Artigos de Reviso para Abril 2006,...

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NeuroAtual Volume 4, número 1, 2008

NEUROLOGIA GERAL Dr. Osvaldo M. Takayanagui Steroids in CNS infectious diseases – new indications for an old therapy. Fitch MT et al. Nature Clinical Practice Neurol, 4: 97, 2008. O cérebro e a medula espinhal não toleram bem a inflamação que acarreta comprometimento secundário ao tecido nervoso. A resposta inflamatória às infecções no compartimento liquórico causa substancial morbidade e mortalidade. Os corticosteróides, tais como a dexametasona, prednisona, cortisona e hidrocortisona podem arrefecer o processo inflamatório e beneficiar o tratamento etiológico. A dexametasona, um glicocorticóide de ação prolongada e com excelente penetração no SNC, tem sido amplamente empregada como anti-inflamatório no tratamento de doenças infecciosas no encéfalo e na medula. Entretanto, seu uso prolongado é associado a eventos colaterais tais como úlceras gastrointestinais, distúrbios neurológicos, ósseos, e musculares. Corticosteróide na Meningite Bacteriana A associação de corticosteróide no tratamento da meningite bacteriana tem sido tentada desde a década de 1950, com publicações sob a forma de relatos isolados ou de séries pequenas de casos. Posteriormente, os trabalhos experimentais evidenciaram que a lise de bactérias induzida pelos antibióticos provoca uma reação inflamatória no espaço subaracnóideo e que esta resposta é atenuada pela corticoterapia, com melhor evolução. Baseado nesses estudos experimentais, vários ensaios clínicos foram elaborados no ser humano com o uso mais freqüente da dexametasona. Os estudos iniciais mostraram que esta reduzia a incidência de perda auditiva em crianças com meningite pode Haemophilus influenzae do tipo b (Hib). Uma meta-análise dos estudos efetuados entre 1988 e 1997 confirmou a menor incidência do comprometimento auditivo nas crianças com meningite por Hib tratadas com associação de dexametasona em relação àquelas que receberam apenas antibióticos; sugeriu, ainda, o efeito benéfico desta droga na meningite pneumocócica. Muitos estudos iniciais sobre a dexametasona no tratamento das meningites apresentavam falhas metodológicas e sua indicação nos adultos persistiu como sendo motivo de debate até 2002, quando surgiu um trabalho demonstrando seu papel benéfico. Esse estudo prospectivo, multicêntrico, randomizado, duplo-cego, controlado com placebo utilizou dexametasona 10 mg de 6 em 6 horas, por 4 dias, acarretando redução substancial do risco de desfecho desfavorável e de óbito. Na infecção pneumocócica, a mortalidade foi reduzida de 34% (placebo) para 14% (dexametasona).

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Adicionalmente, esses benefícios não estiveram acompanhados de aumento de seqüelas neurológicas ou de reações adversas ao corticosteróide. A meta-análise com 623 adultos e a revisão sistemática de Cochrane com 2.750 adultos e crianças confirmaram os benefícios da associação de corticosteróide. Corticosteróide na Meningite Tuberculosa O uso de corticosteróides no tratamento da meningite tuberculosa tem sido relatado desde 1950, com crescente aceitação de seu benefício. Uma meta-análise de 595 pacientes mostrou que o emprego associado de esteróides reduz a incidência de mortes e de seqüelas. Um estudo randomizado, duplo-cego, controlado com placebo com 545 pacientes mostrou que a dexametasona reduz o risco de morte; contudo, não houve redução associada de seqüelas. A recomendação atual é de administrar dexametasona aos pacientes com escala de Glasgow inferior a 15 ou que apresentem déficit neurológico focal, por via EV por 4 semanas (0,4mg/kg/d na primeira semana, 0,3mg/kg/d na segunda, 0,2mg/kg/d na terceira e 0,1mg/kg/d na quarta), seguida de dexametasona por via oral, em doses decrescentes (4mg/d, 3mg/d, 2 mg/d e 1mg/d - redução semanal). Aqueles com consciência preservada e sem anormalidades neurológicas poderiam receber dexametasona EV por 2 semanas (0,2mg/kg/d na primeira semana e 0,1mg/kg/d na segunda), seguida do mesmo esquema de redução oral, acima descrito. Corticosteróide na Encefalite Viral por Herpes simplex Um trabalho com 45 casos de encefalite por Herpes simplex evidenciou que o uso de corticosteróide determina melhor evolução clínica. Apesar de não haver estudos de coorte com grande número de casos ou de ensaios randomizados que constituam evidências robustas, o uso de corticosteróides tem sido recomendado como uma opção terapêutica, ficando a critério do médico assistente a escolha do tipo e da dose. Comentários: Há questionamentos se a recomendação do uso de dexametasona nas meningites bacterianas seria válida também aos pacientes dos países em desenvolvimento. Recentemente, foram publicados 2 artigos no N. Engl J Med, listados abaixo, sem contudo um esclarecimento definitivo. Este tópico foi comentado no número anterior de NeuroAtual. Corticosteroids for bacterial meningitis in adults in sub-Saharan Africa. Scarborough M et al. N Engl J Med, 357: 2441, 2007. Dexamethasone in Vietnamese adolescents and adults with bacterial meningitis. Mai NTH et al. N Engl J Med, 357: 2431, 2007. Evaluation of rapidly progressive dementia. Woodruff BK. Semin Neurol, 27: 363, 2008. A avaliação de pacientes com demência rapidamente progressiva representa um desafio ao neurologista, principalmente pela raridade das condições responsáveis por este tipo de apresentação.

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1- Doenças degenerativas - Doenças priônicas Doença de Creutzfeldt-Jakob esporádica Doença de Creutzfeldt-Jakob adquirida Variante de Doença de Creutzfeldt-Jakob Doença de Creutzfeldt-Jakob iatrogênica

Doença de Creutzfeldt-Jakob hereditária Doença de Creutzfeldt-Jakob genética Síndrome de Gerstmann-Straussler-Scheinker Insonia familial fatal - Demências fulminantes Doença de Alzheimer Demência com corpos de Lewy Demência frontotemporal 2- Doenças Inflamatórias - Encefalopatia de Hashimoto, meningencefalite inflamatória autoimune não vasculítica - Síndrome de Sjögren - Autoimunidade GAD - Sarcoidose - Vasculite do SNC - Encefalite límbica paraneoplásica 3- Doenças Vasculares - Vasculite do SNC Primária Secundária Infecciosa Neoplásica (linfoma intravascular) Vasculite sistêmica Doença do tecido conjuntivo Induzida por drogas Síndrome antifosfolípide Síndrome de Susac - Hereditária CADASIL MELAS - Hematoma subdural - Infarto ou hemorragia 4- Doenças tóxicas - Leucoencefalopatia induzida por radiação - Leucoencefalopatia induzida por quimioterapia Methotrexate 5-fluorouracil Cisplatin Ciclosporina A

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Tacrolimus Levamisol 5- Doenças Metabólicas - Hereditárias Doença de Wilson Síndrome de Hallervorden-Spatz Doenças mitocondriais Xantomatose cerebrotendíneo Lipofuscinose neural ceroide Adrenoleucodistrofia e metacromática

Doença de Tay-Sachs de início na vida adulta - Nutricional Encefalopatia de Wernicke Psicose de Korsakoff - Ambiental Chumbo Arsênico Mercúrio Manganês 6- Doenças Infecciosas - Viral HIV Encefalite por Herpes simplex Leucoencefalopatia multifocal progressiva Panencefalite esclerosante subaguda - Bacteriana Sífilis Infecções micobacterianas Doença de Lyme Doença de Whipple - Fúngica Coccidioides Aspergillus Histoplasma Crytococcus Blastomyces Race: the extinction of a paradigm. Biondi G et al. Ann Hum Biol, 34: 588, 2007. O debate sobre o conceito de “raça” na evolução humana parece interminável. Embora a terminologia e a classificação racial estejam desaparecendo gradualmente da literatura científica e programas de pesquisa em antropologia física, o conceito de

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“raça” persevera nos estudos americanos e europeus. A publicação da seqüência do genoma humano reacendeu a questão entre os cientistas que lidam com medicina genética e forense, epidemiologia e farmacologia. Durante o curso da história, a variabilidade biológica entre os indivíduos (diferenças na cor da pele, cabelo, formato da cabeça e dos olhos) representaram forte impacto na auto-percepção humana. Nas sociedades ocidentais pré-científicas a variabilidade morfológica servia de critério de subdivisão em grupos. Os egípcios foram os primeiros a representar sistematicamente este aspecto na arte: Remet (homens) em vermelho e seus vários vizinhos com outras cores: Aamu (asiáticos) em amarelo; Nehesyu (população africana sub-sahariana, ou Nubians) em preto; Tjemehu população ocidental, ou líbios) com cabelos loiros e olhos azuis. Heródoto (século V aC) descreveu as semelhanças físicas de muitas populações em sua Historiae. Na genealogia de Genêsis, a Bíblia relaciona a variabilidade das populações conhecidas aos 3 filhos de Noé: Sem foi o pai dos semitas, árabes e hebreus; Cam o dos hamitas que povoou a região sul do mundo; Jafé o dos arianos ou indo-europeus. Em adição à caracterização por diferenças morfológicas, o Renascimento cunhou os tipos psicológicos, classificando-os em colérico, sanguíneo, fleumático e melancólico. As tentativas mais modernas de classificar a variabilidade biológica humana tiveram início com Richard Bradley (1721) numa divisão tripartite de Brancos (europeus e americanos), Negros (abissínios e negros) e Intermediários (mulatos), não considerando, portanto, toda população asiática. Carl Von Linné, empregando método científico, descreveu em seu Systema Naturae (1735) a nossa espécie como Homo sapiens, subdividindo em 4 variedades: Europaeus albesc.; Americanus rubesc.; Asiaticus fuscus; e Africanus niger. Sob a influência do Renascentismo, na 13ª edição do Systema Naturae ele definiu Europeu como sanguíneo, Nativo Americano como colérico, Asiático como melancólico e Africano com fleumático. Uma década depois, Geoges-Louis Leclerc (1749) expandiu das 4 “variedades” de Linné para 6 “raças”. O último da linha de classificação racial produzido pelos pensadores do Iluminismo foi a subdivisão de Immanuel Kant em 4 “raças” (1785 e 1798). Durante o século XIX e até meados do XX, surgiram numerosas outras classificações que dividiam os seres humanos em 2 a 63 “raças”. Como a subdivisão sofreu desvios contínuos de alinhamento com a ideologia dominante, o termo “raça” se tornou sinônimo de espécie, subespécie, grupo étnico, perdendo, assim, sua importância como instrumento científico para o estudo da variabilidade biológica. Os traços morfológicos na classificação são fortemente influenciados pelos efeitos do ambiente e tendem a se adaptar ao mesmo. Populações que habitam áreas geográficas similares apresentam semelhanças morfológicas, independentemente da ancestralidade comum mais recente. Em contrapartida, o valor naturalístico da taxonomia reside na possibilidade de definir relações ancentral-descendente entre as populações; em outras palavras, quanto mais recente for a divergência, maior a semelhança. Esta é a razão das classificações raciais que serviram bem para descrição da nossa história ecológica tem falhado na reconstrução de filogênese humana e o conceito de “raça”, quando aplicado à espécie humana, tem se mostrado um instrumento taxonômico absolutamente inepto.

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A prova científica inicial da inconsistência da classificação racial emergiu quando as relações biológicas entre as populações baseadas nos traços morfológicos foram comparadas com as construídas de acordo com os marcadores biológicos. As árvores filogenéticas da evolução humana baseadas nos traços morfológicos mostravam que os africanos se agrupavam com os australianos e os europeus com os asiáticos. No início da década de 1960, ficou provada a impossibilidade da subdivisão da humanidade em “raças” por causa da proporção de variabilidade genética dentro de populações ser superior a 85% e apenas uma pequena parte restante da variabilidade genética total permitia a distinção em diferentes populações. Recentes estudos baseados em DNA de várias populações têm revelado que a variação genética humana é estruturada geograficamente. Uma resposta bem fundamentada à questão de “raça” foi trazida pela antropologia molecular. Cann, Stoneking e Wilson (1987) demonstraram que a espécie humana se originou na África há apenas 200.000 anos, tendo daí migrado para o velho mundo onde substituiu os habitantes prévios, sem miscigenação. Esta reconstrução baseada no DNA mitocondrial foi corroborada por estudos posteriores de DNA mitocondrial, DNA autossômico e cromossomo Y. Isto significa que o Homo sapiens é muito jovem para a subdivisão da nossa espécie em “raças”. “Raça” é uma categoria taxonômica e, como tal, deve ser usada para definir relações ancestrais-descendentes entre grupos humanos, isto é, sua filogênese. Isto foi útil para reconstruir a história ecológica da humanidade. Mas, assim como outras espécies, a história ecológica da espécie humana é não menos importante que sua filogênese – é apenas diferente. A necessidade de erradicar o conceito de “raça” da história evolucionária humana não significa denegar diferenças genéticas entre as populações humanas – muito pelo contrário. De fato, as diferenças genéticas estão sendo investigadas de forma aprofundada em biologia (antropologia molecular, genética humana, genética de populações, biologia molecular) e na medicina, incluindo farmacologia e medicina forense. Essas disciplinas precisam definir com precisão as populações estudadas e os grupos aos quais os indivíduos pertencem. Os critérios utilizados pelos cientistas, individual ou coletivamente, são geográficos: de um continental a uma escala regional; político: país, cidade ou vilarejo; sócio-histórico-demográfico: de estratificação social ao isolamento sóciogeográfico de eventos, migratórios à miscigenação; e étnico: de crenças religiosas à linguagem. A “raça” foi uma simplificação arbitrária de um processo complexo, um exercício fútil praticado por tantos cientistas por tão longo período. Brain tumors: current issues in diagnosis and management. Lyons ML et al. Sem Neurol, 27: 312, 2007. Nos últimos 15 anos houve um enorme progresso no diagnóstico e tratamento de tumores cerebrais, mormente devido ao marcante avanço de imagem que permitiu detecção mais precoce da doença. Os avanços nas técnicas cirúrgicas e radioterápicas

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influenciaram também o atendimento dos pacientes afetados. O desenvolvimento mais recente das opções quimioterápicas tem também contribuído no tratamento de tumores cerebrais malignos. Os pacientes com tumores benignos facilmente tratáveis podem ter uma vida normal após o tratamento adequado. Entretanto, aqueles com tumores malignos enfrentam um desafio maior e, em alguns casos, uma evolução rapidamente progressiva e fatal. A detecção precoce desses tumores pode levar a um tratamento mais agressivo e um impacto potencialmente significante na sobrevida e na qualidade de vida. Enquanto os avanços no tratamento de tumores malignos variam, o prognóstico para aqueles com gliomas de alto grau permanece pobre. A pesquisa sobre a base molecular dos gliomas oferece esperanças. O prognóstico dos pacientes com lesões metastáticas depende primordialmente do tipo tumoral e do controle da lesão primária. Differentiating Parkinsons’s disease from other parkinsonian disorders. Alvarez MV et al. Semin Neurol, 27: 356, 2007. Em 1817, James Parkinson descreveu formalmente a paralisia agitante que é agora conhecida como doença de Parkinson idiopática. O quadro clínico, no entanto, existia há milhares de anos antes dessa época. As descrições evoluíram significativamente até que finalmente o termo parkinsonismo foi cunhado para descrever doenças neurológicas caracterizadas pela presença de tremor, rigidez e bradicinesia em adição à perda dos reflexos posturais. Neste artigo, os autores apresentam algumas dicas clínicas de cunho prático para a diferenciação entre a doença de Parkinson idiopática, parkinsonismo atípico e parkinsonismo induzido por medicamentos. Orbital syndromes. Bhatti MT. Semin Neurol, 27: 269, 2007. A órbita é uma estrutura anatômica complexa com propriedades únicas, não observadas em outras regiões do corpo. Composto de 7 ossos, a órbita é preenchida pelo olho, nervo óptico, glândula lacrimal, músculos extraoculares, nervos periféricos motores e sensitivos, gordura, artérias e veias. Todos esses elementos estão intimamente relacionados entre si, dentro de um intrincado tecido conjuntivo. Uma variedade de processos traumáticos, vasculares, inflamatórios, infecciosos e neoplásicos pode afetar a órbita e sua estrutura. Além das várias doenças primárias da órbita, diferentes doenças sistêmicas e processos patológicos de estruturas vizinhas (olho, cavidade oral, seios paranasais e cavidade intracraniana) podem envolver a órbita.

Este artigo apresenta uma revisão da anatomia da órbita, discute a avaliação clínica e manifestações das síndromes orbitárias, com destaque àquelas de interesse ao neurologista, incluindo orbitopatia associada a disfunção tireoidiana, inflamação inespecífica da órbita, invasão neoplásica da cavidade orbitária por carcinoma cutâneo de células escamosas, mucormicose rino-órbito-cerebral e fístula carótido-cavernosa.

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Comentários: É um excelente artigo de revisão com ilustrações de alto nível, muito didáticas. Optic disc edema. Van Stavern GP. Semin Neurol, 27: 233, 2007. O edema de disco óptico é o resultado final de muitos processos patológicos, alguns relativamente benignos, outros com conseqüências visuais e neurológicas devastadoras. A diferenciação das diferentes causas depende da história e exame clínico completo com atenção especial ao disco óptico. O papiledema implica em edema devido a hipertensão intracraniana e pode ser diferenciado de outras causas de acordo com as características clínicas. Algumas anormalidades congênitas do disco óptico podem se assemelhar ao edema, e seu correto reconhecimento pode poupar o indivíduo de exames complementares desnecessários. A patogênese do edema de disco permanece sendo motivo de debate, mas o mecanismo final é o refluxo do transporte axoplásmico. A estratégia de tratamento do edema de disco depende sobretudo da etiologia subjacente. Comentários: Este é outro artigo com excelentes ilustrações fotográficas das diversas anormalidades do disco óptico. Strategies to advance translational research into brain barriers. Neuwelt E et al. Lancet Neurol, 7: 84, 2008.

Este é um excelente artigo de revisão sobre as diversas barreiras existentes no SNC (barreiras hemato-encefálica, hemato-liquórica e outras), cujo funcionamento impede a entrada de medicamentos essenciais para o tratamento da maioria das doenças neurológicas. O extraordinário o avanço dos conhecimentos adquiridos nos últimos anos sobre as barreiras é apresentado neste artigo, com identificação dos pontos prioritários nas futuras pesquisas sobre as barreiras e delineamento de novos medicamentos. Comentários: Este artigo apresenta ilustrações de excelente qualidade. The 10 most commonly asked questions about cerebrospinal fluid characteristics in demyelinating disorders of the CNS. Mehling M et al. The Neurologist, 14: 60, 2008.

1- Qual o papel do exame de LCR na suspeita clínica de esclerose múltipla (EM)? 2- Quais anormalidades do LCR são encontradas habitualmente na EM? 3- Qual a relevância da presença de bandas oligoclonais no LCR no diagnóstico de

EM? 4- Qual a origem dos anticorpos encontrados no LCR de pacientes com EM?

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5- De que forma a análise quantitativa com o diagrama de Reiber auxilia na classificação das alterações do LCR?

6- Qual é o papel dos índices de anticorpo específico? 7- De que forma o exame de LCR permite o diagnóstico diferencial de EM? 8- O exame do LCR ajuda na distinção entre EM clássica e as variantes? 9- O LCR pode ajudar na previsão da evolução clínica da EM? 10- De que forma o LCR contribui para melhor compreensão da patogênese da EM?

Comentários: As respostas são apresentadas de forma extremamente clara e objetiva. Excelente artigo para atualização sobre as alterações do LCR na esclerose múltipla.

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CEFALÉIA Drª. Célia Aparecida de Paula Roesler A retrospective, comparative study on the frequency of abuse in migrane and chronic daily headache. Peterlin BL et al. Headache, 47: 397, 2007. O objetivo do estudo foi avaliar e contrastar a frequência relativa de abuso físico ou sexual em pacientes com cefaléia crônica diária (CCD) versus migrânea. Ele foi conduzido de dezembro de 2004 a agosto de 2005 em uma clínica particular, onde 163 pacientes foram entrevistados, examinados e diagnosticados pelos autores. Uma variedade de fatores de risco é conhecida pela piora da cronificação da dor de cabeça, entre eles raça caucasiana, baixo nível de educação, ingestão de cafeína, hipotireoidismo e casamento prévio. Há um número limitado de dados sobre abuso e dor de cabeça, onde podemos destacar o estudo de Tietjen et al, que sugere uma alta prevalência de abusos em pacientes com dor de cabeça. Os resultados obtidos nos mostram que a freqüência de abusos físicos e sexuais em pacientes com CCD é comparativamente maior do que em pacientes com migrânea, confirmando os resultados obtidos por Tietjen et al. Devemos lembrar entretanto que a prevalência de abusos é muito difícil de ser determinada em uma população. Além disso, nossa amostragem não é grande e um outro estudo envolvendo um número maior de pessoas seria necessário para confirmar os achados. Work stress and new-onset migrane in a female employee population. Mäki K et al Cephalalgia, 28: 18, 2008. Migrânea é um episódio crônico de dor de cabeça que afeta aproximadamente 10% da população adulta em países ocidentais, impactando significadamente na qualidade de vida dos pacientes. Atualmente ela ocupa o 19° lugar de doenças que levam a incapacitação de trabalho segundo a Organização Mundial de Saúde. É uma doença multifatorial, onde o sexo feminino, história positiva na família e etnia branca contribuem como fatores de risco. Esse estudo prospectivo coorte examina se o estresse causado pelo trabalho, como indicado no modelo estirpe (modelo que afirma que a combinação de altas exigências profissionais e baixa latitude trabalho decisão conduzirá a resultados negativos a saúde física) e no modelo esforço-recompensa (que analisa o equilíbrio entre motivação e

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obrigação) prediz uma nova incidência de migrânea em trabalhadores do sexo feminino sem qualquer história de migrânea até a entrada no estudo. Entre 2000 e 2002, 38.391 de 53.217 mulheres empregadas responderam questionários relativos a estresse e saúde no trabalho. Um seguimento foi feito em 2004 e 2005, com o envio de questionários às participantes que não haviam apresentado migrânea. Após seleção de dados, 6,6% das mulheres que não apresentavam previamente migrânea reportaram episódios no seguimento do estudo. Nova incidência de migrânea foi mais comum nas mulheres mais jovens e com depressão diagnosticada anteriormente. Trabalhadoras de cargo mais baixo apresentaram menor incidência do que trabalhadoras de cargos mais altos. O resultados nos fornecem uma justificativa para futuros estudos que possam determinar a potencialidade dos fatores de risco em modelos esforço-recompensa .

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EPILEPSIA Dr. Luiz Eduardo Betting Dr. Fernando Cendes The medical management of the epilepsies in children: conceptual and practical considerations. Raspall-Chaure M et al. Lancet Neurol, 7, 2008. Introdução: Epilepsia na infância envolve uma série de síndromes com diferentes prognósticos, morbidades e respostas ao tratamento. Neste grupo de pacientes, o tratamento das crises constitui apenas um aspecto no manuseio da criança com epilepsia. Para o prognóstico final, o tratamento das morbidades associadas pode ser tão importante quanto o tratamento das crises. Princípios para o tratamento: Deve sempre ser individualizado devido às diferentes etiologias e prognósticos. As crianças com epilepsia podem ser divididas em dois grupos principais: Grupo a: Epilepsias idiopáticas focais ou generalizadas: resposta melhor e mais rápida ao tratamento, alterações cognitivas e comportamentais menos graves; Grupo b: Epilepsias sintomáticas (com etiologia identificável), provavelmente sintomáticas e encefalopatias epilépticas: pior resposta ao tratamento medicamentoso, maior probabilidade de alterações cognitivo-comportamentais. 1. Objetivos da terapia medicamentosa: 60-70% das crianças com epilepsia recém diagnosticada ficaram livres de crises sem tratamento ou com uma dose baixa a moderada de drogas antiepilépticas (DAEs). Deste modo, o objetivo do tratamento medicamentoso deve ser: Grupo a: controle das crises com monoterapia e sem efeitos adversos. Em algumas situações não tratar pode ser uma alternativa. Grupo b: para as epilepsias refratárias deve-se buscar um equilíbrio entre controle máximo das crises e com um mínimo de efeitos adversos. 2. Introdução e modificações no tratamento medicamentoso: o tratamento com DAEs deve ser iniciado apenas quando o diagnóstico de epilepsia for confirmado. Para o tratamento é recomendado: a) introdução da medicação após duas crises epilépticas não provocadas; b) monoterapia até a máxima dose tolerada; c) titulação gradual e lenta. 3. Identificação e manuseio de morbidades adicionais: autismo, transtorno de déficit de atenção / hiperatividade e distúrbios do sono devem ser identificados de forma precoce e apropriadamente tratados. O manuseio adequado destas comorbidades é tão importante quanto o controle das crises. Um bom controle destas patologias melhora o prognóstico psicossocial e educacional em crianças com epilepsia. Selecionando as DAEs: 1. A decisão de não utilizar DAEs no tratamento: em algumas ocasiões esta alternativa pode ser viável. As síndromes que não são tratadas com maior freqüência são as crises

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febris e as epilepsias benignas (exemplo: epilepsia benigna da infância com espículas centro-temporais). Entretanto, se as crises são freqüentes ou prolongadas o tratamento deve ser iniciado. 2. A escolha da primeira DAE: de modo geral, valproato de sódio é recomendado para as crises generalizadas e carbamazepina para as parciais. Entretanto, na prática diária, esta decisão deve ser individualizada e realizada dentro do contexto da faixa etária do paciente, síndrome epiléptica, sexo, peso, medicações concomitantes e comorbidades. 3. Uso de politerapia após falha da monoterapia: O objetivo da politerapia deve ser aumentar a efetividade do tratamento melhorando a eficácia, tolerabilidade ou ambos. Algumas associações podem ser úteis como a combinação entre valproato e lamotrigina (efeito sinérgico). Politerapia com DAEs sedativas devem ser evitadas. Epilepsia refratária e politerapia: Epilepsia refratária é observada em 9-24% das crianças com epilepsia. A abordagem realizada deve procurar maximizar a terapia com DAEs na tentativa de controlar totalmente as crises. Durante as fases iniciais de verificação da refratariedade da epilepsia, o quadro clínico, o EEG e a ressonância magnética devem ser cuidadosamente revisados. Esta reavaliação pode levantar a possibilidade do tratamento cirúrgico ou de outras alternativas como imunoglobulina, terapia hormonal, dieta cetogênica, entre outros. 1. Medidas para o equilíbrio entre controle de crises e qualidade de vida: vários autores observaram que reduzir a dose de DAEs pode efetivamente manter o controle das crises com menor número de efeitos adversos em pacientes com epilepsia refratária. Em crianças, em algumas circunstâncias, a redução das DAEs pode melhorar o prognóstico cognitivo-comportamental com pouco impacto negativo no controle de crises. Efeitos adversos: a maioria ocorre na categoria da neurotoxicidade ocorrendo de forma dose-dependente. Os sinais e sintomas mais comuns incluem sonolência, tonturas, alteração cognitiva, ataxia e diplopia. Reações idiossincrásicas imprevisíveis e de maior gravidade também podem ocorrer. Entre elas destacam-se: rash cutâneo, síndrome de Stevens-Johnson, agranulocitose, anemia aplástica e insuficiência hepática. Crianças menores que dois anos e em politerapia, constituem uma população de alto risco para hepatotoxicidade induzida pelo valproato. Monitorização do tratamento: Crianças devem ser reavaliadas precocemente após o início da DAE (4-6 semanas). Posteriormente as avaliações devem ser feitas de forma regular independente do controle das crises. 1. Exames laboratoriais: sua realização rotineira não é estimulada. Não há evidências de que estes exames reduzem a taxa de efeitos adversos idiossincrásicos. Entretanto, em pacientes com suspeita de toxicidade são fundamentais. 2. Dosagens séricas das DAEs: não acrescentam dados importantes no manuseio das DAES. Podem ser úteis na avaliação de aderência ao tratamento e para explicar modificações na freqüência de crises e tolerabilidade particularmente em crianças em politerapia onde a DAE problemática é desconhecida.

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3. EEG: ferramenta indispensável na avaliação das epilepsias. Entretanto, sua utilidade na monitorização do tratamento é limitada. As encefalopatias epilépticas constituem uma importante exceção. Nestes casos, as crises podem ser subclínicas e influenciar o prognóstico. Portanto, o EEG é essencial para guiar o manuseio das DAEs e para verificar a resposta a terapia nestes pacientes. Finalmente, o EEG pode ser útil para avaliar a possibilidade de recorrência de crises depois da retirada das DAEs. A maioria dos estudos sugere que o EEG anormal antes da retirada da DAE está associado a um maior risco de recorrência. Entretanto, existem exceções. Na epilepsia parcial benigna da infância, por exemplo, a normalização do EEG ocorre depois da remissão clínica. Descontinuando o tratamento medicamentoso: comumente a terapia com DAEs é mantida por dois anos sem crises. A decisão de retirar uma DAE deve ser ponderada entre o risco de recorrência das crises e os efeitos adversos de um tratamento crônico e desnecessário. De modo geral, 70% das crianças com epilepsia ficaram 2 anos livres de crises após a retirada da DAE. 80-90% das recorrências ocorrem no primeiro ano após a interrupção da medicação. As síndromes epilépticas parecem ser o principal determinante da duração da terapia e do risco de recorrência após a descontinuação da DAE. O risco de desenvolvimento de epilepsia refratária, após a retirada da DAE, em um paciente previamente controlado existe e varia entre 1 a 20%. Este fato deve ser levado em consideração na decisão de retirar uma DAE. Tabela 1: Resumo das recomendações para o tratamento medicamentoso apropriado de crianças com epilepsia. 01. Diagnóstico clínico adequado dos tipos de crises, síndrome epiléptica e comprometimentos adicionais. 02. Abordagem holística. Comorbidades devem ser identificadas e tratadas precocemente. 03. Considerar os prognósticos possíveis de acordo com etiologia / síndrome epiléptica. 04. Objetivos reais a respeito do controle de crises. 05. Seleção apropriada das DAEs (considerar os tipos de crises, síndrome epiléptica, idade, comorbidades

e outros tratamentos). 06. Individualizar a dose das DAEs baseado na resposta e tolerabilidade. 07. Utilizar uma ou duas DAEs em monoterapia. Evitar manter uma DAE ineficaz uma vez que,

provavelmente, existe outra mais apropriada. 08. Procurar sistematicamente por efeitos adversos. 09. Evitar exames laboratoriais, dosagens séricas e EEGs de rotina. 10. Ponderar a redução da freqüência ou severidade das crises contra os efeitos adversos das DAEs. 11. Evitar o tratamento em excesso. Quando uma DAE não é efetiva na sua dose máxima tolerada, reduza

a dose até ocorrer inaceitáveis aumentos na freqüência ou severidade das crises. 12. Excluir causas de pseudo-resistência e considerar a possibilidade de piora AED-induzida das crises. 13- Em casos de epilepsia refratária, considerar retornar a monoterapia e tratamentos alternativos como o

cirúrgico. 14- Permitir a participação dos pais no processo de tomada de decisão.

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NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECIMENTO Dr Rogério Gomes Beato Dr Paulo Caramelli Vascular cognitive impairment: current concepts and clinical developments. Moorhouse P et al. Lancet Neurol 7: 246, 2008. Comprometimento Cognitivo Vascular (CCV) é um grupo heterogêneo de transtornos cognitivos que tem em comum a etiologia vascular. É um tema de grande interesse devido a sua freqüência e a possibilidade de prevenção. Aproximadamente 1/3 dos pacientes com demência mostram patologia vascular significativa à necropsia. Os subtipos de CCV incluem CCV sem demência, demência vascular (DV) e demência mista, isto é, Doença de Alzheimer (DA) + DV. A DV inclui a demência pós-acidente vascular encefálico (AVE), a demência por múltiplos infartos, e a demência subcortical. O CCV sem demência refere-se aos indivíduos cujos sintomas não estão associados com alteração funcional significativa, e cujo comprometimento cognitivo é de causa vascular presumida. Os pacientes com CCV sem demência apresentam alto risco de progressão para demência, (demência mista ou vascular), particularmente se eles apresentam acidentes vasculares encefálicos recorrentes. A demência mista é a apresentação clínica de indivíduos com achados clínicos e comumente neuropatológicos de doença de Alzheimer e de demência vascular. Outro subgrupo de CCV é apresentado em uma categoria separada, a arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia (CADASIL). Fisiopatologia - Doença de grandes vasos – sua manifestação clínica mais comum é a demência pós-AVE – comprometimento cognitivo significativo que segue o AVE (usualmente dentro de três meses). A prevalência de demência pós-AVE varia de 14 a 32%. Os fatores de risco para demência pós-AVE incluem idade e baixo nível educacional; entretanto, a associação de fatores de risco vasculares, como hipertensão, diabetes, dislipidemia, e fumo, com a gravidade do AVE, tem se mostrado inconsistente. O número de fatores de risco vasculares parece ser mais importante que os fatores de risco analisados individualmente no que se refere ao desenvolvimento de comprometimento cognitivo. A demência pós-AVE pode resultar de lesões (infartos) estratégicos no tálamo, giro angular, núcleo caudado, globo pálido, prosencéfalo basal e hipocampo. Pode resultar também do efeito acumulativo de vários infartos corticais de número e tamanho variados, que é a base da demência de múltiplos infartos descrita por Hachinski. - Doença de pequenos vasos – em geral, é discutida em relação às alterações da substância branca observadas nos exames de neuroimagem, e o termo leucaraiose é comumente utilizado para descrevê-las. A leucaraiose pode ser detectada em mais de 90% dos pacientes idosos. As alterações da substância branca não são específicas de

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infartos; infarto pode ser raro na leucaraiose em comparação com as lesões na substância branca profunda, e a relação causal entre leucaraiose e alterações vasculares não é bem compreendida. As áreas cognitivas afetados pela leucaraiose não são bem estabelecidas, mas sua associação com declínio cognitivo e funcional é forte. - Doença vascular isquêmica subcortical – A lesão vascular subcortical devido a infarto ou isquemia de pequenos vasos ocorre dentro da substância branca, dos núcleos da base, e do tronco cerebral. As lacunas são vistas na substância branca cortical e, mais tipicamente, na coroa radiada, cápsula interna, centro semioval, tálamo, núcleos da base, ou ponte. Lesões nos circuitos subcorticais pré-frontais são associadas à diminuição da fluência verbal, a comprometimento das funções executivas, a um risco aumentado de AVE e demência, e a declínio cognitivo de evolução mais rápida. Considera-se a disfunção executiva parte de perfil cognitivo específico para distinguir CCV e DA. Entretanto, nem todos os estudos são concordantes em relação à importância da disfunção executiva na CCV. - Alterações isquêmicas sem infarto e atrofia – Isquemia sem ocorrência de infarto é aceita como parte integral do processo de doença que afeta sua apresentação e o prognóstico. Ressonância magnética com tensor de difusão pode ser usada para detectar anormalidades que ultrapassam as bordas visíveis da leucaraiose, e estas anormalidades mostram associação mais forte com as alterações cognitivas que a leucaraiose de maneira isolada. A isquemia pode também contribuir para a demência mista por promover as alterações neuropatológicas da DA. Em animais, as alterações isquêmicas no endotélio vascular aumentam a clivagem da proteína precursora amilóide, promovem a fosforilação da proteína tau e inibem o clearance de amilóide extracelular. Diagnóstico Os critérios correntes para demência vascular (mais comumente o NINDS-AIREN) não incluem CCV sem demência, embora até metade dos indivíduos com CCV não preencham critérios para demência. Os critérios diagnósticos existentes não são concordantes, o que torna a comparação entre eles difícil. Muitos pesquisadores consideram a neuropatologia como o padrão ouro para o diagnóstico de CCV, o que é contestado em alguns trabalhos. Outros pesquisadores não aceitam a neuropatologia como padrão ouro e propõem que a neuroimagem seja considerada o padrão ouro alternativo para o diagnóstico. Comprometimento cognitivo O padrão de déficits observados em pacientes com CCV varia consideravelmente. Os infartos localizados em regiões estratégicas são associados a perfis cognitivos específicos, enquanto as lesões subcorticais são associadas com freqüência a anormalidades da velocidade de processamento da informação, ao comprometimento das funções executivas, e a labilidade emocional. Testes cognitivos,

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como o MEEM, são pouco sensíveis a estas anormalidades, mesmo em pacientes que são seguidos por um ano após o AVE. Nesses pacientes, o comprometimento da cognição global e da atenção está associado de maneira mais consistente com pior prognóstico funcional do que a disfunção executiva e os déficits de memória isolados. Neuroimagem CCV não apresenta características de neuroimagem patognomônicas. A localização do infarto, com freqüência, não se relaciona com a o perfil cognitivo, e a neuroimagem não pode confirmar de maneira fidedigna a cronologia das lesões e além de não poder informar a contribuição relativa dos processos degenerativos e isquêmicos na apresentação clínica. Os critérios de NINDS-AIREN e os critérios da Califórnia são pouco sensíveis, o que dificulta sua utilização de rotina na prática clínica. O reconhecimento da importância dos infartos incompletos e hipoperfusão indicam que CCV pode estar presente na ausência de lesões a neuroimagem. Embora a tomografia computadorizada de crânio seja disponível em muitos locais do mundo, ela é menos sensível que a ressonância magnética (RM) de encéfalo. Os resultados de estudos que utilizaram difusão por RM têm proporcionado maior compreensão da localização da lesão e sua relação com a apresentação clínica, e sugerem que as lesões não são necessariamente isquêmicas. Em geral, o comprometimento da substância branca é associado à perda da integridade funcional. As técnicas de difusão podem eventualmente possibilitar a medida do número de fibras por trato e suas áreas funcionais conectadas pela substância branca. A importância da atrofia no CCV é cada vez mais reconhecida e pode mostrar associação mais consistente com a progressão da doença e com sintomas depressivos do que as alterações de substância branca. A atrofia temporal mesial está surgindo como fator de correlação importante da disfunção cognitiva, incluindo da disfunção executiva. Progressão da doença e possibilidades de tratamento - Progressão de cognição normal para CCV sem demência – Em um estudo de base populacional, verificou-se maior comprometimento do raciocínio abstrato nos pacientes que desenvolveram CCV em comparação com os que desenvolveram DA. Além do controle dos fatores de risco vasculares estabelecidos para o AVE, a prevenção da CCV pode ser possível pela realização de atividade física. - Progressão do CCV sem demência - O CCV nem sempre evolui para demência, e existem evidências de que pacientes com CCV sem demência podem apresentar melhora. Em estudos longitudinais, observou-se que indivíduos com CCV sem demência mostraram menor progressão dos déficits cognitivos quando comparados com os outros subtipos de CCV. Em um estudo populacional, a progressão de CCV sem demência para demência incidente não foi associada a um perfil neuropsicológico

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específico. Também não observada diferença nos níveis de progressão entre os pacientes com alteração funcional predominante e aqueles com comprometimento principal de memória, e metade dos pacientes com CCV sem demência foram posteriormente diagnosticados com DA. - Tratamento e prevenção da progressão na demência vascular e demência pós-AVE - Existe variação considerável na progressão da demência pós-AVE; até 1/3 das pessoas apresentam mudança de diagnóstico (ausência de alterações cognitivas, comprometimento cognitivo sem demência, demência) no período de um ano após o AVE. Entre os fatores de risco para progressão do declínio cognitivo e declínio funcional estão idade, alterações cognitivas prévias, uso de vários medicamentos, hipotensão na fase aguda do AVE, e depressão. Em geral, a localização do infarto é menos importante para prever o declínio cognitivo do que a atrofia temporal medial, e atrofia temporal medial é mais importante do que os hipersinais da substância branca para prever a demência pós-AVE. Existem evidências de que as técnicas de difusão podem ser mais úteis do que seqüências em T2 para seguir a progressão do CCV. Os dados disponíveis dos fatores de risco vasculares em relação à progressão do CCV mostram resultados equívocos no que se refere à prevenção primária e secundária. Até o momento, os efeitos do tratamento de pacientes com demência vascular são modestos. Em uma meta-análise recente foi observado pequeno benefício, de significado incerto, com uso de inibidores de colinesterase e memantina. Alguns pacientes podem apresentar benefício clínico, embora os pacientes que se beneficiarão com o tratamento não possam se previstos. - Efeito das medidas preventivas na neuroimagem – Os exames de neuroimagem podem ajudar na compreensão dos mecanismos da doença, embora sua relação com as manifestações clínicas não seja clara. Em um estudo com indivíduos idosos, os pacientes tratados com receptor de bloqueador do receptor de angiotensina candersatina mostraram risco reduzido de apresentarem hiperintensidades na substância branca. Nesse mesmo estudo, a atividade física não foi associada com progressão mais lenta das mudanças na substância branca observadas na RM. Sugere-se que a atividade física possa prevenir o CCV por aumentar a reserva cognitiva – a habilidade para manter a função cognitiva apesar do aumento da carga neuropatológica. Diagnostic criteria for the behavioral variant of frontotemporal dementia (bvFTD): current limitations and future directions. Rascovsky K et al. Alzheimer Dis Assoc Disord, 21: S14, 2007. A variante frontal da demência fronto-temporal (vfDFT) é uma síndrome clínica caracterizada por alterações progressivas de comportamento e da cognição associadas a atrofia dos lobos frontais, temporais e da insula. Apesar dos avanços recentes na sua

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caracterização clínica, pode ser difícil diferenciá-la da Doença de Alzheimer em vida. O diagnóstico diferencial da vfDFT é importante em relação ao prognóstico, à terapêutica e à conduta comportamental dos pacientes. Os critérios de Lund-Manchester, propostos em 1994, especificaram as características principais, suportivas e de exclusão da demência fronto-temporal. Em 1998, os critérios foram revisados, sendo adotado o termo Degeneração Lobar Fronto-Temporal que incluía a variante frontal da demência fronto-temporal, a afasia progressiva não fluente e a demência semântica. Posteriormente, McKhann e cols., considerando que os critérios existentes eram de pesquisa, sugeriram novos critérios para ajudar o diagnóstico clínico. Estes critérios incluíam alterações comportamentais progressivas e alterações da linguagem progressivas. Os autores salientaram as limitações dos critérios de Neary para vfDFT: - Grande número de características: os critérios correntes incluem 5 características principais, 20 características suportivas, 11 de exclusão, e 3 características de exclusão relativas. Este número pode ser muito elevado até para os clínicos mais experientes. - Podem ser restritivos nos estágios iniciais da doença: Em um trabalho realizado por Mendez et al. somente 17 pacientes em um total de 53 apresentavam todas as cinco características principais no estágio inicial da doença. - Papel limitado das características suportivos - os critérios iniciais incluem 20 características suportivas que não representam nenhum papel no diagnóstico. A presença das características suportivas não favorece ou altera o diagnóstico. Existem evidências recentes de que a presença de algumas características suportivas, como perseverações, estereotipias e hiperoralidade, podem ser úteis ao diagnóstico. - Curso da doença e das características clínicas – o uso de termos precoce e tardio não é definido e o tempo para a manifestação dos sintomas é aberto à interpretação. - Nível de certeza diagnóstica - Não existem critérios para DFT provável ou possível, o que impede os examinadores de qualificar seu nível estimado de certeza do diagnóstico. - Utilidade de alguns critérios suportivos – Critérios como ecolalia e comportamento de utilização são incomuns e podem ser de pouco valor diagnóstico, enquanto características como eletroencefalograma normal ou pressão arterial lábil ou baixa podem ser incorretos. - Ambigüidade de alguns dos termos utilizados: muitas alterações comportamentais incluídas nos critérios de Neary são subjetivas e existem poucas escalas confiáveis para ajudar na avaliação de itens como embotamento emocional ou regulação de conduta pessoal. - Inferência: embora a avaliação de alterações comportamentais graves seja simples, a confiabilidade inter-examinador diminui quando as características avaliadas requerem inferência sobre o estado emocional e cognitivo do paciente. Conceitos complexos como perda de insight, por exemplo, requerem não apenas inferência, mas a determinação do tipo e da qualidade da perda de insight. - Critérios de exclusão – os critérios de exclusão, como amnésia intensa e precoce e desorientação espacial podem excluir pacientes com DFT, já que alguns estudos mostram pacientes com amnésia anterógrada intensa como o sintoma dominante em

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casos de DFT comprovada pela neuropatologia, enquanto desorientação espacial pode rejeitar pacientes que estão estágio tardio. - Neuroimagem e genética – nos últimos anos ocorreram avanços na identificação de padrões de neuroimagem e mutações patogênicas na vfDFT. Os novos critérios devem reconhecer o valor destas características no diagnóstico clínico desta doença. Os autores acreditam que pesquisadores e clínicos se beneficiariam de critérios diagnósticos simples e revisados integrando as características clínicas mais importantes às características genéticas e de neuroimagem da doença. As principais modificações seriam: reduzir o número de critérios diagnósticos; excluir distinções arbitrárias entre características suportivas e principais; permitir maior flexibilidade no preenchimento dos critérios diagnósticos; estabelecer definições operacionais mais claras; acrescentar achados de neuroimagem e de genética; distinguir entre vfDFT provável e possível e definida, dependendo da certeza diagnóstica. Por fim, os autores salientam a importância da criação de um consórcio para o desenvolvimento de novos critérios diagnósticos para DFT.

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DISTÚRBIOS DO MOVIMENTO

Dr. Roberto Prado

Dra. Monica Haddad Neurosurgery at an earlier stage of Parkinson disease. Schüpbach WMM et al. Neurology, 68: 267, 2007.

A Estimulação bilateral do núcleo subtalâmico (EBNS) se constitui um tratamento efetivo na fase avançada da Doença de Parkinson (DP). Atualmente, vem sendo realizada após um tempo médio de doença de 14 anos, quando a terapia medicamentosa se torna ineficaz no manejo das manifestações motores, resultando em notável impacto na qualidade de vida dos pacientes. Alguns estudos têm sugerido a realização da EBNS em pacientes que se encontram na fase inicial da DP a fim de manter a qualidade de vida e prevenir a degradação psicossocial desses pacientes.

Este estudo teve como objetivo avaliar se a realização da cirurgia na fase inicial da doença implica em melhoria na qualidade de vida desses pacientes, na redução de suas manifestações motoras e de comorbidades psiquiátricas.

20 pacientes com DP de início recente (Tempo decorrido desde o surgimento do primeiro sintoma: 6,8 ± 1,0 anos) apresentando leves a moderados sinais motores (Escala Unificada da Doença de Parkinson no período “off”: 29 ± 12) que obtiveram uma boa resposta à terapia com levodopa foram incluídos aos pares, combinados por idade, duração e severidade da doença, e acometimento de função socioprofissional. Eles foram prospectivamente randomizados em dois grupos, para serem submetidos à estimulação bilateral dos núcleos subtalâmicos (n=10) ou receber tratamento medicamentoso otimizado (n=10). Escores para os sinais motores do Parkinson, para a qualidade de vida, para a cognição, e para as comorbidades psiquiátricas foram avaliados na inclusão e depois de 6, 12 e 16 meses após a randomização.

Foi evidenciada uma melhora de 24% na qualidade de vida dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico e 0% nos pacientes sob regime medicamentoso exclusivo (p<0,05). Houve uma redução no impacto em suas atividades diárias (UPDRS II) de 34%, 45% e 28% após 6, 12 e 18 meses, enquanto que nos pacientes em uso de medicação observou-se uma piora ao longo do estudo.

A severidade das manifestações motoras no período “off” de acordo com escala específica (UPDRS III) apresentou piora de 6%, 8% e 29% em pacientes sob tratamento medicamentoso exclusivo, enquanto que aqueles submetidos ao tratamento cirúrgico apresentaram melhora de 59%, 64% e 69% em seus escores. Observou-se, também, uma melhora significativa na rigidez (p<0,001), na bradicinesia (p<0,001), no tremor (p=0,05) e nos sinais axiais (p<0,001) nos pacientes cirúrgicos comparados àqueles em uso de medicação apenas.

Houve aumento na dose diária de levodopa nos pacientes sob tratamento medicamentoso de 9%, 17% e 12%, e piora na severidade das manifestações motoras

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(UPDRS IV) induzidas pela levodopa de 10% e 15%, após uma melhora inicial de 2%, enquanto que nos pacientes cirúrgicos a dose de levodopa equivalente foi reduzida em 71%, 61% e 57%, e a severidade das manifestações motoras (UPDRS IV) reduzidas em 76%, 83% e 83%. Essa melhora foi significante tanto para discinesia tardia quanto para as flutuações motoras.

A cognição (MDRS) e as funções do lobo frontal se mantiveram estáveis em ambos os grupos. Ansiedade (BAS) e comorbidades psiquiátricas gerais (CPRS) melhoraram significantemente após 18 meses de cirurgia. Observou-se, também, uma tendência de melhora no humor nesse grupo de pacientes. Não se evidenciou mudanças no estado psiquiátrico dos pacientes em tratamento medicamentoso exclusivo.

Com isso, a EBNS deve ser considerada como uma opção terapêutica precoce no manejo da DP. Constitui-se uma medida eficaz para os pacientes com início recente da DP e boa reposta ao uso de levodopa, nos quais se espera que apresentem uma longa evolução da doença e severas complicações motoras induzidas pela levodopa. Os pacientes se beneficiam do procedimento cirúrgico quanto mais cedo este é realizado, pois os benefícios advindos com a cirurgia se reduzem ao longo da progressão da doença e do surgimento de resistência à terapia com levodopa.

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NEUROIMUNOLOGIA Dr. Marcos Moreira Dr. Fernando Faria Andrade Figueira Bipolar disorder and multiple sclerosis. Ybarra MI et al. Arq Neuropsiquiatr, 65:1177, 2007. O transtorno bipolar (TB) é uma condição psiquiátrica na qual períodos de depressão alternam-se com episódios de mania. Sua prevalência é estimada em 1% na população geral. Estudos publicados sugerem que o TB seja mais freqüente em pacientes com EM do que na população geral. De acordo com estes estudos, a alta comorbidade parece envolver uma diversidade de fatores como a localização das lesões desmielinizantes, aspectos genéticos, tratamento prolongado com corticosteróides e história familiar para distúrbios psiquiátricos. Alguns autores têm examinado o envolvimento de alguns genes do HLA em pacientes com TB e esclerose múltipla (EM). Neste artigo são relatados três casos de associação entre EM e TB (de acordo com critérios do DSM-IV-TR). Em dois casos o TB surgiu em pacientes previamente diagnosticados com EM. O 3º caso descreveu uma mulher com uma história antiga de TB que desenvolveu EM. Neste caso, a explicação mais plausível seria uma associação causal entre as duas doenças. Can imaging techniques measure neuroprotection and remyelination in multiple sclerosis? Zivadinov R. Neurology, 68(Suppl 3): S72, 2007. A interpretação da imagem por ressonância magnética (IRM) convencional é instrumento insubstituível na boa prática médica neurológica e o elemento paraclínico mais relevante, tanto para o diagnóstico quanto para o seguimento de pacientes com esclerose múltipla (EM) 1. Seqüências de imagem ponderada por T2 (T2W) e FLAIR, apesar da baixa especificidade, apresentam grande sensibilidade na detecção e quantificação de lesões residuais e clinicamente silenciosas. Por sua vez, a quebra inflamatória da barreira hematoencefálica local, evidenciada por captação na seqüência por T1 (T1W) pós-gadolineo (Gd), é a expressão do substrato patológico do surto clínico. O volume das lesões hipointensas, "black-holes", nas seqüências convencionais por T1W, guarda alguma correlação com a perda celular e com o grau de incapacidade. Sua intensidade,

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no entanto, pode variar conforme a densidade axonal e o grau de remielinização, grandezas de difícil obtenção nas imagens convencionais. Já lesões desmielinizantes corticais, de longo tempo reconhecido pelos patologistas, hipocelulares e pouco inflamatórias, também têm impacto no grau de incapacidade. Mais freqüentes nas formas progressivas da doença, dificilmente são visíveis à IRM convencional, que não se mostra suficientemente sensível para avaliar a integridade neuronal. Nesta interessante e abrangente revisão, Robert Zivadinov, de Buffallo, NY, nos convida a uma reflexão sobre o uso atual e potencial de novas tecnologias em IRM, em sua habilidade no diagnóstico da degeneração celular e do processo de remielinização que ocorrem em pacientes com EM. No curso da remielinização, as novas membranas mielínicas são formadas mais delgadas e, consequentemente, o espaço entre elas se alarga. Isto proporciona uma maior interface entre a mielina e a água, facilitando o fenômeno do relaxamento, com um T2 mais lento que o da substância branca aparentemente normal, gerando hipersinal em T2W ("bright T2"). Como tanto a perda axonal quanto a remielinização não ocorrem de forma homogênea, lesões hipointensas em T1W podem apresentar intensidades distintas ("shadow plaques") e pacientes com carga lesional semelhante podem desenvolver diferentes graus de incapacidade. Quando comparados aos aparelhos convencionais, de 1.5T, os de campo eletromagnético ultra-alto (3T e 4.7T), mesmo empregando técnicas de supressão, proporcionam um ganho apenas modesto na detecção de lesões corticais, histologicamente evidenciadas. Em contrapartida, sua sensibilidade é substancialmente maior na detecção de lesões captantes de Gd e hipersinal por T2W. Mesmo ainda sem um protocolo otimizado para estes aparelhos, este fato certamente terá influência no diagnóstico e tomada de decisão em pacientes com síndromes clinicamente isoladas. Usando o princípio da interação entre os prótons livres e conjugados, a imagem por transferência de magnetização (MTI) se forma a partir da magnetização de prótons ligados a macromoléculas. A lesão tissular, tanto axonal quanto mielínica, reduz a interface e restringe a troca, e portanto reduz a razão de transferência de magnetização (MTR). O aumento da MTR correlaciona quantitativa e qualitativamente com o grau de remielinização, tanto em animais quanto em estudos pós-mortem e ontogenéticos. Para Robert Zivadinov este é o ponto relevante do artigo: a MTR poderia ser usada para se estabelecer uma classificação cronobiológica das lesões, predizer individualmente a evolução e, desta forma, ser usada na avaliação da eficácia de terapias2. Medidas volumétricas, quer globais ou segmentares, da substância branca ou da substância cinzenta, se fundamentam no conceito de que a atrofia cerebral pode ser um preditor de incapacidade. Estas medidas podem ser importantes marcadores biológicos para a progressão da doença, e para, talvez, avaliar a eficácia de tratamento. Entretanto, em sua quase totalidade, requerem metodologias complexas, o que compromete seu uso

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na prática clínica. Para o autor, "embora tenha havido uma evolução na avaliação da integridade celular usando IRM, um padrão ouro ainda está por ser estabelecido". Na busca por este marcador, em trabalho recentemente publicado3, nosso grupo apresentou os resultados preliminares do seguimento de 128 pacientes consecutivos, por um período de cinco anos. Neste estudo longitudinal, um índice geométrico de corpo caloso mostrou-se uma forma prática para evidenciar alterações morfométricas desta comissura, já a partir do terceiro ano da avaliação. Estes dados, ainda preliminares, sugerem que este método tem um potencial para ser utilizado no acompanhamento em longo prazo de pacientes com EM, em especial naqueles com a forma progressiva. Referências: 1. Traboulsee A, Li D, Frank J, Simon J, Coyle P, Wolinsky J, Paty D. Consortium of MS Centers MRI protocol for the diagnosis and follow-up of MS. Consortium of MS Centers, on-line, June 2003. 2. Zivadinov R. Comunicação pessoal. 3. Figueira FFA, Santos VS, Figueira GMA, Silva ACM. Corpus Callosum Index: A practical method for long-term follow-up in multiple sclerosis. Arq Neuropsiquiatr 2007,65: 931-935.

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DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR/ELA Dr. Mário Emílio Dourado Jr. Efficacy of minocycline in patients with amyotrophic lateral sclerosis: a phase III randomised trial. Gordon PH et al. Lancet Neurol, 6: 1045, 2007.

A minociclina é uma segunda geração do antibiótico tetaclina que previne a ativação microglial e inibe a ativação das caspases. Em modelos animais de AVC, trauma e doenças neurodegenerativas, a minociclina tem efeito neuroprotetor e prolonga a sobrevida em 22% de modelos animais de ELA.

O papel da apoptose na degeneração do neurônio motor é cada vez mais reconhecido. A SOD1 mutante transforma a SOD1 anti-apoptótica para pró-apoptótica. A SOD1 mutada lesa a membrana mitocondrial liberando citocromo C, intermediário da apoptose, ativando caspases. A ativação da caspase 1 tem sido associada com apoptose e inflamação, e é possível que a ativação prolongada seja a responsável pela inflamação crônica observada em camundongos. A SOD1 mutada se liga ao BCL2, ação anti-apoptótica, presente na membrana externa mitocondrial. Os agregados de SOD1 e BCL2 são encontrados especialmente na medula espinhal, mas não nas mitocôndrias hepáticas, justificando a especificidade da SOD1 mutante para o neurônio motor. A ligação da SOD1 com BCL2 elimina a função da BCL2, rompe a membrana mitocondrial, diminui energia e ativa a apoptose mitocondrial. Com o início da apoptose eventos secundários, como inflamação, são gerados amplificando o processo de morte neuronal (ativação da microglia e de células T e liberação de citocinas, tais interleucinas, COX2, TNF-alfa). O TNF-alfa ativa a caspase 8 e seu receptor faz parte da superfamília de proteínas que inclue a Fas (pró-apoptótica).

Embora a apoptose é um evento tardio na degeneração do neurônio motor, a inibição dessa morte programada teria um benefício na ELA. Gordon e col realizaram um estudo multicêntrico, duplo-cego e placebo-controlado em 412 pacientes com ELA que eram randomizados para receber minociclina, 400mg/dia, ou placebo por 9 meses. Os autores analisaram a evolução da doença através da escala funcional revisada da ELA em ambos os grupos. Analisaram também, entre outros parâmetros, o tempo da falha terapêutica (definida como a morte por qualquer causa, traqueostomia, ventilação assistida crônica ou utilização de ventilação não invasiva por >23horas por dia por 14 dias consecutivos).

Durante os noves meses de tratamento, os indivíduos que receberam a minociclina pioraram 25% mais rápido do que o grupo placebo, medido pela escala funcional. A piora era observada especialmente nos subitens motor da escala funcional (girar na cama, caminhar e subir escada). Efeitos colaterais não severos (náuseas, diarréia e constipação) foram mais freqüentes com a minociclina. Dois terços dos pacientes de cada grupo tomavam riluzole, porém o seu uso não alterou o efeito da minociclina na escala funcional. A falha do tratamento ocorreu em 106 pacientes de cada grupo. A morte ocorreu em 41 pacientes com minociclina e 32 do grupo placebo.

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No estudo, as doses de minociclina foram escalonadas até atingir a dose alta, mas os resultados são foram interferidos por isto. Os indivíduos com mais efeitos adversos não tinham o declínio da escala funcional mais acentuado do que os outros. Também não havia diferença na velocidade do declínio da escala funcional entre os indivíduos que tomavam altas ou baixas doses.

Por que ocorre piora com a minociclina é um mistério. O contrário ocorre em modelos animais de ELA, onde a minociclina promove a supressão da inflamação e inibição da morte celular. O efeito neuroprotetor da minociclina depende em que momento da doença a droga é utilizada, por exemplo, os animais recebem o medicamento antes de apresentar os primeiros sintomas. É possível que a utilização de minociclina em altas doses seja neurotóxica e o uso em baixas doses seja neuroprotetor (Science 2007;318:1227).

Segundo os autores, esse resultado negativo faz-se necessário refletir quanto ao andamento de outros ensaios clínicos da minociclina em outras doenças neurológicas (Doença de Parkinson, AVC, Esclerose Múltipla e Doença de Huntington). Também há necessidade melhorar a escolha dos melhores candidatos para tratamento da ELA. A eficiência pode ser aumentada com a combinação de vários elementos de diferentes fases em um único ensaio. Para nós, neurologistas clínicos que lidamos com indivíduos com ELA, esse trabalho trouxe uma grande lição. Até que não haja evidências não devemos utilizar uma droga potencialmente neuroprotetora com a finalidade de potencializar, através de um coquetel, os possíveis efeitos benéficos na doença. Dyslipidemia is a protective factor in amyotrophic lateral sclerosis. Dupuis L et al. Neurology, 2008, in press. Cada vez torna-se mais evidente que a ELA é uma doença multisistêmica com o envolvimento predominante do neurônio motor. O sistema autonômico, o trato espinocerebelar, a coluna dorsal, os gânglios da base, o córtex extra-motor e, ocasionalmente, o nervo sensitivo podem ser afetados nessa doença neurodegenerativa (J Neurol Neurosurg Psychiatry 2007;78:746–749). Ademais do sistema nervoso, distúrbios metabólicos foram observados no curso da doença. Em modelos animais de ELA o aporte maior de lipídeos na dieta oferece neuroproteção e aumento da sobrevida para esses modelos. Os autores realizaram um estudo de coorte para determinar como se encontra os lipídeos nos portadores de ELA e se isto pode ter impacto na progressão e sobrevida da doença. Foram analisados as concentrações de triglicerídeos, colesterol total, colesterol LDL e colesterol HDL em 369 indivíduos portadores de ELA e comparados com 286 pessoas sãs. Portadores de diabetes e hepatopatia eram excluídos em ambos os grupos. Os portadores de ELA que usavam hipolipemiantes eram incluídos após dois meses da

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retirada deste medicamento. Um segundo coorte constituía de análise retrospectiva do estudo histopatológico de 59 pacientes com ELA e comparado com 16 autopsias de pacientes com doença de Parkinson. O estudo revelou que o aumento do colesterol total ou do colesterol LDL era duas vezes maior nos pacientes com ELA do que os controles. A percentagem de indivíduos com aumento de colesterol total era de 23% para o grupo de ELA x 11% para o grupo controle; a pertentagem de indivíduos com aumento do colesterol LDL era de 48.9% no grupo de ELA X 20.3% no grupo controle. Os pacientes com aumento da razão de LDL⁄HDL eram mais freqüentes no grupo da ELA, 45.4% X 16.1% no grupo controle. Os pacientes com ELA com aumento da razão LDL⁄HDL tinham sobrevida mais prolongada (49.2 meses) comparado com os pacientes com a razão LDL⁄HDL baixa (36.7 meses); ambos os grupos não apresentavam sinais de desnutrição na fase de inclusão no trabalho, assim como não eram diferentes quanto a deficiência motora avaliada pela escala funcional. No segundo coorte os autores observaram que a incidência de esteatose hepática era similar entre os pacientes com ELA e os de Doença de Parkinson, entretanto na ELA a extensão da lesão era muito mais pronunciada. Os autores chegam à conclusão que o distúrbio metabólico de hiperlipidemia é uma alteração típica da ELA e sua extensão é particularmente elevada quando comparada com outras doenças neurodegenerativas. Como explicar que a hiperlipidemia é neuroprotetora para ELA já que tradicionalmente este distúrbio metabólico é considerado tóxico, por exemplo, na demência de Alzheimer. A explicação por que ocorre a hiperlipidemia na ELA não é conhecida. Os autores alertam para o uso de medicamento anti-lipemiante nos portadores de ELA. Será que apresenta efeito positivo ou negativo na progressão da doença?