradas na instituição pesquisada.
Os registros fotográficos escolares do IEPPEP
A prática de produção de fotografias escolares teve início no século XX, sendo a
fotografia de classe reproduzida mais frequentemente, pois era um tipo de objeto-mercadoria
para a recordação familiar. Possuía como característica básica a homogeneidade e a
uniformização, trazendo certa padronização da identidade escolar.
Segundo Burke (2004, p. 99) as “imagens são especialmente valiosas na reconstrução
da cultura cotidiana de pessoas comuns”. Assim, as fotografias escolares são testemunhos da
trajetória de vida tanto dos alunos quanto de outros agentes escolares (diretores, professores,
funcionários e outros). Além disso, embora possam representar recordações individuais,
servem ainda para registrar atividades, eventos e rituais escolares que ocorrem na intimidade
da escola, preservando sua memória coletiva.
A seguir passa-se a uma análise preliminar (sem ambição de interpretação total ou
absoluta) de alguns destes documentos iconográficos. Foram selecionados três conjuntos de
imagens: fotografias dos sujeitos escolares (professores, alunos, funcionários e outros);
fotografias de práticas escolares (eventos, comemorações cívicas, desportivas ou culturais que
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revelam fragmentos dessas práticas); e fotografias da cultura material escolar (arquitetura,
disposição e uso de espaço, móveis, equipamentos, materiais didáticos).
Os sujeitos escolares
Na Figura 1, apresenta-se um tipo mais comum de fotografia escolar – a clássica
imagem do sujeito coletivo, a classe – primeira realidade –, disposta na escadaria frontal da
instituição escolar, tendo uma professora, à esquerda do conjunto de alunas. A representação
desta unidade composicional que não escapa a um olhar mais criterioso – a segunda realidade
– é a uniformidade e identidade escolar marcada pelo tipo de registro padronizado,
composição de fotografia escolar modelar do início de século XX, registrada em um
determinado local – a majestosa escadaria frontal da instituição escolar.
A escadaria é um elemento arquitetônico geralmente mais ou menos suntuoso na
arquitetura escolar. Ter uma unidade escolar construída nesses moldes era significativo para
uma localidade, um dos símbolos do seu progresso, no contexto de modernização do país.
Os personagens geralmente sisudos neste tipo de fotografia do início do século XX,
aqui na Figura 1 (de 1940), aparecem mais à vontade, podendo-se observar o sorriso matreiro
ou tímido no rosto de algumas das jovens, como as duas da primeira fila e outras no interior
do conjunto, embora o momento seja solene.
Figura 1: Formandas da Escola de Professoras de 1940. Curitiba. Fonte: IEPPEP
O Jornal Gazeta do Povo complementa as informações da imagem fotográfica,
destacando a tradição que envolvia a formatura de professoras normalistas, naquele contexto
histórico, coroada por um baile em clube local:
As professoras normalistas formadas pela nossa Escola de Professoras, em noite de hoje e nos salões do Clube Concórdia, oferecerão um grande baile à nossa
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sociedade, baile que vem sendo aguardado com grande expectativa pelos meios sociais. A hora inicial da grande serata das novas Professoras Normalistas é às 22, sendo que o traje exigido é o de rigor (Gazeta do Povo, 22/11/1940).
A Escola Normal e suas alunas tornam-se símbolos da cultura brasileira, durante o
século XX, como se pode ver na canção popular “Normalista” de autoria de Benedito Lacerda
e David Nasser, popularizada na voz do cantor Nelson Gonçalves:
Vestida de azul e branco Trazendo um sorriso franco No rostinho encantador Minha linda normalista Rapidamente conquista Meu coração sem amor.
[...]
Mas a normalista linda Não pode casar ainda Só depois de se formar Eu estou apaixonado O pai da moça é zangado E o remédio é esperar...2
A Escola Normal, fundada em Curitiba em 1876, formou sua primeira turma de
professores em 1878, sob a direção do Dr. Justiniano de Mello e Silva, então Diretor Geral da
Instrução Pública. Estudar na Escola Normal era sinônimo de respeitabilidade e competência,
pois só as alunas mais comprometidas com o estudo é que conseguiam passar pelo exame
seletivo e, após a formatura, apenas as três melhores eram contempladas com nomeações em
escolas públicas de Curitiba, sendo as demais nomeadas para o interior do Estado, lá
permanecendo por um tempo até conseguirem remoção.
Figura 2: Alunas da Barreirinha em direção à Escola Normal, 1938. Curitiba. Fonte: IEPPEP
2 LACERDA, B. E NASSER, D. Home Page Letras.mus.br. Disponível em: http://letras.terra.com.br/nelson-gonçalves/261107/. Acesso em 01/10/2011.
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A Figura 2 foge dos padrões clássicos de fotografias escolares do sujeito coletivo -
classe, permitindo destacar alguns aspectos da cultura social mais ampla da cidade e de sua
característica de colonização por imigrantes, além de alguns indícios particulares. Apresenta
em primeira realidade o grupo de alunas, vestidas com um dos primeiros uniformes da Escola
Normal, numa rua pouco movimentada, sendo transportadas em carroça e revelando
edificações, ambos indicando traços da cultura polonesa (a exemplo do telhado alto da casa à
direita da fotografia). A imagem traz somente a inscrição: “vinda de alunas da Barreirinha,
1938”. Apenas com informações do contexto histórico e cultural local naquele período se
pode chegar a um mínimo de problematizações desse registro.
O bairro Barreirinha é marcado pela presença de uma importante colônia polonesa,
que imprimiu características significativas em seu aspecto, oferecendo uma paisagem de
lavouras e carroças que circulavam por suas ruas ao lado de outros veículos. Os colonos
poloneses ali iniciaram sua vida, cultivando centeio, milho, batata e outros cereais. Tornaram-
se conhecidos pela produção das tradicionais broas de centeio, mas logo iniciaram a indústria
de carroças.
Esses dados possibilitam problematizar de diferentes formas a imagem do grupo de
normalistas. Por exemplo, qual seria a intencionalidade do fotógrafo, ao realizar o
documento-memória? Registrar simplesmente a imagem das alunas da Escola Normal (fazer
parte dessa Escola traduzia certo status)? Evidenciar as dificuldades das alunas no seu
deslocamento para a escola? Demonstrar o traço cultural presente no grupo de alunas (é
possível identificar traços fisionômicos e outros elementos culturais específicos - carroça,
arquitetura, etc.)? De qualquer modo, independenete das indagações, os indícios permitem
questionar o perfil das normalistas daquela instituição escolar: elas não seriam apenas
moradoras do entorno do estabelecimento, localizado no centro da cidade, mas viriam
também de bairros periféricos, assim como do ponto de vista étnico poderiam pertencer a
descendentes de diferentes imigrantes que afluiram à capital do estado a partir da metade do
século XIX, com o incentivo governamental à colonização. Curitiba foi transformada pela
intensa imigração de europeus (alemães, franceses, suiços, poloneses, italianos, ucranianos
etc.) que conferiram um novo ritmo de crescimento à cidade e influenciaram os hábitos e
costumes locais.
O registro fotográfico seguinte (Figura 3) foi realizado sob a clássica composição na
escadaria frontal do edifício escolar, com a presença das professoras também uniformizadas
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com o tradicional “guarda-pó” branco das escolas públicas de ensino primário, em posição
estratégica à esquerda e à direita, tendo os meninos separados das meninas, na parte posterior,
nos limites da co-educação em processo de desenvolvimento ainda na década de 1950.
Figura 3: Turma de alunos da Escola de Aplicação Alba Guimarães Plaisant, anexa ao IEP, 1952. Curitiba. Fonte: IEPPEP
O último registro fotográfico de um sujeito coletivo (Figura 4) permite observar um
exemplar típico da recordação-memória escolar, a qual era produzida por um fotógrafo
profissional, aqui não mais na escadaria frontal, mas em frente às janelas da sala de aula,
tendo o conjunto de alunos vestidos com o mesmo uniforme da imagem anterior. Nesse
registro a irreverência (sorrisos e postura de alguns alunos do ensino primário, sentados no
chão) substitui o espaço da circunspecção das fotografias mais antigas, apresentando agora
fragmentos de uma cultura escolar em transição na expressão de sua ordem escolar, cujos
traços de maleabilidade misturam-se a outros mais tradicionais presentes nas duas imagens da
mesma Escola de Aplicação anexa ao Instituto de Educação do Paraná – IEP, especialmente a
composição formal homogeneizada, na qual se ressalta o lugar dos alunos, seja pela
hierarquia com os professores seja com relação ao gênero, separando meninos de meninas.
Figura 4: Lembrança escolar de turma da Escola de Aplicação Alba Guimarães Plaisant, anexa ao IEP, 1961. Curitiba. Fonte: IEPPEP
As práticas escolares
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As festividades cívicas da cidade, realizadas como fervor pátrio em determinados
momentos da história nacional, contavam com desfiles de comemoração e, neles, estavam
sempre presentes as normalistas. Os desfiles em Curitiba aconteciam ao longo da Rua XV de
Novembro, com início na Praça Santos Andrade e término na Praça Osório (em grande parte
do século XX). Assim, na Figura 5, apresenta-se a imagem do desfile comemorativo da data
de emancipação política do Paraná, em 1953. O uniforme impecável, a sincronia da marcha e
a homogeneidade na formação das alunas, tudo expressa solenidade e respeito que o universo
escolar manteve com relação às práticas cívicas.
A escola e principalmente algumas das disciplinas de seu currículo (História, “Língua
Pátria”, Educação Física, Música, Educação Moral e Cívica, dentre outras) tiveram um papel
fundamental no processo civilizador moderno, na disciplinarização do corpo para o trabalho,
para o estudo e para a vida em sociedade e na construção e difusão das ideias de nação, moral
cívica e patriotismo.
As Figuras 5 a 8 são representativas dessa função moralizadora e disciplinarizante da
cultura escolar. A Figura 5, com o registro do desfile comemorativo de um evento histórico,
representa, ela própria, um lugar de memória – o fato histórico político: centenário de
emancipação política do Paraná (1953). A Figura 6 indica a permanência da prática escolar de
cultuar o civismo no século XXI (2004), no dia 7 de setembro, embora com outra linguagem
estética e representação. A Figura 7 traz o registro fotográfico de uma atividade de Educação
Física numa formação cenográfica, quase militar, das alunas para a ginástica rítmica. E a
Figura 8 complementa esta análise com outra das atividades que contribuíram
significativamente nesse processo cultural civilizador: a banda escolar ou coral.
Figura 5: Desfile do Centenário da Emancipação Política do Paraná, 1953. Curitiba. Fonte: IEPPEP
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Figura 6: Desfile comemorativo da Independência do Brasil – 7/9/2004. Centro Cívico, Curitiba. Fonte: IEPPEP
Figura 7: Ginástica rítmica, s/d. Fonte: IEPPEP
Figura 8: Bandinha da Escola de Aplicação anexa ao IEP, s/d. Fonte: IEPPEP
A cultura material escolar
E, por último, foram selecionados registros fotográficos expressivos da cultura
material escolar. Na figura 9 aparece a edificação original da instituição no final do século
XIX. Nas Figuras 10 e 11 estão os registros do mesmo edifício que ainda hoje é usado pela
escola e cuja construção foi concluída em 1922. Nas duas imagens é nítida a diferença do seu
entorno. Na Figura 10 (anos 1930) detectamos a rua ainda em calçamento de pedra e a quase
ausência de transeuntes; na Figura 11 (anos 2000) revela-se uma das faces do
desenvolvimento urbano representada pelos inúmeros pedestres e o asfalto sinalizado que
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expressa uma “inovação” técnica do século XX, para proporcionar melhor segurança aos
transeuntes e à circulação dos veículos. A arquitetura do edifício obedece a alguns princípios
neoclássicos que eram valorizados na época da sua construção, os quais enobreciam o edifício
e contribuíam para a construção de uma representação de imponência e de traço significativo
da modernidade, cujo projeto acreditava-se precisava desse tipo de representações coletivas
para consolidar-se nas cidades brasileiras, naquele contexto histórico e cultural do final do
século XIX e início do XX.
Figura 9: Fachada do 1º prédio da Escola Normal, s/d. Curitiba. Fonte: IEPPEP
Figura 10: Instituto de Educação do Paraná, 1930. Curitiba. Fonte: IEPPEP
Figura 11: Instituto de Educação do Paraná. 2005. Curitiba. Fonte: IEPPEP
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O projeto de escola nova, contrapondo-se à escola tradicional exigia também um
aparato em termos de móveis e equipamentos: quadro negro, carteiras, armários, materiais
didáticos específicos para cada disciplina, como se observa nas Figuras 12 e 13, onde aparece
um acervo de materiais para as aulas de História Natural e de Geografia, respectivamente.
Nas Figuras 14 e 15, imagens da sala de direção, em ângulos diversos, que embora
correspondam a um registro fotográfico mais recente (2005) mantêm móveis de época
contemporâneos à sua instalação (mesa, armários, cadeiras, etc.) reveladores do status do
cargo ou função. Nas paredes da sala de direção estão também alguns originais de pintores
paranaenses clássicos e quadro de fotografia da pessoa do diretor que há vários anos dirige o
estabelecimento, a qual futuramente deverá incorporar a galeria de imagens de diretores da
escola que se em encontra no corredor de entrada do estabelecimento.
Figura 12: Sala de aula de História Natural. s/d. Curitiba.
Fonte: IEPPEP
Figura 13: Sala de aula de Geografia. s/d. Curitiba. Fonte: IEPPEP
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Figura 14: Sala da Direção, 2005. Curitiba. Fonte: IEPPEP
Figura 15: Sala da Direção, 2005. Curitiba. Fonte: IEPPEP
A arquitetura escolar, semelhante a outras instituições sociais, como presídios,
quartéis, orfanatos, hospitais e conventos é marcada pelo que Foucault chamou de
“procedimentos do poder”, ou seja, pelo enclausuramento e pela vigilância com técnicas de
disciplinarização necessárias para a construção da sociedade moderna. Tal traço está presente
no edifício. Se do lado externo o prédio é delimitado por grades e portões, separando espaços
e corpos da sociedade, do lado interno o princípio do controle está presente na construção de
espaços hierarquizados (sala de direção, de coordenação, salas de aula, pátio, corredores, etc.).
Estes visam dificultar o convívio social desordenado, a integração, priorizando a vigilância
das pessoas e sua condução a um único destino: a sala de aula.
Na Figura 16 é possível perceber nitidamente o princípio do panoptismo (de onde se
vê tudo e todos) presente no espaço de circulação. “Através dos corredores chega-se às salas
de aula, o locus central do educativo”. (DAYRELL, 2001, p.137)
Figura 16: Instituto de Educação do Paraná, pátio interno e corredores das salas de aula, 2005. Curitiba. Fonte: IEPPEP
Entretanto, mais recentemente as mudanças na cultura escolar e social mais ampla
permitem aos alunos a transgressão parcial dessa ordem de vigilância e controle, levando-os a
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adotar atitudes mais flexíveis e descontraídas até o uso social dos corredores, mesmo à vista
de funcionários responsáveis pela disciplina, como se observa na Figura 17.
Figura 17: Instituto de Educação do Paraná, corredor da entrada lateral, 2005. Curitiba. Acervo: IEPPEP
Não é incomum o agrupamento de alunos em algum banco com um violão ou apenas
conversando socialmente pelos corredores ou outras áreas comuns. Esta é uma forma dos
alunos revelarem a importância da escola, principalmente pública, como espaço de
sociabilidade que proporciona o encontro em situação de relativa segurança. A importância
deste espaço está na possibilidade de o aluno aprender a conviver, de adquirir conhecimentos
e saberes que vão além do conhecimento sistematizado.
Considerações Finais
O uso de imagens fotográficas, com o objetivo de recuperar o passado escolar, seus
agentes e suas práticas, tem demonstrado uma relativa eficácia na historiografia da educação
mais recente, para aqueles historiadores que conseguem transpor alguns dos obstáculos
próprios da construção histórica, como as dificuldades de localização, datação e interpretação
da fonte iconográfica. A aproximação da História a outras ciências humanas e sociais levou-a
a buscar outros métodos e novas abordagens teóricas e metodológicas, alterando a própria
noção de documento. Na perspectiva moderna da prática historiográfica, nenhum documento
fala por si mesmo. Assim, parafraseando Napolitano (2008, p. 240), as fontes audiovisuais,
assim como outras, portam uma relação de tensão entre evidência e representação. Ao mesmo
tempo em que se constituem em uma representação construída por alguém ou alguma
instituição, elas são uma evidência de um processo ou fato ocorrido no passado e demandam
uma análise interpretativa.
Desse modo, as fontes, mesmo as tradicionais, são concebidas na perspectiva da nova
historiografia em seu caráter representacional, isto é, como documentos carregados de
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intencionalidade e parcialidade, cada qual possuindo características próprias e exigindo
metodologias específicas, conforme sua linguagem constituinte.
A análise de fontes escolares visando à recuperação de práticas pedagógicas e
educativas, como se pode experimentar neste texto, exigiu além do conhecimento técnico, um
conhecimento sobre o contexto educativo e social mais amplo para sua interpretação.
Destacaram-se no conjunto documental imagens escolares mais correntemente produzidas, ou
seja, registros de personagens, de práticas e de traços da cultura material escolar. Neles
identificaram-se sujeitos, atividades, eventos e rituais, saberes (disciplinas), comportamentos,
materiais didáticos, uniformes, como traços da cultura escolar; tipo de arquitetura, função e
uso dos espaços, materiais e equipamentos como elementos da cultura material escolar; assim
como vestígios culturais de imigrantes da cultura social local. Foi também possível perceber
traços de permanências históricas como no mesmo tipo de fotografia registrada em diferentes
épocas sobre o sujeito coletivo classe ou nas práticas desenvolvidas como os desfiles ou
atividades, por exemplo; assim como foram observadas mudanças culturais expressas nas
diferentes formas de comportamento mais formal ou mais maleável na transição da escola
tradicional para a escola nova ou em data mais recente, bem como identificados traços da
cultura escolar na cultura social e vice-versa.
REFERÊNCIAS
BENCOSTTA, M. L. Memória e Cultura escolar: a imagem fotográfica no estudo da escola primária de Curitiba. História. São Paulo, v.30, n.1, p.397-411, jan/jun, 2011.
BURKE, P. Testemunha Ocular: história e imagem. Tradução Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004.
CHERVEL, A. “História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa”. Teoria da educação. Porto Alegre, n.2, p.177-229, 1990.
DAYRELL, J. T. “A escola como espaço sócio-cultural”. In: DAYRELL, J. T.(org.). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, p.136-161, 2001. FOUCAULT, M. “O sujeito e o poder”. In: RABINOW, P.; DREYSUS, H. Michel Foucault: uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p.231-250, 1995.
JULIA, D. “A cultura escolar como objeto histórico”. Revista Brasileira de História da Educação, n.1, p.9-44, jan./jun. 2001.
KOSSOY, B. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê editorial, 1999.
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MARTINS, J. de S. “A imagem incomum: a fotografia dos atos de fé no Brasil”. Estudos Avançados, São Paulo, v.16, n.45, p.223-260, 2002.
NAPOLITANO, M. “A história depois do papel”. In: PINSKI, C. B. (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, p.235-287, 2008.
VIDAL, D. G. “Cultura e práticas escolares; uma reflexão sobre documentos e arquivos escolares”. In: SOUZA, R. F. de S.; VALDEMARIN, V.T. (Orgs.) A cultura escolar em debate: questões conceituais, metodológicas e desafios para a pesquisa. Campinas/SP: Autores Associados, p.3-30, 2005.
VINÃO FRAGO, A. “Historia de la educación e historia cultural”. posibilidades, problemas, cuestiones. Revista Brasileira de Educação, n. 0, p. 63-82, set/dez 1995.