Artur Borger Kimura

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Sei que é difícil de acreditar, no entanto quem contou a história merece todo o respeito e credibilidade. Afinal, vive e trabalha nesse meio há mais de trinta anos. Então vamos lá: era uma vez uma carteiro que deveria entregar uma encomenda em uma casa bem retirada aqui do centro de Atibaia. Quase no meio do mato mesmo. Carteiros são altamente profissionais e responsáveis, não escolhem endereço, vão atrás. E lá foi o personagem fazer a entrega de uma carta.

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Quando um carteiro

passar por voce,

bata por voce

bata por voce

palmas para elepalmas

para elepalmas

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Sei que é difícil de acreditar, no entanto quem contou a história merece todo o respeito e credibilidade. Afinal, vive e trabalha nesse meio há mais de trinta anos.

Então vamos lá: era uma vez uma carteiro que deveria entregar uma encomenda em uma casa bem retirada aqui do centro de Atibaia. Quase no meio do mato mesmo. Carteiros são altamente profissionais e responsáveis, não escolhem endereço, vão atrás. E lá foi o personagem fazer a entrega de uma carta.

Meio no mato, como se disse, a casa aparente-mente não tinha ninguém. O carteiro bateu palmas, tornou a bater palmas e ouviu uma voz ao longe: “Quem é?” E a voz repetia: “Quem é?” Feliz da vida ele respondeu: “O carteiro...” E ficou à espera de ser atendido. Passou um minuto, dois, três minutos e ninguém aparecia. Ao quinto minuto, ansioso, o carteiro voltou a bater palmas. Desta vez ainda mais forte e mais palmas. “Quem é?”, perguntou a mes-ma voz. E o carteiro tornou a se identificar: “É o car-teiro...” Mais um minuto, mais dois, mais três, cinco minutos e nada do carteiro ser atendido. Já irritado ele gritou: “É o carteiro!” Sabem o que aconteceu? Nada. Nada mesmo. E já se haviam passado mais cinco minutos...

Os carteiros não devem desistir em sua missão. Mas o personagem da história já estava a ponto de largar tudo, fugir da vida e ir embora quando sur-giu alguém, vindo de fora, que foi logo perguntando: “O senhor está procurando alguém? Bobagem, aí só

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tem gente à noite...” E o carteiro corrigiu: “Não, não, tem gente sim. Eu bati palmas e alguém respondeu, perguntando quem era...”. Aos risos o recém-chega-do matou a charada: “Aí, não tem ninguém mesmo. Quem fica perguntando e repetindo “quem é, quem é, quem é? é um papagaio ensinado...”

O contador dessa história é o carteiro Artur Bor-ger Kimura, 53 anos, casado com Avanil Aparecida Gonzaga Kimura e pai da jornalista Ayla Gonzaga Kimura. Filho de Samuel Takao Kimura e Juliana Francisca Borges Kimura. O fato não aconteceu com ele, mas Artur sabe muito dessas coisas de cartas, carteiros, entregas e telegramas pelo simples fato de ser carteiro há nada menos que 30 anos. Nascido e criado em Atibaia, jovem ainda começou a trabalhar em uma banca de jornais. “Ali no Barcheta. Com um pouco de sorte consegui um emprego nas Casas Per-nambucanas trabalhando como vendedor. Não era fácil encontrar empregos naquele tempo.” Quase sete anos depois começou a trabalhar nos Correios, incentivado pelo chefe José Célio. Um dia antes de dar esta entrevista Artur estava comemorando 29 anos de Correio.

Por ter completado todo o período de contribuição para o INSS, já está aposentado. Mas continua tra-balhando. “Não deu para parar. Muita conta, a vida anda cara”, resmunga. Ao contrário do que muitos pensam o salário de um carteiro não é nada entu-siasmador. “Tá difícil”, diz. Talvez poucos saibam, mas Atibaia conta com 36 carteiros. “Quando eu comecei tinha oito carteiros. Atibaia era muito pe-quena, era mais o centro. Hoje tem bairro para tudo quanto é lado...”

Naquela época os carteiros andavam a pé. “No má-ximo de bicicleta. Quando eu entrei era chamado de

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carteiro Cerca, ou seja, eu entregava e buscava ma-lotes. E eram muitos. Especialmente nas empresas.” Depois passou a ser mensageiro e entregava telegra-mas. Nem todos se lembram, mas o telegrama era o grande veículo de comunicação. Pelo menos o mais rápido. Talvez fosse o e.mail da época. “Entreguei muito telegrama. Até passar a ser carteiro mesmo, ou seja, entregar só cartas.” Artur diz que chegava a entregar 50/60 telegramas por dia. Chegou até a 100, em cem endereços totalmente diversos. Não era fácil...

As cartas valiam ouro. Ah! o prazer e a emoção de receber uma carta. De um amigo, da família, da na-morada, da esposa. “Os telegramas eram tão impor-tantes que tinham horário marcado para ser entre-gues. Quando chegavam a gente saía correndo para entregar.” E vinham telegramas de minuto em mi-nuto. “O prazo de entrega de um telegrama era de duas horas, no máximo...” E lá ia o Artur correndo pelos descaminhos da cidade. A internet acabou com tudo isso, Artur? “Não, nada disso. O telegrama continua vivo. Hoje ainda tem muita gente que usa. Ele vale até como prova, não é?” Justiça, bancos, fa-lecimentos, tudo isso é motivo para usar o telegra-ma. Com internet e tudo.

Pode parecer incrível, mas a internet, que muitos julgavam iria acabar com os correios, na realidade só aumentou o trabalho dos carteiros. “Não esque-ça que hoje em dia ficou comum as pessoas compra-rem coisas pela internet. E a gente é que entrega es-sas compras. Fora os folhetos de propaganda que as empresas enviam”, explica.

O certo seria Artur trabalhar oito horas por dia. “Mas tem muitos e muitos dias que a gente chega a trabalhar doze horas por dia.” Muita carta, mui-

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ta mercadoria. “E a cidade cresceu muito.” Tanto assim que Artur, que começou trabalhando e en-tregando cartas a pé, passou pela bicicleta e hoje já anda de moto. “Só se trabalha à pé no centro. Imagi-ne o carteiro chegar de bicicleta para entregar uma carta, tendo que deixar a bicicleta encostada. Quan-do voltar vai encontrar duas, né?” Artur sorri. Tem-pos de violência. Ele garante, no entanto, que nunca ouviu falar de roubo de bicicleta, moto ou carro dos Correios. “A bandidagem sabe que isso dá uma ca-deia dos diabos... Acho que é crime federal roubar os Correios...” Se bem que esse tipo de crime já te-nha ocorrido em outros locais, outras cidades. “Gra-ças a Deus nosso serviço é respeitado...”

O maior inimigo do carteiro é o cachorro. Artur ri e confirma: “Já levei mordida, já corri de cachorro, já corri atrás de cachorro...” Fora isso os carteiros são muito respeitados. “Uma vez roubaram a agência. Lembro que eu estava fechando e veio um indivíduo e disse: “É um assalto, abre essa porta.” Tinha bas-tante gente na agência. Eram três elementos, mão armada. Levaram selos, dinheiro, aquelas tele-se-nas, carnê do Baú, fizeram uma limpeza geral.”

Seu pior momento foi quando sofreu um acidente na Fernão Dias, próximo ao Bairro do Tanque. “Eu estava de moto. Um caminhão me jogou fora da pis-ta. Fui acordar na minha casa...” Artur sofreu muito. “Já na minha casa eu perguntei para a minha mu-lher: e aí, o que é que aconteceu comigo? Ela disse que eu tinha sofrido um acidente. E eu disse: que é isso, eu estava de férias. E ela disse: mas você voltou a trabalhar ontem. E eu disse: ah! você está brincan-do. Aí ela contou a história toda. Que o caminhão tinha mesmo me atingido, me jogou num barran-co, veio outro caminhão e quase passou por cima de

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mim. Sei que vim do Bairro do Tanque até à agência do Correio, deixei a moto e fui para casa sem saber o que estava fazendo. Muita gente viu o acidente, mas ninguém anotou a placa do caminhão. Disseram que era um caminhão que fazia manutenção dos telefo-nes rurais. Faz mais de vinte anos isso.”

Artur conta que ficou fora de si por um bom tempo. Que na hora xingou o chefe, xingou o pai, desrespei-tou amigos, ficou meio doido. “Minha mulher disse que eu fiquei muito mal da cabeça...” Hoje ele sor-ri, mas confessa que passou apertado. “Foram dois meses afastado do trabalho porque tinha trincado o ombro. Era curativo atrás de curativo, todos os dias. Foi o pior tempo que eu vivi no Correio.” Esse tipo de acidentes é muito comum entre os carteiros. “É muita correria. O perigo de andar de moto. Teve um colega que passou por uma cerca de arame farpado e quase morreu. É muito perigoso.”

Coisas tristes também acontecem e muito. Entre-gar telegramas, por exemplo. “A gente acaba levan-do más notícias. A gente sabe que a pessoa vai ficar triste, então, entrega o telegrama ou a carta e procu-ra sair logo do lugar e nem olhar para trás...” Artur acha que os Correios podem melhorar muito. “Nos-so quadro é de 55 funcionários, hoje estamos com 35, como se vê, falta quase metade.” Quando vem pouca coisa vem 35 ou 40 mil cartas num dia. Às ve-zes chega a 50 mil cartas. “E são apenas 35 pessoas para receber, separar por bairro, por rua, por nume-ração. Só depois disso que a gente sai para entregar. Tem dias que saímos até meio grogues de lá. Ainda bem que a gente já está acostumado.”

Ao final, mais uma história curiosa que ele contou. “Aconteceu no Jardim Imperial. Um colega foi en-tregar uma carta e acabou sendo atacado por um pi-

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t-bull. Ele ficou tão assustado que sua única reação foi virar-se e dar um murro. O murro pegou no meio da cabeça do cachorro e a pancada foi tão forte que o cachorro morreu. O dono da casa não gostou. Vai ver que ele pensou: “Imaginem só essa porcaria de pit-bull, morrer com um soco de um carteiro...”.

Artur tinha mil histórias para contar, o diabo era a falta de tempo. No dia da entrevista ele ainda ti-nha muitas cartas para entregar. Ao repórter só ca-bia então cumprimentá-lo pela sua bravura em ser carteiro.

Depois de saber pelo menos esse pouco sobre os carteiros, quando um deles passar por você, bata palmas, pois ele merece. ■