Arte e Arquitetura Islâmica Temas e Variações · 2018. 1. 29. · arte ou os propósitos aos...

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Sheila S. Blair Jonathan M. Bloom Arte e Arquitetura Islâmica Temas e Variações e Oxford History of Islam, Capítulo 5 * Sumário 1. O que é arte islâmica? .............. 1 2. A Arte da Escrita ................. 4 3. O aniconismo: ausência de figuras ...... 9 4. Os temas decorativos do arabesco e da geometria ..................... 12 5. O uso exuberante da cor ............ 18 6. A noção de ambiguidade deliberada ..... 23 Todas as culturas através dos tempos se expres- saram visualmente, e a civilização islâmica não é exceção. É só pensarmos nos tapetes orientais, nas miniaturas persas, e nos azulejos marroquinos, sem falar do Domo da Rocha, o Palácio de Alham- bra, a Mesquita Selimiye e o Taj Mahal, para ver a grande extensão da expressão visual nas terras islâmicas através dos séculos. A arte islâmica in- clui isso e muito mais. Como empregado neste ca- pítulo, o termo arte islâmica se refere a todas as ar- tes visuais produzidas nas terras em que o islã era a religião dominante, independentemente de afili- ações confessionais dos indivíduos que fizeram a arte ou os propósitos aos quais ela servia. Ao con- trário do termo “arte cristã”, o termo “arte islâ- mica” não se restringe a obras feitas somente para situações ou funções religiosas , e muitos dos mais estimados exemplos de arte islâmica têm pouco ou nada a ver com a religião islâmica. Uma página de um pergaminho do Alcorão é obviamente conside- rada uma obra de arte islâmica, mas uma bacia in- crustada com cenas cristãs da Síria do século XIII também é. 1. O que é arte islâmica? É claro que a arte islâmica não poderia ter sur- gido antes do surgimento do islã no começo do século VII na Arábia, mas foi somente depois de quase um século que os muçulmanos começaram a se tornar grandes e sofisticados patronos das artes. Embora os muçulmanos tenham começado a erigir estruturas logo depois da revelação do islamismo, * Tradução de Youssef Cherem ([email protected]). geralmente se considera como o primeiro exem- plo de arquitetura islâmica o magnífico Domo da Rocha em Jerusalém, ordenado em 692 pelo califa omíada Abd al-Malik ibn Marwan (r. 685-705). Se- guindo essa definição ampla, a arte islâmica con- tinua a ser produzida até hoje; os artistas conti- nuam a trabalhar numa variedade de materiais em todos os países muçulmanos. No entanto, o sur- gimento das identidades nacionais, especialmente nos séculos XIX e XX, mudou as formas de as pes- soas pensarem sobre as obras de arte produzidas nos países islâmicos nos tempos modernos. As- sim, um retrato do soberano qajar Fath Ali Xá (r. 1797-1834) é mais frequentemente considerado um exemplo de um estilo de pintura distintamente persa do que para ilustrar as atitudes islâmicas ou iranianas em relação à representação no século XIX. No uso corrente em relação à arte moderna, o termo “islâmico” geralmente se refere a expres- sões puramente religiosas como a caligrafia. Hoje, muitos museus na América do Norte, Eu- ropa e nos países islâmicos exibem orgulhosa- mente suas obras-primas da arte islâmica, mas tra- dicionalmente as artes visuais tiveram um papel relativamente menor na civilização islâmica, espe- cialmente se comparadas às artes importantes da poesia e da música. Por exemplo, não há palavra para “arte” propriamente dita em árabe clássico. A palavra mais comum usada hoje é fann, um neolo- gismo, pois tradicionalmente significava “ofício” ou “habilidade”. O mesmo é válido para as palavras em persa e turco, respectivamente hunar e hüner. Além disso, os artistas geralmente não gozavam de alto status na sociedade islâmica, e há poucos ou nenhum Michelangelo ou Rembrandt, cujas vidas se tornaram lendas. De todas as artes visuais, a única que era larga- mente apreciada dentro de sua própria cultura era a caligrafia, a arte da bela escrita. Os nomes e as biografias dos calígrafos foram coletados e preser- vados, e foram escritos tratados sobre a estética da caligrafia. Mas a caligrafia era a exceção, e não a re- gra, e não há equivalente islâmico do arquiteto ro- mano Vitrúvio, do século I a.C., ou o arquiteto itali- ano Alberti, do século XV, que escreveram tratados sobre a teoria da arquitetura. A civilização islâmica 1

Transcript of Arte e Arquitetura Islâmica Temas e Variações · 2018. 1. 29. · arte ou os propósitos aos...

  • Sheila S. Blair Jonathan M. Bloom

    Arte e Arquitetura IslâmicaTemas e Variações

    The Oxford History of Islam, Capítulo 5∗

    Sumário

    1. O que é arte islâmica? . . . . . . . . . . . . . . 12. A Arte da Escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . 43. O aniconismo: ausência de figuras . . . . . . 94. Os temas decorativos do arabesco e da

    geometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125. O uso exuberante da cor . . . . . . . . . . . . 186. A noção de ambiguidade deliberada . . . . . 23

    Todas as culturas através dos tempos se expres-saram visualmente, e a civilização islâmica não éexceção. É só pensarmos nos tapetes orientais, nasminiaturas persas, e nos azulejos marroquinos,sem falar do Domo da Rocha, o Palácio de Alham-bra, a Mesquita Selimiye e o Taj Mahal, para vera grande extensão da expressão visual nas terrasislâmicas através dos séculos. A arte islâmica in-clui isso e muito mais. Como empregado neste ca-pítulo, o termo arte islâmica se refere a todas as ar-tes visuais produzidas nas terras em que o islã eraa religião dominante, independentemente de afili-ações confessionais dos indivíduos que fizeram aarte ou os propósitos aos quais ela servia. Ao con-trário do termo “arte cristã”, o termo “arte islâ-mica” não se restringe a obras feitas somente parasituações ou funções religiosas , e muitos dos maisestimados exemplos de arte islâmica têm pouco ounada a ver com a religião islâmica. Uma página deum pergaminho do Alcorão é obviamente conside-rada uma obra de arte islâmica, mas uma bacia in-crustada com cenas cristãs da Síria do século XIIItambém é.

    1. O que é arte islâmica?

    É claro que a arte islâmica não poderia ter sur-gido antes do surgimento do islã no começo doséculo VII na Arábia, mas foi somente depois dequase um século que os muçulmanos começaram ase tornar grandes e sofisticados patronos das artes.Embora os muçulmanos tenham começado a erigirestruturas logo depois da revelação do islamismo,

    ∗Tradução de Youssef Cherem ([email protected]).

    geralmente se considera como o primeiro exem-plo de arquitetura islâmica o magnífico Domo daRocha em Jerusalém, ordenado em 692 pelo califaomíada Abd al-Malik ibn Marwan (r. 685-705). Se-guindo essa definição ampla, a arte islâmica con-tinua a ser produzida até hoje; os artistas conti-nuam a trabalhar numa variedade de materiais emtodos os países muçulmanos. No entanto, o sur-gimento das identidades nacionais, especialmentenos séculos XIX e XX, mudou as formas de as pes-soas pensarem sobre as obras de arte produzidasnos países islâmicos nos tempos modernos. As-sim, um retrato do soberano qajar Fath Ali Xá(r. 1797-1834) é mais frequentemente consideradoum exemplo de um estilo de pintura distintamentepersa do que para ilustrar as atitudes islâmicasou iranianas em relação à representação no séculoXIX. No uso corrente em relação à arte moderna,o termo “islâmico” geralmente se refere a expres-sões puramente religiosas como a caligrafia.

    Hoje, muitos museus na América do Norte, Eu-ropa e nos países islâmicos exibem orgulhosa-mente suas obras-primas da arte islâmica, mas tra-dicionalmente as artes visuais tiveram um papelrelativamente menor na civilização islâmica, espe-cialmente se comparadas às artes importantes dapoesia e da música. Por exemplo, não há palavrapara “arte” propriamente dita em árabe clássico. Apalavra mais comum usada hoje é fann, um neolo-gismo, pois tradicionalmente significava “ofício”ou “habilidade”. O mesmo é válido para as palavrasem persa e turco, respectivamente hunar e hüner.Além disso, os artistas geralmente não gozavam dealto status na sociedade islâmica, e há poucos ounenhum Michelangelo ou Rembrandt, cujas vidasse tornaram lendas.

    De todas as artes visuais, a única que era larga-mente apreciada dentro de sua própria cultura eraa caligrafia, a arte da bela escrita. Os nomes e asbiografias dos calígrafos foram coletados e preser-vados, e foram escritos tratados sobre a estética dacaligrafia. Mas a caligrafia era a exceção, e não a re-gra, e não há equivalente islâmico do arquiteto ro-mano Vitrúvio, do século I a.C., ou o arquiteto itali-ano Alberti, do século XV, que escreveram tratadossobre a teoria da arquitetura. A civilização islâmica

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    mailto:[email protected]

  • Figura 1: Retrato de Fath Ali Shah. Atribuído a AbdullahKhan. Óleo sobre calico. Feito no Irã, entre 1797 e 1834.Victoria and Albert Museum, 707-1876.

    também não produziu figuras comparáveis aos li-teratos chineses, que escreviam tratados sobre aapreciação estética da pintura chinesa desde o pe-ríodo das Seis Dinastias (229-589 d.C.). Como osmuçulmanos escreviam tão pouco sobre a aprecia-ção estética de sua própria cultura visual, o estudoda arte islâmica exige uma abordagem positivista.Ele deve ser feito baseado no exame dos própriosvestígios. Alguns estudiosos atuais tentaram deri-var princípios estéticos para toda a arte islâmica,mas esses princípios tendem a refletir preocupa-ções modernas, já que não foram gerados numasociedade islâmica tradicional.

    A arte islâmica inclui um conjunto pesado demateriais, técnicas, estilos, períodos e regiões.Seu estudo, uma disciplina relativamente nova,desenvolveu-se não em países islâmicos, mas naEuropa Ocidental, como um ramo do estudo daarte europeia. Da perspectiva europeia, a arte islâ-mica evoluiu no Oriente Próximo a partir dos vestí-gios das tradições artísticas do antigo Oriente Pró-ximo e da Antiguidade tardia, sendo uma ponteentre a arte do fim do período clássico e do co-meço da Idade Média. À medida em que o isla-mismo se difundia bem além dos confins geográ-ficos do Oriente Próximo para a África Ocidentale Subsaariana, a Ásia Central, a Índia e o SudesteAsiático, e além do limite temporal da Idade Mé-dia, expandia-se também sua expressão visual. As-sim, os modelos criados para compreender as ar-

    tes da região mediterrânica no século VIII não sãonecessariamente válidos para compreender a arteislâmica da Indonésia ou de Mali.

    A arte da civilização ocidental é tradicional-mente compreendida segundo uma hierarquia emque a arquitetura e as artes representativas da pin-tura e da escultura têm dominado a paisagem ar-tística até hoje. Essa hierarquia não é válida paraa arte islâmica. Embora a arquitetura seja igual-mente importante na cultura islâmica, o islã pro-duziu poucas esculturas ou pinturas em painel. Nacivilização chinesa, outra longa tradição de produ-ção artística, havia uma divisão clara entre artis-tas (pintores, calígrafos e poetas) e artesãos (es-cultores, oleiros, trabalhadores em metal etc.), eportanto entre a arte a o artesanato. Essa divisãonão vale para a arte islâmica, porque não há essadistinção entre a arte e o artesanato. De fato, umacaracterística distintiva da arte islâmica é a trans-formação de objetos utilitários em obras de artesublimes. Então, ao observar a cultura material is-lâmica, devemos estar preparados para encontrarexpressões artísticas em numa vasta gama de si-tuações, desde as mais humildes lâmpadas a óleoaté os túmulos mais monumentais. Contudo, a arteislâmica permanece sendo uma rubrica útil sob aqual são consideradas as culturas visuais dos últi-mos quatorze séculos em grande parte da Eurásiae África, porque permite fazer algumas conexões eestabelecer relações.

    A arquitetura foi universalmente a forma maisimportante de arte islâmica. Custou mais, duroumais, e foi vista pela maior audiência. Construçõescom fins religiosos, como mesquitas e madrassas(escolas religiosas) sou frequentemente mais bemconhecidas e preservadas porque continuaram aser usadas e preservadas através dos séculos. Asconstruções religiosas podem fornecer um qua-dro de referência para traçar o desenvolvimento daarquitetura islâmica, mas o conservadorismo ine-rente à arquitetura religiosa quer dizer que essasestruturas teriam demorado para apresentar ino-vações. É mais provável que a inovação arquitetô-nica tenha sido introduzida em construções se-culares – como palácios, casas, caravançarais, ba-nhos, mercados e coisas do gênero –, porque elesforam construídos segundo o gosto de uma pes-soa particular, e para suas próprias necessidades.Mais um número muito menor desses edifícios so-breviveu: alguns simplesmente viraram ruína, en-quanto outros foram destruídos deliberadamente.Poucos governantes, por exemplo, pensavam queservia algum objetivo preservar as fantasias pes-soais de seus predecessores. Assim, a amostra ar-quitetônica disponível para estudo é enviesada; aotentar reconstruir a forma do passado, é impor-tante lembrar que o que sobrevive não é tudo o quefoi feito.

    Como a caligrafia e os calígrafos eram reveren-

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  • ciados nas sociedades islâmicas, as dava-se extra-ordinária importância às artes da escrita – e, porextensão, as artes do livro. Numa época anterior àimprensa, todos os manuscritos, desde cópias doAlcorão até contos populares e obras científicas,tinham que ser trabalhosamente copiados à mão,primeiro em folhas de papiro e pergaminho e pos-teriormente em papel. As obras de calígrafos maishabilidosos eram particularmente apreciadas e co-lecionadas. Folhas individuais era frequentementeembelezadas com decorações elegantes e, ondefosse apropriado, belas pinturas, e depois juntadasem caixas ou encadernadas com couro trabalhadoe dourado. Os livros eram preservados em biblio-tecas ligadas a mesquitas ou palácios. Numa épocaem que os monastérios europeus podem ter abri-gado algumas dezenas de volumes, as bibliotecasno mundo islâmico tinham comumente centenas,quando não milhares de volumes.

    Um terceiro material que conseguiu preeminên-cia na arte islâmica é o tecido. A produção e ocomércio de fibras, de tinturas e de tecidos erauma das principais fontes de renda em muitos lu-gares. Um historiador moderno comparou a in-dústria têxtil no período medieval no mundo is-lâmico à indústria pesada dos Estados industriaismodernos, porque os tecidos deitaram as funda-ções econômicas da sociedade medieval islâmica.As duas principais fibras eram a lã e o linho. Sedae algodão também eram importantes porque eles,assim como a lã, poderiam ser tingidos com rela-tiva facilidade com cores brilhantes. Muitas outrasfibras eram usadas quando disponíveis. Talvez aimagem mais marcante da centralidade dos teci-dos na cultura islâmica é a kiswa, o véu de tecidoque cobre a Kaaba em Meca, que pode representarum vestígio da tenda sagrada – semelhante à tendados Israelitas para a Arca da Aliança (2 Sam. 6,17)– em que Deus morava. Embora hoje a kiswa sejasempre preta com bordados de ouro e citações al-corânicas, no passado poderia ser de praticamentequalquer cor, incluindo branco, verde ou até ver-melho.

    Em muitas sociedades, as roupas faziam o ho-mem ou a mulher. A vestimenta distinguia não so-mente o homem da mulher e o rico do pobre, mastambém os nômades dos habitantes das cidadese os muçulmanos dos não-muçulmanos. A roupatambém era usada para fazer incontáveis distin-ções sociais e religiosas: turbantes verdes eramusados por descendentes do profeta Maomé, tur-bantes enrolados ao redor de um bastão verme-lho indicavam os seguidores da ordem safávida, deonde surgiu a dinastia que dominou o Irã entre osséculos XVI e XVIII. Um casaco tosco feito de lã(suf em árabe) era frequentemente usado por mís-ticos, cuja abordagem bastante pessoal em relaçãoà religião se tornou cada vez mais importante, lado

    a lado com a prática comum do islamismo. Essesmísticos ficaram conhecidos como sufis.

    Os tecidos também eram usados como mobília.Havia pouca ou nenhuma necessidade de tapeça-rias que regulavam a passagem de ar nos castelosfrios do norte medieval, assim como também nãohavia necessidade, num clima relativamente secoe quente, de mobília de madeira para distanciar aspessoas do chão úmido e frio. A maioria das pes-soas se assentava em esteiras ou tapetes estendi-dos sobre o chão, apoiados em travesseiros ou al-mofadas, e dormiam em tapetes no chão. As refei-ções eram normalmente comunais; um tecido lavá-vel era estendido sobre o tapete e as pessoas se as-sentavam e se serviam de travessas comuns cheiasde comida, que eram às vezes colocadas sobre umsuporte curto.

    De forma mais característica, os tecidos tambémeram usados para a arquitetura móvel nos paísesislâmicos. A área em que o islã se difundiu origi-nalmente incluía duas grandes tradições de cons-trução de tendas. Os beduínos nos desertos ára-bes usavam tendas feitas de longas faixas de te-cido costurado sustentadas estacas e presas comcordas e pinos. Em contraste, os nômades turcosda Ásia Central usavam tendas feitas de quadrosauto-sustentados cobertos com feltro. Na civiliza-ção islâmica, ambos os tipos de estrutura, a es-trutura árabe elástica e a estrutura turca compri-mida, difundiram-se para regiões tradicionais dooutro grupo, e as características distintivas foramtrocadas. Por causa da função importante e fre-quentemente poderosa dos nômades na sociedadesedentária islâmica, essas humildes moradias fo-ram adotadas pelos governantes, que transforma-ram suas estruturas utilitárias em luxuosos equi-pamentos feitos dos materiais mais finos e caros.

    No estudo da arte islâmica, muitos desses outrosaspectos – como metal, cerâmica, vidro e madeira,marfim e cristal de rocha – são geralmente abar-cados na rubrica de artes “menores” ou “decorati-vas”. Na arte ocidental, esses termos têm uma co-notação um tanto depreciativa, porque esses ma-teriais são considerados menos nobres que as ar-tes maiores da escultura e da pintura. Isso simples-mente não é verdadeiro no caso da arte islâmica.Como em muitas outras culturas, artesãos traba-lhando para patronos ricos transformaram mate-riais caros, como marfim, ouro e pedras preciosas,em objetos de luxo. Nos países islâmicos, entre-tanto, os artesãos também transformaram os ma-teriais mais humildes, como argila, areia e miné-rios, em cerâmicas com esmalte brilhante, vidroslímpidos e metais brilhantes usados por muitasclasses da sociedade. Esses objetos eram frequen-temente utilitários, como bilhas, bacias, bandejase tigelas. Precisamos de uma grande dose de ima-ginação para transportar uma tigela de cerâmica,austeramente exibida num museu, ao seu contexto

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  • original, utilizada para servir um prato numa refei-ção medieval.

    O Balde Bobrinski, uma das obras-primas daarte islâmica, exemplifica muitas dessas caracte-rísticas. Comprado em Bukhara (no atual Uzbe-quistão) em 1885, foi posteriormente adquiridopelo conte russo A. Bobrinski, de onde vem o nomeda peça. O corpo, de latão (cobre e zinco) fundido,é incrustado em cobre e prata com faixas de ins-crições e cenas figurativas. De acordo com a ins-crição dedicatória na borda, o balde foi encomen-dado por Abd al-Rahman ibn Abdallah al-Rashidi,formado por Muhammad ibn Abd al-Wahid, e in-crustado por Masud ibn Ahmad, o designer de He-rat (atual Afeganistão) para o comerciante Rashidal-Din Azizi ibn Abul-Husayn al-Zanjani. A alçaporta a data de Muharramm 559 do calendário is-lâmico, correspondente a dezembro de 1163. Ne-nhuma das pessoas mencionadas na inscrição é co-nhecida por outras fontes, e a função do balde é umenigma. Já foi chamado de chaleira ou caldeirão,mas é muito luxuoso para ser usado para cozinhar.Também não poderia ser usado para carregar ali-mento ou líquido, porque o contato com o interiorpoderia causar envenenamento por azinhavre (co-bre oxidado). A explicação mais plausível é que obalde era usado como vasilha para carregar águaquando o mercador ia ao banho. Resumindo, essebalde era um presente para o homem que tinhatudo em 1163, o equivalente medieval de um equi-pamento eletrônico de luxo.

    A despeito da enorme variedade da arte islâmica,que pode variar desde grandes estruturas a peque-nos objetos produzidos entre a costa do Atlânticona África e as ilhas da Indonésia, desde o séculoVIII até o presente, alguns temas têm tido apelo pe-rene e universal. […] Este capítulo tem uma abor-dagem temática que enfatizam características co-muns que unem grande parte da arte islâmica atra-vés dos continentes e dos séculos. Cinco temas fo-ram escolhidos: a arte da escrita, a ausência de fi-guras; os temas decorativos do arabesco e da geo-metria; o uso exuberante da cor e a noção de am-biguidade proposital. Cada um desses temas podenão aparecer em cada obra de arte islâmica, mascoletivamente eles definem uma abordagem esté-tica que distingue a arte islâmica das tradições dasregiões e culturas ao seu redor.

    2. A Arte da Escrita

    A escrita é o tema mais importante, que perpassatoda a arte islâmica. O uso de inscrições não é ex-clusivo da cultura islâmica; foi desenvolvido emparte de precedentes na região em que a civilizaçãoislâmica se desenvolveu. Havia, por exemplo, umalonga tradição no mundo clássico de uso de inscri-ções, particularmente para decorar as fachadas de

    prédios e monumentos como os arcos de triunfo.Essa tradição passou, por sua vez, ao mundo cris-tão, e a arte bizantina era frequentemente deco-rada com inscrições (embora figuras tenham setornado mais populares com o tempo). De formasemelhante, inscrições eram frequentemente uti-lizadas no Oriente Próximo, como nos relevos narocha de Bisitun (ou Behistun) no oeste do Irã,onde uma inscrição trilíngue em Persa Antigo, Ela-mita e Babilônico louva o grande rei aquemênidada Pérsia, Dario I (r. 522-486), circundando umrelevo monumental mostrando o triunfo sobre ousurpador Gaumata e os rebeldes. Em todos essescasos, entretanto, a escrita suplementava e expli-cava a imagem. O que é diferente na arte islâmicaé que a escrita se tornou o principal (e às vezesúnico) elemento de decoração. A mudança funda-mental deveu-se, em grande medida, ao papel cen-tral da escrita no islamismo. As primeiras palavrasque Deus revelou a Maomé foram os cinco primei-ros versos do capítulo 96 do Alcorão:

    خَلََق الَّذِي َبَِّك ر بِاسِْم اقْرَْأعَلٍَق مِْن اْلِإنسَانَ خَلََق

    ُ اْلَأكْرَم َك ُّ َب وَر اقْرَْأِ بِالْقَلَم مَ َّ عَل الَّذِي

    يَعْلَْم لَْم مَا اْلِإنسَانَ مَ َّ عَلRecita em nome do teu senhor que criou,Criou o homem de um coágulo;Recita, e teu senhor é o mais generoso,Que ensinou pelo cálamo,Ensinou ao homem o que ele não sabia.

    Em outras palavras, o conhecimento da escritadistingue o homem das outras criaturas de Deus. Aimportância da escrita é salientada em passagensdo Alcorão. No capítulo 68, uma das primeiras re-velações, conhecida como Surat al-Qalam (O Cá-lamo) ou Surat al-Nun (A letra nun), abre com aspalavras: “Nun. Pelo cálamo e o que eles escrevem”.De acordo com outro par de versos revelados umpouco depois (Alcorão 50, 17-18), dois nobres an-jos ficam sobre os ombros do homem para regis-trar todas suas ações e pensamentos. O do lado di-reito escreve as boas ações, e o do lado esquerdo,as más. No Dia do Julgamento, todos os atos serãocalculados para a contabilidade final no Livro doJulgamento Final (Alcorão 69, 18-19).

    Dada a importância da escrita na revelação, nãoé de surpreender que a escrita tenha-se tornadouma característica tão importante na cultura islâ-mica. Os livros e a produção de livros se torna-ram grandes formas de arte, e a caligrafia se tor-nou um dos principais temas de decoração. Comoo Alcorão foi revelado em árabe, a língua e a es-crita árabes rapidamente dominou as línguas queeram usadas na região, tornando-se a lingua franca

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  • Figura 2: Cena de Acampamento. Mir Sayyid Ali, séc. XVII. 28,4 x 20 cm. Harvard University Art Museums, 1958.75.Os tecidos preenchiam a vida tanto dos nômades quanto dos habitantes das cidades, cobrindo o chão e definindo oespaço. O papel onipresente dos tecidos é visto numa pintura de um acampamento nômade, atribuído ao pintor persado século XVI Mir Sayyid Ali.

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  • Figura 3: O Balde Bobrinski. Museu Heritage, São Petes-burgo.

    de um vasto território. No final do século VIII, oscalígrafos foram responsáveis por tornar a escritaárabe mais legível e bela, e seus esforços podem servistos em exemplos ainda existentes, desde moe-das e marcos de estradas até construções.

    Moedas bizantinas e sassânidas tinham figurasde imperadores sob cujos auspícios elas foramcunhadas. Depois de um breve período de expe-rimentação, os governantes muçulmanos rejeita-ram esse tipo de moeda figurativa em favor demoedas que dependiam exclusivamente de pala-vras. Começando em 692, sob o califa omíada Abdal-Malik, praticamente todas as moedas foram de-coradas exclusivamente com escrita. Isso é válido,por exemplo, para moedas de ouro antigas, conhe-cidas como dinars (fig. 4). No anverso, o centro épreenchido pela profissão de fé, que continua emparte da borda; o resto do espaço contém um versodo Alcorão (9, 33) sobre a missão profética. No re-verso da moeda há uma inscrição de um versículoalcorânico (112) declarando a unicidade de Deuse refutando a Trindade; o texto em volta da bordacontém a invocação, a cunha, e a data. Tudo issoaparece numa moeda com menos de 20mm de diâ-metro. Embora o estilo da escrita tenha mudadoem vários locais e períodos, esse tipo de moedaepigráfica continuou a ser característica de prati-camente toda a cunhagem de moedas em países is-lâmicos até a era moderna.

    Inscrições são encontradas em todos os tipos de

    Figura 4: Dinar de ouro de Abd al-Malik. ProvavelmenteSíria, AH 77/696-697. d.C. The British Museum.

    suporte e materiais, mesmo aqueles cujas limita-ções técnicas do suporte fazem extremamente di-fícil incorporar texto corrido. É o caso, por exem-plo, dos tecidos. É relativamente fácil tecer pa-drões simétricos de motivos repetidos num tear,mas muito mais difícil inserir um design direcio-nal que é lido em uma direção. No século X, en-tretanto, tecelões persas haviam superado as limi-tações do suporte e encontraram uma forma deincorporar longas faixas de inscrições nas suassedas de padrões elaborados. Um bom exemploé o fragmento de seda conhecido como Sudáriode São Josse, porque foi usado na Idade Médiapara guardar os ossos de São Josse na abadia deSt. Josse-sur-Mer, perto de Caen, no noroeste daFrança, aonde foi provavelmente trazido por umcruzado retornando a casa da Terra Santa. Issomostra como os tecidos islâmicos eram conside-rados preciosos tanto em casa quando no estran-geiro. Dos dois pedaços que restam, o tecido podeser reconstruído como um grande quadrado me-dindo um metro e meio de um lado, com um designde tapete em várias bordas ao redor de um campocentral. As bordas contêm uma série de camelos,e o campo teria duas faixas idênticas de elefantes.Debaixo dos pés dos elefantes, há uma faixa de ins-crição em árabe. Os animais estão arranjados si-metricamente, mas a faixa com a inscrição só podeser lida da direita para a esquerda. O texto invoca aglória e a prosperidade ao comandante, Abu Man-sur Bakhtitin, que é identificado em textos medi-evais como um comandante turco no nordeste doIrã. Ele foi preso e executado sob as ordens do so-berano samânida Abd al-Malik ibn Nuh por voltade 960, então a seda deve ter sido confeccionadaantes dessa data, porque ela se refere a uma pessoaviva.Embora esse seja o único exemplo remanes-cente, essa seda deve ter sido uma de muitas peçasidênticas. Era extremamente custoso em termos detempo e recursos montar um tear para tecer essedesign complexo de sete cores, mas ao tecer múl-tiplas cópias dos quadrados de seda, os custos se-riam divididos mais igualmente. Não se sabe bem

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  • como essa peça era usada originalmente, mas foiprovavelmente tecida para cobrir as selas das tro-pas sob o comando de Bakhtitin.

    O Sudário de São Josse é somente um exemplode como os artistas na época medieval usavam ins-crições para decorar obras de arte. Em objetos fei-tos de materiais caros, como seda ou taças de jade,as inscrições frequentemente nomeiam o patronoou o usuário que encomendou o artefato. Em ob-jetos de materiais menos nobres ou feitos para omercado, entretanto, as inscrições contêm textosmais gerais. Esse é o caso de uma tigela com bor-das em folho1, produzida, como o Sudário de SãoJosse, no nordeste do Irã no século X (fig. 5). Feitade cerâmica bege coberta com uma demão fina decobertura vermelha2 com toques marrom-escuro ecoberta com esmalte transparente, a tigela funda énotável por seu tamanho e por sua fina decoraçãointerior.

    Figura 5: Tigela funda. Cerâmica esmaltada. 11.2 cm dealtura, 39.3 cm de diâmetro. Irã ou Ásia Central, séculoX. Inscrita com a frase: “Bênção ao dono”, seguida doprovérbio: “Diz-se que quem se contenta com sua pró-pria opinião corre perigo”. The Freer and Sackler Galle-ries, Washington, D.C., F1957.24

    No centro, há um motivo vegetal abstrato de umúnico caule com cinco folhas, mas a principal de-coração é uma larga faixa de uma elegante escritaangular ao redor da borda. Supondo que o propó-sito da tigela tenha sido portar alimentos, somenteo ornamento em forma de pequenas conchas aoredor da borda ficava visível quando a tigela esti-vesse cheia. Mas, à medida que o alimento fosseconsumido, a inscrição ficaria cada vez mais visí-

    1 Folho: tira franzida ou pregueada. Sinônimo: “babado”.2 No original: slip: “mistura cremosa de argila, água e tipi-

    camente um pigmento, usada especialmente para decorar cerâ-mica” (The Oxford Dictionary).

    vel, até que a decoração se revelasse quando a ti-gela se esvaziasse. A inscrição em árabe começadepois de um pequeno motivo decorativo a apro-ximadamente quatro horas, com a frase “Bênçãoao dono”. Depois de um pequeno motivo em formade gota a cerca de oito horas, o texto continua comum provérbio: “Diz-se que quem se contenta comsua própria opinião corre perigo”. Se a tigela tiversido elaborada para ser segurada e apreciada como caule da planta para baixo, mais perto do espec-tador, então a parte mais importante da inscrição,a bênção ao dono, fica imediatamente legível sobela. Para ler o provérbio, o leitor deve rodar a tigelaem sentido anti-horário.

    Outras tigelas e pratos do mesmo meio são de-coradas com aforismos semelhantes, como “Pla-nejar antes do trabalho evita arrependimentos; apaciência é a chave do conforto”, ou “O conheci-mento é um ornamento da juventude e a inteli-gência é uma coroa de ouro”. As inscrições nessascerâmicas são planejadas com cuidado extremo, eem escrita estilizada, bem distinta da escrita cur-siva conhecida de manuscritos da época, e mereceser chamada de caligrafia. Espectadores moder-nos, mesmo os que sabem bem o árabe, acham difí-cil decifrar essas inscrições. É provável que mesmonaquela época seu propósito fosse ser um diverti-mento, um quebra-cabeças para uma clientela so-fisticada, que não somente apreciava sua louça de-corada com uma escrita estilizada, mas tambémconhecia a língua árabe bem o suficiente para en-tender os aforismos moralizantes. No Irã e na ÁsiaCentral no século X, o Novo Persa estava se des-tacando como uma língua popular, mas o árabeera mais apropriado para a escrita. O manuscritopersa mais antigo a sobreviver até os dias de hojedata do século XI.

    Esses dois artefatos com inscrições – o sudário ea tigela – datam do século X, mas são encontradasinscrições em objetos criados em toda a históriada civilização islâmica, desde os primeiros temposaté o presente. A mais antiga obra de arquiteturaislâmica, o Domo da Rocha em Jerusalém, revelaum uso sofisticado de inscrições executadas emmosaico de vidro. No século XVI o sultão otomanoSuleyman (r. 1520-66) substituiu os mosaicos doexterior da cúpula com azulejos, e esses própriosazulejos foram substituídos no século XX, então éimpossível dizer o que quer que seja sobre o papeloriginal das inscrições nessa parte. Mas o interiorpreserva a maior parte do seu aspecto original e oprograma de mosaicos mais suntuoso a sobreviverda época antiga ou medieval. Duas longas faixasde inscrições, em letras douradas que cintilam so-bre a base em azul profundo, circundam as facesinterior e exterior da arcada octogonal. Os textoscontêm frases pias e versos do Alcorão sobre a oni-potência de Deus e a missão profética de Maomé,

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  • bem como o nome do patrono, o califa omíada Abdal-Malik, e a data da construção.

    Como nas moedas, a escrita utilizada no Domoda Rocha é pensada com cuidado e planejada parapreencher o espaço disponível. As inscrições noDomo fornecem a primeira evidência datada para aescrita do Alcorão, e mostram que já havia calígra-fos treinados para explorar as possibilidades de-corativas da escrita árabe. Nenhum manuscrito doAlcorão sobreviveu dessa época, e alguns estudio-sos usaram essa falta de evidência para sugerir quea escrita árabe evoluiu devagar através dos séculos.A julgar pelas inscrições nas moedas e no Domo daRocha, não há questão de que a arte da escrita emárabe já estava bem desenvolvida no final do séculoVIII.

    As inscrições ainda são um tema importante dadecoração na arquitetura islâmica moderna. Elassão proeminentes, por exemplo, dentro da mes-quita erigida em 1984 no Aeroporto InternacionalRei Khalid em Riyadh, na Arábia Saudita. Como noDomo da Rocha, a inscrição na mesquita é escritacom uma faixa larga em volta da base da cúpula,mas, neste caso, o texto é todo do Alcorão (57:1-7).Os versos dizem que tudo o que está na terra enos céus declara a glória de Deus, o Onipotente,afirmando no final que aquele que gastar dinheirocom uma obra pia será recompensado com justiça.O texto foi claramente escolhido como referênciaaos motivos do patrão para fundar a mesquita.

    Em todas as épocas e lugares, versículos alcorâ-nicos foram cuidadosamente escolhidos para umasituação particular. Examinar de perto a escolhados versículos pode nos dar pistas sobre a funçãoou significado original de uma obra de arte. As se-pulturas eram frequentemente decoradas com ver-sículos sobre a morte e o paraíso, como “Tudo oque habita a terra perecerá, exceto a face do teu se-nhor” (55, 26-27). Podia-se inscrever nos portaisum versículo pedido a Deus “uma entrada justa euma saída justa” (17, 80). Outros textos alcorâni-cos foram escolhidos porque algumas palavras ti-nham uma ressonância particular. Por exemplo,a fachada do túmulo na madraça Shifaiye, cons-truída em 1220 em Sivas pelo sultão seljúcida deRum Kaykaus, porta uma inscrição do versículo69, 28-29 do Alcorão, que termina com a palavrasultaniya (poder), sem dúvida escolhida como umjogo de palavras com o título mais importante deKaykaus, sultão.

    A escrita em árabe também era a forma detransformar em islâmicas formas não islâmicas.Isso pode ser visto na tela em arco que o go-vernante muçulmano de Déli, Qutb al-Din Aybak(1206-10), acrescentou à mesquita congregacionalem 1198. Conhecida como Quwwat al-Islam (“Po-der do Islã), a mesquita foi construída menos deuma década antes, depois da conquista islâmica daregião. A tela, que fica no pátio em frente ao sa-

    lão de orações, não tem nenhum propósito estru-tural e foi aparentemente adicionada ao edifícioem hipostilo por razões estéticas, para mascararo que ficava atrás e fazer com que o novo edifícioparecesse mais atraente. Ela é ricamente decoradacom fachas naturalistas de rolos de vinha e inscri-ções. Os rolos pertencem a uma tradição local deescultura em pedra que pode ser vista em temploshindus e jainistas, onde são frequentemente acom-panhados por exuberantes esculturas mostrandoas atividades de incontáveis deuses e deusas commuitos braços e pernas. Os novos patronos muçul-manos julgavam essa idolatria horrível e fizeramcom que os artesãos locais substituíssem as figuraspor textos do Alcorão.

    O desejo de usar a escrita para decorar edifíciose objetos nos países islâmicos era avassalador, econstrutores e designers, particularmente no pe-ríodo medieval, competiam para criar novos esti-los e métodos para escrever suas mensagens emedifícios. Em alguns casos, acrescentaram flores efolhas ao redor e entre as letras. Esse estilo era par-ticularmente popular no Cairo, e muitos dos edifí-cios de pedra erigidos sob o patronato da dinastiafatímida, governantes ricos e sofisticados do paísentre 969 e 1171, têm belos textos esculpidos numestilo conhecido como kufi floreado, que estão en-tre as mais finas inscrições arquitetônicas islâmi-cas, porque têm um equilíbrio criterioso entre asexigências da decoração e a legibilidade.

    No Irã e na região adjacente, onde o tijolo co-zido era o material de construção mais comum, osdesigners desenvovleram outros tipos de escrita,particularmente as com nós e outros elementos dedecoração geométrica. Um dos estilos arquitetôni-cos que duraram mais é conhecido em persa comobannai ou “técnica de construtor”. A escrita se de-senvolveu a partir das técnicas dos pedreiros, àmedida que tijolos e outros elementos da constru-ção eram postos em relevo para criar palavras efrases simples. O exemplo mais antigo ainda exis-tente dessa escrita é o minarete de Ghazni (no lestedo Afeganistão), de cerca de 1100, do soberanoghaznávida Masud III (r. 1098-1115). Os painéis nofuste do minarete declinam os nomes e vários tí-tulos do sultão. O texto é incomum, já que é umdos poucos exemplos conhecidos de uma inscri-ção nessa técnica contendo informação histórica.O texto também é muito difícil de ler, porque as le-tras são formadas por pequenas peças de terracotaespremidas entre tijolos mais largos colocados ver-ticalmente numa cadeia escalonada.

    Elaborar e planejar essa inscrição deve ter sidoextremamente trabalhoso (e, portanto, caro), econstrutores e designers logo descobriram comoadotar a técnica para métodos de produção maisrápidos. Eles simplificaram o próprio texto, deforma que, em vez dos nomes e títulos de um go-vernante específico, o texto continha nomes sa-

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  • Figura 6: O minarete de Ghazna, Afeganistão.

    grados ou uma frase religiosa como “Não há pro-feta depois de Maomé” ou “O domínio pertence aDeus”. Construtores e designers também simplifi-caram a técnica. Em vez de montar peças de ter-racota em relevo, usaram os próprios tijolos paraescrever o texto. Num primeiro momento, foramexplorados os espaços entre os tijolos, de formaque as sombras entre os espaços vazios formassempalavras e frases. Daí era um passo para os desig-ners preencherem os espaços entre os tijolos comelementos vidrados, de forma que as palavras fos-sem inscritas em superfícies brilhantes alinhadascom as ligações entre os tijolos e contrastando coma superfície fosca ao redor.

    Essa técnica se difundiu amplamente no orienteislâmico a partir do século XIII, porque era ummeio ideal de cobrir grandes amplas superfíciesde prédios de tijolo. Um bom exemplo é o santuá-rio que o conquistador turco-mongol Timur (Ta-merlão, 1336-1405) mandou construir para o xei-que sufi Ahmad Yasavi no norte de Samarcanda. Osantuário é um enorme bloco retangular que flu-tua sobre a estepe plana e poeirenta. A área aolongo dos muros laterais é dividida em um qua-dro de formas de cruz delineadas em tijolos vidra-dos azul-escuro. Cada cruz é preenchida com tijo-

    Figura 7: O mausoléu de Ahmad Yasavi

    Figura 8: Mausoléu de Ahmad Yasavi, detalhe das inscri-ções

    los vidrados azul-claro com os nomes de Deus, Alie Maomé. A técnica não somente foi visualmenteeficaz, como também fazia sentido em termos reli-giosos, pois qualquer um podia perceber os nomesde longe, da mesma forma como um crente fervo-roso repete os nomes como parte de sua devoção.O edifício é literalmente envolvido em escritura sa-grada.

    3. O aniconismo: ausência de figuras

    Frequentemente se diz que a representação deseres vivos é proibida na arte islâmica, mas issosimplesmente não é verdade. O Alcorão diz muito

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  • pouco sobre a representação figurativa, emboraproíba explicitamente idolatria, adivinhação, be-bidas alcoólicas, apostas etc […] Fazer retratosde pessoas aparentemente não era um assunto desuma importância na Arábia do final do século VIe começo do século VII. Além disso, não há razãopara representar pessoas na arte religiosa, porqueos muçulmanos acreditam que Deus é único e semassociado e, portanto, não pode ser representado,exceto por sua palavra, o Alcorão. Deus é adoradodiretamente sem intercessores, então não há lugarpara imagens de santos, como na arte cristã. Ma-omé era o mensageiro de Deus, mas, ao contráriode Jesus Cristo, não era divino. Seus atos — não suapessoa — representam o ideal ao qual aspiram osmuçulmanos. ao contrário da Bíblia, o Alcorão tempoucas passagens narrativas; assim, não há razãopara ilustrar histórias para ensinar a fé.

    Com o tempo, a falta de motivo e oportunidadese endureceu como lei, e a ausência de figuras(tecnicamente conhecida como aniconismo se tor-nou uma característica distintiva da arte religiosaislâmica. Assim, pouca ou nenhuma representa-ção humana é encontrada em mesquitas e outrosedifícios com função religiosa. Palácios, banhos elocais para outras atividades, entretanto, podemmuito bem ter tido decoração figurativa, emboraem períodos posteriores o aniconismo do meio re-ligioso frequentemente transbordasse para a ór-bita secular. De acordo com os hadith (tradiçõesdo Profeta), até Muhammad estava ciente da dife-rença; ele ordenou que todos os ídolos fossem re-movidos da Kaaba em Meca, mas está registradoque ele usou cortinas e almofadas decoradas comfiguras em sua casa.

    Representações de pessoas e animais eram usa-das, com frequência de forma exuberante, em am-bientes particulares. Um exemplo do começo daera islâmica pode ser visto nas ruínas do palácioomíadas conhecido com o Khirbat al-Mafjar, pró-ximo a Jericó. Destruído por um terremoto na dé-cada de 740, a construção era o retiro do príncipeplayboy al-Walid ibn Yazid, que festejou com seusamigos por duas décadas esperando suceder seutio senil, o califa omíada Hisham ibn Abd al-Malik(r. 724-743). O palácio tinha um elaborado hallde música, completo com uma piscina, um ba-nho quente, e uma sala de audiências particular. Aúnica coisa que restou intacta é o enorme piso demosaico, decorado com uma extraordinária sériede padrões geométricos que se assemelham a ta-petes de pedra. A partir dos muitos fragmentos depedra e estuque que entulham o sítio, os escavado-res puderam reconstruir grande parte da superes-trutura do edifício. O portal, por exemplo, era ela-boradamente decorado com uma estátua de estu-que, presumivelmente representando o patrono, edo lado de dentro do portal mais estátuas de estu-que com voluptuosas dançarinas seminuas suge-

    rem os prazeres que se encontravam no interior.A cúpula sobre a pequena sala de audiências cul-minava em uma sedutora cobertura de folhas deacanto com protuberâncias de cabeças de belos jo-vens, homens e mulheres, que olhavam de cimaoutras esculturas de pássaros e cavalos alados. Cla-ramente, o que se fazia em particular podia serbem diferente de o que se fazia em público.

    Na mesma linha, escavadores alemães no co-meço do século XX encontraram milhares de frag-mentos de pinturas murais que decoravam as ca-sas, banhos e palácios de Samarra, o local ao nortede Bagdá que serviu de capital abássida em meadosdo século IX. Os escavadores conseguiram recons-truir algumas das cenas do palácio, que incluíamrolos de cornucópias habitados por animais selva-gens e mulheres nuas, cenas de caça, e um muralmostrando um par de garotas dançando. As duas fi-guras têm braços entrelaçados; enquanto dançam,cada uma despeja bebida numa taça que a outrasegura. O líquido deve ter sido certamente vinho,porque o sítio também está cheio de fragmentosde garrafas de vinho pintadas. Histórias oficiaispodem registrar os atos dos grandes e poderosos,mas a arte, como a poesia e a música, frequente-mente mostram aspectos da vida privada que estãoem desacordo com o ideal oficial.

    A mesma distinção entre o religioso e o secu-lar vale para a decoração de livros. Manuscritos doAlcorão eram frequentemente decorados com de-signs florais ou geométricos. Os estudiosos não co-nhecem nenhum manuscrito do Alcorão que sejadecorado com pinturas de pessoas, como manus-critos cristãos da Bíblia da mesma época. Em con-trapartida, figuras eram frequentemente incluídasem outros tipos de livros, incluindo tratados ci-entíficos, obras literárias, poemas épicos e histó-rias. Em alguns casos essas figuras eram necessá-rias para a compreensão do texto, em outros casos,elas o embelezavam.

    Só restam fragmentos de livros ilustrados do pe-ríodo anterior a 1000 d.C., mas não há razão paraduvidar de sua existência, particularmente porqueeles são descritos por outros livros. Um dos pri-meiros manuscritos ilustrados a sobreviver é umacópia do tratado de Abd al-Rahman al-Sufi sobreas estrelas fixas. A obra, em última análise deri-vada de escritos clássicos, particularmente o Al-magesto de Ptolomeu, foi composta por volta de965 pelo astrônomo al-Sufi (903-986) da cidadede Rayy para o soberano búyida Adud al-Dawla (r.949–983). A cópia mais antiga ainda existente foifeita do original pelo filho de al-Sufi, e suas ilus-trações mostram como as tradições clássicas re-presentando as constelações foram adaptadas aogosto muçulmano. As figuras, por exemplo, usamturbantes e vestidos com longas pregas fluidas.

    A partir dessa época, chegou até nós uma maiorquantidade de livros de todos os tipos, incluindo

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  • Figura 9: A constelação de Andrômeda. ‘Abd al-Rahmânal-Sûfi, Kitâb suwar al-kawâkib al-thâbita (Catálogo dasEstrelas Fixas). Cópia oriental, século XIV. Papel, 229f., 27 × 18 cm Bibliothèque Nationale de France, Dé-partement des Manuscrits, arabe 2489, f. 70 v°. http://expositions.bnf.fr/islam/grand/isl_018.htm

    com ilustrações, e tratando de uma gama mais am-pla de assuntos. Um dos primeiros e mais inco-muns é o livro Maqamat (Assembleias) do escritorárabe al-Hariri (1054-1122), que viveu em Basra.Esse livro contém a narrativa sagaz do mercadoal-Harith sobre as cinquenta aventuras do vigaristaAbu Zayd através do mundo islâmico. Linguistica-mente criativa e cheio de jogos de palavras, a obraera imensamente popular entre a burguesia edu-cada do mundo árabe. A pirotecnia verbal do textonão se prestava facilmente à ilustração, mas a de-manda por livros ilustrados era tão forte que elefoi várias vezes ilustrado. Sobrevivem onze cópiasproduzidas antes de 1350, o que sugere que exis-tiam muitas outras. As ilustrações fornecem rarosvislumbres da vida quotidiana no período medie-val, mostrando cenas como mercados e bibliote-cas.

    Enquanto que livros como as Maqamat teriamsido uma posse apropriada para um bibliófilo bur-guês, os livros foram transformados, sob os sobe-ranos mongóis do Irã conhecidos como os Ilkhâni-

    Figura 10: Cena de al-Maqâmât (Assembleias), deMuhammad al-Qâsim al-Harîrî. Al Harith reconheceAbu Zayd em uma biblioteca em Hulwan. . Miniaturaset caligrafia de Yahya ibn Mahmûd al-Wâsitî, Iraque,1237. Papel, 167 f., 37 x 28 cm. Bibliothèque Nationalede France, département des Manuscrits, arabe 5847, f.5 v°. http://expositions.bnf.fr/islam/grand/arab_5847_005v.htm

    das, em uma grande forma de arte para a realeza,principalmente depois que os governantes mon-góis se converteram ao islã no final do século XIII.Os livros se tornaram fisicamente muito maiores,provavelmente porque folhas maiores de papelmais fino e mais branco se tornaram disponíveis,e essas grandes superfícies davam mais espaçopara uma decoração elaborada. Foram produzidosmanuscritos suntuosos do Alcorão. Tratava-se fre-quentemente de conjuntos de apresentação com-postos por trinta volumes, que seriam dados a umamesquita, um santuário ou um complexo funerá-rio, em que um volume seria lido em voz alta du-rante o mês sagrado do Ramadã. O maior manus-crito a sobreviver — com cada página medindo 72x 50 cm) foi copiado em Bagdá e doado ao mau-soléu do sultão Muhammad Khodabanda Uljaytu(r. 1304-16) em Sultaniya. Levou oito anos paraser copiado; cada página tem três linhas em ma-jestosa escrita muhaqqaq em ouro delineada empreto, alternando com duas linhas de uma escritathuluth-muhaqqaq mais fluida em preto delineadaem ouro — um dos exemplos mais espetaculares

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    http://expositions.bnf.fr/islam/grand/isl_018.htmhttp://expositions.bnf.fr/islam/grand/isl_018.htmhttp://expositions.bnf.fr/islam/grand/arab_5847_005v.htmhttp://expositions.bnf.fr/islam/grand/arab_5847_005v.htm

  • de caligrafia alcorânica monumental. Como outrosconjuntos de trinta volumes, ele tem magníficosfrontispícios duplos, contendo padrões geométri-cos.

    Grandes manusritos de outras obras foramproduzidos no período Ilkhânida. Histórias, porexemplo, eram extremamente populares, prova-velmente porque os governantes mongóis, comoestrangeiros, estavam interessados em se inserirnas longas tradições da história persa e islâmica.O sultão mongol Mahmud Ghazan (r. 1295-1304)encomendou a seu vizir Rashid al-Din uma his-tória dos mongóis, e o sucessor de Ghazan, Ul-jaytu, expandiu a encomenda, para fazer dela umahistória universal, a primeira do gênero. O Jamial-Tawarikh (Compêndio de Crônicas) era umaobra de vários volumes, incluindo histórias de po-vos europeus e asiáticos, uma genealogia das di-nastias e uma geografia. Para tornar seu livro maisatraente e compreensível, Rashid al-Din ordenouque ele fosse ilustrado. Seus pintores desenharambaseados em uma vasta gama de fontes disponíveisem sua sociedade cosmopolita. Seções de histó-ria chinesa, por exemplo, foram ilustrada segundomodelos chineses, e seções sobre história bíblicaseguiram protótipos de manuscritos bizantinos.

    O que é talvez mais interessante e incomumnessa grande obra é o conjunto de ilustrações mos-trando eventos da vida do profeta Maomé. Comonão havia tradição anterior de representação deMaomé na arte islâmica, e o texto de Rashid al-Dinfornecia somente os mais parcos detalhes da vidade Maomé, os pintores tinham que procurar inspi-ração em outras partes. Uma pintura mostra Ma-omé montado em um cavalo liderando os muçul-manos numa batalha contra os Banu Qaynuqa,uma tribo judia da Arábia. O Profeta é mostrado nomundo azul marinho rodeado de nuvens brancas eanjos. Atrás dele estão as forças muçulmanas, in-cluindo seu tio Hamza, identificável porque tinhabarba ruiva e carregava o estandarte do Profeta.Os anjos têm as cabeças descobertas e cachos decabelos compactos e usam vestes longas derivadasdo chiton, a veste básica usada por homens e mu-lheres gregas. No Irã mongol, parece que havia umbastante interesse em representar o Profeta, e vá-rios manuscritos ainda existentes ilustram cenasde sua vida. Essas representações de Maomé nãosão imagens religiosas; elas são ilustrações históri-cas que não têm o propósito de serem usadas em ri-tuais religiosos. Um tanto quanto incomuns no pa-norama geral da arte islâmica, essas imagens mos-tram, contudo, a contínua distinção entre os domí-nios religioso e secular na arte islâmica.

    Figura 11: Maomé liderando Hamza os muçulmanoscontra os Banu Qaynuqa. Jami’ al-Tawarikh, de Rashidal-Din. Irã, Tabriz, datado 714 AH (1314-15 d.C.). Tinta,aquarela translúcida e opaca, ouro e prata sobre papel.43.5 x 30 cm.

    4. Os temas decorativos do arabesco eda geometria

    Como as imagens figurativas eram desnecessá-rias na arte religiosa islâmica, outros temas deco-rativos se tornaram importantes. Vários desses te-mas haviam sido elementos subsidiários na artepré-islâmica. Na arte bizantina, por exemplo, re-presentações de pessoas haviam sido destacadas,ou enquadradas, ou ligadas por elementos geo-métricos (formas e padrões) e padrões vegetais(isto é, frutas, flores e árvores estilizadas). No co-meço da era islâmica, esses elementos subsidiáriosforam transformados em grandes temas artísti-cos. Assim, os mosaicos decorando a Grande Mes-quita de Damasco, construída pelo califa omíadaal-Walid (r. 705-715) no começo do século VIII, fo-ram claramente derivados das tradições da anti-guidade tardia. O painel que sobrevive na paredeoeste da mesquita mostra uma paisagem contínuade construções fantásticas separadas por árvores,sobre um rio a fluir. Na arte clássica e bizantinaesses temas teriam sido um pano de fundo figu-ras maiores, mas nesse painel a própria paisagemé o tema, provavelmente significando o jardim doparaíso prometido aos muçulmanos no Alcorão edescrito como um lugar com aposentos altos sobos quais correm rios.

    Nos mosaicos de Damasco, as árvores e as cons-truções ainda são facilmente reconhecíveis, mas,com a crescente relutância em representar figu-ras, tais representações específicas foram substi-tuídas por motivos mais estilizados, abstratos e ge-ométricos. Esse estilo já era popular no século IX,como fica evidente numa pequena tigela desse pe-ríodo, decorada com quatro cores de lustro. O mo-tivo principal mostrado no centro da tigela é umaplanta com um caule central e pares de folhas. Odesign básico é bem simples, mas foi elaboradoem muitos padrões geométricos — pontos, zigue-

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  • zague, manchas, olhos de pavão etc — que cobremo máximo de superfície e negam a qualidade orgâ-nica do motivo principal. Em resumo, elementosnaturalísticos, como flores e folhas, ficam cada vezmais estilizados e sujeitos às leis da geometria.

    Figura 12: Arabesco em estuque, Samarra, Iraque, séculoIX.

    Sobreviveu pouco da decoração das mesquitasda capital abássida de Samarra, mas podemos teruma ideia do estilo abstrato de decoração que te-ria sido usado nas mesquitas nessa cidade ao ob-servar as cópias construídas em outros lugares.A mesquita do Cairo completada em 879 por or-dem do governador abássida Ahmad ibn Tulun(835-884), por exemplo, é considerada como umaaproximada da mesquita de Samarra. Contraria-mente à mesquita de Damasco, mais antiga, a de-coração da mesquita de Ibn Tulun é contida. Umalonga inscrição em madeira percorre o edifício sobo teto, e os alicerces e as bordas de arcos pesadosde tijolo são embelezados com estuque esculpidocom elementos florais simples para criar padrõesque combinam elementos florais e geométricos. Asuperfície decorada é totalmente preenchida, deforma que não há distinção entre o segundo planoe o tema. Essa decoração, em que elementos orgâ-nicos são submetidos às regras da geometria, po-dem se estender infinitamente em qualquer dire-ção.

    Um tipo de decoração semelhante foi usada emuma pequena mesquita em Balkh no norte do Afe-ganistão, atribuído, devido ao estilo, ao século IX.Embora muito arruinada, a pequena construçãoquadrada tem quatro pilares maciços que supor-tavam nove cúpulas. A maioria da parte superiorera coberta de estuque, esculpida com padrões ge-ométricas e vegetais com um corte inclinado dis-tintivo. O uso de um estilo semelhante, documen-tado desde o Cairo até o leste do Irã no século IX,sugere que deve ter tido uma origem comum, semdúvida as capitais abássidas na Mesopotâmia. Seuuso difundido mostra como estilos puderam se dis-seminar em amplas áreas durante esse período depoder centralizado.

    Figura 13: Arabescos na mesquita de Ibn Tulun, Cairo,879.

    Figura 14: Mesquita de Balkh, Afeganistão, atribuída aoséculo IX.

    Esse tipo de design, baseado em formas naturaiscomo caules, gavinhas3 e folhas rearranjadas paraformar padrões geométricos infinitos, se tornouum marco da arte da ornamentação arquitetônicaislâmica e do século X ao XV. Para descrevê-lo, oseuropeus cunharam o termo “arabesco”, primei-ramente usado no século XV ou XVI, quando osartistas da Renascença incorporaram designs islâ-micos na ornamentação e encadernação de livros.Através dos séculos, o termo foi aplicado a umagrande variedade de decorações vegetais sinuosase entrelaçadas na arte e temas sinuosos na músicae na dança, mas se aplica propriamente somenteà arte islâmica. O historiador da arte vienense doséculo XIX Alois Riegl explicitou as principais ca-racterísticas do arabesco: as gavinhas da vegeta-ção são altamente geometrizadas e não se arran-jam em ramos de um único caule contínuo; pelocontrário, as gavinhas crescem uma da outra, arti-ficialmente. Além disso, o arabesco tem uma cor-respondência infinita, significando que o design

    3 Gavinha: “Cada um dos apêndices filiformes da vinha e ou-tras plantas sarmentosas e trepadeiras.” Dicionário Priberamda Língua Portuguesa.

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  • pode ser estendido infinitamente em qualquer di-reção. A estrutura do arabesco fornece informaçãosuficiente para que o observador estenda o designsegundo sua imaginação.

    Como o estilo de ornamento de Samarra, o ara-besco provavelmente se disseminou a partir doIraque, a província principal do mundo islâmicono século X, e rapidamente se difundiu a todo omundo islâmico. Um dos primeiros estágios dessedesenvolvimento distintivo e original pode ser en-contrado nos painéis esculpidos em mármore aoredor do mihrab da grande Mesquita de Córdoba,completada em 965. Um caule central, ele própriocomposto de padrões,tem gavinhas crescendo arti-ficialmente da base à ponta; o caule dá a armadurapara um entrelaçamento simétrico das gavinhas,folhas e flores que parecem pressionar para fora,contra o limite de outro quadro com padrão se-melhante. Na arte islâmica a popularidade do ara-besco durou até o século XIV, quando foi paulati-namente substituída por designs usando motivosinspirados na China, como o crisântemo, a peôniae o lótus, que se tornaram populares no Irã, e a fo-lhagem fantástica do estilo saz que se tornou popu-lar entre os otomanos. No entanto, mesmo essesdesigns retêm algo do embasamento geométricodo arabesco.

    Figura 15: Arabesco na Mesquita de Córdoba.

    A popularidade do arabesco se deveu sem dú-vida à sua adaptabilidade, porque era apropriadoa praticamente todas as situações, indo da arqui-tetura às páginas iluminadas que eram acrescen-tadas para decorar o começo e o fim dos manus-critos. Um pequeno manuscrito do Alcorão, poe

    exemplo, tem cinco conjuntos de páginas duplas,três no começo e dois no fim. Alguns manuscritoscontêm tabelas com escritas adicionadas sobre oornamento geométrico e floral; outras são pura-mente geométricas e vegetais. Os designs são de-senhados elaboradamente em tinta marrom e me-lhorados com ouro, azul, branco, verde e verme-lho. Os círculos no eixo vertical são autocontidos,mas os no eixo horizontal podem se estender in-definidamente; o design, assim, alcança um equi-líbrio entre o estático e o dinâmico.

    Essas páginas são obra de um mestre e, se-gundo o colofão, esse manuscrito foi completadopelo escriba Ali ibn Hilal em Bagdá em 1000-1001.Ele pode ser identificado como o famoso calígrafomais conhecido como Bin al-Bawwab, que refinoua “escrita proporcional” — desenvolvida um séculoantes pelo calígrafo árabe Ibn Muqla — em que asletras eram medidas em termos de pontos, círcu-los e semicírculos. A escrita usada neste manus-crito confirma os talentos de Ibn al-Bawwab; os280 fólios são transcritos numa letra arredondadachamada naskh. A escrita é notável por sua cla-reza e regularidade, o que é ainda mais impressi-onante porque não há traços das linhas-guia uti-lizadas por calígrafos posteriores para guiar suasmãos. O manuscrito também representa uma ino-vação técnica porque é uma das primeiras cópiasdo Alcorão transcritas em papel a sobreviver até osdias de hoje.

    As páginas duplas de iluminuras com designsgeométricos, frequentemente conhecidas como“páginas-tapete”, tornaram-se cada vez mais es-plêndidas no decorrer do tempo. Algumas dasmais finas foram produzidas sob os mamelucos,uma sequência de sultões que controlaram o Egitoe a Síria entre 1249 e 1517. Esses governantes e seuspróximos encomendaram cópias do Alcorão comomobílias para grandes fundações de caridade queconstruíram no Cairo e alhures para preservar seusnomes e suas fortunas depois da morte. De acordocom a lei islâmica, a propriedade doada a insti-tuições de caridade é livre de confiscação pelo Es-tado. Esse tipo de instituição é conhecido comowaqf (pl. Awqaf) ou, na África do Norte, habus. Emtempos turbulentos, em que os governantes caíamcomo dominós, essas fundações permitiam às fa-mílias transmitir suas fortunas com segurança, jáque o documento de doação podia especificar que ofundador ou seus descendentes fossem apontadoscomo guardiões.

    Para mobiliar essas fundações de caridade, osmamelucos frequentemente encomendavam gran-des manuscritos do Alcorão, tipicamente embe-lezados com elaborados frontispícios decoradoscom designs de estrelas poligonais. O mais fa-moso é um manuscrito encomendado pelo emirde Sultan Shaban, Arghun Shah al-Ashrafi, con-denado à morte em 1376. Seu frontispício retan-

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  • Figura 16: Frontispício do Alcorão de Ibn Bawwab, 1000-1001. Chester Beatty Library.

    gular é dividido num campo quadrado central li-mitado por painéis retangulares com uma escritakufi estilizada. O quadrado central contém uma es-trela de dezesseis pontas dentro de uma treliça ge-ométrica. Essa composição, frequentemente com-parada a um sol, parece explodir do centro mas naverdade é fechada e não pode se estender para alémdo quadro. Os vários quadros são decorados comarabescos e arranjos florais, incluindo muitos ele-mentos de inspiração chinesa, como peônias e flo-res de lótus.

    Efeitos geométricos complexos também podemser conseguidos em outros materiais, incluindomadeira. A madeira era frequentemente utilizadapara a mobília fina das mesquitas, como suportespara o Alcorão, atris4 e caixas para livros mas amaior peça era o minbar (púlpito). O minbar erao local na mesquita aljama5 das quais o sermão se-manal era proferido durante a oração comunal desexta-feira, tornando-se, então, um forte símbolode autoridade política. Patronos que encomenda-vam novos minbars desejavam fazê-los tão esplên-didos quanto fosse possível, mas devido ao des-florestamento das terras do Mediterrâneo devido

    4 Atril: “Móvel ou suporte disposto em plano inclinado ondese coloca um livro aberto, para se poder ler de pé ou sem o se-gurar com as mãos.”

    5 Aljama: mesquita congregacional ou de sexta-feira. Foi uti-lizado esse termo porque “aljama” era o nome das comunidadesjudias ou muçulmanas na Península Ibérica, sendo utilizado emespanhol também como sinônimo de “mesquita”, mais especi-ficamente as “grandes mesquitas” usadas por toda a comuni-dade de uma localidade para a oração e o sermão da sexta-feira,dia de descanso semanal para os muçulmanos. A utilização dotermo também é mais apropriada e paralela ao uso árabe, mas-jid jami’a (nota do tradutor).

    Figura 17: Painel de pinho, produzido em Alepo, Síria,provavelmente séc. IX ou X.

    à colheita excessiva na época medieval, a madeiraera cada vez mais escassa. Para aproveitar ao má-ximo esse material caro, foram exploradas novastécnicas artísticasl Uma técnica comum do séculoXI era a marchetaria, na qual grandes painéis eramformados de faixas entrelaçadas radiando de estre-

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  • las centrais. Para fazer essas peças grandes e im-ponentes ainda mais refinadas, os artesãos utili-zavam cores diferentes de madeiras exóticas, queeram às vezes embutidas com materiais preciosos,como marfim e madrepérola.

    Alepo, na Síria dos dias de hoje, se tornou umcentro de marchetaria, e a mais refinada e famosapeça produzida lá foi o requintado minbar enco-mendado pelo soberano zânguida Nur al-Din em1168-1169 para a Mesquita al-Aqsa em Jerusalém.A cidade estava, na época, nas mãos dos cruzados,e Nur al-Din encomendou o minbar em antecipa-ção à tomada da cidade. Ele foi instalado em seulugar pretendido duas décadas depois por seu so-brinho, o sultão aiúbida Salah al-Din (Saladino),que conquistou a cidade em 1187. Esse minbar, queera o mais famoso exemplo dessa prolífica escolade artesanato em madeira e assinada por não me-nos que quatro artesãos, foi destruído por um in-cêndio criminoso em 1969.

    O minbar de Nur al-Din seguia a forma triangu-lar típica. Ao longo da hipotenusa, havia degrausestreiros levando a uma plataforma no topo; tantoos degraus quando a plataforma eram fechadospor grades, e a plataforma, como fica claro em mui-tos outros exemplos, era coberta por uma cúpula.Os principais campos de decoração eram os gran-des lados triangulares. No minbar de Nur al-Din,eles eram decorados com estrelas de oito pontos,e as extensões de seus lados eram traçadas numarede de ensambladura (técnica de encaixe em ma-deira). Os interstícios poligonais eram preenchi-dos com arabescos com detalhes minuciosos. O de-sign intricado era proporcional ao custo do mate-rial, pois o minbar exibia uso extenso de marfimembutido, tanto para o contorno das figuras poli-gonais quanto para algumas das estrelas interstici-ais menores. A marchetaria fazia o melhor uso dosmateriais mais caros, mas o design geométrico, emque os arabescos variavam de polígono a polígono,contribuíam ao efeito estético ao convidar à con-templação do design de perto e de longe.

    Padrões geométricos também eram métodos po-pulares para a decoração de edifícios. No Irã e namaior parte do oriente islâmico, não havia pedraapropriada à construção, então o material típicopara construção era o tijolo. Os tijolos de lama ti-nham a vantagem de serem baratos e notavelmenteúteis em áreas com pouca chuva, e sua superfí-cie frágil poderia ser protegida por revestimentosde gesso ou estuque, que poderiam ser esculpidosou pintados para dar mais vida à monotonia ine-rente ao material. No século IX, quando os abássi-das precisavam de decorar enormes palácios e ou-tras estruturas em tijolo de lama na sua nova capi-tal em expansão, Samarra, eles utilizaram painéismoldados com designs geométricos que poderiamser rapidamente executados em estuque (fig. 12).

    Tijolo cozido era mais caro, porque exigia supri-

    mentos de madeira para o fogo, que era escassa.Mas tinha a vantagem de ser muito mais durável, e,onde havia os meios financeiros, era preferido porsua durabilidade, especialmente em regiões commaior precipitação e clima mais extremo, como noplatô iraniano. Embora o tijolo cozido também pu-desse ser coberto de gesso, particularmente em in-teriores, era geralmente deixado exposto no exte-rior. Com a adoção de tijolo cozido de alta quali-dade, os construtores no Irã e nas áreas adjacentesrapidamente tornaram o material para construçãoem material para decoração. Ao arranjar os tijolosem padrões, eles podiam dar mais vida à superfí-cie da parede. Esses padrões eram particularmenteefetivos num clima em que o sol brilhante frequen-temente se inclina sobre as paredes de tijolo, e asprotuberâncias dos tijolos criam padrões de luz esombra.

    Um dos primeiros exemplos desse uso deco-rativo dos tijolos é o túmulo dos samânidas emBukhara. Construído e decorado com tijolo cozido,trata-se de um pequeno cubo com paredes incli-nadas sustentando uma cúpula central e pequenascúpulas nos cantos. A despeito das formas simples,o interior e o exterior são elaboradamente deco-rados com padrões trabalhados no tijolo cor decreme. A qualidade e a harmonia da construção eda decoração mostram que, embora seja a primeiraconstrução desse tipo a chegar até nós, não podeter sido a primeira a ser construída. No começodo século X, teve ter havido uma longa tradição deconstrução de estruturas decoradas com tijolos nomundo iraniano.

    O chamado “estilo nu” de trabalho com tijo-los se tornou um marco da arquitetura medievalna região. Os construtores exploraram as possi-bilidades decorativas de padrões de tijolos, parti-cularmente para minaretes. […] Embora uma ca-racterística comum da arquitetura religiosa islâ-mica, o minarete não é nem necessário nem oni-presente. Aparentemente não eram usados na di-nastia omíada, e somente sob os abássidas é quea ideia de uma torre maciça, localizada dentro oualém do meio da parede oposta ao mihrab, se disse-minou pelo mundo islâmico, talvez como símbolode autoridade califal.

    No final do século XII o minarete já se havia tor-nado símbolo universal do islã do Oceano Atlân-tico ao Índico. Era comum acrescentar minaretesa mesquitas anteriores. Eles eram menos caros doque construir uma mesquita nova e eram gratifi-cantemente visíveis de longe, onde indicavam apresença de uma cidade, ou de perto, onde indica-vam a localização da mesquita. Eles serviam paramostrar a presença do islã e ao mesmo tempo de-monstravam a piedade do patrono.

    Mais de 60 minaretes datando do período medi-eval ainda sobrevivem no Irã, na Ásia Central e noAfeganistão, seja ligadas a uma mesquita ou iso-

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  • (a) Fotografia: Dave Proffer http://www.flickr.com/photos/23442653@N00/2887520891

    (b) Fotografia: Arthur Chapman http://www.flickr.com/photos/arthur_chapman/4582887453/sizes/z/in/photostream/

    (c) Fotografia: Loïc Brohard http://www.flickr.com/photos/loic_brohard/5026275639/

    Figura 18: Minarete Kalyan em Bukhara, Uzbequistão,1127.

    ladas e livres. Esse grande número é sinal da ex-plosão da popularidade dessa forma, e a firmezade sua decoração é testemunho da habilidade deseus construtores e da alta estima que essas altastorres tinham. Os minaretes eram tipicamente de-corados com faixas largas de decoração geométricade tijolos, frequentemente separadas por faixas einscrições. Os construtores exploravam as possibi-lidades decorativas dos padrões geométricos, alar-gando deliberadamente as faixas ou organizandoos tijolos em relevo.[…]

    Outra forma de decoração arquitetônica quese desenvolveu nessa época é conhecida comomuqarnas. Às vezes comparados a estalactites, osmuqarnas consistem em fileiras de elementos se-melhantes a nichos que se projetam da fileiraabaixo. Aparentemente desenvolvidos no final doséculo X, foram primeiramente aplicados a ele-mentos de apoio dentro de cúpulas, como trompasde ângulo (abóbadas cônicas) ou arcos nos can-tos, e dividindo elementos entre diferentes partesdas construções, como cornijas em túmulos ou mi-naretes. No século XI elementos de muqarnas fo-ram usados para cobrir toda a superfície interiorde abóbadas. Embora os primeiros muqarnas ops-sam ter tido um papel estrutural, eles se torna-ram cada vez mais um elemento puramente deco-rativo. No Irã e no oiente islâmico, abóbadas demuqarnas decorativos foram feitos de gesso e sus-pensos por vigas de madeira da abóbada de tijo-los acima. Na região mediterrânica, onde prevale-cia a pedra era como meio de construção, abóbadascom muqarnas sobre portais de prédios importan-tes foram trabalhosamente esculpidas em pedra.Como a escrita, o muqarnas foi adotado por cons-trutores desde a Espanha até a Ásia Central e além,tornando-se,assim, a mais distintiva característicadecorativa da arquitetura islâmica. Ao contrário deoutros motivos decorativos, nunca foi aplicado aoutro meio além da arquitetura, ou elementos ar-quitetônicos como o minbar.

    Figura 19: Muqarnas na Mesquita Jom’e, Isfahan, Irã.

    O módulo repetido típico da construção em ti-jolos fez o ornamento geométrico uma decoraçãoapropriada; tal ornamento era igualmente apro-priado a têxteis, em que o cruzamento dos fios da

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    http://www.flickr.com/photos/23442653@N00/2887520891 http://www.flickr.com/photos/23442653@N00/2887520891 http://www.flickr.com/photos/arthur_chapman/4582887453/sizes/z/in/photostream/http://www.flickr.com/photos/arthur_chapman/4582887453/sizes/z/in/photostream/http://www.flickr.com/photos/arthur_chapman/4582887453/sizes/z/in/photostream/http://www.flickr.com/photos/loic_brohard/5026275639/http://www.flickr.com/photos/loic_brohard/5026275639/

  • urdidura e da trama também gera uma grade geo-métrica. Em nenhum outro lugar isso é mais apa-rente do que em tapetes de nós, em que um tece-lão podia facilmente criar designs geométricos aoamarrar nós de cores diferentes aos fios de urdi-dura. No decorrer da história, os tecelões trabalha-ram para combinar motivos florais e animais maisou menos estilizados com quadros geométricos.Tapetes de nós foram produzidos por milênios noOriente Médio e na Ásia Central. O mais antigoexemplar a sobreviver, talvez datando do século Va.C., é o tapete descoberto num túmulo Pazyryk naSibéria. Outros fragmentos talvez datando do sé-culo IX ou X foram descobertos no Egito. Os ta-petes mais antigos ainda existentes em quantida-des significativas, entretanto, foram feitos na Ana-tólia no começo do século XIV, usando uma gamabem limitada de cores fortes, como vermelho, ama-relo, azul, marrom e branco. Alguns dos tapetestêm designs de motivos geométricos repetidos, ou-tros têm representações extremamente estilizadasde animais, mas todos têm bordas de motivos geo-métricos ou formas de letras estilizadas.

    5. O uso exuberante da cor

    Os designs epigráficos e geométricos geral-mente usados na arte islâmica era frequentementerealçados pela cor, e o uso exuberante da cor éoutro marco da arte islâmica. A própria línguaárabe tem um vocabulário cromático particular-mente rico, e nela conceitos podem ser facilmenteassociados através de similaridades morfológicas.A raiz árabe kh-d-r, por exemplo, dá origem akhudra (verdura), akhdar (verde), khudara (verdu-ras, ervas) e al-khadra (“verdejante” ou “paraíso”).Azul, a cor do céu na tradição ocidental, é frequen-temente assimilada ao verde nas terras islâmicas,onde o espectro é tradicionalmente dividido emamarelo, vermelho e verde. A tonalidade é menosimportante que a luminosidade e a saturação, pro-vavelmente por causa do ambiente ensolarado damaioria da região.

    No começo da era islâmica várias escolas filo-sóficas elaboraram uma teoria aristotélica da cor,e esse interesse na cor foi tomado pelos místi-cos, que viam paralelos entre os fenômenos dacor e a visão interior do divino. O uso simbó-lico da cor perpassa muito da literatura islâmica.O grande poeta persa Nizami (ca. 1141-1203 ou1217), por exemplo, estruturou seu clássico poemaHaft Paykar (Sete Retratos) em volta de sete co-res (haft rang) tradicionais na cultura persa (ver-melho, amarelo, verde e azul complementados porpreto, branco e cor de sândalo). Nesse poema osoberano ideal, exemplificado pelo rei sassânidaBahram Gur, visita sete princesas, cada uma mo-rando num pavilhão de uma cor; as princesas con-

    tam sete histórias, que podem ser interpretadascomo os sete estágios da vida humana, e sete aspec-tos do destino humano, ou sete estágios ao longodo caminho místico. Os sete pavilhões coloridosdo Haft Paykar se tornaram temas favoritos parailustrações de livros no século XV e XVI no Irã.

    Um dos mais famosos manuscritos do poemade Nizami tem um longo e criativo colofão queconta as peregrinações do manuscrito e mostracomo eram importantes esses manuscritos ilustra-dos para os governantes da época. […]

    Figura 20: Bahram Gur no pavilhão verde. Tabriz, 1481.Topkapi Sarai, Hazine 762, folio 180b.http://www.ee.bilkent.edu.tr/~history/Pictures1/im28.jpg

    A pintura Bahram Gur no Pavilhão Verde exem-plifica o estilo exuberante de ilustração de manus-critos praticadao na corte Aqqoyunlu. Foi prova-velmente acrescentada pelo artista Shakhi quandoo manuscrito estava na posse do sultão Yaqub. Elamostra o monarca sassânida reclinando com suatábua de escrever e livros ao lado dele, escutandoa uma das senhras ler um poema enquanto outramassageia seus pés. A figura reclinante pode naverdade representar o jovem príncipe aqqoyunlu,que estaria com menos de vinte anos na época.O sujeito nominal, o príncipe no pavilhão, entre-

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    http://www.ee.bilkent.edu.tr/~history/Pictures1/im28.jpghttp://www.ee.bilkent.edu.tr/~history/Pictures1/im28.jpg

  • tanto, é mergulhado numa confusão de vegetaçãofantástica. A natureza explode dos limites do qua-tro, e árvores em forma de pirulito com folhas im-bricadas brotam entre as rochas escondendo faceshumanas e animais. As cores são particularmentevívidas, com verdes ácidos contra vermelhos rosa-dos e azuis brilhantes.

    Essas cores vistosas, típicas do estilo da corteturcomena, pode ser contrastada com o estilo cui-dadosamente modulado que é associado com a ci-dade de Herat (atual Afeganistão) entre os sécu-los XV e XVI e exemplificado na obra de Behzad(ca. 1450-1535), o mais famoso pintor persa, eaquele cujo nome é associado (correta ou erronea-mente) a mais pinturas do que qualquer outro ar-tista. Geralmente se considera que obra-prima deBehzad é A Sedução de Yusuf. A pintura ilustraum manuscrito do poeta persa Saadi (ca. 1213-92)intitulada Bustan (Jardim), transcrita em 1488para a biblioteca do sultão timúrida Husayn Mirzapelo calígrafo mais famoso da época, Sultan AliMashhhadi. O texto de Saadi, escrito em papelsem cor em faixas de nuvens no topo, meio e em-baixo da ilustração, menciona a sedução de Yusuf,o José da Bíblia, pela esposa de Potifar, conhecidana tradição islâmica como Zukaykha, mas nadano texto exige a composição arquitetônica elabo-rada de Behzad. Pelo contrário, essa estrutura édescrita no poema místico Yusuf e Zulaykha, es-crito pelo poeta timúrida Jami (1414-1492) cincoanos antes de o manuscrito de Saadi ser transcrito.Quatro linhas do poema de Jami são inscritas embranco sobre azul em volta do arco no centro dapintura. De acordo com Jami, Zukaykha contruiuum palácio com sete esplêndidos quartos que fo-ram decorados com pinturas eróticas dela com Yu-suf. Ela guiou Yusuf, que estava despreparado, deum quarto a outro, trancando as sete portas, quemiraculosamente se abriam diante dele.

    Da mesma forma como o texto de Jami é umaalegoria da alma em busca do amor divino e da bge-leza, a imagem de Behzad convida à contemplaçãomística. O esplêndido palácio significa o mundomaterial, os sete aposentos representam os seteclimas, e a beleza de Yusuf é uma metáfora paraa beleza de Deus. Como não há testemunhas, Yu-suf poderia ter cedido à paixão de Zulaykha, masele percebeu que Deus é onividente e onipotente.As sete portas trancadas, que forma a matriz dacomposição, pode ser aberta somente por Deus.Essa imagem brilhante transcende os requerimen-tos literais do texto e evoca os temas místicos quesão proeminentes na literatura e na sociedade daépoca. Behzad obviamente tinha orguho de sua cri-ação, porque ele assinou sobre o painel arquitetô-nico sobre a janela no quarto do lado superior es-querdo e datado 893 (correspondendo a 1488) nocartucho azul e branco final no arco seguindo osversos do poema de Jami.

    Figura 21: Yusuf e Zuleykha, de Kamal al-Din Behzad,1488. Biblioteca Nacional do Cairo. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Yusef_Zuleykha.jpg

    A obra-prima de Behzad mostra um uso sofisti-cado, porém restrito, da cor, em que azuis e ver-des predominam, mas são temperados por coresquentes complementares, especialmente o laranjavivo. O uso cuidadosamente modulado da cor leveo olho através do complexo arquitetônico para fo-car em Zulaykha, marcante em seu vistoso ves-tido laranja, um forte contraste com Yusuf, quese veste de verde frio. As cores são como joias; afina qualidade dos pigmentos, feitos de materiaiscaros como lapis lazuli e ouro, que foram cuida-dosamente moídos, misturados com cola e aplica-dos com pinceladas finas. As cores parecem tantomais brilhantes no mundo de sonho da pintura emlivros persa, uma vez que elas não eram modula-das por sombras ou perspectiva atmosférica, duastécnicas pictóricas que só foram introduzidas napintura persa sob influência da arte europeia noséculo XVII.

    O uso brilhante da cor não se limitou a livros so-fisticados feitos no mundo persa em séculos pos-teriores. O uso vivo da cor é encontrado na mai-oria da arte islâmica, desde os primeiros tempos.Oleiros escondiam cerâmicas pouco atraentes sobcoberturas e vidrados de cores brilhantes. A inven-

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  • ção mais significativa para a história futura da ce-râmica no mundo islâmico, bem como na China ena Europa, foi a decoração em baixo vidrado, emque um corpo de cerâmica fino e branco forneciaa superfície ideal para pintura em óxidos de me-tal coloridos. A superfície pintada era, então, co-berta com um vidrado transparente alcalino, queprotegia a superfície pintada mas, ao contrário deoutros vidrados de cobre, não faziam dom que ospigmentos escorressem durante o cozimento.

    De forma semelhante, uma das mais importan-tes contribuições dos artesãos em metal do mundoislâmico foi o desenvolvimento da técnica de tau-xia (embutimento), em que se dava vida ao objetomonocromo, geralmente feito de latão ou bronze,através da inserção de ouro, prata ou cobre, comono Balde Bobrinski (fig. 3). Outros objetos, comomagníficas bacias usadas para lavar as mãos an-tes e depois de comer, eram embitidas com ins-crições e cenas figurativas trabalhadas em prata euma substância negra betuminosa.

    A cor também é uma das características maisdistintivas da arquitetura islâmica, pois cúpulasazul-celeste resplandescentes e deslumbrantes su-perfícies de azulejos multicoloridos decoram mui-tas das construções mais conhecidas. O primeirogrande monumento da arquitetura islâmica, oDomo da Rocha, tinha originalmente um mosaicopolicromo e de ouro cobrindo tanto o exteriorquanto o interior. Os efeitos cromáticos dos mo-saicos do interior eram aumentados pelo teto pin-tado e dourado com brilhantismo e com o usogeneroso de mármore. Os dados6 eram decora-dos com painéis de mármore repartidos em qua-tro partes, cortados e arranjados de forma que osgrãos naturais formassem padrões simétricos. Emalguns casos, motivos vegetais eram embutidos emmástique negro para contrastar com o mármorebranco. A mesma combinação de cores foi esten-dida aos arcos, que foram construídos com adue-las7 alternando preto e branco.

    O estilo de cores vivas típico da arquiteturaomíada deixou um precedente que foi muitas vezesrepetido por patronos em épocas seguintes. Mas,da mesma forma como frágeis mosaicos no exte-rior do Domo da Rocha sofreram as intempéries,os efeitos cromáticos em muitas outras constru-ções, como os dos templos gregos ou igrejas ro-manescas, frequentemente perderam a cor sob apoeira e fumaça, ficando com tons de terra unifor-mes, dando a impressão errada de que só constru-ções posteriores tinham cores brilhantes. Em ou-tros casos, como na dinastia puritânica almôada,que governou a Espanha e o Marrocos nos séculosXII e XIII, exteriores mais sóbrios e interiores cai-ados eram preferidos para mesquitas.

    6 Dado: tronco ou corpo do pedestal que sustenta uma figuraou coluna (NT).

    7 Aduela: série de pedras que formam o arco (NT).

    Mas muitas construções tinham cores brilhan-tes. No século X, por exemplo, quando um dos ca-lifas omíadas da Espanha decidiu aumentar a mes-quita congregacional em sua capital de Córdoba,seus construtores tentaram imitar muitos dos efei-tos cromáticos da arquitetura omíada na Síria, em-bora eles os conhecessem somente de uma dis-tância muito grande. A mesquita original de Cór-doba, completada em 786-87, tinha usado um sis-tema criativo de colunas e arcos em duas filei-ras para sustentar o telhado de madeira, prova-velmente porque somente colunas curtas e gros-sas estavam disponíveis em construções visigóti-cas abandonadas na região.Ao empilhar duas co-lunas curtas uma sobre a outra, os construtores damesquita podiam atingir a altura necessária, em-bora precisassem adicionar arcos intermediáriospara reforçar a construção inerentemente instável.Eles unificaram essa coleção díspar de colunas ecapitéis com um impressionante desenho para asaduelas, alternando pedra branca e tijolo verme-lho.

    Figura 22: Mesquita de Córdoba, salão de orações.Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Cordoba_Mosque_1.jpg

    O efeito de faixa de arcos de duas fileiras foimantido por construtores posteriores, que au-mentaram a mesquita nos séculos IX e X. Essas

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  • renovações culminaram quando o califa omíadaal-Hakam II (r. 961-976) expandiu o salão de ora-ções e acrescentou uma cúpula sobre a entrada docentro da nova parte, e cúpulas na frente e em am-bos os lados do novo mihrab. A área com tela, queera ligada ao palácio por uma passagem na parededa mesquita na direção de Meca, era uma maqsura,um espaço fechado para o soberano, cujo propó-sito não era proteger c califa (como se pensa queera a função nas primeiras maqsuras), mas enfa-tizar a grande pompa e cerimônia de que o califaomíada se cercava. Essas áreas eram distinguidaspelas telas elaboradas de arcos entrecortados, e re-vestimentos em mosaico de vidro ricamente colo-ridos; os mosaicos de vidro tinham a clara inten-ção de evocar os grandes mosaicos que decoravamconstruções omíadas na Síria. De acordo com his-tórias árabes locais, não havia trabalhadores na Es-panha capazes executar esses mosaicos, então ocalifa enviou um embaixador até o imperador bi-zantino em Constantinopla, pedindo que enviassetrabalhadores para decorar a mesquita. O impera-dor aceitou o pedido, e o embaixador voltou commestres artesãos e cubos de mosaicos suficientespara completar a obra.

    Embora a técnica difícil de mosaico de vidro te-nha sido repetida com pouca frequência em sé-culos posteriores e geralmente com alguma refe-rência aos omíadas da Síria, revestimento multi-colorido em azulejos de cerâmica vidrada se tor-nou um marco da arquitetura islâmica posterior daEspanha e do Norte da África até as fronteiras daÍndia. No fim do século XI, construtores no lestedo mundo islâmico haviam alcançado o mais altonível da exploração da decoração com entalhes epadrões de tijolos, e estavam prontos para expe-rimentar com revestimento vidrado. Eles começa-ram incorporando pequenas pelas de azulejo cor-tado, principalmente de azul turquesa, que era fá-cil de fazer a partir dos depósitos de cobre pron-tamente disponíveis no Irã. Logo expandiram assuperfícies cobertas, e no século XIV a paleta seestendeu para incluir o azul escuro (colorido comcobalto), preto (manganês) e branco, bem comoverde e ocre. Incluindo a cor natural do tijolo, onúmero de cores totalizava sete, o número de coresna paleta tradicional persa. Com uma maior gamade cores veio a elaboração do design, e padrões ge-ométricos abriram caminho para designs natura-lísticos e florais, feitos cortando pequenos pedaçosde azulejos monocromos e encaixando as peças.

    A técnica atingiu o apogeu no final do século XIVe no século XV, paralelo ao desenvolvimento dapintura persa em livros. Alguns dos mais finos pai-néis de azulejos foram preparados para o enormepalácio que o conquistador turco Timur (Tamer-lão) construiu em sua cidade natal de Shahr-eSabz, mas só restam fragmentos para testemunharseu esplendor original. Podemos ver mais na Mes-

    quita Azul, construída pelos Qaraqoyunlu em suacapital de Tabriz, no noroeste do Irã, por volta de1465. A mesquita toma seu nome do soberbo reves-timento em azulejos, que nunca foi superado emmonumentos posteriores.

    Embora em ruínas, a Mesquita Azul exibe umavariedade incomum de decoração com azulejos dequalidade magnífica. Mosaicos de sete cores co-brem o exterior e muito das paredes interiores so-bre um dado de mármore. São particularmente im-pressionantes os motivos em arabesco e as ins-crições, frequentemente destacadas em branco ououro sobre um fundo de azul profundo ou verde.A construção é praticamente um catálogo de técni-cas de azulejo. Azulejos vidrados hexagonais azulescuros cobriam as superfícies mais altas e as abó-badas da câmara principal, e azulejos púrpura pin-tados de dourado foram colocados no santuário.Azulejos de esmalte com lustre metálico eram co-locados na base do molde no portal de entrada,um dos raros exemplos dessa técnica no séculoXV. Fragmentos moldados de azulejos em baixo vi-drado com muitas gravações em relevo ainda exis-tem nos contrafortes dos cantos.

    O mosaico de azulejos é uma tarefa trabalhosa ecara porque cortar e encaixar as peças toma muitotempo. No século XV, essa técnica foi gradual-mente substituída por uma técnica mais barata emque grandes azulejos com a mesma forma erampintados com padrões trabalhados em diferentescores de vidrado. Para prevenir os vidrados de es-correr durante a queima, eles eram separados poruma substância gordurosa misturada com manga-nês, que deixava uma linha fosca entre as coresdepois da queima. Essa técnica, conhecida em es-panhol como “cuerda seca”, é muito mais rápidado que o mosaico de azulejos, mas as cores nãosão tão brilhantes porque são todas queimadas àmesma temperatura.

    O mosaico de azulejos também era popular naoutra extremidade do mundo muçulmano, no Ma-grebe (Ocidente), onde era conhecido localmentecomo “zallij” (de onde vem a palavra “azulejo”em português). A técnica pode ter-se desenvolvidonessa região ainda antes, mas floresceu duranteo século XIV sob os marínidas no Marrocos (fig.23,24 e 25). No oriente do mundo muçulmano, acor predominante era o azul, enquanto que no oci-dente as cores principais eram o verde e a “corde bronzeado” (marrom claro), geralmente sobfundo branco. As paredes inferiores eram cober-tas de dados com azulejos, geralmente termina-das com frisos epigráficos com as letras negras for-madas raspando o vidrado até atingir o corpo daargila. As paredes superiores eram cobertas comdecoração em estuque elaboradamente esculpido,encimada por frisos de madeira, consolas [peça sa-liente que sustenta uma estátua, cornija, sacada,etc.] e cornijas. O piso, ao contrário dos pisos ori-

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  • entais, tinha frequentemente destaques vidradosou eram completamente cobertos de azulejo. Oefeito geral desses interiores é de cintilação, e acombinação tripartite – dado com azulejos, paredeem estuque e estrutura superior em madeira – con-tinuou sendo padrão na região por séculos.

    Figura 23: Madrasa al-Attarin, Fez, Marrocos,1325. Azulejos, gesso esculpido e madeira fo-ram usados para a decoração do interior. Fonte:http://www.morocco-holidays-guide.co.uk/fes/img/medersa-el-attarin-fes.jpg

    Figura 24: Madrasa Attarin em Fez, detalhe do mosaico.

    Talvez os efeitos cromáticos mais refinados fo-ram conseguidos nas construções dos mogóis nosubcontinente indiano. Mármore branco polidoque refletia luz foi contrastado com o arenito ver-melho fosco que o absorvia (fig. 26). O efeito eradestacado pelo uso de pietra dura, um embuti-mento multicolorido em pedras raras e duras comolapis lazuli, ônix, jaspe, topázio, cornalina e ágata,que enfatizavam as qualidades de “joia” da edifica-ção. O pequeno túmulo de Itimad al-Dawla, minis-tro das finanças do imperador da Índia Jahangir(r. 1605-27) é como uma caixa de joias. Construídapor Nur Jahan, que foi filha de Itimad al-Dawla (e

    Figura 25: Madrasa Attarin em Fez, detalhe do mo-saico com inscrições. Fonte: http://travel-image.org/wp-content/uploads/2011/04/1-1017.jpg

    esposa de Jahangir) depois da morte de seu pai em1622, o pequeno túmulo é decorado com os tradici-onais designs geométricos e arabescos, combina-dos com temas de taças de vinho, vasos com flo-res e ciprestes, alusões visuais às descrições alco-rânicas do paraíso. O embutimento intricado emamarelo, marrom, cinza