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    641Educao e Pesquisa, So Paulo, v.37,n.3, p. 641 - 656, set./dez. 2011.

    A escrita como modo de vida: conexes e desdobramentos

    educacionais

    Julio Groppa Aquino

    Universidade de So Paulo

    Resumo

    Tomando por base as principais reexes de Michel Foucault sobre oato de escrever, o presente ensaio discorre sobre a correlao intrn-seca entre os modos de escrita e de vida nas escolas, apontando parauma agonstica em operao diuturna nas prticas escriturais levadasa cabo nesse quadrante. Isso signifca que, no interior dos procedi-mentos de escrita, embatem-se oras superlativas, tanto no sentidoda investida unifcadora dos modos de subjetivao a implicados,quanto na direo de uma transfgurao radical desses mesmos mo-dos, tendo em vista a sua multiplicao. Adensando a discusso te-rica, tematiza-se a escrita de si, tal como ormulada por Foucault,como um esoro escultural desmedido em avor de uma disperso,uma rareao e, ento, uma eliso subjetivas. Em seguida, interpe-lam-se analiticamente trs argumentos recorrentes acerca da escritaescolar: sua categorizao segundo gneros, sua uno examinatriae sua subordinao leitura. Por meio de tal exame crtico, visa--se desestabilizar as bases de justifcao de um tipo de apropriaorepresentacional e cientifcista dos azeres escriturais escolares, bemcomo abular cenrios divergentes de seu mainstream. Por fm, inten-ta-se perspectivar a escrita como circunstncia propcia estilizaoexistencial daquele que escreve, tendo em mente, com Foucault, oimprescindvel esoro de resistncia e de autocriao tica diantedos jogos subjetivadores tpicos das prticas escolares. Trata-se doinextricvel movimento de dierena e de variao que uma escritano cativa das convenes pedaggicas da poca aculta e, ao mesmotempo, exige de todo aquele que por ela envereda.

    Palavras-chave

    Michel Foucault Escrita escolar Processos de escrita Modos desubjetivao.

    Correspondncia:Julio Groppa AquinoUniversidade de So PauloDepartamento de Filosofa daEducao e Cincias da Educao daFaculdade de EducaoAv. da Universidade, 30805508-040 So PauloE-mail: [email protected]

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    Writing as a way of life:educational connections and

    unfoldings

    Julio Groppa Aquino

    University o So Paulo

    Abstract

    Drawing on Foucaults main reections about the act o writing, the

    present essay expounds the intrinsic correlation between ways o

    writing and ways o living at schools, pointing out the daily agony

    involved in the writing practices conducted in these contexts. This

    means that, within the procedures o writing, superlative orces are

    in battle, both in the sense o the uniying attack o the subjectivation

    modes implied therein, and in the direction o a radical transfgura-

    tion o these same modes aiming at their multiplication. Deepening

    the theoretical discussion, the text approaches the question o sel

    writing, as ormulated by Foucault, as a disproportionate sculptu-

    ral eort in avor o a subjective dispersion, rareaction and, then,

    elision. Next, three recurring arguments about school writing are

    analytically questioned: its categorization in genres, its examining

    unction, and its subordination to reading. With this critical exa-

    mination, the purpose is to destabilize the bases or justiying a

    kind o representational and scientifcist appropriation o the school

    writing activities, as well as to conjure up scenarios divergent rom

    the mainstream. Lastly, it is also an objective here to view writing

    as a circumstance propitious to the existential styling o the writer,

    having in mind, with Foucault, the indispensible eort o resistance

    and ethical sel-creation in the ace o the subjectivation games typi-

    cal o school practices. It is the inextricable movement o dierence

    and variation that a writing liberated rom the pedagogical conven-

    tions o the time aords and, at the same time, demands o all those

    who pursue it.

    Keywords

    Michel Foucault School writing Writing processes Subjectivation

    modes.

    Contact:Julio Groppa AquinoUniversidade de So PauloDepartamento de Filosofa daEducao e Cincias da Educaoda Faculdade de EducaoAv. da Universidade, 30805508-040 So PauloE-mail: [email protected]

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    Eu queria que as palavras [...]atravessassem muros,

    fzessem saltar echaduras,abrissem janelas.

    Michel Foucault

    Por ocasio da reedio de Histriada loucura na Idade Clssica, em 1972, MichelFoucault apresenta uma segunda verso deseu precio em que no mais se ver aludi-do o tema da desrazo, mas o das tenses quecontornam a escrita/leitura de um livro esseevento minsculo, pequeno objeto manejvel,segundo ele.

    Em poucas linhas, o pensador esboauma espcie de quadro geral das oras que go-vernam os trabalhos da escrita (e, consequente-mente, da leitura), ao qual retornar diversas ve-zes, e de distintas maneiras, em seus escritos. Noentanto, naquele breve precio, encontrar-se-,a nosso ver, o cerne de seu projeto de escrita.Vejamos:

    Gostaria que esse objeto-evento, quaseimperceptvel entre tantos outros, se re-copiasse, se ragmentasse, se repetisse, sesimulasse, se desdobrasse, desaparecesseenfm sem que aquele a quem aconteceuescrev-lo pudesse alguma vez reivindicaro direito de ser seu senhor, de impor o quequeria dizer, ou dizer o que o livro deviaser. Em suma, gostaria que um livro no seatribusse a si mesmo essa condio de tex-to ao qual a pedagogia ou a crtica saberoreduzi-lo, mas que tivesse a desenvolturade apresentar-se como discurso: simultane-amente batalha e arma, conjunturas e ves-tgios, encontro irregular e cena repetvel.(FOUCAULT, 2005, p. viii)

    Das ponderaes sobre a relao es-crita/loucura (1999, 2001a), passando orapela uno autor (2001b), ora pela escrita/exame (1987, 2003), at, por fm, a escrita desi (2004a), Foucault, parece-nos, oerece umconjunto de reexes que apontam para uma

    agonstica em operao diuturna nas prticasescriturais. Isso signifca que, no interior dosprocedimentos de escrita, embatem-se orassuperlativas, tanto no sentido da investidaunifcadora dos modos de subjetivao a im-plicados, quanto na direo de uma transfgu-rao radical desses mesmos modos, tendo emvista a sua multiplicao.

    Embora Foucault no tenha elegidoa escrita como objeto especfco de interes-se, trata-se de uma questo que, necess-rio reconhecer, pontilhou grande parte dasua trajetria de pensamento, o que pode seratestado no apenas em vrias passagens deseus textos, mas tambm e sobretudo em suaprpria escritura.

    Gilles Deleuze (1988) assevera que

    [...] Foucault nunca encarou a escritura comoum objetivo, como um fm. exatamente issoque az dele um grande escritor, que colocano que escreve uma alegria cada vez maior,um riso cada vez mais evidente. (p. 33)

    Tambm Paul Veyne (2009) assinala

    que a distino da escrita oucaultiana consis-tiria num tipo peculiar de eeito sobre o leitor:

    [seus livros] No so comunicativos, no soprprios para elevar o tnico vital dos seusleitores. Foram escritos espada, ao sabrepor um samurai, seco como um slex, cujosangue rio e reserva no tinham limites.So eles prprios espadas cujo manejamentosupe um leitor possuindo por si o tnicovital em questo. (p. 49-50)

    A disjuno a que se reere Veyne sed em virtude de Foucault postar-se como umintercessor que solenemente oerece suas cos-tas ao leitor, reratrio que a qualquer clamorde ascendncia, de servido cognitiva, de exis-tncia intelectual de segunda mo. Ansiava eleque seus livros operassem como arteatos ex-plosivos efcazes eito bombas e, igualmente,belos como ogos de articio que, depois de

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    carbonizados pelo uso, deixassem nada almde um rastro marcante na memria (FOU-CAULT, 2006).

    Somadas, a virtuosidade cortante doescritor e a gratuidade expansiva contida emseus escritos constituem uma prova cabal daaxiomtica segundo a qual o trabalho da escri-ta se conunde com o de viver ou, mais preci-samente, com um modo intensivo de conduzira prpria existncia. Escrever consistiria, assim,numa experincia de transormao do quese pensa e, acima de tudo, do que se ; umaexperincia avessa, ademais, a qualquer apelocomunicativo ou normativo. Em ltima instn-cia, apenas supercie de inscrio de uma vida:seus revezes, suas circunvolues, seu inacaba-mento compulsrio.

    [...] meus livros so, para mim, experin-cias, em um sentido que gostaria o maispleno possvel. Uma experincia qual-quer coisa de que se sai transormado. Seeu tivesse de escrever um livro para co-municar o que j penso, antes de comeara escrev-lo, no teria jamais a coragemde empreend-lo. [...] Sou um experimen-tador no sentido em que escrevo paramudar a mim mesmo e no mais pensarna mesma coisa de antes. (FOUCAULT,2010, p. 289-290)

    Se plausvel or a hiptese da corre-lao intrnseca entre modos de escrita e devida, seus desdobramentos para as prticaspedaggico-escolares se tornam incontveis.Isso porque, pensando com Foucault, as ro-tinas escriturais a sediadas fndam por de-sempenhar um papel axial na maquinariasubjetivadora da institucionalizao escolar,via a sedimentao de determinados protoco-los normativos a elas conexos. o que esteensaio pretende problematizar, por meio dainterpelao de trs argumentos recorrentesacerca da escrita escolar: sua categorizaosegundo gneros, sua uno examinatria esua subordinao leitura.

    No obstante a marcha cotidiana emprol da estratiicao e do automatismo desuas ormas, tais rotinas podem porventurase constituir como circunstncia propcia estilizao existencial daquele que escreve,tendo em mente, ainda na companhia deFoucault, o imprescindvel esoro de resis-tncia e de autocriao tica diante dos jo-gos subjetivadores tpicos das prticas esco-lares. isso tambm o que aqui se intencionaperspectivar sem, contudo, nenhum ensejoprescritivo.

    Dada a dupla intencionalidade de nos-sa empreitada, este ensaio se situa na esteirade um endereamento essencialmente crtico aotrabalho educacional na atualidade, arrogando,de contrapeso, a chance de outros cenrios paraas prticas escriturais a levadas a cabo. Paratanto, parte da tematizao da escrita no marcodo cuidado de si, tal como ormulado por Fou-cault em sua produo ulterior. Enveredemospela questo.

    Da escrita de si eliso subjetiva

    Atento relao inextricvel entre re-laes de poder e modos de subjetivao, Fou-cault, especialmente no ltimo livro que publi-cou, Histria da sexualidade 3 (1985), no curso

    A hermenutica do sujeito (2004c), assim comoem algumas entrevistas, d a conhecer o ho-rizonte geral de suas investigaes acerca docuidado de si.

    Concebido como um modo de vidatico, o cuidado de si, na analtica oucaul-tiana, no expressa nenhuma convocao aum retorno metasico ao estilo de vida anti-go, mas uma possibilidade estratgica de in-terpelao dos atuais modos de subjetivao.Ocupar-se de si mesmo despontaria comouma dobra das relaes de poder, por meioda absteno do jugo quer do outro, quer desi por si mesmo, no se tratando, em abso-luto, da edifcao de uma moral universal eexgena, embora encontre sua destinao nasrelaes com o outro.

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    Frdric Gros (2006) alegar que aconvocao do cuidado de si em Foucaultnada teria a ver com proselitismo, esponta-nesmo ou egolatria. Ao contrrio, trata-se dealgo catalisador de uma maneira expandida deao poltica, a qual teria as relaes consigocomo sua condio ontologicamente primei-ra. Isso porque, no rigor e na austeridade docuidado de si,

    [...] preciso chamar um outro, e um ou-tro que deve nos ajudar a cuidarmos bem dens mesmos: donde a fgura do mestre daexistncia. O cuidado de si no tampoucouma atividade solitria, pois supe sempre oacompanhamento de um mais velho e ele sedistribui segundo atividades eminentementesociais: conversaes, troca de cartas, ensi-namento e aprendizagem em escolas, orma-es individuais, etc. (p. 132)

    Temos aqui uma mostra da irredutibi-lidade do trabalho educacional lato sensu, pormeio da fgura do mestre da existncia, o quelevar Foucault (2004c) a ormular uma dis-tino entre pedagogia e psicagogia: enquanto primeira estaria reservada a transmisso daverdade a fm de dotar o sujeito de saberes ede capacidades que no possui, a segunda des-dobrar-se-ia em torno de prticas de cuidadoa ttulo de transormao de seu modo de ser;prticas tomadas entre os pensadores estoicoscomo exerccio de liberdade e como condiosine qua non da conduo dapolis.

    Exerccio marcado por zelo e austerida-de, o cuidado de si frma-se como a construovoluntria, laboriosa e permanente de uma po-sio tica diante do mundo, posio ancoradano princpio de que, entre si e si mesmo, abre--se a distncia de uma obra de vida a ser reali-zada (GROS, 2006, p. 135). Para Veyne (2009),lanando-se ele prprio sobre si mesmo, en-quanto obra a trabalhar, o sujeito dar-se-ia umamoral que j nem Deus, nem a tradio, nem arazo sustentam (p. 112). Uma moral sem mo-ral, por assim dizer.

    De acordo com Deleuze (1988), a mo-ral, em Foucault, remeteria ao conjunto deregras coercitivas baseadas em julgamentosatrelados a valores transcendentes, ao passoque a tica consistiria propriamente num con-junto de regras acultativas empregadas paraavaliar o que se diz e o que se az em razodo modo de vida a implicado. Sem imperativoscategricos, pois.

    Ora, se o ser tico aquele movido poruma potncia expansiva de dierenciao, o sermoral seria, em contrapartida, dominado poruma interioridade tirana, marcada pela buscaobsedante do autoconhecimento algo relati-vizado pela cultura greco-romana, reapropriadopelo cristianismo e atualizado, na contempora-neidade secularizada, pelos experts laicos, emespecial aqueles designados pelo radical psi,encarregados do governo das almas dos cida-dos (ROSE, 1998).

    Foucault atentou para o emprego dedeterminadas prticas escriturais destinadasao cuidado de si. Segundo ele, houve dois ti-pos de tcnicas com tal fnalidade: as anota-es pessoais (os hypomnemata) de ragmen-tos sobre coisas lidas ou ouvidas, as quaisserviam de memria e de guia de conduta;e as correspondncias, por meio das quais oemissrio se narrava a outrem, pedindo ouoertando conselhos.

    No primeiro caso, os apontamentospessoais tinham a uno de reunir o logosragmentado, transmitido pelo ensino, pela es-cuta ou leitura como meio de estabelecer umarelao de si para consigo to adequada e per-eita quanto possvel (FOUCAULT, 1995, p.273). No segundo, relembra o pensador: paracuidar bem de si, preciso ouvir as lies deum mestre. Precisa-se de um guia, de um con-selheiro, de um amigo, de algum que lhe digaa verdade (2004b, p. 271).

    Por meio de tais modalidades de escri-ta, almejava-se operar um tipo preciso de re-colhimento de si sobre si mesmo, de modo quese osse capaz de desrutar da prpria compa-nhia, o que implicava um adestramento vo-

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    luntrio, tomado como condio de uma artede viverinensa a qualquer assdio doutrinal,religioso etc., num esoro explicitamente on-tologizante, jamais psicologizante:

    [...] No se trata de provocar em si umdesdobramento interior pelo qual eu meconstituiria a mim mesmo como objeto deuma observao introspectiva, mas de con-centrar-me em mim e de acompanhar-me.(GROS, 2006, p. 130)

    Estamos diante de prticas de si nasquais o que est em pauta um trabalho ri-goroso de autodomnio e de autoortalecimentopor meio dos processos de abricao de um sipor e para si mesmo; processos em relao aosquais o outro surge como um parceiro mediato,ainda que seja o alvo ltimo da ao. tica epoltica irmanadas, portanto, no plano empri-co de uma estilstica existencial, esta consubs-tanciada numa modalidade de escrita em queo que est em jogo a incitao de si por si,e no a subordinao de um pelo outro, comosi acontecer na escrita de cunho conessionale assemelhados.

    Para Michel Onray (2009), a prpriavida e seus itinerrios seriam a matria-pri-ma por excelncia da escrita no caso, f-losfca. Assinalando alguns exemplos desdeSanto Agostinho at Nietzsche e, sobretudo,Montaigne, o flsoo advoga em avor de umescrever rigorosamente em primeira pessoa,sustentando que

    [...] partir de si prprio no obriga a perma-necer em si, nem a procurar nisso um prazerpotencialmente culpvel. Entre a recusa doeu e o egotismo arrebatado possvel con-ceder um estatuto singular ao eu: uma opor-tunidade para apreender o mundo com vistaa desvendar alguns de seus segredos. (p. 63)

    Para ele, entre aqueles que no deixammargem ao que oi extrado da experincia pes-soal e os outros que dela se alimentam, cabe

    aos segundos mostrar que qualquer ontologiatem uma fsiologia que a precede. Na esteiranietzschiana, Onray prope que o trabalho dopensamento nada mais do que a confsso deum ser que sore, crivado entre a carne que dizeu e o mundo que a contm.

    Se, por um lado, h uma potncia con-ceptiva num dizer infnitivamente pessoal, poroutro, necessrio ter em mente o perigo doensimesmamento que, em igual medida, a seinsinua. Uma aca de dois gumes afados, cujomanuseio exige pronunciada destreza.

    Para tanto, a recusa ao cerco narrativo--identitarizante torna-se crucial, a comear peloabandono do reclamo autoral. Inensa ao hori-zonte da comunicao, da expresso ou mesmoda revelao de um eu reexivo, a escrita passaa se constituir como eeito radicalizado daquiloque Maurice Blanchot (2005) distende com exa-tido ao comentar a obra beckettiana:

    [...] aquele que escreve j no Beckett, masa exigncia que o arrastou para ora de si, odesapossou, o desalojou, entregou-o ao ora,azendo dele um ser sem nome, o Inomin-vel, um ser sem ser que no pode nem viver,nem morrer, nem cessar, nem comear, o lu-gar vazio em que ala a ociosidade de umaala vazia e que recoberta, bem ou mal, porum Eu poroso e agonizante. (p. 312)

    A reboque do pensamento oucaultia-no, a escrita de si remeteria a um esoro es-cultural desmedido em avor de uma disperso,uma rareao, e, ento, uma eliso subjetivas.Isso porque, no duelo contra a ora do hbitoautoral, so as oras da impessoalidade, e nos da anonmia, que a emergem. Multivocidadepura, se se quiser.

    O prprio Foucault o dir:

    A escrita se desenrola como um jogo que vaiinalivelmente alm de suas regras, e passaassim para ora. Na escrita, no se trata demaniestao ou da exaltao do gesto deescrever; no se trata da amarrao de um

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    sujeito em uma linguagem; trata-se da aber-tura de um espao onde o sujeito que escre-ve no pra de desaparecer. (2001b, p. 268)

    Nessa perspectiva,

    [...] as mos que escrevem no so dele [dosujeito], nem de ningum, muito menos dealgum autor, que nada mais do que umsujeito inventado. Elas escrevem uma escri-ta annima, despersonalizada. (CORAZZA,2006, p. 28)

    Eis o ponto exato de culminncia en-tre escrita e vida, em que a primeira se oerececomo modo e ocasio para a vertiginosa mul-tiplicao de ormas da segunda. Para que sepossa contextualizar tal movimento, az-se ne-cessrio, antes, um enrentamento analtico dasprticas escreventes (no caso, escolares) capaz,a um s tempo, de desestabilizar suas bases dejustifcao e de abular cenrios divergentes deseu mainstream, instando-as, assim, a se proli-erarem em dierentes direes e sentidos.

    Interpelaes aos protocolos es-

    criturais escolares

    Em um de seus textos mais memor-veis intitulado Escritores, intelectuais, pro-essores , Roland Barthes (2004b) dimensionacom acuidade a relao instvel entre essestrs personagens sociais. Para ele, no have-ria necessariamente incompatibilidade entre alinguagem dos dois ltimos, ao passo que oprimeiro estaria separado dos demais. Isso por-que a escritura comea onde a ala se tornaimpossvel (p. 395).

    Em seguida, Barthes situa determina-das injunes entre os lugares de proessor ede escritor, e entre este e o de pesquisador. Noprimeiro caso, a ala instantnea e, ao mesmotempo, defnitiva, posto que privada do princ-pio da rasura inerente escrita. Sua possibili-dade corretiva seria a tartamudez, segundo umadistenso infnita. Algo semelhante az Deleuze

    afrmar, em seuAbecedrio (2005), que escre-ver limpo e alar sujo, sem com isso pressu-por que haja uma relao de prevalncia entreum e outro.

    No que concerne s posies de pes-quisador e de escritor, Barthes preciso aoapontar que a pesquisa ento o nome pru-dente que, sob a imposio de certas condi-es sociais, damos ao trabalho de escritura(2004b, p. 393).

    Para ele, a pesquisa, investigue o queinvestigar, jamais pode relegar seu estatuto delinguagem ao segundo plano. Exemplo magnodisso o prprio campo educacional, uma vezque o que nele se produzem so arteatos es-criturais to somente o que vale para todotipo de produo textual nesse quadrante, emquaisquer de seus nveis e segmentos.

    As prticas escriturais, objeto por ex-celncia da interveno pedaggica e alvo,portanto, das mais implacveis ormas denormalizao, de enquadramento e de policia-mento (ARTIRES, 2006), oerecem-se comoum continente prenhe de desconstruo, bemcomo um lcus concreto a partir do qual po-demos nos situar criticamente ante a atuali-dade pedaggico-escolar. Dito de outro modo,a escrita e seus aazeres despontam como umcampo emprico de lutas crticas em avor dapotencializao dos modos de existncia aem causa.

    A fm de desdobrar tal hiptese, urgeproblematizar os protocolos normativos en-tranhados nas rotinas escriturais escolares.Para tanto, interpelemos trs argumentos usu-ais, de vocao nitidamente dogmtica, quearregimentam um tipo de apropriao domi-nante da escrita entre seus protagonistas.

    O primeiro aquele reerente disci-plinarizao orosa do campo escritural, ope-rada por meio da categorizao dos gneros, dogradeamento do estilo. Isso porque, no universopedaggico-escolar, toda ormulao que nose queira representacional, demonstrativa ouilustrativa tenderia a ser enquadrada como lite-rria, metarica e quetais, como se se tratasse

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    a de um imenso depositrio de todos os res-tos expressivos reratrios ou opacos ao jargopedagogicamente correto. Ntido disparate danorma pedaggica. Mais: estratgia repisada dopatrulhamento escritural.

    A conuso de ronteiras entre gneros/estilos discursivos, rumo a uma hibridizaoradical dos procedimentos escriturais, torna-secrucial quando se trata de assumir com Fou-cault, novamente que as palavras no operamcomo correspondentes ora mais, ora menos pre-cisos das coisas, e que a tarea do pensamentono , de modo algum, a converso de uma aoutra realidade, moda das explanaes des-critivas com o selo de objetividade, sistematici-dade e abrangncia. Como dir Foucault (2007),se a linguagem exprime, no o az na medidaem que imite e reduplique as coisas, mas na me-dida em que maniesta e traduz o querer un-damental daqueles que alam (p. 401); quereratinente, claro est, ao plano das relaes depoder, e no ao das aculdades psicolgicas.

    Assim, a escrita partidria de um qua-dro de reerncia no representacional e nocientifcista no apenas se recusaria a alar emnome das coisas, mas se devotaria a problema-tizar o que delas se diz, conerindo-lhes umarazo singular, insuspeita importando apenaso eeito de desconstruo dos regimes de verda-de que tal investida opera, e no sua obstinaopor verossimilhana ou autenticidade. Tal modode escrita desdobrar-se-ia no registro de umapalavra-coisa que no se oerece dissecao,ao crivo reexivo do j visto, s amarras doj consagrado, padronizao intelectiva per-petrada pela camisa-de-ora da obrigao dedescrever a verdadedas coisas.

    Desta eita, transtornar a veracidade daverdade (aquilo que oi dito e eito das coisas),duelando contra a arbitrariedade e a contin-gncia de seus estatutos, resumiria, no escopooucaultiano, o compromisso maior de nossaaculdade de pensar.

    Ora, se o trabalho da escrita, em suapotncia undadora, em nada se aproximaria damimese, mas da vontade de fco e da coragem

    da criao, tratar-se-ia, no plano do pensamen-to, de abdicar de tomar a palavra como repre-sentao. Impossvel, pois, no azer coro comDeleuze e Guattari (1995), quando propem queescrever no tem a ver com signifcar, mascom agrimensurar, cartograar, mesmo que se-jam regies por vir (p. 13).

    Trata-se, portanto, de desdobrar pala-vras sobre palavras; palavras cujas existnciasdecerto no almejam ser escrutinadoras daque-las das quais devm, mas, no limite, insistir poralgum tempo no mundo a fm de se metamor-osearem em outras tantas. Jorge Larrosa (2001)compreende tal desgnio da seguinte maneira:

    Tem de se estar altura das palavras quedigo e que me dizem. E, sobretudo, tem de seazer continuamente com que essas palavrasdestrocem e aam explodir as palavras pre-existentes. Somente o combate das palavrasainda no ditas contra as palavras j ditaspermite a ruptura do horizonte dado, permi-te que o sujeito se invente de outra maneira,que o eu seja outro. (p. 40)

    Disso decorre que uma escrita dessa en-vergadura recusa com veemncia o apego ouo privilgio a determinado gnero/estilo narra-tivo. Foucault (2006) talvez concordasse comisso, se levarmos em conta um de seus pronun-ciamentos sobre a questo:

    Gostaria de escapar desta atividade echa-da, solene, redobrada sobre si mesma, que, para mim, a atividade de colocar pa-lavras no papel. [...] Eu gostaria que ela[a escrita] osse um algo que passa, que jogado assim, que se escreve num cantode mesa, que se d, que circula, que po-deria ter sido um paneto, um cartaz, umragmento de flme, um discurso pblico,qualquer coisa... (p. 81)

    Como a se pode entrever, a potnciada escrita pode dar-se por quaisquer caminhosou suportes expressivos. Mais importante do

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    que sua afliao narrativa prvia o pasmoque ela porventura cause, via o modo comoaz cumprir aquilo que orja, operando ape-nas pelos eeitos de imprevisibilidade e de di-latao da experincia naquele que por elatocado. Dito de outro modo, mais vale suaperormatividade do que sua fdedignidadeem relao aos cnones e sua artifcialidadeconstritiva. Nesse sentido, recusar aberta-mente o encarceramento disciplinar-pedago-gizante que assola as modalidades da escritaescolar no signifcaria apenas um recursottico, mas um norte tico-poltico quelesque a ela se dedicam.

    Assim compreendida, a escrita talvezosse capaz de subsidiar a materializao deoutro tipo de experincia, semelhante quelaconcebida por Larrosa (2004): nem inorma-o, nem opinio, nem velocidade, nem ex-cesso de atividade, mas aquilo que nos aeta,que nos passa, ou nos toca, ou nos acontece,e ao nos passar nos orma ou nos transor-ma (p. 163). Acrescente-se: uma experinciaintranservel, indiscernvel e sempre pronta ase reazer, a tal ponto que ela no apenas noobstaculize a emergncia do novo, mas que sepreste exatamente a germinar mais escrita, ou-tras escritas. Uma escrita-orao, em sntese.

    O segundo argumento postula uma ar-raigada tradio da escrita escolar: a de queseu uso primordial remeteria aerio dascompetncias discentes. Por meio de uma es-crita verifcatria, seria possvel comprovar aadeso cognitiva por parte do alunado aos re-gimes de verdade ali veiculados. Uma escrita--inqurito, agora.

    A uno examinatria das prticasescriturais escolares afgura-se como um dospilares do servilismo reproducionista tpico daescola moderna; servilismo animado pelo mo-vimento reiterativo da explicao e da recog-nio infnitas que, salvo rarssimas excees,inorma as prticas pedaggicas de ponta aponta, desde sua undao; servilismo subsu-mido na lgica da aprendizagem escolar comotransposio mecnica dos saberes mormente

    enciclopdicos ali proessados (seja na ormaclssica da cpia, seja na da glosa); servilismoherdeiro do indelvel iluminismo pedaggico eseu lastro eminentemente rememorativo, exe-gtico e laudatrio, no obstante proclame-sesecularizado, antiobscurantista, cientfco.

    Da o bordo pedaggico que decretauma suposta progresso ideal dos escritos maisinormais e concisos queles mais complexos,mais dissertativos e, enfm, mais avizinhados presumida verdade das coisas ali em jogo.Ora, quanto mais circunscrito e orgnico,mais vigoroso pode ser o exerccio da escrita.Aqui, conere-se primazia ao procedimentotaquigrfco, ragmentrio ou aorismticocomo uma possibilidade de eetuao do es-crever potente.

    A lgica basal que sustenta o mini-malismo dos escritos a de que, no planodo pensamento, h uma potncia inerente sideias curtas, tal como apregoam Deleuze eGuattari (1992). Pensar, na perspectiva dosflsoos ranceses, implica desinacionar oque j se pensa para que o impensado pos-sa encontrar modos de eetivao, tambme sobretudo na prpria supercie escritural.Para isso, ser preciso torcer as palavras ato limite de sua esgaradura algo consoanteao que Graciliano Ramos, a seu modo, avia:

    Deve-se escrever da mesma maneira comoas lavadeiras l de Alagoas azem seu ocio.Elas comeam primeiro com uma primeiralavada. Molham a roupa suja na beira da la-goa ou do riacho, torcem o pano, molham--no novamente, voltam a torcer. Colocam oanil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.Depois enxguam, do mais uma molhada,agora jogando gua com a mo. Batem opano na lage ou na pedra lima e do maisuma torcida e mais outra. Torcem at nopingar do pano uma s gota. Somente depoisde eito tudo isso que elas dependuram aroupa lavada na corda ou no varal, para se-car. Pois quem se mete a escrever devia azera mesma coisa. (apudBRITO, 2007a, p. 125)

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    O minimalismo aqui preconizado rei-vindica no uma parcimnia geral da sintaxe nadireo de uma contrarretrica, mas um desalo-jamento estratgico do contexto discursivo queconorma e contm a multiplicidade possvel designifcao da prpria linguagem em uso. Es-crever, desse modo, implicaria atentar no paraum uso supostamente mais adequado do lxico,mas aos restos, migalhas e rebotalhos de sentidoque o atravessam sem cessar aquilo que, noentendimento oucaultiano, remeteria precisa-mente ao campo das heterotopias, as quais

    [...] solapam secretamente a linguagem,porque impedem de nomear isto e aquilo,porque racionam os nomes comuns ou osemaranham, porque arrunam de antemo asintaxe, e no somente aquela que cons-tri as rases aquela, menos maniesta,que autoriza manter juntos (ao lado e emrente umas das outras) as palavras e ascoisas. (2007, p. xiii)

    Disso decorre que, numa escrita de teorheterotpico no fnalista, portanto , nadaquereria ser necessariamente anunciado, deendi-do ou rechaado, a fm de azer triunar a veridic-o do que l se inscreve, mas apenas sublevar-seno plano do pensamento; sublevar-se de modoabrupto e por um breve intervalo de tempo.

    Aquele que se arriscasse a az-lo ver-se--ia converter num ser em tormento: algum do-brado sobre si mesmo, guerreando contra aquiloque j no pensa, ou que pensa no mais pensar,mesmo sem ter o domnio exato daquilo que pas-sou a pensar. Algo semelhante az Foucault (2002)declarar:

    Eu penso para esquecer. Tudo o que eu dis-se no passado totalmente sem importn-cia. Escrevemos alguma coisa quando ela joi muito usada pela cabea; o pensamentoexangue, ns o escrevemos, tudo. O queeu escrevi no me interessa. O que me inte-ressa o que eu poderia escrever e o que eupoderia azer. (p. 295)

    Na trilha da experincia oucaultiana,seria necessrio admitir uma espcie de germede excrescncia imanente ao trabalho escritu-ral, uma vez que os escritos se despregam da-quele que os gesta para nunca mais a ele retor-narem. A palavra pregressa pesa, esquiva-se,recusa-se a se deixar restituir, perdendo sua va-lia no ato mesmo de sua apario. Letra morta,ela diz daquilo que deixamos de pensar, jamaisdo que, hoje, somos porventura capazes de a-zer ou do que poderemos vir a azer com nossopensamento.

    Os escritos so crias da escrita e, aomesmo tempo, seus algozes. Congelados notempo, fndam eles por se opor ora semi-nal da aventura escrevente, plasmando-a no jdito, capturando-a, esterilizando-a, enfm. Daa memria como inimiga da potncia genera-tiva da escrita.

    Em contrapartida, a vitalidade deuma escrita porosa ao esquecimento residiriaexatamente em sua capacidade de abrigar agratuidade dos acontecimentos sobre os quaisela se debrua, sem causar-lhes constrangi-mento ou coao. Ao contrrio, trata-se tosomente de se deixar atravessar por eles engravidar-se deles, qui. Clarice Lispector(1994) bem o dir:

    O processo de escrever eito de erros amaioria, essenciais de coragem e preguia,desespero e esperana de vegetativa ateno,de sentimento constante (no pensamento)que no conduz a nada, no conduz a nada,e de repente aquilo que se pensou que eranada era o prprio assustador contatocom a tessitura de viver e esse instante dereconhecimento (igual a uma revelao) pre-cisa ser recebido com a maior inocncia, coma inocncia de que se eito. (p. 483-484)

    A escrita, compreendida como umduplo golpe eito de ateno vegetativa e deinocncia conceptiva, torna-se vapor, ma-tria lquida, impermanncia pura. Da suainclinao a undar mundos improvveis,

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    to ulgurantes quanto ugazes, posto queela se quereria to somente metasttica, o-mentadora de mais escrita. Trata-se do ense-jo irrerevel de ela mesma vir a ser matriade escrita essa sua capacidade notvel deautoecundao e de automultiplicao, in-deinidamente. Da tambm sua propensoa germinar mais vida naquele que escrevee, quem sabe, naquele que dela se apodera.Uma escrita-encontro de duas solides inco-mensurveis, enim.

    O terceiro e ltimo argumento re-ere-se alegada subordinao da escrita leitura. Isso porque, na cartilha pedaggicacorriqueira, a habilidade leitora igurariacomo razo causal da competncia escre-vente, irmando-se, juntamente com o treinorepetitivo, como sua condio necessria esuiciente.

    Crivadas pelo olhar oucaultiano, asprticas de leitura revelar-se-o, entretanto,como o meio privilegiado pelo qual o alu-nado submetido ampla gama de regimesde verdade carreados por meio do ensino.Este, aerrado lgica da recognio, serresponsvel pela retroalimentao de umuniverso intelectivo echado, interditandoassim o princpio de que todo e qualquerexerccio escritural , na verdade, um exer-ccio contingente e sempre destinado a umareescrita. [...] Todos escrevem a partir de ras-tros e de ragmentos de outras escritas (;COSTA, 2007, p. 111).

    Ante os mltiplos acossamentos de queas prticas escriturais escolares so alvo e tam-bm instrumento, Jorge Ramos do reclamauma alternativa estimulante:

    [...] produzirmos no interior da cultura es-colar mecanismos onde a escrita seja umaprtica do cotidiano, onde o desejo de es-crever se possa instalar, onde o desejode compreender e imaginar o mundo seamplie. Tratar-se-ia de uma mudana de pa-radigmas: substituir a leitura pela escrita. (;COSTA, 2007, p. 111)

    Operar uma transmutao dos pa-radigmas lente e escrevente das prticas es-colares, tal como sugere o autor portugus,exigiria abdicar da hiptese da afliao e dadependncia linear e progressiva entre leiturae escrita, cuja conexo se daria por vnculos decoerncia e de convenincia. Ao contrrio, sealgo se passa entre elas, trata-se, no limite, deuma disperso nem contingente, nem aciden-tal, mas perene e necessria. Desta eita, di-logo descontnuo o que, na melhor hiptese,a se desenrola; um dilogo no harmonioso,marcado por uma heterogeneidade crispante.Melhor dizendo, um vazio deliberado o quese afrma entre elas, um vazio estratgico que,paradoxalmente, propiciaria as condies deemergncia do indito.

    A novidade da proposio de Ramos do no remete, em absoluto, supresso dos laboresda leitura, mas precisamente sua transubstan-ciao pela escrita. Dito de outro modo, trata-sede tomar os escritos alheios como um conjuntode pontos ora de passagem, ora de ancoragem dotrabalho de ruminao do prprio pensamento,conerindo-lhes um status de intercesso pontual.Ler, portanto, com olhos nunca cabisbaixos.

    Germinada no espao intervalar, abis-mal e sempre vacante do encontro entre aqueleque l e aquele que escreve, a leitura frmar-se--ia como construo de uma paragem transit-ria ao comum entre eles, a fm de que, ento,pudesse emergir o inaudito para alm de am-bos. Trata-se precisamente de uma relao de(in)fdelidade (VEIGA-NETO, 2006) com aque-les que escreveram antes, jamais de espoliao.Uma gratido r, qui.

    Disso decorre um jogo incerto entre lei-tura e escrita, de acordo com o qual a primeiras garantir sua cota de legitimidade na medi-da em que se tornar plataorma de lanamentopara a segunda, e esta converter-se em cata-lisadora de modos de pensamento sempre emestado de experimentao e de (re)composio.

    Desse modo, aquele que escreve trans-mutar-se-ia num andarilho coletor de ideias, tra-egando por um itinerrio errtico e insuspeito,

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    marcado por escolhas mormente adventcias eragmentrias mediante o que lhe dado a ler.Com isso, romper-se-ia, talvez, a aura mistif-cadora em torno da prtica leitora como algovirtuosoper se, bem como da escrita como algocerimonial e reservado apenas aos iniciados ouaos agraciados por natureza.

    A escrita, concebida desse modo, con-verte-se no ponto exato de irrupo de orasque teimam em no se vergar ao estabelecido,ao j dito, ao j pensado por outrem; abrigotemporrio, portanto, da potncia do pensa-mento no como ele se nos apresenta na tradi-o escolar (em geral, como reverncia ao lega-do, via o expediente do comentrio), mas comoobra ainda por se azer, em quaisquer tempo elugar, caso assim o queiramos.

    Se verdadeira a premissa oucaultianade que onde houver relaes de poder havertambm resistncia e, talvez, criao, deve serigualmente verdadeira a suposio de que, emmeio s prticas escriturais escolares, haverrestas, dobras, espasmos, devires inventivos.Como dimension-los? Antes, como perspecti-var a escrita escolar em seu aporte heterotpico,no fnalista?

    A escrita como modo de vida nas

    escolas

    Roland Barthes, um dos pensadorescontemporneos de Foucault que se dedicoucom mais afnco problematizao do ato deescrever, oerece um quadro minucioso de ra-zes possveis para tal ato. A arbitrariedade e agratuidade seriam, segundo ele, marcas de nas-cena da escrita. Eis, na ntegra, uma de suasmaniestaes sobre o tema:

    Como escrever no uma atividade norma-tiva nem cientfca, no posso dizer porquenempara quese escreve. Posso apenas enu-merar as razes pelas quais imagino escrever:1. por necessidade de prazer que, como sesabe, no deixa de ter alguma relao com oencantamento ertico;

    2. porque a escrita descentra a ala, o in-divduo, a pessoa, realiza um trabalho cujaorigem indiscernvel;3. para pr em prtica um dom, satisa-zer uma atividade instintiva, marcar umadierena;4. para ser reconhecido, gratifcado, amado,contestado, constatado;5. para cumprir tareas ideolgicas ou contra--ideolgicas;6. para obedecer s injunes de uma tipolo-gia secreta, de uma distribuio guerreira, deuma avaliao permanente;7. para satisazer amigos, irritar inimigos;8. para contribuir para fssurar o sistema sim-blico de nossa sociedade;9. para produzir sentidos novos, ou seja, or-as novas, apoderar-me das coisas de ummodo novo, abalar e modifcar a subjugaodos sentidos;10. fnalmente, como resultado da multiplici-dade e da contradio deliberadas dessas ra-zes, para burlar a idia, o dolo, o etiche daDeterminao nica, da Causa (causalidade eboa causa) e credenciar assim o valor supe-rior de uma atividade pluralista, sem causali-dade, fnalidade nem generalidade, como o o prprio texto. (2004a, p. 101-102)

    Sem undamento a priori, nem fnali-dade de nenhuma espcie, o trabalho da escritasolidariza-se com a tarea do viver em sua mul-tiplicidade imanente. Uma escrita-subsistncia,em outros termos.

    a escritora Doris Lessing quem, noentanto, oerece uma das mais tocantes justi-fcativas para tal gesto: Eu escrevo porque souum animal escritor (apudBRITO, 2007b, p. 75).Escreve-se porque no se podem evitar as or-as extraordinrias que a se insinuam, que in-sistem durante algum tempo e que, ento, eva-poram para nunca mais retornarem.

    Atitude de espreita constante em rela-o ao que se nos passa, a escrita defnir-se-doravante por nenhum chamamento trans-cendental, nenhuma inspirao extranatural,

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    nenhuma genialidade, nem seu oposto, ances-tralidade. Nenhum pendor, nenhum mistrio.Antes, atordoamento, extravasamento, desf-gurao e, oxal, desmanche de si. Do mesmomodo, nenhum apego a nenhuma espcie demisso transcendente ou restaurativa. Nenhumrastro humanista/humanizador, portanto. Nemredeno, nem danao; transmutao to-so-mente. Potncia de existir.

    Tomaz Tadeu (2007) um dos auto-res que, no quadrante educacional nacional,apresenta um conjunto de nortes to vigorososquanto audaciosos no que se reere aos proce-dimentos de escrita e, sobretudo, lida tico--intelectiva a implicada. Vejamos:

    [] 90. No cite. Vampirize. 28. No orna-mente. Desmanche. 39. No embeleze. Suje.89. No decore. Borre. 55. No limpe. Man-che. 145. No oreie. Desore. 18. No re-gule. Fabule. [] 10. No discorra. Distora.66. No discurse. Desconverse. 200. Nemordem, nem inverso. Diverso. 22. Noexplique. Complique. 9. No empilhe. Cave.69. No empaste. Raspe. 33. No enfleire.Descarrilhe. 88. No siga o caminho. Saia dotrilho. 301. No ocalize. Disperse. 15. Noorganize. Embaralhe. 78. No d orma. De-orme. 35. No unda. Conunda. 101. Nocentralize. Distribua. 102. Pra qu rgua?Enfe os dedos. 38. Pra qu compasso? Metaos ps. (p. 309-310)

    Tal perspectiva acerca do trabalho in-telectivo/escritural assentaria suas razes numtipo de procedimento mais aeito instalaode ideias e menos demonstrao cientfca;procedimento entusiasta de uma conduta de-safadora e, qui, desestabilizadora dos impe-rativos pedaggicos que sustentam os automa-tismos escriturais; procedimento semelhantequele que Deleuze e Guattari (1992) evocam:

    O pintor no pinta sobre uma tela virgem,nem o escritor escreve sobre uma pginabranca, mas a pgina ou a tela esto j de

    tal maneira cobertas de clichs preexisten-tes, preestabelecidos, que preciso de incioapagar, limpar, laminar, mesmo estraalharpara azer passar uma corrente de ar, sadado caos, que nos traga a viso. (p. 262)

    O trabalho da escrita torna-se, pois, in-distinguvel do da criao. Edifcao de umazona autnoma temporria, assim como a pro-pe Hakim Bey (2004), a escrita a em causaremeteria a pequenos levantes, no a salvo--condutos; a pequenos estivais, no a revolu-es. Uma escrita-combate que desafasse de-terminaes de mltiplas ordens, que alterassedestinos j traados, que transormasse vidasindelevelmente. Uma escrita-arrebentao, porassim dizer.

    o que se toma como argumento ter-minal deste ensaio, em consonncia proposi-tura de uma escrita-artista, tal como a conce-be Sandra Mara Corazza (2006): Uma escritaque cria um mundo incerto e perigoso a ni-ca ora que az o proessor dierenciar-se, isto, tornar-se o que ele , para alm do que deleoi eito (p. 22).

    O ato de escrever passa, ento, a se de-fnir como encorajamento para o deslocamento,sem destinao de vspera, das vidas ali de pas-sagem; vidas decerto comprimidas por quatroparedes seculares, mas igualmente sequiosaspela intensifcao das oras nmades que asobrigam a se deslocar rumo eterna novidadeque lhes requisito; vidas levadas a cabo emmeio ao ogo cruzado de ideias e de corpos tur-bulentos, intemperantes, errantes; vidas comoobras abertas, enfm.

    Assim reputado, o ato de escrever con-unde-se inteiramente com o trabalho incans-vel de viver em sua exuberncia possvel: su-percies de contato; intensidades passageiras;potncia de existir, mais uma vez.

    A escrita-artista no nunca simples. Ela nonormatiza, no representa, no conta hist-ria, no ilustra nem narra o que se passou.Algo passa por ela. [...] O escritor-artista um

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    axineiro: ele esvazia, raspa, escova, limpa.Ele escreve sobre os cdigos, palavras deordem, regimes de signos, para recha-los,embaralh-los, invert-los, subvert-los. Noentanto, ele distingue o que l pulula: aquiloque avorece a escrita, o que a obstaculiza,aquilo que a bloqueia, o que deixa passarintensidades. (CORAZZA, 2006, p. 35)

    Se h uma espcie de gro inumanonesse tipo de apropriao da escrita escolar, issose deve ao ato de que a autocriao tico-est-tica a implicada se projeta como hospedagemda pluralidade de oras inormes e, ao mesmotempo, colossais que esto a nos atravessar acada instante. Foras descontnuas, espasm-dicas, dispostas apenas ao encontro com a di-erena. Foras que simplesmente se eetivam,irradiando vontades de potncia, agindo sobreoutras, resistindo a outras, querendo estender--se at o limite, maniestando um querer-vir--a-ser-mais-orte (CORAZZA, 2006, p. 28).Foras contrrias ao que j se pensa, ao que jse sabe: essa matria ingerida, deglutida e expe-lida. Foras avizinhadas quilo que az ClariceLispector (1975) declarar de modo magistral:

    Eu sei de muito pouco. Mas tenho a meu a-vor tudo o que no sei e por ser um campovirgem est livre de preconceitos. Tudo oque no sei a minha parte maior e melhor:

    a minha largueza. com ela que eu com-preenderia tudo. Tudo o que no sei consti-tui a minha verdade. (p. xvii)

    Se, por um lado, a inconstncia e aimprevisibilidade constituem os maiores riscosdesse tipo de empreitada, por outro, seu vigorresidiria exatamente na abertura ao encontrocom acontecimentos no previstos outrora evagamente esboados agora, moda do no sa-berlispectoriano. Trata-se do inextricvel mo-vimento de dierena e de variao que uma es-crita no cativa das convenes pedaggicas dapoca aculta e, ao mesmo tempo, exige de todoaquele que por ela envereda. A escrita comoaproximao desobstruda liberdade, por fm.

    Escrita que se d a ler sem amarras, semclusulas de barreira, sem extorso nem alicia-mento do leitor. Escrita andarilha, solitria,desgarrada da luz. Escrita atravessada por umapaixo noturna, livre, desgraada e intil queinterrompe por um momento, azendo vazia einsignifcante toda a segurana, toda a estabili-dade, toda a elicidade e todo o sentido do dia(LARROSA, 2004, p. 28).

    Escrita-acontecimento: gesto limtroede uma criatura desgarrada que uiva diante dalonga noite sem consolo dos homens, mediantea qual nada lhe restaria alm de emitir sinais aolu, na tentativa de encontrar uma rplica aolonge no infnito varivel do tempo presente.

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    Enviado em: 14.11.10

    Aprovado em: 18.03.11

    Julio Groppa Aquino docente da graduao e da ps-graduao da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo,

    com mestrado e doutorado em Psicologia Escolar pelo Instituto de Psicologia da Universidade de So Paulo, bem como ps--doutorado pela Universidade de Barcelona. Pesquisador do CNPq.