Artigo Hipoglicemia Pos-cirurgia Bariatrica

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einstein. 2004; 2(3):193-8 Comunicação Preliminar Entero-omentectomia adaptativa: Bases fisiológicas e evolucionárias de uma proposta cirúrgica auxiliar no tratamento de diabetes tipo 2 Relato dos dois primeiros casos Preliminary Report Adaptive entero-omentectomy: Physiological and evolutionary bases of an auxiliary treatment to type 2 diabetes A report on the first two cases* Sérgio Santoro 1 , Manoel Carlos Prieto Velhote 2 , Carlos Eduardo Malzoni 3 , Alexandre Sérgio Garcia Mechenas 4 , Sérgio Flávio de Albuquerque Felizola 5 ARTIGO ORIGINAL ABSTRACT Objective: The objective of this article is to report on a new surgical strategy specifically designed to treat type 2 diabetes: adaptive entero-omentectomy (AEO), and present its rationale and preliminary results. Some techniques used in bariatric surgery are capable of producing fast improvement in type 2 Diabetes Mellitus, before significant loss of weight, due to metabolic changes that are currently being explained. Methods: Two type 2 diabetic patients were operated on. The technique included an enterectomy that left the first 40 cm of the jejunum and the last 260 cm of the ileum, besides the resection of the greater omentum. Results: At five and seven-month follow-up, both patients had no symptoms, reported early satiety and presented improved metabolic profile. Conclusions: This is the preliminary report of a surgical technique designed to help treating type 2 diabetes. It is based on leaving the bowel in the lower limit of normal range, diminishing the highly permeable portions and taking more nutrients to the distal bowel to enhance the secretion of enterohormones. The aim of omentectomy is to reduce visceral fat, contributing to a decreased production of plasminogen activator inhibitor-1 (PAI-1) and resistin. After surgery, the patients do not need nutritional support. The procedure is simple to perform and its rationale and preliminary results are encouraging. A protocol with more patients and long-term observation is needed. Keywords: Type 2 Diabetes; Small bowel/physiology; Enterectomy/ methods; Peptide hormones; Obesity, morbid/surgery; Plasminogen activator inhibitor-1; Omentum/physiology; Adipose tissue/physiopathology RESUMO Objetivo: O objetivo deste artigo é descrever uma nova estratégia cirúrgica especificamente desenhada para tratar diabetes tipo 2: enteroomentectomia adaptativa (EOA), apresentar suas bases e seus resultados precoces. Algumas técnicas usadas em cirurgia bariátrica são capazes de produzir rápida melhora no diabetes mellitus tipo 2 antes de alcançar uma perda significativa de peso, devido às alterações metabólicas que agora estão sendo compreendidas. Métodos: Dois pacientes com diabetes tipo 2 foram operados. A técnica incluiu uma enterectomia que deixou os primeiros 40 cm do jejuno e os últimos 260 cm do íleo, além da ressecção do grande omento. Resultados: Após um seguimento de cinco e sete meses, os dois pacientes estavam sem sintomas, referiam saciedade precoce e apresentavam melhora no seu perfil metabólico. Conclusões: Esta é uma apresentação dos resultados iniciais de uma técnica cirúrgica desenhada para ajudar no tratamento de diabetes tipo 2. O princípio da técnica é deixar o intestino com o comprimento mínimo considerado normal, diminuir as porções com alta permeabilidade e levar mais nutrientes ao intestino distal, visando melhorar a secreção de enterormônios. A omentectomia visa reduzir a gordura visceral, contribuindo para a redução da produção de inibidor do ativador do plasminogênio tipo 1 (PAI-1) e resistina. O procedimento é simples e após a cirurgia * Estudo realizado no Hospital da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 1 Médico. Mestre em Medicina pela FMUSP. Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. 2 Médico. Doutor em Medicina pela FMUSP. Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da FMUSP. 3 Médico. Mestre em Medicina pela FMUSP. Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. 4 Médico. Membro do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e Membro da Sociedade Brasileira de Videocirurgia. 5 Médico. Doutor em Clínica Médica pela Universidade de Bonn, Alemanha. Endereço para correspondência: Dr. Sérgio Santoro - R. São Paulo Antigo, 500 - ap. 111 SD - CEP 05684-010 - São Paulo (SP), Brasil - Tel.: 3747-3113, 9137-0930 - Fax: 3758-4054 - e-mail: [email protected] Recebido em 28 de setembro de 2003 - Aceito em 3 de março de 2004

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Artigo Hipoglicemia Pos-cirurgia Bariatrica

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  • einstein. 2004; 2(3):193-8

    197Comunicao Preliminar: Entero-omentectomia adaptativa: Bases fisiolgicas e evolucionrias de uma proposta cirrgica auxiliar no tratamento de diabetes tipo 2

    Comunicao PreliminarEntero-omentectomia adaptativa: Bases fisiolgicas e

    evolucionrias de uma proposta cirrgica auxiliar no tratamentode diabetes tipo 2

    Relato dos dois primeiros casosPreliminary Report

    Adaptive entero-omentectomy: Physiological and evolutionary bases of an auxiliary treatmentto type 2 diabetes

    A report on the first two cases*

    Srgio Santoro1, Manoel Carlos Prieto Velhote2, Carlos Eduardo Malzoni3, Alexandre Srgio Garcia Mechenas4,

    Srgio Flvio de Albuquerque Felizola5

    ARTIGO ORIGINAL

    ABSTRACTObjective: The objective of this article is to report on a new surgicalstrategy specifically designed to treat type 2 diabetes: adaptiveentero-omentectomy (AEO), and present its rationale andpreliminary results. Some techniques used in bariatric surgeryare capable of producing fast improvement in type 2 DiabetesMellitus, before significant loss of weight, due to metabolicchanges that are currently being explained. Methods: Two type 2diabetic patients were operated on. The technique included anenterectomy that left the first 40 cm of the jejunum and the last260 cm of the ileum, besides the resection of the greater omentum.Results: At five and seven-month follow-up, both patients had nosymptoms, reported early satiety and presented improvedmetabolic profile. Conclusions: This is the preliminary report of asurgical technique designed to help treating type 2 diabetes. It isbased on leaving the bowel in the lower limit of normal range,diminishing the highly permeable portions and taking more nutrientsto the distal bowel to enhance the secretion of enterohormones.The aim of omentectomy is to reduce visceral fat, contributing toa decreased production of plasminogen activator inhibitor-1 (PAI-1)and resistin. After surgery, the patients do not need nutritionalsupport. The procedure is simple to perform and its rationale andpreliminary results are encouraging. A protocol with more patientsand long-term observation is needed.

    Keywords: Type 2 Diabetes; Small bowel/physiology; Enterectomy/methods; Peptide hormones; Obesity, morbid/surgery;

    Plasminogen activator inhibitor-1; Omentum/physiology; Adiposetissue/physiopathology

    RESUMOObjetivo: O objetivo deste artigo descrever uma nova estratgiacirrgica especificamente desenhada para tratar diabetes tipo 2:enteroomentectomia adaptativa (EOA), apresentar suas bases eseus resultados precoces. Algumas tcnicas usadas em cirurgiabaritrica so capazes de produzir rpida melhora no diabetesmellitus tipo 2 antes de alcanar uma perda significativa de peso,devido s alteraes metablicas que agora esto sendocompreendidas. Mtodos: Dois pacientes com diabetes tipo 2foram operados. A tcnica incluiu uma enterectomia que deixouos primeiros 40 cm do jejuno e os ltimos 260 cm do leo, alm daresseco do grande omento. Resultados: Aps um seguimentode cinco e sete meses, os dois pacientes estavam sem sintomas,referiam saciedade precoce e apresentavam melhora no seu perfilmetablico. Concluses: Esta uma apresentao dos resultadosiniciais de uma tcnica cirrgica desenhada para ajudar notratamento de diabetes tipo 2. O princpio da tcnica deixar ointestino com o comprimento mnimo considerado normal, diminuiras pores com alta permeabilidade e levar mais nutrientes aointestino distal, visando melhorar a secreo de enterormnios. Aomentectomia visa reduzir a gordura visceral, contribuindo para areduo da produo de inibidor do ativador do plasminognio tipo1 (PAI-1) e resistina. O procedimento simples e aps a cirurgia

    * Estudo realizado no Hospital da Polcia Militar do Estado de So Paulo.1 Mdico. Mestre em Medicina pela FMUSP. Membro do Colgio Brasileiro de Cirurgia Digestiva.2 Mdico. Doutor em Medicina pela FMUSP. Professor Assistente da Disciplina de Cirurgia Peditrica da FMUSP.3 Mdico. Mestre em Medicina pela FMUSP. Membro do Colgio Brasileiro de Cirurgies.4 Mdico. Membro do Colgio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e Membro da Sociedade Brasileira de Videocirurgia.5 Mdico. Doutor em Clnica Mdica pela Universidade de Bonn, Alemanha.

    Endereo para correspondncia: Dr. Srgio Santoro - R. So Paulo Antigo, 500 - ap. 111 SD - CEP 05684-010 - So Paulo (SP), Brasil - Tel.: 3747-3113, 9137-0930 - Fax: 3758-4054 - e-mail: [email protected]

    Recebido em 28 de setembro de 2003 - Aceito em 3 de maro de 2004

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    os pacientes no necessitam de suporte nutricional. Os resultadosiniciais so estimulantes. Um protocolo com mais pacientes emaior tempo de observao necessrio.

    Descritores: Diabetes tipo 2; Intestino delgado/fisiologia;Enterectomia/mtodos; Hormnios peptdicos; Obesidademrbida/cirurgia; Inibidor do ativador do plasminognio tipo 1;Omento/fisiologia; Tecido adiposo/fisiopatologia

    INTRODUOO diabetes mellitus tipo 2 (DM2) tornou-se um enormenus para a humanidade. Nas ltimas trs dcadas,observou-se, por acaso, que muitas cirurgias para tratarobesidade podiam reverter imediatamente, ou melhorarde forma marcante, o DM2, mesmo aps perda de pesosignificativa(1). Ficou claro que alguns efeitosmetablicos desconhecidos e no relacionados perdade peso eram responsveis por essa melhora.Recentemente, a excluso do duodeno e jejuno foiindicada como a caracterstica anatmica responsvelpor este achado(2). Entretanto, h dados anatmicos,fisiolgicos e evolutivos para corroborar a idia de queo diabetes mellitus tipo 2 seja o resultado de um tratodigestrio preparado para receber uma dieta primitiva,mas que est exposto a uma dieta moderna. Alm disso,uma nova tcnica(3) para tratar obesidade e suavariante(4), foram recentemente descritas eapresentaram bons resultados na melhora do diabetes,mesmo sem excluso duodeno-jejunal. De maneiradiferente, ter mais nutrientes alcanando as poresdistais do intestino delgado parece ser o verdadeirofator desencadeante da melhora no DM2.

    Sabe-se que a ingesto de acar por via oral leva secreo mais eficiente de insulina em indivduosnormais do que por via intravenosa. Isso se chamaefeito incretina(5) e causado pela secreo dehormnios intestinais, em especial o peptdeosemelhante ao glucagon-1 (GLP-1)(6), em geral na partedistal do intestino delgado. Outros hormniosintestinais, como o polipeptdeo YY (PYY)(7) e aoxintomodulina (Oxm)(8), junto com o GLP-1(9),induzem um atraso no trnsito gastrointestinal esaciedade(6,10). Estes sinais importantes gerados pelointestino avisam, especialmente para o pncreas e ohipotlamo, que uma refeio nutritiva foi ingerida.

    Tanto os indivduos obesos(11) como os diabticostipo 2(12) apresentam uma secreo reduzida de GLP-1.Pode-se pensar que no sejam capazes de produzir oGLP-1 mas, imediatamente aps, e muitos anos depois,de um bypass jejuno-ileal (que leva os nutrientes paraa poro distal do intestino atravs de uma derivao),a secreo do GLP-1 volta aos valores normais(13). Valeressaltar que o GLP-1 exgeno potente o suficiente

    para normalizar os nveis glicmicos em jejum e ps-prandiais nos pacientes diabticos tipo 2(9). razovelaceitar que a normalizao de uma secreopreviamente deficiente de GLP-1 endgeno possa fazero mesmo ou, pelo menos, melhorar os nveis ps-prandiais de glicemia.

    Acreditamos que essa secreo alterada possaresultar de um intestino delgado longo (com base emmodelos herbvoros, elaborados para ingerir maisalimentos e com menos densidade calrica), e que pioracom uma dieta moderna, altamente absorvvel e quedeixa o intestino distal com menos estimulao pornutrientes(14). Uma publicao recente(15) concluiu queo comprimento do intestino apresenta uma correlaocom o peso, e no com a estatura.

    Uma dieta atual pode ser muito calrica, compequeno volume e facilmente absorvida. E isso ameaaos sinais neuroendcrinos, que dependem da distensoe da presena de nutrientes no intestino distal paradesencadear a secreo de hormnios intestinais. Apartir desse conceito, recentemente descrevemos umanova tcnica cirrgica para tratar a obesidade(3), quesimplesmente reduz a capacidade gstrica com umagastrectomia vertical (sleeve) e encurta o comprimentodo intestino delgado ao limite inferior da normalidade(trs metros). Assim, preserva-se principalmente o leo,e evita-se prtese, excluso de segmentos, subestenosesou m-absoro. A estrutura geral do tratogastrintestinal preservada, e os resultados a mdioprazo so estimuladores. Observamos uma rpidamelhora do diabetes tipo 2 associado, mesmo antes deocorrer uma perda significativa de peso, e no foi feitanenhuma excluso do duodeno e jejuno (dados nopublicados). A maior secreo de hormnios nointestino distal, simplesmente por permitir que osnutrientes cheguem at esta poro, provavelmenteo motivo desta melhora.

    Levantamos a hiptese de que podemos usar amesma tcnica mesmo quando a obesidade no oprincipal problema(3); portanto, no operamos oestmago e deixamos mais leo e menos jejuno nointestino remanescente. O fato de no incluir agastrectomia vertical neste procedimento resultou emuma tcnica mais simples, no voltada ao tratamentoda obesidade, mas sim para auxiliar no tratamento dodiabetes mellitus tipo 2.

    MTODOSRealiza-se uma inciso supra-umbilical de dezcentmetros, na linha mdia, sob anestesia geral. Oprocedimento consiste em retirar o grande omento edepois fazer a enterectomia. Os primeiros 40 cm do

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    jejuno e os ltimos 260 cm do leo so ressecados. Ospassos finais so uma anastomose trmino-terminal eo fechamento do espao entre as bordas mesentricas.

    O Comit de tica em Pesquisa do Hospital daPolcia Militar do Estado de So Paulo aprovou oProtocolo de adaptao digestiva.

    PACIENTESTodos os pacientes foram encaminhados aoDepartamento de Cirurgia para serem submetidos aoprotocolo de cirurgia da obesidade chamadoAdaptao digestiva(3). Contudo, relatavam que odiabetes era a principal razo para estarem l, poisviviam em condies precrias, e o tratamento oneroso feito de forma irregular. Todos os pacientesapresentavam glicemia acima de 400 mg/dL e estavamem tratamento clnico. O Protocolo de adaptaodigestiva(3) foi aplicado, mas o estmago dos pacientesfoi poupado, conforme um termo de consentimentolivre e informado especial. Um clnico independente(S.F.A.F.), no relacionado ao grupo de cirurgies,acompanhou os pacientes e verificou os resultados.

    Paciente 1: 38 anos, sexo masculino, estatura = 168cm, peso = 109 kg (ndice de massa corprea = 38,6kg/m2), foi internado no Hospital da Polcia Militar doEstado de So Paulo, em dezembro de 2003, compoliria, polidipsia e hipertenso leve. A glicemiasangnea estava acima de 400 mg/dl. Aps quatro dias,estava estvel, e recebeu alta com prescrio deglibenclamida (5 mg/dia), metformina (500 mg/uma vezao dia) e manuteno dos anti-hipertensivos que jtomava (clonidina e clortalidona). Devido m adesoao tratamento para diabetes e falha anterior notratamento para obesidade, foi encaminhado paracirurgia com os seguintes diagnsticos: obesidade,diabetes tipo 2, esteato-hepatite no-alcolica (EHNA)com transaminases alteradas e hipertenso sistmicaleve. Resultados dos exames laboratoriais pr-operatrios: glicemia de jejum = 223 mg/dl; aps umadose maior de metformina (500 mg/duas vezes ao dia),caiu para 144 mg/dl; colesterol total = 159 mg/dl;triglicrides = 255 mg/dl; hemoglobina glicosilada A1c= 9,4% (cromatografia lquida de alta preciso valores normais at 6,3%).

    Foi submetido cirurgia em 11 de fevereiro de 2004,quando foram retirados 220 cm de intestino; a cirurgiadurou 90 minutos. O paciente voltou a se alimentarno segundo dia do ps-operatrio e teve alta noterceiro dia. Foi orientado a manter a dieta paradiabetes e suspender todas as medicaes. Os nveisglicmicos sangneos foram verificados duas vezes aodia (jejum, e uma a duas horas aps a refeio

    principal). Aps a operao, a glicemia de jejum estavaabaixo de 100 mg/dl e a ps-prandial estava abaixo de140 mg/dl. A presso arterial sistlica no ultrapassou140 mm Hg, e a diastlica no foi maior do que 90 mmHg.

    O paciente relatou estar comendo bem menosdevido saciedade precoce e perdeu 7 kg em sete meses.Informou ainda uma melhor sensao fsica de bem-estar e estava muito satisfeito com os resultados doprocedimento. Aps um ms sem tomar medicamentos,todos os exames laboratoriais estavam normalizados,inclusive as transaminases. O colesterol total estava 147mg/dl, colesterol-LDL = 84 mg/dl, triglicrides = 120mg/dl, glicemia de jejum = 98 mg/dl, e duas horas apsa ingesto de 75 g de dextrose = 108 mg/dl. Os examesforam repetidos a cada dois meses. Em agosto de 2004,os resultados dos exames foram: colesterol total = 153mg/dl, triglicrides = 86 mg/dl, hemoglobina glicosiladaA1c = 4,2% (verificada duas vezes; cromatografialquida de alta preciso valores normais de 4,0% a6,3%).

    Paciente 2: 37 anos, sexo masculino, estatura = 172cm, peso = 122 kg (ndice de massa corprea = 41,2kg/m2). Foi atendido no pronto-socorro em 1997 comhiperglicemia e diagnstico de DM2. Desde ento, estem tratamento para DM2 e dislipidemia e em uso deglibenclamida (5 mg/uma vez ao dia), metformina (850mg/duas vezes ao dia) e ciprofibrato (100 mg/dia). Osexames laboratoriais antes do tratamento clnico foram:glicemia de jejum = 256 mg/dl; colesterol total = 351mg/dl; triglicrides = 1.257 mg/dl; hemoglobinaglicosilada A1c = 12,2% (cromatografia lquida de altapreciso valores normais at 6,3%).

    Foi submetido ao mesmo procedimento em 14 deabril de 2004, com retirada de 240 cm de intestino. Acirurgia demorou 75 minutos.

    Relatou tambm saciedade precoce e perdeu 7 kgem cinco meses. Sem fazer uso de quaisquermedicamentos, mediu a glicemia sangnea duas vezesao dia (tambm aps as refeies) e os valores nuncaforam maiores do que 120 mg/dl. Colesterol total =150 mg/dl, colesterol-LDL = 82 mg/dl, triglicrides =184 mg/dl, glicemia de jejum = 108 mg/dl e duas horasaps ingesto de 75 g de dextrose = 128 mg/dl. Nohouve alterao na freqncia de evacuaes ou noaspecto das fezes.

    DISCUSSOA dieta primitiva era pouco densa em termos de caloriase rica em fibras pouco digerveis. Os indivduos tinhamque ingerir grandes volumes de alimentos para obter

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    uma quantidade relativamente pequena de calorias.Os sinais de alimentao internos podiam ser basearno volume. Alm disso, difcil extrair nutrientes departculas no nutritivas volumosas e absorv-los. Umintestino longo importante como um recipiente, mastambm permite a absoro de todos os nutrientes,inclusive fibras. Mais nutrientes chegariam s poresdistais com essa dieta

    Na natureza, quanto mais pobre a dieta emcalorias, e mais rica em fibras, mais longo o intestinodelgado(16). Esta a principal razo porque osherbvoros tm intestino mais longo do que oscarnvoros. Na dieta primitiva dos primatas, asinalizao interna do estado de plenitude poderia sebasear na presena de nutrientes no intestino distal.

    J a dieta moderna contm nutrientes concentrados,altamente absorvveis (inclusive elementos nonaturais, como o acar refinado) e cada vez menosfibras e resduos. possvel absorver de forma eficienteesses elementos nas primeiras pores do intestino, ecriar picos de absoro de nutrientes e um intestinodistal vazio. A sinalizao interna baseada no volumee em nutrientes nas partes distais falha; um indivduopoderia comer sem gerar os sinais adequados de estaralimentado; e a secreo de GLP-1 e de outroshormnios do intestino distal poderia estar diminudanesta situao, como j demonstrado(11,12).

    O intestino delgado mais longo poderia exacerbaras caractersticas indesejadas da dieta atual, contribuirpara obesidade, diabetes, doena coronariana,dislipidemias e outras doenas tipicamenterelacionadas dieta moderna?

    O estudo realizado por Hounnou G et al.(15) concluiuque o comprimento do intestino relaciona-se com opeso e no com a estatura. Esses autores no definiramas correlaes entre as doenas associadas obesidade,mas possvel presumi-las.

    Por que esta questo raramente discutida? Pelosimples fato de pessoas normais serem capazes deabsorver quase todos os nutrientes absorvveis,independente de terem um intestino longo ou curto.Na realidade, a experincia com pacientes portadoresda sndrome do intestino curto nos mostra queaproximadamente 70 cm do intestino delgado sogeralmente suficientes para uma nutrio oraladequada, se parte do leo for preservada e o clonestiver presente(17). Portanto, em indivduos normais,que diferena faria ter trs ou oito metros de intestinodelgado, se, de qualquer forma, a absoro denutrientes completa?

    O GLP-1 um hormnio polipeptdeo secretadoprincipalmente pelo intestino distal em resposta ingesto de nutrientes, e tem seis funes

    fundamentais: insulinotrpico(18) e glicosttico(19),reduz a produo de cido gstrico(20), causa umareduo significativa no esvaziamento gstrico(9), causarelaxamento do fundo gstrico (e permite que oestmago receba maiores volumes sem aumentar asensao de distenso)(21) e, finalmente, cruza a barreirahematoenceflica e causa saciedade(10).

    Os aspectos evolutivos das funes da GLP-1 soimpressionantes. Como o acesso aos alimentos nanatureza era espordico, o homem primitivo tinha oinstinto de comer o mximo possvel de modo a criarreservas para os tempos de fome. E quando estavafaminto, o trnsito digestivo tinha que ser rpido paraformar espao para mais ingesto; entretanto, quandoos nutrientes alcanavam o intestino distal, eranecessrio reduzir o trnsito ou os nutrientes seriamperdidos nas fezes. Os hormnios intestinaisproduzidos pelas pores distais do intestinodesempenham este papel ao desacelerar oesvaziamento gstrico, causar intensa secreo deinsulina e bloquear a ao do glucagon para ajudar oorganismo a armazenar os nutrientes absorvidos. Almdisso, o GLP-1 relaxa o fundo gstrico para que retenhao alimento que no pode ser processadoimediatamente, o que leva saciedade central,interrompe o processo de ingesto, e diminui aproduo de cido gstrico, j que a refeio deveterminar.

    Em resumo, nascer com trs ou oito metros deintestino delgado (comprimentos encontrados emindivduos normais e nunca submetidos a cirurgia) fazpouca diferena em termos de absoro, pois emnenhum caso ocorre m-absoro. Contudo, parececlaro que uma importante questo fisiolgica osnutrientes chegarem at o intestino distal e l seremabsorvidos, principalmente quando h restrio ingesto de alimentos pela produo de hormniosintestinais que atuam como sinalizadores para opncreas e o crebro.

    Estas teorias sugerem que se um indivduo consomeprincipalmente uma dieta moderna hipercalrica efacilmente digervel, seria melhor ser normal com trsmetros do que normal com oito metros de intestinodelgado. Isso poderia evitar as conseqncias da faltade sinalizao adequada do intestino para o crebro,que anuncia o estado do indivduo ter se alimentado eter comido o suficiente.

    A evoluo tambm influenciou nesta questo.Australopithecus robustus, um homindeo que viveu hcerca de 1,5 milho de anos, era um herbvoro commandbulas fortes especializadas em mastigaopesada. Durante o perodo glacial, os vegetaistornaram-se escassos e o A. robustus foi extinto,

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    enquanto outro grupo de humanos se adaptou para setornar onvoro. A maior concentrao de calorias nacarne permitiu a esses grupos Homo comer menoresvolumes de alimentos mais digerveis. O comprimentodo intestino foi reduzido nos homens(22-23) comoesperado, j que h diferena na extenso do intestinode herbvoros e carnvoros.

    No sculo passado, outra grande mudana ocorreuna dieta humana, quando se tornou mais concentradaem calorias e sem partculas no digerveis. Essamudana nos permite teorizar que mais reduointestinal seja ainda necessria. A evoluo estcumprindo sua funo de rotina: seleo. As pessoasesto se tornando obesas, diabticas, e morrem. Osindivduos obesos, como mostrado por Hounnou G. etal.(17), tm intestinos mais longos. O intestino mais curtoest sendo selecionado.

    O ser humano atual no est suficientementeadaptado abundncia de nutrientes de fcil absoro;e o diabetes mellitus tipo 2 uma conseqncia.

    O jejuno muito mais permevel do que o leo,alm de ter uma superfcie maior(24). Se, de repente, osalimentos se tornarem muito mais absorvveis, parecerazovel reduzir este segmento altamente permevel,de modo a diminuir os picos de absoro e evitar odesaparecimento precoce de nutrientes no lmen. Narealidade, a literatura j mostrou certa preocupaocom um intestino mais permevel e diabetes, emboraesta publicao abordasse o diabetes tipo 1(25), que uma doena diferente.

    Considerando-se a dieta moderna hipercalrica,pobre em fibras e de fcil digesto, e o jejuno que setornou inapropriadamente longo e permevel, acirurgia apresentada neste artigo (EOA) apenas copiaas aes evolutivas e um procedimento adaptativo.

    Os dados recentes sugerem que a insuficinciacrnica na produo de GLP-1 pode estar relacionadaa uma perda progressiva das clulas beta do pncreas,j que o GLP-1 um fator trfico para essas clulas eum estimulador de sua neognese(26).

    Diferente do tratamento clnico, h pouco ounenhum risco de hipoglicemia, pois os hormniosdistais so liberados em perfeita sincronia com aingesto e a ao insulinotrpica tambm glicose-dependente(27). O efeito positivo da EOA serprovavelmente duradouro, pois, como j foidemonstrado na derivao jejuno-ileal, as alteraeshormonais gastrointestinais permaneceram(13).Contudo, neste caso, os efeitos indesejveis da exclusono apareceriam, j que no foi feito esseprocedimento.

    A EOA aceitvel, j que depois da cirurgia opaciente ainda mantm um comprimento de intestino

    delgado considerado normal. Alguns indivduos quenunca foram submetidos a cirurgia tm dimensesintestinais semelhantes e uma reserva funcionalintestinal razovel. No h relato de m-absoro comeste comprimento normal de intestino, incluindo oduodeno, o jejuno, um longo segmento do leo e doclon, sem excluses. Entretanto, aps a EOA, maisnutrientes alcanam as pores distais do intestinodelgado, como se uma dieta primitiva tivesse sidoconsumida e o paciente obtm uma regulaometablica adequada. A falta de restrio e m-absoro possibilitariam realizar a EOA, mesmo naausncia de obesidade mrbida, pois h sobrepeso.

    Uma omentectomia foi acrescentada aoprocedimento com o objetivo de reduzir uma fonteimportante de resistina(28) e de inibidor do ativador doplasminognio tipo 1 (PAI-1)(29). Essas substncias,produzidas principalmente pela gordura visceral, tmrelao com uma maior resistncia perifrica insulinae com doenas aterotrombticas associadas sndromeplurimetablica. A resseco de gordura visceral foisugerida como uma interferncia positiva no perfilmetablico(30).

    O procedimento proposto extremamente simples,barato, fcil e seguro. Alm disso, pode ser uma soluofisiolgica para um problema crnico grave, oneroso eprejudicial.

    Estes so resultados iniciais em apenas doispacientes e talvez no sejam reprodutveis em todos ospacientes com DM2; so necessrios mais estudos.Porm, os dados fisiolgicos, anatmicos e evolutivosconsistentes corroboram este procedimento e seudesfecho inicial merece uma comunicao preliminar.

    AGRADECIMENTOSAgradecemos s Sras. Muriel Hallet e Janice H.

    Hewins pela reviso da verso em ingls.

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