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    ARTIGO DE REVISÃO | REVIEW ARTICLE

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    Autores

    Monica Maria de AlmeidaVasconcelos1

    Eleonora Moreira Lima2

    Giovana Branco Vaz3

    Thamara H. S. Silva4

    1 Departamento de Pediatriada Faculdade de Medicina daUFMG e Ambulatório de Dis-

    função Vesical do Hospital dasClínicas - UFMG.2 Ambulatório de NefrologiaPediátrica do HC - UFMG.3 Faculdade de Ciências Médicasde MG.4 Faculdade de Medicina -

    UFMG.

    Data de submissão: 20/07/2012.

    Data de aprovação: 07/12/2012.

    Correspondência para:Mônica M. A. Vasconcelos.Unidade de Nefrologia Pediátricado Hospital das Clínicas Departa-mento de Pediatria -Faculdade deMedicina Universidade Federalde Minas Gerais.Rua Carangola, nº 57/1202. SantoAntônio, Belo Horizonte, MinasGerais, Brasil. CEP: 30.330-240.E-mail: [email protected]: (031) 3409-9772.Pró -Reitoria de Pesquisa daUFMG, FAPEMIG - Fundação deApoio à Pesquisa de Minas Gerais- e CNPq - Conselho Nacional dePesquisa.

    Disfunção do trato urinário inferior indi-ca uma função anormal do trato urinárioinferior para a idade da criança, que podelevar à perda da capacidade coordenada dearmazenamento e eliminação de urina. Éuma entidade comum em crianças, emborasubdiagnosticada na prática clínica, e que,além de representar um risco para o trato

    urinário superior, causa um constrangimen-to emocional aos pais e às crianças, devidoà incontinência urinária e à frustração emlidar com o problema. A aquisição da con-tinência urinária diurna ocorre na maioriadas crianças até os 4 anos e a noturna até os5 anos de idade. Após esta idade, a incon-tinência urinária torna-se um problema so-cial. Apesar da importância clínica, muitasvezes, os pais desconhecem os sintomas des-sa disfunção. Esse artigo tem como objetivoabordar os principais aspectos relacionados

    ao diagnóstico dessa disfunção.

    INTRODUÇÃO

    A incontinência urinária diurna em crian-ças na idade escolar não é uma queixavalorizada pela maioria das famílias, nãosendo, portanto, determinante para moti-var uma consulta médica.1  A Disfunçãodo Trato Urinário Inferior  (DTUI) é in-vestigada e comumente diagnosticadaapós episódios de infecção do trato uri-nário2 ou quando a criança também apre-senta enurese.3 Enurese é o termo utiliza-do para a perda urinária durante o sonoem crianças acima de 5 anos de idade. Elapode apresentar-se como um sintoma iso-lado (enurese monossintomática) ou vir

    Lower urinary tract dysfunction indicatesan abnormal function of the lower uri-nary tract to the child's age, which canlead to loss of coordinated capacity stor-age and elimination of urine. It is a com-mon entity in children, although under-diagnosed in clinical practice, and that,besides representing a risk to the upper

    urinary tract, causes an emotional embar-rassment to parents and children, due tourinary incontinence and frustration indealing with the problem. The acquisitionof daytime urinary continence occurs inmost children until age 4 and night, un-til 5 years of age. After this age, urinaryincontinence becomes a social problem.Despite the clinical importance often par-ents are unaware of the symptoms of thisdysfunction. This article aims to addressthe key issues related to the diagnosis of

    this dysfunction.

    Disfunção do trato urinário inferior - um diagnóstico comumna prática pediátrica

    Lower urinary tract dysfunction - a common diagnosis in the pediatricspractice

    RESUMO   ABSTRACT

    Palavras-chave: diagnóstico, incontinênciaurinária, pediatria.

    Keywords:  diagnosis, urinary inconti-nence, pediatrics.

    acompanhada de sintomas do trato uriná-rio inferior (tais como, urgência miccio-nal, aumento ou diminuição da frequên-cia urinária e alterações do jato urinário)3 sendo, então, denominada enurese nãomonossintomática. Nota-se que a DTUI

    nem sempre é evidente e, muitas vezes, sóé diagnosticada após lesões irreversíveisdo trato urinário superior.2 O diagnósticoprecoce e a apropriada abordagem tera-pêutica tornam-se essenciais e, para tal, oconhecimento da epidemiologia e das ma-nifestações clínicas é importante para oestabelecimento de medidas de prevençãoprimária e secundária dessa disfunção emcrianças.

    OI: 10.5935/01012800.20130009

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    OBJETIVOS

    Essa revisão tem como objetivos abordar os principaisaspectos relacionados ao diagnóstico dessa disfunção,enfatizando a atenção para sinais e sintomas relacio-nados ao trato urinário inferior que possam sugerir apresença de DTUI.

    DISCUSSÃO

    A DTUI é um termo amplo que descreve todo o es-pectro de distúrbios em qualquer uma das fases damicção (enchimento ou esvaziamento), na ausênciade doença neurológica ou patologia obstrutiva dotrato urinário. Os primeiros relatos desses distúr-bios datam de 1915, mas somente muitos anos maistarde foram denominados “bexiga neurogênica nãoneurogênica”4 e, posteriormente, DTUI.5 Em crianças,

    é uma disfunção comum, manifestada, geralmente,por incontinência urinária, infecção urinária, refluxovesicoureteral e constipação.6,7 Outro termo utilizadoé disfunção das eliminações, quando estão presentesos sintomas da DTUI e da disfunção intestinal.6 Essaassociação tem sido cada vez mais comum, apesar domecanismo fisiopatológico envolvido não estar total-mente esclarecido. O trato genitourinário e o sistemagastrointestinal são interdependentes e compartilhama mesma origem embriológica, região pélvica e iner-vação sacral. Portanto, a disfunção de esvaziamento

    dos dois sistemas, na ausência de alterações anatô-micas, está interligada. Além disso, ambos possuemuma relação dinâmica com os músculos do assoalhopélvico para o seu esvaziamento adequado.8

    A literatura disponível ainda não é clara sobreas causas possíveis da DTUI. Durante o desenvolvi-mento normal, a criança passa a utilizar melhor osmecanismos de controle do sistema nervoso centralsobre o trato urinário inferior. Entretanto, algumascrianças utilizam manobras de contenção para evi-tar as perdas urinárias ou mesmo inibir a urgência

    miccional (exemplo: sentam por cima do calcanharpara comprimir a uretra); outras contraem o assoalhopélvico para inibir a contração do detrusor e adiar amicção. A contração dos músculos do assoalho pél-vico, utilizada como um mecanismo voluntário pararegular o ciclo do trato urinário inferior, pode mantera DTUI e resultar em uma hiperatividade do assoalhopélvico, que induz mudanças periféricas e centrais, ge-rando um “novo” sistema de controle da micção. Essesistema, mais vulnerável, caracteriza-se pela perda da

    coordenação entre o músculo detrusor e o assoalhopélvico, com falha na transmissão dos sinais inibitó-rios e consequente hiperatividade do detrusor.9  Naatualidade, há alguns autores que preferem entenderesse problema dentro de uma perspectiva corticocên-trica do que apenas vesicocêntrica.10,11

    A DTUI pode ser ocasionada por alterações quevariam desde a hiperatividade da bexiga até condi-ções mais graves que se associam com lesão do tratourinário superior.12

    AQUISIÇÃO DA CONTINÊNCIA

    O conhecimento do controle do sistema nervosocentral sobre a micção e sobre a continência uriná-ria tem expandido rapidamente nos últimos anos,apesar de ainda não ser totalmente compreendido.A continência urinária representa um processo nor-

    mal de desenvolvimento e é, também, um impor-tante marco social. Compreende um processo fisio-lógico complexo que envolve o cérebro, a medulaespinhal, a musculatura lisa da bexiga, o colo ve-sical e a musculatura estriada do esfíncter externo.Essas estruturas atuam de forma coordenada, possi-bilitando uma continência inconsciente permanentee o início voluntário consciente da micção.13

    A bexiga tem duas funções: o armazenamentoe a eliminação da urina. O principal componenteda parede vesical é um músculo liso: o detrusor. A

    bexiga neurologicamente intacta armazena, de mo-do inconsciente, grande volume de urina com altacomplacência e pequena ou nenhuma alteração dapressão intravesical. Durante o enchimento, queocorre sem contrações involuntárias do detrusor, amusculatura estriada do esfíncter é ativada reflexa-mente, mantendo a continência mesmo na capaci-dade máxima do enchimento vesical. A contraçãodo detrusor, que ocorre simultaneamente com orelaxamento reflexo do esfíncter uretral, permite oesvaziamento completo da bexiga e sem interrup-ções.14  A Capacidade Vesical Esperada  (CVE) paraa idade representa o volume miccional máximo es-perado, valor que deve ser interpretado em relaçãoà idade. Na criança com idade entre 1 a 12 anos, écalculado pela fórmula: CVE em ml = [idade (anos) x30]+ 30.15 A CVE do adolescente é, como no adulto,de cerca de 400 a 450 ml.12 Para o lactente no primei-ro ano de vida, este valor é calculado pela fórmula: =38 + [2.5 x idade (meses)].

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    TREINAMENTO DOS ESFÍNCTERES

    O treinamento de esfíncteres é uma das fases maisdifíceis do desenvolvimento experimentada pelacriança e seus pais. Ao mesmo tempo em que sãograndes as pressões para que a criança esteja à altu-ra da expectativa social e dos pais, ela também ne-

    cessita de autoafirmação e independência. Duranteo treinamento, o conflito entre o controle dos paissobre a criança e o desejo desta de se conduzir sozi-nha é constante. Até o momento, há pouca informa-ção científica sobre a forma correta de conduzir essetreinamento e observa-se que os pais o fazem mui-to mais baseados nas suas intuições e experiênciasanteriores do que nas orientações do profissionalde saúde.16,17 Em geral, a sequência usual do controledos esfíncteres vesical e anal consiste em: 1) contro-le noturno fecal; 2) controle diurno fecal; 3) controle

    diurno urinário; e 4) controle noturno urinário.Um comportamento inadequado, aprendido na

    época do treinamento esfincteriano, devido a proble-mas de ordem psicológica ou problemas do própriotreinamento, impede a transição fisiológica do con-trole urinário infantil (reflexo) para o padrão adulto(voluntário).2,18 Alguns estudos têm sugerido que umtreinamento esfincteriano precoce (antes dos 18 me-ses) pode ser repressivo e causar problemas tardios deconstipação e incontinência fecal.19 Entretanto, retar-dar esse treinamento além de uma determinada idade

    também pode ser prejudicial.20 Apesar da ausência depublicações confirmando todos esses achados, é im-portante que durante as consultas de puericultura, apartir dos 15-18 meses haja uma orientação antecipa-da sobre o treinamento esfincteriano, com o objetivode se prevenir possíveis distúrbios na coordenação dabexiga, esfíncter e assoalho pélvico durante esta fase.

    EPIDEMIOLOGIA

    A prevalência dos sintomas das DTUI em crianças

    tem sido relatada em vários estudos com variabilida-de grande entre 2% a 25%.21,22

    O principal problema é que não há uniformidadena utilização dos termos nesses diferentes estudos. Háum predomínio entre as meninas, como descrito porvários autores.23,24 No Brasil, em dois estudos com fai-xas etárias distintas, observou-se prevalência de sinto-mas miccionais em crianças de 3 a 9 anos de 22,8%,sendo 10,5% para os meninos e 33,8% para as me-ninas24 e em crianças de 6 a 12 anos de 21,8%, sendo22,4% composto por meninos e 77,6% de meninas.25

    A criança com bexiga hiperativa apresenta riscoaumentado de se tornar adulto com hiperatividade debexiga. A implicação destas observações ressalta a im-portância do diagnóstico na infância, assim como es-tudos para avaliar o seu papel no desenvolvimento dabexiga hiperativa do adulto. A incontinência urinária

    diurna e a enurese na infância estão associadas comum risco superior a duas vezes de urgeincontinênciana vida adulta.26 Outro estudo retrospectivo com 170mulheres encontrou prevalência alta de DTUI na in-fância naquelas mulheres com sintomas de frequênciaurinária aumentada, urgência, incontinência de stresse urgeincontinência.27  Minassian et al. (2006)27  en-contraram alta prevalência de DTUI na infância emmulheres que tinham frequência urinária aumentada,urgência e incontinência de esforço, sugerindo um im-pacto na vida adulta da bexiga hiperativa na infância;

    este estudo recomenda uma atenção dos profissionaisda saúde para as alterações acima descritas.

    CLASSIFICAÇÃO

    A classificação das condições que determinam aDTUI, principalmente associadas à incontinênciaurinária, não é clara e muitas vezes se sobrepõe. Istosignifica que o sintoma inicial pode ser um e evo-luir para uma condição oposta àquela inicial. Comoexemplo, a criança pode apresentar bexiga hiperativae desenvolver uma bexiga hipoativa em consequência

    da prática de adiar a micção pela contração repetidada musculatura do assoalho pélvico.

    Segundo o consenso da Sociedade Internacional deContinência Urinária em Crianças,28 os sintomas deDTUI foram classificados de acordo com a fase deesvaziamento ou enchimento e/ou a função da bexiga.São caracterizados como: aumento ou diminuição dafrequência miccional, incontinência, urgência, noctú-ria, hesitação, esforço, jato fraco, jato intermitente,manobras de contenção, sensação de esvaziamentoincompleto, gotejamento pós-miccional, dor genitalou do trato urinário inferior.

    SINTOMAS DE ARMAZENAMENTO

    1. A incontinência urinária significa perda de uri-na sem controle, podendo ser contínua ouintermitente. A incontinência contínua com-preende a perda de urina constante e se asso-cia a malformações, como ureter ectópico oulesão do esfíncter externo. A incontinência in-termitente é a perda em menor quantidade na

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    fazem-se necessárias medidas de urofluxometria livre(parte inicial do estudo urodinâmico) com demons-tração de curvas com fluxo intermitente (interrom-pido) ou staccato (flutuante), seguidas de avaliaçãodo resíduo pós-miccional pela ultrassonografia. Aintensidade dos sintomas clínicos pode variar desde

    uma micção incoordenada até o espectro completo dedissinergia vésico-perineal na dependência da frequ-ência, duração e gravidade da obstrução funcional.18

    Os achados radiológicos mostram ausência dedisrafismo espinhal, apesar do aspecto de bexiganeurogênica: forma trabeculada e com divertículos.Algumas vezes, a bexiga pode se apresentar descom-pensada com grande capacidade e com resíduo ele-vado. Lesão do trato urinário superior e RVU estãopresentes em 50% dos casos.30

    Obstrução: Impedimento mecânico ou funcional,

    estático ou fásico durante o esvaziamento da bexiga.É caracterizada pelo aumento da pressão detrussora eum fluxo de urina reduzido.

    Incontinência por estresse: É a perda de pequenasquantidades de urina durante o esforço ou aumentoda pressão intra-abdominal por várias razões. É raraem crianças neurologicamente normais.

    Refluxo vaginal: Meninas na pré-puberdade queapresentam incontinência em quantidade moderada,ocorrendo até 10 minutos após a micção.

    Incontinência do riso:  Consiste na perda uriná-

    ria desencadeada pelo riso. Embora a causa não sejatotalmente conhecida, tem sido sugerido que o risoinduz a um estado de hipotonia generalizada com re-laxamento uretral, predispondo à incontinência uri-nária; entretanto, não foi comprovado esse efeito, sejano esfíncter uretral interno ou no externo.12 Outra hi-pótese é que o riso induziria a uma hiperatividade dodetrusor resultando na perda urinária.31

    Frequência urinária diurna extraordinária: É umacondição que ocorre em crianças pré-escolares sau-dáveis, sem antecedentes mórbidos ou relato de ITU

    anterior. A causa é desconhecida e caracteriza-se poruma elevada frequência urinária diurna sem incon-tinência urinária, que pode ocorrer a cada 10 a 20minutos. Os sintomas desaparecem quando a criançadorme, embora a incontinência urinária noturna pos-sa preceder ou coexistir com os sintomas.

    COMORBIDADES

    São consideradas como condições de comorbidade pa-ra DTUI a constipação e encoprese, ITU, bacteriúria

    assintomática, RVU, condições neuropsiquiátricas(transtorno de déficit de atenção e hiperatividade,transtorno desafiador de oposição), distúrbios deaprendizagem e do sono. Há relação entre disfunçãodo TUI, ITU e distúrbios funcionais do trato gastroin-testinal, especialmente constipação e retenção fecal.

    Os estudos sugerem que a hiperatividade vesical po-de ser causada pela constipação e que a combinaçãodessas duas alterações causa infecção urinária. Otratamento da constipação reduz significativamentea incidência de infecção urinária recorrente, melhoraa hiperatividade vesical e a incontinência urinária ediminui o resíduo pós-miccional.32

    DIAGNÓSTICO

    O diagnóstico dos distúrbios funcionais do TUI con-siste de uma anamnese detalhada, exame físico, diário

    das eliminações e medida do fluxo urinário. O tratourinário superior deve ser avaliado em crianças comITU de repetição pelo ultrassom (US) renal. A indica-ção de procedimentos mais invasivos, como o estudourodinâmico e a uretrocistografia miccional, fica res-trito aos casos mais complexos com ITU recorrente,alterações do trato urinário superior e aqueles que nãorespondem às diversas opções de tratamento.12,33,34 Oteste de 4 horas de observação miccional tem sido uti-lizado em crianças pequenas, antes do treinamento deesfíncteres, com sintomas de DTUI antes de decidir

    por propedêutica mais invasiva.35  Esse teste avaliaa frequência das micções em 4 horas, a quantidadeurinada a cada micção e o esvaziamento da bexiga acada micção, verificado pelo resíduo pós-miccional.36

    ANAMNESE

    É importante que seja estruturada com base em umquestionário, já que muitos dos sintomas não são reve-lados espontaneamente pelos pacientes e/ou familiares,e deve incluir os aspectos a seguir apontados:

    Antecedentes familiares; idade do início do trei-namento esfincteriano e seus resultados; dificul-dades enfrentadas e estratégias utilizadas, a fimde se conhecer o caráter primário ou secundárioda incontinência. Atenção especial deve ser da-da ao relato dos sintomas diurnos: frequência evolume das perdas urinárias, urgência miccio-nal, micção infrequente, manobras de conten-ção para se evitar as perdas urinárias, alteraçãodo jato urinário - fraco, interrompido, goteja-mento -, dor suprapúbica. É preciso, também,

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    avaliar o hábito intestinal (constipação e/ouincontinência fecal ou encoprese) e dietético,principalmente a ingestão de líquidos à noite eo consumo de cafeína - chocolate, chás, refrige-rantes - potente estimulante das contrações dodetrusor.

    Antecedentes de infecção urinária de repetição;presença de doenças neurológicas ou uroló-gicas; vulvovaginites; constipação intestinal,encoprese ou escapes fecais, sugestivos da pre-sença de um distúrbio funcional do trato uri-nário inferior mais complexo, que necessita deuma investigação e tratamento diferenciados.

    • É igualmente importante verificar o perfil psi-cossocial da família, já que condições socio-econômicas precárias, intolerância dos pais,alcoolismo, uso de drogas, conflitos familiares

    e problemas comportamentais da criança sãofatores que comprometem significativamenteo sucesso do tratamento.12

    EXAME FÍSICO

    Recomenda-se atenção a alguns aspectos clínicos quepermitam uma diferenciação com a bexiga neurogê-nica e com problemas estruturais do trato urinárioinferior: exame cuidadoso da região genital - epispá-dia, hipospádia, sinéquia labial, aparência e localiza-ção dos meatos uretral e himenal e perdas urinárias

    durante o exame -, inspeção da coluna lombossacraem busca de sinais neurocutâneos que possam estarassociados com espinha bífida - lipoma, pigmentaçãoanormal, nevus, sinus, aumento de pilosidade, assi-metria de sulco interglúteo. Faz-se necessário, ainda,pesquisar a sensibilidade de reflexos perineais deárea inervada pelos segmentos sacrais S1-S4 e tônusdo esfíncter anal, bem como observar alterações namarcha.

    DIÁRIO DAS ELIMINAÇÕES

    O mapa de volume urinário/frequência é um diárioque registra a ingestão hídrica e o volume urinado em24 horas. O mapa dá informações objetivas do núme-ro de micções diurnas e noturnas, juntamente com ovolume e os episódios de perdas urinárias. Estes da-dos são fundamentais para se conhecer e acompanhara rotina miccional da criança. No diário também de-vem ser registrados as evacuações e os episódios deperdas fecais. O preenchimento das micções é solici-tado por um período de 2 dias que pode compreender

    o final de semana, enquanto o hábito intestinal deve seranotado pelo período mínimo de uma semana. A escalafecal de Bristol37 também é utilizada para avaliar o tra-tamento da DTUI e da constipação. A ingestão hídricadiária deve também ser registrada, com o objetivo de seobter informação sobre a hidratação do paciente.12

    EXAMES COMPLEMENTARES

    Recomenda-se a realização do exame qualitativo deurina para avaliação de leucocitúria, hematúria, gli-cosúria, déficit de concentração urinária e a urocul-tura, quando a análise de urina for sugestiva de ITU.7

    UROFLUXOMETRIA

    A taxa do fluxo urinário (ml/s) correlaciona a medidado fluxo urinário (ml) com o tempo de fluxo (seg). Opadrão do fluxo urinário pode ser também descrito

    como: contínuo (em forma de sino ou de torre, queé a curva normal), intermitente (ou fracionado) e“staccato”.38

    O registro gráfico do formato da curva de uroflu-xo é um procedimento simples e útil no diagnósticodos DTUI em crianças. Principalmente quando asso-ciado com a eletromiografia dos músculos do asso-alho pélvico, permitindo que se avalie se a criança,no momento da micção, contrai o assoalho pélvico(atividade aumentada desses músculos) evidenciandoa incoordenação vesicoesfincteriana que está presente

    no espectro mais grave das DTUI, a micção disfun-cional.34 É importante avaliar a presença e volume doresíduo pós-miccional após a urofluxometria.12

    O estudo urodinâmico completo, apesar de ser omelhor método para avaliar pressão vesical, hipo ouhipercontratilidade do detrusor e obstrução infravesi-cal além da função vésicoesfincteriana,39 não tem sidoindicado na investigação inicial de DTUI,34,40 ficandorestrito para casos selecionados que apresentam, àurofluxometria, padrão de fluxo achatado e, ao US

    do trato urinário, achados como dilatação pielocali-cinal, uma parede vesical espessada ou com divertí-culos, sugerindo obstrução ou pressão aumentada dearmazenamento.41

    EXAMES DE IMAGEM

    O ultrassom (US) dos rins e das vias urinárias, coma avaliação dinâmica da micção - investigação nãoinvasiva que estuda, funcionalmente, os tratos uri-nários superior e inferior, com informações sobre aparede da bexiga, o enchimento vesical, a capacidade

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    Diagnóstico de disfunção do trato urinário inferior em crianças

    funcional da bexiga, a presença de contrações in-voluntárias do detrusor, a presença de resíduo pós--miccional e o comportamento da pelve e do ureterdurante o enchimento e esvaziamento vesical, é umexame que fornece informações importantes para odiagnóstico e acompanhamento das DTUI.21,42 Essas

    alterações vão variar de acordo com a classificaçãoda DTUI, podendo observar uma capacidade vesicalestimada pequena para a bexiga hiperativa e, até mes-mo, capacidade vesical muito aumentada nos casos demicção infrequente, por exemplo. Outras alteraçõesque podem estar presentes são: dilatação dos urete-res, parede espessada ou trabeculada e a presença deresíduo pós-miccional aumentado. É uma técnica dediagnóstico complementar extremamente útil para oplanejamento terapêutico e seguimento das crianças.O valor das informações desse exame depende muito

    do treino do examinador.A uretrocistografia miccional está indicada em

    casos de ITU recorrentes e presença de hidronefrosedetectada ao US dos rins e vias urinárias com o obje-tivo de detectar refluxo vesicoureteral ou alteraçõesanatômicas da bexiga (parede espessada ou mesmotrabeculada com presença de divertículos) e uretra(imagem de uretra em pião).41

    CONCLUSÃO

    A DTUI nem sempre é evidente e o diagnóstico podenão ser feito caso não haja um grande nível de suspei-ção durante a consulta médica. Muitas vezes, a DTUIsó é investigada e diagnosticada quando há relato deITU recorrente. A incontinência urinária nem sempreé valorizada como motivo de consulta médica e, emmuitas ocasiões, vista com embaraço pela criança eseus familiares, mesmo diante do profissional de saúde.Deve-se ficar atento para as consequências orgânicas(ITU, nefropatia do RVU, hidronefrose e cicatrizesrenais) que, muitas vezes, estão presentes quando o

    diagnóstico é tardio. A anamnese bem conduzida edirigida, para avaliar os hábitos miccionais, aindaconstitui uma das melhores ferramentas para o diag-nóstico das DTUI.12

    AGRADECIMENTOS

    Agradecemos à Pró- Reitoria de Pesquisa da UFMG, àFAPEMIG (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estadode Minas Gerais) e ao CNPq (Conselho Nacional dePesquisa) pelo apoio financeiro.

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