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A questão da adoção no Direito de Família 1 ARTIGO: A QUESTÃO DA ADOÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA Marina Aparecida Oliveira dos Santos Correa Bacharel em Direito pela Universidade de Guarulhos, Especialista em Direito Civil pela Universidade São Marcos, Mestranda em Ciências da Religião pela Pontifíc ia Universidade Católica de São Paulo E-mail: [email protected] Sob orientação do prof. Dr. Luiz Fernando Pinto Bahia Palavras-chave: 1. Direito de Família 2. Adoção 3. Código Civil 4. Brasil

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A questão da adoção no Direito de Família 1

ARTIGO: A QUESTÃO DA ADOÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Marina Aparecida Oliveira dos Santos Correa

Bacharel em Direito pela Universidade de Guarulhos, Especialista em Direito Civil

pela Universidade São Marcos, Mestranda em Ciências da Religião pela Pontifíc ia

Universidade Católica de São Paulo

E-mail: [email protected]

Sob orientação do prof. Dr. Luiz Fernando Pinto Bahia

Palavras-chave:

1. Direito de Família 2. Adoção 3. Código Civil

4. Brasil

A questão da adoção no Direito de Família 2

TÍTULO: A questão da adoção no Direito de Famí lia

RESUMO:

A criação do novo Código Civil, que começou a vigorar em 2003, e anulava

as leis anteriores trouxe uma nova discussão sobre alguns aspectos da adoção.

Todavia, o grande marco da mudança de visão sobre o objetivo da adoção foi, e

continua sendo, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse sentido, o

objetivo desse artigo é discutir a questão da adoção no âmbito legal e social, a

partir da entrada em vigor no novo Código Civil e do Estatuto da Criança e do

Adolescente.

O artigo está de forma a levar o leitor a conhecer o conceito e a natureza

jurídica da adoção, as leis que regem a questão da adoção e sua contextualização

no âmbito legislativo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o novo Código Civil,

e a interação entre esses instrumentos .

Por fim está apresentada uma breve discussão sobre o tema tratado e como

existe necessidade da constante reflexão, tanto dos juristas quanto dos

interessados, sobre as alterações dos instrumentos que regem a adoção,

deixando claro que o objetivo primeir o da adoção deve ser o bem estar do

adotando.

The Adoption in the Family Law

ABSTRACT:

The enactment of the new Civil Code which started to take effect in 2003 and,

consequently, annulled the former laws, brought about a new discussion on some

adoption issues. Nevertheless, the great shift landmark of the view on the

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adoption aim was, and it still continues to be, the Child and Adolescent Statute. In

this sense, the aim of this paper is to discuss the adoption issue in the legal and

the social fields from the moment the new Civil Code and also the Child and

Adolescent Statute took effect.

The present paper intends to approach the concept and the judicial nature of

adoption together with the laws that rule the adoption issue and its

contextualization in the legislative field. Besides, the Child and Adolescent Statute,

the new Civil Code and the interaction among all these instruments are also

discussed to make the subject more understandable.

At last, a brief discussion on the theme is presented with emphas is on the need of

a constant reflections of the instruments which rule the adoption system, making it

clear that the first of adoption is the adptee’s well being.

KEY-WORDS: 1. Family Law. 2. Adoption. 3. Civil Code.

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ADOÇÃO: uma questão sócio -cultural

Abordar o tema da adoção já se faz relevante e pertinente pelo simples fato

da condição sócio, econômica, educacional e cultural do Brasil, sem precisar ser

ressaltado o contexto de abandono e violência em que vivem grande parte das

crianças e adolescentes no país.

O que leva uma criança a precisar de um lar que não seja o de seus pais

biológicos está muito longe de ser apenas o infortúnio da morte desses pais. Na

maioria das vezes, o abandono, maus tratos e falta de condições financeiras são o

imperativo para a intervenção da Justiça no auxílio da busca de uma nova família

para essas crianças e adolescentes.

Em outro âmbito, a alteração recente das leis que regem a questão da

adoção no Brasil, com a entrada em vigor do novo Código Civil em 11 de janeiro

de 2003, e, com isso, a anulação das leis anteriores – conforme explicitado no

próprio Código – ainda é um aspecto novo que necessita ser incorporado pelos

interessados no assunto.

Entretanto, alguns juristas têm apontado para a omissão de alguns casos

referentes à adoção no novo Código Civil, o que tornaria insuficiente a utilização

apenas desse instrumento para a resolução das questões pertinentes à adoção.

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instrumento

regulamentado em 1990 e que abr ange diversos aspectos da adoção, visto que o

objetivo maior dessa seria o bem estar da criança e do adolescente adotado –

idéia compatível à proposição do Estatuto que visa garantir o bem estar psico -

A questão da adoção no Direito de Família 5

físico-social de todas as crianças e adolescentes – poderia colaborar para as

questões omissas no novo Código Civil.

Sendo assim, este trabalho é fruto da ligação que existe na necessidade de

se discutir mais as novas leis que regem a questão da adoção no Brasil para

garantir, acima de tudo, o bom vínculo entr e as partes (adotante e adotado) e o

bem estar da criança ou do adolescente.

Além disso, a monografia 1 que deu origem a esse artigo teve por objetivo

secundário auxiliar na criação de um novo documento – como um manual, um

estudo ou um guia – que pudesse facilitar, tanto leigos quanto estudiosos sobre o

tema, concentrando informações e reflexões sobre os dois instrumentos (novo

Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente) no que se refere à questão

da adoção. Entretanto, o presente artigo não a presentará esses dados por não

fazer parte do escopo da proposta.

A ADOÇÃO NO BRASIL

O processo de adoção de crianças no Brasil já foi muito mais complexo,

demorado e burocrático. Atualmente, com a criação do Estatuto da Criança e do

Adolescente, e com o pleno funcionamento do Juizado da Infância e da Juventude

(especialmente nas capitais e grandes comarcas), os procedimentos foram se

desburocratizando tornando os processos de adoção mais rápidos e seguros para

todas as partes envolvidas.

Os Juizados da Infância e da Juventude possuem uma seção denominada

"Seção de Colocação em Família Substituta" onde os funcionários fornecem

A questão da adoção no Direito de Família 6

informações para as pessoas que desejarem conhecer, passo a passo, o

funcionamento do processo de adoção de crianças.

Naturalmente a adoção não é deferida a qualquer pessoa que tenha

interesse em adotar. São necessárias algumas medidas (formalidades, requisitos

e razoáveis medidas de prevenção e segurança) para a habilitação de uma

pessoa como pretendente. Todavia, sendo medidas e xtremamente simples, não

serão obstáculos suficientes para desestimular a adoção ou dificultar a realização

da vontade do adotante, de forma geral.

As dúvidas mais freqüentes geralmente podem ser esclarecidas pelo exame

do texto legal – o Estatuto da Criança e do Adolescente – e abaixo seguem as

linhas gerais desse processo.

Caracterização do adotante:

O pretende deve ter idade mínima de vinte e um anos para se tornar

adotante e diferença mínima de idade de dezesseis anos a mais do que o

adotado.

A lei não faz qualquer distinção em relação ao estado civil do pretenso

adotante, pouco importando se é solteiro, casado, divorciado, ou se vive em

concubinato. Entretanto, na hipótese de ser casado ou manter uma relação de

concubinato, a adoção deverá ser pretendi da e solicitada por ambos, que

necessariamente participarão juntos de todas as etapas do processo, sendo certo

que será objeto de exame e avaliação a estabilidade desta união.

Algumas restrições sobre o pretendente estão relacionadas a adoção por

irmãos e avós do adotado (a lei dispõe que os irmãos não podem adotar os

próprios irmãos e os avós não podem adotar os seus netos). Entretanto, convém

A questão da adoção no Direito de Família 7

notar que embora não podendo adotar, os irmãos e avós podem obter a guarda

dos seus irmãos e netos, respectivament e2.

O primeiro passo é a ser realizado é comparecer a Seção de Colocação em

Família Substituta do Juizado da Infância e da Juventude da cidade onde o

pretendente mora e solicitar uma entrevista com os responsáveis técnicos para a

obtenção de informações p reliminares para a formalização do pedido de adoção.

A principal preocupação dos profissionais envolvidos no processo (técnicos,

assistentes sociais, psicólogos, promotores e juízes) é com a segurança e bem

estar da criança a ser adotada e, portanto, serão realizadas uma série de

entrevistas e visitas à residência do(s) pretendente(s) com o objetivo de colher

informações sobre a conduta social e familiar do adotante.

A parte mais longa do processo é a da aprovação do(s) adotante(s). Após as

entrevistas e visitas à residência dos pretensos adotantes, e depois de

esclarecidas todas as dúvidas dos técnicos do Juizado, este processo segue para

o Promotor que manifestará sobre a habilitação e, finalmente, o processo segue

para o Juiz que, encontrando -o satisfatoriamente instruído, poderá deferir a

habilitação dos adotantes.

Com a aprovação do juiz os adotantes passarão a integrar um cadastro de

possíveis adotantes. A classificação na lista do cadastro tem como base a data de

aprovação da ficha de habilitação dos adotantes.

Entretanto convém observar que os pretensos adotantes, quando da

inscrição, já informam sua preferência em relação ao futuro adotado, declinando o

sexo, a cor da pele, a cor dos cabelos, a cor dos olhos, a idade etc., neste caso,

por exemplo, quando a primeira criança disponível para a adoção não coincide

A questão da adoção no Direito de Família 8

com as características preferidas pelos adotantes inscritos em primeiro lugar,

lógico, a criança será encaminhada ao segundo adotante da lista e assim

sucessivamente.

Quanto maiores forem os requisitos manifestados como preferência dos

adotantes em relação aos adotados, maior será o tempo para que a criança lhes

seja encaminhada, e o inverso também é verdadeiro, quanto menores os

requisitos dos adotantes em relação ao adotado maiores serão as cha nces de

receberem o encaminhamento da criança mais rapidamente.

O estágio de convivência é uma das fases mais importantes durante o

processo de adoção. É nessa fase que adotante e adotando terão possibilidade de

conviver de maneira mais direta e saber se a relação tem chances de dar certo.

Nesse período ainda não está definitiva a adoção, o adotante apenas tem a

guarda do adotado e, neste prazo, é possível desistir da adoção porque esta ainda

não foi formalizada, da mesma forma poderá o Juiz, inclusive, ca ncelar a guarda e

não deferir a adoção, mas, claro, somente em situações graves. Vale ressaltar que

o objetivo do Juizado é, em primeira instância, o bem estar e interesses da criança

e, dessa forma, se houver qualquer fato que o Juiz entenda ser danoso pa ra a

criança, poderão ser revistas as concessões de guarda e a criança retornar para o

Juizado.

Após esse período, com a formalização da adoção, não mais é possível

declinar do papel de adotante, pois o processo não tem retorno e o adotante não

pode desistir mais da adoção (a adoção é irrevogável).

Embora tenha havido certa desburocratização no processo de adoção,

muitas pessoas ainda acreditam que é mais fácil adotar uma criança fora dos

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trâmites legais, isto é, de forma irregular. Receber uma criança dire tamente da

mãe biológica (ou pior, através de intermediários) e registrá -la posteriormente é

um ato fraudulento e não fornece nenhuma garantia ao adotante.

Para ter efeitos jurídicos plenos a adoção tem que ser processada e

autorizada por via judicial, poi s assim o adotante se transforma em responsável

legal pela criança e assume grau de parentesco e os pais biológicos perdem

qualquer direito. Do contrário, os pais biológicos podem, a qualquer momento, se

arrepender e pedir em juízo a guarda do filho, ou ainda, intermediários podem

chantagear os adotantes alegando perda do pátrio poder. Com o avanço da

biotecnologia torna-se fácil, nos dias de hoje, provar se uma pessoa é filha

biológica ou não de alguém por meio de testes de DNA.

No processo de adoção legal o registro, por ordem do juiz, é feito em nome

dos pais adotantes, sem qualquer ressalva ou identificação que possa diferenciar

o filho biológico do filho adotado e, por ser o meio legal, goza de total segurança e

proteção judicial, se necessária.

Um aspecto importante de ser apresentado é que não apenas crianças que

foram abandonadas ou que têm pais desconhecidos podem ser adotadas.

Crianças que vivem com seus pais biológicos, mas que há constatação de risco de

desenvolvimento, de saúde ou de vida pelo juiz, depois de um processo regular,

com direito a todos os recursos possíveis, poderá retirá -la do lar paterno,

promover a destituição do pátrio poder dos pais biológicos, e disponibilizá -la para

a adoção.

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CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA ADOÇÃO

CONCEITO

A adoção de crianças e adolescentes reflete as crenças, os valores e os

padrões de comportamento construídos historicamente, assim, a conceituação de

adoção varia de acordo com a época e com as tradições.

No Brasil, inúmeros juristas definiram o conceito de adoção:

“a adopção é o acto pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de

filho” (Bevilacqua, 1943, 346);

“a adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado

relação fictícia de paternidade e filiação” (Pontes de Miranda, 1951 , 21);

“adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho,

independentemente de existir entre elas qualquer parentesco consangüíneo ou

afim” (Pereira, 1991, 211);

“o ato do adotante pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho,

pessoa que lhe é estranha” (Rodrigues, 1982, 332);

“Adoção vem a ser o ato jurídico pelo qual se estabelece,

independentemente de procriação, o vínculo da filiação. Trata -se de ficção legal,

que permite a constituição, entre duas pessoas, do laço de parentesco do 1º grau

na linha reta” (Gomes, 1983, 340);

“adoção é o ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos

fixados em lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vínculo

fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeitos limitados e sem total

desligamento do adotando da sua família de sangue” (Chaves, 1966, 17);

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“adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos

legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesc o

consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família na

condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha” (Diniz, 1995, 282).

Esses conceitos de adoção estão ainda baseados e adequados à concepção

de adoção do Código Civil de 1916 e de leis posteriores que regularam esse

instituto.

Segundo Granato (2003), é com a criação do Estatuto da Criança e do

Adolescente que o conceito de adoção começa a ter maior abrangência,

apontando, principalmente, para os interesses do adot ando.

A real finalidade da adoção moderna é oferecer um ambiente familiar

favorável ao desenvolvimento de uma criança ou adolescente que, por quaisquer

motivos, ficou privada disso em relação a sua família biológica, nesse sentido o

autor fala: “(...) podemos definir a adoção como a inserção num ambiente familiar,

de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo

as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são

desconhecidos, ou, não sendo esse o caso, não podem ou não querem assumir o

desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade competente,

considerados indignos para tal” (Diniz apud Granato, 2003, 25-26).

É importante notar que o foco do conceito de adoção passa de apenas

vínculo legal para a preocupação com a inserção do adotando em um ambiente

familiar levando o adotante a assumir as responsabilidades legais e morais da

criação de um filho.

A questão da adoção no Direito de Família 12

Nesse mesmo sentido, Granato (2003) nos mostra que a forma como a

adoção é entendida nos dias d e hoje, não consiste em ter pena de uma criança ou

resolver a situação de casais em conflito – como problemas de esterilidade,

conforto ou solidão –, mas o que se pretende com a adoção é “atender às reais

necessidades da criança” dando -lhe assim uma família onde ela possa se sentir

amada, segura, acolhida e educada.

NATUREZA JURÍDICA

Existe divergência doutrinária sobre a natureza jurídica da adoção. Alguns a

consideram como contrato, outros como ato solene, ou então como filiação

criada pela lei, ou ainda instituto de ordem pública . Obviamente, existem

também os juristas que consideram a adoção como de caráter híbrido, isto é,

como um misto de contrato e instituição ou instituto de ordem pública.

Para Bevilacqua (1943) a adoção se trata de um ato solene e m que se exige

o consentimento do adotando ou de seu representante legal. Já para Rodrigues

(1982) a adoção é “negócio unilateral e solene”, muito embora essa unilateralidade

seja discutível, uma vez que a lei reclama o consentimento dos pais ou do

representante legal do adotado.

Entretanto, para os contratualistas, a adoção, como ato de vontade, exige a

manifestação das partes interessadas, sendo que dessa bilateralidade surge o

contrato como criador de efeitos jurídico.

Já para a corrente institucionalist a, a adoção é um instituto de ordem pública,

de profundo interesse do Estado, que teve origem na própria realidade social e

A questão da adoção no Direito de Família 13

não foi criada pela lei em si, mas sim regulamentada pelo direito positivo, em

função da realidade existente.

Segundo Chaves (apud Pavanelli, 1998) há posições que colocam a adoção

como “(...) um mero contrato, um ato, um instituto, ou uma criação arbitrária da

lei”. Diz ainda que os analistas nacionais e internacionais que defendem uma ou

outra corrente interpretativa da adoção também as definem e contestam,

discutindo as implicações teórico -jurídicas e evolucionistas, sobretudo daquela

que corresponde, segundo seu entendimento, a natureza jurídica da adoção. Para

Chaves, a natureza jurídica da adoção é um instituto.

A adoção no Código Civil de 1916 consiste num ato bilateral e solene, sendo

indispensável a manifestação da vontade do adotante e adotado e, imprescindível,

a forma notorial. É, portanto, um contrato de direito da família.

Entretanto, com a promulgação do Novo Código Civil, que entrou em vigor a

partir de 11/01/2003, esse conceito desaparece.

Segundo Granato (2003), com efeito, ali a adoção é tratada nos artigos 1.618

a 1.629, englobando a adoção tanto de menores quanto de maiores, dispondo o

parágrafo único do artigo 1.623, expressamente: “a adoção de maiores de 18 anos

dependerá, igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença

constitutiva”:

Com a regulação da adoção feita, nos dias de hoje, pelo Estatuto da Criança

e do adolescente, é necessário que exist e declaração de vontade de várias partes

como: os pais biológicos, os pais pretendentes, do adolescente (caso este já tenha

completado 12 anos, deverá ser ouvido pelo juiz), e a manifestação judicial por

meio de sentença.

A questão da adoção no Direito de Família 14

Dessa forma para Granato, bem como para diversos outros grandes juristas

como Lotufo e Silva Pereira, verifica -se que a adoção assume caráter híbrido (ou

figura híbrida), visto que, num primeiro momento há caráter contratual e depois,

com o processo judicial, surge o aspecto publicista da adoção, sem o qual é

impossível se cogitar da constituição do vínculo.

É importante ressaltar que a adoção plena possui grande complexidade e,

por esse motivo, é difícil enquadrá -la com uma natureza jurídica simples sendo,

portanto e a partir do exposto, m ais adequado conceituá-la como híbrida.

O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

As principais diretrizes e preocupações sobre as crianças e os adolescentes,

como as contidas nas Declarações dos Direitos da Criança, de 1989, ratificada em

1995, foram incorporadas na legislação brasileira específica sobre menores,

desde a década de 1920 e revista ao longo dos anos.

Recentemente, diretrizes como essas foram incorporadas no novo Estatuto

da Criança e do Adolescente (E.C.A., Lei nº 8069/90) em vigor a partir de 1990.

São diretrizes que tomam como base a Declaração Universal dos Direitos

Humanos e definem as responsabilidades dos pais, de todos os indivíduos, das

organizações particulares e governamentais sobre os jovens em desenvolvimento,

no sentido de proporcionar-lhes todas as condições necessárias ao adequado

desenvolvimento global, garantindo direitos e reconhecendo seu estado de

fragilidade e necessidade de proteção integral, ou seja, física, moral, psicológica e

A questão da adoção no Direito de Família 15

social, desde sua fase embrionária. Dentre esses direitos, encontra-se aquele que

lhes garante o direito a crescer no seio de uma família e em ambiente saudável.

Estes interesses apontam também para a necessidade de atenção ao

processo de socialização das crianças, indicando a família como o espaç o onde

ocorrem os primeiros e mais importantes vínculos responsáveis pelo

desenvolvimento da socialização e do sentimento de segurança, necessários para

a formação da auto-imagem pessoal e de padrões relacionais construtivos, que

depois serão integrados no meio social.

Além das condições macro -sociais e econômicas, os pesquisadores e

aqueles que trabalham na área ressaltam as vivências de violência dentro da

familiar e nas ruas, assim como problemas relativos ao uso e à dependência de

drogas entre os fatores que contribuem para o desenvolvimento de condutas

violentas nos jovens (BERNARDI, 1993 e 1997).

Dessa forma, os autores, em geral, salientam a necessidade de se

promoverem discussões que culminem em forma de apoio e atenção às famílias e

de fortalecimento da sua rede social imediata e ampla, para que este grupo social

possa, por sua vez, encontrar situação propícia para proporcionar ao jovem

ambiente de apoio e segurança, no processo de socialização (Bernardi, 1993 e

1997, Rey, 1995).

Quando se trata dos direitos das crianças e adolescentes frente à Justiça,

verifica-se que, de acordo com as diretrizes das Convenções sobre os seus

direitos, a promoção de mudanças significativas na forma de aplicação das leis,

por exemplo, no que se refere à aplicação de medidas aos atos infracionais dos

menores.

A questão da adoção no Direito de Família 16

Baseado nestas orientações deve -se privilegiar a aplicação de medidas de

proteção e sócio-educativas que visem a colaborar para a melhoria da qualidade e

o estreitamento de vínculos positivos do jovem com sua fam ília e ambiente social

imediato (E.C.A., 1990, Artigos 99 e 100).

Crianças e adolescentes podem também ser vítimas de negligência por parte

de seus responsáveis como, por exemplo, sofrer descuido físico, quanto à saúde,

higiene, alimentação, desproteção ou submissão a situações de risco pessoal,

físico ou psicológico, abandono, exploração do trabalho infantil, ou ainda

exploração sexual.

No Brasil, após a entrada em vigor do E.C.A. (1990), foram criados órgãos

Municipais e Estaduais com a finalidade de auxi liar a Justiça na aplicação dos

princípios norteadores do Estatuto, tais como os Conselhos Municipais dos

Direitos da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares Regionais.

Uma das atribuições do Conselho Tutelar do Município é o de execução das

medidas de proteção e sócio -educativas determinadas pelo Magistrado, aos

adolescentes infratores, através de encaminhamentos e acompanhamentos das

intervenções realizadas pelos programas sociais inscritos no Conselho de Direitos.

Mas, conforme destaca Bernardi (1993), esses procedimentos e aplicações dos

princípios do E.C.A. (1990) são ainda muito recentes e, em muitos municípios,

ainda estão em fase de organização.

Uma outra atribuição das Varas de Infância Juventude em nosso país é a da

concessão de Suprimento de Idade e do Suprimento de Consentimento,

necessários no caso de intenção de casamento dos jovens. Nessas situações são

também requeridos exames especializados – perícias psicológicas e sociais no

A questão da adoção no Direito de Família 17

intuito de esclarecer os julgadores sobre a situação d esses jovens que pretendem

se casar.

A suspensão e a perda do Pátrio Poder é outra questão dessa área que

relacionam-se à situações nas quais os pais são destituídos dos direitos e dos

deveres em relação aos seus filhos, medidas intimamente relacionadas ao não

cumprimento dos deveres e responsabilidades inerentes aos cuidados para com

eles, como por exemplo, negligência, maus tratos e abandono. Dependendo da

gravidade da situação em relação ao menor, mesmo antes do julgamento do

processo, poderá haver a suspensão do pátrio poder até a decisão final. Estudos

realizados pelas equipes técnicas, constituídas de assistentes sociais e

psicólogos, no Brasil, são procedimentos solicitados com freqüência nesses

casos.

Para facilitar a posterior discussão sobre o uso conjunto de instrumentos

legais nos processos de adoção, faz -se importante apresentar os artigos

referentes à adoção de crianças e adolescentes brasileiros dispostos no Estatuto

da Criança e do Adolescente.

Art. 39 – A adoção de criança e de adolescente re ger-se-á segundo o

disposto nesta Lei.

Parágrafo único – É vedada a adoção por procuração.

Art. 40 – O adotando deve contar com, no máximo, dezoito anos à data do

pedido, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

A questão da adoção no Direito de Família 18

Art. 41 – A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos

direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando -o de qualquer vínculo com

pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

§ 1º - Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm -se

os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os

respectivos parentes.

§ 2º - É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o

adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, obs ervada a

ordem de vocação hereditária.

Art. 42 – Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente

de estado civil.

§ 1º - Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

§ 2º - A adoção por ambos os cônjuges ou concubinos poderá se r

formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade,

comprovada a estabilidade da família.

§ 3º - O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o

adotando.

§ 4º - Os divorciados e os judicialmente separados po derão adotar

conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e

desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da

sociedade conjugal.

A questão da adoção no Direito de Família 19

§ 5º - A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca

manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de

prolatada a sentença.

Art. 43 – A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o

adotando e fundar-se em motivos legítimos.

Art. 44 – Enquanto não der conta de sua admin istração e saldar o seu

alcance, não pode o tutor ou o curador adotar o pupilo ou o curatelado.

Art. 45 – A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante

legal do adotando.

§ 1º - O consentimento será dispensado em relação à criança ou ado lescente

cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder.

§ 2º - Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será

também necessário o seu consentimento.

Art. 46 – A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança

ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as

peculiaridades do caso.

§ 1º - O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não

tiver mais de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já e stiver na

companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a

conveniência da constituição do vínculo.

§ 2º - Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do

País, o estágio de convivência, cumprido no território naci onal, será de no mínimo

A questão da adoção no Direito de Família 20

quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias

quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade.

Art. 47 – O vínculo da adoção constitui -se por sentença judicial, que será

inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão.

§ 1º - A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o

nome de seus ascendentes.

§ 2º - O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original

do adotado.

§ 3º - Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas

certidões do registro.

§ 4º - A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para a

salvaguarda de direitos.

§ 5º - A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido

deste, poderá determinar a modificação do prenome.

§ 6º - A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da

sentença, exceto na hipótese prevista no art. 42, § 5º, caso em que terá força

retroativa à data do óbito.

Art. 48 – A adoção é irrevogável.

Art. 49 – A morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais

naturais.

A questão da adoção no Direito de Família 21

Art. 50 – A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional,

um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro

de pessoas interessadas na adoção.

§ 1º - O deferimento da inscrição dar -se-á após prévia consulta aos órgãos

técnicos do juizado, ouvido o Ministério Público.

§ 2º - Não será deferida a inscrição se o interessado não satisfazer os

requisitos legais, ou verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 29.

Art. 51 – Cuidando-se de pedido de adoção formulado por estrangeiro

residente ou domiciliado fora do País, observar -se-á o disposto no art. 31.

§ 1º - O candidato deverá comprovar, mediante document o expedido pela

autoridade competente do respectivo domicílio, estar devidamente habilitado à

adoção, consoante as leis do seu país, bem como apresentar estudo psicossocial

elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem.

§ 2º - A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério

Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação

estrangeira, acompanhado de prova da respectiva vigência.

§ 3º - Os documentos em língua estrangeira serão juntados aos autos,

devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e

convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor

público juramentado.

§ 4º - Antes de consumada a adoção não será permitida a saída do adotan do

do território nacional.

A questão da adoção no Direito de Família 22

Art. 52 – A adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e

análise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o

respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente.

Parágrafo único – Competirá à comissão manter registro centralizado de

interessados estrangeiros em adoção.

NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO: ADOÇÃO: LEI 10.406 (10 JANEIRO DE 2002)

Com a criação do novo Código Civil Brasileiro, que entrou em vigor em 2003,

várias foram as alterações referentes à questão da adoção (principalmente para

maiores de dezoito anos). É a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que desde

11 de janeiro de 2003 rege os tramites da adoção. Por se tratar de uma Lei

recente, torna-se relevante sua apresentação para posterior discussão de suas

alterações.

As disposições com relação à adoção do novo Código Civil estão contidas no

Livro IV – Do Direito da Família, Título I – Do Direito Pessoal, Subtítulo II – Das

Relações de Parentesco, Capítulo IV – Da Adoção:

Art. 1.618 – Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar.

Parágrafo único – A adoção por ambos os cônjuges ou companheiros

poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado dezoito anos de

idade, comprovada a estabilidade da família .

A questão da adoção no Direito de Família 23

Art. 1.619 – O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho

que o adotado.

Art.1620 – Enquanto não der contas de sua administração e não saldar o

débito, não poderá o tutor ou curador adotar o pupilo ou o curatelado.

Art. 1.621 – A adoção depende de consentimento dos pais ou dos

representantes legais, de que se deseja adotar, e da concordância deste, se

contar mais de doze anos.

§ 1º - O Consentimento será dispensado em relação à criança ou

adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder

familiar.

§ 2º - O consentimento previsto no caput é revogável até a publicação da

sentença constitutiva da adoção.

Parágrafo único – Os divorciados e os judicialmente separados poderão

adotar conjuntamente, contanto que acordem s obre a guarda e o regime de

visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da

sociedade conjugal.

Art. 1.623 – A adoção obedecerá ao processo judicial, observados os

requisitos estabelecidos neste Código.

Parágrafo único – A adoção de maiores de dezoito anos dependerá,

igualmente, da assistência efetiva do Poder Público e de sentença constitutiva.

Art. 1.624 – Não há necessidade do consentimento do representante legal

do menor, se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais

A questão da adoção no Direito de Família 24

sejam desconhecidos, estejam desaparecidos, ou tenham sido destituídos do

poder familiar, sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer

parente, por mais de um ano.

Art. 1.625 – Somente será admitida a adoção que constit uir efetivo benefício

para o adotando.

Art. 1.626 – A adoção atribui a situação de filho ao adotado, desligando -o de

qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos

impedimentos para o casamento.

Parágrafo único – Se um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do

outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou

companheiro do adotante e os respectivos parentes.

Art. 1.627 – A decisão confere ao adotado o sobrenome do adotante,

podendo determinar a modificação de seu prenome, se menor, a pedido do

adotante ou adotado.

Art. 1.628 – Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado

da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso

em que terá força retroativa à data do óbi to. As relações de parentesco se

estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e

os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotando.

Art. 1.629 – A adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições qu e

forem estabelecidos em lei.

A questão da adoção no Direito de Família 25

Segundo Granato (2003), essas disposições alteraram radicalmente o

instituto de adoção do Código Civil anterior que ainda subsistia em suas

características contratuais em relação aos maiores de dezoito anos.

“No atual (a autora se refere aqui ao Novo Código Civil), as mesmas

disposições aplicáveis aos menores, preconizadas pela Constituição Federal e

explicitadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, passam a abranger também

a adoção de maiores, ressalvadas algumas peculiari dades” (Granato, 2003, 109).

Entretanto, embora o Novo Código Civil disponha a revogação do anterior

(explicitada no Artigo 2.045 da nova lei) ele não revoga a adoção nas formas

tratadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Grandes juristas têm apon tado, nesse mesmo sentido, que é possível a

coexistência das regras e requisitos do Código Civil com os requisitos do Estatuto

da Criança e do Adolescente para a adoção de crianças e adolescentes.

Granato (2003) aponta ainda a importância de se manter a co existência de

ambos os regimentos (Estatuto da Criança e do Adolescente e Novo Código Civil),

visto que o Novo Código Civil se mantêm silente em relação à algumas questões

essenciais. Os pontos que não são abordados pelo novo Código, mas que

constam do Estatuto da Criança e do Adolescente estão resumidos abaixo:

a) Adoção por procuração (Artigo 39 do Estatuto da Criança e do

Adolescente);

b) Adoção por ascendentes e irmãos do adotando (§ 1 o do Artigo 42 do

Estatuto da Criança e do Adolescente);

A questão da adoção no Direito de Família 26

c) Cancelamento do registro de nascimento anterior do adotado e proibição

de referência à adoção no novo registro (§2 o e §3o do Artigo 47 do

Estatuto da Criança e do Adolescente);

d) Cadastro de adotantes e adotandos (Artigo 50 do Estatuto da Criança e

do Adolescente);

e) Adoção por estrangeiros (Artigos 51 e 52 do Estatuto da Criança e do

Adolescente); e

f) A importante questão sobre o estágio de convivência (Artigo 46 do

Estatuto da Criança e do Adolescente).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção de crianças e adolescentes, como toda e qua lquer prática social,

reflete as crenças, os valores e os padrões de comportamento construídos

historicamente por um povo. Nesse sentido, pode -se observar ao longo desse

trabalho a cultura de adoção no Brasil, cujos limites, leis e preconceitos devem ser

conhecidos para que se possa refletir e atuar sobre essa questão, reformulando

possíveis normas ou práticas equivocadas (Ferreira & Carvalho, 2000).

O presente trabalho demonstrou que, por muito tempo, o principal (e muitas

vezes o único, possível e legal ) objetivo da adoção era atender aos interesses de

casais que não podiam ter filhos biológicos, deixando em segundo plano o

interesse da criança adotada.

Isso fica muito claro, como vimos, que até a Lei de Legitimação Adotiva, de

1965, a legislação fazia inúmeras diferenças entre os filhos biológicos e adotivos

A questão da adoção no Direito de Família 27

como, por exemplo, a distinção em matéria de herança onde se excluía o direito

de sucessão hereditária ao filho adotivo.

É importante ressaltar que a condição sócio -econômica é um dos principais

fatores que leva crianças e adolescentes à situação de abandono e, com isso,

necessidade de uma nova família.

Partindo dessa mesma base, crianças em situações de risco como, por

exemplo, que recebem maus tratos ou são vítimas de exploração, não têm seus

direitos essenciais preservados pelos pais o que pode ocasionar na perda do

pátrio poder levando, novamente, a necessidade de uma nova família para a

criança ou adolescente nessas condições.

Como vimos ao longo do trabalho, muito se foi feito – ao menos em relação

as leis que regem as questões de adoção – para a promoção de bem estar das

crianças e adolescentes, bem como para que seus direitos sejam preservados.

Isso pode ser visto com a alteração recente das leis que regem a questão da

adoção no Brasil, com a en trada em vigor do novo Código Civil em 11 de janeiro

de 2003, e, com isso, a anulação das leis anteriores.

Entretanto, como pode ser observado ao longo desse artigo, existem alguns

casos omissos no novo Código Civil o que o torna insuficiente para a resolu ção de

algumas questões específicas pertinentes à adoção.

Talvez a maior omissão desse instrumento se refira a ausência de normas

que regulamentem o estágio de convivência durante o processo de adoção. Na

verdade, o novo Código nem cita a necessidade do estágio de convivência.

O estágio de convivência é uma das etapas mais importantes durante o

processo de adoção de uma criança ou adolescente no seio de uma nova família,

A questão da adoção no Direito de Família 28

visto que, é nesse momento que as partes e os responsáveis legais podem avaliar

a adaptação do adotando com sua nova possível família.

Essa é a fase final do processo, após a manifestação de intenção pela partes

elas precisam saber se podem conviver juntas de forma harmoniosa. Alguns

trabalhos apontaram que a adaptação da criança ou adol escente com a nova

família é delicada, e se torna mais complexa com o “envelhecimento” da criança,

isto é, a adaptação é dependente de faixa etária.

Para que a adoção flua da melhor forma possível e não gere frustração,

descontentamento ou mal estar para a s partes, é de extrema importância a

realização do estágio de convivência e, acima disso, formas da lei que

regulamentem essa etapa do processo de adoção. Como vimos, o novo Código

não contempla esse aspecto.

Por outro lado, o Estatuto da Criança e do Ad olescente, instrumento

regulamentado em 1990 e que abrange diversos aspectos da adoção, poderia

colaborar para as questões omissas no novo Código Civil.

O artigo 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente explicita de forma clara

e objetiva os trâmites e necessidade do estágio de convivência – que deve ser

julgado e solicitado pelo Juiz responsável – dessa forma, a lei não está silente.

Dessa forma, diversos aspectos como o do estágio de convivência e a

adoção por estrangeiros, por exemplo, poderiam ser ben eficiados pela utilização

do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim, a principal discussão desse trabalho é apontar para a utilização

conjunta de ambos os instrumentos (novo Código Civil e Estatuto da Criança e do

Adolescente) para os aspectos referen tes à adoção.

A questão da adoção no Direito de Família 29

Ressalta-se que a idéia apresentada nesse trabalho, da mesma forma como

discutida por diversos juristas estudiosos do tema, é proposta apenas paras as

formas omissas da lei no Novo Código Civil e não para as formas expressas nesse

Código.

A utilização concomitante se daria apenas nos casos de: adoção por

procuração; adoção por ascendentes e irmãos do adotando; cancelamento do

registro de nascimento anterior do adotado e proibição de referência à adoção no

novo registro; cadastro de adotantes e adotandos; adoção por estrangeiros; e

estágio de convivência. Dessa forma, sem detrimento ou sobreposição de leis em

relação ao novo Código Civil.

Em conclusão, essa interpretação poderia beneficiar ambas as partes de um

processo de adoção, mas pensando sempre em primeiro lugar no bem -estar do

adotando.

A questão da adoção no Direito de Família 30

NOTAS DE RODAPÉ

1 CORREA, M A O S. A questão da adoção no Direito de Família . Monografia

apresentada à Universidade São Marcos. São Paulo: Universidade São Marcos,

2003.

2 A guarda impõe ao guardião os deveres de assistência moral, material e

educacional, e assegura à criança todos os direitos, inclusive os direitos

previdenciários. Já a adoção implica em alteração desta relação familiar, pois, a

certidão de nascimento é substituída por outra, com uma nova relação de filiação

que proporcionará ao adotado gozar de idênticos direitos que possuam os

eventuais filhos biológicos do adotante.

A questão da adoção no Direito de Família 31

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