Ariosto OrlandoFurioso

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Ludovico Ariosto ORLANDO FURIOSO CANTOS E EPISÓDIOS PEDRO GARCEZ GHIRARDI Introdução, Tradução e Notas Edição Bilingüe ILUSTRAÇÕES GUSTAVE DORE Ateliê Editorial

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Ludovico Ariosto

ORLANDO FURIOSO

CANTOS E EPISÓDIOS

PEDRO GARCEZ GHIRARDIIntrodução, Tradução e Notas

Edição Bilingüe

ILUSTRAÇÕES GUSTAVE DORE

Ateliê Editorial

Copyright © 2002 (Tradução, Introdução e Notas) Pedro Garcez Ghirardi

Título do original italianoOrlando Furioso

ISBN — 85-7480-075-9

As ilustrações de Gustave Doré foram retiradas da edição de 1894 editada em Milãopela Fratelli Treves, Editori, exemplar do acervo da Oficina do Livro Rubens Borbade Moraes, a quem agradecemos aqui na pessoa de Claudio Giordano.

Editor

Plinio Martins Filho

Direitos em língua portuguesa reservados àATELIE EDITORIALRua Manuel Pereira Leite, 1506709-280 — Granja Viana — Cotia — SPTelefax (11) 4612-9666www.atelie.com.br / e-mail: [email protected]

2002Impresso no BrasilFoi feito depósito legal

SUMÁRIO

POESIA E LOUCURA NO ORLANDO FURIOSOPedro Garcez Ghirardi

O Paradoxo do Orlando Furioso................................................................... 9Ariosto, seus Tempos e a Criação do Orlando Furioso...................................... 10Centralidade da Loucura no Orlando Furioso................................................ 14Loucura e Arte no Orlando Furioso ..............................................................23Os Debates sobre o Orlando Furioso ............................................................ 27Ariosto entre os Leitores de Língua Portuguesa ......................................................... 33Ariosto em Português ................................................................................................41

ORLANDO FURIOSO

Canto I: Proposição – Batalha dos Pireneus – Fuga de Angélica – Combate en-tre Ferraú e Rinaldo – Queixas de Sacripante – Uma donzela o vence –As fontes do ódio e do Amor................................................................... 51

Canto II: Combate de Sacripante e Rinaldo – Aventuras de Angélica – Rinaldovai à Inglaterra – Tempestade no mar — Bradamante encontra o traidorPinabel, que a abandona em uma gruta ...................................................71

Canto III: Uma feiticeira profetiza a descendência de Bradamante e ensina-lhecomo libertar Rogério ...............................................................................91

Canto IV: Bradamante liberta Rogério e aprisiona o mago Atlante – Rogério mon-ta no hipogrifo e some pelos ares – Aflição de Bradamante – Rinaldo naEscócia – Começa a história da bela Genebra.........................................113

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Canto V: A dama resgatada conta a sua história – Calúnia de Polinesso contra a prin- 133cesa Genebra – A inocência da princesa submetida à prova das armas ..........

Canto VI: Conclusão da história de Genebra – Rogério viaja no hipogrifo e chega auma ilha misteriosa – O cavaleiro Astolfo, transformado em mirto, avisa-odas ciladas da maga Alcina – Rogério atacado pelos monstros .......................157

Canto VII: A sedução de Alcina – Bradamante procura Rogério – Com a ajuda deMelissa e do anel mágico, Rogério descobre a verdadeira aparênciade Alcina e foge ...............................................................................................177

Canto VIII: Fuga de Rogério e libertação dos prisioneiros de Alcina – Rinaldo vai daEscócia à Inglaterra – Desventuras deAngélica na ilha solitária –As vítimasda Orca – Orlando, inquieto, sonha e sai em busca de Angélica....................199

EPISÓDIOS

Canto IX: Orlando vence o rei da Frísia e destrói o arcabuz .........................................229

Canto X: Angélica e a Orca...............................................................................................235

Canto XI: Orlando vence a Orca......................................................................................237

Canto XII: Orlando no palácio encantado ...................................................................... 239

Canto XIV: A Fraude — Rodomonte................................................................................ 247

Canto XV: Os Novos Argonautas — O invulnerável Orrilo ...........................................249

Canto XVIII: Medoro procura o cadáver de seu rei .........................................................253

Canto XXIII: A loucura de Orlando ................................................................................ 255

Canto XXXIV: As harpias na Itália – Astolfo na lua .....................................................259

Canto XXXV: Quem roubou o juízo de Ariosto – O outro lado da História ..............265

Canto XLIII: A taça dos maridos traídos.........................................................................267

Canto XLVI: O navio de Ariosto ...................................................................................... 271

Notas aos Cantos e Episódios.............................................................................................273

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POESIA E LOUCURA NOORLANDO FURIOSO

Pedro Garcez. Ghirardi

Dire, d'Orlando in un medesmo trattoCosa non detta in prosa mai, né in rima:Che per amor venne in furore e matto,D'uom the sì saggio era stimato prima...

ARIOSTO, Orlando Furioso

O PARADOXO DO ORLANDO FURIOSO

Já nos primeiros versos de seu poema, Ariosto anuncia que cantará o que aindaninguém ouvira "in prosa mai, né in rima"; ou seja, que mostrará alguém que semprefoi tido por muito sensato ("si saggio"), o paladino Orlando, dominado agora pelaloucura furiosa ("in furore e matto"). Assim, a loucura está presente desde a propo-sição do poema, ou melhor, desde o título, cabendo-lhe o lugar central até mesmono conjunto dos quarenta e seis cantos do poema (ao enlouquecimento de Orlandose dedica o canto XXIII).

Pode parecer estranho o que se acaba de dizer, tratando-se de poema visto comoum dos pontos mais altos da cultura renascentista italiana, ou seja, de uma culturaconsiderada eminentemente racional e equilibrada. Uma cultura que talvez algunsdefinissem como normal, dando a este último termo o sentido pleno. De fato, apesardas recentes revisões e contestações, continua ainda difundida a visão que remontaa Burckhardt, ou seja, a visão do Renascimento como época em que a reflexão levaao rigoroso respeito de normas ou modelos esteticamente consagrados, época de

1. Canto I, oitava 2. A partir de agora, nas citações do Orlando Furioso, os algarismos romanos remeterão aocanto e os arábicos à oitava. A sigla OF, que indica o poema segundo a edição aqui seguida (Garzanti,Milão, 1974), só precederá tais indicações em alguns casos, para maior clareza.

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observância de padrões, enfim, época por excelência clássica. Na obra de Ariosto,contudo, a loucura ocupa lugar privilegiado, e a presença do modelo de Virgílio,embora freqüente, fica limitada a figuras ou episódios, cedendo, na estrutura geral,à retomada de temas e personagens dos cantares medievais. Estamos, portanto, dian-te de um grande poema renascentista que parece, pelo assunto, medieval, e, pela crí-tica da racionalidade, romântico. Não é de estranhar que semelhante poema tenha,desde o início, causado perplexidade.

De fato, desde já se pode observar que uma das primeiras reações ao OrlandoFurioso, atribuída ao cardeal d'Este, a quem Ariosto dedicara o poema, considerou-o, precisamente, obra de desvarios ou loucuras (corbellerie). Estas mesmas corbellerie,entretanto, encantaram leitores voltados para o conhecimento racional, como Ga-lileu, ou até racionalistas, como Voltaire. Assim, o poema de Ariosto cria um para-doxo que se impõe à atenção, principalmente hoje, quando, como se dizia, a próprianoção tradicional de Renascimento vem sendo repensada. Mas, antes de examinaresse paradoxo, convém dizer algo sobre o autor e a origem do Orlando Furioso.

ARIOSTO, SEUS TEMPOS E A CRIAÇÃO DO ORLANDO FURIOSO

O nome de Ludovico Ariosto está, ainda hoje, ligado ao da cidade de Ferrara,sua pátria adotiva. Mas o poeta nasceu em cidade vizinha, Reggio, em 1474. Muitocedo foi levado pelos pais para o centro político da região, então sede de esplêndidacorte renascentista. Governada por uma das mais ilustres dinastias italianas, a casad'Este, Ferrara se havia tornado grande centro de cultura, graças ao mecenatismode seus duques.

Preocupado com a subsistência do filho (depois do qual viriam mais nove), opai o levou a estudar Direito. Os interesses de Ludovico, porém, eram outros. Sen-tia-se atraído pelos espetáculos de teatro, patrocinados pela corte, onde se retoma-va a representação dos clássicos. Passou também a freqüentar os cursos de um hu-manista, o agostiniano Gregório de Espoleto. Foi esse mestre que o iniciou na culturaclássica, em particular na língua latina, em que Ariosto compôs poesias e da qualtraduziu comédias, cuja encenação dirigiu. Mas a morte do pai, em 1500, obrigou-o a interromper os estudos, por ter de assumir o sustento da mãe e dos irmãos, umdeles inválido. Iniciava-se para Ariosto um período de privações e incertezas, do qualo tiraria, em 1503, o emprego oferecido pelo cardeal d'Este, irmão do duque AfonsoI. O reconhecimento do poeta pelo emprego, conseguido nesse momento aflitivo,assegurou a lembrança do nome de alguém que não chegou a perceber o valor daobra que o livraria do esquecimento.

Ambicioso e mundano, o cardeal Hipólito d'Este, ao contrário de seus antepas-sados, era homem de escasso interesse pelas artes. Embora assumisse a seu serviço umpoeta e diretor de teatro já bem conhecido, era para outras funções que o havia cha-

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mado. Funções que iam desde os serviços de criado de quarto até a limpeza dasestrebarias da casa: "di poeta cavallar mi feo ", escreveu Ariosto em uma de suas Sáti-ras z , as mais brilhantes do Renascimento italiano. Além desses trabalhos havia ou-tros, como as missões de correio particular. Uma delas quase custou a vida a Ariosto.Foi quando viajou a Roma, a fim de entregar pedido de reconciliação a Júlio II, agas-tado com o jogo político do cardeal d'Este. Mas a irritação do papa era tamanha queo mensageiro teve de voltar às pressas, para que os guardas não o atirassem ao Tibre.Hipólito só saiu do ostracismo em 1513, com a eleição do novo papa, Leão X. Foientão que, mais uma vez, mandou a Roma o serviçal Ariosto, que também imortali-zou nas Sátiras o momento culminante desta missão.

Apesar da aridez do emprego, Ludovico não renunciava à poesia e continuavaentregue A. criação artística. São desse período duas comédias que o tornaram umdos maiores nomes do teatro renascentista italiano: Cassaria e I Suppositi. Outrasviriam depois, entre as quais Il Negromante. Foi ainda nesse período que o poeta criousua obra-prima, o Orlando Furioso, cuja primeira edição, com 40 cantos, é de 1516.

Foram modestas as origens da obra, anunciada como simples continuação(gionta) de um poema anterior. Tratava-se do Orlando Enamorado, escrito no séculoXV, também em Ferrara, por Matteo Maria Boiardo. Este, por sua vez, fora buscarinspiração nos cantares épicos da Idade Média italiana. Convém, pois, acrescentaralgumas palavras sobre os antecedentes de Ariosto, para que melhor se perceba oalcance da novidade do poema: o canto da loucura de Orlando.

Falou-se há pouco em cantares medievais italianos, porque na Itália, como naFrança e na Espanha, existiu uma tradição de poesia épica. Já os versos de Dante fa-zem ver que Francesca e Paolo gostavam de ler as histórias de Lancelote. Mas a épicamedieval italiana cultivou, em especial, as narrativas do ciclo carolíngio. A esta tra-dição pertencem poemas que remontam ao início do século XIV, ou mesmo ao fimdo século XIII, como o Orlando e a Spagna (este, como indica o nome, sobre as lutasdos cristãos contra os mouros que dominavam a Espanha). Se têm ficado em relati-vo esquecimento esses cantares, isto se deve A. persistência de um critério ainda ro-mântico, para o qual o valor da epopéia estaria em manifestar o germe da consciên-cia nacional. Assim, Orlando e Carlos Magno prenunciariam a nacionalidadefrancesa, o Cid, a espanhola, ao passo que na Itália, supõe-se, não haveria consciên-cia nacional nem teriam valor os cantares épicos.

Sem nos deter no caráter não literário de tal critério, o que não se pode esque-cer é que Carlos Magno e seu paladino Orlando eram, antes de mais nada, figurasrepresentativas da Cristandade em luta contra o Islã. Sim, pois o Santo ImpérioRomano teve origem justamente com Carlos Magno, a quem o papa coroou impe-rador em Roma, no Natal de 800. Não é de estranhar, portanto, que os protagonis-

2. " Satira VI '; verso 238. Cf. Ludovico Ariosto, Opere minori, org. por Cesare Segre, Milão e Nápoles, RiccardoRiccardi, 1954, p. 571.

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tas do ciclo carolíngio – o imperador, Orlando, Rinaldo e tantos outros – fossemmuito populares numa Itália onde continuava em pleno vigor a idéia da Cristanda-de. Se levarmos em conta, além disso, que Carlos era imperador romano e que seuspaladinos defendiam valores que tinham em Roma o centro de referência (a Igreja eo Império), perceberemos como são apressadas algumas afirmações correntes.

Carlos e Orlando continuavam, pois, populares na Itália. Tanto que já no fi-nal do século XV, na Florença humanista de Lourenço, o Magnífico, surgiu a idéiade os celebrar mais uma vez. Foi essa idéia o que levou a mãe de Lourenço, Lucré-cia, a procurar o poeta Luigi Pulci. Muito piedosa, além de apreciadora da poesiados cantares, Lucrécia esperava patrocinar uma epopéia cristã. Nisto, porém, se en-ganou. O poeta escolhido não conseguia exaltar ideais cristãos: era homem cépti-co, o que se tornou evidente com o poema. Publicada em 1478, a obra revelou "umdos mais geniais caricaturistas da poesia universal, Luigi Pulci, que, no Morgante,além de refazer gaiatamente as gestas de Carlos Magno, ajunta à velha galeria deheróis duas novas figuras bizarras, Margutte, o gigante pícaro, e Astarotte, o dia-bo-herege, cortês e sábio"'. Lembre-se também o gigantesco e ingênuo Morgante,que dá nome ao poema. O cepticismo de Pulci o levava a encarar de modo irreve-rente as instituições políticas e religiosas, e a carregar no cômico, nota, aliás, já pre-sente nos cantares medievais. Assim, foi de propósitos devotos que surgiu umpoema, onde o grande guerreiro cristão, Orlando, ficava à sombra de figurasirreverentes que, como tem visto a crítica, são precursoras de Rabelais.

Eclipsada no Morgante, a figura de Orlando voltou ao primeiro plano algunsanos mais tarde, em 1483, com o Orlando Enamorado, de Boiardo, publicado emFerrara. Este poema deu início à fama poética da cidade, onde surgiriam depois, comAriosto e Tasso, os "hinos de Ferrara", evocados por Castro Alves. Ao contrário dePulci, Boiardo queria criar obra séria, que reunisse aos temas guerreiros dos paladi-nos carolíngios, a temática arturiana de aventuras amorosas. Foi pela fusão das tra-dições, mais que pelos resultados artísticos, que o poema se tornou conhecido. Osversos de Boiardo eram muitas vezes duros, além de vazados em linguagem marcadade regionalismos. Tanto que seu poema só se difundiu na Itália já perto da metade doséculo XVI, reescrito pelo poeta Francesco Berni. Além disso, ao morrer, em 1494,Boiardo deixava a obra truncada no crucial episódio da derrota do exército cristão.

Cerca de dez anos depois da morte de Boiardo, foi a partir daquele ponto queAriosto resolveu dar continuidade ao Orlando Enamorado. Mas a seqüência veio demaneira imprevista. Orlando havia de enlouquecer e seus companheiros passariama viver aventuras também loucas, que os levariam até mesmo ao mundo da lua, embusca de juízo. Tudo isto dentro de um universo poético inteiramente novo. Nascianão só um poema autônomo, mas uma obra-prima.

3. Alfredo Bosi, O Ser e o Tempo da Poesia, São Paulo, Companhia das Letras, 2000, p. 196.

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Podem-se distinguir no poema de Ariosto três grandes núcleos, em torno dosquais se organiza a narrativa. O primeiro, que é também o central, tem como pro-tagonista o guerreiro cristão e sobrinho de Carlos Magno, Orlando, que chega àcrise de loucura por amor da bela Angélica, princesa oriental. Com Orlando e An-gélica, lembremos o paladino Astolfo. Primo e companheiro de Orlando, Astolfo,depois de transformado em arbusto pela sedutora feiticeira Alcina, consegue vol-tar a ser quem era e salva Orlando da loucura, voando à lua para buscar-lhe ojuízo. Um segundo núcleo tem como protagonista Rogério. Este jovem guerreiromuçulmano fora criado pelo velho mago Atlante em um palácio posto no cume demontanhas altíssimas, donde o mágico sai às vezes a voar em seu cavalo alado, ohipogrifo. Rogério se enamora de uma cristã, a valorosa guerreira Bradamante,mas é também seduzido pela perigosa Alcina. Em torno destas figuras, Ariosto vaicriando muitas outras aventuras amorosas. Um terceiro núcleo se concentra nasbatalhas entre cristãos e muçulmanos, nos tempos de Carlos Magno. Sobressaemaqui figuras como a do feroz capitão Rodomonte, que se voltará contra Rogério,e as dos amigos Cloridano e Medoro, este vencedor de Orlando na rivalidade amo-rosa por Angélica. É claro – e basta o que ficou dito para percebê-lo – que estesnúcleos se relacionam continuamente, de tal modo que a circulação de persona-gens faz com que todos eles, interpenetrando-se, formem a trama narrativa. Arios-to faz questão de ir entretecendo vários fios, como diz ele próprio: "varie fila a va-rie tele / uopo mi son, che tutte ordire intendo" (II, 30). No melhor estilo dosfolhetins e das atuais telenovelas, é mestre em criar expectativas, deixando em sus-penso uma aventura para passar a outra.

A elaboração do Orlando Furioso levou mais de dez anos. Sabe-se que em 1507o poema já estava parcialmente escrito, tanto que Ariosto leu alguns episódios à irmãdo cardeal, marquesa de Mântua. A redação devia ter começado logo que o empre-go estável lhe permitiu assegurar o sustento da família. Como já se disse, foi prin-cipalmente em reconhecimento ao que representou esse emprego que o poema, pu-blicado em 1516, apareceu dedicado a Hipólito. Isto não impediu que o poeta logocaísse em desgraça. De fato, um ano mais tarde o cardeal foi nomeado para umasede episcopal na Hungria, onde sua família tinha feudos. Ariosto se recusou aacompanhá-lo, pois planejava casar-se com Alessandra Benucci, bela viúva que en-tão cortejava. Indignado, Hipólito imediatamente o despediu e desalojou. Este epi-sódio também se acha descrito em célebres versos satíricos, nos quais o poeta deixaclaro preferir as privações a se curvar ao patrão. Apesar disso, Ariosto não esqueceua dívida de gratidão, e teve a grandeza de manter a dedicatória nas edições posterio-res, a começar pela de 1521, publicada um ano após a morte de Hipólito.

Sobrevieram, com a perda do emprego, novas dificuldades financeiras e Arios-to foi obrigado a adiar os planos de casamento. Chegaria talvez à ruína, se o duqueAfonso não entendesse que um poeta já então lido em toda a parte merecia ao menosum castigo mais sutil. Assim, em 1522 o duque nomeou Ariosto para um cargo de

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que todos fugiam: governador de Garfanhana. Era a região mais retirada e perigosade todo o ducado, pois andava infestada de bandoleiros foragidos, que a tinhamtransformado em quartel-general do crime. Para surpresa geral, Ariosto mostrouque sabia ser homem de ação e seu governo foi altamente benéfico. E o Orlando Fu-rioso desde o início lhe facilitou o trabalho. Já quase à entrada da província, ao per-correr a estrada solitária que para lá conduzia, o novo governador foi atacado porum bando de salteadores. Mas, ao obrigá-lo a entregar tudo o que levava, percebe-ram que ele tinha consigo o Orlando Furioso. Perguntaram-lhe então se conhecia oautor daquela obra. Ao saberem que estavam diante do poeta, os bandoleiros nãosó lhe devolveram tudo, como o deixaram seguir entre aclamações, enquanto reci-tavam episódios do poema. A popularidade do artista abria as portas ao governa-dor, mas Ariosto poderia ter arruinado a vantagem, se não revelasse também grandecompetência no trato dos assuntos públicos e profundo respeito pela população quegovernava. Foi assim que sua administração se impôs à admiração geral. Terá sidonos intervalos do trabalho de governo que Ariosto compôs os Cinque Canti, cincooutros cantos destinados a continuar o Orlando Furioso, mas deixados fora da edi-ção definitiva.

Em 1525 Ariosto foi chamado de volta a Ferrara, onde o bom êxito administra-tivo lhe assegurou tranqüilidade. Foi então que se casou, indo morar na casa modes-ta que conseguira comprar em uma ruazinha da cidade, via Mirasole (hoje, via Arios-to). Foi também nesses anos que voltou a levar à cena comédias suas, a última dasquais (Studenti) deixou inacabada, sendo concluída por um de seus irmãos. Em 1531,enquanto preparava a edição definitiva do Orlando Furioso, teve, finalmente, a sa-tisfação de se ver reconhecido como grande poeta: foi a esse título que o marquêsD 'Ávalos, fidalgo de Carlos V, lhe concedeu um prêmio que lhe permitiu viver osúltimos tempos livre de agruras materiais. Em 1532, um ano antes de morrer, Arios-to publicava o Orlando Furioso, inteiramente revisto e composto de 46 cantos. Era,enfim, o poema que passaria à posteridade como o livro emblemático da cultura doRenascimento.

CENTRALIDADE DA LOUCURA NO ORLANDO FURIOSO

Este olhar lançado à vida de Ariosto basta para dar a entender o espanto queterá causado o poeta, ao anunciar Orlando louco furioso, Orlando que "per amorvenne in furore e matto" (I, 2). E não só Orlando: toda a guerra descrita pelo poemaé conseqüência da fúria de outro guerreiro, o jovem rei Agramante, que arrasta exér-citos atrás de si: "Seguendo 1'ire e i giovenil furori / d'Agramante lor re" (I, 1). Lou-cura, portanto, do protagonista e de seus tempos. Mas que terá levado o poeta afazer da loucura o centro de seu poema, em pleno apogeu de uma cultura considera-da eminentemente equilibrada, como a do Renascimento?

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Para tentar esboçar uma resposta, é preciso, antes de mais nada, considerarque o chamado equilíbrio do Renascimento não é, necessariamente, negação daloucura. Pelo contrário. A loucura está presente no jogo de forças de que resultaesse equilíbrio. Basta pensar que dela já se ocupara o humanismo, no qual se for-mou Ariosto. Foi nos clássicos latinos (em particular Virgílio e Ovídio) que Arios-to encontrou inspiração para criar inúmeras corbellerie de seu poema. O títulomesmo parece ecoar o Hercules Furens, de Sêneca. Acrescente-se que a loucura doOrlando Furioso muito deve ao Humanismo cristão, no qual está enraizada.

A afirmação pode surpreender quem considere que Ariosto sabe mostrar-seirreverente perante figuras sagradas. Mas a importância das raízes cristãs do Orlan-do Furioso foi percebida por seu mais célebre leitor. De fato, foi Cervantes quem sereferiu ao poeta renascentista como "el cristiano poeta Ludovico Ariosto"'. Esta ex-pressão tem suscitado perplexidades e tentativas de atenuar o adjetivo cervantino.Mas as interpretações propostas mal têm resistido à crítica s . Ao falar em Ariostocomo "cristiano poeta" Cervantes parece ter efetivamente captado as raízes cristãs daloucura de Orlando.

São profundas essas raízes. Basta lembrar que a imagem do Cristianismo comoloucura, contraposta à razão dos gregos, é de origem paulina 6 e dá ao termo cono-tações morais. A fé, vista como loucura pela razão pagã, considera, por sua vez, lou-cura a vida dos ímpios (o que, aliás, já ensinava a tradição judaica). Desde o iníciodo Cristianismo, portanto, a discussão da loucura envolve tanto o plano moralquanto o propriamente intelectual. Eis por que, nos escritores cristãos, conceitoscomo "erro", "mentira"; "vaidade" e outros semelhantes aparecem muitas vezes asso-ciados à discussão da loucura.

Não é difícil notar que tal concepção de loucura se acha no pensamento doHumanismo, desde seus primórdios. É o que se vê claramente em Petrarca, justa-mente considerado o primeiro e o maior dos humanistas. As relações entre as obrasde Petrarca e Ariosto, bastante estudadas em outros aspectos, neste ficam ainda porexaminar. E não é da poesia petrarquista que se trata agora, ainda que também elamereça atenção no tocante ao tema da loucura. Sim, pois não se pode esquecer, porexemplo, a canção Italia Mia, com os versos que contrapõem virtìt e furore, retoma-dos, aliás, no fecho do Príncipe de Maquiavel. Mas aqui nos limitaremos a lembraralguns trechos do Secretum de Petrarca, inteiramente dedicado à discussão dos des-caminhos a que pode levar a lógica mundana.

4. Cervantes, Don Quijote de la Mancha, parte I, 6. As idéias aqui desenvolvidas foram em parte apre-sentadas em meu artigo "In margine a un giudizio di Cervantes: note sulla pazzia ariostesca" ( ConvenitSelecta, 4, 2000).

5. Sobre as interpretações aventadas, diferentes da que aqui proponho, ver Maurice Chevalier, Arioste enEspagne (1530-1650), Bordeaux, Institut d'Études Ibériques et Ibéro-Américaines de 1 ' Université deBordeaux, 1966, pp. 447-448.

6. Cf. I Coríntios, 1, 23.

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Neste tratado, inspirado em páginas das Confissões agostinianas, Franciscoentra em diálogo precisamente com Agostinho. Este contrapõe à loucura mundanade Francisco a sabedoria evangélica. Ou seja, contrapõe-se à loucura "pagã"; falsa, aloucura "cristã"; que paradoxalmente seria inspirada pela verdade. E, de fato, noSecretum é a figura da Verdade que reúne os interlocutores e que se mantém presentedurante o debate. As vozes dialogantes, como já se tem notado, traduzem dois ladosda personalidade do próprio Petrarca: Francisco é, como se sabe, seu nome; Agosti-nho é não somente o santo doutor, mas também a personificação dos ideais maisaltos do poeta que cantava "e veggio il meglio et al peggior m'appiglio".

Pois bem. Quase não há página do Secretum, desde as primeiras linhas, que nãotrate da questão da loucura, na acepção, já indicada, de enfermidade intelectual emoral. Logo de início, dirigindo-se a Agostinho, a Verdade se diz compadecida dosdesvarios de Petrarca – "Errores tuos miserata" 8 . Por isso é que pede a Agostinho queo ajude a sair da longa e perigosa doença, ou, como diz, "periculosa et longa egritu-dine" 9. O caminho de cura será um processo de identificação de falhas que, como dizPetrarca, não são somente dele, mas do comportamento da humanidade em geral:"Ubi multa licet adversus seculi nosti mores, deque comunibus mortalium piaculisdicta sint, ut non tam michi quam toti humano generi fieri convitium videretur "10 .

Não é preciso notar que o caminho de saída da loucura, descrito por Petrarca,apresenta afinidades com terapias freudianas. Mas o que mais importa notar, falan-do-se do poema de Ariosto, é que no Secretum se estabelece um convívio entre a loucu-ra-razão e a loucura-fé (ou, se quisermos, entre duas "razões" e duas "loucuras"), quedialogam em presença da Verdade. Mais ainda: a loucura-razão se defende, parado-xalmente, com boas razões, pois os argumentos da loucura-fé muitas vezes lhe pare-cem loucos. Enfim, entre Agostinho e Francisco, no Secretum, só se pode saber a quemconsiderar louco porque, desde o início, está presente a Verdade, que convida umdeles a ajudar o outro. Verdade que, evidentemente, neste caso é a da fé cristã. Se assimnão fosse, bem poderiam ambos trocar os papéis, sem que nenhum levasse a melhor.

É estranho que este tratado haja ficado esquecido dos críticos de Ariosto, prin-cipalmente por ser bem conhecida a influência da lírica de Petrarca na arte do Orlan-

do Furioso. E o Secretum deve ter estado entre os primeiros livros de estudo do jovemLudovico. Nem é preciso lembrar que o futuro poeta deve muito da formação inte-lectual às lições do já citado Gregório de Espoleto, humanista respeitado e mongeagostiniano, mestre que Ariosto recorda com gratidão e carinho em uma poesia la-tina". Aliás, nos mesmos anos em que ia nascendo o Orlando Furioso, de outro am-

7. Petrarca, "I' vo pensando", Rime, CCLXIV.

8. Petrarca, Secretum, "Prohemium ". Cito a edição organizada por Enzo Fenzi, Milão, Mursia, 1992, p. 94.

9. Idem, p. 96.10. Idem, p. 98.11. "Ad Albertum Pium"; onde se dirige a um antigo colega e evoca "Gregorium, ilium cui per Apollinem /

uterque nostrum debet ample, / quamvis ego magis, et magis te': Cf. Ludovico Ariosto, Opere minori. cit., p. 24.

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biente marcado pela espiritualidade agostiniana e pelo pensamento de Petrarca e deseus discípulos surgiriam também as reflexões de Erasmo sobre a loucura.

De Petrarca, portanto, partiria Ariosto e, especialmente, do diálogo constanteentre loucura mundana e loucura cristã. No Orlando Furioso esse diálogo será tam-bém central, como no Secretum. Precisamente essa alternância de vozes é que tradu-zirá o equilíbrio entre razão e loucura, que é uma das maiores marcas da genialidadedo Orlando Furioso. Mas, ao contrário do que ocorria no diálogo de Petrarca, a ver-dade, em Ariosto, tem de ser arduamente buscada, porque não assume, desde o iní-cio, o papel de árbitra visível. Pelo contrário. Ariosto parece que chega a brincarcom a imagem petrarquista. Lembre-se que, no Secretum, a personificação da Verda-de fazia alusão ao poema Africa, onde Petrarca a imaginava habitante de um esplên-dido palácio, nos montes Atlas: "in extremo quidem occidentis summoque Atlantisvertice habitationem clarissimam atque pulcerrimam mirabili artificio ac poeticis,ut proprie dicam, manibus erexisti" 12. Ora, como se sabe, Ariosto, retomando Boiar-do, fala-nos também de um palácio nos picos de Carena, nos montes Atlas; contudo,quem o habita não é a Verdade, e sim o velho mago Atlante, especialista em criarilusões (cf. VI, 76; XII, 21). Mais ainda: se observarmos que a figura da sábia e virtuo-sa maga Logistila pode interpretar-se como personificação da razão (logos), temosde lembrar que Ariosto a apresenta como irmã de Alcina, maga da falsidade (cf. VI, 45).A razão irmã da loucura... Enfim, no poema de Ariosto razão e loucura têm de apren-der a conviver sem quem decida de antemão entre elas. Assim, o jogo de reversibili-dade das razões da loucura e das loucuras da razão acaba por ser o fulcro do OrlandoFurioso, como expressão maior da atitude renascentista.

Nesse jogo, figuras nascidas da hierarquia rígida do mundo dos cavaleiros já seapresentam desligadas das estruturas do pensamento medieval. Desligadas graçasao chamado "sorriso ariostesco"; de que adiante se falará. Por isso é que a um olharpreso às formas do passado podem parecer somente figuras desvairadas, corbellerie,como exclamou o cardeal d'Este. Mas é justamente o que há de louco nessas figuras,enquanto expressão de uma "verdade" historicamente extinta, o que as torna tes-temunhas de acusação das pretensões absolutistas da concepção de "razão" pre-dominante em qualquer momento histórico. "Liberée de la sagesse et des leçons qui1'ordonnaient – diz Foucault -1'image commence à graviter autour de sa proprefolie" 13 . Não é preciso, pois, aguardar a literatura do século XVII para encontraruma loucura que é ao mesmo tempo absence de sérieux e essentielle 14 . Esta é a loucurado Orlando Furioso.

Nem é preciso dizer que expressões particulares da imagem da loucura, às quaisfaz referência a obra de Foucault, acham-se quase a cada passo na obra de Ariosto.

12. Petrarca, Secretum, op. cit., p. 94.13. Michel Foucault, Histoire de la folie, Paris, Union Générale d ' Éditions, 1964, p. 31.14. Idem, p. 47.

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Lembremos, para dar algum exemplo, os monstros que assaltam Astolfo, na passa-gem do reino de Alcina para o de Logistila (VI, 60 e ss.). Ou o combate dos dois guer-reiros contra Orrilo (XV, 65 e ss.). Lembremos, a propósito da árvore déraciné deFoucault15, a cena de Orlando enfurecido, a arrancar, com a força descomunal dosloucos, toda a árvore que vê à frente (XXIII, 134-135). Para dar mais um só exemplo,lembremos o navio de Ariosto, que o poeta chega a temer fique a"errar sempre", comoa stultifera navis (XLVI, 1).

É de notar, no caso do navio de Ariosto, que o poeta-navegador tem consigo acarta, que deve conduzi-lo ao porto, mas, apesar disso, continua a não saber se o mapalhe mostra il vero. Somente o final da experiência daviagem revelará a verdade. Antesdisso, vale o aviso que desde o início nos dá o poema "Ecco it giudicio uman comespesso erra!" (I, 7). 0 juízo humano erra muitas vezes, sobretudo quando quer in -

terromper o diálogo entre razão e loucura. Orlando enlouquece porque só quer veras razões que tem para ser amado por Angélica (pois ele é sincero, fiel e corajoso),recusando-se a admitir as boas razões que tem a "loucura" de Angélica para lhe pre-ferir Medoro (também valoroso, além de jovem e bonito). E. a "passion désésperée"de que fala Foucault"

Ariosto assim expressa a direção constante da cultura do Renascimento, quebusca a "verità effettuale", como diria Maquiavel

l7, isto é, a verdade da experiência.

Das experiências científicas de Galileu mas também das experiências místicas de SãoJoão da Cruz. Notem-se, a este propósito, as semelhanças entre a saída noturna nacasa silenciosa, ao encontro do amado ( OF, VII, 26), e a saída noturna da "casasosegada"; em busca do amor divino, na lírica do poeta carmelita.

As relações entre loucura e razão (chamada de siso, ou senno, por Ariosto) ins-piram um dos mais célebres episódios do poema, a viagem ao mundo da lua, no can-to XXXIV. Episódio importantíssimo, onde se deixa claro que na lua se encontra tudoo que em nosso mundo anda perdido. Por isso é que lá não se encontra o que nuncase separa dos humanos, ou seja, a loucura:

Sol la pazzia non v'è poca né assai;Che sta quaggiü, né se ne parte mai (XXXIV, 81).

É que a loucura mora sempre conosco, mesmo com aqueles que são considera-dos sensatos. Enfim, loucura e razão moram sempre juntas.

Desde as primeiras páginas do Orlando Furioso se fazem ouvir as vozes das duasvizinhas. Seu diálogo só é possível porque as interlocutoras sabem que terão de con-viver. Admirável, por isso, é, logo no início do poema, o episódio que nos mostradois cavaleiros rivais (separados pela religião e pelo desejo de conquistar o amor de

15. Idem, p. 35.16. Idem, pp. 44-45.17. Cf. Maquiavel, 11 Principe, cap. XV.

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Angélica). Com boas razões esses cavaleiros se põem a duelar até que, melhor pen-sando, preferem as razões da loucura: deixam de duelar e seguem, sem desconfiançasmútuas, montados no mesmo cavalo, através da selva, à procura da amada. Valereler esse trecho magnífico:

Oh gran bontà de'cavallieri antiqui!Eran rivali, eran di fe diversi,E si sentian degli aspri colpi iniquiPer tutta la persona anco dolersi;E pur per selve oscure e calli obliquiInsieme van, senza sospetto aversi (I, 22).

Não há exemplo mais claro daquelas imagens desligadas da sagesse, como di-zia Foucault. Tal como os dois cavaleiros, razão e loucura, no poema de Ariosto,atravessam as peripécias misteriosas desta vida sem desconfianças recíprocas: "perselve oscure e calli obliqui / Insieme van, senza sospetto aversi ". Por outras pala-vras, a razão de Ariosto, o senno está longe de ser negação dos rivali, dos diversi,em suma, dos loucos. Pelo contrário: razão e loucura viajam não só lado a lado,mas no mesmo cavalo...

Poderíamos aqui voltar a Cervantes e explorar o que há de cristão na atitude deAriosto. Veríamos talvez que ela se encontra surpreendentemente próxima da men-sagem das bem-aventuranças, enquanto reviravolta dos critérios da razão predomi-nante. Cervantes terá visto no "cristiano poeta" a atitude de quem sabe contemplar asi mesmo e aos demais com desengano, sim, mas ao mesmo tempo com misericórdia.

Esse olhar com que o poeta contempla os homens e mulheres agitados entreloucura e razão é um olhar, antes de mais nada, introspectivo e auto-irônico. Docomeço ao fim do poema Ariosto se põe à escuta das vozes que dialogam dentro desi. Ao anunciar que cantará Orlando enlouquecido por amor, logo alude a si mesmoe à amada que o estava deixando tão louco quanto o paladino (I, 2). Entre as belasformas da amada é que Ariosto nos diz que seu juízo ficou perdido, "errando" (XXXV,2). Mas é no canto da viagem à lua que o poeta mais abertamente deixa ouvir a vozde sua própria loucura e da loucura de sua obra. Veja-se o que diz acerca da insensa-tez de servir aos senhores poderosos, de lhes oferecer o trabalho de artista, enfim, deser poeta (XXXIV, especialmente 77 e 85). É fácil perceber no "sensato" cardealHipólito a dar opiniões sobre as corbellerie de Ariosto outra imagem do diálogoconstante entre as duas vozes.

Deste assistir, em si mesmo e nos outros, ao diálogo entre a razão e a loucuranasce algo a que já se aludiu acima, algo que a crítica italiana tem chamado de riso

ariostesco ou sorriso ariostesco 18 . Este sorriso, na construção do poema, pode ser com-

18. Cf., em portugu@s, Francesco de Sanctis, " O Riso de Ariosto ", Ensaios Críticos, trad. de J. L. AlmeidaPrado, São Paulo, Nova Alexandria, 1993, pp. 193-202.

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parado ao palco, na representação teatral. Homem de teatro, Ariosto sabia que,para além da aparência, das roupagens e das circunstâncias das figuras que estãono palco, o público afinal reconhece a si mesmo e às suas circunstâncias. O sorrisode Ariosto, como o palco, ao criar distância, cria também proximidade. É graçasa ele que o público de qualquer tempo consegue reconhecer-se nas figuras do Or-lando Furioso. Este sorriso nasce, como ficou dito, da contemplação do diálogo en-tre loucura e razão. E, mais concretamente, nasce da contemplação do diálogotravado por loucura e razão acerca de figuras tradicionais, ainda havia pouco re-verenciadas, como as que representavam o ideal da cavalaria. A razão, que pare-cia abrir novos horizontes, julgava poder dispensar tais figuras ("desmitificá-las",diríamos hoje), em nome do valor "definitivo" das novas perspectivas quinhentis-tas. Mais razoável que cantar um paladino enlouquecido seria cantar os feitos degrandes contemporâneos. Mas a loucura retrucava que talvez os novos valores nãofossem propriamente definitivos; talvez mesmo, alguns séculos mais tarde, algunsdeles viessem a ser considerados "politicamente incorretos': E a loucura de ontemhoje muitas vezes nos parece ter razão. Daí o valor dos dois pontos de vista sem-pre presentes no poema de Ariosto. O poeta que canta o descobrimento da Amé-rica e a glória de Carlos V (XV, 21-23) é o mesmo que nos adverte que Augusto nãoterá sido o modelo de virtudes imperiais exaltado pela poesia de Virgílio (XXXV, 26).Aliás, a loucura de Ariosto se faz ouvir nos versos mesmos da celebração imperial:note-se que quem prediz a conquista da América é uma das companheiras de Lo-gistila, ou seja, da irmã e vizinha da insensata Alcina...

Ariosto, por outras palavras, percebe claramente a nascente euforia raciona-lista, que comportava a tendência a excluir tudo quanto se lhe opusesse, como lou-cura destinada ao ostracismo. Euforia que levava a tomar uma concepção históricade razão como se fosse a Verdade religiosa do Secretum. Essa tendência, a que o pen-samento europeu irá cedendo a partir de Descartes (e apesar dele), presidirá, comoensina Foucault, ao nascimento da monarquia absoluta e à criação dos manicômiospara os que "perderam a razão". Isto acabará por estabelecer a cisão entre expressão"racional"; "verdadeira"; de um lado, e expressão "poética", "falsa", de outro; entre o"cientista"; de um lado, e o "artista"; de outro. Mas o poeta do Orlando Furioso sorriperante a loucura de quem toma por absoluto o que é efêmero e relativo.

Para buscar o que há de mais verdadeiro no ser humano, Ariosto bem sabia quenão era preciso revestir figuras medievais de capas renascentistas ou de togas roma-nas. Para escrever a grande épica do Renascimento não era preciso fazer o que haviamfeito a Africa de Petrarca e a Teseida de Boccaccio: substituir por heróis clássicos oumíticos as populares figuras da cavalaria. São os espectadores que devem mudar omodo de olhar as tradicionais figuras do palco, ainda que estas não mudem de traje;são os leitores, os ouvintes, que devem mudar o modo de encarar Orlando, come-çando a encontrá-lo dentro de si mesmos.

O sorriso ariostesco nos lembra, portanto, que Orlando, Angélica, Rogério,

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Alcina e tantos outros são mais do que parecem, são também os homens e mulhe-res do Renascimento ou do terceiro milênio. Os encontros e desencontros de Or-lando e seus companheiros, que tantas vezes tomam o aparente pelo real, são osencontros e desencontros dos eternos caçadores de esmeraldas de nossa humani-dade. O mago voador não é o que parece a Bradamante (IV, 16-20), o castelo en-cantado não é o que parece a Orlando (XII, 8-13), a bela Alcina não é o que pare-ce a Rogério (VII, 72-74)... Mas o real que descobrirão não é o real hegelianamenteidentificado com o racional. É ainda um real aberto à ambigüidade, ao imponde-rável, à loucura: haja vista que o que faz ver a "realidade", protegendo contra oengano de todos os encantos, é um anel mágico (III, 69). Assim, todas as vezes quepodia assomar o discurso do puramente racional, com exclusão da loucura, Arios-to adverte para as miragens contidas em um discurso que da sensatez de hoje farátalvez o desvario de amanhã.

Os tempos, quase lendários, de Carlos Magno continuam, pois, em Ariosto, aexpressar a humanidade de todos os tempos. Os cavaleiros exaltados pelos cantaresmedievais, no Orlando Furioso tornam-se expressão da humanidade em sua busca desentido para a existência. São por isso esplêndidos os versos com que se abre o poe-ma: "Le donne, i cavalier, l'arme, gli amori / Le cortesie, l'audaci imprese io canto" (I, 1).Damas e cavaleiros surgem no primeiro hemistíquio, no outro, armas e amores. Fi-guras que saem do mundo da cavalaria, para se tornar síntese da vida humana. Nosamori, nas cortesie há toda a fecundidade dos ideais e utopias, da criação artística edo convívio harmonioso; as armi, as audaci imprese, evocam o esforço de conquistado universo, esforço que não tem deixado de lado "armas" imateriais, figuradas namagia, com que o ser humano tenta alargar as forças que lhe deu a natureza.

A cavalaria não perde sentido em Ariosto, ou melhor, perde um sentido restri-to e ganha outro, universal. Passa a ser fonte criadora de um mundo mítico, que setorna chave para o conhecimento do humano. Já vimos que o que leva o poeta re-nascentista a sorrir não é a incongruência das figuras medievais "obsoletas"; e sim apermanente incongruência da condição humana, sempre em busca de sentido emideais efêmeros, que se tornam, sucessivamente, "obsoletos"; passando a ser vistoscomo "loucuras": Por isso é que há na atitude de Ariosto algo da ironia socrática,algo que um Erich Auerbach chamou de "doce ironia do poeta" 19 . Ironia, pois Arios-to está longe da gravidade com que até então se contemplava o mundo do tempo dacavalaria; mas ironia doce, pois Ariosto sabe ver, para além da couraça dos cavalei-ros, o universo dos seres humanos de todos os tempos.

Somente assim é que o poeta consegue escapar à tentação de reduzir a poesia àcelebração de acontecimentos ou valores exaltados pelos padrões de "sensatez" deseu momento histórico. Ao contrário dos cantares medievais, que se punham a ser-viço da glorificação do passado da Cristandade, o sorriso ariostesco ajuda o leitor a

19. Erich Auerbach, Introdução aos Estudos Literários, São Paulo, Cultrix, 1987, p. 165.

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descobrir que a poesia só expressa o humano se for fiel a si mesma, se for essencial-mente poesia. Isto não quer dizer que a criação poética se oponha a tais valores, ouque não os possa celebrar (Ariosto mesmo o faz, já se viu em que termos). Quer dizersomente que a poesia não pode subordinar-se a eles, pois tem de ser o espaço privi-legiado de diálogo entre razão e loucura.

Neste diálogo, aliás, se encontra talvez uma característica fundamental da cul-tura da Itália do Renascimento. Tanto que a convivência entre razão e loucuratambém pode encontrar-se em Maquiavel. O secretário florentino sabe que aopríncipe é sumamente necessário ser prudente20 , ter a estratégia calculada e a refle-xão previdente. Mas sabe que lhe é preciso reconhecer também a força do impon-derável, do imprevisível, daquilo que não se reduz ao cálculo nem é susceptível deformulação em leis abstratas, o que ele chama, como já se disse, de "verità effettua-le"; realidade concreta, que escapa às teorizações. É quando a prudência entra emdiálogo com a verità effettuale que nasce a virtii. E o diálogo, ou melhor, a união deambas se traduz na célebre imagem do centauro 21 , que deve saber usar tanto a sen-satez humana quanto o instinto dos irracionais. A virtli, por sua vez, é o contráriodo furore ("virtìl contro furore", diz Maquiavel no final de seu tratado, repetindoPetrarca), mas é também o contrário de algumas formas de ordini, puramente men-tais. Por isso Maquiavel escreverá "partendomi dalli ordini delli altri", isto é, afas-tando-se da metodologia de outros tratadistas, que à realidade substituíram aconstrução puramente lógica, a "immaginazione di essa" 22 . A virtiì, assim entendi-da, é o diálogo permanente entre o racional e o irracional, enquanto a crise dessediálogo leva tanto A. cegueira bestial do furore quanto às miragens do homem per-dido na immaginazione abstrata. Voltamos à imagem do centauro, portanto (queevoca a dos cavaleiros rivais montados no mesmo cavalo). Mas, para encerrar estadigressão sobre Maquiavel, é preciso recordar outra célebre categoria de sua refle-xão, a Fortuna, que impõe limites à ação da virtìt.

Também nisto coincidem Maquiavel e Ariosto. Se a Fortuna está sempre pre-sente no Principe, não o está menos no Orlando Furioso. Pode-se mesmo observarque, assim como o diálogo do Secretum fora promovido pela Verdade, assim tam-bém o diálogo de Ariosto entre loucura e razão é promovido pela Fortuna. No poe-ma de Ariosto, desde o início é a Fortuna quem favorece ou desfaz projetos de unse outros: veja-se como Angélica foge do acampamento de Carlos Magno, aprovei-tando-se da imprevisível derrota que os cristãos haviam sofrido, porque "quelgiorno esser rubella / dovea Fortuna alla cristiana fede" (I, 10). Assim, no centrodo Renascimento, com Maquiavel e Ariosto, está o diálogo entre a razão e a lou-cura, diálogo oposto ao monólogo do furor bestial ou do racionalismo abstrato.

20. Maquiavel, II Principe, loc. cit.21. Idem, cap. XVIII.22. Idem, cap. XV.

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O recuo da loucura, nesse diálogo, levará ao desequilíbrio do classicismo manei-rista; seu contra-ataque levará ao Barroco; sua derrota, no século das Luzes, leva-rá ao monólogo da raison triunfante.

LOUCURA E ARTE NO ORLANDO FURIOSO

Há pouco se observava que em Ariosto a poesia é vista como espaço privile-giado do diálogo entre razão e loucura. Se, contra as teorizações abstratas, Maquia-vel defende a autonomia do pensar político, também Ariosto, diante da emergênciadas teorizações retóricas, defende a autonomia da criação artística. Daí a importân-cia que atinge, no Orlando Furioso, o trabalho artesanal do poeta, pois é dele quedependerá a criação do mundo onde ambas as interlocutoras possam reconhecer-se. De um mundo que tenha a beleza ponderada do senno, mas também a beleza im-previsível da pazzia.

Isto foi o que levou Ariosto a ser artista como poucos, e a entusiasmar outrosgrandes artistas. De todos estes grandes admiradores de Ariosto, o mais conheci-do é talvez Cervantes, já aqui mais de uma vez lembrado. Deixando de lado as di-versas referências de Dom Quixote ao Orlando Furioso, recordemos somente o tre-cho em que se diz que o poema de Ariosto em italiano merecia ser erguido sobre acabeça, como se faz na liturgia com as Sagradas Escrituras: "si habla en su idioma,le pondré sobre mi cabeza" 23 . Outro admirador excepcional da arte de Ariosto foiVoltaire. Vale lembrar-lhe as palavras: "le roman de 1'Arioste est si plein et si varié,si fécond en beautés de tous les genres, qu'il m'est arrivé plus d'une fois, après1avoir lu tout entier, de n'avoir autre désir que d'en recommencer la lecture"24 . En-tre nós, Manuel Bandeira conta a Mário de Andrade ter relido "com delícia o Arios-to e o Tasso": E continua: "Por alguns dias vivi encantado com estes três versos doOrlando" e passa a citar em italiano o fecho da oitava do canto XIV em que se des-creve a Fraude25 . Por acrescentar à voz de grandes escritores a de um notável críti-co atual, citemos o já lembrado Erich Auerbach, para quem Ariosto é "um dos poe-tas mais puramente artistas de todos os tempos": Todo o espírito da Renascença,acrescenta Auerbach, está em seu poema, "cuja leitura é um dos prazeres mais per-feitos que a literatura européia nos oferece" 26 .

Leitores que por outros motivos não se sentem próximos do poema de Ariosto,mesmos estes confessam a admiração pelo artista incomparável. É o que ocorre com

23. Cervantes, Don Quijote, loc. cit.24. Voltaire, Dictionnaire Philosophique, verbete "Épopée", em Oeuvres choisies, Paris, Dupont, 1826, tomo

XXVIII, p. 159.25. Mário de Andrade e Manuel Bandeira, Correspondência, org. por Marcos A. Moraes, São Paulo, Edusp e

Instituto de Estudos Brasileiros, 2000, p. 103.26. Erich Auerbach, op. e loc. cit.

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De Sanctis, cujos ideais patrióticos o tornavam por vezes severo com o Renascimen-to. Mesmo assim, reconhece o grande crítico que a arte italiana, em Ariosto, "toccala sua perfezione" 27 . Também o inglês Symonds, apesar de ressaibos vitorianos, reco-nhece que Ariosto "has given the right, the best, the natural investiture to thought,and his phrases have the self-evidence of crystals. [...] Language in his hands is like asoft and yielding paste, which takes all forms beneath the moulder's hand, and then,when it has hardened, stays for ever sharp in outline, glittering as adamant" 28 . Seme-lhante admiração expressa Fidelino de Figueiredo. Embora julgando faltar a Arios-to (como também a Tasso) a presença da coletividade nacional, inspiradora deCamões, reconhece o grande crítico "a mestria da expressão literária dos dois poe-tas, que levaram a virtuosidade verbal a alturas desconhecidas, só comparáveis aosnovos descobrimentos nas artes plásticas de Rafael, Vinci e Cellini" 29 .

Nem poderia deixar de atingir tal perfeição o poeta que passou a vida a polir asestrofes do Orlando Furioso. Ainda pouco antes de morrer, Ariosto se dizia insatis-feito com o texto da terceira edição, publicada um ano antes, em 1532. Esta, de todasas edições revistas pelo poeta, foi justamente a que recebeu o maior esmero estilísti-co. Lembre-se que em 1525, alguns anos depois da segunda edição do poema deAriosto, Pietro Bembo divulgava um tratado (Prose della Volgar Lingua), em quepropunha o toscano ilustre, de Petrarca e Boccaccio, como padrão da língua italia-na. Embora houvesse antecipado em parte a posição das Prose (tanto que evitararepetir a falha de Boiardo, ou seja, a de escrever um poema com inflexões regionais),Ariosto não quis cingir-se ao padrão petrarquista estrito, sabendo explorar tam-bém os recursos de uma linguagem mais moderna e coloquial. Assim é que o textodefinitivo do poema, o de 1532, manifesta plenamente o apuro de Ariosto comoartista da palavra. No Orlando Furioso, tal como hoje o lemos, o léxico de inspiraçãopetrarquista se harmoniza com a leveza do falar quotidiano. Nisto está muito daelegância de Ariosto, que consegue ser, ao mesmo tempo, refinadíssimo e próximodo coloquial. Sua linguagem é de clareza cristalina, por ser sóbria em inversões ejamais rebuscada.

Foi assim que o poema que encantou aristocratas refinados das cortes renas-centistas e gênios do porte de Cervantes se tornou também querido daqueles quemal sabiam ler. Já vimos que o Orlando Furioso foi decorado pelos bandoleiros anal-fabetos das estradas da Garfanhana. E a popularidade do poema foi tal que impres-sionou um ilustre visitante da Itália renascentista. Sim, pois é Montaigne quem ob-serva que as pastoras dos campos que percorria tinham sempre "1'Ariosto in bocca".E acrescenta o pensador francês (escrevendo em italiano estas páginas): "Questo si

27. Francesco De Sanctis, "L'Orlando Furioso", cap. XIII da Storia della letteratura italiana, Turim, UTET, 1968,p. 479.

28. John Addington Symonds, Renaissance in Italy, New York, The Modern Library, 1935, vol. II, p. 193.29. Fidelino de Figueiredo, A Épica Portuguesa no Século XVI, São Paulo, FFLHC-USP, 1950, p. 45 (atualizei

a ortografia).

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De Sanctis, cujos ideais patrióticos o tornavam por vezes severo com o Renascimen-to. Mesmo assim, reconhece o grande crítico que a arte italiana, em Ariosto, "toccala sua perfezione" 27 . Também o inglês Symonds, apesar de ressaibos vitorianos, reco-nhece que Ariosto "has given the right, the best, the natural investiture to thought,and his phrases have the self-evidence of crystals. [...] Language in his hands is like asoft and yielding paste, which takes all forms beneath the moulder's hand, and then,when it has hardened, stays for ever sharp in outline, glittering as adamant" 28 . Seme-lhante admiração expressa Fidelino de Figueiredo. Embora julgando faltar a Arios-to (como também a Tasso) a presença da coletividade nacional, inspiradora deCamões, reconhece o grande crítico "a mestria da expressão literária dos dois poe-tas, que levaram a virtuosidade verbal a alturas desconhecidas, só comparáveis aosnovos descobrimentos nas artes plásticas de Rafael, Vinci e Cellini" 29 .

Nem poderia deixar de atingir tal perfeição o poeta que passou a vida a polir asestrofes do Orlando Furioso. Ainda pouco antes de morrer, Ariosto se dizia insatis-feito com o texto da terceira edição, publicada um ano antes, em 1532. Esta, de todasas edições revistas pelo poeta, foi justamente a que recebeu o maior esmero estilísti-co. Lembre-se que em 1525, alguns anos depois da segunda edição do poema deAriosto, Pietro Bembo divulgava um tratado (Prose della Volgar Lingua), em quepropunha o toscano ilustre, de Petrarca e Boccaccio, como padrão da língua italia-na. Embora houvesse antecipado em parte a posição das Prose (tanto que evitararepetir a falha de Boiardo, ou seja, a de escrever um poema com inflexões regionais),Ariosto não quis cingir-se ao padrão petrarquista estrito, sabendo explorar tam-bém os recursos de uma linguagem mais moderna e coloquial. Assim é que o textodefinitivo do poema, o de 1532, manifesta plenamente o apuro de Ariosto comoartista da palavra. No Orlando Furioso, tal como hoje o lemos, o léxico de inspiraçãopetrarquista se harmoniza com a leveza do falar quotidiano. Nisto está muito daelegância de Ariosto, que consegue ser, ao mesmo tempo, refinadíssimo e próximodo coloquial. Sua linguagem é de clareza cristalina, por ser sóbria em inversões ejamais rebuscada.

Foi assim que o poema que encantou aristocratas refinados das cortes renas-centistas e gênios do porte de Cervantes se tornou também querido daqueles quemal sabiam ler. Já vimos que o Orlando Furioso foi decorado pelos bandoleiros anal-fabetos das estradas da Garfanhana. E a popularidade do poema foi tal que impres-sionou um ilustre visitante da Itália renascentista. Sim, pois é Montaigne quem ob-serva que as pastoras dos campos que percorria tinham sempre "1'Ariosto in bocca".E acrescenta o pensador francês (escrevendo em italiano estas páginas): "Questo si

27. Francesco De Sanctis, "L'Orlando Furioso", cap. XIII da Storia della letteratura italiana, Turim, UTET, 1968,p. 479.

28. John Addington Symonds, Renaissance in Italy, New York, The Modern Library, 1935, vol. II, p. 193.29. Fidelino de Figueiredo, A Épica Portuguesa no Século XVI, São Paulo, FFLHC-USP, 1950, p. 45 (atualizei

a ortografia).

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vede per tutta Italia" 30 . A admiração de todo o povo, aliás, é uma das mais belas con-quistas da arte de Ariosto.

A arte admirável de Ariosto, que encanta a eruditos e iletrados, manifesta-sedo início ao fim de seu poema. E se há algo que desde as primeiras palavras prende aatenção é o dom de ser um artesão do verso, é "a beleza incomparável de seus versos";como diz, novamente, Auerbach 31 . E as estrofes que reúnem esses versos são as admi-ráveis "oitavas de Ariosto"; que dão ao ouvido prazer semelhante ao da música. Fo-ram as estrofes depois adotadas pelos dois outros grandes épicos do Renascimento,Camões e Tasso. A estrutura formal do poema traduz o equilíbrio alcançado peloartesão que tem domínio matemático dos recursos métricos e que os sabe tornar in-teiramente dóceis à expressão das exuberantes imagens da fantasia. Ë na construçãoprimorosa do verso e da estrofe que começa o diálogo entre razão e loucura. E é istoo que convida a dizer algumas palavras mais sobre essa construção.

Como se sabe, os versos por excelência da epopéia renascentista são os que cha-mamos de decassílabos (hendecassílabos, para os italianos). Entre estes costumam-se distinguir os de acentuação dupla, ou heróicos, e os de acentuação tripla, ousáficos. Em Ariosto, entretanto, é comum encontrar um verso de acentuação tripla,o anapéstico, que se distingue do sáfico, pois tem acentos na 7 a silaba (e não na 8a).Este decassílabo em geral desprezado, até mesmo por tratados de métrica, tem, tan-to quanto os dois outros, ascendentes ilustres: Ariosto vai buscá-lo na Divina Comé-dia (cf., por exemplo, "Inferno", I, 22), para transformá-lo em precioso recurso mé-trico. Isto é o que lhe permite dar a algumas de suas oitavas um surpreendenteelemento de "irregularidade", que não somente contribui para a variedade do poe-ma, mas para reiterar, no plano métrico, o constante diálogo entre razão e loucura.

Mas não pára nesse plano o diálogo onipresente. Nós o podemos encontrarigualmente no primoroso esquema de rimas. Em oitavas de outros poemas, diversasestrofes de um mesmo canto, às vezes separadas por breve intervalo, apresentam so-luções sonoras iguais ou muito semelhantes. Além disso, os dois pares de três versosque rimam em alternância apresentam com freqüência somente casos das chamadasrimas pobres. Em Ariosto a rima é quase sempre uma pequena obra de arte, semparecê-lo. Isto por ser inesperada ao mesmo tempo que se apresenta inteiramentenatural. O sorriso ariostesco nos mostra o poeta a brincar com as rimas, divertindo-se, por vezes, em repetir pelo menos duas vezes a mesma palavra em sentidos diferen-tes (cf. II, 56; III, 2; IV, 16, etc.). Outra brincadeira que o faz sorrir é jogar com aalternância, na mesma oitava, de rimas previsíveis e rimas surpreendentes. Alémdisso, ao longo das mais de quatro mil oitavas do Orlando Furioso, Ariosto mostracom freqüência mestria inigualável em encontrar soluções que façam rimar, sobre-tudo nos grupos de decassílabos alternados, palavras de duas ou mesmo três catego-

30. Montaigne, Journal de Voyage en Italie, Paris, Société Les Belles Lettres, 1946, p. 349.31. Erich Auerbach, op. e loc. cit.

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rias gramaticais. Tudo isto, repita-se, sem recorrer a inversões violentas ou a léxicorebuscado. Foi este um dos aspectos da arte de Ariosto que maior admiração susci-taram em Voltaire. Diz o escritor francês que as rimas de Ariosto "ne fatiguent point1'oreille" e acrescenta que "le poète ne paraisse presque jamais gêné" 32 . Mais uma veza beleza do poema traduz o diálogo entre o regular e o irregular, a razão e a loucura.

A delicadíssima construção métrica está a serviço de uma prodigiosa fantasia,que é talvez o aspecto mais conhecido da arte de Ariosto. E note-se que muitas figu-ras do Orlando Furioso, a começar pelo protagonista, já existiam na tradição medie-val dos cantares, quando não em Dante ou nos clássicos latinos e gregos, para nãofalar em seu predecessor, Boiardo. Quer retomando as figuras do Orlando Enamora-do, quer retomando-as de outras fontes, Ariosto sempre lhes dá diferente relevo,como no caso de Angélica e Rodomonte (ou Rodamonte, em Boiardo). Mas seja qualfor a origem de cada personagem, no Orlando Furioso todos adquirem vida nova,que os leva a envolver-se nas mais inesperadas aventuras e a percorrer as mais diver-sas partes da terra, dos mares e dos ares.

A fantasia de Ariosto, como se dizia, é em geral conhecida, mas, ao contráriodo que se poderia pensar, nada tem de etéreo ou abstrato. Um escritor italiano che-gou a dizer que Dante é o poeta do ideal e Ariosto, o poeta do real. E acrescentavaque o gênio de Ariosto "è matematico, o se dinamico, emerge dalla considerazionedelle forze materiali, quali sono i corni, le spade e le lance incantate, le bufere, imostri, i giganti, i guerrieri atletici e invulnerabili, Orlando folle, Rodomonte aParigi, i cavalieri discordi nel campo dei Mori, e via discorrendo" 33 . É que a fanta-sia de Ariosto parte sempre do concreto, é transfiguração de lugares e coisas quetodos conhecemos muito bem. O mundo do poeta mostra contornos nítidos, quasepalpáveis: vejam-se, por exemplo, os trechos em que Orlando destrói o arcabuz(IX, 90-91), ou o episódio dos peixes atraídos por Alcina (VI, 36), ou ainda o dasárvores abatidas por Orlando (XXIII, 135). Pela concretude das imagens e pelo ri-goroso sentido do verso como construção, alguns trechos do Orlando Furioso fa-zem pensar em poetas contemporâneos. Não foi por acaso que o poema foi a lei-tura preferida de um atento observador da natureza, como Galileu. E convémacrescentar que algumas criações da fantasia de Ariosto anteciparam o futuro. Hajavista a descrição do vôo do mago Atlante em seu corcel alado, o hipogrifo (II, 49-53):nem mesmo em nossos tempos, de aviões supersônicos e naves espaciais, houvequem melhor cantasse a aventura de voar. Ainda uma vez, nesta aliança entre ob-servação do real e vôo da fantasia temos o diálogo da razão e da loucura.

Mas a principal aventura vivida pelas personagens do Orlando Furioso é, comojá se disse, a mudança de significado. Orlando e seus companheiros deixam de serfiguras fechadas, somente interpretáveis pela "sensatez" do sistema de pensamento

32. Voltaire, Dictionnaire Philosophique, p. 169.33. Vincenzo Gioberti, Primato, II, 7, Le Pii Belle Pagine, org. por Luigi Salvatorelli, Milão, Treves, 1931, p. 97.

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medieval e passam a ser figuras abertas ao diálogo com a loucura, como possibili-dade inerente à condição humana. As personagens de Ariosto, "sensatas" pelos pa-drões medievais e "desvairadas" pelos padrões renascentistas, tornam-se figuras daperene transformação da sensatez em loucura: o sensato de ontem é o louco dehoje, mas o louco de hoje será talvez o sensato de amanhã. Libertar da leitura tra-dicional as imagens de damas e cavaleiros, deixá-las entregues à sua própria lou-cura, tornando-as expressão da condição humana, esta foi a genial contribuição dafantasia de Ariosto.

OS DEBATES SOBRE O ORLANDO FURIOSO

Para dar idéia da imediata difusão do Orlando Furioso, basta recordar que dezanos depois da morte de Ariosto aparecia uma tradução francesa anônima, em pro-sa, logo seguida pela espanhola, em oitavas, de Jerónimo de Urrea (1549), famosa,apesar das ressalvas de Cervantes, ou talvez graças a elas 34 . Esta tradução, além decontribuir para consagrar na Penínula Ibérica as oitavas de Ariosto, como metroépico, tornou muito conhecidos diversos episódios do Orlando Furioso. Ainda nofinal do século XVI era publicada a tradução inglesa, de John Harington (1591). Istosem falar em obras quinhentistas inspiradas pelo poema, como La Hermosura deAngélica, de Lope de Vega, e Faerie Queene, de Spenser.

Mas já em vida do poeta, a "loucura" de sua obra começou a causar espantoem alguns leitores. Já se aludiu mais de uma vez à pergunta atribuída ao cardeald'Este: "Ma dove, messer Ludovico, avete trovato tante corbellerie?" Foi, pelo con-trário, com admiração que reagiu a irmã de Hipólito, Isabel d'Este, marquesa deMântua. Em carta de 1507, Isabel agradecia uma carta de felicitações que o cardeallhe mandara por meio de Ariosto e acrescentava que a leitura de alguns trechos dopoema lhe havia permitido desfrutar de horas de grande prazer.

As reações opostas de Hipólito e Isabel prenunciam a crise do equilíbrio renas-centista, crise que desponta ainda nos tempos de Ariosto, mas se acentua a partir dametade do século XVI. É significativo que, à medida que avança o século, comecema se tornar mais freqüentes as restrições ao poema de Ariosto. É exemplar o caso deMontaigne que, tendo sido leitor entusiasmado do Orlando Furioso, depois da via-gem A. Itália passou a exaltar Torquato Tasso e a acentuar as diferenças entre o poemade Ariosto e o de Virgílio35 . Caso exemplar, pois assinala a transformação da cultura

34. Diz Cervantes que " aqui le perdonáramos al seflor capitán [Jerónimo de Urrea] que no le hubiera traídoa Espana y hecho castellano; que le quitó mucho de su natural valor": Don Quijote, loc. cit.

35. " Montaigne a beaucoup pratiqué 1' Orlando Furioso dans le texte italien; il le goütait beaucoup dans sa

jeunesse. [...] Mais, vers 1579 (époque vers laquelle il compose 1 ' Essai "Des Livres " ), it s ' est lassé de lalecture de 1 ' Arioste: il s'indigne à ceux qui le comparent à Virgile [...]." Pierre Villey, Les Sources etI 'Evolution des Essais de Montaigne, Paris, Hachette, 1933, I, p. 68. Sobre os grandes elogios de Montaignea Tasso, após 1580, cf. op. e loc. cit., p. 254.

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renascentista, propriamente dita, em cultura maneirista, voltada para a observân-cia estrita de modelos clássicos. E o Orlando Furioso mal se enquadrava nesses precei-tos, já que não parecia atender às normas do gênero épico de derivação virgiliana.Foi por isto que, alguns anos depois da morte de Ariosto, seu poema foi severamentecensurado por um literato hoje quase esquecido, Giangiorgio Tríssino. Só a estritaimitação de Virgílio, dizia ele, podia assegurar à épica a necessária gravidade. E paraTríssino, a prova de que esta qualidade faltava à obra de Ariosto era a grande aceita-ção do Orlando Furioso até por plebeus iletrados. Ao poema da loucura de Orlando,Tríssino contrapôs sua sensata epopéia L'Italia liberata dai Goti (1547), que, ajustadaa documentos históricos e a modelos retóricos, deu voz aos que queriam excluir opoema de Ariosto dos padrões de "normalidade" artística.

Ao estabelecimento de normas no plano estético correspondiam instituiçõessemelhantes no plano ético e religioso. A partir de meados do século XVI a Euro-

pa cristã assiste à fixação das normas de ortodoxia, em Augsburgo, em Genebra ouem Trento. É curioso notar que os então desconhecidos Ariosto e Lutero talvez te-nham cruzado seus passos em Roma, no ano de 1510. Mas, embora divididos quan-to às questões teológicas, católicos e protestantes pouco ou nada divergiam quan-to à circunspecção com que se deviam tratar temas considerados sagrados. Assim,a uns e outros passava a se mostrar indesejável o sorriso ariostesco, que não desa-parece sequer diante de figuras de religiosos (como o digno antepassado de Tartufo,que é o eremita "devoto e venerabile" de II, 12 e seguintes; ou como os prelados, cujotraje é evocado para descrever o da bruxa Erifia, cf. VII, 4), nem mesmo diante defiguras sagradas (como o apóstolo João, cf. XXXIV, 73) e nem ainda diante de te-mas espirituais (como a oração, cf. XXXIV, 74). Ariosto chega mesmo a dizer queos cortesãos do palácio de Alcina prestam a Rogério as mesmas homenagens quepoderiam prestar a Deus (VII, 9). Isto sem falar na sensualidade, ou mesmo na las-cívia, que alguns atribuíam a Ariosto (cf. a sedução de Alcina, VII, 17-22). Nova-mente, as corbellerie do Orlando Furioso eram julgadas merecedoras de banimento,por motivos éticos, também.

Para agravar a situação do poema de Ariosto, as duas vertentes da discussão –limites éticos e estéticos da criação artística – muitas vezes confluíram, sobretudodesde a publicação do texto original da Poética de Aristóteles (1536), traduzida aoitaliano por Ludovico Castelvetro (1576). Desde então, uma das questões mais de-batidas foi precisamente a das relações entre verdade e criação poética.

Tomou tal proporção o debate sobre a regularidade e a moralidade da epo-péia, que passou a envolver nomes bem mais importantes que o de Tríssino (malo-grado no plano artístico). Um poeta genial, como Torquato Tasso, viu-se obrigadoa justificar, em escritos teóricos, a Jerusalém Libertada. E é bem sabido que, no iníciodo poema, Tasso pede à Musa que lhe perdoe as licenças da fantasia, por vezes inevi-táveis: "...perdona / s'intesso fregi al ver, s'adorno in parte / d'altri diletti che de' tuoi,le carte". Licenças, continua Tasso, merecedoras de perdão, pelos valores éticos que

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as inspiram, porque, como a criança enferma, o leitor "succhi amari ingannatointanto ei beve, / e da 1'inganno suo vita riceve"

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O debate estético, assim, cada vez mais tomava caráter ético. Aí está por que atémesmo La Fontaine, ao adaptar alguns episódios picantes do Orlando Furioso (entreos quais o da taça dos maridos traídos, OF, XLIII), procurou desculpar-se de acusa-ções de sensualidade, dizendo que "1'on ne sauroit me condamner que 1'on ne con-damne aussi 1'Arioste devant moi"37 . Mas o ponto principal era distinguir a poesiafantasiosa e, portanto, condenável, da poesia dita histórica e, como tal, louvável. Adiscussão, que na Itália quase sempre contrapôs os nomes de Ariosto e Tasso, só seesgotou em fins do século XVII, mas seus ecos foram muito além. Não é possível aquiacompanhar a história desse debate que ainda em nossos dias vem condicionando,em certa medida, a apreciação do Orlando Furioso. Mas pode-se observar que o quehá de comum a todas as críticas que se acabam de citar é que perdem de vista o diá-logo fundamental que há na obra de Ariosto, tomando a obra toda como expressãode uma das vozes desse diálogo, a da loucura.

Mas há também críticas que tampouco chegam a captar o diálogo do poema,por darem ouvidos somente àquilo que na obra de Ariosto é expressão da razão re-nascentista. São críticas que lêem Ariosto como se seu poema se enquadrasse per-feitamente na norma do classicismo. Supõem que o objetivo de imitar estritamen-te os modelos clássicos, em particular Virgílio, teria presidido à composição do OrlandoFurioso. Em suma, estas críticas esperam do Orlando Furioso o que seria de esperarda Italia liberata dai Goti, de Tríssino.

Exemplo ilustre de tal posição pode encontrar-se em uma página crítica do sé-culo XVIII. Trata-se das observações feitas por Lessing à figura da maga Alcina, deAriosto 38 . Para o grande escritor alemão, a minuciosa descrição da beleza de Alcina( OF, VII, 11-15) seria exemplo da validade da tese de que a poesia não deve preten-der imitar a pintura. Alcina estaria estritamente inspirada nos cânones da pinturaclássica. Por isso, acrescenta o crítico, embora minuciosamente descrita em suas per-feições, a Alcina de Ariosto não convence como visão real da beleza ("wirklichenAnblick der Schõnheit").

Ora, sem discutir aqui a validade da tese central de Lessing, o que fica à margemdesse exemplo é justamente o sorriso ariostesco. O Orlando Furioso, como temos vis-to, está longe de querer cingir-se às normas clássicas. E, com a figura da maga, Arios-to estava bem longe de querer apresentar a realidade da beleza, como acreditavaLessing. Pelo contrário: quis apresentar a beleza falsa de uma impostora. Alcina mul-tiplica artifícios para impedir aos que seduz de conhecer suas feições verdadeiras.Sua descrição minuciosa consegue precisamente o efeito desejado pelo poeta, ou seja,

36. Torquato Tasso, Gerusalemme Liberata, I, 2-3.37. La Fontaine, Contes et Nouvelles, Paris, Garnier, 1869, pp. 5-6.38. Cf. Lessing, Laookoon, cap. XX.

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transmitir, pelo acúmulo de atrativos parciais, a imagem de uma beleza postiça einsidiosa. A feiticeira sabe que, sob a máscara dos chamarizes, bem diferentes sãosuas feições.

Sim, porque na descrição de Alcina o alvo do sorriso ariostesco é duplo. Emprimeiro lugar, o poeta sorri perante o cânone estabelecido pelo classicismo rígi-do para a descrição das belas mulheres. É desnecessário lembrar a importância dasátira feita a este cânone por alguns poetas renascentistas (haja vista o já lembra-do Francesco Berni). Em segundo lugar, o poeta sorri do costume de embelezar-secom o uso de cosméticos, costume que se difundia nas cortes do século XVI. Satí-rico de primeira grandeza, Ariosto observa que a beleza de Alcina era resultado de"arti al tempo nostro ignote" (VII, 73), e quais sejam elas fica claro no início docanto seguinte: são as artes do "liscio" (VIII, 2), do cosmético justamente. E note-se que o poeta acumula em Alcina todas as perfeições canônicas, para afinal desmas-cará-la, em versos que escaparam a Lessing. É então que se nos faz ver que a feiti-ceira era na verdade a mulher mais feia e decrépita da terra toda: "Donna si laida,che la terra tutta / né la piú vecchia avea, né la piú brutta" (VII, 72). Pena é queLessing não desse atenção a estes versos, pois lhe revelariam talvez o diálogo entreaparência e realidade, razão e loucura, que decerto agradaria ao autor de Nata, oSábio. Mas aqui, melhor que o crítico enxergou um tradutor. Jerónimo de Urreapercebeu muito bem qual a verdadeira aparência de Alcina, sob o acúmulo de atra-tivos falsos. Percebeu que não era a verdadeira beleza que Ariosto queria insinuare sim a dissimulação de uma feiúra decrépita, ou, em espanhol, "una fealdad don-de se encierra / la mayor puta vieja de la tierra':

É indispensável, portanto, escutar sempre ambas as vozes em diálogo no poe-ma de Ariosto, sem fechar os ouvidos a nenhuma delas. A esta conclusão gradual-mente chegou, ainda no século XVIII, outro grande leitor de Ariosto. De fato, aocontrário de Lessing, Voltaire a princípio de tal modo se concentrou na apreciaçãoda "irregularidade" do poema que, embora desde logo o exaltasse com grande entu-siasmo, não o considerava incluído no gênero épico. Assim traduz Voltaire sua pri-meira opinião: "I1 est vrai que 1'Arioste a plus de fertilité, plus de variété, plusd'imagination que tous les autres [poetas épicos] ensemble; et si l'on lit Homère parune espèce de devoir, on lit et on relit 1'Arioste pour son plaisir. Mais il ne faut pasconfondre les espèces.[...] L'Orlando Furioso est d'un autre genre que 1'Iliade et1'Énéide'39 . Mais tarde, porém, o escritor francês já não hesita em incluí-lo entre osépicos: "Je n'avais pas osé autrefois le compter parmi les poètes épiques; je ne 1'avaisregardé que comme le premier des grotesques; mas en le relisant, je 1'ai trouvé aussisublime que plaisant..:'40 . Mais ainda: não hesita em incluí-lo entre os maiores épi-cos, da estatura de Homero: "Il dit les choses les plus sublimes sans effort; et il les finit

39. Voltaire, "Essai sur le poème epique"; cap. VII, La Henriade, Oeuvres Choisies, cit., tomo X, p. 404.40. Dictionnaire Philosophique, p. 168.

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souvent par un trait de plaisanterie qui n'est ni déplacé ni recherché. C'est à la fois1'Iliade, 1'Odyssée, et don Quichotte"41 .

De modo geral, pode-se dizer que os críticos que mais dificuldade têm em com-preender Ariosto são aqueles que nele buscam um épico estritamente observante denormas éticas ou estéticas. Eis por que, na própria Itália, as gerações românticas fre-qüentemente se viram perplexas diante do Orlando Furioso. Em Ariosto admiravam,por um lado, o artista que dava nova vida a figuras da imaginação popular e que ofazia sem se prender às normas rígidas do classicismo. Por outro lado, estranhavamque o Orlando Furioso fosse obra tão pouco engagée (para usar termo que só maistarde entrou em moda). Para dar exemplo das objeções de alguns românticos italia-nos, lembremos o que diziam acerca de um dos cantos iniciais do poema, o canto III,que reserva largo espaço à evocação do passado da casa d'Este. Desagradava aosfautores de uma Itália unida e livre, no espírito da Revolução Francesa, que Ariostohouvesse comemorado os aristocratas da dinastia. Deveria antes, pensavam, teraproveitado a ocasião para fustigar a decadência dos senhores italianos.

Mais uma vez, o que passava despercebido era o sorriso ariostesco. Se se houves-sem lembrado da loucura do poema, logo a teriam notado nesse canto. Talvez maisque qualquer outro, o canto III é irônico, a ponto de chegar ao sarcasmo. Basta di-zer que Ariosto faz entroncar toda a dinastia num antepassado de duvidosa sinceri-dade como cristão. De fato, Rogério, o fundador da casa (I, 4 e II, 24), era um jovemmuçulmano, criado pelo mago Atlante (IV, 29-30), que só se torna cristão para secasar. E, no último canto do poema, essa mudança oportunista lhe será lançada àcara por seu antigo correligionário, Rodomonte. Não é preciso dizer o que repre-sentava semelhante antepassado para o cardeal Hipólito. Além disso, o poeta logoproclama que todas as figuras da casa d'Este (entre as quais o duque Afonso e seuirmão cardeal) aparecerão personificadas por demônios (III, 20-22). Aliás, Ariostodeu tão pouca importância à dinastia que não se preocupou sequer em consultar ocardeal para obter informações mais exatas a seu respeito. Chegou a dar nomes fic-tícios a personagens ilustres, como o de Guelfo IV, quando não lhe acudiam à me-mória os nomes históricos (III, 28). Ao tratar do cardeal Hipólito, diz que seus fei-tos são dignos de Marone (III, 56), nome que em italiano pode referir-se tanto aVirgílio Maro (como pensaria envaidecido o prelado) quanto a Andrea Marone,bufão e repentista da corte de Ferrara. Como se não bastasse, ao passar em revista osmembros da casa d'Este, Ariosto faz questão de quebrar um tabu e lembrar as ove-lhas negras da dinastia, os dois filhos de Hércules d'Este (um deles ilegítimo), que serebelaram contra o duque e o cardeal (III, 60-61). 0 golpe final do sarcasmo é o ape-lo, feito ao duque e ao cardeal, em favor dos rebeldes (III, 62), que continuavammantidos no calabouço, depois de submetidos a punições cruéis.

41. Dictionnaire Philosophique, pp. 159-160.

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Mas digressões como a que se acaba de fazer nos obrigariam a percorrer a his-tória da recepção crítica do Orlando Furioso, o que aqui não se pretende. Bastanotar que, nos demais países europeus, os críticos do século XIX de modo geral an-teciparam ou confirmaram opiniões análogas às que encontramos entre os român-ticos italianos. Haja vista o caso ilustre de Burckhardt. Embora exaltando a mes-tria artística de Ariosto, observa Burckhardt que ele a deveria ter usado paraescrever uma Divina Comédia ou um Fausto42 . Vai, assim, difundindo-se a imagemde um Ariosto que poderíamos definir como "alienado" (a palavra é usada de pro-pósito). Para isso terá contribuído em parte a Estética de Hegel. O grande filósofonão poupa elogios à arte de Ariosto, ao falar do gênero épico; entretanto, em ou-tra página de seu tratado, ressalta o que lhe parece ser a fantasia desvairada do poe-ma: "Não há extravagância nem loucura que suas personagens não tomem a sério".Nem falta ao juízo hegeliano sobre o Orlando Furioso a nota moralista: "O amor[...] degenera muitas vezes em obscenidades sensuais" 43 . Claro está que ao séculoXIX não faltaram também grandes admiradores de Ariosto. Um deles é VictorHugo, para quem existem "trois Homères bouffons: Arioste, en Italie, Cervantes,en Espagne, Rabelais en France" 44 .

Se avançássemos pelo século XX, veríamos talvez que alguns críticos continuama se mostrar perplexos diante da obra de Ariosto, exatamente por quererem reduzi-la a categorias que estão longe de a explicar na totalidade. Ainda hoje, por exemplo,há quem, insistindo em partir do princípio de que o Orlando Furioso há de ser obrade estrita imitação virgiliana, faz esforços dignos de melhor causa para tentar mos-trar que Orlando deve ser interpretado como a versão masculina de Dido. Se este éum exemplo de crítica que parece ditada por preconceitos estéticos, há outras queparecem padecer de preconceitos éticos. Assim, hoje há críticos que não se confor-mam com a atitude de Melissa no episódio da "Taça dos Maridos Traídos" (OF, XLIII)e sustentam que deve tratar-se de figura diferente da Melissa benfazeja, que ajudaBradamante e Rogério (VII, 38-42). Ou, pelo menos, que a Melissa da taça deve sera maga ainda jovem, antes de converter-se à prática do bem. Ora, em todos os episó-dios em que aparece, a figura de Melissa é inteiramente coerente. Seu papel é o deprevenir contra miragens falsas. É assim que ela ajuda Bradamante e Rogério, dan-do-lhes o anel mágico que os ajuda a ver, tais quais são, o mago Atlante (IV, 20) e afeiticeira Alcina (VII, 72). Este é também seu papel na fábula dos maridos. Melissadá uma taça mágica ao anfitrião de Rinaldo e lhe permite, assim, perder a ilusão defidelidade da mulher. O desengano que para Bradamante e Rogério é um "bem"; parao anfitrião é um "mal", mas em todos os casos Melissa dá meios de escapar à miragem.O que Melissa não diz, nem Ariosto, é que querer destruir a ilusão seja sempre a atitude

42. Cf. as considerações que reserva a Ariosto na quarta parte de Die Kultur der Renaissance in Italien.43. Hegel, Estética: A Arte Clássica e a Arte Romântica, trad. de Orlando Vitorino, Lisboa, Guimarães, 1958,

p. 296.44. Victor Hugo, Cromwell, " Préface , Paris, Ernest Flammarion, s.d. [1932], p. 14.

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mais sensata. Pelo contrário: o anfitrião diz que Rinaldo foi o único que mostrousensatez, pois recusou a prova da taça mágica (XLIII, 44).

Em suma, no passado, e ainda hoje, os leitores que se encontram perplexos di-ante do Orlando Furioso são, quase sempre, os que procuram no poema um con-teúdo (por adotar a denominação imprópria, mas corrente) que se justifique sópela ética ou pela racionalidade. Ora, um conteúdo de tal natureza implicaria, ime-diatamente, a expulsão da loucura que, como se disse, é tão fundamental quantoa razão na obra de Ariosto. Isto sem observar que pretender que a grandeza dequalquer poesia esteja toda na veracidade e racionalidade do conteúdo é atitudemuito pouco racional. É o que já afirmava um extraordinário cientista que foitambém grande leitor do Orlando Furioso, Galileu Galilei. Entusiasmado com aobra de seu "divino Ariosto", Galileu proclamava que na poesia a chamada verda-de dos fatos é o que menos interessa. Para Galileu, em obras de arte "come 1'Iliadee 1' Orlando Furioso [...] la meno importante cosa è che quello che vi è scritto siavero"45 . Custou-lhe caro, aliás, sustentar que até nas Escrituras Sagradas há pági-nas em que prevalece a beleza da linguagem poética e não o ensinamento científi-co. Enfim, Ariosto, Galileu e Fernando Pessoa sabiam que "o poeta é um fingidor"...

ARIOSTO ENTRE OS LEITORES DE LINGUAPORTUGUESA

Assim, eis-nos de volta ao mundo ibérico e às suas relações com Ariosto. Nãocabe desenvolver aqui o assunto, que, aliás, tem inspirado importantes estudos4e

Não cabe sequer tratar aqui das complexas relações entre Os Lusíadas e o OrlandoFurioso, outro tema que conta com algumas contribuições notáveis. A complexida-de de tais relações, como se sabe, deriva do que parece recusa, por parte de Camões,dos caminhos trilhados por Ariosto. Ao cantar seus heróis, Camões os compara,vantajosamente, aos do Orlando Furioso. Isto porque as façanhas dos portuguesesnão são "fantásticas, fingidas, mentirosas" e, portanto, "excedem Rodamonte e o vãoRugeiro, / E Orlando, inda que fora verdadeiro" 4'. É de praxe, tratando-se das rela-

_ ções entre Camões e Ariosto, citar estes e outros versos, em que o vate portuguêsinsiste em proclamar que se compraz em cantar feitos ilustres, "E tudo sem mentir,puras verdades"48 . Quando se afasta um tanto desse propósito, como ao apresentar

45. Galileo Galilei, II Saggiatore, I, 6.46. Para citar somente alguns, indispensável a consulta à obra de Maurice Chevalier, L'Arioste en Espagne.

Sobre a importância de Ariosto para a renovação dos estudos de Cervantes, veja-se a obra de Thomas R.Hart, Cervantes and Ariosto: Renewing Fiction (Princeton University Press, 1989). São trabalhos que inte-ressam também a Portugal, mas neste campo, além do estudo clássico de José Maria Rodrigues sobre asfontes camonianas, há contribuições de Giuseppe Carlo Rossi e de outros estudiosos, aos quais se fazreferência em notas seguintes.

47. Camões, Os Lusíadas, I, 11.48. Idem, V, 23.

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as ninfas da "Insula divina", Camões deixa claro que o faz em homenagem a ideaiséticos, pois suas ninfas alegóricas mais não são que "as deleitosas / Honras que a vidafazem sublimada" e que, como todas as ficções antigas, devem levar ao "Caminho davirtude, alto e fragoso / Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso" 49 . Mas, ao contrário doque se poderia pensar, a divergência aparente entre ambos os poetas não exclui aatenção de Camões para com a obra de Ariosto.

De fato, é preciso recordar que a mesma objeção de não ser "verdadeiro" feitaao Orlando Furioso é também feita pelo vate português às grandes epopéias clássicas.Relembrem-se as estâncias nas quais Camões contrapõe "a verdade, que eu conto nuae pura" às "fábulas vãs, tão bem sonhadas" 50 . E estas fábulas foram criadas, comopouco antes havia dito, por Homero e Virgílio. Ou, para citar os versos camonianos,por aquele "Sobre quem tem controvérsia peregrina / Entre si Rhodes, Smyrna eColofônia / Atenas, los, Argo e Salamina". E também por aquele "que esclarece todaAusônia / A cuja voz altíssona e divina, / Ouvindo, o pátrio Míncio se adormece /Mas o Tibre co' o som se ensoberbece". Ora, basta ler com atenção as palavras cita-das para perceber que, qualquer que fosse a veracidade das "fábulas" de Homero eVirgílio, sua poesia se impunha à admiração não só do poeta português, mas de todaa humanidade. O próprio Camões, aliás, já havia dito acerca de seus heróis "que deHomero / A cítara para eles só cobiço" 52 . E é supérfluo acrescentar o que representa,para seu poema, o modelo de Virgílio. Observe-se, mais, que o grande poeta portu-guês exalta a veracidade dos feitos pátrios, mas sabe que ela por si não basta paraassegurar a grande poesia, "a cítara de Homero", por ele cobiçada. Tanto o sabe quenão renuncia à beleza dos versos, prometendo cantar "De amor dos pátrios feitosvalerosos / Em versos divulgados numerosos" 53 . Note-se, pois, que Camões faz ques-tão de deixar claro que sua concepção da veracidade épica em nada lhe diminui aadmiração pelos clássicos e pela beleza de sua arte. Enfim, Camões está longe de limi-tar o valor da poesia ao conteúdo noticioso ou edificante. Nem outra atitude sepoderia esperar de um poeta de sua grandeza.

A questão da veracidade do poema de Ariosto não podia, portanto, impedirque Camões lesse atentamente o Orlando Furioso. É de observar que os três nomes depersonagens de Ariosto presentes nos já citados versos iniciais do poema camonianocorrespondem precisamente aos três grandes núcleos da narrativa de Ariosto: "Ro-lando" evoca todo o ciclo da loucura; "Rodamonte" evoca as aventuras de guerra;"Rugeiro", as aventuras de amor. Mas, além de leitor atento, Camões chegou a bus-car inspiração no Orlando Furioso, como, aliás, tem sido observado pela crítica por-

49. Idem, IX, 89 e 90.50. Idem, V, 89.51. Idem, V, 87.52. Idem, I, 12.53. Idem, I, 19.

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tuguesa. Até mesmo o tema geral de Os Lusíadas, já se notou, pode ter sido sugeridopela leitura do episódio dos "Novos Argonautas" de Ariosto 54. Não têm passadodespercebidas, em particular, soluções análogas às de Ariosto na construção das oi-tavas e das rimas dos versos camonianos 55 . Mas muito há que examinar neste ponto.Poderia notar-se, por exemplo, o uso camoniano do hendecassílabo "irregular" 56,éncontradiço, como já se disse, no poema de Ariosto. Já se observaram também co-incidências literais, ou quase, entre Camões e Ariosto, algumas bem conhecidas,como a famosa expressão "engenho e arte" (cf. OF, VI, 53,) outras dignas de maisatenção como o verso camoniano "Já que o juízo humano tanto erra" 57 , que ecoaoutro, famoso, de Ariosto: "Ecco il giudicio uman come spesso erra" (I, 7). Poderianotar-se também a adoção de algumas rimas incomuns e praticamente idênticas,como "Brava / lava"58 , encontrada em OF, VI, 34. Mas tratar da presença de Ariostonos versos "numerosos" de Camões exigiria estudo só a isso dedicado.

Mereceria exame também a presença de figuras ou episódios de Ariosto em al-guns trechos camonianos. A descrição da "angélica" beleza de mulheres como Leo-nor Teles – "suave e angélica excelência"; contra a qual toda a resistência é impossí-vel 59

– faz pensar precisamente na beleza de Angélica, à qual todos os homenssucumbiam. Seriam também de notar semelhanças entre episódios como o de Ve-loso atacado pelo bando de nativos 60 e o de Rogério assaltado pelo bando de Erna(OF, VI, 60-64), ou como o do estratagema com que Tétis engana o Adamastor 6 ',que faz lembrar o embuste de Dalinda contra Ariodante ( OF, V, 49-50). Os versosde Camões sobre o desamparo dos poetas 62 evocam, em mais de um momento, asconsiderações de Ariosto sobre a poesia e seus protetores, no canto XXXV do Or-lando Furioso. Chamam também a atenção semelhanças no desenvolvimento demitos clássicos, como o de Aretusa, evocado por Ariosto (VI, 19) e Camões 63 .

Mas não cabe aqui aprofundar o exame da presença de Ariosto no poema deCamões, tema que, como ficou dito, tem sido diversas vezes tratado pela crítica. Oimportante agora é dizer que prevaleceu a impressão de que o poeta português seafastava do italiano, e que o distanciamento que lhe foi atribuído não podia deixarde ter reflexos junto aos leitores de língua portuguesa. De qualquer forma, outros

54. Cf. José da Costa Miranda, "Ainda sobre Camões e Ariosto"; Arquivos do Centro Cultural Português, XVI,1981, pp. 777-784 (neste artigo o autor anunciava a preparação de estudo sobre Ariosto em Portugal, quenão sei se chegou a publicar).

55. Cf. Luciano Rossi, " Considerações sobre Ariosto e Camões ' ; Brotéria, novembro de 1980, vol. 111, pp.378-392.

56. Cf. os seguintes exemplos d ' Os Lusíadas: IV, 59; V, 17; V, 82; VI, 41.57. Camões, Os Lusíadas, III, 9.58. Idem, X, 39.59. Idem, III, 143.60. Idem, V, 36.61. Idem, V, 53-54.62. Idem, V, 97-98.63. Idem, IV, 72.

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percalços surgiram ao caminho do Orlando Furioso. Entre eles, a ordem de que emPortugal fosse expurgado o poema, por exigência da Inquisição, em 1581'. Assim, àimagem de "falso" foi acrescentada, em Portugal, a nota de "lascivo" ao poema deAriosto.

O surpreendente é que os portugueses continuassem a ler o Orlando Furioso,seja na tradução espanhola de Jerónimo de Urrea, seja no original italiano. Tantoque, já na segunda metade do século XVII, um grande escritor, como o Padre ManuelBernardes, lamentava que estivesse "tão estragado o gosto que gostemos mais [...]de Orlando Furioso, do que do Pastor de noche buena" 65.O testemunho é importante,pois confirma que a obra de Ariosto mantinha forte presença entre os portuguesesdo século XVII, apesar de todas as tentativas de censura e de expurgo. Aliás, Bernar-des mesmo estava entre seus leitores, tanto que cita alguns versos de Ariosto. É elequem nos diz, na Nova Floresta: "Ajuntemos, pois, esta fábula [...] com a que fanta-siou, mais atrevido, Ariosto do ginete Rabicano, gerado só do fogo e do vento e pas-tando ar como camaleão" 66 .

Ariosto continuou, em maior ou menor medida, a encontrar leitores portu-gueses no século XVIII (o Orlando Furioso, como uma das fontes de La Fontaine,teria interessado ao grande tradutor do poeta francês, Filinto Elísio). No século XIX,encontraremos entre seus admiradores nomes como os de Herculano e Garrett fi7.Adiante se falará da tradução portuguesa de Xavier da Cunha (1895), que é, por sisó, indício da continuidade do interesse do público português pelo Orlando Furioso.Mas deixando para outros tratar dos caminhos de Ariosto em Portugal, digamosalgumas palavras sobre sua acolhida no Brasil.

Se a presença das sátiras de Ariosto na literatura colonial brasileira merece aten-to exame, aqui só se pode acrescentar algumas notícias sobre a recepção dada entrenós ao Orlando Furioso. Recepção que parece ter estado quase sempre vinculada àdiscussão da importância da veracidade histórica para a poesia épica. Parece, digo,pois avaliar com precisão o lugar ocupado entre nós pelo Orlando Furioso dependede estudos que ainda se aguardam. Só assim poderemos conhecer, por exemplo, os

64. Cf. Maurice Chevalier, op. cit., pp. 447-448.65. Cf. Padre Manuel Bernardes, Estímulo Prático, exemplo XV, moralidade, p. 123 da ed. de 1730, reprodu-

zida pelo volume X das Obras Completas do Padre Manuel Bernardes, parte da " Biblioteca Fac-similar deAutores Clássicos" (São Paulo, Editora Anchieta, 1946) [grafia atualizada].

66. Padre Manuel Bernardes, Nova Floresta, IV, " Dádivas, Liberalidade'; II (Porto, Lello, 1949, IV, p. 278; cf.Obras Completas, cit., vol. IV, p. 267).

67. Herculano começou a traduzir Ariosto, mas o trabalho se perdeu, exceto as primeiras trinta e seis oitavasdo poema (cf. Giuseppe Carlo Rossi, La letteratura italiana e le letterature di lingua portoghese, Turim,Società Editrice Internazionale, 1967, p. 92). Dessa tradução de Herculano foi testemunha excepcional oi mperador Pedro II: " Nas horas de descanso [Herculano] traduz Ariosto, que ele diz agradar mais emverso solto"; Diário de Pedro II, 19.6.1871, cit. por Heitor Lyra, História de Dom Pedro II, Belo Horizonte,Itatiaia e Editora da Universidade de São Paulo, tomo II, p. 179. Quanto a Garrett, a trama de Dona Branca" é constituída em boa parte sobre tópicos deixados por Ariosto (ou pela épica portuguesa dos séculosXVI, XVII e XVIII, que nele tanto bebeu) (Ofélia Milheiro Caldas Paiva Monteiro, A Formação de AlmeidaGarrett, Coimbra, Centro de Estudos Românicos, 1971, vol. II, p. 241).

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motivos que teriam levado os brasileiros do século XVIII a preferir Tasso, enquantoAriosto teria sido "antes exaltado do que imitado, ao tempo do Arcadismo"; comoafirma Sergio Buarque de Holanda68 . Certo é que a presença de Tasso não significouausência do Orlando Furioso, tanto que o próprio Sergio Buarque de Holanda vê naOlímpia de Ariosto uma das inspiradoras da Moema de Santa-Rita Durão 69 . Existeaté mesmo notícia de uma tradução setecentista de Ariosto, devida a Miguel Eugê-nio da Silva Mascarenhas70.

Assim, enquanto se aguardam estudos sobre a presença do Orlando Furioso nasletras brasileiras, o que se pode é respigar algumas referências de nossos escritores ecríticos ao poema. De tais referências é que se pode extrair, provisoriamente, a con-clusão já mencionada, ou seja, que, no Brasil, o Ariosto épico quase sempre foi lem-brado como criador do "vão Rugeiro'. É significativa, a esse respeito, a alusão de umescritor colonial. Em seus Aplausos Natalícios, um poeta menor, João de Brito e Lima,evocando um desafio, escreve os seguintes versos:

Como mantenedor chama arroganteAos Cavaleiros com notável brio,E se houvera decerto BradamanteNão sei se lhe aceitara o desafio 71 .

Aparece aqui a guerreira Bradamante, possivelmente confundida com outrafigura de Ariosto, Brandimarte. Seja como for, o verso "E se houvera decerto Brada-mante" remonta ao camoniano "Orlando, inda que fora verdadeiro':

Já ao início do século XIX pertencem as Preleções Filosóficas, de Silvestre Pinhei-ro Ferreira. Nessas Preleções, de 1813, Ariosto encabeça a lista de poetas cuja leitura

indispensável a todo o homem que quer formar o Gosto sobre os diferentes gêne-ros de Poesia"72 . Ao colocá-lo ao lado de épicos como Tasso e Milton, Pinheiro Fer-reira, como Voltaire na primeira fase, parece sublinhar que a poesia de Ariosto re-presenta um dos "diferentes gêneros" cuja variedade se mostra pelo contraste com agravidade dos demais poetas. Assoma aqui a lembrança do sorriso ariostesco, que éjustamente o que parece ressaltar a Epístola, de Francisco Bernardino Ribeiro, escri-ta cerca de vinte anos mais tarde. Nela se chega a incitar o poeta iniciante a guiar-sepor artistas pouco "ortodoxos": Ariosto surge agora recomendado em companhiade poetas sensuais e por vezes burlescos:

68. Sergio Buarque de Holanda, Capítulos de Literatura Colonial, São Paulo, Brasiliense, 1991, p. 109. SobreAriosto no Brasil, cf. meus apontamentos em "Ariosto in Brasile: cenni sulla fortuna dell ' Orlando Furioso",Revista Internacional d'Humanitats, n. 4, 2001.

69. Idem, p. 137.70. Cf. Arthur Motta, História da Literatura Brasileira, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1930, vol. 2,

p. 366. Não se esclarece se a tradução seria do Orlando Furioso ou das sátiras, nem se feita em verso.71. Cf. J. Aderaldo Castello, O Movimento Academicista no Brasil, III, 6, p. 100.72. Silvestre Pinheiro Ferreira, Preleções Filosóficas, São Paulo, Edusp e Grijalbo, 1970, p. 268.

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Aí tens o belo, o encantador Ovídio,Que te dirija os passos, aí tens o Ariosto,Byron, Sterne, Garrett, honra dos lusos 73 .

É possível que haja traços da leitura de Ariosto em alguns romances de nossoRomantismo. Para dar um exemplo, A Luneta Mágica, de Joaquim Manuel de Mace-do, leva a pensar no "anel mágico" que, no poema de Ariosto, revela também a "re-alidade": Mas para encontrar referências importantes de nosso século XIX ao Orlan-do Furioso teremos talvez de passar da criação à crítica literária e chegar às páginasde Araripe Júnior.

Admirador do "imortal poema" e de seu autor, o crítico cearense teve intuiçõesfelizes na apreciação geral de Ariosto. É notável, antes de mais nada, que AraripeJúnior veja a importância do poeta renascentista como patriarca do romance, espe-cialmente como mestre das técnicas de folhetim, ou da "retórica da ficelle"; como dizele: "Tudo me leva a dar como assentado que o verdadeiro pai das formas do roman-ce contemporâneo é o Ariosto. Foi ele quem, aprendendo com o povo a mentir, cons-truiu a verdadeira retórica da ficelle" 74 . Notável também a intuição do paradoxo dopoema de Ariosto, que é essencialmente "loucura" e "verso"; ou seja, "irracionalida-de" e "racionalidade" indissoluvelmente vinculadas. É o que expressa o crítico aopedir "que me explicassem como o Ariosto, sendo o tipo da razão equilibrada, pôdeescrever o Orlando Furioso, uma loucura versejada"". E a explicação, ele próprio avislumbra, ao escrever estas palavras:

O paradoxo não é senão muitas vezes o resultado de um desencontro de linguagem, umadeslocação, não do objeto, mas do ponto de vista; e, neste caso, basta uma simples inversão paraque os divergentes, como os dois cavaleiros de Ariosto, que se batiam pela cor de um escudo,entrem logo em acordo, reconhecendo a sem-razão da luta 76 .

Em suma, para Araripe Júnior,

[...] o gênio do autor do Orlando Furioso uniu e sistematizou tudo isto, realizando um poemasem igual, em que as enargueias, em perfeita continuidade, dilataram-se ao infinito, transforma-ram-se em todos os sentidos e, como um caleidoscópio, ou como o pensamento em toda a liber-dade cerebral, produziam os mais surpreendentes efeitos, acomodando-se a todas as exigênciasde uma alma irrequieta 77 .

73. Cit. por Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira, Belo Horizonte, Itatiaia, 1981, vol. 2, p. 329.Note-se que Ariosto vem lembrado entre os que souberam tocar a nota humorística, em particular Sterne.

74. Araripe Júnior, Obra Crítica, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Cultura, Casa de Rui Barbosa, 1958,vol. II, pp. 30-31.

75. Idem, vol. III, p. 221.76. Idem, vol. II, p. 15.77. Idem, vol. II, p. 31.

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Muito importantes, além disso, as alusões de Araripe Júnior a certos episódiosmenos conhecidos (como o de Orrilo) que revelam a extensão de sua leitura. Diz ocrítico: "Quantas vezes não tive de correr atrás de minha própria cabeça, cortada earrebatada por um gênio maligno, como aquele desgraçado Orrile do poema deAriosto?"" Aprendendo a sorrir com o "grão-mestre Ariosto"; Araripe Júnior evocao episódio da loucura de Orlando para polemizar com Sílvio Romero:

Descreve o Ariosto, em seu imortal poema, uma cena em que Rolando, enfurecido porqueAngélica o traíra, lança de si a espada, despe-se da armadura, começa a desarraigar pinheiros e adestruir o que se oferece aos olhos apaixonados. As cóleras do Sr. Sílvio Romero, em certosmomentos, fazem lembrar os arrebatamentos épicos do guerreiro de Roncesvalles 79 .

Note-se, afinal, que a maioria das referências de Araripe ao Orlando Furiosoremonta ao final da década de 1880, ou seja, a anos anteriores ao aparecimento datradução de Xavier da Cunha.

Os anos em que o crítico cearense evoca a obra de Ariosto são também os anosem que vão nascendo os primeiros grandes romances de Machado de Assis. E é difícilencontrar outro autor brasileiro cuja atitude apresente tamanhas afinidades comoo sorriso ariostesco. Quase nada, entretanto, é o que se tem escrito sobre as relaçõesentre ambos os escritores.

Machado provavelmente conheceu trechos do Orlando Furioso na antologia bi-língüe de De-Simoni 80 , publicada na década de 1840, como adiante se dirá. Mas sãonotáveis as afinidades que o ligam ao poeta renascentista, em particular a "fusão dehumorismo filosófico e fantástico", de que fala José Guilherme Merquior 81 . Note-se,a este propósito, uma importante referência de Machado à obra de Ariosto, no ca-pítulo XXIX de Dom Casmurro. É o episódio em que se descreve a imaginária chega-da do imperador à casa de D. Glória, onde salva Bentinho de separar-se da queridaCapitu. A suposta visita é criação do próprio Bentinho, cuja fantasia chega a vencera do poeta. Isto é o que observa Machado de Assis: "Não, a imaginação de Ariostonão é mais fértil que a das crianças e dos namorados": É significativo que este roman-ce seja pouco posterior ao aparecimento, em 1895, da tradução de Ariosto por Xavierda Cunha. Seria talvez promissor aproximar os protagonistas, Orlando e Bentinho,enamorados que o ciúme (fundamentado no caso de um, fundamentado ou não, no

78. Idem, vol. I, p. 284. Cf. também a alusão aos "gigantes do Ariosto, que desfaziam-se, refaziam-se, paradepois prosseguirem através de florestas...", op. cit., vol. II, p. 144.

79. Idem, vol. III, p. 318.80. Cf. Edoardo Bizzarri, Machado de Assis e a Itália, São Paulo, Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1961, pp.

22 e ss. Há uma reedição desse trabalho nos Novos Cadernos do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro (n. III,1988). A hipótese de Bizzarri não diz respeito, especificamente, a Ariosto.

81. José Guilherme Merquior, "Gênero e Estilo nas Memórias Póstumas de Brás Cubas'; em Colóquio (Letras),Lisboa, n. 8, 1972, agora reeditado como "O Romance Carnavalesco de Machado", introdução a Memó-rias Póstumas de Brás Cubas, São Paulo, Atica, 2000, p. 4.

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caso de outro) acaba por apartar da "realidade". Mas não cabe desenvolver aqui esteparalelo. De qualquer forma, a indulgência risonha e o apuro formal que marcam aobra machadiana fazem lamentar que o grande romancista e tradutor de Dante nãonos tenha dado o Orlando Furioso em português. Com "a pena da galhofa e a tinta damelancolia"; Machado teria sido, provavelmente, o tradutor ideal de Ariosto.

Por esses anos dava também os primeiros passos a República e chegava ao augedo Positivismo brasileiro, que deve ser lembrado quando se fala de Ariosto no Bra-sil. Sim, pois, como se sabe, o calendário positivista comemora o poeta no primei-ro domingo do mês dedicado à "Epopéia Moderna" 82 . A presença do Positivismopodem talvez atribuir-se quase todos os poucos casos de brasileiros de prenomeAriosto. Alguns nomes, mais ou menos freqüentes no Brasil, tomados a perso-nagens do Orlando Furioso, como Alcina, Angélica, Doralice, Melissa, Olímpia, Ri-naldo (ou Reinaldo) e Rogério (além do principal, Orlando, ou Rolando), prova-velmente se difundiram entre nós graças não só ao poema, mas a um conjunto deinfluências.

Modesta parece ter sido a presença de Ariosto no Brasil a partir do início doséculo )(X. O assunto, entretanto, merece ser investigado e pode reservar surpresas,como o testemunho de Manuel Bandeira, já citado. Mas em geral se encontram alu-sões vagas, que aproximam Ariosto e Tasso como se fossem poetas semelhantes nãosó na grandeza, mas no estilo. Lembremos o que diz Murilo Mendes:

O Tasso e o Ariosto, inserindo a liberdade da invenção e do humour dentro dum esquemade rigidez clássica, percorrem estas ruas [de Ferrara] organizadas para futuras ruínas sólidas,dando-se os braços na dimensão das festas fabulosas da corte estense, nutrida de cultura e dra-mas de sangue

83 .

Referência importante ao Orlando Furioso se encontra na obra infantil deMonteiro Lobato84 . Embora à primeira vista Lobato não pareça distinguir o poemade Ariosto dos velhos romances de cavalaria, sua página nos faz ver – e nisto está aimportância – que na biblioteca do Sítio do Picapau Amarelo não faltava o OrlandoFurioso e que Dona Benta se dispunha a ler aos netos o poema. Se o tivesse feito, teriadado exemplo pioneiro do que somente em nossos dias se realizou, quando ItaloCalvino recontou o poema, dirigindo-se principalmente aos jovens leitores.

Pobre e desprovida de originalidade parece ter tido a reflexão da crítica brasi-leira do século XX sobre o poema de Ariosto. Os poucos que entre nós deram aten-ção ao Orlando Furioso, depois de algumas palavras de homenagem de praxe à artedo poeta (de que em geral não mostram conhecer mais que um ou outro episódio, etalvez nem isso), passam quase sempre a repetir observações convencionais e vagas.

82. Cf. H. B. da Silva Oliveira, Nota sobre o Positivismo, Rio de Janeiro, 1968, pp. 17 e ss.83. Murilo Mendes, " Carta Geográfica'; Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1995, p. 1096.84. Monteiro Lobato, Dom Quixote das Crianças, cap. II.

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Veja-se o caso da obra, tão valiosa por outros aspectos, de Otto Maria Carpeaux. Notocante a Ariosto, o crítico não vai além da apressada repetição do rotineiro. "Oproblema não é explicar o que está escrito no Orlando Furioso, mas explicar por quefoi escrito"; diz Carpeaux 85 . Este juízo poderia ter como patrono o cardeal d'Este.Surpreendente é que um notável escritor, como Viana Moog, pareça conhecer deAriosto somente o que terá lido em Hegel. Seu ensaio sobre o humorismo reserva aopoeta ligeira menção, que reduz o mérito do Orlando Furioso à liqüidação dos ro-mances de cavalaria:

Não podia, entretanto, sobreviver por mais dilatado período esse gosto artificial na litera-tura, sobretudo depois que Ariosto vibrava contra ele com o Orlando Furioso um golpe mortale impiedoso. Com Ariosto cessa, definitivamente, a curiosidade para o gênero literário das nove-las de outrora

86_

É espantoso, enfim, o tratamento dado a Ariosto nas palestras sobre a culturado Renascimento promovidas, em 1977, pelo Museu Nacional de Belas Artes. O poe-ta fica, praticamente, ausente destes colóquios. Tudo o que se diz do Orlando Furiosoé que seria um dos "romances cavaleirescos versificados" 87. Nada mais. Inútil procu-rar menção à obra satírica do poeta, cujo nome só aparece adiante, secamente e depassagem, porque autor teatral".

ARIOSTO EM PORTUGUÊS

Para o quase esquecimento de Ariosto no moderno panorama cultural brasi-leiro decerto contribuiu a penúria de traduções do Orlando Furioso em língua por-tuguesa89 . Pelo que é dado saber, até hoje o leitor brasileiro não pôde contar sequercom a tradução em versos de um canto completo de Ariosto 90 . Além da vaga notíciado citado trabalho setecentista de Silva Mascarenhas, consta que houve tentativa de

85. Otto Maria Carpeaux, História da Literatura Ocidental, Rio de Janeiro, O Cruzeiro, s.d., vol. I-A, p. 465.86. Vianna Moog, Heróis da Decadência, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964, p. 72.87. Antonio Carlos Villaça, "A Literatura no Renascimento ' ; em Edson Motta (org.), O Renascimento, Rio de

Janeiro, Agir, 1978, p. 37.88. Guilherme Figueiredo, "O Teatro do Renascimento"; op. cit., p. 146.89. Todas as traduções portuguesas do Orlando Furioso são do século XIX, algumas das quais hoje perdidas.

Restaram, além de traduções parciais, a de João Vieira Caldas, em versos livres, de 1844, ainda inédita, ea de Xavier da Cunha, em prosa, de 1895 (cf. Giuseppe Carlo Rossi, op. cit., p. 100). Em lingua portuguesa,portanto, não há tradução completa de Ariosto em oitavas, metro, além disso, poucas vezes reproduzidonas traduções parciais. Cabe acrescentar que em Portugal circularam também traduções castelhanas dopoema, não só a mais conhecida, de Jerónimo de Urrea, mas outras, como a de Augusto de Burgos(Barcelona, 1846), em silvas, e a de Vicente de Medina y Hernández, em oitavas (Barcelona, 1878).

90. Cláudio Tavares Bastos registra poucas traduções parciais de Ariosto (cf. C. Tavares Bastos, Dante e Ou-tros Poetas Italianos na Intrepretação Brasileira, Rio de Janeiro, Laemmert, 1953, p. 179).

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tradução do Orlando Furioso por um membro do Instituto Histórico e Geográfico,Ludgero da Rocha Ferreira Lapa91 .

A primeira (e até agora única) tradução brasileira do Orlando Furioso é umatradução em prosa, devida a Salustiano da Silva Alves de Araújo Susano, que a pu-blicou no Rio de Janeiro em 1833 92 . Coincidência ou não, o ano assinalava o terceirocentenário da morte do poeta. Passado pouco mais de um decênio, era publicada noBrasil uma antologia de poetas italianos, com a tradução, em oitavas, de alguns tre-chos do Orlando Furioso. Era o Ramalhete Poético do Parnaso Italiano (Rio de Janei-ro, 1843), obra do médico e poeta italiano Luiz Vicente De-Simoni. De-Simoni ofe-rece os seguintes episódios do poema, na língua original e em português: a prótase(I, 1-4); Angélica em fuga (I, 32-56), a chegada de Sacripante (canto I); cavaleirosem combate (II, 1-19); o palácio e a beleza de Alcina (VII, 1-22); preparativos doconfronto e batalha de Paris (XIV, 75-134); a amizade de Cloridano e Medoro (XVIII,164-192 e XIX, 1-16); a Discórdia (XXVII, 34-101). Nesta seleção é estranho que seomitam alguns dos episódios que, além de serem dos mais belos e conhecidos, estãorepassados de fantasia e humorismo, como a viagem de Astolfo à lua. Embora fale deAriosto com reverência, o tradutor inclina-se mais para a poesia de Tasso e talvezpreferisse, no Orlando Furioso, páginas onde a fantasia se mostra menos exuberante.É possível também que, pela crítica aos governantes, cenas como a da viagem à lualhe parecessem de divulgação pouco oportuna em antologia dedicada a Dom PedroII e patrocinada por notáveis do Império. Além disso, De-Simoni parece esforçar-sequase somente por reproduzir o enredo de cada episódio. Na transposição das oita-vas e dos versos, o tradutor mostra muito menor atenção para com o original, espe-cialmente no tocante às rimas, em geral monótonas. A partir de 1895 passou a circu-lar no Brasil a tradução portuguesa em prosa do Orlando Furioso, ilustrada comgravuras de Gustave Doré. Era obra de Xavier da Cunha, já aqui lembrada.

Todas essas traduções brasileiras, de qualquer forma, são hoje praticamente ina-cessíveis ao leitor. Tenho notícia de três coletâneas de poesia que reproduziram, noséculo XX, a tradução de versos do Orlando Furioso. A primeira delas é a BibliothecaInternacional de Obras Celebres, obra composta de vinte e quatro volumes, publica-da sem data, nas primeiras décadas do século, pela Sociedade Internacional (Lisboa,Rio de Janeiro, São Paulo, Londres, Paris). Entre os colaboradores brasileiros dacoletânea estavam escritores como José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribei-ro. O sexto volume da Bibliotheca reproduz a tradução, em oitavas, de dois episódiosde Ariosto, denominados "Angélica e Sacripante" e "Cloridano e Medoro" Os episó-dios vêm precedidos de ligeira notícia biográfica do poeta, mas omitem o nome dotradutor (que é De-Simoni). A segunda coletânea é a intitulada Poesia (Rio de Janei-

91. A informação, de Sacramento Blake, é reproduzida por C. Tavares Bastos, op. cit., p. 179.92. C. Tavares Bastos, op. cit., p. 179. Wilson Martins também registra o nome desse tradutor, mas como

Azambuja Susano (cf. História da Inteligência Brasileira, São Paulo, Cultrix, 1978, vol. II, p. 205).

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ro, São Paulo, Porto Alegre, Jackson, 2 vols., 1952), obra que faz parte dos "ClássicosJackson". A seleção, a cargo de Ary de Mesquita, inclui o episódio "Encontro de An-gélica com Sacripante", omitindo, mais uma vez, o nome do tradutor, De-Simoni.Esta coletânea foi mais recentemente reproduzida como O Livro de Ouro da PoesiaUniversal, publicado pela Tecnoprint (tenho em mãos a edição de 1988). Raimundode Magalhães publicou, em 1952, uma tradução de episódio de Ariosto 93 . Já a tradu-ção de Xavier da Cunha foi reeditada em São Paulo, em 1944, em dois volumes, pelasEdições Cultura.

Esta tradução em prosa é, portanto, a única que poderia permitir ao leitorbrasileiro conhecer ao menos um canto do poema, ou melhor, um capítulo, poiso tradutor transforma os cantos em capítulos e as oitavas em parágrafos. Basta-ria essa organização para desanimar o leitor, ainda que a prosa do tradutor tives-se qualidades extraordinárias. De qualquer forma, não se trata de desconhecer ospossíveis méritos de Xavier da Cunha na divulgação do poema ou a evidente difi-culdade do trabalho. Em prosa ou em verso, as traduções poucas vezes fazem jus-tiça aos poemas, e por muito hábeis que sejam os tradutores, "jamás llegarán alpunto que ellos tienen en su primer nacimiento", como bem dizia Cervantes 94 . Masaqui se trata, principalmente, da resistência do Orlando Furioso a qualquer tradu-ção que não respeite a métrica original, as oitavas, célebres justamente a partir deAriosto. Tratando-se de prosificação, mais que de resistência, deve-se falar em ab-soluta incompatibilidade.

De fato, no caso do Orlando Furioso as traduções em prosa equivalem à destrui-ção artística da obra original. Dos grandes clássicos italianos, Ariosto é provavel-mente o mais difícil de ser apreciado em língua diferente da sua. O próprio Dantesuporta, ao menos em algumas páginas, uma tradução em prosa: episódios como ode Francesca transmitem algo de sua beleza, ainda assim. No Orlando Furioso, po-rém, a beleza depende da união entre as imagens fantásticas e a forma original, ouseja, do diálogo entre a razão (que regula, quase matematicamente, a construçãodas oitavas) e a loucura das situações vividas pelas personagens. Não é por outra coisaque, falando do Orlando Furioso, dizia Voltaire: "Je n'ai jamais pu lire un seul chantde ce poème dans nos traductions en prose" 95 .

Nem se pense que a tradução em prosa servirá, ao menos, para conhecer comexatidão o assim chamado conteúdo do poema. Nem sequer isto é verdade. Tome-mos, por exemplo, um episódio da batalha de Paris, do canto XIV. Ë a cena em queos mouros erguem escadas, tentando tomar de assalto a cidade, onde se concentramas tropas de Carlos Magno. No esforço de escalar as muralhas, os guerreiros se amon-toam a cada degrau, incitados pelo rei de Argel, o feroz Rodomonte, que nem ao

93. Cf. C. Tavares Bastos, op. cit.94. Cervantes, op. cit.95. Voltaire, Dictionnaire Philosophique, op. cit., p. 159.

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poder divino se curvava. Leiamos então a cena, primeiro como a descreve Ariosto edepois na prosa de Xavier da Cunha. Esta é a cena original:

Sono appoggiate a un tempo mille scale,che non han men di dua per ogni grado.Spinge il secondo quel ch'innanzi sale;che terzo lui montar fa suo mal grado.Chi per virtü, chi per paura vale;convien ch'ognun per forza entri nel guado;che qualunque s'adagia, il re d'Algiere,Rodomonte crudele, uccide o fere.

Ognun dunque si sforza di saliretra it fuoco e le ruine in su le mura.Ma tutti gli altri guardano, se aprireveggiano passo ove sia poca cura:sol Rodomonte sprezza di venire,se non dove la via meno è sicura.Dove nel caso disperato e riogli altri fan voti, egli bestemmia Dio.

A cena é esta, na prosa de Xavier da Cunha:

Num dado momento encostam os Mouros às muralhas não menos de mil escadas, emcada degrau das quais há simultaneamente lugar para dois homens.

Os que marcham na dianteira vão sendo empurrados pelos que seguem na retaguarda. Alinão há que hesitar: quer seja a coragem que os anima, quer seja o medo que os obriga, forçosolhes é afrontarem o perigo, sob pena de ali mesmo os ferir ou matar a própria mão do rei deArgel, a mão do feroz Rodomonte.

Trepar ao alto das muralhas, passando incólume por entre o fogo e os destroços, é a mirados assaltantes.

Com essa mira, sorri-lhes a idéia de verem se por algum ponto mais acessível ou menosdefendido poderão realizar o assalto naquela perigosa ascensão.

Rodomonte é o único a estabelecer exceção neste sentimento geral. Empresa que não sejaarriscadíssima, só lhe inspira desdéns. Em casos de aperto e desespero, quando todos os outrosimploram a proteção divina, Rodomonte blasfema o nome de Deus!

O trecho acima permite observar a que fica reduzido Ariosto na tradução emprosa. Limitando-nos a examinar a questão do conteúdo, note-se o desvio do origi-

nal. O poeta não diz que nos degraus da escada "há simultaneamente lugar para doishomens". O que diz, isto sim, é que em cada degrau estão dois homens, ou até mais("che non ha men di dua per ogni grado"). Assim, a tradução destrói a imagem origi-

nal, apresentando degraus amplos e espaçosos onde Ariosto nos faz ver aglomeração.Além disso, limitando-nos ao conteúdo, estamos passando por alto a ruína

completa da construção rítmica e sonora, a perda de qualquer vestígio da maravi-

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lhosa oitava de Ariosto. Isto para não dizer que estamos passando ao largo de todosos aspectos de incompatibilidade entre as soluções adotadas e a finura estilística dooriginal. Aspectos que começam pela concisão perdida (o hendecassílabo "chi pervirtìz, chi per paura vale"; elegante e epigramático, torna-se a pesada e prolixa frase"Ali não há que hesitar: quer seja a coragem que os anima, quer seja o medo que osobriga"). Note-se ainda a imagem estafada, além de estranha ao original ("sorri-lhesa idéia"). Note-se mais a adjetivação redundante, nas circunstâncias antes descritas("perigosa ascensão") e nos termos em que se manifesta ("único a estabelecer exce-ção"). Em suma, se o poema apresenta um "conteúdo" de informações que devem serpreservadas, é preciso lembrar que também se devem preservar informações aindamais importantes, como o trabalho artístico.

O descuido da métrica original, aliás, acaba sempre por prejudicar o próprioconteúdo de informações. Veja-se, no trecho citado, que o esquema de rimas, tra-duzindo o diálogo entre "razão" e "loucura" alterna rimas pobres e ricas. Temos en-tão três soluções previsíveis em salire/aprire/venire e duas soluções inesperadas, gra-do/grado, homófonas rimadas, caso, aliás, encontradiço em Ariosto; temos, enfim,verdadeiro desafio na tradução de guado, palavra em posição de rima e usada demodo muito concreto, como termo técnico. As dificuldades são tamanhas, fica detal modo restrito o campo do tradutor, que a tradução portuguesa em prosa pre-feriu evitar a busca de correspondência para o termo guado, omitindo, neste pon-to, o conteúdo informativo. Isto para não falar nas distorções havidas em casos ex-tremos, como o da segunda oitava do episódio dos Argonautas (XV, 21). Diz atradução em prosa: "Mas, com o decorrer dos séculos, prevejo eu que da ocidentalpraia lusitana sairão novos Argonautas abrindo intrépido caminho por mares nun-ca dantes navegados..."Estamos longe de Ariosto e de Camões.

Tentar traduzir o Orlando Furioso desprezando a métrica original é, pois, fa-lhar, à saída, na tarefa. Resta, pois, tentar traduzi-lo em oitavas. Isto, por outrolado, além das enormes dificuldades que comporta, expõe o resultado final a peri-gos de outra ordem. Refiro-me, particularmente, ao risco das simplificações, umavez mais em nome do conteúdo. Premido a encontrar rimas, o tradutor será ten-tado a intervir nas imagens do original, tornando genéricas algumas que muitodevem de sua beleza à precisão do traçado. Tal empobrecimento leva à falsa solu-ção da dificuldade do esquema de rimas. Ou seja, empobrece-se a imagem paramelhor ajuste a um esquema de rimas cediças. Ao lado desta tentação muitas ve-zes surge outra: a de introduzir enxertos – adjetivação inexistente no original, di-gamos – a fim de contar com a facilidade de rimas abundantes, por exemplo, em-oso, -ente, ou -ado. Para voltar à cena do assédio de Paris, nela se manifestam cla-ramente a comodidade e o perigo das soluções empobrecedoras. É fácil, naqueleepisódio, apoiar-se em palavras como "escalada" ou "escadas"; que permitem rimasa mancheias, aparentemente sem trair o conteúdo. Isto, porém, seria trair algo demais importante: o primor artístico do original e o equilíbrio estético da obra.

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Diante de tais dificuldades, resta dizer algumas palavras sobre este trabalho.Esta é uma tradução que continua em andamento e que me vem ocupando ao

longo de todos os anos de atividade como professor de Literatura Italiana na Uni-versidade de São Paulo, ou seja, há mais de vinte anos. Até 1985 me dediquei sobre-tudo ao levantamento e análise das traduções já existentes, principalmente as portu-guesas de De-Simoni, Xavier de Cunha e a espanhola de Jerónimo de Urrea. Parte dotempo, infelizmente bem menos do que seria desejável, foi empregada em pesquisassobre a recepção de Ariosto. Foi a partir de 1985 que iniciei a tradução propriamen-te dita. Havia o propósito de levar a cabo, em alguns anos, a tradução do poematodo. O propósito não ficou de lado, mas o prazo almejado se mostrou impraticá-vel, em vista não só das outras ocupações profissionais e pessoais que nunca cessam,mas até mesmo da delicadeza do trabalho, cujos parâmetros ficaram expostos. Nãoé preciso dizer, a esta altura, que a tentativa de respeitar esses parâmetros exige, emalguns casos, meses de dedicação para que se chegue a traduzir uma só oitava. Istonão quer dizer, evidentemente, que os resultados desejáveis tenham sido atingidos,mas somente que procurei sempre alcançá-los.

Assim, sem deixar a esperança de algum dia traduzir todo o Orlando Furioso, oque agora posso oferecer, como diz o título, é a tradução dos primeiros cantos dopoema, e de alguns episódios, geralmente considerados mais representativos, ou maisvezes lembrados por leitores de língua portuguesa. Os episódios aqui escolhidos porvezes fazem parte de outros mais amplos, cuja tradução nem sempre consegui ofere-cer desde já (por exemplo, a cena que mostra Medoro em busca do cadáver do rei éparte da história da amizade entre Cloridano e Medoro). De qualquer forma, apa-recem aqui pela primeira vez em língua portuguesa os sete primeiros cantos do po-ema, traduzidos em oitavas. O mesmo vale quanto a muitos episódios, como o dopalácio encantado e o da viagem de Astolfo à lua. Assim, creio poder dizer que, naprática, esta é a primeira vez que o poema de Ariosto aparece, em português, segun-do a métrica original. A presente tradução seguiu o texto do Orlando Furioso edita-do em dois volumes, com apresentação crítica do poeta Edoardo Sanguineti (Milão,Garzanti, 1974), mas levou também em conta o texto do Orlando Furioso e das Ope-re Minori de Ariosto, tal como estabelecido por Cesare Segre (Milão e Nápoles,Riccardo Riccardi, 1954). As ementas que precedem os cantos, os títulos dos episódiostraduzidos e as notas finais não são do original, mas do tradutor.

Este trabalho não teria chegado aonde chegou sem a ajuda generosa de pessoaspróximas, tanto mais que não contou com nenhum outro patrocínio. Quando co-mecei esta tradução vivia ainda meu saudoso Pai: a Ele, e a minha Mãe, vai minhalembrança mais agradecida. Também contei com o estímulo de meus irmãos (lem-brando que José e Maria Emiliana muito me ajudaram na bibliografia). Agradeço apreciosa ajuda de minha colega, Dra. Concha Pifiero Valverde, a quem devo, além

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de constante apoio e sugestões valiosas, a comunicação de resultado de estudos e ahospitalidade de seus familiares durante minhas pesquisas na Espanha, no ConsejoSuperior de Investigaciones Científicas. Agradeço também o apoio do editor e tra-dutor Cláudio Giordano, que mais uma vez permite fazer chegar ao público brasi-leiro a poesia de língua italiana.

Embora este trabalho tenha procurado dar atenção especial aos estudantes deLetras, a começar por meus alunos, nesta nossa "Paulicéia desvairada"; espero quepossa também atender, em geral, a quem deseje conhecer melhor esta obra-prima daarte literária do Renascimento. Concluo, pois, com a esperança de ser útil ao leitorbrasileiro, a quem digo, com o autor do prólogo das Cartas Chilenas: "Peço-te queme desculpes algumas faltas, pois se és douto, hás de conhecer a suma dificuldadeque há na tradução em versos':

PEDRO GARCEZ GHIRARDI

ORLANDO F U R I O S O

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CANTO I

Proposição — Batalha dos Pireneus — Fuga de Angélica — Combate entre Ferraú eRinaldo — Queixas de Sacripante — Uma donzela o vence — Reaparece Rinaldo —

As fontes do Ódio e do Amor

1. Le donne, i cavallier, 1'arme, gli amori,

le cortesie, l'audaci imprese io canto,

che furo al tempo che passaro i Mori

d'Africa it mare, e in Francia nocquer tanto,

seguendo 1 ' ire e i giovenil furori

d'Agramante for re, che si diè vanto

di vendicar la morte di Troiano

sopra re Carlo imperator romano.

2. Dirb d ' Orlando in un medesmo tratto

cosa non detta in prosa mai, né in rima:

che per amor venne in furore e matto,

d ' uom che si saggio era stimato prima;

se da colei che tal quasi m 'ha fatto,

che `I poco ingegno ad or ad or mi lima,

me ne sard peril tanto concesso,

che mi basti a finir quanto ho promesso.

1. Damas e paladins, armas e amores,As cortesias e as façanhas cantoDo tempo em que o mar d'Africa os rigoresDos mouros trouxe, e França esteve em pranto;Ira os movia e juvenis furoresDe Agramante seu rei, disposto a tanto,Que ousou vingar a morte de Troiano,Em Carlos, rei e imperador romano.

2. Hei de dizer de Orlando, juntamente,O que nunca se disse, em prosa ou rima:Que ficou, por amor, louco fremente,

Pondo a perder de homem cordato a estima;Isto, se aquela que me faz dementeE o pouco engenho me corrói qual lima,Assentir em poupar-me em tal medida,Que eu possa dar a obra prometida.

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O R L A N D O F U R I O S O

3. Piacciavi, generosa Erculea prole,

ornamento e splendor del secol nostro,

Ippolito, aggradir questo che vuoie

e darvi sol pu()1'umil servo vostro.

Quel ch'io vi debbo, posso di parole

pagare in parte e d'opera d 'inchiostro;

né che poco io vi dia da imputar sono,che quanto io posso dar, tutto vi dono.

4. Voi sentirete fra i piü degni eroi,

che nominar con laude m'apparecchio,

ricordar quel Ruggier, the fu di voi

e de' vostri avi illustri it ceppo vecchio.

L'alto valore e ' chiari gesti suoi

vi far() udir, se voi mi date orecchio,

e vostri alti pensier cedino un poco,

si che tra for miei versi abbiano loco.

5. Orlando, che gran tempo innamorato

fu de la bella Angelica, e per lei

in India, in Media, in Tartaria lasciato

avea infiniti ed immortal trofei,

in Ponente con essa era tomato,

dove sotto i gran monti Pirenei

con la gente di Francia e de Lamagna

re Carlo era attendato alia campagna,

6. per far al re Marsilio e al re Agramante

battersi ancor del folle ardir la guancia,

d'aver condotto, Pun, d 'Africa quante

genti erano atte a portar spada e lancia;

1'altro, d'aver spinta la Spagna inante

a destruzion del bel regno di Francia.

E cosi Orlando arrivb quivi a punto:

ma tosto si penti d'esservi giunto;

7. Che vi fu tolta la sua donna poi:

ecco it giudicio uman come spesso erra!

Queila che dagli esperi ai liti eoi

avea difesa con si lunga guerra,

or tolta gli è fra tanti amici suoi,

senza spada adoprar, ne la sua terra.

Il savio imperator, ch 'estinguer volse

un grave incendio, fu the gli la tolse.

3. Dignai-vos, ó hercúlea prole Estense,

Ornamento e esplendor do tempo nosso,

Hipólito, aceitar, pois vos pertence,

A oferta do criado humilde vosso.

O que vos devo em grande parte vence

Quanto co ' o verbo e a pena pagar posso;Nem por vos dar tão pouco ingrato sou,

Pois do que posso dar, tudo vos dou.

4. Dentre os grandes heróis, se ora me ouvis,

Vereis lembrado o nome sobranceiroQue devossa linhagem foi raiz,

Rogério, de alta estirpe avô primeiro;E se benignamente consentis

Em dar-me, por um pouco, ouvido inteiro,

Deixando por meu canto altos cuidados,

Seus feitos achareis aqui exaltados.

5. De Angélica formosa enamoradoFicara Orlando, e por amores seus

Em Tartária, Índia e Média havia deixadoInumeráveis e imortais troféus.

Ei-lo agora com ela retornadoAo ocidente, ao pé dos Pireneus,

Aos arraiais de França e de Alemanha,

Convocados de Carlos à campanha,

6. Para que aos reis Marsilio e Agramante

Cara custasse a estulta confiança

Com queumde África todo o homem prestanteTrouxera armado com espada e lança,

E outro de Espanha se pusera adiantePor oprimir o lindo chão de França.

Voltava então Orlando ao pátrio solo,

Mas logo a volta o pôs em desconsolo.

7. Pois logo sua amada ali perdia:

Que o juízo humano tantas vezes erra!Aquela pela qual lutado havia,

Da Eólia à Espéria, em tão renhida guerra,

Ora a perde entre amiga companhia,

Sem a espada brandir, em sua terra.

$ o sábio imperador quem, tendo em mira

Grave incêndio extinguir, assim lha tira.

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8. Nata pochi di inanzi era una garatra it conte Orlando e it suo cugin Rinaldo,the ambi avean per la bellezza rara

d'amoroso disio l'animo caldo.

Carlo, che non avea tal lite cara,

che gli rendea 1 'aiuto for men saldo,

questa donzella, che la causa n'era,tolse, e die in mano al duca di Bavera;

9. in premio promettendola a quel d ' essi,ch'in quel conflitto, in quella gran giornata,degl'infideliput copia uccidessi,e di sua man prestasse opra pis grata.Contrari ai voti poi furo i successi;ch'in fuga andá la gente battezzata,e con molti altri fu duca prigione,e restá abbandonato it padiglione.

10. Dove, poi che rimase la donzella

ch' esser dovea del vincitor mercede,inanzi al caso era salita in sella,e quando bisognd be spalle diede,

presaga che quel giorno esser rubelladovea Fortuna alla cristiana fede:entre in un bosco, e ne la stretta viarincontrd un cavallier ch'a piè ven?a.

11. Indosso la corazza, 1'elmo in testa,la spada alfranco, e in braccio avea lo scudo;e pis leggier correa per la foresta,ch 'al pallio rosso it villan mezzo ignudo.Timida pastorella mai si prestanon volse piede inanzi a serpe crudo,come Angelica tosto it freno torse,

the del guerrier, ch 'a pie venìa, s 'accorse.

12. Era costui quel paladin gagliardo,figliuol d 'Amon, signor di Montalbano,a cui pur dianzi ii suo destrier Baiardoper strano caso uscito era di mano.

Come alla donna egli drizzd lo sguardo,riconobbe, quantunque di lontano,1 'angelico sembiante e quel bel volto

ch'all'amorose reti ii tenea involto.

8. Desavença recente separaraRinaldo e o conde Orlando, que é seu primo:Da mesma dama, a formosura raraOs abrasava, pela graça e o mimo.

Carlos, a quem o pleito desgostara,Pois desses bravos lhe tolhia o arrimo,A donzela, que aos dois indispusera,Deu em custódia ao duque de Baviera;

9. E em prêmio a reservou ao que se houvesseCom mais valor naquela grã jornada,Ao que mais infiéis ali abatessePelo valor do braço e forte espada.Mal fundada esperança, que feneceAo pôr-se em fuga a gente batizada.Força é que então com outros mil se rendaO duque e, preso, deixe ao léu a tenda.

10. Ali se achara dantes a donzelaAo vencedor em prêmio prometida.Durante o embate, ela subira à selaE, sem que suspeitassem, foi partida.Sentiu – veio um presságio esclarecê-la –Que a Fortuna aos cristãos baldara a lida.Assim, entrou num bosque, e num carreiroEncontrou, vindo a pé, um cavaleiro.

11. Vestia couraça e tinha na cabeçaO elmo; ao flanco, espada; à mão, escudo;O bosque atravessava mais depressaQue em prova de corrida aldeão rudo.Tímida pastorinha não se apressaDe serpente a fugir bote sanhudo,Como Angélica as rédeas desviouLogo que o caminhante divisou.

12. Era esse paladim, nobre e galhardo,Filho de Amon, senhor de Montalvão.Tinha perdido seu corcel, Baiardo,Pouco havia, em insólita ocasião.Reconheceu a dama, e, como dardo,O amor lhe trespassou o coração..

Vendo-lhe ao longe o angélico semblanteCaiu do amor nos laços nesse instante.

FORTUNA
Highlight
10. Ali se achara dantes a donzela Ao vencedor em prêmio prometida. Durante o embate, ela subira à sela E, sem que suspeitassem, foi partida. Sentiu – veio um presságio esclarecê-la – Que a Fortuna aos cristãos baldara a lida. Assim, entrou num bosque, e num carreiro Encontrou, vindo a pé, um cavaleiro.

13. La donna it palafreno a dietro volta,

e per la selva a tutta briglia it caccia;

né per la rara piii che per la folta,la piú sicura e miglior via procaccia:

ma pallida, tremando, e di sé tolta,lascia cura al destrier che la via faccia.Di sú di giü, ne falta selva fieratanto gird, the venne a una riviera.

14. Su la riviera Ferraú trovossedi sudor pieno e tutto polveroso.Da la battaglia dianzi lo rimosseun gran disio di bere e di riposo;e poi, mal grado suo, quivi fermosse,perché, de 1'acqua ingordo e frettoloso,1'elmo nel flume si lascià cadere,né 1avea potuto anco riavere.

15. Quanto potea piü forte, ne venivagridando la donzella ispaventata.A quella voce salta in su la rivait Saracino, e nel viso la guata;e la conosce subito ch 'arriva,ben the di timor pallida e turbata,e sien phi dì che non n'udì novella,

che Benza dubbio ell'è Angelica bella.

16. E perché era cortese, e n'avea forsenon men de ' dui cugini it petto caldo,

1'aiuto che potea tutto le porse,pur come avesse 1'elmo, ardito e baldo:

trasse la spada, e minacciando corsedove poco di lui temea Rinaldo.Piü volte s ' eran gid non pur veduti,m 'al paragon de l'arme conosciuti.

17. Cominciar quivi una crudel battaglia,come a pie si trovar, coi brandi ignudi:

non che le piastre e la minuta maglia,

ma ai colpi for non reggerian gl ' incudi.Or, mentre Pun con 1 'altro si travaglia,bisogna al palafren che passo studi;che quanto pud menar de le calcagna,colei lo caccia al bosco e alia campagna.

13. A dama desviou a montariaE foi-se a rédea solta pela mata,Sem procurar a mais segura via,Onde o arvoredo menos se dilata.Tresloucada, a tremer, pálida, a guiaDá ao palafrém, que a esmo as trilhas cata.Acima e abaixo, a vasta selva inteiraPercorreu e foi ter a uma ribeira.

14. Junto à ribeira Ferraú mostrou-seCoberto de poeira e suor copioso.O que da frente de batalha o trouxeForam ganas de água e de repouso.Depois, a contragosto, lá ficou-se,Porque, sobre estouvado, sequioso,Das mãos caiu-lhe ao rio o elmo, ao beber,E não mais o alcançava reaver.

15. Com quantas forças tem, ergue clamor,Posta em fuga, a donzela apavorada;Salta o mouro, escutando tal rumor,E a reconhece, logo na chegada.Ainda que, por obra do temor,Mostrasse a face pálida e turvada,É aquela de quem vai buscando novas,É Angélica, não há querer mais provas.

16. Cavaleiro cortês, quiçá rivalDos primos no estimar igual beleza;Se elmo lhe falta, o que inda o braço valLogo à dama oferece por defesa.A arma empunha e feroz corre aonde malSuspeita então Rinaldo tal surpresa.Eram já os cavaleiros conhecidosDe vista e d ' armas, desde tempos idos.

17. Apeados ali, sem que lhes valhaCouraça ou malha miúda como escudo(A espada de qualquer tão rijo talhaQue em bigorna faria corte agudo),Encetam crudelíssima batalha.A dama ao palafrém manda contudoQue aperte o pé, com quantas forças tenha,E em campos, matagais, assim se embrenha.

O R L A N D O F U R I O S O

Oitava 17

18. Poi che s 'affaticar gran pezzo invano

i due guerrier per por run 1 'altro sotto,

quando non meno era con 1 'arme in manoquesto di quel, né quel di questo dotto;

fu primiero it signor di Montalbano,ch'al cavallier di Spagna fece motto,

si come quel c' ha nel cuor tanto fuoco,

che tutto n'arde e non ritrova loco.

19. Disse al pagan: – Me sol creduto avrai,

e pur avrai te meco ancora offeso:

se questo avvien perché i fulgenti raidel nuovo sol t'abbino it petto acceso,

di farmi qui tardar che guadagno hai?

the quando ancor tu m'abbi morto o preso,non peril tua la belfa donna fia;

che, mentre not tardiam, se ne va via.

20. Quanto fia meglio, amandola tu ancora,

che tu le venga a traversar la strada,

a ritenerla e farle far dimora,prima che piìt lontana se ne vada!

Come 1 'avremo in potestate, aflora

di chi esser de ' si provi con la Spada:

non so altrimenti, dopo un fungo affanno,

chepossa riuscirci altro che danno. –

18. Largo tempo forceja um por ter mão

Do outro, mas nenhum ao outro abala,

Pois ambos consumados mestres sãoDe perícia na espada, ao manejá-la.Afinal o senhor de MontalvãoDirige ao cavaleiro hispano a falaComo alguém cujo peito se acha em fogoAbrasador, que rompe em desafogo.

19. Diz ao pagão: – Cuidas que só a mim,

Mas maltratas comigo a ti também,Que se agora combates bravo assimPelo sol que ardoroso te mantém,Reter-me aqui que te aproveita enfim?Pois quer me faças morto, quer refém,De ti bem longe se achará a senhoraQue, enquanto aqui tardamos, foi-se embora.

20. Se lhe queres também, será melhorProcurares detê-la pela estradaAntes que uma distância inda maiorA separe de nós em sua jornada.Quando a alcançarmos, seja-lhe senhorQuem, de nós dois, prevalecer na espada,Pois penso, aliás, que toda esta detença

Só nos pode servir de perda i mensa.

21. Al pagan la proposta non dispiacque:cosi fu differita la tenzone;e tal tregua tra for subito nacque,sì 1'odio e l 'ira va in oblivione,che pagano al partir da be fresche acquenon lascid a piedi ii buon figliol d 'Amone:con preghi invita, ed al fin toglie in groppa,e per I'orme d'Angelica galoppa.

22. Oh gran bontà de' cavallieri antiqui!

Eran rivali, eran di fé divers;e si sentian degli aspri colpi iniquiper tutta la persona anco dolersi;

e pur per selve oscure e calli obliquiinsieme van senza sospetto aversi.Da quattro sproni ii destrier punto arrivaove una strada in due si dipartiva.

23. E come quei che non sapean se l'una

o 1 'altra via facesse la donzeila(peril che senza differenza alcunaapparia in amendue l'orma novella),si messero ad arbitrio di fortuna,Rinaldo a questa, it Saracino a quella.Pel bosco Permit molto s'avvolse,e ritrovossi al fine onde si tolse.

24. Pur si ritrova ancor su la riviera,là dove 1'elmo gli cascd ne 1'onde.Poi che la donna ritrovar non spera,per aver 1'elmo che `l flume gli asconde,in quella parte onde caduto gli eradiscende ne 1'estreme umide sponde:ma quello era sì fetto ne la sabbia,

che molto avrà da far prima che 1'abbia.

25. Con un gran ramo d'albero rimondo,

di ch'avea fatto una pertica lunga,tenta ilfiume e ricerca sino al fondo,né loco lascia ove non batta e punga.Mentre con la maggior stizza del mondotanto l'indugio suo quivi prolunga,

vede di mezzo it flume un cavallieroinsino al petto uscir, d 'aspetto fiero.

21. Ao pagão a proposta não despraz:Eis que adiada assim fica a tenção.Retorna ao seio de ambos logo a paz,Caem no olvido o ódio e a indignação.

Deixando as frescas águas para trás,Que Rinaldo está a pé lembra ao pagão.Roga-lhe, insta e o faz pór-se na garupa;Só Angélica alcançar ora os preocupa.

22. Como outrora eram bons os cavaleiros!Rivais no amor, a fé os fazia diversos,Doíam-lhes na carne inda os certeiros,Duros golpes, recíprocos e adversos.Mas iam juntos por selvas e carreiros,Sem temer ou nutrir planos perversos.Sob quatro esporas voava pela estradaO animal, até achá-la bifurcada.

23. Aqui chegados, sem saber se rumaPor uma trilha ou outra a dama bela(Já que ao olhar sem diferença algumaFrescas pisadas uma e outra revela),Convêm em que a Fortuna o mando assuma:Esta segue Rinaldo, o hispano aquela.Ferraú pelo bosque inteiro giraAté o ponto alcançar donde partira.

24. Ei-lo de novo junto da ribeiraNo lugar onde o elmo se afundara.De reavê-lo ao rio, tenta a maneira(A dama reaver desesperara).Da margem desce até a extrema beiraOnde a praia das águas se separa.Mas debalde se esforça e as mãos meneiaQue o elmo bem fincado está na areia.

25. De um galho desfolhado havia feito,Para a fundo sondar, vara bem longa,E do rio esquadrinha todo o leitoQue o varapau o braço lhe prolonga.Mas enquanto se acresce seu despeitoPela procura inútil que se alonga,

Das águas, até o peito se descobre,Com rosto irado, um cavaleiro nobre.

FORTUNA
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23. Aqui chegados, sem saber se ruma Por uma trilha ou outra a dama bela (Já que ao olhar sem diferença alguma Frescas pisadas uma e outra revela), Convêm em que a Fortuna o mando assuma: Esta segue Rinaldo, o hispano aquela. Ferraú pelo bosque inteiro gira Até o ponto alcançar donde partira.

Oitava 26

26. Era, fuor che la testa, tutto armato,

ed avea un elmo ne la destra mano:

avea it medesimo elmo che cercato

da Ferraú fu lungamente invano.

A Ferraú parlà come adirato,

e disse: – Ah mancator di fé, marano!

perché di lasciar 1'elmo anche t'aggrevi,

che render già gran tempo mi dovevi?

27. Ricordati, pagan, quando uccidesti

d'Angelica it fratel (che son quell'io),

dietro all'altr'arme tu mi promettesti

gittar fra pochi dì 1 'elmo nel rio.

Or se Fortuna (quel che non volesti

far tu) pone ad effetto it voler mio,

non ti turbare; e se turbar ti déi,

turbati che di fé mancato sei.

28. Ma se desir pur hai d'un elmo fino,

trovane un abro, ed abbil con piú onore;

un tal ne porta Orlando paladino,

un tal Rinaldo, e forse anco migliore:

1'ún fu d 'Almonte, l'altro di Mambrino:

acquistaun di quei duo col tuo valore;

e questo, c'hai già di lasciarmi detto,

farai bene a lasciarmi con effetto. –

26. Salvo a cabeça, tinha o corpo armadoE erguia um elmo em sua destra mão.Era esse mesmo o elmo procuradoDe Ferraú, por tanto tempo em vão.A Ferraú falou, muito agastado,E disse: – Ó infiel perjuro! Ó cão!Por que da perda enfim te lamuriasSe o elmo há largo tempo me devias?

27. Lembra-te bem, pagão: quando matasteDe Angélica o irmão (que tal sou eu),Ao rio lançar-lhe as armas lhe jurasteE, logo após, o elmo que foi meu.Se ora a Fortuna aquilo que negasteE que eu tanto esperava, enfim me deu,Não te pese, ou te pese muito embora,Que tua jura tornaste traidora.

28. Mas se desejas sempre um elmo finoBusca outro que te traga honrá maior.Procura o elmo de Orlando paladinoOu de Rinaldo, que é talvez melhor.Um foi de Almonte e outro de Mambrino:Conquista um desses dois com mais valor.Este, de que promessa me havias feito,Hás de o deixar comigo, com efeito. –

FORTUNA
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27. Lembra-te bem, pagão: quando mataste De Angélica o irmão (que tal sou eu), Ao rio lançar-lhe as armas lhe juraste E, logo após, o elmo que foi meu. Se ora a Fortuna aquilo que negaste E que eu tanto esperava, enfim me deu, Não te pese, ou te pese muito embora, Que tua jura tornaste traidora.

29. All'apparir che fece all'improvviso

de 1'acqua 1 ' ombra, ogni pelo arricciossi,

e scolorossi al Saracino it viso;

la voce, ch ' era per uscir, fermossi.

Udendo poi da 1'Argalia, ch'ucciso

quivi avea già (che l'Argalia nomossi),

la rotta fede cosi improverarse,

di scorno e d'ira dentro e di fuor arse.

30. Né tempo avendo a pensar altra scusa,

e conoscendo ben che `i ver gli disse,

rest-6 senza risposta a bocca chiusa;

ma la vergogna it cor si gli trafisse,che giurb per la vita di Lanfusa

non voler mai ch 'altro elmo lo coprisse,

se non quel buono che già in Aspramonte

trasse dal capo Orlando al fiero Almonte.

31. E servo meglio questo giuramento,

che non avea quell ' altro fatto prima.

Quindi si parte tanto malcontento,

the molti giorni poi si rode e lima.

Sol di cercare è it paladino intento

di qua di là, dove trovarlo stima.

Altra ventura al buon Rinaldo accade,

che da costui tenea diverse strade.

32. Non molto va Rinaldo, che si vede

saltare inanzi it suo destrier feroce:

— Ferma, Baiardo mio, deh, ferma it piede!

che 1 ' esser senza te troppo mi nuoce. —

Per questo it destrier sordo, a lui non riede,

anzi pii se ne va sempre veloce.

Segue Rinaldo, e d'ira si distrugge:

ma seguitiamo Angelica che fugge.

33. Fugge tra selve spaventose e scure,

per lochi inabitati, ermi e selvaggi.

Il mover de le frondi e di verzure,

che di cerri sentia, d'olmi e di faggi,

fatto le avea con subite paure

trovar di qua di là strani viaggi;

ch' ad ogni ombra veduta o in monte o in valle,

temea Rinaldo aver sempre alie spalle.

29. Das águas o fantasma inopinadoAo sarraceno os pêlos eriçou,O semblante deixou-lhe descorado,A voz, que ia soltando, lhe embargou.

E ao ouvir Argalias (foi chamadoArgalias aquele a quem matou)A quebrantada fé lançar-lhe em rosto,Referve de furor e de desgosto.

30. Não podendo encontrar qualquer escusaContra as verdades que a visão the disse,A boca a defendê-lo se recusa.Mas a vergonha fez que proferisseJuramento, por vida de Lanfusa,De não querer mais elmo que o cobrisseSe não fosse o excelente que AspromonteVira Orlando tirar ao fero Almonte.

31. Mais que o antigo, o recente juramentoEle a cumprir à risca já se anima.Mas sai dali roído de tormentoQue dentro o aflige como surda lima.Só o paladim buscar é seu intento,Aqui e além, onde encontrá-lo estima.Por seus caminhos Ferraú seguia,Por outros a Rinaldo a sorte guia.

32. Bem pouco anda Rinaldo, e já deparaCom seu corcel, e o vê escapar veloz.— Oh, pára, meu Baiardo! Ouve-me, pára,Que tua ausência é para mim atroz. —Mais ligeiro o animal porém dispara,Do seu senhor sem atender h voz.

Em Rinaldo é razão que a ira se aloje;Mas sigamos Angélica que foge.

33. Foge por selvas lúgubres, escuras,Por entre ermos inóspitos, selvagens,A sua passagem movem-se, inseguras,De olmos, faias e azinhas as ramagens.Repentino temor em tais agrurasA faz correr sem rumo essas paragens.Receia, vendo sombra em vale ou monte,

Que Rinaldo a segui-la já desponte.

34. Qual pargoletta o damma o capriuola,

the tra le fronde del natio boschettoalfa madre veduta abbia la gola

stringer dal pardo, o aprirle `I flanco o 7 petto,

di selva in selva dal crudel s'invola,e di paura trema e di sospetto:

ad ogni sterpo the passando tocca,

esser si crede all'empia fera in bocca.

35. Quel dì e la notte a mezzo 1 'altro giorno

s'andà aggirando, e non sapeva dove.

Trovossi al fine in un boschetto adorno,

che lievemente la fresca aura muove.

Duo chiari rivi, mormorando intorno,sempre 1 'erbe vi fan tenere e nuove;

e rendea ad ascoltar dolce contento,

rotto tra picciol sassi, it correr lento.

36. Quivi parendo a lei d'esser sicura

e lontana a Rinaldo mille miglia,

da la via stanca e da 1 'estiva arsura,

di riposare alquanto si consiglia:

tra' flori smonta, e fascia alfa pastura

andare it palafren senza la briglia;

e quel va errando intorno alie chiare onde,

the di fresca erba avean piene le sponde.

37. Ecco non lungi un bel cespuglio vede

di prun fioriti e di vermiglie rose,

che de le liquide onde al specchio siede,

chiuso dal sol fra 1'alte querce ombrose;

cosi voto nel mezzo, the concede

fresca stanza fra 1'ombre piú nascose:

e la foglia coi rami in modo è mista,

the sol non v'entra, non the minor vista.

38. Dentro letto vi fan tenere erbette,

ch ' invitano a posar chi s 'appresenta.

La bella donna in mezzo a quel si mette,

ivi si corca ed ivi s 'addormenta.

Ma non per lungo spazio cosi state,

the un calpestio le par che venir senta:

cheta si leva e appresso alia riviera

vede ch 'armato un cavalliergiunt'era.

34. Qual tímida gazela ou cabritinhaNo bosque onde nasceu posta em recreio,Ao ver que o leopardo se engalfinhaA sua mãe e lhe estraçalha o seio,De selva em selva esconde-se, sozinha,Trêmula de incerteza e de receio,E a todo o abrolho que passando toca,Da cruel fera já se crê na boca.

35. Dia, noite e manhã de mais um dia

Passou girando assim, sem direção.Por fim mimoso bosque a recebiaBafejado de fresca viração.Em dois puros regatos se embebiaA relva tenra, de ar sempre loução.Ouvir o curso d'água é deleitosoA fluir entre os seixos, vagaroso.

36. Confia estar aqui léguas sem contaDistante de Rinaldo e protegida.Se a fuga a cansa e se o calor a afronta,O sítio ameno a repousar convida.Entre as flores da relva então desmontaE ao fiel palafrém solta da bridaPara que às frescas margens da torrenteDe erva tenra e abundante se apascente.

37. Roseiras rubras e sarçais em florJuntam-se ali, em céspede graciosa;Vedam-na robles ao solar ardorE é seu espelho a linfa remansosa.Abre-se-lhe no espaço interiorUma fresca recâmara espaçosaQue olho humano ou solar nunca atravessaPois toda a envolve a ramaria espessa.

38. Forma-se um leito ali, de erva macia,Que ao sono de quem passa se oferece.Ali, a bela dama fugidiaAbriga-se, recosta-se e adormece.

Porém por breve espaço assim dormia,Que um tropel acercar-se lhe parece.Ergue-se quieta, e à margem do ribeiroVê chegar-se um armado cavaleiro.

Oitava 39

39. Se gli è amico o nemico non comp rende:

tema e speranza it dubbio cor le scuote;e di quella aventura it fine attende,

né pur d'un sol sospir l'aria percuote.

II cavalliero in riva al flume scendesopra run braccio a riposar le gote;

e in un suo gran pensier tanto penetra,

che par cangiato in insensibil pietra.

40. Pensoso pia d'un'ora a capo basso

stette, Signore, it cavallier dolente;

poi comincià con suono afflitto e lasso

a lamentarsi si soavemente,

ch'avrebbe di pieta spezzato un sasso,una tigre crudel fatta clemente.

Sospirante piangea, tal ch 'un ruscello

parean le guance, e `I petto un Mongibello.

41. – Pensier (dicea) che `I cor m 'aggiacci ed ardi,

e causi it duol che sempre it rode e lima,

che debbo far, poi ch'io son giunto tardi,e ch'altri a corre it frutto è andato prima?

a pena avuto io n ' ho parole e sguardi,ed altri n 'ha tutta la spoglia opima.

Se non ne tocca a me frutto né fiore,

perché of Jigger per lei mi vuo ' pia it core?

42. La verginella è simile alla rosa,

ch'in bel giardin su la nativa spina

mentre sola e sicura si riposa,né gregge né pastor se le avvicina;

1 'aura soave e 1'alba rugiadosa,1 'acqua, la terra al suo favor s 'inchina:

gioveni vaghi e donne inamorate

amano averne e seni e tempie ornate.

43. Ma non si tosto dal materno stelo

rimossa viene e dal suo ceppo verde,

che quanto avea dagli uomini e dal cielo

favor, grazia e bellezza, tutto perde.

La vergine the `1 fior, di che pia zelo

che de' begli occhi e de la vita aver de',

lascia altrui corre, it pregio ch 'avea inanti

perde nel cor di tutti gli altri amanti.

39. Se é amigo ou não, a dama o não compreende;Treme-lhe o peito de esperança e medo.Até o incerto suspirar suspende,Espreitando o desfecho em seu segredo.

Baixa o guerreiro ao rio: a fronte pendeCansada sobre o braço. Ei-lo estar quedoTão por inteiro entregue a seu cuidado

Como se em pedra bruta transformado.

40. Cuidoso, cabisbaixo ali se pôs

Mais de uma hora, Senhor, o descontente.Extenuado, aflito, enfim deu vozA seus queixumes tão sentidamenteQue pudera abrandar tigre ferozE partir um penhasco facilmente.Chora, suspira, ter parece, ao vê-lo,Na face um rio, no peito um Mongibelo.

41. – Cuidados que ora ardeis, ora gelais,

Dor que consomes como surda lima,Que farei, pois cheguei tarde demaisE o fruto outrem colheu que mais se estima?A mim, olhar, palavras, nada mais;A outrem, a colheita farta e opima.Se não hei de alcançar fruto nem flor,Por que me hei de afligir por seu amor?

42. Menina e moça é semelhante à rosaQue no berço espinhoso inda se abriga;Repousa ali segura, descuidosa,Gado ou pastor não teme que a persiga.

Domina a terra e as águas, majestosa,O orvalho matinal e a brisa amiga;No peito a trazem e na fronte ornada

Moço amante, donzela enamorada.

43. Porém tão logo do materno esteioSe vê arrancada, e de seu caule verde,Tudo quanto do céu, de homens lhe veioFavor, graça, beleza, tudo perde.Zele a virgem a flor com mais receioQue o olhar e a vida, pois se lha disperdeOutrem que a vem colher, a estima de antesMorre no peito dos demais amantes.

44. Sia Vile agli altri, e da quel solo amata

a cui di sé fece si larga copia.

Ah, Fortuna crudel, Fortuna ingrata!

trionfan gli altri, e ne moro io d 'inopia.

Dunque esser pub che non mi sia piü grata?

dunque io posso lasciar mia vita propia?

Ah piü tosto oggi manchino i dì miei,

ch'io viva pia, s'amar non debbo lei! –

45. Se mi domanda alcun chi costui sia,

che versa sopra it rio lacrime tante,

io dirb ch 'egli è it re di Circassia,

quel d'amor travagliato Sacripante;

io din) ancor, che di sua pena ria

sia prima e sola causa essere amante,

e pur un degli amanti di costei:

e ben riconosciuto fu da lei.

46. Appresso ove it sol cade, per suo amore

venuto era dal capo d ' Oriente;

che seppe in India con suo gran dolore,

come ella Orlando sequitb in Ponente:

poi seppe in Francia the l 'imperatore

sequestrata 1 ' avea da 1'altra gente,

per daria all 'un de ' duo che contra it Moro

piü quel giorno aiutasse i Gigli d'oro.

47. Stato era in campo, e inteso avea di quella

rotta crudel che dianzi ebbe re Carlo:

ceicb vestigio d'Angelica bella,

né potuto avea ancora ritrovarlo.Questa è dunque la trista e ria novella

che d'amorosa doglia fa penarlo,

affligger, lamentare e dir parole

che di pieta potrian fermare it sole.

48. Mentre costui cosi s'affligge e duole,

e fa degli occhi suoi tepida fonte,

e dice queste e molte altre parole,

che non mi par bisogno esser racconte;

l'aventurosa sua fortuna vuole

ch'alle orecchie d 'Angelica sian conte:

e cosi quel ne viene a un'ora, a un punto,

ch 'in mille anni o mai piü non è raggiunto.

44. Caia em desdém, seja somente amadaDaquele a quem se dá com profusão.6 Fortuna, és ingrata e desalmada!Outrem se farta, eu morro em privação!

Este peito que a traz, já não lhe agrada?De minha própria vida hei de abrir mão?Antes findar agora os dias meusQue viver mais, sem os amores seus! –

45. Se ora me perguntarem quem vertia

O pranto junto ao rio, seja bastanteDizer que da Circássia ali se viaO rei, o desditoso Sacripante.Direi também que tudo o que o afligiaEra causado só por ser amante;Por amor de uma dama ele padeceQue oculta o vê e logo o reconhece.

46. Aonde o sal se põe, por seu amorVeio ele, dos extremos do Oriente,Pois na Índia soube, com imensa dor,Que ela seguira Orlando ao Ocidente.Soube em França, ainda mais, que o imperadorA reservara em prêmio ao mais valente,Aquele dos rivais que contra o MouroMais pelejasse pelos Lírios d'ouro.

47. Sacripante é no campo de batalha

Ocular testemunha da derrotaQue ao rei cristão grande esperança atalha.De Angélica, a quem tanto amor devota,Em vão busca vestígio que lhe valha.Eis por que o infausto amante se alvorotaE em tais termos se põe a condoer-seQue ao sol de compaixão faria deter-se.

48.0 guerreiro tristíssimo se aflige,Brota dos olhos seus tépida fonte.Tais queixumes à sorte eis que dirigeE outros mais, que mister não é que eu conte.Mas sua fortuna venturosa exigeQue a dar-lhe escuta Angélica se apronte;E ele assim chega ao termo, num instante,

Que um milênio a alcançar não é bastante.

FORTUNA
FORTUNA
*** SORTE E FORTUNA *** 48.0 guerreiro tristíssimo se aflige, Brota dos olhos seus tépida fonte. Tais queixumes à sorte eis que dirige E outros mais, que mister não é que eu conte. Mas sua fortuna venturosa exige Que a dar-lhe escuta Angélica se apronte; E ele assim chega ao termo, num instante, Que um milênio a alcançar não é bastante.
FORTUNA
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44. Caia em desdém, seja somente amada Daquele a quem se dá com profusão. 6 Fortuna, és ingrata e desalmada! Outrem se farta, eu morro em privação! Este peito que a traz, já não lhe agrada? De minha própria vida hei de abrir mão? Antes findar agora os dias meus Que viver mais, sem os amores seus! –

49. Con moita attenzion la bella donna

al pianto, alie parole, al modo attendedi colei ch 'in amaria non assonna;né questo è it primo dì ch'ella 1'intende:

ma dura e fredda pia d ' una colonna,

ad averne pieta non pert) scende,come colei c'ha tutto it mondo a sdegno,

e non le par ch'alcun sia di lei degno.

50. Pur tra quei boschi ii ritrovarsi sola

le fa pensar di tor costui per guida;

che chi ne 1'acqua sta fin alia golaben è ostinato se mercé non grida.

Se questa occasione or se 1 ' invola,non trovera mai pia scorta si fida;

ch'a lunga prova conosciuto inante

s 'avea quel re fedei sopra ogni amante.

51. Ma non pert) disegna de I'affanno

che lo distrugge alleggierir chi l 'ama,

e ristorar d 'ogni passato danno

con quei piacer ch'ogni amator pia brama:

ma alcuna fizione, alcuno inganno

di tenerlo in speranza ordisce e trama;

tanto ch'a quel bisogno se ne serva,

poi torni all'uso suo dura e proterva.

52. E fuor di quei cespuglio oscuro e cieco

fa di sé belia ed improvisa mostra,

come di selva o fuor d 'ombroso speco

Diana in scena o Citerea si mostra;

e dice all'apparir: – Pace sia teco;

teco difenda Dio la fama nostra,

e non comporti, contra ogni ragione,

ch 'abbi di me si falsa opinione. –

53. Non mai con tanto gaudio o stupor tanto

level gli occhi al figliuolo alcuna madre,

ch'avea per morto sospirato e pianto,

poi che Benza esso udì tornar le squadre;

con quanto gaudio it Saracin, con quantostupor 1'alta presenza e le leggiadre

maniere e it vero angelico sembiante,

i mproviso apparir si vide inante.

49. Tudo percebe a bela fugitiva

Que às palavras, ao pranto, ao modo atendeDe quem por seu amor de paz se priva;Nem essa é a vez primeira que ela o entende,

Mas qual coluna fria, dura e altivaAos rogos de piedade não se rende;Que encara o mundo todo com desdémNem crê que merecê-la possa alguém.

50. Mas perdida na selva, inventa a traçaDe conseguir que o cavaleiro a guie.Que tenaz quem se afoga é na desgraçaSe por alguém não brada que auxilie.E se esta rara ocasião se passa,Jamais outro achará de quem se fie,Pois este rei já muitas vezes antesSe mostrara o mais fiel de seus amantes.

51. Consolar o infeliz não `stá no planoQue por salvar-se vai urdindo a dama,Nem compensá-lo enfim do grave danoCo' o prazer que um amante mais reclama.E sim com fingimentos, com enganoNutrir-lhe as esperanças é o que tramaEnquanto dos serviços seus abusa:Depois, proterva, manterá a recusa.

52. Deixa o refúgio umbroso, e eis que ao amigoMui formosa se mostra de repenteQual Diana ou Citeréia que do abrigoSelvagem saia e aos olhos se apresente.Assim lhe fala: – Esteja a paz contigo!Por ti nosso renome Deus sustente,Nem permita jamais que sem razãoTenhas de mim tão falsa opinião. –

53. Se entre os guerreiros vindos da refregaEm vão busca a seu filho a mãe em prantoE ei-lo depois que ileso a casa chega,Brilham no olhar da mãe júbilo e espanto.Mais é o gáudio, o estupor a que se entregaO sarraceno, ao divisar o encanto

Do gesto suave e angélico semblanteQue de repente se lhe põem diante.

Cavalo de Ariosto
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***** A BELA ANGÉLICA ***** I, 49 - Que encara o mundo todo com desdém Nem crê que merecê-la possa alguém.

54. Pieno di dolce e d'amoroso affetto,

alfa sua donna, alfa sua diva corse,

che con le braccia al collo it tenne stretto,

quel ch'al Catai non avria fatto forse.

Al patrio regno, al suo natio ricetto,

seco avendo costui, 1'animo torse:

subito in lei s'avviva la speranza

di tosto riveder sua ricca stanza.

55. Ella gli rende conto pienamente

dal giorno che mandato fu da lei

a domandar soccorso in Oriente

al re de ' Sericani e Na batei;

e come Orlando la guardà soventeda morte, da disnor, da casi rei:

e che flor virginal cosi avea salvo,

come se lo pond del materno alvo.

56. Forse era ver, ma non per() credibile

a chi del senso suo fosse signore;ma parve facilmente a lui possibile,

ch'era perduto in via piú grave errore.

Quel che l'uom vede, Amor gli fa invisibile,

e 1'invisibil fa vedere Amore.

Questo creduto fu; che `l miser suole

dar facile credenza a quel che vuole.

57. – Se mal si seppe it cavallier d 'Anglante

pigliar per sua sciocchezza it tempo buono,

it danno se ne avrà; cite da qui inante

nol chiamerà Fortuna a si gran dono

(tra sé tacito parla Sacripante):

ma io per imitarlo già non sono,

che lasci tanto ben che m 'è concesso,

e ch 'a doler poi m 'abbia di me stesso.

58. Comb la fresca e matutina rosa,

che, tardando, stagion perder potria.

So ben ch'a donna non si pub far cosa

cite piit soave e piìt piacevol sia,

ancor che se ne mostri disdegnosa,

e talor mesta e ftebil se ne stia:

non star() per repulsa o finto sdegno,

ch ' io non adombri e incarni it mio disegno. –

54. A abraçar a formosa, a deusa eleitaCorre o guerreiro, cheio de carinho.Acolhendo-o nos braços, ela o estreita

Como não sói talvez no pátrio ninho.Ora que o tem rendido e sem suspeitaDe Catai se acredita já em caminho.Renasce-lhe a esperança, em tais momentos,

De voltar aos seus ricos aposentos.

55. Passa a donzela a expor miudamente

Na ausência do guerreiro o que se deu.Depois que ela o mandara ao Oriente,Ao reino sericano e nabateu

Pedir ajuda, Orlando fielmenteDe males e desonra a defendeu,E a flor ela guardara na inteirezaComo ao nascer lhe dera a natureza.

56. Verdade ou não, isso era coisa incrívelA quem do juízo seu fosse senhor,Mas logo ele acredita ser possível,Pois caíra em engano bem maior.O que se vê, o Amor torna invisível,E o invisível nos faz ver o Amor.Acreditou: que sói o desditosoCrer que é verdade o que lhe causa gozo.

57. – Se a parvoíce do senhor de AnglanteO privou de gozar do que é tão bom,Muito lhe pese: porque doravanteNunca a Fortuna lhe fará igual dom(assim fala consigo Sacripante)Mas eu não seguirei o mesmo tom,Pois o que deixa tanta formosuraLogo a si mesmo amargo se censura.

58. Hei de colher a matutina rosaQue, talvez, co' a tardança murcharia.Bem sei eu que a mulher com isso gozaE nada mais que isso a delicia,Ainda que se finja desdenhosa,Ou queixosa, outras vezes, e arredia:Nem por falsa repulsa ou vão desdém

Deixarei de lograr tamanho bem. –

FORTUNA
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*** FORTUNA E DECISÃO, MEIA A MEIO *** 57. – Se a parvoíce do senhor de Anglante O privou de gozar do que é tão bom, Muito lhe pese: porque doravante Nunca a Fortuna lhe fará igual dom (assim fala consigo Sacripante) Mas eu não seguirei o mesmo tom, Pois o que deixa tanta formosura Logo a si mesmo amargo se censura.

59. Cosi dice egli; e mentre s 'apparecchia

al dolce assalto, un gran rumor the suona

dal vicin bosco gl'intruona I 'orecchia,

si che mal grado 1 'i mpresa abbandona:

e si pon 1'elmo (ch'avea usanza vecchia

di portar sempre armata la persona),

viene al destriero e gli ripon la briglia,

rimonta in sella e la sua lancia piglia.

60. Ecco pel bosco un cavallier venire,

it cui sembiante è d ' uom gagliardo e fiero:

candido come nieve è it suo vestire,

un bianco pennoncello ha per cimiero.

Re Sacripante, che non pub patireche quel con 1'importuno suo sentierogli abbia interrotto it gran piacer ch'avea,

con vista it guarda disdegnosa e rea.

61. Come è piii presso, lo sfida a battaglia;

che crede ben fargli votar 1 'arcione.Quel che di lui non stimo gib che vaglia

un grano meno, e ne fa paragone,

1 'orgogliose minacce a mezzo taglia,

sprona a un tempo, e la lancia in resta pone.

Sacripante ritorna con tempesta,

e corronsi a ferir testa per testa.

62. Non si vanno i leoni o i tori in salto

a dar di petto, ad accozzar si crudi,si come i duo guerrieri al fiero assalto,

che pavimente si passar li scudi.

Fe' lo scontro tremar dal basso all'alto

1'erbose valli insino ai poggi ignudi;

e ben giovb che fur buoni e perfetti

gli osberghi si, che for salvaro i petti.

63. Gib non fero i cavalli un correr torto,

anzi cozzaro a guisa di montoni:

quel del guerrier pagan morì di corto,

ch'era vivendo in numero de ' buoni:

quell 'altro cadde ancor, ma fu risorto

tosto ch 'al franco si senti gli sproni.

Quel del re saracin resto disteso

adosso al suo signor con tutto it peso.

59. Diz isso, mas enquanto se aparelha

Ao doce assalto, eis que um tropel ressoaNo bosque e tão agudo em sua orelhaQue deixa o intento, ainda que lhe doa,

O elmo enverga (era sua usança velhaSempre trazer armada sua pessoa),Ao ginete de novo a brida lança,Volta a montá-lo e arma-se da lança.

60. Um cavaleiro vem pela espessura,

Homem de vista fera e sobranceira.Traz vestes que de neve têm alvura,Branco penacho ostenta na cimeira.Sacripante, que irado não aturaFrustrarem-lhe o prazer de tal maneira,Ao importuno encara, que ali passa,Com olhos cheios de ira e de ameaça.

61.0 recém-vindo ele à batalha exorta,Pois crê fácil empresa desmontá-lo;Sei que o outro menor brio não comporta,E em breve se prepara a demonstrá-lo;A arrogante ameaça logo cortaEnrista a lança, esporas dá ao cavalo.Qual tempestade sobre ele se abateSacripante, e um ao outro arrosta e bate.

62. Nem touro investe, ou leão desfecha o saltoAo se atracarem, rábidos, sanhudos,Como os guerreiros, que no ardor do assalto,Mutuamente vararam seus escudos.O embate faz tremer do fundo ao altoMontes calvos e vales ramalhudos.

Salvaram-nos os fortes e perfeitosArneses que envergavam sobre os peitos.

63. Sem desviar, velozes vão adianteOs corcéis, que se esbarram quais carneiros.Tomba morto o corcel de Sacripante,Que vivo havia sido um dos primeiros;

Tomba o outro, e preciso é que o levanteO espicaçar dos aguilhões certeiros.Mas sob o animal morto fica preso

O dono, a quem oprime o imenso peso.

64. L'incognito campion che restá ritto,

e vide 1'altro col cavallo in terra,stimando avere assai di quel conflitto,

non si curd di rinovar la guerra;

ma dove per la selva e it camin dritto,correndo a tutta briglia si disserra,

e prima the di briga esca it pagano,

un miglio o poco meno è gid lontano.

65. Qual istordito e stupido aratore,

poi ch'è passato it fulmine, si leva

di la dove 1'altissimo fragore

appresso ai morti buoi steso 1 'aveva;

che mira senza fronde e senza onore

it pin che di lontan veder soleva:

tal si level it pagano a pie rimaso,

Angelica presente al duro caso.

66. Sospira e geme, non perché 1'annoi

che piede o braccio s 'abbi rotto o mosso,

ma per vergogna sola, onde a ' di suoi

né pria né dopo it viso ebbe si rosso:

e pia, ch'oltre al cader, sua donna poi

fu che gli tolse it gran peso d'adosso.

Muto restava, mi cred ' io, se quella

non gli rendea la voce e la favella.

67. – Deh! (diss'ella) signor, non vi rincresca!

che del cader non è la colpa vostra,

ma del cavallo, a cui riposo ed escameglio si convenia che nuova giostra.

Né percid quel guerrier sua gloria accresca;

the d ' esser stato it perditor dimostra:

cosi, per quel ch ' io me ne sappia, stimo,

quando a lasciare it campo e stato primo. –

68. Mentre costei conforta it Saracino,

ecco col corno e con la tasca al franco,

galoppando venir sopra un ronzino

un messagger che parea of litto e stanco;

che come a Sacripante fu vicino,

gli domandd se con un scudo bianco

e con un bianco pennoncello in testa

vide un guerrier passar per la foresta.

64. 0 incógnito campeão que se susteve,Ao ver prostrado seu contrário em terra,Deu por finda a contenda que os reteveE, sem querer continuar a guerra,Seu curso à rédea solta enfim mantevePelos caminhos que a floresta encerra.Do gravame o outro não se desvencilhaAntes que ele percorra mais de milha.

65. Atônito, a tremer, o lavradorDepois que o raio rápido arrebenta,Pávido se ergue e morto vê ao redorO gado co' a faísca violentaE humilhado o pinheiro, que ao viajorJá as frondes altaneiras não ostenta;Tal se ergue o rei sem sua montaria;Angélica ao desastre ali assistia.

66. Suspira e geme, não por sentir leso

O braço ou pé, e sim o que lastimaÉ só a vergonha, que seu rosto acesoCom mais rubor não pode ser que exprima;

E tanto mais que o insuportável pesoA dama foi quem lho tirou de cima.Eu creio que ele mudo se quedaraSe ela à voz e à palavra o não chamara.

67. – Senhor, disse, na queda estais isento

De culpa, nem desdouro se vos pega;O cavalo a causou, pois alimentoE descanso pedia, não refrega.O outro se vai sem ter da glória aumentoE a palma da vitória vos entrega:Derrotado razão é que se entendaQuem primeiro se afasta da contenda. –

68. Enquanto ouve o guerreiro tal consolo,

Num rocim a galope, eis ofegante,Co' a buzina e co' a bolsa a tiracolo,Um correio que busca Sacripante.Com mostras de aflição a descompô-loPergunta-lhe se já seguira adianteUm cavaleiro de alvo escudo ao flancoQue o elmo enfeitava de um penacho branco.

Oitava 67

69. Rispose Sacripante: – Come vedi,

m'ha qui abbattuto, e se ne parte or ora;

e perch'io sappia chi m'ha messo a piedi,

fa the per nome io lo conosca ancora. –

Ed egli a lui: – Di quel che tu mi chiedi

io ti satisfará senza dimora:tu dei saper che ti leva, di sella

1'alto valor d ' una gentil donzella.

70. Ella è gagliarda ed e piü bella molto;

né il suo famoso nome anco t'ascondo:

fu Bradamante quella che t ' ha tolto

quanto onor mai tu guadagnasti al mondo. –

Poi ch'ebbe cosi detto, a freno sciolto

it Saracin lascià poco giocondo,

che non sa che si dica o che si faccia,

tutto avvampato di vergogna in faccia.

71. Poi che gran pezzo al caso intervenuto

ebbe pensato invano, e finalmente

si trova da una femina abbattuto,

che pensandovi piü, piú dolor sente;

monta 1'altro destrier, tacito e muto:

e senza far parola, chetamente

tolse Angelica in groppa, e differilla

a piü lieto uso, a stanza piü tranquila.

72. Non furo iti due miglia, che sonare

odon la selva che li cinge intorno,

con tal rumore e strepito, che pare

che triemi la foresta d'ogn 'intorno;

e poco dopo un gran destrier n'appare,

d'oro guernito e riccamente adorno,

che salta macchie e rivi, ed a fracasso

arbori mena e cia, che vieta it passo.

73. – Se 1'intricati rami e 1'aer fosco

(disse la donna) agli occhi non contende,

Baiardo è quel destrier ch'in mezzo il bosco

con tal rumor la chiusa via si fende.

Questo è certo Baiardo, io `1 riconosco:

deh, come ben nostro bisogno intende!

ch'un sol ronzin per dui saria mal atto,

e ne viene egli a satisfarci ratto. –

69. Torna o rei: – Como bem podes dar fé,Ele abateu-me e acaba de ir-se embora.Mas o nome de quem me pôs a péFaze que eu venha a conhecer agora. –Responde o outro: – É fácil que eu te dêA notícia que pedes, sem demora.Deves saber que te abateu da selaO alto valor de uma gentil donzela.

70. Ainda é mais formosa que aguerridaE tu em breve hás de saber-lhe o nome:Toda a glória que houveste em tua vidaAos pés de Bradamante se consome. –Tais palavras responde, e à solta bridaDo olhar do sarraceno logo some.Este, do que fazer não tem idéia,Somente o pejo o rosto lhe incendeia.

71. Passa o tempo a cismar no acontecidoE afinal sempre entende claramenteQue uma simples mulher o tem vencido,E quanto mais o pensa, mais o sente.Monta, afinal, ainda emudecido,O outro ginete, silenciosamente.Põe à garupa Angélica, e o possuí-laDeixa a ocasião mais leda e mais tranqüila.

72. Mal percorrem duas milhas e acontecePela floresta que se estende em tornoTal estrépito ouvirem, que pareceTremer a selva toda e seu contorno;Logo um grande corcel eis que apareceTrazendo arreios de ouro por adorno;Salta arbustos e rios, troncos arrastaE tudo quanto o passo impede, afasta.

73. – Se a pouca luz que filtra o bosque espesso –Disse a dama – ao sondar da vista atende,É Baiardo o corcel cujo arremessoCom tanto estrondo novas trilhas fende.Sem dúvida é Baiardo: eu o conheço,E o que nos falta ele por certo entende!Que um só rocim não basta para nósE a socorrer-nos chega-se, veloz. –

Oitava 74

74. Smonta it Circasso ed al destrier s 'accosta,e si pensava dar di mano al freno.

Colle groppe it destrier gli fa risposta,

che fu presto al girar come un baleno;

ma non arriva dove i calci apposta:

misero it cavallier se giungea a pieno!

che nei calci tal possa avea it cavallo,

ch'avria spezzato un monte di metallo.

75. Indi va mansueto alia donzella,con umile sembiante e gesto umano,

come intorno al padrone it can saltella,

che sia duo giorni o tre stato lontano.Baiardo ancora avea memoria d'ella,

ch'in Albracca it servia già di sua mano

nel tempo che da lei tanto era amato

Rinaldo, allor crudele, allor ingrato.

76. Con la sinistra man prende la briglia,

con 1 'altra tocca e palpa it collo e 'I peno:

que/ destrier, ch'avea ingegno a maraviglia,

a lei, come un agnel, si fa suggetto.

Intanto Sacripante it tempo piglia:

monta Baiardo e 1 'urta e lo tien stretto.

Del ronzin disgravato la donzella

lascia la groppa, e si ripone in sella.

74. Desmonta o circassiano, que se achegaAo animal, por lhe tomar o freio.Volvendo as ancas, o corcel se nega

E a recusa com rijos coices veio.Por pouco um desses golpes o não pega:Desventurado se o ferira em cheio!A força desses coices era talQue espedaçara um monte de metal.

75. Depois, manso, o animal busca a donzela,Humilde e quase humano em seu semblante,Como o cãozinho, que a saltar revelaAmor ao dono, que já andou distante:Baiardo não na esquece, pois foi elaQue em Albraca o serviu, quando, anelante,Pelo amor de Rinaldo suspirava,Mas este ingrato e fero a desprezava.

76. Co' a mão esquerda a dama a rédea aperta,Com a outra lhe afaga o peito e a crina;Embora de índole fogosa e esperta,Qual cordeiro o cavalo se lhe inclina.Sacripante entretanto estava alerta:Monta e bate em Baiardo, e já o domina.Do aliviado rocim deixa a donzelaA garupa, e retoma enfim a sela.

77. Poi rivolgendo a caso gli occhi, mira

venir sonando d'arme un gran pedone.

Tutta s 'avvampa di dispetto e d 'ira,

che conosce it figliuol del duca Amone.

Pitt che sua vita 1 'ama egli e desira;

Podia e fugge ella pii the gru falcone.Già fu ch'esso odià lei piìt the la morte;

ella ame lui: or han cangiato sorte.

78. E questo hanno causato due fontane

che di diverso effetto hanno liquore,

ambe in Ardenna, e non sono lontane:

d'amoroso disio Puna empie it core;

chi bee de 1'altra, senza amor rimane,e volge tutto in ghiaccio it primo ardore.

Rinaldo gust-6 d'una, e amor lo strugge;

Angelica de 1'altra, e Podia e fugge.

79. Quel liquor di secreto venen misto,

che muta in odio l'amorosa cura,

fa che la donna che Rinaldo ha visto,

nei sereni occhi subito s 'oscura;

e con voce tremante e viso tristo

supplica Sacripante e lo scongiura

che quel guerrier pii appresso non attenda,

ma ch 'insieme con lei la fuga prenda.

80. – Son dunque (disse it Saracino), sono

dunque in si poco credito con vui,

che mi stimiate inutile e non buono

da potervi defender da costui?

Le battaglie d'Albracca già vi sono

di mente uscite, e la notte ch'io fui

per la salute vostra, solo e nudo,

contra Agricane e tutto it campo, scudo? –

81. Non risponde ella, e non sa the si faccia,

perché Rinaldo ormai 1'ê troppo appresso,

che da lontano al Saracin minaccia,

come vide it cavallo e conobbe esso,

e riconobbe l'angelica faccia

the lamoroso incendio in cor gli ha messo.

Quel che segui tra quest duo superbi

vo ' che per 1 'altro canto si riserbi.

77. 0 olhar estende e um grande vulto miraQue com clangor de armas calca o chão.Desdenhosa e a ferver no peito de iraReconhece o senhor de Montalvão.

Amor maior que a vida ela lhe inspira;Mas ele a espanta como a grou falcão.Outrora ele a odiava mais que a morteE ela o amava: depois, trocaram sorte.

78. Os opostos efeitos que se notam

Devem-se à diferença do LicorDe duas fontes: nas Ardenas brotamVizinhas, mas opostas no valor.As águas de uma o bem-querer esgotamE o fazem gelo; as de outra enchem de amor.Desta provou Rinaldo e o amor o incita;Daquela, Angélica e com ódio o evita.

79. Uma oculta peçonha às águas mistaAo amor muda em ódio e em amargura.Eis por que a dama, que a Rinaldo avista,A face, aliás serena, mostra escura.Treme-lhe a voz, o olhar se lhe contrista,Suplica a Sacripante e o esconjuraA não sofrer que o outro se lhes chegue,

E que a fugir com ela não se negue.

80. – Tão fraco – lhe responde o Sarraceno –Tão fraco e tão inútil me estimais,Julgais que meu valor é tão pequenoQue defender-vos já não possa mais?Em Albraca, de noite, no terrenoDe batalha, se ainda vos lembrais,Por vós me fiz, estando só e desnudo,Contra Agricão e todo o campo, escudo. –

81. Ela não fala nem sabe o que faça,

Pois Rinaldo bem próximo apareceE já de longe seu rival ameaça,Logo que seu cavalo reconhece

E que na face angélica vê a graçaQue tanto amor fez que em seu peito ardesse.Entre esses dois valentes, entretanto,O que se deu, guardo para o outro canto.

CANTO II

Combate de Sacripante e Rinaldo — Aventuras de Angélica — Rinaldo vai à Inglaterra —Tempestade no mar — Bradamante encontra o traidor Pinabel, que a abandona

em uma gruta

1. Ingiustissimo Amor, perché si raro

corrispondenti fai nostri desiri?

onde, perfido, avvien che t'e si caro

it discorde voler ch'in duo cor miri?

Gir non mi lasci al facil guado e chiaro,

e nel piìt cieco e maggior fondo tiri:

da chi disia it mio amor tu mi richiami,

e chi m'ha in odio vuoi ch'adori ed ami.

2. Fai ch'a Rinaldo Angelica par bella,

quando esso a lei brutto e spiacevol pare:

quando le parea bello e 1'amava ella,

egli odià lei quanto si pub piìü odiare.

Ora s'affligge indarno e si flagella;

cosi renduto ben gli è pare a pare:

ella l'ha in odio, e 1'odio è di tal sorte,

che pib tosto che lui vorria la morte.

1. Injusto, injusto amor, por que tão raroIguais paixões aos corações inspiras?Pérfido, que prazer provas tão caroDois peitos discordantes quando miras?O vau me impedes sempre e, ao desamparo,No mais profundo pélago me atiras:

Quem me deseja, fazes que eu desameE a quem me odeia, que eu adore e ame.

2. Angélica a Rinaldo mostras belaQuando ele já lhe causa asco e pesar;Belo e amável, na estima da donzela,Foi ele, enquanto a esteve a desprezar.Ele ora em vão se dói e se flagela,Sob a lei de talião há de penar.

Angélica o detesta, e de tal sorte,Que lhe tem maior ódio do que à morte.

Oitava 3

3. Rinaldo al Saracin con molto orgoglio

gridà: – Scendi, ladron, del mio cavallo!

Che mi sia tolto it mio, patir non soglio,

ma ben fo, a chi lo vuol, caro costallo:

e levar questa donna anco ti voglio;

che sarebbe a lasciartela gran fallo.

Si perfetto destrier, donna si degna

a un ladron non mi par che si convegna. –

4. – Tu te ne menti che ladrone io sia

(rispose ii Saracin non meno altiero):

chi dicesse a te ladro, lo diria

(quanto io n ' odo per fama) piei con vero.

La pruova or si vedrà, chi di not sia

piei degno de la donna e del destriero;

ben che, quanto a lei, teco io mi convegna

che non è cosa al mondo altra si degna. –

5. Come soglion talar duo can mordenti,

o per invidia o per altro adio mossi,

avicinarsi digrignando i denti,

con occhi bieci e piei che bracia rossi;

indi a' morsi venir, di rabbia ardenti,

con aspri ringhi e ribuffati dossi:

cosi alie spade e dai gridi e da fonte

venne it Circasso e quel di Chiaramonte.

3. Rinaldo ao outro brada, altivo e fero:

– Apeia-te, ladrão, de meu cavalo!Que me roubem o meu, jamais tolero,E quem o tenta caro há de pagá-lo;Levar comigo a dama também quero,Crime é encontrar tal bem e não salvá-lo.Tão bom corcel, senhora tão distinta,Não creias que a um ladrão eu dar consinta. –

4. – De ladrão tu me chamas com mentira(altivo o sarraceno também clama);Ladrão de ti dizer melhor se ouvira,Que este baldão a ti reserva a fama.Com fácil prova a dúvida se tiraSobre a quem cabem o animal e a dama,Embora eu desde já também consintaQue a senhora é no mundo a mais distinta.

5. Como dois cães vorazes e furentes,Cheios de ódio mortal, ferina inveja,Irados, a rosnar e a ranger dentes,Co' o rubro olhar, qual brasa que lampeja,A ganir e a morder se põem ardentes,Enquanto o hirsuto dorso lhes arqueja,Assim, após a afronta e o desafio,Dos ferros os rivais cruzam o fio.

6. A piedi è l ' un, 1'altro a cavallo: or quale

credete ch'abbia it Saracin vantaggio?

Né ve n 'ha per) alcun; the cosi vale

forse ancor men ch'uno inesperto paggio;

the `I destrier per istinto naturale

non volea fare al suo signore oltraggio:

né con man né con spron potea it Circasso

farlo a voluntà sua muover mai passo.

7. Quando crede cacciarlo, egli s'arresta;

e se tener lo vuole, o corre o trotta:

poi sotto it petto si caccia la testa,

giuoca di schiene, e mena calci in frotta.

Vedendo it Saracin ch'a domar questa

bestia superba era mal tempo allotta,

ferma le man sul primo arcione e s'alza,

e dal sinistro flanco in piede sbalza.

8. Sciolto the fu it pagan col leggier salto

da 1'ostinata furta di Baiardo,

si vide cominciar ben degno assaltod'un par di cavallier tanto gagliardo.

Suona l'un brando e 1'altro, or basso or alto:it martel di Vulcano era phi tardone la spelunca affumicata, dove

battea all'incude i folgori di Giove.

9. Fanno or con lunghi, ora con finti e scarsi

colpi veder the mastri son del giuoco:

or li vedi ire altieri, or rannicchiarsi,

ora coprirsi, ora mostrarsi un poco,

ora crescer inanzi, ora ritrarsi,

ribatter colpi e spesso for dar loco,girarsi intorno; e donde l 'uno cede,

1'altro aver posto immantinente it piede.

10. Ecco Rinaldo con la spada adosso

a Sacripante tutto s 'abbandona;

e quel porge lo scudo, ch'era d 'osso,con la piastra d'acciar temprata e buona.

Taglial Fusberta, ancor the molto grosso:

ne geme la foresta e ne risuona.

L'osso e l'acciar ne va the par di ghiaccio,

e lascia al Saracin stordito it braccio.

6. Um vai a pé, outro a cavalo: qualCuidais que dentre os dois tenha vantagem?Sacripante não é: que menos valTalvez na sela que inseguro pajem.Pois do corcel o instinto naturalImpede a imigos que seu dono ultrajem:Eis que o animal empaca, muito emboraFustigado e picado pela espora.

7. Forçado a disparar, o bicho emperra,Instado a se deter, já trota ou corre,Logo a cabeça sob o peito enterra,Sacode o dorso e a escoicear recorre.Quer domá-lo o pagão, mas vendo que erra,Pois brava é a besta e o azo o não socorre,Apóia a mão na sela e se levanta,A esquerda salta e já no chão se planta.

8. Livre o pagão, após ligeiro salto,Da fúria pertinace de Baiardo,Eis que se trava ali um digno assaltoDe um par de cavaleiros tão galhardo.

Tinindo os ferros descem, buscam o alto:Sobre a bigorna o malho é bem mais tardoQue Vulcano em escuras furnas moveAo forjar os relâmpagos de Jove.

9. Longos e curtos golpes e ameaçosTrocam os dois, que mestres são do jogo;Já se encolhem, já medem largos passos,Cobertos ora, a descobrir-se logo.Rebatem golpes, fogem-nos a espaços,Apertam-se, recobram desafogo,Volteiam, e à passada que um recuaAvança o outro sem demora a sua.

10. Co' a espada a prometer grave destroçoRinaldo a Sacripante eis que abalroa:Este se abriga em seu escudo de ossoCom chapa de aço, temperada e boa.Fusberta o fende, embora muito grosso;A gemer, a floresta o estrago ecoa.Qual gelo se quebrantam osso e aço;

Fica a tremer ao sarraceno o braço.

11. Quando vide la timida donzella

dal fiero colpo uscir tanta ruiva,

per gran timor cangib la faccia bella,

qual it reo ch 'al supplicio s'avvicina;

né le par che vi sia da tardar, s'ella

non vuol di quel Rinaldo esser rapina,

di quel Rinaldo ch'ella tanto odiava,

quanto esso lei miseramente amava.

12. Volta il cavallo, e ne la selva folta

lo caccia per un aspro e stretto calle:

e spesso it viso smorto a dietro volta;

che le par che Rinaldo abbia alle spalle.

Fuggendo non avea fatto via molta,

che scontrb un eremita in una valle,

ch'avea lunga la barba a mezzo it petto,

devoto e venerabile d'aspetto.

13. Dagli anni e dal digiuno attenuato,

sopra un lento asinel se ne veniva;

e parea, pia ch'alcun fosse mai stato,di coscienza scrupolosa e schiva.

Come egli vide il viso delicatode la donzella che sopra gli arriva,

debil quantunque e mal gagliarda fosse,

tutta per carita se gli commosse.

11. Ao perceber a tímida donzelaQue o fero golpe causa tal ruína,Descompõe-se-lhe toda a face bela,Como réu que ao cutelo já se inclina:A não mais se deter resolve-se ela,Pois Rinaldo é quem já quase a domina;Rinaldo, sim, a quem ela odiavaTanto quanto ele, desditoso, a amava.

12. Toca o cavalo, e na floresta espessaPor uma trilha áspera e estreita o incita;Que Rinaldo a persiga teme, e à pressaPara trás vai voltando o rosto, aflita;Mas logo em seu caminho se atravessa,Num vale, um venerável eremita;Longas barbas lhe ocultam meio peito,E o devoto semblante impõe respeito.

13. Da idade e dos jejuns extenuado,Em ronceiro jumento viajava;Rigor inigualável, extremado,Consciência timorata revelava;

Mas divisando o rosto delicadoDa bela dama que por perto andava,Mortificado embora e débil fosse,

De caridosos ímpetos entrou-se.

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Oitava 13

14. La donna al fraticel chiede la via

the la conduca ad un porto di mare,

perché levar di Francia si vorria

per non udir Rinaldo nominare.

Il frate, che sapea negromanzia,

non cessa la donzella confortare

che presto la trarrd d 'ogni periglio;ed ad una sua tasca die di piglio.

15. Trassene un libro, e mostrb grande effetto;

che legger non finì la prima faccia,

ch'uscir fa un spirto in forma di valletto,

egli commanda quanto vuol ch'el faccia.

Quel se ne va, da la scrittura astretto,

dove i dui cavallieri a faccia a faccia

eran nel bosco, e non stavano al rezzo;

fra' quali entrb con grande audacia in mezzo.

16. – Per cortesia (disse), un di voi mi mostre,

quando anco uccida 1 'altro, che gli vaglia:

che mento avrete alie fatiche vostre,

finita che tra voi sia la Battaglia,

se `1 conte Orlando, senza liti o giostre,

e senza pur aver rotta una maglia,verso Parigi mena la donzella

che v 'ha condotti a questa pugna fella?

17. Vicino un miglio ho ritrovato Orlando

che ne va con Angelica a Parigi,di voi ridendo insieme, e motteggiando

che senza frutto alcun siate in litigi.

Il meglio forse vi sarebbe, or quandonon son piìi Jungi, a seguir for vestigi;

che s 'in Parigi Orlando la pub avere,

non ve la lascia mai pii rivedere. –

18. Veduto avreste i cavallier turbarsi

a quel annunzio, e mesti e sbigottiti,senza occhi e senza mente nominarsi,

che gli avesse it rival cosi scherniti;

ma it buon Rinaldo al suo cavallo trarsi

con sospir che parean del fuoco usciti,

e giurar per isdegno e per furore,

se giungea Orlando, di cavargli it core.

14. A dama ao ermitão pergunta a viaQue a conduza a qualquer porto de mar,Pois sair já de França pretendiaPor não mais de Rinaldo ouvir falar.Conhece este ancião nigromanciaE à donzela se põe a assegurarQue há de salvá-la em breve, e a mão ligeiraMete a sondar no fundo da algibeira.

15. Tira um livro e produz efeito enorme,Que a página primeira não é lidaSem que um gênio apareça e se transformeEm serviçal, que em cumprir ordens lida.É força que ao conjuro se conforme:Vai ter co' os cavaleiros, que na lidaAndam no bosque (e não a dar passeio)E, ousado, se lhes mete de permeio.

16. – Um de vós (pede) por favor me digaDe que matar a seu rival lhe valha.Que prêmio há de alcançar tanta fadigaQuando ao cabo chegueis dessa batalha,Se o conde Orlando, sem duelo ou briga,E sem romper do arnês uma só malha,A donzela a Paris ora acompanhaPor quem aqui lutais co ' ira tamanha?

17. Encontrei, a uma escassa milha, OrlandoQue se vai com Angélica a Paris.Vai a rir-se de vós, e vai zombandoDesta inútil batalha que feris.Fora talvez melhor segui-lo quandoSuas pegadas inda descobris,Pois se Orlando em Paris a puder ter

Nunca nenhum de vós há de a rever. –

18. Eram de ver os dois, a perturbar-seAtônitos co' as novas e aturdidos,De cegos e de surdos a acusar-se,Sabendo-se de Orlando escarnecidos.Começa o bom Rinaldo a lamentar-seCom fogosos suspiros e gemidos;

Jura a Orlando arrancar, de ódio e repulsa,Do peito o coração que dentro pulsa.

19. E dove aspetta it suo Baiardo, passa,

e sopra vi si lancia, e via galoppa,

né al cavallier, ch 'a pie nel Bosco lassa,

pur dice a Dio, non che lo `nviti in groppa.

L'animoso cavallo urta e fracassa,

punto dal suo signor, cis) ch ' egli `ntoppa:

non ponno fosse o fiumi o sassi o spinefar che dal corso it corridor decline.

20. Signor, non voglio che vi paia strano

se Rinaldo or si tosto it destrier piglia,

che già pies giorni ha seguitato invano,

né gli ha possuto mai toccar la briglia.

Fece it destrier, ch'avea intelletto umano,non per vizio seguirsi tante miglia,

ma per guidar dove la donna giva,

it suo signor, da chi bramar 1'udiva.

21. Quando ella si sfuggi dal padiglione,

la vide ed appostolla it buon destriero,

che si trovava aver voto l'arcione,

peru che n'era sceso it cavalliero

per combatter di par con un barone,

che men di lui non era in arme fiero;

poi ne seguità 1 'orme di lontano,

bramoso porta al suo signore in mano.

22. Bramoso di ritrarlo ove fosse ella,

per la gran selva inanzi se gli messe;

né lo volea lasciar montare in selva,

perché ad altro camin non lo volgesse.

Per lui trove, Rinaldo la donzella

una e due volte, e mai non gli successe;

the fu da Ferrais prima imp edito,

poi dal Circasso, come avete udito.

23. Ora al demonio che mostrà a Rinaldo

de la donzella li faio vestigi,

credette Baiardo anco, e stette saldo

e mansueto ai soliti servigi.

Rinaldo it caccia, d 'ira e d'amor caldo,

a tutta briglia, e sempre invêr Parigi;

e vola tanto col disio, che lento,

non ch'un destrier, ma gli parrebbe it vento.

19. Ao sítio onde Baiardo o aguarda, passaE monta no animal, que já galopa.

Veda a garupa ao outro, a quem rechaça,Deixando-o a pé, e a dar-lhe adeus se poupa.O valente corcel bate e espedaça,Esporeado, quanto estorvo topa:Rios, rochedos, alcantis, espinhosEm vão se lhe atravessam nos caminhos.

20. Senhor, não vos pareça incongruenteQue a Rinaldo o cavalo ora se renda;Se por milhas o dono inutilmenteDias a fio lhe buscara a senda,O animal, que de humano tem a mente,Faz que Rinaldo ao persegui-lo aprendaO rumo que seguramente o guiaA quem, sabe o corcel, ele queria.

21. Angélica, ao fugir do pavilhão,Do corcel fora vista, posto à espreita.Solto andava o animal, sem restrição,Pois, desmontado, o dono, dessa feita,Media-se, apeado, co'um barãoQue na espada o igualava, à luta afeita.Mas o corcel seguia ao longe a pistaQue da bela ao senhor desse a conquista.

22. Ansioso por levá-lo até a donzelaPela selva obrigou-o a que corresse,Sem aceitar que lhe tomasse a selaPor que a mudar-lhe rumo não se desse.Duas vezes conduziu Rinaldo a elaSem lograr que bom êxito ocorresse,Que, antes, de Ferraú foi impedido,Depois, do circassiano, o que heis ouvido.

23. Se ao guerreiro burlar sabe o demônio,Que por veraz lhe dá falso vestígio,Baiardo, também crendo o indício idôneo,Volta ao dono a servir com regozijo.Rinaldo, iroso amante, em rumo errôneoA galope, a Paris, então dirige-o.

A alma lhe voa, e lhe parece lentoNão só o corcel, mas até mesmo o vento.

Oitava 23

24. La notte a pena di seguir rimane,

per affrontarsi col signor d'Anglante:

tanto ha creduto alie parole vane

del messagger del cauto negromante.

Non cessa cavalcar sera e dimane,

the si vede apparir la terra avante,

dove re Carlo, rotto e mal condutto,

con le reliquie sue s 'era ridutto:

24. Só se detém à noite, em seu afãDe ajustar contas co' o senhor de Anglante;Vai confiado na mensagem vãDo emissário do astuto nigromante.Não pára o cavalgar, tarde e manhã,Até se ver daquela terra dianteOnde Carlos, vencido e imerso em luto,Co ' a tropa dizimada achou reduto.

25. e perché dal re d'Africa battaglia

ed assedio s'aspetta, usa gran cura

a raccor buona gente e vettovaglia,

far cavamenti e riparar le mura.

Cià ch'a difesa spera che gli vaglia,

senza gran diferir, tutto procura:pensa mandare in Inghilterra, e trame

gente onde possa un novo campo farp e;

26. che vuole uscir di nuovo alia campagna,

e ritentar la sorte de la guerra.

Spaccia Rinaldo subito in Bretagna,Bretagna che fu poi detta Inghilterra.

Ben de 1'andata it paladin si lagna:

non ch 'abbia cosi in odio quella terra;

ma perché Carlo it manda allora allora,

né pur lo lascia un giorno far demora.

27. Rinaldo mai di cià non fece meno

volentier cosa; poi the fu distolto

di gir cercando it bel viso sereno

che gli avea it cor di mezzo it peito tolto:

ma, per ubidir Carlo, nondimeno

a quella via si fu subito volto,

ed a Calesse in poche ore trovossi;

e giunto, it di medesimo imbarcossi.

28. Contra la voluntd d'ogni nocchiero,

pel gran desir che di tornare avea,

entrá nel mar ch'era turbato e fiero,

e gran procella minacciar parea.

Il Vento si sdegnà, che da 1'altiero

sprezzar si vide; e con tempesta rea

sollevà it mar intorno, e con tal rabbia,

che gli mandà a bagnar sino alia gabbia.

29. Calano tosto i marinari accorti

le maggior vele, e pensano dar volta,

e ritornar ne li medesmi porti

donde in mal punto avean la nave sciolta.

– Non convien (dice iiVento) ch'io comporti

tanta licenza che v 'avete tolta; –

e soffia e grida e naufragio minaccia,

s'altrove van, che dove egli ii caccia.

25. E porque do rei d'Africa batalhaE cerco os ameaça, não descura

De reforçar guerreiros e muralha,Fossos cavar, de pão prover fartura.

Tudo o que espera a defendê-los valha,Sem mais delongas, tudo enfim procura.Agora gente de Inglaterra contaChamar, que novo exército ele apronta,

26. Pois já de novo quer ir à campanhaPara mudar a sorte nesta guerra.

Rinaldo expede rápido à Bretanha,Bretanha que é depois dita Inglaterra.Jornada é ao gosto do guerreiro estranha:Não porque seja avesso àquela terra,E sim, pois Carlos manda que na horaSe vá, sem um só dia de demora.

27. Nunca Rinaldo mais a contragostoObedeceu, pois o partir lhe negaRever quem a alma lhe roubou, o rostoSereno que seu peito dessossega.Mas segue viagem, por estar dispostoA obedecer a Carlos, que o encarrega.E eis que em Calais horas depois achou-seE ali no mesmo dia ele embarcou-se.

28. Do alvitre dos barqueiros descuidoso,Pela ânsia de voltar, que o devorava,Faz-se ao mar, agitado e perigoso,Que horrível tempestade ameaçava.Aos Ventos enfurece do animosoTanto desdém; e, com tormenta brava,Raivosos sopram ondas de tal montaQue sobem a molhar do mastro a ponta.

29. As velas grandes a maruja amainaPerita, e no virar de bordo absorta;Para volver à barra dá-se à faina:Lá de onde afoita veio, ir ter importa.Bradam Ventos: – Jamais de nós se aplainaO mar ao que arrogante se comporta. –Assopram, silvam, mostram que soçobraA nau, se por fugir-lhes se manobra.

Oitava 28

30. Or a poppa, or all'orza hann 'il crudele,

che mai non cessa, e vien piú ognor crescendo:

essi di qua di là con umil vele

vansi aggirando, e 1'alto mar scorrendo.

Ma perché varie fila a varie tele

uopo mi son, che tutte ordire intendo,

lascio Rinaldo e l'agitata prua,

e torno a dir di Bradamante sua.

30. Ora fustiga à popa, ora à bolinaO tenaz vendaval, que vai crescendo;A nau, com velas curtas, já declinaA bordejar, por alto mar correndo.Mas vários fios requer quem determinaVárias teias urdir, qual vou fazendo:Assim, deixo Rinaldo e o incerto lenhoE à sua Bradamante agora venho.

Citada
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30. Ora fustiga à popa, ora à bolina O tenaz vendaval, que vai crescendo; A nau, com velas curtas, já declina A bordejar, por alto mar correndo. Mas vários fios requer quem determina Várias teias urdir, qual vou fazendo: Assim, deixo Rinaldo e o incerto lenho E à sua Bradamante agora venho.

31. lo parlo di quella inclita donzella,

per cui re Sacripante in terra giacque,

che di questo signor degna sorella,

del duca Amone e di Beatrice nacque.

La gran possanza e i1 molto ardir di quella

non meno a Carlo e a tutta Francia piacque

(die pid d ' un paragon ne vide saldo),

che lodato valor del buon Rinaldo.

32. La donna amata fu da un cavalliero

che d 'Africa passé col re Agramante,

che partorì del seme di Ruggiero

la disperata figlia d'Agolante:

e costei, che né d'orso né di fiero

leone usci, non sdegnb tal amante;

ben che concesso, fuor che vedersi una

volta e parlarsi, non ha for Fortuna.

33. Quindi cercando Bradamante gea

1'amante suo, ch'avea nome dal padre,

cosi sicura senza compagnia,

come avesse in sua guardia mille squadre:

e fatto ch'ebbe il re di Circassia

battere it volto dell'antiqua madre,traversb un bosco, e dopo it bosco un monte,

tanto che giunse ad una bella fonte.

34. La fonte discorrea per mezzo un prato,

d 'arbori antiqui e di bell'ombre adorno,

ch'i viandante col mormorio gratoa ber invita e a far seco soggiorno:

un culto monticel dal manco lato

le difende it calor del mezzo giorno.Quivi, come i begli occhi prima torse,

d'un cavallier la giovane s 'accorse;

35. d'un cavallier, ch ' all ' ombra d ' un boschetto,

nel margin verde e bianco e rosso e giallo

sedea pensoso, tacito e soletto

sopra quel chiaro e liquido cristallo.

Lo scudo non lontan pende e l'elmetto

dal faggio, ove legato era il cavallo;

ed avea gli occhi molli e viso basso,

e si mostrava addolorato e lasso.

31. Passo a falar da célebre donzela

Que a Sacripante em terra derribou.Digna irmã de Rinaldo se revela,Que de Beatriz o duque Amon gerou.

Bravura tem tamanha a engrandecé-laQue a toda a França e a Carlos admirou;Vence as provas, de agravos tira saldoTão bem quanto o louvado irmão Rinaldo.

32. Amada foi tal dama de um valenteQue de África aportou com Agramante,Do sangue de Rogério descendente,Nado da triste filha de Agolante:A amada, que não tem de leão furenteOu de urso o peito, agrada-se do amante,Mas quis dar-lhes somente uma oportunaVez em que se avistaram a Fortuna.

33. Bradamante a buscar ora seguiaSeu amado, que o nome tem do pai,Segura, sim, porém sem companhiaDe mil escoltas que a guardassem, vai.Depois que ao circassiano constrangiaA abraçar a mãe terra, dali sai,Passa um bosque, prossegue, passa um monteAté se achar junto a uma bela fonte.

34. Sob um velho arvoredo, em meio a um prado,A fonte, umbrosa e amena, a linfa espalma.Tem com grato murmúrio preparadoPouso ao viajor e água que a sede acalma;Fica à esquerda um outeiro cultivadoQue a abriga da meridiana calma.Ali a donzela, assim que os olhos gira,Presente um cavaleiro logo mira,

35. Um cavaleiro à sombra de um bosqueteQue verde, branco, rubro e ouro a esmaltá-loOstenta. Ele assentado, a sós, refleteMudo, co' o cristal líqüido a ladeá-lo.Pendem por perto o escudo e o capaceteDe um faio, onde amarrado está o cavalo.Úmidos tem os olhos, descaídoO rosto, e o gesto triste e combalido.

FORTUNA
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32. Amada foi tal dama de um valente Que de África aportou com Agramante, Do sangue de Rogério descendente, Nado da triste filha de Agolante: A amada, que não tem de leão furente Ou de urso o peito, agrada-se do amante, Mas quis dar-lhes somente uma oportuna Vez em que se avistaram a Fortuna.

36. Questo disir, ch'a tutti sta nel core,de ' fatti altrui sempre cercar novella,

fece a quel cavallier del suo dolore

la cagion domandar da la donzella.

Egli 1'aperse e tutta mostro fuore,

dal cortese parlar mosso di quella,

e dal sembiante altier, ch'al primo sguardo

gli sembrà di guerrier molto gagliardo.

37. E comincià: – Signor, io conducea

pedoni e cavallieri, e venìa in campo

lb dove Carlo Marsilio attendea,perch 'al scender del monte avesse inciampo;

e una giovane belfa meco avea,

del cui fervido amor nel petto avampo:e ritrovai presso a Rodonna armato

un the frenava un gran destriero alato.

38. Tosto che ladro, o sia mortale, o sia

una de 1'infernali anime orrende,vede la belfa e cara donna mia;

come falcon the per ferir discende,

cala e poggia in un atimo, e tra via

getta le mani, e lei smarrita prende.

Ancor non m ' era accorto de l ' assalto,

che de la donna io senti ' it grido in alto.

39. Cosi ii rapace nibio furar suole

it mísero pulcin presso alfa chioccia,che di sua inavvertenza poi si duole,

e invan gli grida, e invan dietro gli croccia.

Io non posso seguir un uom the vole,

chiuso tra' monti, a pia d 'un'erta roccia:

stanco ho it destrier, che muta a pena i passi

ne 1'aspre vie de ' faticosi sassi.

40. Ma, come quel che men curato avrei

vedermi trar di mezzo it petto it core,

lasciai for via seguir quegli altri miei,

senza mia guida e senza alcun rettore:

per li scoscesi poggi e manco rei

presi la via che mi mostrava Amore,

e dove mi parea che quel rapace

portassi ii mio conforto e la mia pace.

36. Notícias alcançar de alheio fatoO coração humano sempre anela.Eis por que pede ao triste dê o relatoDa causa de seus males a donzela.Ele, à cortês pergunta muito grato,Sem rebuços a causa lhe revela,Fiado no gesto digno e sobranceiroDe quem toma por guapo cavaleiro.

37. E começou: – Senhor, eu conduziaCavaleiros, peões, do campo à linhaOnde a Marsilio Carlos impediaTranspor os montes, que descendo vinha.Uma jovem formosa me seguiaCujo amor em meu peito inda se aninha:E eis que junto a Rodona um vulto armadoVi, que montava num corcel alado.

38. Fosse o ladrão mortal, fosse prescitoEspirito que o horrendo inferno acende,Logo que em minha amada o olhar tem fito,Como falcão rapace os ares fende,Baixa e retorna às nuvens, expedito,E entanto a desditosa agarra e prende.Antes que eu sequer desse pelo assalto

Da infeliz escutei os gritos no alto.

39. Se arrebatar a ave de rapinaO pintainho à mãe, que o não receia,Debalde a descuidosa então grazina,Debalde contra as nuvens carcareia.

Pelos ares a fuga repentina,Seguir não posso, e a serra me cerceia;

Mal dá o cavalo exausto vagarososPassos nos trilhos duros e escabrosos.

40. Roubem-me o coração e sentireiPor aqueloutra perda maior dor.Assim, dos que guiava me afastei,Deixando-os ir, privados do mentor.

Os cerros menos íngremes galgueiSeguindo as vias que me abria o Amor

E aonde me parecia que o rapaceConsigo minha paz, meu bem guardasse.

Oitava 38

41. Sei giorni me n'andai matina e sera

per baize e per pendici orride e strane,

dove non via, dove sentier non era,

dove né segno di vestigie umane;

poi giunse in una valle inculta e fiera,

di ripe cinta e spaventose tane,

che nel mezzo s'un sasso avea un castello

forte e ben posto, a maraviglia bello.

42. Da lungi par che come fiamma lustri,

né sia di terra cotta, né di marmi.

Comepiei m'avicino ai muri illustri,

l 'opra piú belfa e piú mirabil parmi.

E seppi poi, comei demoni industri,

da suffumigi tratti e sacri carmi,

tutto d'acciaio avean cinto it bel loco,temp rato all'onda ed alio stigio foco.

43. Di si forbito acciar luce ogni torre,

che non vi pub né ruggine né macchia.

Tutto it paese giorno e notte scorre,

E poi ld dentro it rio ladron s 'immacchia.

Cosa non ha ripar che voglia torre:

sol dietro invan se li bestemia e gracchia.

Quivi la donna, anzi ii mio cor mi tiene,

che di mai ricovrar lascio ogni spene.

44. Ah lasso! the poss 'io piú che mirare

la rocca fungi, ove it mio ben m'è chiuso?

come la volpe, che figlio gridare

nel nido oda de 1'aquila di giuso,

s'aggira intorno, e non sa che si fare,

poi the l'ali non ha da gir ld suso.

Erto è quel sasso si, tale è it castello,

che non vi pub Balir chi non è augello.

45. Mentre io tardava quivi, ecco venire

duo cavallier ch'avean per guida un nano,

che la speranza aggiunsero al desire;

ma ben fu la speranza e it desir vano.

Ambi erano guerrier di sommo ardire:

era Gradasso Pun, re sericano;

era l'altro Ruggier, giovene forte,

pregiato assai ne 1'africana corte.

41. Manhã e tarde caminhei seis diasPor fatais alcantis, fragas ingentesOnde em vão se buscavam sendas, vias,Onde humanos sinais `stavam ausentes.Fui ter a plagas ermas e bravias,A um vai cercado de antros e vertentes.Lá, ao centro, sobre rocha vi um casteloForte e guardado, e à maravilha belo.

42. Qual labareda ao longe resplandece,Sem de ladrilho ou mármore ser feito;Junto aos fulgentes muros me pareceO edificio mais belo e mais perfeito.Soube que, com incenso e canto, a preceAtraíra hábeis demos para o efeitoDe o castelo cingir, que ali se erigeCo' o aço provado em fogo e água do Estige.

43. Tão puro brilha o aço em cada torreQue de nódoa ou ferrugem sempre é isento.Noite e dia o ladrão as plagas correE depois acha ali forte aposento.Debalde ao que ele preia alguém socorreCom brados de blasfêmia ou de lamento.Minha amada, meu próprio coraçãoDesespero livrar de tal prisão.

44. Ai, que mais posso que ter olhos fitosNa rocha ao longe, que meu bem encerra,Qual raposa do filho a ouvir os gritosDesde o ninho altaneiro, onde águia o aferra,Rodeia a escarpa, em passos vãos, aflitos,Falta de asas, que a elevem sobre a terra?Tão impérvio penhasco, tal casteloS6 a pássaros é dado cometê-lo.

45. Ali me demorando, eis se apresentamDois cavaleiros e um anão à frenteQue ao desejo esperança me acrescentam;

( Mas é esperança que ao desejo mente).

Ambos guerreiros alto esforço ostentam:Gradasso, rei da sericana gente,Tem ao lado Rogério, jovem forte,Assaz louvado na africana corte.

46. — Vengon (mi disse it nano) per far pruova

di for virtú col sir di que/ castello,

che per via strana, inusitata e nuova

cavalca armato it quadrupeds augello. -

-Deh, signor (diss 'io lor), pieta vi muova

del duro caso mio spietato e fello!

Quando, come ho speranza, voi vinciate,

vi prego la mia donna mi rendiate. —

47. E come mi fu tolta for narrai,

con lacrime affermando it dolor mio.

Quei, for mercé, mi proferiro assai,e giú calaro it poggio alpestre e rio.

Di lontan la battaglia io riguardai,pregando per la for vittoria Dio.

Era sotto il caste/ tanto di piano,

quanto in due volte si pub trar con mano.

48. Poi the fur giunti a piè de 1 'alta rocca,

1'uno e 1' altro volea combatter prima;

pur a Gradasso, o fosse sorte, tocca,

o pur che non ne fe' Ruggier pia stima.

Quel Serican si pone il corno a bocca:

rimbomba it sasso e la fortezza in cima.

Ecco apparire it cavalliero armato

fuor de la porta, e sul cavallo ala to.

49. Comincià a poco a poco indi a levarse,

come suo/ far la peregrina grue,

che corre prima, e poi vediamo alzarse

alia terra vicina un braccio o due;e quando tutte sono all 'aria sparse,velocissime mostra 1'ale sue.Si ad alto il negromante batte /'ale,

ch'a tanta altezza a pena aquila sale.

50. Quando gli parve poi, volse it destriero,

che chiuse i vanni e venne a terra a piombo,

come casca dal ciei falcon maniero

che levar veggia l'anitra oil colombo.Con la lancia arrestata it cavalliero

1'aria fendendo vien d 'orribil rombo.

Gradasso a pena del calar s'avede,

che se lo sente addosso e che lo fled e.

46. — Chegam de seu valor a fazer prova( Disse o anão) do castelo co' o senhorQue em forma estranha, inusitada e novaMonta armado o quadrúpede voador. --A condoer-vos, senhores, vos comova(gritei) deste meu duro caso a dor;Vencereis, eu confio, e pois vos rogoQue minha amada a mim conduzais logo. -

47. Como a perdi contei-lhes; não contiveLágrimas pelo mal de minha sina.Muitas promessas logo deles tiveE baixaram a íngreme colina.Ao longe a ver a luta me detiveE a suplicar a proteção divina.Um plano ante o castelo o dobro avança

Do que um tiro de mão co ' a pedra alcança

48. Junto ao penedo, cada qual avocaPrimazia no embate a que se anima;Gradasso a tem, que a sorte enfim lhe toca,Ou que Rogério em melhor jus o estima.Leva a trombeta o sericano à boca:Reboa a rocha co ' o castelo em cimaE assoma à porta o cavaleiro armadoEm seu cavalo alígero montado.

49. Forceja a pouco e pouco por se alçarQual o migrante grou, que na carreiraToma impulso e se vai, quase a roçarA terra logo abaixo, inda lindeira,Até que estende as asas pelo arEm ascensão altíssima e ligeira.As alturas se eleva o nigromante:A tanto é raro que águia se levante.

50. Então, freia o corcel, que não resisteE fecha as asas, vindo a pique em tombo,Como falcão de caça, assim que avisteNas matas fugitivo ganso ou pombo.O cavaleiro, pondo a lança em riste,Fende os ares, com hórrido rebombo.Mal percebe Gradasso aquele baqueE já se vê ferido sob o ataque.

51. Sopra Gradasso it mago fasta roppe;feri Gradasso it vento e 1'aria vana:

per questo it volator non interroppe

it batter fale, e quindi s ' allontana.11 grave scontro fa chinar le groppe

sul verde prato alfa gagliarda alfa na.

Gradasso avea una alfana, la piei bella

e la miglior che mai portasse sella.

52. Sin alie stelle it volator trascorse;

indi girossi e tomb in fretta al basso,

e percosse Ruggier che non s 'accorse,

Ruggier che tutto intento era a Gradasso.

Ruggier del grave corpo si distorse,

e suo destrier piú rinculb d ' un passo;

e quando si volt() per lui ferire,

da sé lontano it vide al ciei salire.

53. Or su Gradasso, or su Ruggier percote

nela fronte, nel petto e nela schiena,

e le botte di quei lascia ognor vote,

perché è si presto, che si vede a pena.

Girando va con spaziose rote,e quando all'uno accenna, all'altro mena:

all'uno e all'altro si gli occhi abbarbaglia,

che non ponno veder donde gli assaglia.

54. Fra duo guerrieri in terra ed uno in cielo

la battaglia dud, sino a quella ora,

che spiegando pel mondo oscuro velo,tutte le belle cose discolora.

Fu quel ch'io dico, e non v 'aggiungo un pelo:io `I vidi, i"l so: né m 'assicuro ancora

di dirlo altrui; che questa maraviglia

al falso piú ch ' al ver si rassimiglia.

55. D'un bel drappo di seta avea coperto

lo scudo in braccio it cavallier celeste.Come avesse, non so, tanto sofferto

di tenerlo nascosto in quella veste;

ch 'immantinente the lo mostra aperto,

forza è, ch'il mira, abbarbagliato reste,

e cada come corpo morto cade,

e venga al negromante in potestade.

51. Contra Gradasso o mago rompe a lança;Gradasso embalde o ar ataca e o vento:Pois o voador, que as asas não descansa,Afastando-se, fica em salvamento.A montaria ao chão as ancas lançaCo' a rudeza do golpe viojento:De alfaraz tinha o sangue, e nunca a selaSe pds sobre égua mais galharda e bela.

52. As estrelas o aligero se enviaMas vira e vem abaixo em breve espaçoE golpeia Rogério, que o não via,Rogério que cuidava de Gradasso.Rogério desse golpe se desvia,Arredando o corcel bem mais de um passo;E quando se voltou para o ferirLonge de si o viu ao céu subir.

53. Ora em Gradasso, ora em Rogério bateNas costas e no peito e na cabeça;Nem estes logram golpe que o maltrate,Pois mal se pode ver, de tanta pressa.Deixa que o vôo em giros se dilate,A um ameaça, a outro se arremessa.A este e àquele tanto ofusca a vista

Que não lobrigam de onde ele os invista.

54. Dois guerreiros em terra, outro no céuBatalharam até chegada a horaQue o mundo inteiro envolve em negro véuE as coisas belas todas descolora.Tal foi, nada acrescento ao que se deu:Sei o que vi; mas inda hesito agora

Em dizer o que a outrem tanto admiraVerdade que aparenta ser mentira.

55. O escudo em linda seda recobertoTinha no braço o lutador celeste.Por que deixou, ainda não acerto,De logo retirá-lo de tal veste,

Pois mal o ostenta enfim de todo abertoOfusca àquele que co' o olhar o investe:

O escudo o abate como ao corpo a morte,Deixando-lhe à mercê do mago a sorte.

56. Splende lo scudo a guisa di piropo,

e luce altra non è tanto lucente.

Cadere in terra alio splendor fu d ' uopo

con gli occhi abbacinati, e senza mente.

Perdei da lungi anch'io li sensi, e dopo

gran spazio mi riebbi finalmente;

népiu i guerrier né pii vidi quel nano,

ma voto it campo, e scuro it monte e it piano.

57. Pensai per questo che 1 ' incantatore

avesse amendui colti a un tratto insieme,

e tolto per virtu de lo splendore

la libertade a loro, e a me la speme.Cosi a quel loco, che chiudea it mio core,

dissi, partendo, le parole estreme.

Or giudicate s 'altra pena ria,

che causi Amor, pub pareggiar la mia. –

58. Ritornb it cavallier nel primo duolo,

fatta che n 'ebbe la cagion palese.

Questo era it conte Pinabel, figliuolo

d 'Anselmo d'Altaripa, maganzese;

che tra sua gente scelerata, solo

leale esser non volte né cortese,

ma ne li vizi abominandi e brutti

non pur gli altri adegub, ma passo tutti.

59. La bella donna con diverso aspetto

stette ascoltando it Maganzese cheta;

che come prima di Ruggierfu detto,

nel viso si mostro piu che mai lieta:

ma quando senti poi ch 'era in distretto,

turbossi tutta d 'amorosa pieta;

né per una o due volte contentosse

che ritornato a replicar le fosse.

60. E poi ch'al fin le parve esserne chiara,

gli disse: – Cavallier, datti riposo,

che ben pub la mia giunta esserti cara,

parerti questo giorno aventuroso.

Andiam pur tosto a quella stanza avara,

che si ricco tesor ci tiene ascoso;

né spesa sara invan questa fatica,

se Fortuna non m'è troppo nemica. —

56. Brilha o escudo à maneira de piropoNem luz existe mais resplandecente.Bem que ao longe, cair é força e topoComigo em terra, cego o olhar e a mente.Largo espaço do outeiro sobre o topoJazi, cobrando acordo finalmente,Mas já não vi guerreiros nem anão:Só o campo vago e escuros monte e chão.

57. Eu portanto julguei que o encantadorA todos duma vez dera captura,Privara-os de ser livres o fulgorE a mim das esperanças de ventura.Do sítio que inda encerra meu amorDespedi-me e parti com amargura.Ora julgai se existe pena igual

A que me causa Amor, para meu mal. –

58. Volta o guerreiro, assim que participa

Seus males, ao cuidado que o consome.Em Mogúncia, de Anselmo d'Alta-RipaNascera, e Pinabel era seu nome.De raça que em delitos se dissipaNinguém por exceção virtuosa o tome;Pois em vícios hediondos, repelentesAcompanha ou excede seus parentes.

59. Muda a formosa dama o gesto e o rostoEnquanto a Pinabel escuta queda.O nome de Rogério ouve com gostoE o mostra no semblante, muito leda.Mas ao saber que na prisão foi postoLogo de amor seu rosto se apieda.Pede ao outro, uma vez e mais, que tudoRecomece a narrar-lhe por miúdo.

60. Mas quando a relação se lhe fez clara,Disse: –Descansa, cavaleiro ansioso,Minha presença creio te preparaUm dia que terás por venturoso.

Vamos logo buscar a cela avaraQue nos rouba o tesouro mais precioso.Inútil não veremos a fadigaSe não me perseguir Fortuna imiga. –

FORTUNA
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*** FORTUNA MEIO A MEIO *** 60. Mas quando a relação se lhe fez clara, Disse: –Descansa, cavaleiro ansioso, Minha presença creio te prepara Um dia que terás por venturoso. Vamos logo buscar a cela avara Que nos rouba o tesouro mais precioso. Inútil não veremos a fadiga Se não me perseguir Fortuna imiga. –

61. Rispose it cavallier: –Tu vbi ch'io passi

di nuovo i monti, e mostriti la via?

A me molto non è perdere i passi,

perduta avendo ogni altra cosa mia;

ma tu per baize e ruinosi sassicerchi entrar in pregione; e cosi sia.

Non hai di che dolerti di me, poi

ch'io tel predico, e tu pur gir vi vài. –

62. Cosi dice egli, e torna al suo destriero,

e di quella animosa si fa guida,che si mette a periglio per Ruggiero,

che la pigli quel mago o che la ancida.

In questo, ecco alle spalle it messaggero,

ch': – Aspetta, apetta! – a tutta voce grida,

it messagger da chi it Circasso intese

che costei fu ch'all'erba lo distese.

63. A Bradamante it messagger novella

di Mompolier e di Narbona porta,

ch 'alzato gli stendardi di Castella

avean, con tutto it lito d 'Acquamorta;

e che Marsilia, non v ' essendo quella

che la dovea guardar, mal si conforta,

e consiglio e soccorso le domanda

per questo messo, e se le raccomanda.

64. Questa cittade, e intorno a molte miglia

cià the fra Varo e Rodano al mar siede,

avea 1'imperator dato alia figlia

del duca Amon, in ch'avea speme e fede;

però che `i suo valor con maravigliariguardar suol, quando armeggiar la vede.

Or, com ' io dico, a domandar aiuto

quel messo da Marsilia era venuto.

65. Tra si e no la giovane suspesa,

di voler ritornar dubita un poco:

quinci 1'onore e it debito le pesa,

quindi l'incalza 1 'amoroso foco.

Fermasi al fin di seguitar 1 'impresa,

e trar Ruggier de 1'incantato loco;

e quando sua virtìi non possa tanto,

almen restargli prigioniera a canto.

61. Diz o guerreiro: – E para que intervenhas,Queres que eu torne à serra, a ser teu guia?Não me custa perder, já que te empenhas,Os passos, pois perdi minha alegria.Mas andares por fragas e por penhasÉ jornada que ao cárcere te avia.Seja embora; eu atendo a teu desejo:Não me acuses depois do que prevejo. –

62. Assim disse, e montou o cavaleiro,Pronto a guiar a dama destemidaQue se expõe, pelo amado, ao cativeiroP ao risco de perder a própria vida.Mas no encalço lhes brada um mensageiro:– Esperai! Esperai e dai-me ouvida! –Este era quem ao circassiano dera

Novas de que tal dama o abatera.

63. 0 núncio informa agora a BradamanteQue, tal qual Mompelher, também NarbonaCo' Águas Mortas e a praia circunstanteAo pendão de Castela se abandona.Marselha teme, por estar distanteAquela que é do amparo seu patrona,E ao correio rogar-lhe ora encarregaConselho e proteção, pois se lhe entrega.

64. Marselha e mais a costa que partilhaCom o Ródano e o Var, coube em mercê

À dama que do nobre Amon é filha.Dera-lhe o imperador, que dela crêE espera muito, e que por maravilhaJulga o valor com que bater-se a vê.Digo, pois, que Marselha à dama enviaMensagem que socorro lhe pedia.

65. Incerta a dama, o sim e o não sopesa;Inclina-se a voltar, por um momento:Ora é o dever de honra o que mais pesa,Ora é o fogo de amor maior tormento.Resolve enfim continuar a empresaDe a Rogério livrar do encantamento,Ou, se o valor não baste h tentativa,

De a seu lado cair também cativa.

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Oitava 65

66. E fece iscusa tal, che quel messaggio

parve contento rimanere e checo.

Indi gird la briglia al suo viaggio,

con Pinabel che non ne parve lieto;

che seppe esser costei di quel lignaggio

che tanto ha in odio in publico e in secreto:e gid s 'avisa le future angosce,

se lui per maganzese ella conosce.

66. Tão bem se desculpou, que da mensagemO portador partiu, contente e quedo.Segue a donzela o rumo da viagemA par de Pinabel, agora azedo,Por saber que ela vem de uma linhagem

Que aos seus odeia em público e em segredo:E as futuras angústias já pressenteSe ela o reconhecer por de tal gente.

67. Tra casa di Maganza e di Chiarmonte

era odio antico e inimicizia intensa;

e piú volte s 'avean rotta la fronte,

e sparso di for sangue copia immensa:

e per() nel suo cor 1 ' iniquo contetradir 1'incauta giovane si pensa;

o, come prima com modo gli accada,

lasciarla sola, e trovar altra strada.

68. E tanto gli occupà la fantasia

it nativo odio, it dubbio e la paura,

ch'inavedutamente usci di via:

e ritrovossi in una selva oscura,

che nel mezzo avea un monte che finfa

la nuda cima in una pieira dura;

e la figlia del duca di Dordona

gli e sempre dietro, e mai non l'abandona.

69. Come si vide it Maganzese al bosco,

pens() tôrsi la donna da le spalle.

Disse: –Prima che `t ciel torni piú fosco,

verso un albergo è meglio farsi ii calle.

Oltra quel monte, s'io lo riconosco,

siede un ricco caste/

ne la valle.Tu qui m 'aspetta; che dal nudo scoglio

certificar con gli occhi me ne voglio. –

70. Cosi dicendo, alia cima superna

del solitario monte it destrier caccia,mirando pur s'alcuna via discerna,

come lei possa tor da la sua traccia.

Ecco nel sasso truova una caverna,

the si profonda piú di trenta braccia.

Tagliato a picchi ed a scarpelli ii sasso

scende gii al dritto, ed ha una porta al basso.

71. Nel fondo avea una porta ampla e capace,

ch 'in maggior stanza largo adito dava;e fuor n'uscla splendor, come di face

ch 'ardesse in mezzo alia monta na cava.

Mentre quivi it fellon suspeso tace,

la donna, che da Jungi it seguitava

(perché perderne 1'orme si temea),

alla spelonca gli sopragiungea.

67. As casas de Mogúncia e ClaramonteDivide antiga inimizade intensa.Não raro é que um imigo ao outro afronte,Decapitando-o com sangueira imensa.Já o conde Pinabel vé como apronteTraição à dama incauta; ao menos, pensa,Assim que ocasião houver azada,Em deixá-la e seguir por outra estrada.

68. Tanto se lhe rendera a fantasiaAo ódio antigo, ao medo e à conjecturaQue sem o perceber saiu da viaE deu consigo numa selva escura;Um monte bem ao centro ali se erguiaQue era encimado de uma rocha dura.Sempre a filha do duque de DordonaO segue, em nenhum tempo o abandona.

69. Chegado ao bosque, o traiçoeiro condeDe a jovem desertar cuida consigo.Disse: – Já a luz do céu quase se esconde,Melhor é procurar algum abrigo.Um castelo num vale além respondeA este monte, se bem lembrar consigo.Ficai aqui e esperareis por mim,Que subo à rocha a ver se é mesmo assim. –

70. Isso dizendo, co ' o ginete ao sumoDo solitário monte ele se passa,Buscando vislumbrar um novo rumoCom que da acompanhante se desfaça.Acha na pedra um fosso aberto a prumoPor sachas e picões, e que a trespassa.Trinta braças ou mais a rocha corta,E acaba-se, no fundo, em uma porta.

71. Ampla e larga era a porta inferiorQue a câmara mais vasta acesso dava;Dali se difundia um resplendorQual se ardesse um fanal em meio à cava.Lá se deteve, atônito, o traidor,Mas a dama, que ao longe o acompanhava( De perdé-lo de vista com receio),A ter com ele à gruta logo veio.

72. Poi che si vide it traditore uscire,

quel ch'avea prima disegnato, invano,

o da sé torla, o di faria morire,

nuovo argumento imaginossi e strano.

Le si fe ' incontra, e su la fe ' salire

Id dove it monte era forato e vano;

e le disse ch'avea visto nel fondo

una donzella di viso giocondo,

73. ch'a ' bei sembianti ed alia ricca vesta

esserparea di non ignobil grado;

ma quanto piü potea turbata e mesta,

mostrava esservi chiusa suo malgrado:

e per saper la condizion di questa,

ch 'avea gid cominciato a entrar nel grado;

e ch'era uscito de 1'interna grotta

un che dentro a furor 1'avea ridotta.

74. Bradamante, che come era animosa,

cosi mal cauta, a Pinabel die fede;

e d 'aiutar la donna, disiosa,

si pensa come por cold giú it piede.

Ecco d ' un olmo alia cima frondosa

volgendo gli occhi, un lungo ramo vede;

e con la spada quel subito tronca,

e lo declina giú ne la spelonca.

75. Dove è tagliato, in man lo raccomanda

a Pinabello, e poscia a quel s ' apprende:

prima giú i piedi ne la tana manda,

e su le braccia tutta si suspende.

Sorride Pinabello, e le domanda

come ella salti; e le man apre e stende,

dicendole: – Qui fosser teco insieme

tutti li tuoi, ch 'io ne spegnessi ii seme! —

76. Non come volse Pinabello avvenne

de 1 'innocentegiovane la sorte;

perché, giú diroccando, a ferir venne

prima nel fondo it ramo saldo e forte.

Ben si spezzd, ma tanto la sostenne,

che `l suo favor la libere da morte.

Giacque stordita la donzella alquanto,

come io vi seguirá ne l 'altro canto.

72. Vendo o pérfido assim se destruirO ruim plano que tramara em vão,De a matar, ou de ao menos a impedir,Novo meio cruel buscou então.Foi-lhe ao encontro, ao cume a fez subirOnde se abria a pique o boqueirãoE disse-lhe que ali, no mais profundo,Uma donzela vira, de ar jucundo.

73. Alta estirpe aparenta pela galaDos ricos trajos e formoso rosto,Bem que seu gesto muita dor exala,Como de alguém retida a contragosto.Sobre sua condição a interrogá-laDisse ele que se havia já disposto,Quando um tal sai de dentro da cavernaE nela, à força, novamente a interna.

74. Bradamante, que tanto era animosaQuanto era incauta, ao traidor dá féE, de ajudar à outra desejosa,Cuida em como na gruta pôr o pé;Mas olha à volta e na copa frondosaDe um ulmeiro, comprido ramo vê;Com pronto golpe de sua espada o truncaE o deita fosso adentro na espelunca.

75. A ponta decepada ela confiaA Pinabel; no ramo se suspende.Os pés primeiro gruta abaixo enfiaE só nos braços apoiada pende.A rir pergunta-lhe o outro se sabiaSaltar; logo abre a mão que ao ramo prende,Gritando-lhe: – Oxalá também inteira

Tua raça eu cá extirpasse em tal maneira! –

76. Armou-lhe embalde Pinabel o enleio;Coube à inocente jovem outra sorte,Pois antes da donzela abaixo veioA dar no chão o galho rijo e forte,

Que se partiu, mas lhe serviu de esteioBastante para a defender da morte.

Sem acordo jazeu a dama um tanto,Como hei de vos narrar em outro canto.

CANTO III

Uma feiticeira profetiza a descendência de Bradamante e ensina-lhecomo libertar Rogério

1. Chi mi dare) la voce e le parole

convenienti a si nobil suggetto?

chi fale al verso presterd, che vole

tanto ch'arrivi all'alto mio concetto?

Molto maggior di quel furor che suole,

ben or convien che mi riscaldi it petto;

che questa parte al mio signor si debbe,

che canta gli avi onde 1'origine ebbe:

2. di cui fra tutti li signori illustri,

dal ciei sortiti a governar la terra,

non vedi, o Febo, che `I gran mondo lustri,

pii gloriosa stirpe o in pace o in guerra;

né che sua nobiltade abbia pii lustri

servata, e servard (s'in me non erra

quei profetico lume che m 'ispiri)fin che d 'intorno al polo it ciel s 'aggiri.

1. Que palavras, que voz podem dizerTão subida matéria sem defeito?Meu verso, antes de tanto pretender,Onde asas buscará para tal preito?Agora mais que nunca há de crescerRedobrado o furor que arde em meu peito,Pois isto a meu senhor aqui se deve:Cantar-lhe a origem e os avós que teve.

2. Entre os senhores todos mais ilustresDos céus eleitos a reger a terra,Por muito, 6 Febo, que este mundo ilustres,Maiores não verás, em paz ou guerra,Nem casa onde a nobreza com mais lustresSe guarde, e assim será (se em mim não erraO profético lume em que me inspiro)Enquanto ao pólo o céu fizer o giro.

3. E volendone a piers dicer gli onori,

bisogna non la mia, ma quella cetra

con che tu dopo i gigantei furori

rendesti grazia al regnator dell 'etra.

S 'istrumenti avrà mai da te migliori,

atti a sculpire in cosi degna pietra,

in queste belle imagini disegno

porre ogni mia fatica, ogni mio ingegno.

4. Levando intanto queste prime rudi

scaglie n 'andr() con lo scarpello inetto:

forse ch'ancor con pih solerti studi

poi ridurr() quest() lavor perfetto.

Ma ritorniano a quello, a cui né scudipotran né usberghi assicurare it petto:

parlo di Pinabello di Maganza,

che d 'uccider la donna ebbe speranza.

5. Il traditor pense che la donzella

fosse ne 1 'alto precipizio morta;

e con pallida faccia lascià quella

trista e per lui contaminata porta,

e torn() presto a rimontar in sella:

e come quel ch 'avea l 'anima torta,

per giunger colpa a colpa e fallo a fallo,

di Bradamante ne men() it cavallo.

6. Lascidn costui, che mentre all ' altrui vita

ordisce inganno, it suo morir procura;

e torniamo alia donna che, tradita,

quasi ebbe a un tempo e morte e sepoltura.

Poi ch'ella si level tutta stordita,

ch 'avea percosso in su la pietra dura,

dentro la porta ando, ch ' adito dava

nela seconda assaipiei larga cava.

7. La stanza, quadra e spaziosa, pare

una devota e venerabil chiesa,

che su colonne alabastrine e rare

con bella architettura era suspesa.

Surgea nel mezzo un ben locato altare,

ch'avea dinanzi una lampada accesa;

e quella di splendente e chiaro foco

rendea gran lume all 'uno e all'altro loco.

3. E por lhes entoar plenos louvoresA citara, suplico, minha façasQue pelo fim dos giganteus furoresAo olímpico padre rendeu graças.Digna é a pedra que aguarda meus lavores;Partes rogo-te, pois, menos escassasE imagens de beleza eis que me empenhoLogo a criar, com todo o esforço e engenho.

4. Vou lavrando por ora esboços rudosCom cinzel ao apuro pouco afeito;Se puder aturar outros estudosFarei talvez trabalho mais perfeito.Mas voltemos àquele que de escudosE arneses cobrirá debalde o peito:Pinabel de Mogúncia, assim se chamaQuem pretendeu tirar a vida à dama.

5. Confiava esse tredo que a donzelaNo abismo fundo se quedara morta,E com lívido rosto deixa aquelaMofma e dele profanada porta.Volta depois a retomar a selaE, pois à sua ruim alma pouco importaCrime a crime somar, ou agravá-lo,A Bradamante rouba-lhe o cavalo.

6. Deixemo-lo a ameaçar a alheia vidaPois sua própria morte assim procura,E voltemos à dama, que, traída,Quase achou juntas morte e sepultura.Tornou-se a erguer, atônita e dorida,Depois do baque contra a pedra duraE pela porta entrou, que acesso davaA uma segunda e bem mais larga cava.

7. Recinto amplo e quadrado, a semelharO de templo devoto e venerando;Colunas de alabastro, algo sem par,O formoso edifício iam firmando.No centro havia um majestoso altarOnde em lâmpada o lume ia queimando

Com tamanho esplendor, que a luz brilhantePara uma sala e outra era bastante.

Oitava 8

8. Di devota umiltà la donna tocca,

come si vide in loco sacro e pio,

incomincià col core e con la bocca,

inginocchiata, a mandar prieghi a Dio.

Un picciol uscio intanto stride e crocca,

ch'era all 'incontro, onde una donna uscio

discinta e scalza, e sciolte avea le chiome,

the la donzella salute) per nome.

8. A vista da capela santa e piaÀ dama humilde unção n'alma provocaE logo de joelhos dirigiaPreces a Deus, co' o coração e a boca,Quando uma portinhola range e chiaDefronte, e u'a mulher se desentoca:Vem descalça, traz soltas vestimentaE grenhas, e por nome a cumprimenta.

9. E disse: – O generosa Bradamante,

non giunta qui Benza voler divino,

di te pia giorni m ' ha predetto inante

it profetico spirto di Merlino,

che visitar le sue reliquie sante

dovevi per insolito camino:

e qui son stata accià ch 'io ti riveli

quel c'han di te gid statuito i deli.

10. Questa è 1 ' antiqua e memorabil grotto

ch'edificà Merlino, it savio mago

the forse ricordare odi talotta,

dove ingannollo la Donna del Lago.

Il sepolcro e qui gia, dove corrotta

giace la carne sua; dove egli, vagodi sodisfare a lei, che glil suase

vivo corcossi, e morto ci rimase.

11. Col corpo morto it vivo spirto alberga,

sin ch 'oda i1 suon de 1'angelica tromba

che dal del lo bandisca o che ve l 'erga,

secondo che sara corvo o colomba.

Vive la voce; e come chiara emerga,

udir potrai dalla marmorea tomba,

che le passate e le future cose

a chi gli domandà, sempre rispose.

12. Pia giorni son ch'in questo cimiterio

venni di remotissimo paese,

perché circa it mio studio alto misterio

mi facesse Merlin meglio palese:

e perché ebbi vederti desiderio,

poi ci son stata oltre it disegno un meses

che Merlin, che ver sempre mi predisse,

termine al venir tuo questo di fisse. –

13. Stassi d'Amon la sbigottita figlia

tacita efusa al ragionar di questa;

ed ha si pieno it cor di maraviglia,

the non sa s'ella dorme o s 'ella è desta:

e con rimesse e vergognose ciglia

(come quella che tutta era modesta)

rispose: –Di che merito son io,

ch'antiveggian profeti ii venir mio? —

9. Disse-lhe: – Ó generosa Bradamante,Aqui vens pois nos céus se quis assim.De ti me disse (e estavas mui distante)Um profético espírito, Merlim,Que junto aos seus despojos, suplicante,Caminho estranho te traria enfim.Eu aqui venho a revelar os teusDestinos, decididos pelos céus.

10. Santa e antiga é esta gruta, e quem a fezConstruir foi Merlim, o sábio mago,Que aqui (terás ouvido isto talvez)Caiu no engano da Dama do Lago.Seu corpo há muito em pó já se desfezE jaz neste sepulcro, onde ele, pagoDe dar ouvidos àquela mulher,Vivo deitou-se, e morto está a jazer.

11. Seu corpo morto e vivo esprito asila;Mas da trombeta angélica o soídoDirá que suba aos céus ou que o exila,Conforme, pomba ou corvo, houver vivido.Vive entanto sua voz, clara hás de ouvi-la,Som da marmórea campa despedido.Acerca do passado ou do porvirResponde sempre àquele que o inquirir.

12. Há muitos dias a este cemitério

Vim ter, de remotíssimo país,Por melhor aprender todo o mistério,Com Merlim, de artes mágicas sutis.Se a detença alonguei, foi sob o impérioDo desejo de ver-te que isso fiz.Pois Merlim, que é veraz na profecia,De tua chegada me predisse o dia. –

13. Atônita de Amon queda-se a filha;Muda, atende ao que a outra lhe revela;Mas já em seu peito há espanto e maravilha

Nem sabe mais se dorme ou se inda vela.Logo o recato as pálpebras lhe humilha(Pois cheia de modéstia era a donzela)E a faz dizer: – Que méritos tenho eu,Para profetizar-se o ingresso meu? –

14. E lieta de l'insolita aventura,

dietro alia maga subito fu mossa,

che la condusse a quella sepoltura

che chiudea di Merlin l'anima e 1 ' ossa.

Era quell'arca d'una pietra dura,

lucida e tersa, e come fiamma rossa;

tal ch'alla stanza, ben che di sol priva,

dava splendore it lume che n'usciva.

15. 0 che natura sia d 'alcuni marmi

che muovin t 'ombre a guisa di facelle,

o forza pur di suffumigi e carmi

e segni impressi all ' osservate stelle

(come píii questo verisimil parmi),

discopria lo splendor pill cose belle

e di scoltura e di color, ch'intorno

it venerabil luogo aveano adorno.

14. Mas contente co' a insólita aventura,Vai no encalço da maga então a damaE chega assim ao pé da sepulturaQue a Merlim guarda os ossos, a alma e a fama.Era moimento erguido em pedra dura,Brilhante e luzidio qual rubra chama;Estava a cripta à luz do sol vedada,Destoutra luz ficava alumiada.

15. Natura é desse mármore ser fachoQue espanca as trevas onde possa havê-las,Ou dom, que alcançam como bom despachoRituais, incenso e estudo das estrelas( Mais verossímil é este caso, eu acho).Certo é que à sua luz se vêem mil belasEstátuas e painéis que, em derredor,Ornam o santuário com primor.

Oitava 14

16. A pena ha Bradamante da la soglia

levato it piè ne la secreta cella,che `1 vivo spirto da la morta spoglia

con chiarissima voce le favella:

— Favorisca Fortuna ogni tua voglia,

o casta e nobilissima donzella,

del cui ventre uscird it seme fecondo

che onorar deve Italia e tutto it mondo.

17. L'antiquo sangue che venne da Troia,

per li duo miglior rivi in te commisto,

produrrd 1'ornamento, it fior, la gioia

d'ogni lignaggio ch 'abbia it sol mai visto

trai'Indoe Tagoe Nilo elaDanoia,

tra quanto è `n mezzo Antartico e Calisto.

Nela progenie tua con sommi onori

saran marchesi, dud e imperatori.

18. I capitani e i cavallier robusti

quindi usciran, che col ferro e col senno

ricuperar tutti gli o por vetusti

de 1'arme invitte alia sua Italia den no.

Quindi terran lo scettro i signorgiusti,

che, come it savio Augusto e Numa fenno,

sotto it benigno e buon governo loro

ritorneran la prima eta de 1 'oro.

19. Accid dunque it voler del del si metta

in effetto per te, che di Ruggierot'ha per moglier fin da principio eletta,

segue animosamente it tuo sentiero;

che cosa non sara che s'intrometta

da poterti turbar questo pensiero,

si che non mandi al primo assalto in terra

quel rio ladron ch'ogni tuo ben ti serra. —

20. Tacque Merlino avendo cosi detto,

ed agio all'opre de la Maga died e,

ch 'a Bradamante dimostrar l'aspetto

si preparava di ciascun suo erede.

Avea di spirti un gran numero eletto,

non so se da l'inferno o da qual sede,

e tutti quelli in un luogo raccolti

sotto abiti diversi e vari volti.

16. Tão logo Bradamante dos umbraisSe aproxima da fúnebre capela,Com voz sonora, dos restos mortaisO espírito vivente diz a ela:— Que a Fortuna te ajude sempre mais,6 casta e nobilíssima donzela,Cujo seio trará o germe fecundoDa gente a que honrarão Itália e o mundo.

17. De Tróia o sangue antigo até aqui vindoEm teu seio unirá duplo caudal,Donde com honra e gáudio irá surgindoRaça que sob o sol não terá igualEntre o Nilo e o Danúbio, o Tejo e o Indo,Entre os extremos boreal e austral.Nobre estirpe, que altíssimos senhores,Marqueses, duques gera, e imperadores.

18. Bons cavaleiros, capitães robustos

Dela virão, que com prudência e espadaDevolverão à Itália dos vetustosFeitos d' armas a glória insuperada.Tomando o cetro, hão de imitar dos justosAugusto e Numa a era celebrada.Seu governo, de tal benignidade,Renovará de ouro a prisca idade.

19. Portanto, a fim de aos céus obedecerQue desde o início têm determinadoA Rogério te darem por mulher,Segue adiante teu rumo sem cuidado:Nada haverá de te inquietar sequer,E ao termo chegarás de teu agrado.Cobrarás teu amado ao vil ladrãoQue num embate lançarás ao chão. —

20. Depois de haver a profecia feito,Merlim cala e o comando à maga cede,Que a Bradamante W. de mostrar o aspeitoDe cada geração que lhe sucede.Muitos espíritos havia eleito,Se no inferno, não sei, ou noutra sede;Todos juntos mantinha ali dispostos,Sob diferentes trajos, vários rostos.

FORTUNA
Highlight
16. Tão logo Bradamante dos umbrais Se aproxima da fúnebre capela, Com voz sonora, dos restos mortais O espírito vivente diz a ela: — Que a Fortuna te ajude sempre mais, 6 casta e nobilíssima donzela, Cujo seio trará o germe fecundo Da gente a que honrarão Itália e o mundo.

21. Poi la donzella a sé richiama in chiesa,

là dove prima avea tirato un cerchio

che la potea cap ir tutta distesa,

ed avea un palmo ancora di superchio.

E perché da li spirti non sia offesa,

le fa d ' un gran pentacolo coperchio;

e le dice che taccia e stia a miraria:

poi scioglie it libro, e coi demovi parla.

22. Eccovi fuor de la prima spelonca,

che gente intorno al sacro cerchio ingrossa;

ma, come vuole entrar, la via 1'è tronca,

come lo cinga intorno muro e fossa.

In quella stanza, ove la bella conca

in sé chiudea del gran profeta 1 ' ossa,

entravan 1'ombre, poi ch'avean tre volte

fatto d ' intorno for debite volte.

23. – Se i nomi e i gesti di ciascun vo' dirti

(dicea 1'incantatrice a Bradamante),

di questi ch'or per gl'incantati spirti,

prima che nati sien, ci sono avante,

non so veder quando abbia da espedirti;

che non basta una norte a cose tante:

si ch'io te ne verrà scegliendo alcuno,

secondo it tempo, e che sara oportuno.

24. Vedi quel primo che ti rassimiglia

ne ' bei sembianti e nel giocondo aspetto:

capo in Italia fia di tua famiglia,

del seme di Ruggiero in te concetto.

Veder del sangue di Pontier vermiglia

per mano di costui la terra aspetto,

e vendicato it tradimento e it torto

contra quei the gli avranno it padre morto.

25. Per opra di costui sara deserto

it re de 'Longobardi Desiderio:

d'Este e di Calaon per questo merto

it bel dominio avrd dal sommo Imperio.

Quel the gli è dietro, è it tuo nipote Uberto,

onor de 1 'arme e del paese esperio:

per costui contra barbari difesa

piei d ' una volta fia la santa Chiesa.

21. Chamada, a dama volta a entrar na igrejaOnde um círculo a maga debuxaraCapaz (e ainda um palmo the sobeja)De que a donzela nele se deitara.Para que a salvo os abantesmas veja,

Co ' um pentáculo a maga a cobre e amparaE the manda estar muda a contemplá-la;Logo abre o livro e co ' os demônios fala.

22. E eis vem de dentro da primeira furnaTurba que o santo círculo assedia,Não o invade, porém, a horda soturna:Muro ou fosso invisível lho impedia.Só no recinto onde admirável urnaDo grão profeta os ossos acolhiaCada qual entra, a última vez que volta,Após três vezes the ter dado a volta.

23. – Se eu te disser os nomes e as conquistas(Dizia a feiticeira a Bradamante)Dos que, sem ter nascido, às tuas vistasMostrarão os espritos doravante,Força é que aqui por largo espaço assistas,Que uma só noite não será bastante.Assim, dentro de tempo condizente,Hei de falar de alguns deles somente.

24. Vé o primeiro: contempla-lhe o semblanteQue o teu repete e reproduz-te as graças.De Rogério o terás, por que se planteEm Itália tua estirpe entre as mais raças.Co' o sangue de Ponteu, estou confiante,Deixará rubro o chão, e há de ser graçasA ele que seu pai terá desforra:A quem tredo o matar, fará que morra.

25. A seu valor será também devidoO fim do rei lombardo, Desidério.Belo prêmio do mérito subidoTerá em Este e Calaon, mercê do Império.De Huberto, que é teu neto, vem seguido,Honra das armas do país espério.Muita vez será Huberto quem proteja

De bárbara investida a Santa Igreja.

26. Vedi qui Alberto, invitto capitano

ch 'ornerd di trofei tanti delubri:

Ugo it figlio è con lui, che di Milano

fard 1'acquisto, e spiegherd i colubri.

Azzo è quell ' altro, a cui resterd in mano

dopo it fratello, it regno degli Insubri.

Ecco Albertazzo, it cui savio consiglio

torra d'Italia Beringario e it figlio;

27. e sara degno a cui Cesare Otone

Alda, sua figlia, in matrimonio aggiunga.

Vedi un altro Ugo: oh bella successione,che dal patrio valor non si dislunga!

Costui sara, che per giesta cagioneai superbi Roman l'orgoglio emunga,

che terzo Otone e it pontefice tolga

de le man loro, e `1 grave assedio sciolga.

28. Vedi Folco, the par ch'al suo germano,

cif) che in Italia avea, tutto abbi dato,

e vada a possedere indi lontano

in mezzo agliAlamanni un gran ducato;

e dia alia casa di Sansogna mano,

che caduta sara tutta da un lato;

e per la Linea de la madre, erede,

con la progenie sua la terra in piede.

29. Questo ch 'or a nui viene è it secondo Azzo,

di cortesia pii che di guerre amico,

tra dui figli, Bertoldo ed Albertazzo.

Vinto da Pun sara it secondo Enrico,

e del sangue tedesco orribil guazzo

Parma vedrd per tutto it campo apricot

de 1 'altro la contessa gloriosa,

saggia e casta Matilde, sara sposa.

30. Virtii it fard di tal connubio degno;

ch 'a quella eta non poca laude estimo

quasi di mezza Italia in dote it regno,

ela nipote aver d 'Enrico primo.

Ecco di quel Bertoldo it caro pegno,

Rinaldo tuo, ch 'avrà l'onor opimo

d'aver la Chiesa de le man riscossa

de 1'empio Federico Barbarossa.

26.0 invicto capitão Alberto vêsQue os templos de troféus fará luzentes;E Hugo, seu filho, que há de o milanêsConquistar co ' o estandarte das serpentes;E Acio, a quem caberá, por sua vez,Depois do irmão, reger insubres gentes;Albertácio, co' o aviso bom que inspira

De Itália a Berengário o filho tira.

27. Ei-lo: será do imperador OtãoDado a Alda, sua filha, por marido.Outro Hugo vês: feliz é a sucessão,Nunca é o valor paterno desmentido!Deste será, com mui justa razão,O orgulho dos romanos abatido:Verão romper o cerco e livrar HugoAo papa e a Otão terceiro de seu jugo.

28. Eis Fulco, que ao irmão tudo concedeQuanto em terras de Itália havia herdado,Por ir buscar, muito mais longe, a sede,Entre gente alemã, de um grão ducado,Onde a saxônia casa auxilio pede,Que o ramo varonil jávé acabado;A herança feminil mantém-se vivaCo ' a prole que de Fulco lhe deriva.

29. Acio segundo com seus filhos vai,Mais que às guerras, afeito à cortesia;De Bertoldo e Albertácio será o pai:Um deles fará ver com que sangriaDe alemães o segundo Henrique caiEm Parma, em campo aberto, h luz do dia.Terá o outro a condessa gloriosa

Matilde, sábia e casta, por esposa.

30. Que tais bodas são máximo louvorDe sua virtude, é o que hei por certo e estimo:Dão-lhe a sobrinha do que o faz senhorDe metade da Itália, Henrique Primo.Eis de Bertoldo o filho e sucessor,Rinaldo, que há de ter mérito opimo:Do ímpio Frederico BarbarroxaSalvando a Igreja, o poderio afrouxa.

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Oitava 29

31. Ecco un altro Azzo, ed e quel che Verona

avrà in poter col suo bel tenitorio;

e sara detto marchese d 'Ancona

dal quarto Otone e dal secondo Onorio.

Lungo sara s 'io mostro ogni persona

del sangue tuo, ch'avea del consistorio

it confalone, e s'io narro ogni impresa

vinta da for per la romana Chiesa.

32. Obizzo vedi e Folco, altri Azzi, altri Ughi,

ambi gli Enrichi, it figlio al padre a canto;

duo Guelfi, di quai l'uno Umbria suy;iughi,e vesta di Spoleti it ducal manto.

Ecco che `I sangue e le gran piaghe asciughi

d'Italia afflitta, e volga in riso it pianto:

di costui parlo (e mostrolleAzzo quinto)

onde Ezellin fia rotto, preso, estinto.

33. Ezellino, immanissimo tiranno,

the fia creduto figlio del demonio,

fard, troncando i sudditi, tal danno,

e distruggendo it bel paese ausonio,

the pietosi apo lui stati saranno

Mario, Silaa, Neron, Caio ed Antonio.

E Federico imperator secondo

fia per questo Azzo rotto e messo al fondo.

34. Terra costui con piei fence scettro

la bella terra che siede sul flume

dove chiamà con lacrimoso plettroFebo it figliuol ch 'avea mal retto it lume,

quando fu pianto it fabuloso elettro,

e Cigno si vesti di blanche plume;e questa di mille oblighi mercede

gli donera 1'Apostolica sede.

35. Dove lascio it fratel Aldrobandino?

che per dar al pontefice soccorso

contra Oton quarto e it campo ghibellino

che sara presso al Campidoglio corso,

ed avra preso ogni luogo vicino,

e posto agli Umbri e alli Piceni ii morso;

né potendo prestargli aiuto senza

molto tesor, ne chiedera a Fiorenza;

31. Vês mais um Acio, que terá Verona

Em seu domínio, e todo o território,

A quem hão de fazer marquês de Ancona

Otão, o Quarto, e o Segundo Honório.

Por brevidade aqui não se mencionaCada um dos teus a quem o consistórioDará o pendão, e nem cada pelejaQue hão de vencer pela Romana Igreja.

32. Obício e outros de nome Acio, Fulco, HugoE Henrique – pai e filho – vês entanto;Dois guelfos: um porá em Úmb ria o jugo,E terá de Espoleto o ducal manto.Eis quem de Itália aflita co' o verdugoPensa as chagas e troca o riso em pranto:Este (e mostrou-lhe o vulto de Acio Quinto)A Encelino fará cativo e extinto.

33. Encelino, duríssimo tirano,

Tido por ser rebento do demônio,Aos súditos trará opressão e dano,Devastará o formoso chão ausonio,

E será mais que Nero desumano

Ou Caligula, Silas, Mário e Antônio.Frederico Segundo, imperador,Neste Acio há de encontrar seu vencedor.

34. Em Acio verá cetro mais clementeA bela terra, junto ao rio famosoOnde ao que se desviou no carro ardenteChorouco' o plectro o pai, Febo saudoso;De plumagem cobriu-se, então, albenteCicno, e foi pranto o âmbar fabuloso.Terra que de mil feitos em mercêAcio receberá da Santa Sé.

35. E que direi do irmão, Aldobrandino?Há de valer ao pontifício sólioQuando Otão Quarto vier co' o gibelinoExército assediar o capitólio,Já tendo feito com vigor ferinoA Umbros, Picenos, de tal guerra espólio.Gastos o auxilio a Roma não dispensa;

Custeio o valedor terá em Florença,

36. e non avendo gioie o miglior pegni,

per sicurtà daralle it frate in mano.

Spiegherà i suoi vittoriosi segni,

e rompera 1 'esercito germano;

in seggio riporrà la Chiesa, e degni

tiara supplici ai conti di Celano;ed al servizio del sommo Pastore

finirà gli anui suoi nelpiu bei flore.

37. Ed Azzo, it suo fratel, lascierà erede

del dominio d 'Ancona e di Pisauro,

d ' ogni città che da Troento siede

tra it mare e 1 Apenin fin all'Isauro,

e di grandezza d 'animo e di fede,

e di virtu, miglior che gemme ed a uro:

the dona e toile ogn'altro ben Fortuna;

sol in virtu non ha possanza alcuna.

38. Vedi Rinaldo, in cui non minor raggio

splenderà di valor, pur che non sia

a tanta esaltazion del bel lignaggio

Morte o Fortuna invidiosa e ria.

Udirne it duol fin qui da Napoli aggio,

dove del padre allor statico fia.

Or Obizzo ne vien, che giovinetto

dopo l'avo sara principe eletto.

36. Mas falto de possuir jóias, penhores,Dará por segurança a seu irmão.Desfraldando estandartes vencedoresHá de vencer o exército alemão,Salvar a Igreja e reservar rigoresAos condes de Celano em punição.Servindo ao Sumo Pai da Cristandade,Enfim há de morrer na flor da idade,

37. Deixando a seu irmão, Acio, em legadoDe Ancona e de Pisauro os senhorios,E de Troento a Isauro o chão lindadoPelo Apenino e por aqueles rios;Mais que ouro e gemas lhe terá deixadoAo lhe legar virtude, fé e brios,Pois Fortuna dá e tira todo o bem:Poder contra virtude só não tem.

38. Rinaldo vês agora de passagem

Que não será menor em galhardiaSe tal exaltação de tua linhagemNão invejar Morte ou Fortuna impia.Em Nápoles, aflito (ouço a mensagem)Será refém em vez do pai um dia.Ora o príncipe Obício vem; perceboQue eleito é após o avô, inda mancebo.

Oitava 37

FORTUNA
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Pois Fortuna dá e tira todo o bem: Poder contra virtude só não tem.
FORTUNA
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38. Rinaldo vês agora de passagem Que não será menor em galhardia Se tal exaltação de tua linhagem Não invejar Morte ou Fortuna impia. Em Nápoles, aflito (ouço a mensagem) Será refém em vez do pai um dia. Ora o príncipe Obício vem; percebo Que eleito é após o avô, inda mancebo.

Oitava 38

39. Al bel dominio accrescerd costui

Reggio giocondo, e Modona feroce.

Tal sara it suo valor, che signor lui

domanderanno i populi a una voce.

Vedi Azzo sesto, un de' figliuoli sui,

confalonier de la cristiana croce:

avrd it ducato d 'Andria con la figlia

del secondo re Carlo di Siciglia.

40. Vedi in un bello ed amichevol groppo

deli principi illustri 1'eccellenza:

Obizzo, Aldrobandin, Nicola zoppo,

Alberto, d'amor pieno e di clemenza.

lo tacera, per non tenerti troppo,

come al bel regno aggiungeran Favenza,e con maggior fermezza Adria, che valse

da sé nomar 1'indomite acque salse;

41. come la terra, il cui produr di rose

le diè piacevol nome in greche voci,e la cittd ch'in mezzo alie piscose

paludi, del Po teme ambe le foci,

dove abitan le genti disiose

che `1 mar si turbi e sieno i venti atroci.

Taccio d'Argenta, di Lugo e di mille

altre castella e populose ville.

42. Ve ' Nicola, che tenero fanciullo

it popul crea signor de la sua terra,

e di Tideo fa il pensier vano e nullo,

che contra lui le civil arme afferra.

Sara di questo it pueril trastullo

sudar nel ferro e travagliarsi in guerra;

e da lo studio del tempo primiero

it fior riuscird d'ogniguerriero.

43. Fard de' suoi ribelli uscire a voto

ogni disegno, e for torn are in danno;

ed ogni stratagema avrà si noto,

che sarà duro it poter fargli inganno.

Tardi di questo s'avedrd it terzo Oto,

e di Reggio e di Parma aspro tiranno,

the da costui spogliato a un tempo fia

e del dominio e de la vita ria.

39. Ao belo patrimônio há de juntarRégio jucunda e Módena aguerrida.Por seu valor, o voto popularUnânime lhe pede que presida.Vês Acio Sexto, ao qual há de gerar,Alferes que a grã cruz levará erguida.Terá o ducado de Andria e a mão da filhaDe Carlos, rei da siciliana ilha.

40. Vês de príncipes grandes um concerto:Fazem a Obício amiga vizinhançaNicolau Coxo, Aldobrandino e AlbertoDe quem demência e amor serão fiança.Por ser breve não digo, mas é certoQue ao seu domínio acrescerão FaiançaE alcançarão mais firme o senhorioEm Adria, que deu nome ao mar bravio,

41. E lá na terra a que o florir das rosas

Granjeou formoso nome em grega vozE na cidade, que entre águas piscosas,De paúis, teme ao Pó uma e outra foz,Habitada por gentes desejosasDe borrascoso mar e vento atroz,E em Lugo, Argenta, em vilas e arraiaisTantos, que enumerar não posso mais.

42. A Nicolau, criança frágil, cedoFaz o povo senhor de sua terra,E frustra a má tenção daquele tredoTideu, que armas civis contra ele aferra.Será de Nicolau pueril brinquedoNas armas esforçar-se e dar-se à guerra,E as lidas desses tempos seus primeirosA palma lhe darão entre os guerreiros.

43. Fará que aos rebelados seja vãoO maquinar e se lhes troque em dano;Todo o ardil descobrindo de antemão,Será dificil induzi-lo a engano.Tarde há de percebê-lo Tércio Otão,

De Parma e Régio aspérrimo tirano,A quem ele, a um só tempo, causa o fim

Do poderio e da existência ruim.

44. Avra it bel regno poi sempre augumentosenza torcer mai pie dal camin dritto;né ad alcuno fara mai nocumento,da cui prima non sia d'ingiuria afflitto:ed eper questo it gran Motor contentoche non gli sia alcun termine prescritto:ma duri prosperando in meglio sempre,fin che si volga it ciei ne le sue tempre.

45. Vedi Leonello, e vedi ii primo duce,fama de la sua eta, l'inclito Borso,che siede in pace, e pier trionfo adducedi quanti in altrui terre abbino corso.Chiudera Marte ove non vex ia luce,e stringers al Furor le mani al dorso.Di questo signor splendido ogni intento

sara che `I popul suo viva contento.

46. Ercole or vien, ch 'al suo vicin rinfaccia,

colpie mezzo arso e con quei debol passi,come a Budrio col petto e con la facciait campo volto in fuga gli fermassi;non perché in premio poi guerra gli faccia,né, per cacciarlo, fin nel Barco passi.Questo e it signor, di cui non so esplicarmese fia maggior la gloria o in pace o in arme.

47. Terran Pugliesi, Calabri e Lucanide' gesti di costui lunga memoria,la dove avrd dal Re de' Catalanidi pugna singular la prima gloria;e nome tra gl ' invitti capitanis'acquistera con piu d'una vittoria:avrd per sua virtu la signoria,piu di trenta anni a lui debita pria.

48. E quanto pier aver obligo si possaa principe, sua terra avrd a costui;non perché fia de le paludi mossatra campi fertilissimi da lui;non perché la fart) con muro e fossameglio capace a' cittadini sui,e l 'ornard di templi e di palagi,di piazze, di teatri e di mille agi;

44. Irá o reino feliz cobrando aumentoSempre a trilhar do bem o rumo estrito;A ninguém trará dano ou sofrimentoSe não se vir de injúria antes aflito;Por isso ao Causador do movimentoApraz que dure sem ter fim prescritoE que vá prosperando pelas eras

Em que o céu for girando nas esferas.

45. Com Leonel, Búrsio vês, duque primeiro

Que a seus tempos deu incuto esplendor,Triunfante na paz, mais que guerreiroFeito de estranhas terras invasor;

A Marte encerra em negro cativeiroManietando as garras ao Furor.Este príncipe esplêndido somenteQuer dar ao povo seu vida contente.

46. Hércules, que ao vizinho ingrato encara,

Dá co ' os mirrados pés débeis passadasDesde que em Búdrio o peito expôs e a caraPor lhe salvar as tropas debandadas;Aqueloutro até Barco a terra caraLhe invade, em paga das mercês passadas.Mal chego a vislumbrar se este senhorTerá na guerra ou paz glória maior.

47. Apúlios, calabreses, guardiãesCo ' os lucanos serão de sua memóriaE o verão, contra o rei dos catalães,Ganhar em duelo sua primeira glória.Renome entre invencíveis capitãesConquistará, com mais de uma vitória,E, por virtude própria, a senhoriaQue trinta anos mais cedo merecia.

48. Terra não há que possa dever maisAo príncipe que a deste governante;Não porque lhe fará dos pantanaisCampos de messe fértil e abundante,Nem porque a dar abrigo aos naturaisCom valo e muro a fará mais prestante,E a adornará de templos e de praçasDe paços, de teatros, de mil graças;

Oitava 47

49. non perché dagli artigli de l'audace

aligero Leon terra defesa;

non perché, quando la gallica face

per tutto avrà la bella Italia accesa,

si starà sola col suo stato in pace,

e dal timore e dai tributi ileesa:

non si per questi ed altri benefici

saran sue genti ad Ercol debitrici:

49. Nem porque contra as garras do vorazLeão alado lhe dará defesa;Nem porque ao tempo em que o Gaulês minazFizer co ' a tocha ardente Itália acesa,Somente sua terra estará em paz,Dos sobressaltos e pensões ilesa,Nem só por esses outros mil favoresDe Hércules serão os povos devedores;

50. quanto che dard for l 'inclita prole,

it giusto Alfonso e Ippolito benigno,

che saran quai l'antiqua fama suole

narrar de' figli del Tindareo cigno,

ch 'alternamente si privan del sole

per trar Pun l'altro de 1'aer maligno.

Sara ciascuno d'essi e pronto e fortel'altro salvar con sua perpetua morte.

51. 11 grande amor di questa bella coppia

rendera it popul suo via pits.' sicuro,

che se, per opra di Vulcan, di doppia

cinta di ferro avesse in torno it muro.

Alfonso è quel che col saper accoppia

sì la bontà, ch'al secolo futuro

la gente credera che sia dal cielo

tornata Astrea dove pua it caldo e it gielo.

52. A grande uopo gli fia l'esser prudente,

e di valore assimigliarsi al padre;

che si ritrovera, con poca gente,

da un lato aver le veneziane squadre,

colei dall'altro, che pia giustamente

non so se devra dir matrigna o madre;

ma se per madre, a lui poco pia pia,

che Medea ai figli o Progne stata sia.

53. E quante volte uscira giorno o notte

col suo pop ul fedei fuor de la terra,

tante sconfttte e memorabil rotte

dard a' nimici o per acqua o per terra.

Le genti di Romagna mal condotte,

contra i vicini e lorgia amid, in guerra,

se n'avedranno, insanguinando it suolo

che serra it Po, San terno e Zanniolo.

54. Nei medesmi confini anca saprallo

del gran Pastore it mercenario Ispano,

chegli avra dopo con poco intervallo

la Bastia tolta, e morto it castellano,

quando l'avra gia preso; e per tal fallo

non fia, dal minor fante al capitano,

che del racquisto e del presidio ucciso

a Roma riportar possa l ' aviso.

50. Devem-lhe senhoril posteridade,Afonso, o justo, e Hipólito, o bondoso,Iguais aos que gerouna antiguidadeO cisne de quem foi Tindaro esposo,Que, alternados deixando a claridade,Um a outro livram do antro tenebroso.Assim, cada qual destes, pronto e forte,Em prol do irmão há de arrostar a morte.

51.0 grande amor deste fraterno parFará seu povo muito mais seguroQue se viera Vulcano a lhe cercarDe redobrado ferro todo o muro.Ao saber vem Afonso acrescentarBondade tal, que o século futuroCrerá, e toda a gente há de dizê-lo,Que do céu volta Astréia à calma e ao gelo.

52. Muito lhe importará o ser prudenteE, qual o pai, ser de coragem vasta,Pois há de se encontrar, com pouca gente,De Veneza entre a esquadra que o contrastaE aquela que não sei se propriamenteDeverá ter por mãe ou por madrasta,Pois se mãe, dele tanto se amerceiaQuanto Progne dos filhos, ou Medéia.

53. Junto a seu leal povo, toda a vezQue saia, dia ou noite, de sua terraTerão imigos seus duro revés,Quer por mar o combatam, quer por terra,Fará Romanha, com insensatez,A seuvizinho, amigo outrora, guerra,E há de chorar, ao ver sangrento o soloEntre o Pó, o Santerno e o Zanniolo.

54. Aí mesmo espanhóis farão abaloDo Pontífice a soldo; escalarãoBastia; lá, depois de aprisioná-lo,Hão de tirar a vida ao castelão.Em vingança do crime de matá-loNão ficará, do infante ao capitão,

Do maior ao menor, um só sequerQue a Roma os feitos seus possa dizer.

55. Costui sort), col senno e con la lancia,

ch 'avrd l'onor, nei campi di Romagna,

d'aver dato all 'esercito di Franciala gran vittoria contra Iulio e Spagna.

Nuoteranno i destrier fin alia panda

nel sangue uman per tutta la campagna;ch'a sepelire it popul verrâ manco

tedesco, ispano, greco, italo e franco.

56. Quel ch'in pontificale abito imprime

del purpúreo capei la sacra chioma,

è it liberal, magnanimo, sublime,

gran cardinal de la Chiesa di Roma

Ippolito, ch'a prose, a versi, a rime

data materia eterna in ogni idioma;

la cui fiorita etc) vuole it ciel iusto

ch'abbia un Moron, come un altro ebbe Augusto.

57. Adornerà la sua progenie bella,

come orna it sol la machina del mondo

molto pill de la luna e d'ogni stella;

ch 'ogn 'altro lume a lui sempre è secondo.

Costui con pochi a piedi e meno in sella

veggio uscir mesto, e poi tornar iocondo;che quindici galee mena captive,

oltra mill'altri legni tale sue rive.

58. Vedi poi 1 ' uno e l'altro Sigismondo.Vedi d 'Alfonso i finque figli cari,alia cui fama ostar, che di sé it mondo

non empia, i monti non potran né i mark

goner del re di Francia, Ercol secondo

è Pun; quest'altro (accià tutti gl'impari)

Ippolito è, che non con minor raggio

che zio, risplenderc) nel suo lignaggio;

59. Francesco, it terzo; Alfonsi gli altri dui

ambi son detti. Or, come io dissi prima,

s'ho da mostrarti ogni tuo ramo, it cui

valor la stirpe sua tanto sublima,

bisognerd che si rischiari e abbui

piìe volte prima it ciel, ch'io te li esprima:

e sari tempo armai, quando ti piaccia,

ch 'io dia licenza all 'ombre e ch'io mi taccia. –

55. Com a prudência Afonso e com a lançaTerá a glória, nos campos de Romanha,De outorgar ao exército de FrançaGrande vitória sobre Júlio e Espanha.A nado irão os corcéis, que lhes alcançaAo ventre o sangue humano em tal campanha.Nem dar sepulcro aos mortos poderãoGalo, hispano, grego, ítalo e alemão.

56. Envergando o trajar pontificalE o purpúreo chapéu, sagrado assoma,Magnânimo, sublime, liberal,O grande cardeal da Sé de Roma,Hip ólito, que em liras imortalE em penas se fará de todo o idioma.A sua idade flórida o céu justoDestina outro Marão, como à de Augusto.

57. Sua nobre estirpe, ele há de esclarecê-laQual o sol, que orna a máquina do mundoMuito mais do que a lua ou que outra estrela,E entre os primeiros não será segundo.Com pouca gente a pé, menos em sela,Vejo-o triste partir, voltar jucundo,Depois de aprisionar, de uma só vez,Além de outras mil naus, quinze galés.

58. Vês também um e outro Sigismundo,Afonso e os cinco filhos seus queridos,Que a fama tornará por todo o mundo,Pesar de mar e montes, conhecidos.Do rei franco o genro, Hércules segundo,É um; e por fazer aos mais sabidos,Outro é Hip ólito, em quem grandeza e brioRefulgirão não menos que em seu tio;

59. O terceiro é Francisco, os outros doisChamam-se Afonso. Mas por certo estima(Eu já o disse) que, caso aos mil heróisEm quem tua nobre estirpe se sublimaQuisesse aqui mostrar-te, muitos sóis,Muitas luas passaram-se lá em cima.Tua permissão, portanto, agora peço:Aos espectros dispenso e ora emudeço. –

60. Cosi con voluntd de la donzella

la dotta incantatrice it libro chiuse.Tutti gli spirti allora ne la cella

spariro in fretta, ove eran 1 ' ossa chiuse.

Qui Bradamante, poi che la favellale fu concessa usar, la bocca schiuse,

e domandd: – Chi son li dua si tristi,

che tra Ippolito e Alfonso abbiamo visti?

61. Veniano sospirando, e gli occhi bassi

parean tener d 'ogni baldanza privi;

e gir lontan da loro io vedea i passi

dei frati sì, che ne pareano schivi. –

Parve ch'a tal domanda si cangiassi

la maga in viso, e fe ' degli occhi rivi,

egridd: –Ah sfortunati, a quanta pena

lungo istigar d ' uomini rei vi mena!

62. 0 bona prole, o degna d 'Ercol buono,

non vinca it for fallir vostra bontade:

di vostro sangue i miseri pur sono;

qui ceda la iustizia alia pietade. –

Indi soggiunse con pii basso suono:–Di cid dirti piii inanzi non accade.

Statti col dolce in bocca; e non ti doglia

ch'amareggiare al fin non tela voglia.

63. Tosto che spunti in ciel la prima luce,

piglierai meco la pih dritta via

ch'al lucente castel d'acciai' conduce,

dove Ruggier vive in altrui baila.

Io tanto ti sard compagna e duce,che tu sia fuor de 1 'aspra selva ria:

t 'insegnerd, poi che saren sul mare,

sì ben la via, che non potresti errare. –

64. Quivi l'audacegiovane rimase

tutta la notte, e gran pezzo ne spesea parlar con Merlin, che le suase

rendersi tosto al suo Ruggier cortese.

Lascid di poi le sotterranee case,

che di nuovo splendor 1'aria s ' accese,

per un camin gran spazio oscuro e deco,

avendo la spirtal femmina seco.

60. Alcançada a licença da donzela,A sábia maga fecha o livro e o guarda.Somem-selogo os avejões da celaQue faz aos ossos veneráveis guarda.

Bradamante depois pergunta a ela(Antes, porém, o uso da fala aguarda):– Quem eram, dize, os dois que tristes iamE que entre Afonso e Hipólito se viam?

61. Vinham a suspirar, olhos em terra,Tomados de profundo abatimento,Bem longe deles, como de quem erra,Vão seus irmãos, mostrando agastamento. -A aflita feiticeira eis que descerraNos olhos viva fonte em tal momento,E clama: –A quanta dor, ó desgraçados,Vos leva a instigação de homens malvados!

62. De Hércules bom, 6 prole fiel, bendita,Não vença o agravo seu vossa bondade:Sangue vosso é o que cai em tal desdita;Aqui ceda a justiça à piedade. –Depois a maga baixa a voz e adita:– De mais saber não há necessidade.Saboreia lembranças de doçura,

Não as feches com travo de amargura.

63. Tão logo acenda ao céu o primeiro albor,Por senda iremos que direita guiaDa fortaleza de aço ao resplendorOnde Rogério sofre tirania.

Selva áspera e medonha hás de transporMas estarás em minha companhia;Hei de ensinar-te, logo, junto ao mar,

Tão certo o rumo que o não hás de errar. –

64. A noite a dama audaz passou assimE desse largo tempo ensejo fezDe colóquios, em que a incitou MerlimCom seu Rogério a ir ter, bravo e cortês.

Deixa a morada subterrânea enfimMal desponta no céu lume outra vez.Então por um caminho a maga a leva

Quase todo de sombrasede treva.

65. E riusciro in un burrone ascoso

tra monti inaccessibili allegenti;

e tutto `1 dì senza pigliar riposo

saliron baize e travessar torrenti.

Eperché men 1'andar fosse noioso,

di piacevoli e bei ragionamenti,di quel the fupies conferir soave,

l 'aspro camin facean parer men grave:

66. di quali era pert) la maggior parte,

ch 'a Bradamante vien la dotta maga

mostrando con che astuzia e con qual arte

proceder de; se di Ruggiero è vaga.

— Se tu fossi (dicea) Pallade o Marte,e conducessi gente alia tua paga

pies che non ha it re Carlo e il re Agramante,

non dureresti contra it negromante;

67. che, oltre che d'acciar murata sia

la rocca inespugnabile, e tant'alta;oltre che suo destrier si faccia via

per mezzo 1'aria, ove galoppa e salta;

ha lo scudo mortal, che come pria

si scopre, it suo splendor si gli occhi assalta,

la vista tolle, e tanto occupa i sensi,

che come morto rimaner conviensi.

68. E se forse ti pensi che ti vaglia

combattendo tener serra ti gli occhi,

come potrai saper ne la battagliaquando ti schivi, o 1 'avversario tocchi?

Ma per fuggire it lume ch 'abbarbaglia,

egli altri incanti di colui far sciocchi,ti mostrerà un rimedio, una via presta;

né altra in tutto `t mondo è se non questa.

69. Il re Agramante d'Africa uno annello,

che fu rubato in India a una regina,

ha dato a un suo baron detto Brunello,

che poche miglia inanzi ne camina;

di tal virtes, che chi nel dito ha quello,

contra it mal degl'incanti ha medicina.

Sa de furti e d 'inganni Brunel, quanto

colui, che tien Ruggier, sappia d 'incanto.

65. E chegaram a um báratro escabroso

Posto ao abrigo impérvio de vertentes:Ao longo desse dia trabalhosoSobem por alcantis, cruzam torrentes.

Buscando alivio ao caminhar tedioso,Vão conversando, alegres e contentes,Do que há de mais ameno e mais suavePor fazer a árdua trilha menos grave.

66. De tais conversas, pela maior parte,Ensina a Bradamante a douta magaComo se há de valer de astúcia e de arte,Se amor por seu Rogério n ' alma afaga.— Fosses embora Palas (diz) ou Marte,E desses a mais tropas soldo e pagaQue os imigos reis Carlos e Agramante,Nada farias contra o nigromante.

67. Pois sobre estar no alcáçar feito de aço,Em rocha inexpugnável por mui alta,Sobre ter um corcel que o aéreo espaçoMuda em caminho onde galopa e salta,Traz escudo mortífero no braço,Que, descoberto, à vista ofusca e assalta,Cega o olhar, os sentidos amortece;E quem o vê, qual morto permanece.

68. Se no combate esperas que te valha

A prudência de quem os olhos fecha,Como hás de a teu contrário na batalhaDar golpes, ou fugir dos que desfecha?Contra a luz ofuscante que se espalhaE para entre feitiços fazer brecha,Neste mundo um remédio só se presta,

Que ora te ensino. Tua defesa é esta:

69. Agramante, rei de África, um anel

Que se furtou na Índia a uma rainha,Deu a um de seus barões, dito Brunel,

Que de nós pouco adiante se encaminha.Contra os feitiços serve de broquelA quem no dedo o traz, e de mezinha.Brunel de furtos, logros, tanto entendeComo de encanto quem Rogério prende.

70. Questo Brunel si pratico e si astuto,

come io ti dico, è dal suo re mandato

accid che col suo ingegno e con 1 'aiuto

di questo annello, in tal cose provato,

di quella rocca dove è ritenuto,traggia Ruggier, che cosi s'è vantato,

ed ha cosi promesso al suo signore,

a cui Ruggiero è piú d ' ogn 'altro a core.

71. Ma perché it tuo Ruggiero a te sol abbia,

e non al re Agramante ad obligarsi

che tratto sia de l'incantata gabbia,

t'insegnerd it rimedio che de' usarsi.

Tu te n'andrai tre di lungo la sabbia

del mar, ch'è oramai prenso a dimostrarsi;

it terzo giorno in un albergo teco

arriverd costui c'ha l'annel seco.

72. La sua statura, accid tu lo conosca,

non è sei palmi; ed ha it capo ricciuto;

le chiome ha nere, ed ha la pelle fosca;

pallido it viso, oltre it dover barbuto;

gli occhi gonfiati e guardatura Tosca;schiacciato it naso, e ne le ciglia irsuto:

l'abito, accid ch'io lo dipinga intero,

è stretto e corto, e sembra di corriero.

73. Con esso lui t'accaderd soggetto

di ragionar di quell ' incanti strani:mostra d'aver, come tu avra' in effetto,

disio che mago sia teco alie mania

ma non mostrar che ti sia stato dettodi quel suo annel the fa gl 'incanti vani.

Egli t ' offerird mostrar la via

fin alia rocca e farti compagnia.

74. Tu gli va dietro: e come t 'avicini

a quella rocca si ch'ella si scopra,ddgli la morte; né pieta t'inchini

che tu non metta it mio consiglio in opra.

Ni far ch 'egli it pensier tuo s'indovini,

e ch 'abbia tempo the 1 'annel lo copra;

perché ti spariria dagli occhi, tosto

ch 'in bocca it sacro annel s 'avesse posto. –

70. Foi Brunel, que é mui prático e sabido,

Como te disse, de seu rei mandadoPor que de astúcia e mais do anel servido( Que tamanhos prodígios tem obrado),

Da rocha onde Rogério está detidoO livre, pois de tal se tem jactadoE o prometeu perante seu senhor,Que a Rogério devota grande amor.

71. Mas para que Rogério das cadeiasA Agramante não deva o libertar-se,E a ti somente, as encantadas peiasPasso a ensinar-te como hão de quebrar-se.Três dias andarás junto às areiasDo mar, que já está perto de mostrar-se.Num albergue, depois, verás contigoAquele que carrega o anel consigo.

72. Sabe que nem seis palmos de estaturaTem ele, a fronte crespa e cabeluda,Morena a pele, a cabeleira escura,Pálida a cara, por demais barbuda,

Olhos inchados, turva a catadura,Chato o nariz, a celha mui peluda,E o trajo, porque a imagem saibas toda,

Estreito e curto, de correio à moda.

73. Sobre estranhos feitiços terás jeito

De com ele travar conversação.Mostra que tens, e assim é com efeito,De lutar contra o mago pretensão,

Mas não lhe tornes, co ' o falar, suspeitoQue conheces do anel a proteção.Ele se dirá pronto a ser teu guia

Até a rocha e a fazer-te companhia.

74. Ele irá à frente, irás tu em seguidaAté onde o rochedo se descobre;Lá, sem tergiversar, tira-lhe a vida;Piedade não permitas que te dobre,

Nem que ele, adivinhando a acometida,Condição de invisível co ' o anel cobre;Que se à boca levar o anel sagrado,Some-se, e o não verás mais a teu lado. –

75. Cosi parlando, giunsero sul mare,

dove presso a Bordea mette Garonna.

Quivi, non senza alquanto lagrimare,si diparti Puna da l 'altra donna.

La figliuola d'Amon, che per slegare

di prigione it suo amante non assonna,

camind tanto, che venne una sera

ad uno albergo, ove Brunel prim'era.

76. Conosce ella Brunel come lo vede,

di cui la forma avea sculpita in mente:

onde ne viene, ove ne va, gli chiede;

quel le risponde, e d ' ogni cosa mente.

La donna, gid prevista, non gli cede

in dir menzogne, e simula ugualmente

e patria e stirpe e setta e nome e sesso;

e gli volta alie man pur gli occhi spesso.

77. Gli va gli occhi alie man spesso voltando,

in dubbio sempre esser da lui rubata;

né lo lascia venir troppo accostando,di sua condizion bene informata.

Stavano insieme in questa guisa, quando1'orecchia da un rumor for fu intruonata.Poi vi dirá, Signor, che ne fu causa,

ch'avrà fatto al cantar debita pausa.

75. Assim falando, foram ter ao marQue ao rio Garuna acolhe, e vê Bordéus.Então, após mil lágrimas chorar,Trocam as damas um saudoso adeus.Mas a filha de Amon, que por livrarAo amado não poupa os passos seus,Segue adiante, e uma tarde se deparaCo ' o albergue onde Brunel se aposentara.

76. Reconhece a Brunel, tão logo o vê,Pois seu rosto, gravara-o na mente.Donde vem, aonde vai, pede-lhe dêNotícia; ele responde, e em tudo mente.A dama, que os embustes já prevê,Não se deixa vencer, finge igualmenteO nome, o sexo, a crença, a pátria, a raça,E co ' o olhar as mãos sempre lhe repassa.

77. Vai-lhe as mãos co' o olhar sempre repassando,Temerosa de ser dele roubada.Impede-lhe de vir-se aproximando,Que está de sua índole inteirada.Assim se achavam ambos juntos, quandoAos ouvidos chegou forte atroada.Disto, Senhor, direi qual foi a causa,Depois de ao canto dar devida pausa.

Oitava 72

CANTO I V

Bradamante liberta Rogério e aprisiona o mago Atlante — Rogério monta no hipogrifoe some pelos ares — Aflição de Bradamante — Rinaldo na Escócia — Começa a história

da bela Genebra

1. Quantunque it simular sia le pii volte

ripreso, e dia di mala mente indici,

si truova pur in molte cose e molte

aver fatti evidenti benefici,

e danni e biasmi e morti aver gid tolte;

che non conversiam sempre con gli amici

in questa assai pii. oscura che serena

vita mortal, tutta d'invidia piena.

2. Se, dopo lunga prova, a gran fatica

trovar si pm) chi ti sia amico vero,

ed a chi senza alcun sospetto dica

e discoperto mostri ii tuo pensiero;

che de' far di Ruggier la bella amica

con quel Brunel non puro e non sincero,

ma tutto simulato e tutto finto,

come la maga le 1 'avea dipinto?

1. Se muita vez o simular se estranha,Por dar de má tenção claros indícios,Em muitos, muitos casos se acompanhaTambém de manifestos beneficios,Pondo a salvo de males, morte e sanha,

Quem longe está de amigos seus propícios,Nesta bem mais escura que serenaVida mortal, toda de invejas plena.

2. E se, após desenganos e fadiga,Mal acharas amigo verdadeiroA quem descubras o que o peito abriga,

Confiante e sem temor de o ver ligeiro,Que fará de Rogério a bela amigaCo' o tal Brunel, nem puro nem inteiro,Mas todo simulado e fementido,Como lhe havia a maga prevenido?

Oitava 4

3. Simula anch ' ella; e cosi far conviene

con esso lui di finzioni padre;

e, come io dissi, spesso ella gli tiene

gli occhi alle man, ch ' eran rapaci e ladre.

Ecco all 'orecchie un gran rumor for viene.

Disse la donna: — O gloriosa Madre,

o Re del del, che cosa sara questa? —

E dove era it rumor si trovò presta.

4. E vede foste e tutta la famiglia,

e chi a finestre e chi fuor ne la via,

tener levati al del gli occhi e le ciglia,

come 1'ecclisse o la cometa sia.

Vede la donna un'alta maraviglia,

che di leggier creduta non saria:

vede passar un gran destriero ala to,

che porta in aria un cavalliero armato.

5. Grandi eran fale e di color diverso,

e vi sedea nel mezzo un cavalliero,

di ferro armato luminoso e terso;

e vêr ponente avea dritto it sentiero.

Calossi, e fu tra le montagne immerso:

e, come dicea foste (e dicea it vero),

quel era un negromante, e faces spesso

quel varco, or piú da Jungi, or piú da presso.

3. Simula, pois, e assim agir convémAnte quem da mentira é pai e autor.Sempre, repito, o olhar ela mantémNas ambiciosas mãos do roubador.Eis que aos ouvidos forte estrondo vemE ela diz: — Rei dos Céus, Nosso Senhor,Gloriosa Mãe! Então que é isto agora? —

E, aonde atroa, vai, sem mais demora.

4. E vê que o taberneiro e a criadagemQual à janela, qual à porta espia,Como a eclipse ou cometa eles reagem:Todo o olhar às alturas já se envia.Vê, pois, a dama insólita miragemQue a muito custo crédito acharia:Nos ares vê um corcel garboso e aladoPassar levando um cavaleiro armado.

5. Entre asas largas, de matiz diverso,Assomava assentado um cavaleiroDe ferro armado, luminoso e terso,Que ao poente rumava, em vôo certeiro.Sobre as serras baixou e fez-se imerso.Por nigromante o deu o taberneiro(E não mentiu), que amiúde ali fazia,

Mais alteado ou menos, travessia.

6. Volando, talor s'alza ne le stelle,

e poi quasi talor la terra rade;

e ne porta con lui tutte le belle

donne che trova per quelle contrade:

talmente che le misere donzelle

ch 'abbino o aver si credano beltade

(come affatto costui tutte le invole)

non escon fuor si che le veggia it sole.

7. – Egli sul Pireneo tiene un castello

(narrava foste) fatto per incanto,

tutto d 'acciaio, e si lucente e Bello,

ch'altro al mondo non è mirabil tanto.

Gi) molti cavallier sono iti a quello,

e nessun del ritorno si d) van to:si ch'io penso, signore, e temo forte,o che sign presi, o Sian condotti a morte. –

8. La donna it tutto ascolta, e le ne giova,

credendo far, come far) per certo,con 1'annello mirabile tal prova,the ne fia it mago e it suo castel deserto;

e dice a foste: – Or un de' tuoi mi trova,che pia di me sia del viaggio esperto;ch'io non posso durar: tanto ho it cor vago

di far battaglia contra a questo mago. –

9. – Non ti mancher) guida (le rispose

Brunello allora), e ne verrà teco io:

meco ho la strada in scritto, ed altre coseche ti faran piacere it venir mio. –

Volse dir de l 'annel; ma non l'espose,né chiar{'piu, per non pagarne it fio.

– Grato mi fia (disse ella) it venir tuo; –

volendo dir ch'indi l 'annel fia suo.

10. Quel ch 'era utile a dir disse; e quel tacque,

che nuocer le potea col Saracino.

Avea Poste un destrier ch'a tostei piacque,

ch 'era buon da battaglia e da camino:

comperollo, e partissi come nacque

del bel giorno seguente it matutino.

Prese la via per una stretta valle,

con Brunello ora inanzi, ora alie spalle.

6. Ao voar, já se eleva até as estrelas,Já, abaixando-se, ao solo chega rente;Daqui toma consigo quantas belasMulheres porventura encontre à frente;De sorte que entre as míseras donzelasQuem é formosa, ou tal se crê somente,Receando o captor que as assedia,Não sai jamais de casa à luz do dia.

7. – Ele nos Pireneus tem um castelo( Disse o hospedeiro) todo por encantoMurado de aço, e tão brilhante e beloQue outro não pode haver que o seja tanto;Mil cavaleiros foram cometê-lo;Nenhum logrou sair de lá, no entanto:Cuido, senhor, e meu receio é forte,Que cativeiro os aguardava, ou morte. –

8. Escuta a dama de bom grado a nova

Enquanto cuida, e com razão decerto,Que basta o anel para vencer a provaE ao castelo fatal deixar deserto.

– Dá-me, hospedeiro, um guia que se mova(Pede) nestas paragens com acerto,Que mal posso esperar, tais ânsias trago,A hora de travar luta co ' o mago. –

9. – Não te há de faltar guia (diz Brunel);

Eu próprio partirei daqui contigo.O roteiro, traçado num papel,E outros recursos mais levo comigo. –Quis indicar veladamente o anel;Não se abriu mais, por evitar perigo.– Aceito, agradecida – respondeu

A dama, que ao anel quer fazer seu.

O. Disse o que lhe convinha; silenciouO que ao mouro contar seria daninho;Um corcel da estalagem lhe agradou,Prestante na batalha e no caminho:

Comprou-o e foi-se, quando despontouA alvorada do dia já vizinho.Um vale estreito a percorrer se pós;Brunel ora ia à frente, ora ia após.

11. Di monte in monte e d'uno in altro bosco

giunsero ove l 'altezza di Pirenepub dimostrar, se non è 1'aer fosco,

e Francia e Spagna e due diverse arene,

come Apennin scopre it mar schiavo e it tosco

del giogo onde a Camaldoli si viene.

Quindi per aspro e faticoso calle

si discendea ne la profonda vane.

12. Vi sorge in mezzo un sasso the la cima

d'un bel muro d ' acciar tutta si fascia;

e quella tanto inverso it ciel sublima,

che quanto ha in torno, inferior si lascia.

Non faccia, chi non vola, andarvi stima;

che spesa indarno vi saria ogni ambascia.Brunel disse: – Ecco dove prigionieri

it mago tien le donne e i cavallieri. –

13. Da quattro canti era tagliato, e tale

che parea dritto a fil de la sinopia.

Da nessun lato né sentier né scale

v'eran, che di salir facesser copia:

e ben appar che d'animal ch'abbia ale

sia quella stanza nido e tana propia.

Quivi la donna esser conosce l 'ora

di tor 1 'annello, e far che Brunel mora.

14. Ma le par alto vile a insaguinarsi

d 'un uom senza arme e di si ignobil sorte;che ben potrd posseditrice farsi

del ricco annello, e lui non porre a morte.

Brunel non avea mente a riguardarsi;

si ch'ella it prese, e lo leg) ben forte

ad uno abete ch ' alta avea la cima:

ma di dito 1'annel gli trasse prima.

15. Ng per lacrime, gemiti o lamenti

the facesse Brunel, lo volse sciorre.

Smontb de la montagna a passi lenti,

tanto the fu nel plan sotto la torre.

E perché alia battaglia s'appresenti

it negromante, al corno suo ricorre:

e dopo it suon, con minacciosegrida

lo chiama al campo, ed alla puma `1 sfida.

11. De monte em monte, de uma a outra espessura

Foram aos Pireneus, donde se lançaA vista, se a não turva bruma escura,As praias das Espanhas e às de França, .

Qual junto de Camáldula, na alturaDo Apenino, dois mares o olho alcança.Uma azinhaga íngreme e ferozOs fez descer a um fundo vale, após.

12. Ergue-se lá um penhasco, e ostenta em cimaLinda muralha de aço, que o rodeia:Esta às alturas tanto se sublimaQue humilha em volta a toda a altura alheia.Sem proveito se cansa quem estimaAli subir, se em vôo não se alteia.Disse Brunel: – Eis onde prisioneirosDo encantador são damas, cavaleiros. –

13. Ínvio em seus quatro cantos, vertical,Empertigado como a fio de prumo,Sem degraus, nem ladeira ou coisa igual,Guarda o penedo indevassado o sumo.

Se abriga ninho ou cova, é de animalQue com asas tão só lhe busca o rumo.Eis a hora ( `stá a dama convencida)

De a Brunel retirar o anel e a vida.

14. Mas julga ser baixeza ensanguentar-seEm homem desarmado, e de vil sorte,E mais, por ter os meios de apossar-seDo rico anel sem lhe causar a morte.Brunel bem longe estava de guardar-se:Ela o assaltou e atou com laço forteAo tronco de um altíssimo pinheiro,

Arrancando-lhe ao dedo o anel, primeiro.

15. Em vão lágrimas, uivos e lamentosSolta Brunel, que a dama o não socorreE vem montanha abaixo a passos lentosAté dar no terreiro, sob a torre.

Quer combater, proclama seus intentos:Toca a buzina, a ver se o mago acorre.Depois do som, com gritos de ameaçaEla o repta a lutar, a vir à praça.

16. Non stette molto a uscir fuor de la porta

1'incantator, ch'udi suono e la voce.

L'alato corridor per 1 'aria it porta

contra costei, che sembra uomo feroce.

La donna da principio si conforta;

che vede che colui poco le nuoce:

non porta lancia né spada né mazza,

ch 'a forar 1'abbia o romper la corazza.

17. Da la sinistra sol lo scudo avea,

tutto coperto di seta vermiglia;

nela man destra un libro, onde facea

nascer, leggendo, 1'alta maraviglia:

che la lancia talor correr parea,e fatto avea a pit) d 'un batter le ciglia;talor parea ferir con mazza o stocco,

e lontano era, e non avea alcun tocco.

18. Non è finto it destrier, ma naturale,

ch 'una giumenta genet-6 d 'un grifo:simile al padre avea la piuma e fale,

li piedi anteriori, it capo e it grifo;

in tutte 1 'altre membra parea quale

era la madre, e chiamasi ippogrifo;

che nei monti Rifei vengon, ma rani,

molto di la dagli aghiacciati mari.

19. Quivi per forza lo tiff) d 'incanto;

e poi che l'ebbe, ad altro non attese,

e con studio e fatica open) tanto,

ch ' a Sella e briglia it cavalcà in un mese:

cosi ch'in terra e in aria e in ogni canto

lo facea volteggiar senza contese.

Non finzion d'incanto, come it resto,

ma vero e natural si vedea questo.

20. Del mago ogn'altra cosa era figmento,

che comparirfacea pel rosco it giallo;

ma con la donna non fu di momento,

che per 1'annel non puà vedere in fallo.

Pit) colpi tuttavia diserra al vento,

e quinci e quindi spinge it suo cavallo;

e si dibatte e si travaglia tutta,

come era, inanzi che venisse, istrutta.

16. Não demora a sair daquela porta

O mago, assim que escuta o som e a voz.O alígero corcel pelo ar o portaE o cavaleiro mostra-se feroz.A donzela a princípio se conforta,Crê que a nenhum perigo enfim se expôs:Que fender a couraça que a abrigavaMal pode alguém, sem lança, espada ou dava.

17. A esquerda, só um escudo ele sustinhaNum envoltório de vermelha seda;Na mão direita um livro, donde vinhaProdígio que a outras páginas se veda:Visões, ora de lança já vizinhaAo contendor, que trêmulo se arreda,Ora de dava, ora de agudo estoque,Sem que o mago, no alto, em arma toque.

18. Não é o corcel miragem, mas real:Uma jumenta o concebeu de um grifo.Em cabeça, asas, cara ao pai é igualE em pluma e pés frontais, que formam grifo.Noutros membros parece tal e qualA mãe, e leva o nome de hipogrifo.Só nasce muito além do mar de geloLá nos montes Rifeus, mas raro é vê-lo.

19. De lá o mago o tirou, mercê de encanto,E tendo-o preso, não se satisfez:A trabalhar sem trégua alcançou tantoQue lhe pôs rédea e sela após um mês.

Assim a terra, o ar e todo o cantoSem resistência percorrer o fez.

Não são, portanto, as artes da magia,É a natureza que assim mesmo o cria.

20. Tudo o mais é no mago fingimento:Sabe trocar o rubro em amarelo;Mas não engana à dama em tal momento,Que, sem errar, o anel permite vê-lo.

Ela é quem finge golpear o vento,Cá e lá cavalga, e mostra acometê-lo;Meneia o corpo todo e se debate

Como a instruíram, antes do combate.

21. E poi che esercitata si fu alquanto

sopra it destrier, smontar volse anco a piede,

per poter meglio al fin venir di quanto

la cauta maga istruzion le died e.

II mago vien per far l'estremo incanto;

che del fatto ripar né sa né crede:

scuopre lo scudo, e certo si prosumefaria cader con l'incantato lume.

22. Potea cosi scoprirlo al primo tratto,

senza tenere i cavallieri a bada;

ma gli piacea veder qualche bel tratto

di correr 1'asta o di girar la spada:

come si vede ch'all'astuto gatto

scherzar col topo alcuna volta aggrada;

e poi che quel piacer gli viene a noia,

dargli di morso, e al fin voler che muoia.

23. Dico che `l mago al gatto, e gli altri al topo

s ' assimigliar ne le battaglie dianzi;

ma non s 'assimigliargid cosi, dopo

che con Panne/ si fe ' la donna inanzi.

Attenta e fusa stava a quel ch 'era copo,

accid che nulla seco it mago avanzi;

e come vide che lo scudo aperse,

chiuse gli occhi, e lascid quivi caderse.

24. Non che it fulgor del lucido metallo,

come soleva agli altri, a lei nocesse;

ma cosi fece accid che dal cavallocontra sé ii vano incantator scendesse:

né parte andá del suo disegno in fallo;che tosto ch'ella it capo in terra messe,

accelerando it volator le penne,

con larghe ruote in terra a por si venne.

25. Lascia all'arcion lo scudo, che gid posto

avea ne la coperta, e a pie discende

verso la donna che, come reposto

lupo alla macchia it capriolo, attende.

Senza piìi indugio ella si leva tosto

che 1'ha vicino, e ben stretto lo prende.

Avea lasciato quel misero in terra

it libro che faces tutta la guerra:

21. Corre o corcel, simula a dama entanto,Mas afinal desmonta e segue a pé,Para cumprir à risca tudo quantoLhe disse a cauta maga, a quem deu fé.Vem o bruxo fazer o último encanto,Que inevitável e infalível crê:Descobre o escudo, e sem falhar presumeDeitá-la ao chão co' o enfeitiçado lume.

22. Pudera descobri-lo já à primeiraSem que os guerreiros suspeitassem nada,Mas folgava em ver golpe de primeira,A lança às voltas, o ímpeto da espada,Qual gato astuto, a que uma brincadeiraCo' o rato vez por outra desenfada,Até que a esse brinquedo, quando o cansa,

A morder e matar enfim se lança.

23. Digo que o bruxo ao gato, outrem ao rato

Foram noutras batalhas semelhantes;Já o mesmo não se dá, depois do fatoDo anel, que a dama arrebatara dantes.Estava atenta e posta a bom recatoPor seus recursos não tornar flagrantes.E quando vê que o escudo se descerra,Os olhos fecha e deita-se por terra.

24. Não que sentisse, como os mais, abaloAnte o metal que fúlgido esplendece,Mas somente porque, sem o cavalo,O estúrdio mago contra si viesse.Não deixou esta traça de enganá-lo:Vendo-a no chão, como quem desfalece,Bate asas o voador, pelo ar navegaE ao chão, com largas voltas, logo chega.

25. Deixa no arção o escudo recobertoDo envoltório, e seus passos endireitaPara a dama, que, tal como encobertoLobo na mata ao cabritinho, o espreita.Sem mais detença, ao vê-lo já por perto,Ela se põe de pé e firme o estreita.

Deixara o infeliz cair por terraO livro que causava toda a guerra.

26. e con una catena ne correa,

che solea portar cinta a si mil uso;

perché non men legar colei credea,

che per adietro altri legare era uso.

La donna in terra posto gid l'avea:

se quel non si difese, io ben l 'escuso;

che troppo era la cosa diferente

tra un debol vecchio e lei tanto possente.

27. Disegnando levargli ella la testa,

alza la man vittoriosa in fretta;ma poi che `I viso mira, it colpo arresta,

quasi sdegnando sì bassa vendetta:

un venerabil vecchio in faccia mestavede esser quel ch'ella ha giunto alia stretta,

che mostra al viso crespo e al pela bianco,

eta di settanta anni o poco manco.

28. – Tommi la vita, giovene, per Dio, –

dicea it vecchio pien d 'ira e di dispetto;

ma quella a torla avea si it cor restio,

come quel di lasciarla avria diletto.

La donna di sapere ebbe disiochi fosse il negromante, ed a che effetto

edificasse in quel luogo selvaggio

la rocca, e faccia a tutto it mondo oltraggio.

29. –Ni per maligna intenzione, ahi lasso!

(disse piangendo it vecchio incantatore)

feci la bella rocca in cima al sasso,né per aviditd son rubatore;

ma per ritrar sol dall'estremo passoun cavallier gentil, mi mosse amore,

che, come il ciel mi mostra, in tempo breve

morir cristiano a tradimento deve.

30. Non vede it sol tra questo e it polo austrino

un giovene si bello e si prestante:

Ruggiero ha nome, it qual da piccolino

da me nutrito fu, ch'io sono Atlante.

Disio d'onore e suo fiero destinoPhan tratto in Francia dietro al re Agramante;

ed io, che l ' amai sempre pia che figlio,

lo cerco trar di Francia e di periglio.

26. Tem consigo somente uma cadeia

De que todas as vezes se cingia,E cuida de a donzela atar à peiaCom que aos demais acorrentar soía.Ela é quem o derriba; ele derreia,Eu o desculpo se não resistia:Que desigual combate ali promovemO velho fraco e a vigorosa jovem.

27. Por lhe cortar co' a lâmina a cabeça,Ela ergue o braço, ao triunfo predisposto:Mas, ao vê-lo de perto, o golpe cessa,E da baixa vingança perde o gosto.Basta um olhar, por que se reconheçaDe um velho venerando o triste rostoQue nas rugas e cãs bem aparentaNão muitos anos menos que setenta.

28. – Jovem, por Deus, acaba-me co ' a vida –

Irado o velho brada com despeito;Tanto ela está a poupar-lha resolvidaQuanto ele por finá-la satisfeito.Sente-se a dama a perguntar movidaQuem é o tal nigromante, por que há feitoErguer naquele inóspito alcantilO alcácer e que o torna ao mundo hostil.

29. – Não foi com ruim tenção, ai triste sorte!(Respondeu, a chorar, o encantador)Que no penedo ergui o soberbo forte;Nem sou por avidez salteador.Sou alguém que afastar procura a morteDe um gentil cavaleiro, por amor;Pois os céus me revelam que ele em breveMorrer cristão e atraiçoado deve.

30. Jamais vê o sol, entre este pólo e o austrino,Mancebo mais formoso ou mais prestante:É Rogério, que desde pequeninoFoi criado por mim (eu sou Atlante).Buscando glórias e um cruel destinoFoi-se a França, a serviço de Agramante.Aqui, eu que lhe quero mais que a filho,De França e do perigo o desvencilho.

Oitava 27

31. La bella rocca solo edificai

per tenervi Ruggier sicuramente,

the preso fu da me, come sperai

the fossi oggi tu preso similmente;

e donne e cavallier, che tu vedrai,

poi ci ho ridotti, ed altra nobil gente,

accid che quando a voglia sua non esca,

avendo compagnia, men gli rincresca.

32. Pur ch'uscir di la su non si domande,

d 'ogn ' altro gaudio for cura mi tocca;

che quanto averne da tutte be bande

si pub del mondo, è tutto in quella rocca:

suoni, canti, vestir, giuochi, vivande,

quanto pub cor pensar, pub chieder bocca.Ben seminato avea, ben cogliea it frutto;

ma tu sei giunto a disturbarmi it tutto.

33. Deh, se non hai del viso it cor men hello,

non impedir it mio consiglio onesto!Piglia lo scudo (ch ' io tel dono) e quellodestrier che va per l'aria cosi presto;

e non t'i mpacciar oltra nel castello,

o tranne uno o duo amici, e lascia it resto;

o tranne tutti gli altri, e piú non chero,

se non che tu mi lasci it mio Ruggiero.

34. E se disposto sei volermel torre,

deh, prima almen che tu rimeni in Francia,

piacciati questa of litta anima sciorre

dela sua scorza, ormai putrida e rancia! –

Rispose la donzella: –Lui vo 'porre

in libertd: tu, se sai, gracchia e ciancia;

né mi offerir di dar lo scudo in dono,

o quel destrier, che miei, non pin tuoi sono:

35. né s 'anco stesse a te di torre e darli,

mi parrebbe che cambio convenisse.

Tu di 'che Ruggier tieni per vietarli

it male influsso di sue stelle fisse.

O che non puoi saperlo, o non schivarli,

sappiendol, cid che `1 del di lui prescrisse:ma se `1 mal tuo, c 'hai si vicin, non vedi,peggio l'altrui c'ha da vesir prevedi.

31. Se o alcácer majestoso edifiqueiFoi por guardar Rogério tão-somente,E assim como afinal o capturei,Hoje a ti capturar eu tinha em mente.Damas e paladins te mostrareiQue para cá, com muita nobre gente,Atraí, por que em meio a companhia,Se lhe abrande a forçosa moradia.

32. Não queiram escapar; do mais, no entanto,As vontades fazer-lhes a mim toca;É pródigo o castelo em tudo quantoPrazeres mil em nosso mundo evoca:Galas, jogos, manjares, bailes, canto,Se o coração deseja, ordena a boca.Bem plantei, bem colhia farta messeMas eis-te aqui, e tudo já perece.

33. Oh, se tens peito qual teu rosto belo

Não me desprezes o conselho honesto!Meu escudo te dou, podes retê-lo,E o corcel que atravessa os ares lesto.Não te demores mais neste casteloOu toma um par de amigos, deixa o resto,Ou toma a todos, se eu assim consigoQue deixes meu Rogério estar comigo.

34. Mas se o roubas de mim, se abres a torreE a França o levas, rogo, antes atalhaMeu mal; minh'alma aflita, eia, socorre,Livra-a da crosta, sórdida antigualha! –Responde a dama: – Só por ele acorreQuem aqui vês; se queres, grita e ralha!Nem tu me podes dar corcel e escudo:

Já não são teus, já me pertence tudo.

35. E se reter ou dar a ti coubesse

Para mim fora a troca sem proveito:Rogério preso, dizes, não padeceDe seus astros fatais o ruim efeito.

Tu o não sabes, ou força te faleceContra o que o céu dispôs a seu respeito:Pois se teu mal, tão próximo, não vês,Mal alheio e remoto não prevês.

36. Non pregar ch'io t ' uccida, ch'i tuoi preghi

sariano indarno; e sepur vuoi la morte,

ancor the tutto it mondo dar la nieghi,

da sé la pub aver sempre animo forte.

Ma pria the l'alma da la carne sleghi,a tutti i tuoi prigioni apri le porte. —

Cosi dice la donna, e tuttavia

it mago preso incontra al sasso invia.

37. Legato de la sua prop ria catena

andava Atlante, e la donzella appresso,che cosi ancor se nefidava a pena,

ben che in vista parea tutto rimesso.

Non molti pasci dietro se la mena,

ch 'a piè del monte han ritrovato it fesso,

e li scaglioni onde si monta in giro,

fin ch 'alla porta del castel saliro.

38. Di su la soglia Atlante un sasso toile,

di caratteri e strani segni inculto.

Sotto, vasi vi son, che chiamano olle,

the fuman sempre, e dentro han foco occulto.

L'incantator le spezza; e a un tratto it colle

riman deserto, inospite ed inculto;

né muro appar né torre in alcun lato,

come se mai castel non vi sia stato.

39. Sbrigossi de la donna it mago alora,

come fa spesso it tordo da la ragna;

e con lui sparve it suo castello a un'ora,e lascià in liberal quella compagna.

Le donne e i cavallier si trovarfuora

de le superbe stanze alta campagna:e furon di for molte a chi ne dolse;

che tal franchezza un gran piacer for tosse.

40. Quivi è Gradasso, quivi è Sacripante,

quivi é Prasildo, it nobil cavalliero

che con Rinaldo venne di Levante,e seco Iroldo, it par d'amici vero.

Al fin trovà la bella Bradamante

quivi it desiderato suo Ruggiero,

che, poi che n'ebbe certa conoscenza,

le fe' buona e gratissima accoglienza;

36. Não peças que eu te mate; não se empregu

Debalde teu rogar; se queres morte,Ainda quando o mundo inteiro a negue,Sempre a encontra por si o ânimo forte.

E antes que a alma do corpo se despegue,A teus presos devolve a livre sorte. —Cala-se a dama, e ao feiticeiro enviaDe volta, aprisionado, hpenedia.

37. Caminha Atlante atado na correia;A dama o vai seguindo, bem de perto,Pois de fiar-se dele se arreceia,E seu ar conformado julga incerto.Andam o breve trecho que medeiaAté a rocha, onde um vão acham abertoE uma escada, que em giros os transporta,Do castelo, afinal, ao pé da porta.

38. Tira Atlante uma laje da soleiraEm que arcano letreiro inscrito avulta;Abaixo, há fumegante cantareiraDe olhas, em que arde fogo que se oculta.

O mago as quebra, e eis que a montanha inteVolta a ficar inóspita, erma, inculta,Sem muro ou torre, e em nada se parece

Com lugar onde alcácer estivesse.

39. Desvencilha-se o mago da senhoraQual tordo das sutis malhas da rede;

Com seu castelo, vai-se o bruxo emboraEliberdade aos hóspedes concede.

Damas e paladins se encontram fora:O campo ao brilho dos salões sucede,E muitas damas houve a quem doía

Os deleites perder com a alforria.

40. Surge Gradasso, surge Sacripante,Surge Prasildo, nobre cavaleiro,

Que com Rinaldo viera do levanteJunto de Iroldo, amigo verdadeiro.

Enfim surge ante a bela BradamanteO saudoso Rogério seu, fagueiro:E assim que ele a conhece com certeza,Acolhe-a com extremos de fineza.

41. come a colei cite piú che gli occhi sui,

piú che `1 suo cor, pia the la propria vita

Ruggiero am() dal di ch'essa per lui

si trasse l'elmo, onde ne fu ferita.

Lungo sarebbe a dir come, e da cui,e quanto ne la selva aspra e romita

si cercar poi la notte e it giorno chiaro;

né, se non qui, mai pia si ritrovaro.

42. Or che quivi la vede, e sa ben ch'ella

è stata sola la sua redentrice,

di tanto gaudio ha pieno it cor, che appella

sé fortunato ed unico felice.

Scesero it monte, e dismontaro in queda

valle, ove fu la donna vincitrice,

e dove 1'ippogrifo trovaro anco,

ch'avea lo scudo, ma coperto, al fianco.

43. La donna va per prenderlo nel freno:

e quel t'aspetta fin che se gli accosta;

poi spiega fale per 1'aer sereno,

e si ripon non lungi a mezza costa.

Ella lo segue: e quel né pite né menosi leva in aria, e non troppo si scosta;

come fa la cornacchia in secca arena,

che dietro it cane or qua or là si mena.

44. Ruggier, Gradasso, Sacripante, e tutti

quei cavallier che scesi erano insieme,chi di sú, chi di giú, si son ridutti

dove the torni it volatore han speme.

Quel, poi che gli altri invano ebbe condutti

piú volte e sopra le time supreme

e negli umidi fondi tra quei sassi,

presso a Ruggiero al fin ritenne i passi.

45. E questa opera fu del vecchio Atlante,

di cui non cessa la pietosa voglia

di trar Rugier del gran periglio instante:

di cià sol pensa e di cià solo ha doglia.

Pere) gli manda or I'ippogrifo avante,perché d'Europa con questa arte it toglia.

Ruggier lo piglia, e seco pensa trarlo;

ma quel s'arretra, e non vuol seguitarlo.

41. Tanto se deve a quem com mais fervor

Que à luz do olhar, que ao coração, que à vida,

A Rogério quis bem, e em seu favor

O elmo depôs e padeceu ferida.

Longo seria com detença expor

Como e quanto na selva desabridaDe noite e em pleno dia se buscaram;Mas só agora, antes nunca se encontraram.

42. Rogério vê a mulher que sempre quisSer entre todas sua redentora.Ditoso e afortunado já se diz,

Que o regozijo ao coração lhe aflora.Descem do monte ao vale onde felizSucesso conquistara avencedoraE onde o hipogrifo está, trazendo a carga

Do escudo, mas coberto, junto à ilharga.

43. De lhe tomar o freio faz aceno

A dama, que já quase se lhe encosta,

E ei-lo abrir asas e ir ao céu sereno,Voltar e pousar perto, a meia encosta.

Ela o segue, e o animal deixa o terrenoEm revoada, e pouco além se posta,Qual gralha, que cá e lá pelo ar volteiaSeguindo ao cão, por sobre a seca areia.

44. Vão Rogério, Gradasso, SacripanteE todos os que juntos estiveram

Acima e abaixo, para trás e adiante,Aonde o voador baixar esperam.Em vão, neste exercício fatigante,

Fundos vales e píncaros correram,Até o verem pousar sobre um penedoOnde estava Rogério, e ficar quedo.

45. Ao velho Atlante deve-se esta obra,Da sina de Rogério apiedado;De tal sina crê o mago que o recobra,Pondo só nisso todo seu cuidado.Retirá-lo da Europa é o que lhe sobra

Eis por que o hipogrifo lhe há mandado.Rogério o toma e cuida de levá-lo;Recusa-se o animal a acompanhá-lo.

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Oitava 44

46. Or di Frontin quel animoso smonta

(Frontino era nomato it suo destriero),

e sopra quel che va per 1'aria monta,

e con li spron gli adizza it core altiero.

Quel corre alquanto, ed indi i piedi ponta,

e sale inverso it ciel, via pin leggiero

che `I girifalco, a cui lieva it capello

it mastro a tempo, e fa veder 1 'augello.

47. La bella donna, che si in alto vede

e con tanto periglio it suo Ruggiero,

resta attonita in modo, che non riede

per lungo spazio al sentimento vero.

Cie) che già inteso avea di Ganimede

ch'al ciel fu assunto dal paterno impero,

dubita assai che non accada a quello,

non men gentil di Ganimede e bello.

46. 0 cavaleiro de Frontim desmonta(Chamava-se Frontim o seu corcel)E no animal voador agora montaIncitando co'esporas o revel

Que a correr sai, e ao ar os pés aponta:Cessa, ao subir aos ares, o tropel;Rápido voa, mais que gerifalteQue, sem a venda, aviste a presa e a assalte.

47. A bela dama, que tão alto vêE em tamanho perigo o seu Rogério,Fica fora de si; depois descrêQue ele escape ao terrível risco aéreo.De Ganimedes, tal é o que se lê,Que ao céu subiu pelo paterno império;

A seu Rogério que é gentil e beloQual Ganimedes, teme assim perdê-lo.

48. Con gli occhi fusi al del lo segue quanto

basta it veder; ma poi che si dilegua

si, che la vista non pub correr tanto,

lascia che sempre l ' animo lo segua.

Tuttavia con sospir, gemito e pranto

non ha, né vuol aver pace né triegua.

Poi che Ruggier di vista se le tolse,

al buon destrierFrontin gli occhi rivolse:

49. e si delibero di non lasciarlo,

che fosse in preda a chi venisse prima;

ma di condurlo seco e di poi darlo

al suo signor, ch 'anco veder pur stima.

Poggia 1 'augel, né pub Ruggier frenarlo:

di sotto rimaner vede ogni cimaed abbassarsi in guisa, che non scorge

dove è piano it terren né dove sorge.

50. Poi che si ad alto vien, ch 'un picciol punto

lo pub stimar chi da la terra it mira,

prende la via verso ove cade a puntoit sol, quando col Granchio si raggira,

e per 1 'aria neva come legno unto

a cui nel mar propizio vento spira.

Lascibnlo andar, the faro buon camino,

e torniamo a Rinaldo paladino.

51. Rinaldo 1'altro e l'altro giorno scorse,

spinto dal vento, un gran spazio di mare,quando a ponente e quando contra 1 'Orse,che notte e dì non cessa mai soffiare.

Sopra la Scozia ultimamente sorse,

dove la selva Caledonia appare,

che spesso fra gli antiqui ombrosi cerre

s'ode sonar di bellicose ferri.

52. Vanno per quella i cavallieri erranti,

incliti in arme, di tutta Bretagna,

e de'prossimi luoghi e de ' distanti,

di Francia, di Norvegia e de Lamagna.

Chi non ha gran valor, non vada inanti;

che dove cerca onor, morte guadagna.

Gran cose in essa gib fece Tristano,

Lancillotto, Galasso, Ara e Galvano,

48. De olhos postos no céu, segue-o enquantoA vislumbrá-lo ao longe o olhar lhe basta;Mas quando a vista já não chega a tantoAtrás do amado ela a alma triste arrasta.Com suspiros, gemidos e com prantoTréguas não quer, da paz a dor a afasta;Mas, se a Rogério ver já não lhe é dado,Vê o bom corcel Frontim posto a seu lado.

49. A pôr em mãos alheias o cavalo

Ali o deixando, a dama não se anima;Quer trazê-lo consigo, para dá-loAo dono, que rever ainda estima.Sobe o voador; Rogério sofreá-loNão pode; passa os cumes, vê de cimaO chão distanciado de tal guisaQue já serras ou vales não divisa.

50. Quando tão alto está, que simples grãoSe mostraria a quem da terra o vira,Ruma para onde ocaso tem o grãoAstro solar, sempre que Cancro o mira.Os ares cruza como embarcaçãoBesuntada, se vento amigo aspira.Deixemo-lo ir: bem longe é seu destino;Volvamos a Rinaldo paladino.

51. Rinaldo, após um dia e dois, lobrigaLarga extensão coberta pelo mar.O vento, que o conduz, ali fustigaOra o ocaso, ora as Ursas, sem cessar.Para a Escócia, afinal, faz que prossigaE a Selva Caledônia vê assomar,Onde à sombra de antigas azinheirasRessoam muita vez armas guerreiras.

52. Andam por lá cavaleiros errantesAfamados nas armas, da BretanhaE dos sítios vizinhos ou distantesDe França, de Noruega e de Alemanha.Quem não tiver valor, não siga adiante,Que, se honras for buscar, a morte o apanha.

Viram-se ali proezas de Tristão,Galaaz, Lançarote, Artur, Galvão

Oitava 51

53. ed altri cavallieri e de la nuova

e de la vecchia Tavola famosi:

restano ancor di piü d 'una for pruova

li monumenti e li trofei pomposi.L'arme Rinaldo e it suo Baiardo truova,

e tosto si fa por nei liti ombrosi,

ed al nochier comanda che si spicche

e lo vada aspettar a Beroicche.

54. Senza scudiero e senza compagnia

va it cavallier per quella selva immensa,

facendo or una ed or un 'altra via,

dove piü aver strane aventure pensa.

Capità it primo giorno a una badia,

che buona parte del suo aver dispensa

in onorar nel suo cenobio adorno

le donne i cavallier che vanno attorno.

53. E de outros cavaleiros mais da novaE da Tábula antiga já famosos:Sua proeza ainda se comprovaEm monumentos e troféus pomposos.Rinaldo ali reencontra (a vista o prova)Baiardo e as armas; torna até os umbrososMares da costa, e manda que se fiqueÀ sua espera o arrais, junto a Beruíque.

54. Sem contar co ' escudeiro ou companhia,Vai o guerreiro pela selva imensa,Ora por uma, ora por outra via,Segundo achar mais aventuras pensa.Na primeira jornada, a uma abadiaFoi ter, que muito de seus bens dispensaEm hospedar com honras no mosteiroQualquer dama que passe, ou cavaleiro.

Oitava 53

55. Bella accoglienza i monachi e 1 'abbate

fero a Rinaldo, it qual domandà loro

(non prima già die con vivande grate

avesse avuto it ventre amplo ristoro)

come dai cavallier sien ritrovate

spesso aventure per quel tenitoro,

dove si possa in qualche fatto eggregio

1 ' uom dimostrar, se merta biasmo o pregio.

56. Risposongli ch 'errando in quelli boschi,

trovar potria strane aventure e molte:

ma come i luoghi, i fatti ancor son foschi;

che non se n'ha notizia le piìi volte.

– Cerca (diceano) andar dove conoschi

che l'opre tue non restino sepolte,

accià dietro al periglio e alia fatica

segua la fama, e it debito ne dica.

57. E se del tuo valor cerchi far prova,

t'è preparata la pill degna impresa

che ne l 'antiqua etade o ne la nova

giamai da cavallier sia stata presa.

La figlia del re nostro or si ritrova

bisognosa d 'aiuto e di difesa

contra un baron che Lurcanio si chiama,

che tor le cerca e la vita e la fama.

55. Os monges do cenóbio e seu abade

Acolhem a Rinaldo com brandura;Pergunta o hóspede à comunidade(Depois de alimentado com fartura)De que maneira um cavaleiro há-de

Achar em tais paragens aventuraE egrégios feitos, que a mostrar dêem azo

Se de glória ele é digno, ou de descaso.

56. Respondem que indo a esmo pela mataAcharia aventuras novas, raras;O sombrio do lugar bem as retrataPois delas ninguém tem notícias claras.Dizem-lhe mais: – Tira do olvido e trataDe proclamar teus feitos, se os obraras,A fim de que aos perigos e à fadigaA merecida fama se lhes siga.

57. Mas se de teu valor buscas dar provaJá tens assegurada digna empresa;Cavaleiros, da idade antiga ou nova,Nunca a termo levaram tal proeza.Do rei a filha (o caso seu te mova)Necessita de ajuda e de defesaContra o barão Lurcânio, que se chamaAssim quem quer roubar-lhe a vida e a fama.

Oitava 55

58. Questo Lurcanio al padre 1'ha accusata

(forse per odio piú che per ragione)

averla a mezza notte ritrovata

trarr'un suo amante a sé sopra un verrone.

Per le leggi del regno condannata

al foco fia, se non truova campione

the fra un mese, oggimai presso a finire,

1'iniquo accusator faccia mentire.

59. L'aspra legge di Scozia, empia e severa,

vuol ch ' ogni donna, e di ciascuna sorte,

ch'ad uom si giunga, e non gli sia mogliera,

s'accusata ne viene, abbia la morte.

Né riparar si pub ch'ella non pera,

quando per lei non venga un guerrier forte

che tolga la difesa, e che sostegna

che sia innocente e di morire indegna.

60. II re, dolente per Ginevra bella

(che cosi nominata è la sua figlia),

ha publicato per città e castella,

che s 'alcun la difesa di lei piglia,

e che 1 'estingua la calunnia fella

(pur che sia nato di nobil famiglia),

l'avrà per moglie, ed uno stato, quale

fia convenevol dote a donna tale.

58. De Lurcânio ela ao rei foi acusada

( Mais por ódio, talvez, que com razão)

De ter à meia-noite sido achadaA trazer um amante ao seu balcão.As leis do reino a tornam condenada

Ao fogo, se faltar um campeãoQue, no prazo de um mês (que está a vencer),

Iníquo ao delator comprove ser.

59. Áspera é a lei de Escócia, crua e fera,E manda que a mulher, de qualquer sorte,

Que varão, sem casar-se, conhecera,Sendo acusada, se condene à morte.Ninguém a salva, a menos que se ergueraEm seu favor algum guerreiro forteQue lhe tome a defesa e que sustente

Que não merece a morte e que é inocente.

60. 0 pai, compadecido de Genebra( Nome da formosíssima princesa),Por cidades e aldeias já celebraEdito, que conclama à sua defesa.Ao que a provar na honra estar sem quebra

Promete (se nascido da nobreza)A mão da filha e o estado que convierA quem tal dama tome por mulher.

61. Ma se fra un mese alcun per lei non viene,

o venendo non vince, sard uccisa.

Simile impresa meglio ti conviene,

ch'andar pei boschi errando a questa guisa:

oltre ch'onor e fama te n'aviene

ch'in eterno da te non fia divisa,

guadagni it flor di quante belle donne

da 1'Indo sono all 'Atlantee colonne;

62. e una ricchezza appresso, ed uno stato

che sempre far ti put) viver contento;

e la grazia del re, se suscita to

per te gli fia it suo onor, che è quasi spento.

Poi per cavalleria tu se' ubligato

a vendicar di tanto tradimento

costei, che per commune opinione,

di vera pudicizia è un paragone. –

63. Pens() Rinaldo alquanto, e poi rispose:

– Una donzella dunque de' morire

perché lasci() sfogar ne 1'amorose

sue braccia al suo amator tanto desire?

Sia maladetto chi tal Legge pose,

e maladetto chi la pu) pa tire!

Debitamente muore una crudele,

non chi dd vita al suo amator fedele.

64. Sia vero o falso che Ginevra tolto

s 'abbia it suo amante, io non riguardo a quests

d 'averlo fatto la loderei molto,

quando non fosse stato manifesto.

Ho in sua difesa ogni pensier rivolto:

datemi pur un che mi guidi presto,

e dove sia I'accusator mi mene;

ch'io spero in Dio Ginevra Irar di pene.

65. Non vo' gid dir ch 'ella non 1 'abbia fatto;

che nol sappiendo, it falso dir potrei:

dir) ben the non de'per simil atto

punizion cadere alcuna in lei;

e dire. the fu ingiusto o the fu matto

chi fece prima gli statuti rei;

e come iniqui rivocarsi denno,

e nuova le;:e far con miglior senno.

61. Mas se, passado um mês, não vier ninguémPor ela, ou não triunfe, será morta;Esta empresa decerto te convém,Pois bosques percorrer menos te importa.

Desposar a princesa irás também,O que honra permanente em si comporta,E o florão feminil colher mais lindoQue há das colunas de Hércules ao Indo.

62. Entre riquezas e em ditoso estadoViverás para sempre em alegria,Se o crédito deixares restaurado

Daquela que sofreu tal felonia.Pensa também que estás a isso obrigadoPelos ditames da cavalaria,Pois no recato a dama é de tal zeloQue nisso a voz geral a faz modelo. –

63. Pensou Rinaldo no que ouviu exporE disse: – Uma donzela há de morrerSó porque entre seus braços, com amor,Soube ao enamorado receber?Maldito seja tal legislador!Maldito é o que a tal lei obedecer!Merece antes morrer mulher cruel,Não quern dá vida ao amador fiel.

64. Se assim foi, na verdade, ou se é mentira

Muito pouco me importa e o não contesto;Se assim foi, a Genebra eu aplaudira,Desde que o não tornasse manifesto.Meu peito a defendê-la agora mira,E a dar-lhe desagravo já me apresto.Levai-me ao que malsina amores seusE haverei de salvá-la, espero em Deus.

65. 0 acusador ainda não desdigo(Por não mentir, que disso nada sei);O que direi é que nenhum castigoMerece a dama, pois quern fez tal leiDo justo e do sensato era inimigoE impels preceitos maus. Também direiQue se há de trocar logo essa lei má

Por outra, que a prudência ditará.

66. S 'un medesimo ardor, s 'un disir pare

inchina e sforza Zuno e l'altro sesso

a quel suave fin d 'amor, che pare

all'ignorante vulgo un grave eccesso;

perché si de' punir donna o biasmare,

che con uno o piìi d 'uno abbia commessoque/ the t'uom fa con quanta n'ha appetito,

e lodato neva, non che impunito?

67. Son fatti in questa legge disuguale

veramente alie donne espressi torti;

e spero in Dio mostrar che gli è gran maleche tanto lungamente si comparti. –

Rinaldo abbe it consenso universale,che fur gli antiqui ingiusti e male accorti,

che consentiro a cosi iniqua legge,

e mal fa it re, the pub, né la corregge.

68. Poi che la luce candida e vermiglia

de l 'altro giorno aperse l'emispero,

Rinaldo l 'arme e it suo Baiardo piglia,

e di quella badia tolle un scudiero,

che con lui viene a molte leghe e miglia,

sempre nel bosco orribilmente fiero,

verso la terra ove la lite nuova

de la donzella de ' venir in pruova.

69. Avean, cercando abbreviar camino,

lasciato pel sentier la maggior via;

quando un gran pianto udir sonar vicino,

che la foresta d'ogn'intorno empìa.

Baiardo spinse l ' un, 1'altro it ronzino

verso una valle, onde quel grido usda:

e fra dui mascalzoni una donzella

vider, che di lontan parea assai bella;

70. ma lacrimosa e addolorata quanto

donna o donzella o mai persona fosse.

Le sono dui col ferro nudo a canto,

per farle far 1'erbe di sangue rosse.

Ella con preghi differendo alquanto

giva it morir, sin che pieta si mosse.

Venne Rinaldo; e come se n ' accorse,

con alti gridi e gran minacce accorse.

66. Qualquer dos sexos que a inclinar se leve,

Co' igual desejo, o oposto a procurar,Busca o prazer que o vulgo não se atreve,Ignaro, facilmente a desculpar.Mas por que só a mulher é que se deve,Quando se entrega aos homens, condenar,Se ao varão, tendo as damas que deseja,Louvores, não castigo, isso lhe enseja?

67. l? claro que tal lei, por desigual,Só as mulheres agrava, entre os humanos.Espero em Deus mostrar ser grande malContinuar a tolerar tais danos. –Rinaldo convenceu-os, afinal,De que os antigos foram desumanosAo aprovarem tão iníqua leiE de que mal, cumprindo-a, faz o rei.

68. No céu se espalha, cândida e vermelha,A luz do novo dia, e o cavaleiroToma Baiardo e, armado, se aconselhaNa abadia, onde elege um escudeiro.A correr léguas, milhas se aparelhaDentro daquele bosque traiçoeiro,Por ir aonde estará posta a prova

Da culpa da donzela a incerta nova.

69. Pela estrada real não vai, mas simPor senda que as distâncias abrevia,Quando ouve choro aflito o paladim,Que ressoa na escura mataria.Dirige ele Baiardo, o outro, o rocimA um val, donde a chorosa voz saía.Lá assaltam dois ladrões a uma donzelaQue de longe se mostra muito bela,

70. Porém aflita e consumida em prantoMais do que nunca esteve homem ou dama;Com rogos aos ladrões detém enquantoNão alcança a piedade por que clama.Eles lhe chegam facas, entretanto,E querem que seu sangue encarne a grama.Rinaldo, que do crime se apercebe,A impedi-lo com brados se apercebe.

71. Voltaro i malandrin tosto le spalle,

che soccorso lontan vider venire,

e se appiattar ne la profonda valle.

11 paladin non li curl) seguire:

venne a la donna, e qual gran colpa ddlle

tanta punizion, cerca d ' udire;

e per tempo avanzar, fa all() scudierolevaria in groppa, e torna al suo sentiero.

72. E cavalcando poi meglio la guata

molto esser bella e di maniere accorte,

ancor che fosse tutta spaventata

per la paura ch'ebbe de la morte.

Poi ch'ella fu di nuovo domandata

chi 1'avea tratta a si infelice sorte,incomincià con umil voce a dire

quel ch'io vo ' all'altro canto differire.

71. A vista do socorro faz que abaleO bando malfeitor, lesto em fugir.Embrenham-se os ladrões naquele vale;Rinaldo os deixa, sem os perseguir.Mas vai à dama, e pede-lhe que faleE conte o que em tais mãos a fez cair.Diz que à garupa a leve o escudeiro,Por voltar logo ao rumo seu primeiro.

72. Rinaldo observa, ao irem pela estrada,Que é linda a dama e tem distinto porte,Embora ainda se mostre amedrontada,Que estivera bem próxima da morte.Ao se ver novamente perguntadaDo que a levara àquela triste sorte,O que, humilde, se pôs a referirQuero para o outro canto transferir.

Oitava 71

CANTO V

A dama resgatada conta sua história — Calúnia de Polinesso contra a princesa Genebra— A inocência da princesa submetida d prova das armas

1. Tutti gli altri animai che sono in terra,

o the vivon quieti e stanno in pace,

o se vengono a rissa e si fan guerra,

alia femina it maschio non la face:1'orsa con 1'orso al bosco sicura erra,la leonessa appresso it leon glace;

col lupo vive la lupa sicura,né la iuvenca ha del tore/ paura.

2. Ch 'abominevol peste, che Megera

è venuta a turbar gli umani petti?

che si sente it marito e la mogliera

sempre garrir d'ingiuriosi detti,

stracciar la faceia e far livida e nera,

bagnar di pianto i geniali letti;

e non di pianto sol, ma alcuna voltadi sangue gli ha bagnati 1 ' ira stolta.

1. Os animais que existem sobre a terraCostumam conviver em boa paz;Mas, se a rixa os separa e vão à guerra,

A companheira nenhum bicho a faz.Juntos, leão, leoa, a mata encerra,Sempre consigo o urso à ursa traz,O lobo ampara a loba desde cedoE ao novilho a bezerra não tem medo.

2. Pois que Megera, que execrável pesteVeio dilacerar o humano peito?Mulher, marido, um contra o outro investe,Com doestos de injúria e de despeito,E entre arranhões e socos se revesteDe copioso pranto o uxório leito;E além de pranto, a raiva estulta fezQue corresse até sangue, alguma vez.

3. Parmi non sol gran mal, ma che 1'uom faccia

contra natura e sia di Dio ribello,

che s 'induce a percuotere la faccia

di bella donna, o romperle un capello:

ma chile da veneno, o chile caccia

!'alma del corpo con laccio o coltello,

ch 'uomo sia que! non crederà in eterno,

ma in vista umana uno spirto de 1'inferno.

4. Cotali esser doveano i duo ladroni

che Rinaldo caccia da la donzella,

da for condotta in quei scuri valloni

perché non se n'udisse piú novella.

lo lasciai ch'ella render le cagioni

s'apparechiava di sua sorte fella

al paladin, che le fu buono amico:

or, seguendo l'istoria, cosi dico.

5. La donna incomincib: –Tu intenderai

la maggior crudeltade e la piü espressa,

ch'in Tebe o in Argo o ch'in Micene mai,

o in locopies crude! fosse commessa.

E se rotando it sole i chiari rai,

qui men ch 'all'altre region s 'appressa,

credo ch ' a not malvolentieri arrivi,

perché veder si crude! gente schivi.

6. Ch 'agli nemicigli uomini sien crudi,

in ogni eta se n 'è veduto esempio;ma dar la morte a chi procuri e studi

it tuo ben sempre, e troppo ingiusto ed empio.

E accid che meglio it vero io ti denudi,perché costor volessero far scempio

degli anni verdi miei contra ragione,

ti dire, da principio ogni cagione.

7. Voglio che sappi, signor mio, ch'essendo

tenera ancora, alli servigi vennide la figlia del re, con cui crescendo,

buon luogo in corte ed onorato tenni.

Crudele Amore, al mio stato invidendo,

fe' che seguace, ahi lassa! gli divenni:

fe' d 'ogni cavallier, d'ogni donzello

parermi it duca d 'Albania piú hello.

3. Tenho por grande o mal: o homem faz-seRebelde a Deus e ao natural apeloQuando se atreve a golpear a faceDa mulher e a tocar-lhe um só cabelo.Mas quem a vida da mulher tirasse,Com peçonha, com corda ou com cutelo,De humano só teria o aspeito externo,Seria, creio, espirito do inferno.

4. Desses deviam ser os dois ladrões

Que Rinaldo afastara da donzelaArrastada por eles aos grotões,Para que ninguém mais soubesse dela.Deixei-a pronta a dar explicaçõesDe sua sorte, que infausta se revela.Voltando, pois, à dama e ao paladino,Que a defendeu, a história ora termino.

5. Falou a dama e disse: – EscutarásMaldade tão cruel e tão expressa,Que tudo o que se fez nas terras másDeArgos, Tebas, Micenas ora cessa.O sol que sempre gira e lume trazRazão é que aqui pálido apareça:Creio que mostra a todos não ter ganaDe gente conhecer tão desumana.

6. Tratar com crueldade um inimigoÉ o que sempre se fez, segundo entendo;Mas dar a morte a quem se mostra amigoGeneroso, leal, é caso horrendo.Se me tomaram os ladrões consigoE se eu na flor da idade ia morrendoHás de saber agora desde o inícioPor que sofri tamanho malefício.

7. Ouve, senhor, o que ora devo expor-te:Inda pequena a ser criada vimDe uma filha do rei. Cresci na corteCo' a princesa, e alto estado coube a mim.Mas, ai!, por invejar a minha sorteA si me acorrentou o Amor ruim:

Fez-me crer pelo garbo o duque Albano

De donzéis e fidalgos soberano.

8. Perché egli mostro amarmi pii che molto,

io ad amar lui con tutto it cor mi mossi.Ben s'ode it ragionar, si vede it volto,

ma dentro it petto mal giudicar possi.

Credendo, amando, non cessai che toltol'ebbi nel letto, e non guardai ch'io fossidi tutte le real camere in quella

che piü secreta avea Ginevra bella;

9. dove tenea le sue cose pits care,

e dove le piìi volte ella dormia.

Si pua di quella in s'un verrone entrare,

the fuor del muro al discoperto uscìa.

Io facea it mio amator quivi montare;

e la Scala di corde onde salia,

io stessa dal verron gih gli mandai

qual volta meco aver lo desiai:

8. Ele mostrou por mim amor subido,E de meu coração eu lhe dei posse;Mal se pode julgar, por vista e ouvido,O peito alheio, ou coisa que o alvoroce.Crédula amante, eu o julguei rendido,Chamei-o, incauta, ao leito, inda que fosseDo paço numa câmara, e naquelaQue reservara a si Genebra, a bela.

9. Seus tesouros guardava em tal lugarE quase sempre ali se recolhia.A um balcão o aposento faz chegarQue, além do muro, aberto se estendia.Por ele meu amado fiz entrar:De uma escada de corda se serviaQue do alto do balcão eu lhe atiravaSempre que recebê-lo desejava.

Oitava 9

10. che tante volte ve lo fei venire,

quanto Ginevra me ne diede 1 'agio,

che solea mutar letto, or per fuggire

il tempo ardente, or il brumal malvagio.

Non fu veduto d 'alcun mai salire;

pert che quella parte del palagio

risponde verso alcune case rotte,

dove nessun mai passa o giorno o notte.

11. Continue, per molti giorni e mesi

tra not secreto l 'amorosogioco:

sempre crebbe 1'amore; e si m'accesi,

che tutta dentro io mi sentia di foco:

e cieca ne fui si, ch'io non compresi

ch 'egli fingeva molto, e amava poco;

ancor che li suo ' inganni discoperti

esser doveanmi a mille segni certi.

12. Dopo alcun di si mostrd nuovo amante

de la bella Ginevra. Io non so appunto

s 'allora cominciasse, o pur inante

de 1'amor mio, n 'avesse it cor gid pun to.

Vedi s 'in me venuto era arrogante,

s'imperio nel mio cor s'aveva assunto;che mi scoperse, e non ebbe rossore

chiedermi aiuto in questo nuovo amore.

13. Ben mi dicea ch 'uguale al mio non era,

né vero amor quel ch'egli avea a costeia

ma simulando esserne acceso, spera

celebrarne i legitimi imenei.Dal re ottenerla fia cosa leggiera,

qualor vi sia la volontd di lei;

che di sangue e di stato in tutto it regno

non era, dopo it re, di lu' itpiei degno.

14. Mi persuade, se per opra mia

potesse al suo signor genero farsi

(che veder posso che se n'alzeria

a quanto presso al re possa uomo aizarsi),

che me n'avria buon merto, e non saria

mai tanto beneficio per scordarsi;

e ch 'alla moglie e ch 'ad ogn' altro inante

mi porrebbe egli in sempre essermi amante.

10. Azo não me faltou de permitirA meu amado ali ter hospedagem,Pois Genebra soía preferir,No calor, outro quarto, e na friagem.Ninguém nos poderia descobrir,Pois ninguém por tais sítios faz passagem;Do balcão nada mais se descortinaQue casebres desertos, em ruína.

11. Foi nossa mútua e deleitosa entregaDurando dias, meses, em segredo.Meu peito, que ao amor nunca se nega,Em chamas se abrasou, seguro e ledo;Não percebi, pois me tornara cega,Que mal me amava e bem fingia o tredo,Nem que seus pensamentos desleaisA. se davam a ver por mil sinais.

12. Pouco depois, quis ele ser amanteDa formosa Genebra. Com certezaNão sei se a desejou naquele instanteOu se antes cobiçava já a princesa.Foi então que se fez muito arroganteComigo, que a seu laço estava presa:Chegou a me pedir, com despudor,Ajuda na conquista desse amor.

13. Verdadeiro, dizia-me, não eraO novo amor, e sim o que era meu;A simular paixão se resolveraPor querer celebrar régio himeneu.Decerto, se a princesa assim quisera,Daria el-rei o assentimento seu,

Que em linhagem o duque e em alto estadoDe ninguém, fora o rei, era igualado.

14. Pediu-me, pois, ajuda e prometia,Se pudesse del-rei genro fazer-se(Visto que o casamento lhe dariaAs alturas do régio trono erguer-se),Que generoso me compensaria,Do auxílio não havia de esquecer-se:Mais que à esposa me amava, e mais que antes,Para sempre seriamos amantes.

15. Io, ch 'era tutta a satisfargli intenta,

né seppi o volsi contradirgli mai,

e sol quei giorni io mi vidi contenta,

ch 'averlo compiaciuto mi trovai;

piglio ?occasion che s'appresenta

di parlar d'esso e di lodarlo assai;

ed ogni industria adopro, ogni fatica,

per far del mio amator Ginevra arnica.

16. Feci col core e con I'effetto tutto

quel che far si poteva, e sallo Idio;

né con Ginevra mai potei far frutto,

ch'io le ponessi in grazia it duca mio:

e questo, the ad amar ella avea indutto

tutto it pensiero e tutto it suo disio

un gentil cavallier, bello e cortese,

venuto in Scozia di lontan paese;

17. che con un suo fratel ben giovinetto

venne d 'Italia a stare in questa corte;

si fe' ne l'arme poi tanto perfetto,

che la Bretagna non avea it piú forte.

II re I'amava, e ne mostra I'effetto;the gli don() di non picciola sorte

castella e vine e iurisdizioni,

e lo fe ' grande al par dei gran baroni.

18. Grato era al re, piü grato era alia figlia

quei cavallier chiamato Ariodante,

per esser valoroso a maraviglia;ma piú, ch 'ella sapea che fera amante.

Né Vesuvio, né it monte di Siciglia,

né Troia avampa mai di fiamme tante,

quante ella conoscea the per suo amore

Ariodante ardean per tutto it core.

19. L'amar che dunque ella facea colui

con cor sincero e con perfetta fede,ft' the pel duca male udita fui;

né mai risposta da sperar mi diede:

anzi quanto io pregava piú per lui

e gli studiava d'i mpetrar mercede,

ella, biasmandol sempre e dispregiando,

segli venta piú sempre inimicando.

15. Eu, a satisfazê-lo sempre atenta,Contrariar não posso a quem me atrai,Que quando alguma coisa o descontentaToda a minha alegria é que se vai.Em qualquer ocasião que se apresentaProclamo que ele em tudo sobressai:A esforços não me furto ou à fadiga,Por que Genebra se lhe faça amiga.

16. De todo o coração assim o ajudoEm tudo quanto posso, sabe-o o Céu;Mas de Genebra o ânimo não mudoNem aceito lhe faço o amado meu.Seus pensamentos, seus amores, tudoQue lhe vai n'alma a outrem concedeu:A um gentil e garboso cavaleiroQue viera ter à Escócia do estrangeiro.

17. Da Itália procedia, havendo feito,Co' o irmão menor, morada nesta corte.Veio a tornar-se em armas tão perfeitoQue em Bretanha ninguém era mais forte.El-rei, de quem se viu querido e aceito,Jurisdição lhe deu de toda sorteSobre aldeias, castelos, povoações,E par o fez dos máximos barões.

18. Aceito fez-se a el-rei e mais à filhaO cavaleiro (chama-se Ariodante),Que a todos por bravura maravilhaE a ela mais, por lhe ser casto amante.Nem o vulcão da siciliana ilhaNem o Vesúvio ou Tróia crepitanteVence, ela o sabe, em chamas e em ardorA Ariodante, aceso em seu amor.

19. Devota igual amor Genebra a ele,Com coração sincero e inteira fé:Os elogios meus, assim, repele,Sem que esperança uma só vez me dê.Quanto mais eu pedia por aqueleMeu sedutor, com rogos de mercê,

Ela,'a sempre a acusá-lo e desdenhá-lo,Porfiava comigo em rejeitá-lo.

20. Io confortai l'amator mio sovente,

che volesse lasciar la vana impresa;

né si sperasse mai volger la mente

di costei, troppo ad altro amore intesa:

e gli feri conoscer chiaramente,

come era si d 'Ariodante accesa,

che quanta acqua è nel mar, piccola dramma

non spegneria dela sun immensa fiamma.

21. Questo da me piiì volte Polinesso

(che cosi nome ha it duca) avendo udito,

e ben compreso e visto per se stesso

che molto male era it suo amor gradito;

non pur di tanto amor si fu rimesso,ma di vedersi un altro preferito,

come superbo, cosi mal sofferse,

che tutto in ira e in adio si converse.

22. E tra Ginevra e l ' amator suo pensa

tanta discordia e tanta lite porre,e farvi inimicizia cosi intensa,

che mai piì.i non si possino comporre;

e por Ginevra in ignominia immensa,

donde non s'abbia o viva o morta a torre:

né de 1'iniquo suo disegno meco

volse o con altri ragionar, che seco.

23. Fatto it pensier: – Dalinda mia, – mi dice

(che cosi son nomata) – saper dei,che come suol tornar da la radice

arbor che tronchi e quattro volte e sei;

cosi la pertinacia mia infelice,

ben che sia tronca dai successi rei,

di germogliar non resta; che venire

pur vorria a fin di questo suo desire.

24. E non lo bramo tanto per diletto,

quanto perché vorrei vincer la pruova;

e non possendo farlo con effetto,

s 'io lo fo imaginando, anco migiuova.

Voglio, qual volta tu mi dai ricetto,

quando allora Ginevra si ritruova

nuda nel letto, che pigli ogni vesta

ch 'ella posta abbia, e tutta te ne vesta.

20. Busquei, de mil maneiras, insistente,Tirar o duque da baldada empresa;Mostrei-lhe que de coração e menteA outro amor se ligara já a princesa;Levei-o a convencer-se claramenteQue ela a Ariodante já se achava presa;As águas que na enchente o mar derrama

Não bastariam a extinguir tal chama.

21. Ao duque (o nome seu é Polinesso)

Este aviso por mim foi repetido;Fiz-lhe ver que a princesa pouco apreçoDera ao amor por ele oferecido.Pesou-lhe menos tanto desapreçoQue ter sido por outrem preterido.Transformou-se em seu ânimo soberboO antigo amor em cólera e ódio acerbo.

22. Quer levantar ciúme e desavença

Entre Genebra e o amante, e os indisporCriando inimizade tão intensa,Que nunca mais se hajam de compor.Quer vê-la morta em abjeção imensa,Sem remédio nenhum reparador.Do ardil infame não falou comigoE com ninguém: pois o guardou consigo.

23. Pensado o ardil: – Minha Dalinda, – diz(Chamo-me assim) – são de Natura as leisQue fazem renascer desde a raizTronco arrasado, quatro vezes, seis.A pertinácia é igual deste infeliz:Mesmo ferida por lesões cruéis,Lança renovos e persiste em crerQue há de aos anseios meus satisfazer.

24. Vencer quisera o repto, e a meu desejoNão penses que o prazer somente mova,Se vitória efetiva não prevejo,Basta vencer imaginária prova.Quero que aguardes toda a noite o ensejoDe estar Genebra nua em sua alcova:Vai, então, sem demora, toma e veste

Os ornamentos seus e sua veste.

Oitava 23

25. Come ella s 'orna e come it crin dispone

studia imitaria, e cerca it piìt the sai

di parer dessa, e poi sopra ii verrone

a mandar giìt la scala ne verrai.

lo verrd a te con imaginazione

che quells sii, di cui tu i panni avrai:

e cosi spero, me stesso ingannando,

venir in breve it mio desir sciemando. –

26. Cosi disse egli. lo the divisa e sevra

e lungi era da me, non posi mente

che questo in che pregando egli persevra,

era una fraude pur troppo evidente;

e dal verron, coi panni di Ginevra,

mandai la scala onde sali sovente;

e non m'accorsi prima de l' inganno,

che n ' era già tutto accaduto ii danno.

25. Busca mais imitar com perfeição

Seu penteado e tudo o que lhe apraz;Faze-te cópia sua, e até o balcãoPara atirar-me a escada então virás;Eu subirei, pela imaginação,Aquela em cujas roupas estarás.Ouso esperar que a mim mesmo enganandoEstarei meus desejos aplacando. –

26. Fora de mim o escuto, sem ver quebraDe lealdade no que tinha em mente,Sem ver que a pertinácia que celebraRecorre agora à fraude mais patente.Vou ao balcão co ' as roupas de Genebra,Lanço a escada e ele vem, freqüentemente.

Quando pude afinal dar pelo enganoJá irreparável se fizera o dano.

27. Fatto in quel tempo con Ariodante

it duca avea queste parole o tali

(che grandi amici erano stati inante

che per Ginevra si fesson rivali):

–Mi maraviglio (incomincia it mio amante)

ch ' avendoti io fra tutti li mie ' ugualisempre avuto in rispetto e sempre amato,

ch'io sia da te si mal rim unerato.

28. lo son ben certo che comprendi e sai

di Ginevra e di me l'antiquo amore;

e per sposa legitima oggimaiper impetraria son dal mio signore.

Perché mi turbi tu? perché pur vai

senxa frutto in costei ponendo it core?

lo ben a te rispetto avrei, per Dio,

s'io nel tuo grado fossi, e tu nel mio. –

29. – Ed io (risposeAriodante a lui)

dite mi maraviglio maggiormente;

che di lei prima inamorato fui,che tu l'avessi vista solamente:

e so che sai quanto è l 'amor tra nui,

ch'esser non pua, di quel che sia, piú ardente;

e sol d'essermi moglie intende e brama:

e so che certo sai ch 'ella non t'ama.

30. Perché non hai tu dunque a me it rispetto

per 1 'amicixia nostra, che domande

ch 'a te aver debba, e ch'io t'avre' in effetto,

se tu fossi con lei di me piú grande?

Ni men di te per moglie averla aspetto,

se ben tu sei piú ricco in queste bande:

io non son meno al re, che tu sia, grato,

ma piú di te da la sua figlia amato. –

31. – Oh (disse it duca a lui), grande e cotesto

errore a che t'ha it folle amor condutto!

Tu credi esser piú amato; io credo questo

medesmo: ma si put) veder al frutto.

Tu fammi cib ch 'hai seco, manifesto,

ed io it secreto mio t 'aprirb tutto;

e quel di not che manco aver si veggia,

ceda a chi vince, e d 'altro si provveggia.

27. Ouvira estas palavras AriodanteAo duque (ou foram outras, quase iguais,Que amigos foram sempre até o instanteDe se tornarem por amor rivais):– Custa-me crer (falava meu amante)Que tu, entre meus pares o que maisÉs querido de mim e respeitado,Tão mal me queiras ver recompensado.

28. Estou certo de que hás de compreenderQue entre mim e Genebra é antigo o amor;

Que por minha legítima mulherHei de pedi-la a el-rei, nosso senhor.

Então, por que me queres empecer?Por que nela debalde os olhos par?Se o amor que me foi dado fosse teu,Por Deus, terias o respeito meu. –

29. – Pois a mim (Ariodante retrucou)

O que dizes se mostra surpreendente:Só agora a v@s, e sabes que já estouDe seu amor tomado, fundamente;Também sabes que o amor que nos ligouÉ tal, que não existe mais ardente.Deseja ser minha mulher a dama:A ti, disto estou certo, ela não ama.

30. Por que, pois, me recusas o respeitoQue queres que a amizade nossa mande?De mim ora o terias, se direitoMelhor não de&st o amor que emmimse expande.Quero-a como esposa, com efeito:És mais rico do que eu, no reino és grande,Mas tenho, tal qual tens, dei-rei o agrado;

E de sua filha sei ser mais amado. –

31. – Oh! (disse o duque) grande engano é este

E obra de louco amor, segundo escuto!Tu crês ser mais amado, e o que dissesteCreio ser eu: busquemos, pois, o fruto.Revela-me as mercês que dela houveste,

Que em te abrir meu segredo não reluto;Aquele que em menor favor se vejaRespeite o vencedor: deixe a peleja.

32. E sara pronto, se tu vuoi ch 'io giuri

di non dir cosa mai che mi riveli:

cosi voglio ch 'ancor tu m 'assicuri

che quel ch'io ti dir), sempre mi celi. –

Venner dunque d 'accordo alli scongiuri,e posero le man sugli Evangeli:

e poi che di tacer fede si diero,

Ariodante incomincid primiero.

33. E disse per lo giusto e per lo dritto

come tra sé e Ginevra era la cosa;

ch 'ella gli aves giurato e a bocca e in scritto,

che mai non saria ad altri, ch 'a lui, sposa;e se dal re le venta contraditto,

gli promettea di sempre esser ritrosa

da tutti gli altri maritaggi poi,

e viver sola in tutti i giorni suoi:

34. e ch'esso era in speranza, pel valore

ch 'avea mostra to in arme a pit) d 'un segno,ed era per mostrare a laude, a onore,

a beneficio del re e del suo regno,

di crescer tanto in grazia al suo signore,

che sarebbe da lui stimato degno

che la figliuola sua per moglie avesse,

poi the piacer a lei cosi intendesse.

35. Poi disse: –A questo termine son io,

né credo gid ch'alcun mi venga appresso:

né cerco pit) di questo, né desiode 1'amor d'essa aver segno pit) espresso;

né pit) vorrei, se non quanto da Dioper connubio legitimo è concesso:

e saria invano it domandar pit) inanzi;

che di bontd so come ogn'altra avanzi. –

36. Poi ch 'ebbe it vero Ariodante espostode la mercé ch 'aspetta a sua fatica,Polinesso, che già s 'avea propostodi far Ginevra al suo amator nemica,

comincib: – Sei da me molto discosto,e vo ' che di tua bocca anco tu dica;

e del mio ben veduta la radice,

che confessi me solo esser felice.

32. Pronto estou a calar qualquer venturaQue possas revelar, a meu conselho;Guarda contigo, pois, sempre seguraA confissão a que ora me aparelho. –

De silenciar, ambos fizeram juraCom a mão sobre o livro do Evangelho;Dado ao pacto este selo verdadeiro,Ariodante falou, então, primeiro.

33. Nada quis que ficasse por ser dito,De tudo ao outro deu conhecimento:Genebra, por palavra e por escrito,Prometera aceitá-lo em casamento;

Se outro noivo del-rei fosse prescrito,Jurara-lhe negar consentimentoE recusar-se a qualquer outro enlace,Mesmo que à solidão se condenasse;

34. Disse mais Ariodante que o valorQue lhe dera nas armas tanta loaEsperava mostrar, sempre maior,Em proveito do reino e da coroa,Tornando-se ante el-rei merecedorDe desposar aquela que o afeiçoa.Confiava, pois, que el-rei lhe concedesseA mão da filha, se ela assim quisesse.

35. Disse também: – Cheguei, pois, a tal pontoQue rivais não receio nem conheço:Outras provas dispenso, pois já contoCom mil sinais de seu amor expresso.As legítimas bodas não afronto,O que Deus não permite não lhe peço:E baldado seria pedir mais,Pois sua virtude vence a das demais. –

36. Depois de haver Ariodante expostoO galardão que espera que consiga,Polinesso, que havia já propostoTornar Genebra a seu amante imiga,–Muito abaixo de mim (disse) estás postoE será tua boca que isto diga;Verás de meus favores a raiz

E a mim, somente, hás de chamar feliz.

37. Finge ella teco, né t ' ama né prezza;

che ti pasce di speme e di parole:

oltra questo, it tuo amor sempre a sciochezza,

quando meco ragiona, imputar suole.

lo ben d'esserle caro altra certezza

veduta n'ho, che di promesse e fole;

e tel dire, sotto la fé in secreto,

ben the farei piài it debito a star cheto.

38. Non passa mese, che tre, quattro e sei

e talor diece notti io non mi truovi

nudo abbracciato in quel piacer con lei,

ch'all'amoroso ardor par che si giovi:

si che tu puoi veder s'a' piacer miei

son d'aguagliar le dance the tu pruovi.Cedimi dun que e d'altro ti provedi,

poi che si inferior di me ti vedi. –

39. – Non ti vo ' creder questo (gli rispose

Ariodante), e certo so che menti;

e composto fra te t'hai queste cose,acrid che da l'impresa io mi spaventi:

ma perché a lei son troppo ingiuriose,

questo c'hai detto sostener convienti;

che non bugiardo sol, ma voglio ancora

che tu sei traditor mostrarti or ora. –

40. Soggiunse it doca: – Non sarebbe onesto

che not volessen la battaglia torre

di quel che t'offerisco manifesto,

quando ti piaccia, inanzi agli occhi porre. –

Resta smarrito Ariodante a questo,

e per l'ossa un tremor freddo gli scorre;

e se creduto ben gli averse a pieno,

venta sua vita allora allora meno.

41. Con cor trafitto e con pallida facda,

e con voce tremante e bocca amara

rispose: – Quando sia che tu mi facda

veder quest'aventura tua si rara,

prometto di costei lasciar la traccia,

a te sì liberale, a me si avara:

ma ch'io tel voglia creder non far stima,

s'io non lo veggio con questi occhi prima. –

37. Ela finge querer-te e te despreza;

Palavras e esperanças só te deu:Sempre me diz que tem por ligeirezaTua afeição, e a ti tem por sandeu.Não é patranha, é sólida certezaQue me faz ver que sou o amado seu.E embora melhor fosse ficar quieto,Não calarei o que há de ser secreto.

38. Digo que já não passa nenhum mêsSem que em seu próprio leito se renove,

Três noites, quatro, seis ou mesmo dez,O abraço de prazer que nos comove.

A conquista que fiz, agora vêsComo com tais favores se comprove:Desiste, pois: vai de outro amor em busca,Já que minha ventura assim te ofusca. –

39. Ariodante respondeu: –Não queroDar-te fé; sei que dizes só mentiras;Inventas estas coisas, insincero,Por ver se desta empresa tu me tiras.Mas Genebra ofendeste, e não toleroQue a desonres e infâmias tais profiras:Toma a espada, e farei ver sem demoraQue foste falso e traidor agora. –

O. Torna-lhe o duque: – Não seria honestoQue entre nós se travasse esta batalha,Quando posso fazer-te manifestoQue Genebra consigo me agasalha. –Muda-se então de Ariodante o gesto;Corre-lhe os ossos calafrio que o atalha:Se a fé com que isso ouvia fosse inteira,Veria ali sua hora derradeira.

41. Treme-lhe a voz, a boca amarga faz-se,Parte-se o peito, empalidece a cara,Ao responder: – Se podes, face a face,Fazer-me ver tua aventura rara,Prometo desistir de meu enlace,Que ela é a ti liberal e a mim avara;Mas que eu te preste fé ninguém suponhaSem que meus olhos em tal cena eu ponha. –

42. – Quando ne sarà it tempo, avisarotti, –

soggiunse Polinesso, e dipartisse.

Non credo che passar pin di due notti,ch'ordine fu che duca a me venisse.

Per scoccar dunque i lacci che condottiavea si cheti, andá al rivale, e disse

che s'ascondesse la notte seguente

tra quelle case ove non sta mai gente:

43. e dimostrogli un luogo a dirimpetto

di quel verrone ove solea salire.

Ariodante avea preso sospetto

che lo cercasse far quivi venire,

come in un luogo dove avesse eletto

di por gli aguati, e farvelo morire,

sotto questa finzion, che vuol mostrargli

quel di Ginevra, ch 'i mpossibil pargli.

44. Di volervi venir prece partio,

ma in guisa che di lui non sia men forte;

perché accadendo che fosse assalito,

si truovi sì, che non tema di morte.

Un suo fratello avea saggio ed ardito,it pin famoso in arme dela corte,

detto Lurcanio; e avea pin cor con esso,

che se died altri avesse avuto appresso.

45. Seco chiamollo, e volse che prendesse

l'arme; ela notte lo menò con lui:

non che `1 secreto suo già gli dicesse;

né 1'avria detto ad esso né ad altrui.

Da sé lontano un trar di pietra it messe:– Se mi senti chiamar, vien (disse) a nui;

ma se non senti, prima ch'io ti chiami,

non ti partir di qui, frate, se m ' ami. –

46. – Va pur, non dubitar, – disse it fratello:

e cosi venne Ariodante cheto,

e si alb nel solitario ostello

ch 'era d'incontro al mio verron secreto.

Vien d 'altra parte it fraudolente e fello,

the d'infamar Ginevra era si lieto;

e fa it segno, tra not solito inante,

a me the de l'inganno era ignorante.

42. – Quando for tempo, eu te darei aviso –Tornou-lhe Albano, dantes que partisse.Nem duas noites depois, a meu juízo,Ordens me deu de que o balcão lhe abrisse.O laço assim armou, quieto e preciso;Depois com seu rival foi ter e disseQue se pusesse à noite ocultamente

No casario onde não mora gente.

43. Ensinou-lhe um lugar que dá direito

Para o balcão por onde ia subir.Teve Ariodante o aviso por suspeito;Supôs que o outro assim quisesse urdir

Cilada, que tivesse por efeitoMatá-lo onde ninguém fosse acudir,Tudo a pretexto de tornar visívelO que em Genebra cuida que é impossível.

44. De ir esconder-se lá tomou partido,Mas sem expor-se, solitário, à morte,Pois se de seu rival fosse traídoA seu lado teria ajuda forte.Era irmão seu um jovem destemido,Nas armas o mais bravo desta corte:Lurcânio se chamava e mais valiaAo irmão que outros dez em companhia.

45. Ariodante pediu-lhe que viesseConsigo e que tomasse armas também,Inda que do segredo não dissesseNada a Lurcânio e nada a mais ninguém.Fez que de si o irmão se mantivesseA um só tiro de pedra e disse: – TemCuidado, mas daqui não saias (dá-me,Irmão, prova de amor) se eu não te chame.

46. – Vai em paz, que eu a ti não me dirijoSe não quiseres – disse o outro, e quietoBuscou Ariodante o esconderijoQue estava em frente do balcão secreto.Logo o falso chegou, com regozijo,

Para cumprir o pérfido projeto;Atendi, como sempre, ao seu sinal,

Sem saber que era cúmplice do mal.

47. Ed io con veste candida, efregiata

per mezzo a liste d'oro e d'ogn'intorno,

e con rate pur d'or, tutta adombrata

di bei fiocchi vermigli al capo intorno

(foi: ia the sol fu da Ginevra usata,

non d ' alcun 'altra), udito it segno, torno

sopra it verron, ch 'in modo era loca to,

che mi scopria dinanzi e d 'ogni lato.

48. Lurcanio in questo mezzo dubitando

the `I fratello a pericolo non vada,

o come è pur commun disio, cercando

di spiar sempre cià che ad altri accada;Pere; pian pian venuto seguitando,

tenendo 1'ombre e la piü oscura strada:

e a men di died passi a lui discosto,

nel medesimo ostel s 'era riposto.

49. Non sappiendo io di questo cosa alcuna,

venni al verron ne l ' abito c'ho deito,

si come già venuta era piú d 'una

e pies di due fiate a buono effetto.

Le veste si vedean chiare alia Luna;

né dissimile essendo anch'io d'aspetto

né di persona da Ginevra molto,

fece parere un per un altro it volto:

50. e tanto pies, ch'era gran spazio in mezzo

fra dove io venni a quelle inculte case

ai dui fratelli, che stavano al rezzo,

it duca agevolmente persuase

quel ch'era falso. Or pensa in the ribrezzo

Ariodante, in che dolor rimase.

Vien Polinesso, e alia scala s 'appoggia

the giú manda' gli, e monta in su la loggia.

51. A prima giunta io gli getto le braccia

al collo, ch'io non penso esser veduta;

lo bacio in bocca e per tutta la faccia,

come far soglio ad ogni sua venuta.

Eglipin de 1 'usato si procaccia

d'accarezzarmi, e la sua fraude aiuta.

Quell'altro al rio spettacolo condutto,

misero sta lontano, e vede it tutto.

47. A ostentar veste cândida, bordadaDe ouro na fimbria que lhe corre em torno,

Fios d'ouro em rede, e rubralaçaradaQue fazem à cabeça belo adorno

(E só Genebra vinha assim toucada),Ouço o sinal de sempre. Então retornoAo balcão, de tal modo edificadoQue me expunha à visão, por qualquer lado.

48. Entretanto, Lurcânio, receandoQue ao irmão fazer mal alguém pretenda,Ou (que évezo de muitos) espreitandoOs casos em que a vida alheia entenda,Devagarinho o vai acompanhandoPor entre as sombras de uma escura senda:Detrás do irmão, na mesma casa, pára;Bem pouco, nem dez passos, os separa.

49. Eu, que nada podia suspeitar,E, já disse, vestindo-me a preceito,Outra vez ao balcão fui assomar,Como antes tantas vezes fora feito.Brilhavam minhas roupas ao luarE faziam-me ter o mesmo aspeitoDe Genebra, da qual minha pessoaNa estatura e no talhe não destoa.

50. E como largo espaço se estendiaDo alto do balcão até a cabanaOnde os irmãos ficaram de vigia,O duque facilmente ambos engana.Imagina, senhor, em que agoniaFica Ariodante, em que aflição insana:Agarrando-se à escada quelhe desço

Ao balcão vai subindo Polinesso.

51. Pressurosa, eu o acolho entre meus braços,Crendo que o lugar ermo nos escuda,Dou-lhe beijos na boca e mil abraços,

Como sempre o recebo, nada muda.Mas ele, por melhor armar os laços,Mais que nunca os afagos seus estuda.Ariodante, da vil farsa embaido,De longe a tudo assiste, estarrecido.

Oitava 51

52. Cade in tanto dolor, che si dispone

allora allora di voler morire:e it pome dela spada in terra pone,

che su la ponta si volea ferire.

Lurcanio che con grande ammirazioneavea veduto it duca a me salire,

ma non gid conosciuto chi si fosse,

scorgendo l 'atto del fratel, si mosse;

53. egli vietd che con la prop ria mano

non si passasse in quel furore it petto.

S'era piei tardo o poco piú lontano,

non giugnea a tempo, e non faceva effetto.

–Ah misero fratel, fratello insano

(gridd), perc'hai perduto 1'intelletto,

ch'una femina a morte trar ti debbia?

ch'ir possan tutte come al vento nebbia!

54. Cerca far morir lei, che morir merta,

e serva a pii tuo o por tu la tua morte.

Fu d'amar lei, quando non t 'era aperta

la fraude sua: or è da odiar ben forte,

poi che con gli occhi tuoi tu vedi certa,

quanto sia meretrice, e di che sorte.

Serbi quest'arme che volti in te stesso,

a far dinanzi al re tal fallo espresso. –

55. Quando si vede Ariodante giunto

sopra it fratel, la dura impresa lascia;

ma la sua intenzion da quel ch'assunto

avea gid di morir, poco s'accascia.

Quindi si leva, e porta non the punto,

ma trapassato it cor d'estrema ambascia;

pur finge col fratel, che quel furore

non abbia pia, che dianzi avea nel core.

56. II seguente matin, senza far motto

al suo fratello o ad altri, in via si messe

da la mortal disperazion condotto;

né di lui per piú dì fu chi sap esse.

Fuor che `l duca e it fratello, ogn'altro indotto

era chi mosso al dipartir l'avesse.

Ne la casa del re di lui diversi

ragionamenti e in tutta Scozia fersi.

52. Cai em tamanha dor, que se dispõe

Da vida, sem demora, a desistir;

E já o punho da espada em terra põe,

Que aponta ao coração lhe há de ferir.

Mas Lurcânio, que ainda não supõe

Seja o duque o que viu a mim subir,

Aovislumbrar o gesto de Ariodante

Não deixa de acudir, no mesmo instante;

53. E lhe embargou, com sua própria mão,

Dilacerar, enlouquecido, o peito;

A rápida e certeira intervençãoImpediu, mas por pouco, o triste efeito.

Gritou Lurcânio: –Ah, tresloucado irmão!

Meu pobre irmão! Por ti não tens respeito?Não dêsa vida por mulher nenhuma:

Que as leve ovento, como leva abruma!

54. Faze da vida outra e mais nobre oferta;

Há de morrer quem te levava à morte!

A teu amorela fingiu-se aberta:

Mostra-lhe, pois, teu ódio, como é forte!

Viste co' os olhos teus a prova certa

De que ela é meretriz, da pior sorte.Não te mates: a espada agora deixa;

Mas vai fazer ael-rei a tua queixa. –

55. Sendo atalhado pela entrada pronta

Do irmão, deixaAriodante a empresa dura,

Mas não quer vida, após tamanha afronta,

E a decisão de se matar perdura.Ergue-se, malferido pelapontaDe outra espada, que o passa, a da amargura.

Ante o irmão, porém, finge que o furor

Que o dominou consente em já depor.

56. No dia seguinte, sem dizerpalavraA Lurcânio e a ninguém, desaparece:Seu guia é o desespero, que o escalavra.Somente o duque (além do irmão) conhece

O mal oculto que em seu peito lavra;Ninguem sabe onde está, que lhe acontece.

Decaso tão estranho eram já vários,

No paço e em toda a Escócia, os comentários.

57. In capo d'otto o di piìt giorni in corte

venne inanzi a Ginevra un viandante,

e novelle arrecà di mala sorte:

che s'era in mar summerso Ariodante

di volontaria sua libera morte,

non per colpa di borea o di levante.D 'un sasso che sul mar sporgea molt 'alto

avea col capo in giú preso un gran salto.

58. Colui dicea: – Pria che venisse a questo,

a me che a caso riscontra per via,

disse: – Vien meco, accià che manifesto

per te a Ginevra it mio successo sia;

e dille poi, che la cagion del resto

che tu vedrai di me, ch'or ora fia,

è stato sol perc'ho troppo veduto:

felice, se senza occhi io fussi suto! –

59. Eramo a caso sopra Capobasso,

che verso Irlanda alquanto sporge in mare.

Cosi dicendo, di cima d ' un sasso

lo vidi a capo in giii sott'acqua andare.

Io lo lasciai nel mare, ed a gran passo

ti son venuto la nuova a portare. —

Ginevra, sbigottita e in viso smorta,

rimase a quello annunzio mezza morta.

60. Oh Dio, che disse e fece, poi che sola

si ritrova nel suo fidato letto!

percosse it seno, e si straccià la stola,

efece all 'aureo crin danno e dispetto;

ripetendo sovente la parola

ch'Ariodante avea in estremo detto:

che la cagion del suo caso empio e tristo

tutta venta per aver troppo visto.

61. 17 rumor scorse di costui per tutto,

che per dolor s'avea dato la morte.

Di questo it re non tenne it viso asciutto,

né cavallier né donna de la corte.

Di tutti it suo fratel mostra piú lotto;

e si sommerse nel dolor si forte,

ch 'ad esempio di lui, contra se stesso

volt() quasi la man per irgli appresso.

57. Depois de oito ou mais dias, chega à corte,Em busca de Genebra, um viandante,Más notícias lhe traz, e desta sorte:Que ao mar havia caído Ariodante,Por entregar-se livremente à morte,Não de Bóreas por força, ou de Levante.De um alcantil, à beira-mar, mui alto,Havia dado, de cabeça, um salto.

58. Acrescentou o viajor: – AtestoQue o topei, de caminho, por acaso;"Vem comigo", pediu-me, "e manifestoFaze tudo a Genebra, sem atraso;Dize-lhe ainda que a razão do restoQue me verás obrar neste meu casoFoi haver eu demasiado visto;Quem me dera ser cego e não ver isto!"

59. Ficava perto o Cabo do Baixio,Que para Irlanda avança pelo mar;Assim falou, e do alto penedioAs ondas, de cabeça, o vi saltar.Pus-me a correr, então, e sem desvioAo paço estas notícias venho dar. –Tanto a Genebra o anúncio desconfortaQue a deixa transtornada e quase morta.

60. Deus sabe o que ela fez, ao se ver sóNa alcova, no segredo de seu leito!Bateu no peito, fez das vestes pó,Desgrenhou os cabelos, com despeito.Mil vezes repetiu, cheia de dó,O que Ariodante havia dito e feito:Que ele já não queria viver mais,Depois de ter chegado a ver demais.

61. Não havia no reino um só redutoOnde se não falasse de tal morte.Ninguém logrou manter o rosto enxuto:

El-rei, fidalgo ou dama desta corte,Mas de Lurcânio foi mais fundo o luto;Abatido se viu por dor tão forteQue chegou a pensar, tal qual o irmão,Em se matar por sua própria mão.

62. E molte volte ripetendo seco,

the fu Ginevra che `l fratel gli estinse,

e che non fu se non quell'atto biecoche di lei vide, ch 'a morir lo spinse;

di voler vendicarsene si deco

venne, e si 1'ira e si il dolor lo vinse,che di perder la grazia vilipese,

ed aver 1'odio del re e del paese.

63. E inanzi al re, quando era pite di gente

la sala piena, se ne venne, e disse:

– Sappi, signor, che di levar la mente

al mio fratel, si ch'a morir ne gisse,

stata è la figlia tua sola nocente;

ch 'a lui tanto dolor 1'alma trafisse

d 'aver veduta lei poco pudica,

che pite che vita ebbe la morte amica.

64. Erane amante, e perché le sue voglie

desoneste non fur, nol vo 'coprire:

per virtìe meritarla aver per moglie

da te sperava e per fedel servire;

ma mentre il lasso ad odorar le foglie

stava lontano, altrui vide salire,salir su l'arbor riserbato, e tutto

essergli tolto it disiato frutto. –

65. E seguità, come egli avea veduto

venir Ginevra sul verrone, e come

mandd la scala, onde era a lei venutoun drudo suo, di chi egli non sa it nome,

che s'avea, per non esser conosduto,

cambiati i panni e nascose le chiome.Soggiunse che con 1 ' arme egli volea

provar tutto esser ver ciao che dicea.

66. Tu puoi pensar se `1 padre addolorato

riman, quando accusar sente la figlia;

si perché ode di lei quel the pensato

mai non avrebbe, e n'ha gran maraviglia;

si perché sa the fia necessitato

(se la difesa alcun guerrier non piglia,

it qual Lurcanio possa far mentire)

di condannarla e di faria morire.

62. Vai repetindo muita vez consigoQue a assassina do irmão fora Genebra(Ele morrera ao ver o gesto imigo,Ao descobrir da fé prestada a quebra);S6 deseja, sedento, seu castigo,Que a cólera o faz cego e a dor o alquebra;E a graça que ante el-rei e o povo temPerderá, por vingar-se, com desdém.

63. Quando mais cheio o paço está de gente,

Foi mostrar-se ante el-rei e isto lhe disse:– Sabei, senhor, que quem deixou dementeA meu irmão, quem fez que preferisseA morte, foi tua filha, unicamente.Forçoso foi que o peito lhe partisseVer que Genebra do recato abdica:Quis morrer porque a viu pouco pudica.

64. Dela se enamorara com honrosaIntenção, que jamais quis encobrir;Merece-la esperava por esposaPela virtude e por vos bem servir;Mas, enquanto esperanças antegoza,O infeliz vê que alguém logra possuir,No vergel intocável e imp oluto,Da mais bela das árvores o fruto. –

65. Disse Lurcânio mais que também viraGenebra na varanda, debruçada,Convidar seu amante a que subira,E atirar-lhe, solicita, uma escada.Não viu, contudo, ao homem, que encobriraO rosto, e tinha roupa desusada.Afirmou, afinal, que provariaCom armas tudo aquilo que dizia.

66. Julga por ti, senhor, se consternadoEstava o pai da incriminada filha:Por ouvir o que nunca havia pensado,O que lhe causa dor e maravilha,E por saber que ficará obrigado(Se da denúncia não a desvencilhaGuerreiro que a Lurcânio se opuser)

A deixar que a condenem a morrer.

62. E molte volte ripetendo seco,

the fu Ginevra che `l fratel gli estinse,

e che non fu se non quell'atto biecoche di lei vide, ch 'a morir lo spinse;

di voler vendicarsene si deco

venne, e si 1'ira e si it dolor lo vinse,che di perder la grazia vilipese,

ed aver 1'odio del re e del paese.

63. E inanzi al re, quando era pite di gente

la sala piena, se ne venne, e disse:

– Sappi, signor, che di levar la mente

al mio fratel, si ch'a morir ne gisse,

stata è la figlia tua sola nocente;

ch 'a lui tanto dolor Palma trafisse

d 'aver veduta lei poco pudica,

che pite che vita ebbe la morte amica.

64. Erane amante, e perché le sue voglie

desoneste non fur, nol vo 'coprire:

per virtìe meritarla aver per moglie

da te sperava e per fedel servire;

ma mentre it lasso ad odorar le foglie

stava lontano, altrui vide salire,salir su l'arbor riserbato, e tutto

essergli tolto it disiato frutto. –

65. E seguitd, come egli avea veduto

venir Ginevra sul verrone, e come

mandd la scala, onde era a lei venutoun drudo suo, di chi egli non sa it nome,

che s'avea, per non esser conosciuto,

cambiati i panni e nascose le chiome.Soggiunse che con 1 'arme egli volea

provar tutto esser ver cid che dicea.

66. Tu puoi pensar se `I padre addolorato

riman, quando accusar sente la figlia;

si perché ode di lei quel the pensato

mai non avrebbe, e n'ha gran maraviglia;

si perché sa the fia necessitato

(se la difesa alcun guerrier non pglia,

it qual Lurcanio possa far mentire)

di condannarla e di faria morire.

62. Vai repetindo muita vez consigoQue a assassina do irmão fora Genebra(Ele morrera ao ver o gesto imigo,Ao descobrir da fé prestada a quebra);Só deseja, sedento, seu castigo,Que a cólera o faz cego e a dor o alquebra;E a graça que ante el-rei e o povo temPerderá, por vingar-se, com desdém.

63. Quando mais cheio o paço está de gente,

Foi mostrar-se ante el-rei e isto lhe disse:– Sabei, senhor, que quem deixou dementeA meu irmão, quem fez que preferisseA morte, foi tua filha, unicamente.Forçoso foi que o peito lhe partisseVer que Genebra do recato abdica:Quis morrer porque a viu pouco pudica.

64. Dela se enamorara com honrosaIntenção, que jamais quis encobrir;Merecé-la esperava por esposaPela virtude e por vos bem servir;Mas, enquanto esperanças antegoza,O infeliz v@ que alguém logra possuir,No vergel intocável e imp oluto,Da mais bela das árvores o fruto. –

65. Disse Lurcânio mais que também viraGenebra na varanda, debruçada,Convidar seu amante a que subira,E atirar-lhe, solicita, uma escada.Não viu, contudo, ao homem, que encobriraO rosto, e tinha roupa desusada.Afirmou, afinal, que provariaCom armas tudo aquilo que dizia.

66. Julga por ti, senhor, se consternadoEstava o pai da incriminada filha:Por ouvir o que nunca havia pensado,O que lhe causa dor e maravilha,E por saber que ficará obrigado(Se da denúncia não a desvencilhaGuerreiro que a Lurcânio se opuser)

A deixar que a condenem a morrer.

67. lo non credo, signor, che ti sia nuova

la legge nostra che condanna a morte

ogni donna e donzella, che si pruova

di sé far copia altrui ch 'al suo consorte.

Morta ne vien, s 'in un mese non truova

in sua difesa un cavallier si forte,

che contra it falso accusator sostegna

che sia innocente e di morire indegna.

68. Ha fatto it re bandir, per liberaria

(che pur gli par ch'a torto sia accusata),che vuol per moglie e con gran dote daria

a chi torra 1 'infamia che 1'è data.

Chi per lei comparisca non si parla

guerriero ancora, anzi Pun 1 'altro guata;

che quel Lurcanio in arme è cosi Piero,

che par che di lui tema ogni guerriero.

69. Atteso ha 1'empia sorte, che Zerbino,

fratel di lei, nel regno non si truove;

che va gid molti mesi peregrino,

mostrando di sé in arme indite pruove:

che quando si trovasse pia vicino

quel cavallier gagliardo, o in luogo dove

potesse avere a tempo la novella,

non mancheria d ' aiuto alia sorella.

70. 11 re, ch'intanto cerca di sapere

per altra pruova, che per arme, ancora,

se sono queste accuse o false o vere,

se dritto o torto è che sua figlia mora;

ha fatto prender certe cameriere

che lo dovrian saper, se vero fôra:

ond 'io previdi, che se presa era io,

troppo periglio era del duca e mio.

71. E la notte medesima mi trassi

fuor de la corte, e al duca mi condussi;

e gli feri veder quanto importasse

al capo d'amendua, se presa io fussi.

Lodommi, e disse ch 'io non dubitassi:

a'suoi conforti poi venir m'indussi

ad una sua fortezza ch'è qui presso,

in compagnia di dui che mi diede esso.

67. Cuido, senhor, não te haja de ser novaNossa lei, que declara ré de morteDama ou donzela que abra sua alcovaA um homem que não seja seu consorte:Morre a mulher num mês, se faltar provaFeita por armas de guerreiro forte,De que o acusador é falso e mente,E de que é malsinada uma inocente.

68. Fez el-rei proclamar, para livrá-la,

(Pois inda crê que ela não é culpada),Que há de, com rico dote, desposá-laO guerreiro que a prove caluniada.Mas de lutar por ela nenhum fala;Só se entreolham e não dizem nada:Por ser o mais valente dos guerreiros,Descorçoa Lurcânio os cavaleiros.

69. Cruel mostrou-se a sorte, pois Zerbino,

Irmão da dama, fora desta terraAnda há meses e mostra, peregrino,Inclitas provas de valor na guerra.Se pudesse ter novas do destinoDa irmã, nas longes partes por onde erra,Sem dúvida teria a espada prontaPara ajudá-la a se vingar da afronta.

70. Mas por provas procura el-rei saber,E não só pela espada vingadora,Se deve a acusação prevalecer,Se a filha é de morrer merecedora.As criadas, portanto, faz deter,Que sabem dos segredos da senhora.De ser detida, o risco me ocorreu,Risco do duque, tanto quanto meu.

71.0 temor avisou-me que buscasseNa mesma noite o duque, por guarida.Minha prisão, lembrei, talvez custasseTanto a mim quanto a ele a própria vida.Disse o duque, a louvar-me, que eu ficasse,Sem medo, em suas terras escondidaE deixou-me, aqui perto, em seu fortim,

Com dois homens de guarda junto a mim.

72. Hai sentito, signor, con quanti effetti

de 1'amor mio fei Polinesso certo;

e s'era debitor per tai rispetti

d 'avermi cara o no, tu `l vedi aperto.

Or senti ii guidardon che io ricevetti,vedi la gran mercé del mio gran merto;

vedi se deve, per amare assai,

donna sperar d ' essere amata mai:

73. che questo ingrato, perfido e crudele,

de la mia fede ha preso dubbio al fine:

venuto è in sospizion ch 'io non rivele

al lungo andar le fraudi sue volpine.

Ha finto, accib che m'allontane e ceie

fin che fira e it furor del re decline,

voler mandarmi ad un suo luogo forte;

e mi volea mandar dritto alia morte:

74. che di secreto ha commesso alia guida,

che come m'abbia in queste selve tratta,

per degno premio di mia fé m 'uccida.

Cosi 1'intenzion gli venta fatta,

se tu non eri appresso alie mia grida.

Ve' come Amor ben chi lui segue, trattal –

Cosi narra Dalinda al paladino

seguendo tuttavolta it for camino.

75. A cuifu sopra ogn'aventura, grata

questa, d'aver trovata la donzella

che gli avea tutta 1 'istoria narrata

de l'innocenza di Ginevra bella.

E se sperato avea, quando accusata

ancor fosse a ragion, d'aiutar quella,

via con maggior baldanza or viene in prova,

poi che evidente la calunnia truova.

76. E verso la cittd di Santo Andrea,

dove era it re con tutta la famiglia,

e la battaglia singular dovea

esser de la querela de la figlia,

andá Rinaldo quanto andar potea,

fin che vicino giunse a poche miglia;

alia cittd vicino giunse, dove

trova un scudier ch'avea piu fresche nuove:

72. Vê, senhor, se mostrei sempre meu peitoA Polinesso lealmente aberto.Vê se eu lhe merecia amor, respeitoPor meu amor constante, firme e certo.Mas ouve o que ele, em paga de tal preito,Guardava nas entranhas encoberto;Dize se em troca de seu bem- quererHá esperança de amor para a mulher.

73. Pois esse ingrato, pérfido e cruel,A duvidar de minha fé se inclina:A seu mando suspeita-me revel,

Teme que o acuse da ficção vulpina.Por tirar-me da corte, enquanto o felDo real peito irado não declina,Finge guardar-me numa praça-forteMas quer levar-me ocultamente à morte:

74. Ordenou, para isso, aos dois vigias

Que presa me trouxessem a esta mata,E nela dessem cabo de meus dias(Tais mercês faz o duque a quem o acata).Não morri, pois gritei e tu acorrias:Vê como o Amor a seus devotos trata! –Ao cavaleiro assim falou Dalinda,A percorrerem o caminho ainda.

75. Ao cavaleiro sobremodo agradaTer ouvido da boca da donzelaA narração, que deixa comprovadaToda a inocência de Genebra, a bela.Antes já de saber se era culpada,Ele se dispusera a defendê-la;Mas descobrir da vil calúnia a provaFaz que mais animoso ele se mova.

76. Para a cidade, pois, de Santo André,Onde estavam el-rei e sua filhaE onde batalha singular prevê,Rinaldo a toda a pressa segue a trilha;E eis que na estrada a um escudeiro vê

( Quando faltava pouco mais de milhaPor chegar da cidade à cercania)

Que notícias recentes lhe trazia:

Oitava 74

77. ch'un cavallier istrano era venuto,

ch 'a difender Ginevra s'avea tolto,

con non usate insegne, e sconosciuto,

per() che sempre ascoso andava molto;

e che dopo che v'era, ancor veduto

non gli aves alcuno al discoperto it volto;

e che prop rio scudier che gli servia,

dicea giurando: —lo non so dir chi sia. —

77. Havia um cavaleiro já dispostoA defender Genebra. Era estrangeiro;Encoberto trazia sempre o rosto,Tinha estranhas divisas de guerreiro.Dês que chegara, não se havia expostoAos olhos de ninguém, nem do escudeiro,Que dizia, prestando juramento:

— Dele não tenho, não, conhecimento. —

78. Non cavalcaro molto, ch 'alle mura

si trovar de la terra e in su la porta.

Dalinda andar pia inanzi avea paura;

pur va, poi che Rinaldo la conforta.

La porta è chiusa, ed a chi n'avea cura

Rinaldo domandà: – Quest() ch 'i mporta?

E fugli detto: perché `I popol tutto

a veder la battaglia era ridutto,

79. che tra Lurcanio e un cavallier istrano

si fa ne l'altro capo de la terra,

ove era un prato spazioso e piano;

e che gid cominciata hanno la guerra.

Aperto fu al signor di Montealbano,

e tosto it portinar dietro gli serra.

Per la vota cittd Rinaldo passa;

ma la donzella al primo albergo lassa:

80. e dice che sicura ivi si stia

fin che ritorni a lei, che sara tosto;

e verso it campo poi ratto s'invia,dove li dui guerrier dato e risposto

molto s 'aveano, e davan tuttavia.

Stava Lurcanio di mal cor disposto

contra Ginevra; e l 'altro in sua difesa

ben sostenea la favorita impresa.

81. Sei cavallier con for ne lo steccato

erano a piedi, arma ti di corazza,

col duca d 'Albania, ch'era montato

s'un possente corsier di buona razza.

Come a gran contestabile, a lui dato

la guardia fu del campo e de la piazza:

e di veder Ginevra in gran periglio

avea it cor lieto, ed orgoglioso it ciglio.

82. Rinaldo se ne va tra gente e gente;

fassi far largo it buon destrier Baiardo:

chi la temp esta del suo venir sente,

a dargli via non par zoppo né tardo.

Rinaldo vi compar sopra eminente,

e ben rassembra it flor d 'ogni gagliardo;

poi si ferma all'incontro ove it re siede:

ognun s'accosta per udir che chiede.

78. Chegam logo à cidade e sua muralha;Dalinda teme entrar: Rinaldo a exortaMas, ao ver que o portão, fechado, atalhaA passagem, que tanto lhes importa,Indaga ao zelador que ali trabalha:

– Por que motivo está fechada a porta? -- Porque a assistir à luta o povo inteiroSe juntou (disse o guarda) no terreiro

79. Formado por um prado, vasto e chão,Que fica em outra banda desta terra;Lá, o cavaleiro estranho contra o irmãoDe Ariodante se mede e trava guerra. –Isto dito, ao senhor de MontalvãoO vigia abre a porta, e logo a cerra.Rinaldo vai pela cidade queda,Mas no primeiro albergue à dama hospeda;

80. Diz-lhe que logo há de o rever; que estejaSegura no lugar em que a tem posta,E vai ligeiro ao campo da peleja,Onde com golpes um ao outro arrosta,Sem que nenhum prevalecer se veja.Tem Lurcânio a vontade maldispostaContra Genebra, e sai pela princesaO contendor, valente na defesa.

81. Seis cavaleiros, junto da estacada,Ficam a pé, armados de couraça,Mas serve ao duque Albano de montadaUm garboso corcel de boa raça.Como a grão condestável lhe foi dadaA vigilância sobre aquela praça;Vê, com risonho peito e gesto altivo,Genebra em lance lúgubre e aflitivo.

82. Passa Rinaldo em meio a tanta gente,Que o leva adiante o bom corcel Baiardo;Quem seu tropel tempestuoso senteNão se lhe mostra em abrir alas tardo.

Sobre o corcel, Rinaldo, preeminente,Bem faz ver que é o guerreiro mais galhardo,E vai deter-se ante o real assento.Cala-se o povo, a ouvir-lhe a voz atento.

83. Rinaldo disse al re: – Magno signore,

non lasciar la battaglia piei seguire;

perché di questi dua qualunche more,sappi ch 'a torto tu lasci morire.

L'un crede aver ragione, ed è in errore,

e dice it falso, e non sa di mentire;ma quel medesmo error che suo germano

a morir trasse, a luipon 1 'arme in mano.

84. L' altro non sa se s'abbia dritto o torto;

ma sol per gentilezza e per bontade

in pericol si è posto d'esser morto,

per non lasciar morir tanta beltade.

Io la salute all'innocenza porto;porto it contrario a chi usa falsitade.

Ma, per Dio, questa pugna prima parti,

poi mi da audienza a quel ch'io vo ' narrarti. –

85. Fu da l'autorita d 'un uom si degno,

come Rinaldo gliparea al sembiante,

si mosso it re, che disse e fece segno

che non andasse pia la pugna inante;

al quale insieme ed ai baron del regno

e ai cavallieri e all'altre turbe tan te

Rinaldo fe ' l 'inganno tutto espresso,

ch'avea ordito a Ginevra Polinesso.

86. Indi s'offerse di volerprovare

coll'arme, ch 'era ver quel ch 'avea detto.

Chiamasi Polinesso; ed ei compare,

ma tutto conturbato ne l'aspetto:

pur con audacia cominciò a negare.

Disse Rinaldo: – Or not vedrem 1 ' effetto. –

L' uno e Laltro era armato, it campo fatto,

si che senta indugiar vengono al falto.

87. Oh quanto ha it re, quanto ha it suo popul caro

che Ginevra aprovar s'abbi innocente!

tutti han speranza che Dio mostri chiaro

ch'impudica era detta ingiustamente.

Crudel superbo e riputato avaro

fu Polinesso, iniquo e fraudolente;

si che ad alcun miracolo non fia

the 1' inganno da lui tramato sia.

83. Rinaldo diz a el-rei: –Alto senhor,

Não deixeis a batalha prosseguir,Porque a qualquer dos dois que morto forA morte injustamente há de punir.

Crê um deles ter razão, e está em error,Sustenta o falso, sem querer mentir;O engano que matou a seu irmãoAgora o faz das armas lançar mão.

84. Se é fundado em direito o desagravo

Não sabe o defensor; é por bondadeQue enfrenta o risco, generoso e bravo,E por salvar a vida a tal beldade.Desfazer venho da inocência o agravoE punir quem usou de falsidade;Mas, por Deus, ordenai que cesse a lutaE ao que hei de revelar-vos dai escuta. –

85. Tinha Rinaldo autoridade tal,Tão grave se mostrava no semblante,Que el-rei, compenetrado, fez sinalDe que o combate não seguisse adiante.Logo a el-rei, aos guerreiros, ao realSéquito, e à imensa turba circunstante,Tornou Rinaldo o maleflcio expressoQue a Genebra causara Polinesso.

86. E dispôs-se ali mesmo a comprovarCom armas o que havia asseverado.Chama-se Polinesso, que, ao chegar,Mostra aspeito confuso e conturbado;Ainda assim, protervo, quer negar,Mas diz Rinaldo: – Fale o braço armado! –Estando um e outro pronto, e o campo feito,Sem demora o desforço teve efeito.

87. Oh, como alegra ao povo e a el-rei o amparoDe quem Genebra tem por inocente!Todos esperam que Deus mostre claroQue ela foi acusada injustamente.Todos têm Polinesso por avaro,Cruel, iníquo, falso e prepotente;Concordam todos que é mister milagre

Para que ele delitos não deflagre.

88. Sta Polinesso con la faccia mesta,

col cor tremante e con pallida guancia;

e al terzo suon mette la lancia in resta.

Cosi Rinaldo inverso lui si lancia,

che disioso di finir la festa,mira a passargli ii peito con la lancia:

né discorde al disir segui l 'effetto;

ché mezza fasta gli caccib nel petto.

89. Fisso nel tronco lo trasporta in terra,

lontan dal suo destrier piìi di sei braccia.

Rinaldo smonta subito, e gli afferra

1'elmo, pria che si levi, e gli lo slaccia:

ma quel, che non pub farpit:i

guerra,

gli domanda mercé con umil faccia,

e gli confessa, udendo it re e la corte,

la fraude sua che 1'ha condutto a morte.

90. Non fini ii tutto, e in mezzo la parola

e la voce e la vita 1 'abandona.

Il re, che liberata la figliuola

vede da morte e da fama non buona,

pid s'allegra, gioisce e raconsola,

che, s'avendo perduta la corona,

ripor se la vedesse allora allora;

si che Rinaldo unicamente onora.

91. E poi ch 'al trar dell ' elmo conosciuto

1'ebbe, perch 'altre volte 1'avea visto,

level le mani a Dio, che d 'un aiuto

come era quel, gli avea si ben provisto.

Quell 'altro cavallier che, sconosciuto,

soccorso avea Ginevra al caso tristo,

ed armato per lei s'era condutto,

stato da parte era a vedere it tutto.

92. Dal re pregato fu di dire it nome,

o di lasciarsi almen veder scoperto,

accià da lui fosse premiato, comedi sua buona intenzion chiedeva it merto.

Quel, dopo lunghi preghi, dale chiome

si level 1'elmo, efe' palese e certo

quel che ne l'altro canto ho da seguire,

se grata vi scud 1 'istoria udire.

88. Tem Polinesso a catadura triste,O tremor lhe revela a insegurança;Três toques ouve e põe a lança em riste;Rinaldo contra o outro então se lançaE por vencê-lo prontamente, insisteEm traspassar-lhe o peito com a lança.Bem-sucedida lhe saiu a traça:Que o ferro logo ao duque o peito passa.

89. 0 duque, preso à lança, cai por terra,

Mais de seis braças longe do cavalo;Rinaldo então desmonta e lhe descerraO elmo e se dá pressa em desarmá-lo.Mas ele, já sem forças para a guerra,Suplica ao outro a graça de poupá-loE confessa, perante toda a corte,A aleivosia que o levou à morte.

90. Mal pode terminar, que a voz, co' o alento

E com a vida, rápida se escoa.Ao ver a filha livre do tormento,Restituída à fama honrada e boa,Toma-se el-rei de mais contentamentoQue se, estando privado da coroa,A recobrasse ali, naquela hora,E a Rinaldo somente comemora.

91. Depois de tê-Io enfim reconhecidoAo tirar do elmo (que antes o já vira),Ergueu as mãos a Deus, agradecido,Pela ajuda que assim lhe conferira.Mas o outro paladim desconhecidoQue a Genebra, solícito, assistira,Por defendê-la pondo-se na arena,Ficou de longe a contemplar a cena.

92. Seu nome quer el-rei que se conheçaOu que ele se apresente descobertoPor se lhe dar o prêmio que mereçaSua boa-vontade em tal aperto.Do elmo descobriu ele a cabeça,Sendo muito rogado, e tornou certoO que no canto que se vai seguir

Direi, se for de vosso agrado ouvir.

Oitava 90

CANTO VI

Conclusão da história de Genebra – Rogério viaja no hipogrifo e chega a uma ilhamisteriosa – O cavaleiro Astolfo, transformado em mirto, avisa-o das ciladas da maga

Alcina – Rogério atacado pelos monstros

1. Miser chi mal oprando si confida

ch'ognor star debbia it malefício occulto;

the quando ogn'altro taccia, intorno grida

l 'aria e la terra istessa in ch'è sepulto:

e Dio fa spesso che `l peccato guida

it peccator, poi ch'alcun dì gli ha indulto,

che sé medesmo, Benza altrui richiesta,

innavedutamente manifesta.

2. Avea creduto it miser Polinesso

totalmente it delitto suo coprire,

Dalinda consapevole d 'appresso

levandosi, che sola it potes dire:

e aggiungendo it secondo al primo eccesso,

affrettàjrrettà it mal the potea diferire,

e potea differire e schivar forse;

ma se stesso spronando, a morir corse:

1. Ai de quem faz o mal, quando acreditaQue o malefício há de ficar oculto;Se tudo o mais calar, o vento grita,Grita o chão que encobriu o alheio insulto;Nem raro é suceder que Deus permitaQue o crime acuse ao criminoso estulto:Descuida-se o culpado e assim confessaA culpa toda, sem que alguém lho peça.

2. Quisera o desgraçado PolinessoDo delito os indícios encobrirE a Dalinda, ora tida por empeço( Que ela a tudo assistira), destruir.Mas, juntando ao primeiro novo excesso,O mal precipitou que o fez cair;Precipitou o mal a que talvezFugir pudesse e que morrer o fez,

3. e perdé amid a un tempo e vita e stato,

e onor, the fu molto pies grave danno.

Dissi di sopra, che fu assai prega toit cavallier, ch'ancor chi sia non sanno.

Al fin si trasse 1'elmo, e viso amato

scoperse, the pies volte veduto hanno:e dimostrà come era Ariodante,

per tutta Scozia lacrimato inante;

4. Ariodante, che Ginevra pianto

avea per morto, e fratel pianto avea,

it re, la corte, it popul tutto quanto:di tal bontd, di tal valor splendea.

Adunque it peregrin mentir di quanto

dianzi di lui narro, quivi apparea;

e fu pur ver che dal sasso marino

gittarsi in mar lo vide a capo chino.

5. Ma (come aviene a un disperato spesso,

che da lontan brama e disia la morte,

e Podia poi che se la vede appresso,

tanto gli pare it passo acerbo e forte)

Ariodante, poi ch'in mar fu messo,

si pentì di morire: e come forte

e come destro e pies d ' ogn'altro ardito,

si messe a nuoto e ritornossi al lito;

6. e dispregiando e nominando folie

it desir ch'ebbe di lasdar la vita,

si messe a caminar bagnato e molle,

e capitel all 'ostel d ' un eremita.

Quivi secretamente indugiar voile

tanto, che la novella avesse udita,

se del caso Ginevra s 'allegrasse,

o pur mesta e pietosa ne restasse.

7. In tese prima, che per gran dobre

ella era stata a rischio di morire

(la fama and!) di questo in modo fuore,

che ne fu in tutta 1'isola che dire):

contrario effetto a quel che per errore

credea aver visto con suo gran martire.

Intese poi, come Lurcanio avea

falta Ginevra appresso it padre rea.

3. Tirando-lhe, co ' a vida, o principado,As amizades e, mais grave, a fama.Volto a dizer que foi assaz rogadoA se mostrar o defensor da dama.

Ergue, por fim, o elmo e reveladoFica um rosto querido; Escócia o aclamaDepois de lhe votar luto incessante:Dá-se a rever a todos Ariodante.

4. Ariodante, por quem amargo prantoGenebra, crendo-o morto, derramara,E el-rei e a corte e o povo e o irmão que tantoLhe recordavam a virtude rara.Havia mentido o viajor, portanto,Nas notícias que dele divulgara,Inda que o vira do alcantil marinhoLançar-se de cabeça ao mar, sozinho.

5. Mas quem, desesperado, no começoE de longe, procura achar a morte,Muita vez, ao lhe ver de perto o preço,Volta atrás, por julgá-lo acerbo e forte;Assim, arrependido do arremessoE de morrer no mar, lutou o forteAriodante, valente e exercitado,Até poder voltar à praia a nado;

6. E já o desejo de perdera vidaRepudiando e tendo por demente,Caminhou, encharcado, até uma ermida( Que a saída do mar era recente);Pediu que ali lhe dessem acolhida,Disposto a lá ficar, secretamente,Por saber se Genebra tal notíciaCom dor receberia, ou com delicia.

7. Veio a saber que foi tamanha a dorDe Genebra, que a pds quase a morrer(Incontido, das novas o rumorPela ilha se dava a conhecer);O efeito desmentia, pois, o errorDa visão que o fizera padecer.Ouve, enfim, que Lurcânio ora pleiteia

Pague Genebra pela culpa feia.

Oitava 6

8. Contra it fratel d 'ira minor non arse,

che per Ginevra gid d 'amor ardesse;

che troppo empio e crudele atto gli parse,

ancora the per lui fatto 1'avesse.

Sentendo poi, che per lei non comparse

cavallier che difender la volesse

(che Lurcanio si forte era e gagliardo,

ch 'ognun d'andargli contra avea riguardo;

8. Isto o levou contra Lurcânio a irar-se,Como se o amor extinto renascesse;Cruel lhe pareceu o irmão vingar-se,Inda que em sua memória o pretendesse;E por ninguém querer apresentar-seDe Genebra em favor, que a defendesse(Tão forte era Lurcânio e valorosoQue a qualquer deixaria temeroso;

9. e chi n 'avea notizia, it reputava

tanto discreto, e si saggio ed accorto,

che se non fosse ver quel che narrava,

non si porrebbe a rischio d 'esser morto;

per questo la piú parte dubitava

di non pigliar questa difesa a torto);

Ariodante, dopo gran discorsi,

penso all'accusa del fratello opporsi.

10. –Ah lasso! io non potrei (seco dicea)

sentir per mia cagion perir costei:

troppo mia morte fora acerba e rea,

se inanzi a me morir vedessi lei.

Ella Our la mia donna ela mia dea,

questa è la luce pur degli occhi miei:

convien ch 'a dritto e a torto, per suo scams

pigli l'impresa, e resti morto in campo.

11. So ch'io m'appiglio al torto; e al torto sia:

e ne morro; né questo mi sconforta,

se non ch 'io so che per la morte mia

si bella donna ha da restar poi morta.

Un sol conforto nel morir mi fia,

che, se `1 suo Polinesso amor le porta,chiaramente veder avrd potuto,

che non s 'è mosso ancor per darle aiuto;

12. e me, che tanto espressamente ha offeso,

vedrà, per lei salvare, a morirgiunto.

Di mio fratello insieme, it quale accesotanto fuoco ha, vendicherommi a un punt(

ch'io lo faro doler, poi che compreso

it fine avrd del suo crud ele assunto:

creduto vendicar avrd it germano,

e gli avrd dato morte di sua mano. –

13. Concluso ch ' ebbe questo nel pensiero,nuove arme ritrovà, nuovo cavallo;

e sopraveste nere, e scudo nero

port), fregiato a color verdegiallo.

Per aventura si trovo un scudiero

ignoto in quelpaese, e menato hallo;

e sconosciuto (come ho gid narrato)

s'appresentd contra it fratello armato.

9. E quem o conhecia o reputavaTão sensato e discreto, além de bravo,Que, se até mesmo a vida ele arriscava,Não o faria por mentido agravo;Por isto, a maior parte receavaBater-se pelo mal, no desconchavo),Depois de mui madura reflexão,Decidiu Ariodante ir contra o irmão.

10. – Ai de mim! (exclamava) Eu arrisquei-aA sucumbir, por desagravo meu!Insuportável para mim é a idéiaDe estar vivo e saber que ela morreu.Meu amor ela é sempre; é minha déia,É a luz que ante meus olhos se acendeu!Sem cuidar de injustiça ou de direito,Hei de ampará-la, ou morrerei no pleito.

11. Defendo uma injustiça; pois, que seja!

Pela injustiça morro com desdém;S6 me aflige morrer nesta pelejaPorque depois a matarão também.Mas ainda um conforto me sobeja:Se Polinesso diz querer-lhe bem,Genebra agora conhecer já podeQue ele por ajudá-la não acode;

12. E verá que eu, aflito e sob o pesoDa traição, estou a morrer pronto.Nem meu irmão há de ficar ileso;Dele me vingarei no mesmo ponto;De quem tão cruelmente quis acesoTamanho incêndio, a pena eu mesmo apronto:Cuida ser ele o vingador do irmãoE há de o fazer morrer por sua mão. –

13. Depois de imaginar este projeto,Cavalo e armas buscou, por empreendê-lo;Cota preta envergou e escudo preto,Com friso de matiz verde-amarelo.Topou com o escudeiro, no trajeto,Que um estranho atendeu a seu apelo,

E contra o irmão (como deixei contado),Desconhecido, apresentou-se armado.

14. Narrato v 'ho come it falto successe,

come fu conosciuto Ariodante.

Non minor gaudio n ' ebbe it re, ch'avessede la figliuola liberata inante.

Seco pens() che mai non si potesse

trovar un pii fedele e vero amante;

che dopo tanta ingiuria, la difesa

di lei, contra il fratel proprio, avea presa.

15. E per sua inclinazion (ch'assai l 'amava)

e per li preghi di tutta la corte,

e di Rinaldo, che piü d'altri instava,

de la Bella figliuola it fa consorte.

La duchea d 'Albania ch 'al re tornava

dopo che Polinesso ebbe la morte,

in miglior tempo discader non puote,

poi che la dona alla sua figlia in dote.

16. Rinaldo per Dalinda impetra grazia,

che se n 'anda di tanto errore esente;

la qual per voto, e perché molto saziaera del mondo, a Dio volse la mente:

monaca s 'andè a render fin in Dazia,e si levo di Scozia immantinente.Ma tempo è ormai di ritrovar Ruggiero,

che scorre it ciel su l'animal leggiero.

17. Ben che Ruggier sia d 'animo costante,

né cangiato abbia it solito colore,

io non gli voglio creder che tremante

non abbia dentro pii the foglia il core.

Lasciato avea di gran spazio distante

tutta 1'Europa, ed era uscito fuore

per molto spazio it segno che prescritto

avea già a ' naviganti Ercole invitto.

18. Quello ippogrifo, grande e strano augello,

lo porta via con tal prestezza d ' ale,

che lascieria di lungo tratto quello

celer ministro del fulmíneo strale.

Non va per 1'aria altro animal si snello,

che di velocitd gli fosse uguale:credo ch 'a pena it tuono e la saetta

venga in terra dal del con maggior fretta.

14. No combate, eu vos disse o que acontece:Todos já reconhecem Ariodante;Como ao ver livre a filha, el-rei pareceRetomado de júbilo, exultante;Era impossível (ponderou) que houvesseMais devotado ou mais fiel amante,Pois este, injustiçado, assume a empresaDe lutar contra o irmão pela princesa.

15. Pelo bem que lhe quer (que muito o amava),Pelas súplicas mil de toda a corte,

Que, com Rinaldo à frente, a isso o instava,Da bela filha o proclamou consorte.

Como o ducado Albano a el-rei voltava( Que a Polinesso despojara a morte),Para que o desagravo mais se note,A filha o concedeu, também, em dote.

16. Rinaldo por Dalinda alcançou graça,Que só em parte havia sido conivente.Farta, porém, do mundo, a dama abraçaOutra vida e se vota a Deus somente;A um mosteiro de Dânia ela se passaE sai de Escócia imediatamente.Mas tempo é de voltarmos a Rogério

Que no alado animal corre o hemisfério.

17. Mantém Rogério o ânimo constanteNem se lhe faz mais pálida ora a cor;Mas seu peito, acredito que hesitanteEstaria, qual folha com tremor.Toda a Europa ficara já distante,Largo espaço cruzara após transporDe Hércules invencível o sinal

Que é para os nautas o padrão final.

18. O hipogrifo, que é ave enorme e rara,

O leva, a bater asas, tão depressaQue ao célere ministro ultrapassara,Quando o fulmíneo raio se arremessa.Nos ares animal não se deparaQue tenha rapidez igual a essa.Tão veloz nem relâmpago nem flecha,Creio, do céu à terra se desfecha.

19. Poi the l 'augel trascorso ebbe gran spazio

per linea dritta e senza mai piegarsi,

con larghe ruo te, omai de l 'aria sazio,

comincia sopra una isola a calarsi;

pari a quella ove, dopo lungo strazio

far del suo amante e lungo a lui celarsi,

la vergine Aretusa pass() invano

di sotto it mar per camin cieco e strano.

20. Non vide né `l piú bel né `l piú giocondo

da tutta l 'aria ove le penne stese;

né se tutto cercato averse it mondo,

vedria di questo it piú gentil paese,

ove, dopo un girarsi di gran tondo,con Ruggier seco it grande augel discese:

culte pianure e delicati colli,

chiare acque, ombrose ripe e prati molli.

21. Vaghi boschetti di soavi allori,

di palme e d'amenissime mortelle,

cedri ed aranci ch'avean frutti e fiori

contesti in varie forme e tutte belle,

facean ripara ai fervidi calori

de' giorni estivi con for spesse ombrelle;

e tra quei rami con sicuri voli

cantanto se negìano i rosignuoli.

22. Tra le purpuree rose e i bianchi gigli,

che tiepida aura freschi ognora serba,

sicuri si vedean lepri e conigli,

e cervi con la fronte alta e superba,

senza temer ch 'alcun gli uccida o pigli,

pascano o stiansi rominando l 'erba;

saltano i daini e i capri isnelli e destri,

che sono in copia in quei luoghi campestri.

23. Come si prenso è l ' ippogrifo a terra,

ch'esser nepuà men periglioso it salto,

Ruggier con fretta de l'arcion si sferra,

e si ritruova in su 1 'erboso smalto;

tuttavia in man le redine si serra,

che non vuol che `1 destrier piú vada in alto:

poi lo lega nel margine marina

a un verde mirto in mezzo un largo e un pino.

19. Depois de assim voar por largo espaçoEm linha reta e sem jamais virar-se,Com grandes giros, das alturas lasso,Começou sobre uma ínsula a baixar-se,Tal qual a ilha, aonde ao terno abraçoDo amante rejeitado por negar-se,Em vão chegou a virgem Aretusa,Por via, sob o mar, árdua e confusa.

20. Nada de mais fagueiro ou mais jucundoDas alturas se vê que este país;Inda que sobrevoasse todo o mundoNinguém veria plagas mais gentis.O hipogrifo, com giro amplo e rotundo,Desce Rogério a este lugar feliz:Planuras vicejantes entre outeiros,Umbrosos prados, límpidos ribeiros.

21. Mostram amenos bosques os primores

De loureiros, murtinhos e palmeiras,De cedros, laranjais, frutos e flores,Enlaçados de mil belas maneiras.

Dão abrigo, nos férvidos calores,Suas espessas frondes sobranceirasContra o implacável dardejar do sol;Nelas, sereno, canta o rouxinol.

22. Entre açucenas e rosais vermelhos,Que a morna brisa em seu frescor preserva,

Seguros correm lebres e coelhos,Erguem cervos a fronte alta e proterva,Sem da caça temer os aparelhos,Quando repousam ou ruminam erva.Os gamos, o cabrito ágil, silvestre,Saltam aos bandos no vergel campestre.

23. Quando está o hipogrifo quase em terraE permite a distância que alguém salte,

Já Rogério do arção se desaferraE dá consigo no relvoso esmalte;Mas a rédea nas mãos ainda encerra,Por que o corcel, voando, não lhe falte;

Depois o amarra, no areal marinho,A umverde mirto, entre um loureiro e um pinho.

Oitava 23

24. E quivi appresso, ove surgea una fonte

cinta di cedri e di feconde palme,

pose lo scudo, e 1'elmo da la fronte

si trasse, e disarmossi ambe le palme;

ed ora alla marina ed ora al monte

volgea la faccia all'aure fresche ed alme,che falte cime con mormorii lieti

fan tremolar dei faggi e degli abeti.

25. Bagna talor ne la chiara onda e fresca

1 'asciutte labra, e con le man diguazza,

accid che de le vene it calor esca

che gli ha acceso it portar de la corazza.

Né maraviglia è gid ch ' ella gl' incresca;

che non è stato un far vedersi in piazza:ma senza mai posar, d 'arme guernito,

tremila miglia ognor correndo era ito.

26. Quivi stando, it destrier ch 'avea lasciato

tra le piii dense frasche alia fresca ombra,

per fuggir si rivolta, spaventato

di non so che, che dentro al bosco adombra:

e fa crollar si ii mirto ove è legato,

che de le frondi intorno it piègli ingombra:

crollar fa it mirto, e fa cader la foglia;

né succede peril che se ne scioglia.

24. Perto dali, onde se vê uma fonte,Por entre cedros e viçosas palmas,Depõe o escudo, tira o elmo da fronteE desarma, afinal, também as palmas.Ora ao mar volta o rosto, logo ao monte,Donde sopram aragens frescas, almas,Que altas copas de abetos e de faiasFazem estremecer, com vozes gaias.

25. Vai molhando na fonte clara e frescaA boca enxuta e ambas as mãos perpassaPelas águas; do ardor assim refrescaO corpo inda cansado da couraça,Cansado, sim, que exibição burlescaOu desfile vaidoso pela praçaNão foi ter três mil milhas percorridoSem parada, a voar, de armas munido.

26. Mas o corcel, que perto havia ficadoDa folhagem espessa à fresca sombra,Quer escapar, agita-se assustadoPor não sei quê, que no arvoredo o assombra;Abala o mirto a que se encontra atado,Tanto que os ramos caem, tornam-se alfombra;Faz cair as folhagens tal abalo,Mas não chega a deixar livre o cavalo.

27. Come ceppo talon che le medolle

rare e vote abbia, e posto al fuoco sia,

poi che per gran calor quell 'aria molleresta consunta ch'in mezzo l'empìa,

dentro risuona e con strepito bolle

tanto che quel furor truovi la via;cosi murmura e stride e si coruccia

quel mirto offeso, e al fine apre la buccia.

28. Onde con mesta e flebil voce usclo

espedita e chiarissima favella,

e disse: – Se tu sei cortese e pio,come dimostri alia presenza bella,

lieva questo animal da l'arbor mio:

basti che mio mal prop rio mi flagella,

senza altra pena, senza altro dolore

ch'a tormentarmi ancor venga di fuore. –

29. Al primo suon di quella voce torse

Ruggiero it viso, e subito levosse;

e poi ch'uscir da 1'arbore s'accorse,

stupefatto restá piú che mai fosse.

A levarne it destrier subito corset

e con le guance di vergogna rosse:

– Qual che tu sii, perdonami (dicea),

o spirto umano, o boschereccia dea.

30. Il non aver saputo che s 'asconda

sotto ruvida scorza umano spirto,

m 'ha lasciato turbar la bella fronda

e far ingiuria al tuo vivace mirto:

ma non restar peril, che non risponda

chi tu ti sia, ch ' in corpo orrido ed irto,

con voce e razionale anima vivi;

se da grandine it ciel sempre ti schivi.

31. E s 'ora o mai potro questo dispetto

con alcun beneficio compensarte,

per quella bella donna ti prometto,

quella che di me tien la miglior parte,

ch 'io far() con parole e con effetto,

ch 'avrai giusta cagion di me lodarte. –

Come Rug; iero al suo parlar fin diede,

trem() quel mirto da la cima al pied e.

27. Qual o madeiro, ressequido e bronco,

Quando, lançado ao fogo, se alumia,Deixa sair de dentro de seu troncoOs vapores que a casca inda oprimia,

E faz soar no ventre o cavo roncoDo vapor que se esvai e que assobia,Assim murmura, a contorcer-se, em vascas,Ferido, o mirto, que abre, enfim, as cascas.

28. Tristonha e flébil voz saiu da lenha,Que a Rogério falou, clara e expedita:– O teu formoso aspeito a crer me empenhaQue é cortês e piedoso ante a desdita;Não deixes, pois, que atado se mantenhaTeu animal à minha planta aflita.Basta-me, a castigar-me, a minha dor,Sem que a torne um estranho inda maior. –

29. Virando o rosto, o paladim se pôsEm pé, quando o murmúrio ressoou;Ao perceber que era do arbusto a vozRogério estupefacto se quedou.As amarras desfez, então, veloz,E a corar de vergonha, assim falou:– Deusa dos campos ou esprito humano,

Quem quer que és tu, perdoa-me este engano.

30. S6 por desconhecer que aqui se escondeEm tão grosseira casca humano esprito,Cheguei a perturbar a bela frondeDa árvore viva, e a cometer delito.Mas não te cales; peço-te, responde,Quem és, que a corpo horrendo andas restrito,Em que a alma racional e a fala vivem?

Responde, e do granizo os céus te esquivem.

31. Se eu puder, de tamanho desrespeito,Um dia, de algum modo, compensar-te,Fá-lo-ei co' a palavra e com efeito;Pela formosa, a quem pertence a parteMelhor de mim, hei de cumprir o preitoE haverás, com justiça, de ufanar-te. –Quando Rogério, enfim, silêncio fezO mirto estremeceu, de cima aos pés;

32. Poi si vide sudar super la scorza,

come legno dal bosco allora tratto,che del fuoco venir sente la forza,

poscia ch 'invano ogni ripargli ha fatto;

e comincià: – Tua cortesia mi sforzaa discoprirti in un medesmo tratto

ch'io fossi prima, e chi converso m 'aggia

in questo mirto in su l'amena spiaggia.

33. Il nome mio fu Astolfo; e paladino

era di Francia, assai temuto in guerra:

d'Orlando e di Rinaldo era cugino,

la cui fama alcun termine non serra;

e si spettava a me tutto it domino,

dopo it mio padre Oton, de 1 'Inghilterra.

Leggiadro e bel fui si, che di me accesi

piú d'una donna: e al fin me solo offesi.

34. Ritornando io da quelle isole estreme

che da Levante it mar Indico lava,

dopo Rinaldo ed alcun'altri insieme

meco fur chiusi in parte oscura e cava,

ed onde liberate le supreme

forze n ' avean del cavallier di Brava;

vêr ponente io venia lungo la sabbia

che del settentrion sente la rabbia.

35. E come la via nostra e it duro e fello

destin ci trasse, uscimmo una matina

sopra la bella spiaggia, ove un castello

siede sul mar, de la possente Alcina.

Trovammo lei ch'uscita era di quello,

e stava sola in ripa alia marina;

e senza rete e senza amo traea

tutti li pesci al lito, che voles.

36. Veloci vi correvano i delfini,

vi venia a bocca aperta it grosso tonno;

i capidogli coi vécchi marini

vengon turbati dal loro pigro sonno;

muli, salpe, salmoni e coracini

nuotano a schiere in piú fretta the ponno;

pistrici, fisiteri, orche e balene

escon del mar con mostruose schiene.

32. Tomou-se de suor, qual lenho à forçaDo fogo, quando ao mato alguém o arranque,Qual madeira que às chamas se retorça,Sem que o verter contínuo se lhe estanque.Então falou: – Tua cortesia me esforçaA revelar-te agora, num arranque,Quem antes fui, qual foi a origem minha,

E quem mirto me fez, nesta marinha.

33. Chamei-me Astolfo e tive a condiçãoDe bravo paladim de França em guerra,Fui de Orlando e Rinaldo primo-irmão,Cuja fama em limites não se encerra;

Qual filho e sucessor del-rei Otão,Cabia-me o domínio de Inglaterra.Como garboso e belo, conquisteiMulheres mil, e a mim, só, castiguei.

34. Ao regressar das ínsulas extremasQue, no levante, o mar das Índias lava,Onde eu, Rinaldo e outros, com algemasFicamos em prisão escura e cava,E donde nos livraram as supremasForças benignas do senhor de Blava,Ao poente rumei, por areaisAçoitados dos ventos boreais.

35. Manifestou-se em tal jornada o seloDe nossa triste e desgraçada sina:Certa manhã, chegamos ao casteloQue tem, na praia, a poderosa Alcina.Ela saíra. Solitário e belo,Vimos-lhe o vulto onde a maré termina;Sem anzol e sem redes atraíaA praia os peixes todos que queria.

36. Achegam-se velozes os golfinhos,E os graúdos atuns, de boca aberta;Saem de pesado sono os leões-marinhosE os botos, ao chamado que os desperta;Vêm robalos, salmões, barbos, toninhos,Em cardumes, ao mando que os aperta.Peixes-espadas, orcas e baleias,

São figuras que emergem, grandes, feias.

37. Veggiamo una balena, la maggiore

che mai per tutto it mar veduta fosse:

undecipassi e pits dimostra fuore

de 1 ' onde salse le spallacce grosse.

Caschiamo tutti insieme in uno errore,

perch'era ferma e che mai non si scosse:

ch'ella sia una isoletta ci credemo,

cosi distante ha run da 1'altro estremo.

38. Alcina i pesci uscir faces de l 'acque

con semplici parole epuri incanti.

Con la fata Morgana Alcina nacque,

io non so dir s'a unparto o dopo o inanti.

Guardommi Alcina; e subito le piacque

1'aspetto mio, come mostra ai sembianti:e pensà con astuzia e con ingegno

tormi ai compagni; e riusci ii disegno.

39. Ci venne incontra con allegra faccia

con modi graziosi e riverenti,

e disse: – Cavallier, quando vi piaccia

far oggi meco i vostri alloggiamenti,

io vi fare, veder, ne la mia caccia,

di tutti i pesci sorti differenti:

chi scaglioso, chi molle e chi col pelo;

e saran pits the non ha stelle it cielo.

40. E volendo vedere una sirena

che col suo dolce canto acheta it mare,

passian di qui fin su quell'altra arena,

dove a quest'ora suol sempre tornare. —

E ci mostra quella maggior balena,

che, come io dissi, una isoletta pare.

Io, che sempre fui troppo (e me n'incresce)

volonteroso, andai sopra quel pesce.

41. Rinaldo m 'accennava, e similmente

Dudon, ch'io non v'andassi: epoco valse.

La fata Alcina con faccia ridente,

lasciando gli altri dua, dietro mi salse.

La balena, all'ufficio diligente,

nuotando se n'andb per 1 ' onde salse.

Di mia sciochezza tosto fui pentito;

ma troppo mì trovai lungi dal lito.

37. Uma dessas baleias é a maior

Que nos mares se mostra à nossa vista;Em seu dorso vultoso, d ' água à flor,Um extremo onze passos do outro dista.

Imóvel fica o bicho e, por error,Cremos ver uma ilhota, que lá exista;Erramos, por levar somente em contaO espaço que separa uma e outra ponta.

38. Com as palavras e a magia arcana,Alcina tira d ' água os habitantes.Havia nascido Alcina com MorganaMas não sei se depois, se junto ou antes.Olhou-me Alcina com prazer e gana,Fizeram-se-lhe os gestos cativantes;Aos companheiros, com astúcia e engenho,Quis roubar-me, e logrou bom desempenho.

39. Veio até nós com prazenteiro rosto,E disse, entre graciosos cumprimentos:– Cavaleiros, se for de vosso gostoTomar em minha casa hoje aposentos,Dos peixes que há no mar vereis expostoTodo o tipo, que os vou pescando aos centos:Há macios, barbudos, escamosos;

São mais do que as estrelas numerosos.

40. F. se quiserdes ver uma sereia,Que com suave canto aquieta o mar,Passemos desta praia à outra areia,Onde, por estas horas, há de estar. –Mostrou-nos, entre as ondas, a baleiaQue, repito, era ilhota ao nosso olhar.Animoso demais (choro meu mal),

Logo eu me pus no dorso do animal.

41. Rinaldo e Dudo acenam, juntamente,

A pedir-me que volte, e é tudo em vão;Alcina, com semblante sorridente,Vem a mim, deixa os outros onde estão.

A baleia, no oficio diligente,Largo caminho abrindo as águas vão.Minha imprudência logo me desgosta,Mas estávamos já longe da costa.

Oitava 42

42. Rinaldo si caccíà ne l'acqua a nuoto

per aiutarmi, e quasi si sommerse,

perché levossi un furioso Noto

che d'ombra it cielo e `l pelago coperse.

Quel che di lui segui poi, non m 'è noto.

Alcina a confortarmi si converse;

e quel di tutto e la notte che venne,

sopra quel mostro in mezzo it mar mi tenne.

43. Fin che venimmo a questa isola bella,

di cui gran parte Alcina ne possiede,

e 1'ha usurpata ad una sua sorella

che `I padre già lascià del tutto erede,

perché sola legitima avea quella;

e (come alcun notizia me ne diede,

che pienamente istrutto era di questo)

sono quest 'altre due nate d'incesto.

42. Quis Rinaldo nadar, com alvoroto,Por me ajudar, mas quase se afogou,Porque soprou, enfurecido, o Noto,Que em sombras céus e pélago toldou.O que dele foi feito não me é noto;Alcina a confortar-me se voltou;Naquele dia, e no outro, que o seguiu,Comigo, sobre as águas, assistiu.

43. Buscamos logo esta aprazível ilhaQue em grande parte está de Alcina em posse;São terras que ela à irmã usurpa e pilha,Embora um testamento a desaposse,Que o pai teve uma só lídima filha,

A quem de tudo herdeira quis que fosse;As outras (fez-me o caso manifestoAlguém que o soube) frutos são de incesto.

44. E come sono inique e scelerate

e piene d'ogni vizio infame e brutto

cosi quella, vivendo in castitate,

posto ha ne le virtuti ii suo cor tutto.

Contra lei queste due son congiurate;

e gid piú d'uno esercito hanno istrutto

per cacciarla de 1'isola, e in piú volte

piü di cento castella l'hanno tolte:

45. né ci terrebbe ormai spanna di terra

colei, che Logistilla è nominata,se non che quinci un golfo it passo serra,

e quindi una montagna inabitata,

si come tien la Scozia e l'Inghilterra

it monte e la riviera separata;

né perà Alcina né Morgana resta

che non le voglia for cià che le resta.

46. Perché di vizi è questa coppia rea,

odia colei, perché è pudica e santa.

Ma, per tornare a quel ch'io ti dicea,

e seguir poi com'io divenni pianta,

Alcina in gran delizie mi tenea,

e del mio amore ardeva tutta quanta;

né minor fiamma nel mio core accese

it veder lei si bella e si cortese.

47. Io mi godea le delicate membra;

pareami aver qui tutto it ben raccolto

the fra i mortali in piú parti si smembra,a chi piú ed a chi meno e a nessun molto;

né di Francia né d'altro mi rimembra:

stavami sempre a contemplar quel volto:

ogni pensiero, ogni mio bel disegno

in lei finia, né passava oltre it segno.

48. Io da lei altretanto era o piú amato:

Alcina piú non si curava d'altri;

ella ogn'altro suo amante avea lasciato,

ch'inanzi a me ben ce ne fur degli altri.

Me consiglier, me avea di e notte a lato,

e me fe ' quel che commandava agli altri:

a me credeva, a me si riportava;

né notte o di con altri mai parlava.

44. Iníquas estas são e celeradas,

Pois se entregam dos vícios h torpeza;

Aquela tem no peito cultivadasAs virtudes, e vive na pureza;Mas pretendem as duas, conjuradas,Expulsá-la e de exércitos na empresaSe ajudam, cuja força muita vezÀ irmã perder vários castelos fez.

45. Logistila (é seu nome) desta terraNem um palmo sequer conservariaSe acolá não se erguesse impérvia serraE o golfo, aqui, não atalhasse a via,Como Escócia separam de InglaterraO rio, de um lado, e, doutro, a serrania.Mas Alcina e Morgana não se têmQue não queiram tomar-lhe o que inda tem.

46. Esta parelha corrompida e ruimOdeia a irmã, que é recatada e santa.Mas, por chegar de meu relato ao fim,Eis como fui mudado nesta planta.

Pôs-me Alcina em delícia e ardeu por mimDe amor igual ao meu, pois era tantaA formosura sua e a cortesiaQue, ao vê-la, o coração também me ardia.

47. Deleitei-me em seu talhe, que afigura

Em si juntar os bens que dispersasseEm porções diferentes a venturaPor que assim os mortais desigualasse.Estive a contemplar tal criaturaSem que França nem nada me lembrasse.Tudo quanto meu peito mais anelaSe reduzia, nesse tempo, a ela.

48. Eu dela era igualmente (ou mais) amado:Alcina já não mais cuidava de outros;Aos amantes havia dispensado,Que antes de mim tivera muitos outros.

Noite e dia queria ter-me ao lado,Seu conselheiro e regedor dos outros.Ouvia a mim, de mim só se fiava;Dia e noite, com outrem não falava.

49. Deh! perché vo le mie piaghe toccando,

senza speranza poi di medicina?perché l'avuto ben vo rimembrando,

quando io patisco estrema disciplina?

Quando credea d'esser felice, e quando

credea ch'amar pia mi dovesse Alcina,

it cor the m ' avea dato si ritolse,

e ad altro nuovo amor tutta si volse.

50. Conobbi tardi it suo mobil ingegno,

usato amare e disamare a un punto.

Non era stato oltre a duo mesi in regno,

ch 'un novo amante al loco mio fu assunto.

Da sé cacciommi la fato con sdegno,

e da la grazia sua m'ebbe disgiunto:

e seppi poi, che tratti a símil porto

avea mill'altri amanti, e tutti a torto.

51. E perché essi non vadano pel mondo

di lei narrando la vita lasciva,

chi qua chi là, per lo terren fecondo

li muta, altri in abete, altri in oliva,

altri in palma, altri in cedro, altri secondoche vedi me su questa verde riva;

altri in liquido fonte, alcuni in fiera,

come pia agrada a quella fata altiera.

52. Or tu the sei per non usata via,

signor, venuto all'isola fatale,

accià ch'alcuno amante per te siaconverso in pietra o in onda, o fatto tale;

avrai d'Alcina scettro e signoria,e sarai lieto sopra ogni mortale:

ma certo sii di giunger tosto al passo

d'entrar o in fiera o in fonte o in legno o in sasso.

53. Io te n'ho dato volentieri aviso;

non ch'io mi creda che debbia giovarte:pur meglio fia che non vadi improviso,

e de' costumi suoi tu sappia parte;

the forse, come è differente it viso,è differente ancor 1'ingegno e l'arte.Tu saprai forse riparare al danno,

quel che saputo mill 'altri non hanno. –

49. Ai de mim! Por que em chaga vou tocando,Que não tem de remédios esperança?Por que meu bem perdido vou lembrando,Se rigorosa punição me alcança?Cuidei que o amor de Alcina ia aumentando,E eu, feliz, descansava em tal confiança,Quando seu bem-querer ela me tira,E a mais novos amores já se atira.

50. Ama e desama, caprichosa, Alcina,Cuja inconstância tarde me aparece;

Depressa a novo amante ela se inclinaE meu reino, em dois meses, já fenece.Priva-me de favores, determinaBanir-me, e irada o faz, pois me aborrece.Soube depois, que muitas vezes antesEla assim maltratara outros amantes.

51. E para que não andem pelo mundoA divulgar-lhe a vida de rameira,Aqui e ali, por este chão fecundo,Uns muda ora em carvalho, ora em palmeira,Ora em oliva ou cedro, ora (segundoMe vês) em mirto, junto a esta ribeira;Em fonte muda outros, ou em bicho,Conforme pede seu feroz capricho.

52. Por ti, senhor, que desusada viaFez alcançar agora a ilha fatal,Perderá outro amante a primaziaE será rocha ou água ou coisa tal;De Alcina terás cetro e senhoria,E serás mais feliz que outro mortal,Até que, de repente, o dia venhaDe seres bicho, fonte, pedra ou lenha.

53. De mui bom grado quis eu dar-te aviso,Que não sei se haverá de aproveitar-te,Mas convém que não chegues de improviso,Por isso dos costumes seus dou parte.Tal como desigual é o gesto e o riso,Desiguais podem ser o engenho e a arte:Ao malefício escaparás, talvez,O que, de mil, nenhum ainda fez. –

54. Ruggier, che conosciuto aves per fama

chAstolfo alia sua donna cugin era,si dolse assai che in steril pianta e grama

mutato avesse la sembianza vera;

e per amor di quella che tanto ama(pur che saputo avesse in che maniera)

gli avria fatto servizio: ma aiutarlo

in altro non potea, ch'in confortarlo.

55. Lo fe' al meglio che seppe; e domandolli

poi se via c' era, ch ' al regno guidassi

di Logistilla, o per piano o per colli,

si che per quel d 'Alcina non andassi.

Che ben ve n'era un'altra, ritornolli

l 'arbore a dir, ma piena d 'aspri sassi,

s'andando un poco inanzi alia man destra

salisse it poggio invêr la cima alpestra.

56. Ma the non pensigid che seguir possa

it suo camin per quella strada troppo:

incontro avrd di gente ardita, grossa

e fiera compagnia, con duro intoppo.

Alcina ve li tien per muro e fossa

a chi volesse uscir fuor del suo groppo.Ruggier quel mirto ringrazi() del tutto,

poi da lui si parti dotto ed istrutto.

57. Venne al cavallo, e lo disciolse e prese

per le redine, e dietro se lo trasse;

né, come fece prima, piõ l'ascese,

perché mal grado suo non lo portasse.

Seco pensava come nel paese

di Logistilla a salvamento andasse.

Era disposto e fermo usar ogni opra,

che non gli avesse imperio Alcina sopra.

58. Pens() di rimontar sul suo cavallo,

e per l'aria spronarlo a nuovo corso:

ma dubit() di far poi maggior fallo;che troppo mal quel gli ubidiva al morso.

– Io passel-6 per forza, s'io non fallo, —

dicea tra sé, ma vano era it discorso.

Non fu duo miglia Jungi alia marina,

che la bella cittd vide d 'Alcina.

54. Rogério o lastimou, pois pela famaDe Astolfo (que tal nome o outro dissera),Reconheceu a um primo de sua dama,Que arbusto desprezível se fizera;E por amor daquela a quem mais amaLhe teria valido, se pudera.Mas não sabia meio de ajudá-lo,

A não ser procurando confortá-lo.

55. Consola-o como pode, e então lhe indaga

Se existe algum caminho que se arredaDe Alcina e, atravessando vale ou fraga,De Logistila ao reino ir ter conceda.

– Existe, pouco adiante, uma azinhagaQue, impérvia e pedregosa, se enveredaÀ mão direita (respondeu-lhe a planta)Por onde um ermo outeiro se levanta.

56. Mas não há quem mui longe chegar possa,Pois no caminho, e logo no começo,Feroz gentalha ao viajor faz mossa,Vedando-lhe o passar, com duro empeço.Alcina a mantém lá, qual muro e fossaContra quem se lhe mostra ao jugo avesso. –Agradece Rogério ao mirto a ajuda,E seus avisos com cuidado estuda.

57. Põe-se a desamarrar logo o cavaloE o conduz, segurando-o pela brida;Desta feita resolve não montá-lo,Por não impor-lhe carga aborrecida.Busca outro reino, cuida de alcançá-lo,Em Logistila espera achar guarida,Mas acima de tudo quer RogérioRecusar-se de Alcina ao triste império.

58. Pudera cavalgar a montariaE incitá-la a voar, sem mais demora,Mas sabe que isso em risco montaria,Pois mal sofre o cavalo rédea e espora.– Por força hei de fazer a travessia –Consigo diz, mas em error labora:Da praia a duas milhas descortina

A cidade belíssima de Alcina.

59. Lontan si vide una muraglia lunga

che gira in torno, e gran paese serra;e par che la sua altezza al del s 'aggiunga,

e d 'oro sia da falta cima a terra.

Alcun dal mio parer qui si dilunga,

e dice ch' ell'è alchimia: e forse ch'erra;ed anca forse meglio di me intende:

a me par oro, poi che sì risplende.

60. Come fu prenso alie si ricche mura,

che mondo altre non ha de la for sorte,

lascià la strada che per la pianura

ampla e diritta andava alie gran porte;

ed a man destra, a quella pii sicura,

ch 'al monte gìa, piegossi ii guerrier forte:

ma tosto ritrovd i'iniqua frotta,

dal cui furor gli fu turbata e rotta.

61. Non fu veduta mai piú strana torma,

piii monstruosi volti e peggio fatti:

alcun' dal collo ingii d'uomini han forma,

col viso altri di simie, altri di gatti;

stampano alcun con pie caprigni l 'orma;

alcuni son centauri agili ed atti;

son gioveni impudenti e vecchi stolti,

chi nudi e chi di strane pelli involti.

59. Vê-se ao longe que extensa é sua muralhaE a imenso território cinge e encerra;Chegar parece ao céu com a cimalha,E feita de ouro puro, do alto à terra.Há quem aponte em meu juízo falhaE afirme que é alquimia. Por mim, erra,Mas porventura mais do que eu entende:Digo que é ouro, já que tanto esplende.

60. P. bem próximo o vulto se afiguraDos muros que não têm no mundo iguais,Quando à trilha que, à destra, leva à alturaDo monte, o paladim se chega mais,Fugindo à estrada larga da planuraQue segue da muralha até os portais.Mas vê impedida a trilha, porque topaCom uma iníqua e furiosa tropa.

61. Chusma jamais apareceu tão rara,

De rostos monstruosos, contrafeitos:Uns de gatos ou monos têm a cara,E em tudo o mais são homens, desde o peito;Um com caprinos pés a relva apara;Outro é centauro, lépido e perfeito;Há velhos fátuos, rapazelhos reles,Que andam nus, ou envergam feias peles.

Oitava 61

62. Chi senza freno in s 'un destrier galoppa,

chi lento va con 1 'asino o col bue,altri salisce ad un centauro in groppa,

struzzoli molti han sotto, aquile e grue;

ponsi altri a bocca it corno, altri la coppa;chi femina e, chi maschio, e chi amendue;chi porta uncino e chi scala di corda,

chi pal di ferro e chi una lima sorda.

63. Di questi ii capitano si vedea

aver gonfiato it ventre, e `1 viso grasso;

it qual su una testuggine sedea,

che con gran tarditd mutava it passo.Avea di qua e di ld chi lo reggea,

perché egli era ebro, e tenea it ciglio basso:

altri la fronte gli asciugava e it mento,

altri i panni scuotea per fargli vento.

64. Un ch 'avea umana forma i piedi e `t ventre,

e collo avea di cane, orecchie e testa,

contra Ruggiero abaia, acciò ch'egli entre

ne la bella cittd ch ' a dietro resta.

Rispose it cavallier: – Nol fará, mentre

avrd forza la man di regger questa! –

e gli mostra la spada, di cui volta

avea l 'aguzza punta alla sua volta.

65. Quel mostro lui ferir vuol d 'una lancia,

ma Ruggier presto se gli aventa addosso:

una stoccata gli Irasse alla panda,

e la fe' un palmo riuscir pel dosso.

Lo scudo imbraccia, e qua e ld si lancia,

ma 1'inimico stuolo è troppo grosso:

Pun quinci it punge, e l'altro quindi afferra:

egli s 'arrosta, e fa for aspra guerra.

66. L'un sin a ' denti, e l'altro sin al petto

partendo va di quella iniqua razza;

ch'alla sua spada non s'oppone elmetto,

né scudo, né panziera, né corazza:

ma da tutte le parti è cosi astretto,

che bisogno sacia, per trovar piazza

e tener da sé largo it popul reo,

d 'averpies braccia e man che Briareo.

62. Este sem freio num corcel galopa,Outros vão devagar, em bois ou mus,Vai montado em centauros quem os topa,Outros montam cegonha, águia, avestruz.Emboca este a buzina, aquele a copa;

Há o macho e a fêmea háquem a um só os reduz;

Um a escada de corda e o gancho agarra;Outro, a lima; outro mais, a férrea barra.

63. O capitão, que ao bando presidia,De rosto inchado e ventre corpulento,

Sobre uma tartaruga se estendia,Que ia adiante com passo pachorrento.Aos lados o sustinham, pois pendiaCabisbaixo, arriado e vinolento.Qual da testa lhe enxuga o suor que mana,Qual, para o ventilar, roupas abana.

64. Um que de homem tem corpo, pés e ventre,De cão, pescoço, orelhas e cabeça,Por que Rogério na cidade adentreRaivosamente de ladrar não cessa.– Ninguém fará que em tal cidade eu entre,Sem que com esta espada antes se meça! –Diz isto o paladim e, aguda, a pontaDo ferro contra o outro logo aponta.

65. Quer o monstro vará-lo co ' uma lança,Mas Rogério arremete contra a fera,A lâmina metendo-lhe na pança,Com golpe que até o dorso dilacera.Abrigado no escudo, já se lançaA turma, que só em número o supera:Acossa-o este, quer feri-lo aquele,Com acirrada guerra ele os repele.

66. Uns até os dentes, outros até o peitoFende Rogério, dessa iníqua raça,Pois contra sua espada é vão o efeitoDe escudo ou cota, de elmo ou de couraça;Mas combate cercado, em chão estreito,E multidão tamanha o ameaça,

Que carecia, contra o povo réu,De mais braços e mãos que Briareu.

67. Se di scoprire avesse avuto aviso

lo scudo che gid fu del negromante

(io dico quel ch'abbarbagliava it viso,quel ch 'all'arcione avea lasciato Atlante),

subito avria quel brutto stuol conquiso

e fattosel cader cieco davante;e forse ben, che disprezzb quel modo,

perché virtude usar volse, e non frodo.

68. Sia quel the pub, piei tosto vuol morire,

che rendersi prigione a si vil gente.

Eccoti intanto da la porta usciredel muro, ch'io dicea d 'oro lucente,

due giovani ch'ai gesti ed al vestire

non eran da stimar nate umilmente,

né da pastor nutrite con disagi,

ma fra delizie di real palagi.

69. L'una e l 'altra sedea s 'un liocorno,

candido piú che candido armelino;

Puna e l'altra era bella, e di si adorno

abito, e modo tanto pellegrino,

the a 1'uom, guardando e contemplando intorno,

bisognerebbe aver occhio divino

per far di for giudizio: e tal saria

Beltd, s 'avesse corpo, e Leggiadria.

70. L'una e 1 'altra n 'andà dove nel prato

Ruggiero è oppresso da lo stuol villano.

Tutta la turba si leve, da lato;

e quelle al cavallier porser la mano,

che tinto in viso di color rosato,

le donne ringrazid de 1 'atto umano:

e fu contento, compiacendo loro,

di ritornarsi a quella porta d 'oro.

71. L'adornamento che s'aggira sopra

la bella porta e sporge un poco avante,

parte non ha che tutta non si cuopra

de le piú rare gemme di Levante.

Da quattro parti si riposa sopra

grosse colonne d'integro diamante.

O ver o falso ch'all'occhio risponda,

non è cosa piei bella o piú gioconda.

67. Mostrar pudera, estando sobreaviso,O escudo que forjara o nigromante(Falo do que ofuscava de improviso,Do que no arção deixara o mago Atlante);Por vencê-los, só isso era preciso,Que o fulgor os cegara, fulminante;Mas Rogério não quis, talvez, expõ-lo,Por vencer com virtude, não com dolo.

68. Fosse isto ou não, prefere sucumbirA ser cativo de tão baixa gente.Mas eis que se abre aporta e faz sair,Das muralhas de ouro reluzente,Duas jovens. A graça no vestirBerço humilde supor-lhes não consente,Nem criação entre pastores pobres,Mas entre as galas de palácios nobres.

69. Assentam-se uma e outra num licorne,Mais cândido que o cândido armelino;Uma e outra é bela, e posto que as adorneRico trajo, em seu gesto peregrino

Algo faz com que todo o homem se tornePara as fitar. Somente o olhar divinoBem pudera julgá-las, pois diria:Tomam corpo a Beleza e a Louçania.

70. Seguiram, uma e outra, para o prado

Onde a Rogério oprime a multidão.Ao vê-las, põe-se o bando retiradoE elas estendem ao guerreiro a mão.

Este enrubesce, e o rosto ergue, corado,Por expressar às damas gratidão.Aceita, então, para lhes ser cortês,

Voltar A. porta de ouro desta vez.

71. Qual ornamento, que ressalta sobre

A bela porta, há um friso circundante,Que inteiro, palmo a palmo, se recobreDas mais preciosas gemas do Levante.

Em quatro pontos se sustenta sobreColunas de puríssimo diamante.Pode a vista enganar-se, mas a inundaA luz dessa obra esplêndida e jucunda.

72. Su per la soglia e fuor perle colonne

corron scherzando lascive donzelle,

che, se i rispetti debiti alie donne

servasser

sarian forse piü belle.

Tutte vestite eran di verdi gonne,

e coronate di frondi novelle.

Queste, con molte offerte e con buon viso,Ruggier fecero entrar nel paradiso:

73. che si pub ben cosi nomar quel loco,

ove mi credo che nascesse Amore.

Non vi si sta se non in danza e in giuoco,

e tutte in festa vi si spendon fore:

pensier canuto né molto né pocosi pub quivi albergare in alcun core:

non entra quivi disagio né inopia,

ma vi sta ognor col corno pien la Copia.

74. Qui, dove con serena e lieta fronte

par ch'ognor rida it grazioso aprile,

gioveni e donne son: qual presso a fonte

canta con dolce e dilettoso stile;

qual d'un arbore all'ombra e qual d 'un monte

o giuoca o danza o fa cosa non vile;

e qual, lungi dagli altri, a un suo fedele

discuopre l' amorose sue querele.

75. Per le cime dei pini e degli allori,

degli alti faggi e degl'irsuti abeti,

volan scherzando i pargoletti Amori:

di for vittorie altri godendo lieti,

altri pigliando a saettare i cori,

la mira quindi, altri tendendo reti;

chi tempra dardi ad un ruscel pii4 basso,

e chi gli aguzza ad un volubil sasso.

76. Quivi a Ruggier un gran corsier fu dato,

forte, gagliardo, e tutto di pel sauro,

ch ' avea it bel guernimento ricamato

di preziose gemme e di fin auro;

e fu lasciato in guardia quello alato,

quel che solea ubidire al vecchio Mauro,

a un giovene che dietro lo menassi

al buon Ruggier, con men frettosi passi.

72. Por entre essas colunas, desde a raia,Correm lascivas, a brincar, donzelas,

O feminil recato lhes desmaia,Que as faria, talvez, inda mais belas.Vestidas todas vão de verde saia,Coroadas de róridas capelas.Com oferendas mil e alegre riso,Fazem Rogério entrar no paraíso:

73. Bem pode assim chamar-se, porque vejoQue em tal lugar terá nascido o Amor;Somente bailes, jogos e festejoAs horas todas vêm trazer sabor.De cuidados senis o grave entejoEm coração nenhum acha favor:Trabalhos lá não entram, nem inópia,E está sempre repleta a Cornucópia.

74. Lá, sempre com serena e leda fronteParece rir-se o gracioso abril;Há mancebos, donzelas; junto à fonteUm entoa canção doce e gentil;Outro, à sombra de árvore ou do monte,Dança, brinca, sem dar-se a obra servil.Longe dos mais, outro a seu bem revelaDo amante coração toda a querela.

75. Das copas de faiais entre os verdoresE entre carvalhos, louros e pinheiros,A brincar, esvoaçam os Amores,Pequeninos, alegres e brejeiros,Alguns dos corações já vencedores,Outros a desferir dardos certeiros;Um redes arma, ou flechas n'água friaTempera; em móvel seixo outro as afia.

76. Foi lá a Rogério um alazão doado,Forte corcel, de muita galhardia,Cujo arreio se via ornamentadoDe ouro fino e preciosa pedraria.Por tomar conta do animal alado,Que ao Mouro encanecido obedecia,A Rogério mandaram um rapazQue algo mais devagar lhe fosse atrás.

Oitava 72

77. Quelle due belle giovani amorose

ch'avean Ruggier da 1'empio stuol difeso,

da l 'empio stuol che dianzi se gli oppose

su quel camin ch'avea a man destra preso,

gli dissero: – Signor, le virtuose

opere vostre che gid abbiamo in teso,

ne fan si ardite, the l 'aiuto vostro

vi chiederemo a beneficio nostro.

78. Noi troveren tra via tosto una lama,

the fa due parti di questa planura.

Una crudel, che Erifilla si chiama,

difende it ponte, e sforza e inganna e fura

chiunque andar ne l'altra ripa brama;

ed ella è gigantessa di statura,

li den ti ha lunghi e velenoso it morso,

acute 1 'ugne, e graffia come un orso.

79. Oltre che sempre ci turbi it camino,

che libero saria se non fosse ella,

spesso, correndo per tutto it giardino,

va disturbando or questa cosa or quella.

Sappiate the del populo assassinothe vi assali fuor de la porta bella,

molti suoi figli son, tutti seguaci,

empi, come ella, inospiti e rapaci. —

80. Ruggier rispose: — Non ch 'una battaglia,

ma per voi sard pronto a far pe cento:di mia persona, in tutto quel che vaglia,

fatene voi secondo it vostro intento;

che la cagion ch'io vesto piastra e maglia,

non è per guadagnar terre né argento,

ma sol per farpe beneficio altrui,

tanto piú a belle donne come vui. –

81. Le donne moltegrazie riferiro

degne d 'un cavallier, come quell'era:

e cosi ragionando ne veniro

dove videro it ponte e la riviera;

e di smeraldo ornata e di zaffiro

su l'arme d'or, vider la donna altiera.

Ma dir ne l ' altro canto differisco,

come Ru l: ier con lei si pose a risco.

77. As duas belas damas amorosasQue a Rogério serviram de defesaQuando à destra seguia, e as pavorosasHordas o salteavam com vileza,Disseram-lhe: – Senhor, as já famosasObras de vossa intrépida inteirezaNos fazem suplicar que o auxilio vossoNão se recuse em beneficio nosso.

78. Havemos de passar um lodaçalQue em dois trechos divide esta planura.Guarda-lhe a ponte, com furor bestial,Erifila, traiçoeira criatura,Que aos viajores despoja e trata mal.Por ser agigantada na estatura,Empeçonha, a dentadas, os que apanha;Depois, com garras de urso, os rasga e lanha.

79. Ademais de estorvar-nos o caminho,

Que livre ficaria, a não ser ela,Destroça este jardim, qual torvelinhoQue, invasor, muitas vezes o flagela.O batalhão mortífero e daninhoQue combatestes junto à cidadelaFormam, sabei, seus filhos ou sequa7's,A exemplo seu, inóspitos, minazes. –

80. –Não só (disse Rogério) uma batalha

Mas centenas, por vós, feliz enfrento;De mim, de tudo aquilo que em mim valha,Heis de dispor o que vos der contento.Que eu revestido vou de cota e malhaNão para cobrar terras ou provento,Mas por valer a toda a criatura,Inda mais às de vossa formosura. –

81. Gratidão, dizem ambas, lhes inspiraTal oferta, fidalga e lisonjeira.Vão, conversando, e como se previra,Chegam junto a uma ponte e a uma ribeira.Com armas de ouro, enfeites de safiraE esmeralda, vigia a bandoleira.Como se houve Rogério no perigo

Agora deixo, e no outro canto o digo.

CANTO VII

A sedução de Alcina — Bradamante procura Rogério — Com a ajuda de Melissa e doanel mágico, Rogério descobre a verdadeira aparência de Alcina e foge

1. Chi va lontan da la sua patria, vede

cose, da quel che gia credea, lontane;

che narrandole poi, non se gli crede,

e stimato bugiardo ne rimane:

che sciocco vulgo non gli vuol dar fede,

se non le vede e tocca chiare e piane.

Per questo io so che 1 'inesperienzafa rd al mio canto dar poca credenza.

2. Poca o moita ch 'io ci abbia, non bisogna

ch'io ponga mente al vulgo sciocco e ignaro.

A voi so ben the non parrd menzogna,

che 'Hume del discorso avete chiaro;

ed a voi soli ogni mio intento agogna

the frutto sia di mie fatiche caro.

lo vi lasciai che `1 ponte e la riviera

vider, che 'n guardia avea Erifilla altiera.

1. Quem anda longe de sua pátria vêCoisas antes incríveis, por estranhas;E se as contar depois, ninguém as crê,E o estimarão amigo de patranhas:

Que o vulgo tolo não lhe dará féNaquilo que não vê ou não apanha.Por isto sei que a inexperiênciaA meu canto dará pouca anuência.

2. Pouca ou muita que tenha, não me inspiraNenhum cuidado o vulgo tolo e ignaro.Todos sabeis que aqui não há mentira,Pois tendes do discurso o lume claro;

Somente em vós, portanto, ponho mira,Por que vos seja meu trabalho caro.Deixei-vos co' Erifila, a feiticeira,Guardiã feroz da ponte e da ribeira.

3. Quell ' era armata del piú fin metallo,

ch'avean di piu color gemme distinto:

rubin vermiglio, crisolitogiallo,

verde smeraldo, con flavo iacinto.

Era montata, ma non a cavallo;

invece avea di quello un lupa spin to:

spinto avea un lupa ove si passa it flume,

con ricca Sella fuor d ' ogni costume.

4. Non credo ch'un si grande Apulia n 'abbia:

egli era grosso ed alto pise d 'un bue.

Con fren spumar non gli facea le labbia,

né so come lo regga a voglie sue.

La sopravesta di color di sabbia

su 1'arme avea la maledetta lue:era, fuor che `i color, di quella sorte

ch'i vescovi e iprelati usano in corte.

5. Ed avea ne lo scudo e sul cimiero

una gonfiata e velenosa bosta.

Le donne la mostrara al cavalliero,

di qua dal ponte per giostrar ridotta,

e fargli scorno e rompergli ii sentiero,

come ad alcuni usata era talotta.

Ella a Ruggier, che torni a dietro, grida:

quel piglia un 'asta, e la minaccia e sfida.

6. Non men la gigantessa ardita e presta

sprona il gran lupa e ne 1 'arcion si serra,

e pon la lancia a mezzo il corso in resta,

e fa tremar nel suo venir la terra.

Ma pur sul prato al fiero incontro resta;

che sotto 1'elmo it buon Ruggier 1'afferra,

e de l'arcion can tal furor la caccia,

che la riporta indietro okra sei braccia.

7. E gid, tratta la spada ch ' avea cinta,

venìa a levarne la testa superba:

e ben lo potea far, che come estinta

Erifilla giacea tra' fiori e l ' erba.

Ma le donne gridar: – Basti sia vinta,

senza pigliarne altra vendetta acerba.

Ripon, cortese cavallier, la spada;

passiamo it ponte e seguitian la strada. –

3. A seu arnês, do mais sutil metal,Dos rubis o vermelho deixa tintoE o verde da esmeralda, e o desigualTom flavo de crisólita e jacinto.Vai montada em insólito animal,Cavalo não, mas outro, mui distinto,Jaezado co' esplêndido atavio:E um lobo, que a conduz além do rio.

4. Maior, nem mesmo Apúlia abriga, creio,Pois maior é este lobo do que um boi;Nem sei como consegue ela, sem freio,Levá-lo a seu talante, como sói.Ela de cor de saibro veste o arreio,Nas armas mostra a peste que destrói;O traje é, fora a cor, da mesma sorteQue um bispo ou que um prelado usa na corte.

5. Na cimeira ostentava, e igual no escudo,Um venenoso sapo corpulento.De ataque (as damas dizem) faz estudoJunto à ponte, traiçoeiro e violento,Por fazer com Rogério o que a miúdoCom outros faz: deter-lhe o seguimento.Põe-se a bruxa a gritar, por ver se o afasta,Mas Rogério a enfrentá-la sai, co ' a hasta.

6. A giganta, ligeira e ousada, insiste,Incita o lobo e agarra, firme, a sela,Já de caminho põe a lança em risteE faz tremer a terra, ao percorrê-la.Contudo, vai ao chão, pois não resisteAo bom Rogério, que sob o elmo a aferraE com tal fúria desmontar a fazQue seis braças a manda para trás.

7. Ele sacou a espada, então, da cintaPor a cabeça lhe cortar, proterva;Fácil seria: que Enfia extintaParecia entre as flores, sobre a erva.Mas gritaram-lhe as damas: – Que ela sintaSempre a derrota! A vida lhe conserva!

Cavaleiro cortês, guarde-se a espada;Voltemos, pela ponte, à nossa estrada. –

Oitava 4

8. Alquanto malagevole ed aspretta

per mezzo un bosco presero la via,

che oltra che sassosa fosse e stretta,

quasi su dritta alfa collina gìa.

Ma poi che furo ascesi in su la vetta,

usciro in spaziosa prateria,

dove it pin bel palazzo e `l pin giocondo

vider, che mai fosse veduto al mondo.

9. La bella Alcina venne un pezzo inante,

verso Ruggier fuor de le prime porte,

e lo raccolse in signoril sembiante,

in mezzo bella ed onorata corte.

Da tutti gli altri tanto onore e tante

riverenze fur fatte al guerrier forte,che non ne potrian far piü, se tra loco

fosse Dio sceso dal superno coro.

10. Non tanto it bel palazzo era eccellente,

perché vincesse ogn 'altro di ricchezza,

quanto ch'avea lapin piacevol gente

che fosse al mondo e di pin gentilezza.

Poco era run da 1'altro diferente

e di fiorita etade e di bellezza:

sola di tutti Alcina era pin bella,

si come è bello it sol pin d'ogni stella.

11. Di persona era tanto ben formata,

quanto me' finger san pittori industria

con bionda chioma lunga ed annodata:

oro non è the pin risplenda e lustri.

Spargeasi per la guancia delicata

misto color di rose e di ligustri;

di terso avorio era la fronte lieta,

che lo spazio finia con giusta meta.

12. Sotto duo negri e sottilissimi archi

son duo negri occhi, anzi duo chiari soli,

pietosi a riguardare, a moverparchi;

intorno cui par ch'Amor scherzi e voli,

e ch'indi tutta la faretra scarchi

e chevisibilmente i cori involi:

quindi ii naso per mezzo it viso scende,

che non truova rinvidia ove remende.

8. Em meio a um bosque, trabalhosa e estreita,Tomam a pedregosa, íngreme via,Que ao topo vai parar, quase direita,Da elevação que por ali se erguia.

De lá, seguem a trilha, que se deitaPor entre uma espaçosa pradaria,Onde o palácio viram mais jucundoE mais belo que existe neste mundo.

9. A bela Alcina, dos portais adiante,Vem acolher Rogério, de tal sorteQue o recebeu com senhoril semblante,Em meio a toda a bela e honrada corte.

Fazem tal acolhida ao visitante,Tais reverências ao guerreiro forte,Que mais não poderiam, se dos céusDescesse a os visitar o mesmo Deus.

10. O palácio mostrava-se excelente,Não por vencer os outros em riqueza,E sim por hospedar em si tal gente

Que prima pela graça e gentileza.Cada conviva pouco é diferenteDos mais, na idade flórida e beleza:Mas Alcina era deles a mais bela,Como o sol é mais belo que uma estrela.

11. Sua pessoa era tão bem formadaQuanto as que fingem magistrais pintores;A longa cabeleira ia trançada:Ouro não há que a vença em resplendores;Avivavam-lhe a face delicadaDe rosas, lirios congraçadas coresE a fronte alegre e linda, de marfim,Ao rosto dava inigualável fim.

12. Sob dois finíssimos e negros arcosDe dois olhos, ou sóis, a luz brilhava,Que mansos fitam e se fecham parcos;O Amor, sem poupar setas de sua aljava,Brincava e revoava entre esses marcos,Feria os corações, e inda os roubava.Tão belo era o nariz, que em vão forceja

Por fazer-lhe reparo a mesma Inveja.

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Oitava 11

13. Sotto quel sta, quasi fra due vallette,

la bocca sparsa di natio cinabro;

quivi due filze son di perle elette,

che chiude ed apre un bello e dolce labro:

quindi escon le cortesi parolette

da render molle ogni cor rozzo e scabro;

quivi si forma quel suave riso,

ch'apre a sua posta in terra it paradiso.

14. Bianca nieve è it bel collo, e `l petto latte;

it collo è tondo, it petto colmo e largo:

due pome acerbe, e pur d 'avorio fatte,

vengono e van come onda al primo margo,

quando piacevole aura it mar combatte.

Non potria 1'altre parti veder Argo:

ben si pub giudicar che corresponde

a quel ch 'appar di fuor quel die s 'asconde.

15. Mostran le braccia sua misura giusta;

e la candida man spesso si vede

lunghetta alquanto e di larghezza angusta,dove né nodo appar, né vena escede.

Si vede al fin de la persona augusta

it breve, asciutto e ritondetto pied e.Gli angelici sembianti nati in cielo

non si ponno celar sotto alcun velo.

16. Avea in ogni sua parte un laccio teso,

o parti o rida o canti o passo muova:

né maraviglia è se Ruggier n 'è preso,

poi che tanto benigna se la truova.

Quel che di lei già avea dal mirto in teso,

com'è perfida e ria, poco gli giova;

ch 'inganno o tradimento non gli è aviso

che possa star con si soave riso.

17. Anzipur creder vuol che da cortei

fosse converso Astolfo in su l'arena

per li suoi portamenti ingrati e rei,

e sia degno di questa e di pieipena:

e tutto quel ch 'udito avea di lei,

stima esser falso; e che vendetta mena,

e mena astio ed invidia quel dolente

a lei biasmare, e che del tutto mente.

13. Duas covinhas vêem-se abaixo, estreitas,

Na boca ostenta natural cinabre;Duas fieiras de pérolas eleitasMostra, se os doces lábios entreabre,

Dos quais palavras meigas vão direitasAos corações, e aos mais impérvios abre.Forma-se em lábios tais o suave riso

Que dá a entrever na terra o paraíso.

14. É o colo branca neve, leite o peito;Roliço é o colo; o peito ancho se espraia;As pomas miúdas, de marfim perfeito,Vêm e vão, como à brisa ondas da praia.Das outras partes, divisar o aspeitoNão lograra nem Argos, de atalaia;Mas deixa-se entender que correspondeAo que se avista aquilo que se esconde.

15. Mostram seus braços a medida justa;Muito amiúde a mão cândida se vêAlgo alongada, de largura angusta,Sem veia ou ruga que desarlhe dê.Vê-se, afinal, de sua pessoa augustaO miudinho e pequenino pé.Feições angelicais, vindas do céu,Nâo alcança encobri-las nenhum véu.

16. Laços faz de seus membros, para a caça,Que prendem a Rogério, e não admira:Pois se ela fala ou ri ou canta ou passa,É sempre benquerença o que lhe inspira.Do perigos que o cercam, da ameaçaDe engano e de traição o preveniraO mirto, que o pusera sobreaviso:Mas ele os não vislumbra em tal sorriso.

17. E mais: deseja crer que de movê-laA castigar Astolfo com tal penaFoi causa a ingratidão que este revela,E que é brando o castigo a que o condena.Estima que o outro é falso, ao maldizé-la,Pois apregoa o que a vingança ordena,E que, por ódio e inveja, o impenitenteAgora a desabona e, enfim, que mente.

18. La bella donna che cotanto amava,

novellamente gli è dal cor partita;

che per incanto Alcina gli lo lava

d'ogni antica amorosa sua ferita;

e di sé sola e del suo amor lo grava,

e in quello essa riman sola sculpita:

si che scusar il buon Ruggier si deve,

se si mostrd quivi incostante e lieve.

18. A bela dama que ele tanto amava

Já de seu coração anda banida;Pois Alcina com mágica lhe lavaDo mais antigo amor toda a ferida;Com novo amor o peito então lhe escava,

Por ficar, sem rivais, nele esculpida:A Rogério perdoar, p ois, não recuseQuem de inconstante e de leviano o acuse.

Oitava 18

Oitava 19

20. Qual mensa trionfante e suntuosa

di qualsivoglia successor di Nino,

o qual mai tanto celebre e famosa

di Cleopatra al vincitor latino,

potria a questa esser par, che 1 'amorosa

fata avea posta inanzi al paladino?

Tal non cred'io che s 'apparecchi dove

ministra Ganimede al sommo Glove.

21. Tolte the fur le mense ele vivande,

facean, sedendo in cerchio, un giuoco lietc

che ne l'orecchio run l'altro domande,

come piìi piace lor, qualche secreto;

it che agli amanti fu commodo grande

di scoprir l 'amor for Benza divieto:

efuron for conclusions estreme

di ritrovarsi quella notte insieme.

22. Finir quel giuoco tosto, e molto inanzi

che non solea là dentro esser costume:

con torchi allora i paggi entrati inanzi,

le tenebre cacciar con molto lume.

Tra bella compagnia dietro e dinanziand() Ruggiero a ritrovar be plume

in una adorna e fresca cameretta,

per la miglior di tutte l 'altre eletta.

23. E poi che di confetti e di buon vini

di nuovo fatti fur debiti inviti,

e partir gli altri riverenti e chini,

ed alle stanze for tutti sono iti;

Ruggiero entr() ne 'profumati linithe pareano di man d 'Aracne usciti,tenendo tuttavia 1'orecchie attente,

s'ancora venir la bella donna sente.

24. Ad ogni piccol moto ch 'egli udiva,

sperando che fosse ella, it capo alzava:

sentir credeasi, e spesso non sentiva;

poi del suo errore accorto sospirava.

Talvolta uscia del letto e 1'uscio apriva,

guatava fuori, e nulla vi trovava:

e maledi ben mine volte fora

che faces al trapassar tanta dimora.

20. Que mesa triunfante e suntuosa,Das que fez pôr um sucessor de Nino,Que mesa, inda que a célebre e famosaCom que honrou Cleopatra ao grão latino,Se compara a esta mesa, onde a amorosaFeiticeira entreteve o paladino?Em mesa igual não creio se comproveQue Ganimedes sirva ao sumo Jove.

21. Enfim, ao começar a sobremesa,Formaram roda e fez-se este brinquedo:Cada qual nos ouvidos de outro reza,Como melhor lhe apraz, algum segredo;O par de enamorados não desprezaO azado instante de se abrir sem medo.Ambos concluem, tratados seus assuntos,Que hão de passar aquela noite juntos.

22. A brincadeira deixam muito antesDo que naquela roda era costume;Aios trazem tocheiros flamejantes,E expulsam logo as trevas com seu lume.Rogério, entre os convivas circundantes,De fresca e linda alcova a posse assume,Que as fofas plumas tornam mais aceita;E que foi, por melhor da casa, eleita;

23. Tendo, com iguarias e bons vinhos,Voltado a lhe fazer brindes devidos,Reverentes, inclinam-se os vizinhos,Logo a seus aposentos recolhidos.Rogério entrou nos perfumados linhosQue de Aracne igualavam os tecidos,Mas a audição conserva sempre atentaPor perceber se a dama se apresenta.

24. Ao mínimo rumor que percebia,A esperá-la, a cabeça levantava;Julgava ouvir, e às vezes nada ouvia,Depois, desenganado, suspirava.Pondo-se em pé, as portas entreabria,Olhava fora, e nada divisava:Mais de mil vezes maldizia a horaQue a passar exigia tal demora.

25. Tra sé dicea sovente: – Or si parte ella; –

e cominciava a noverare ipassi

ch'esser potean da la sua stanza a quella

donde aspettando sta che Alcina passi;

e questi ed altri, prima che la Bella

donna vi sia, vani disegni fassi.

Teme di qualche impedimento spesso,

che tra it frutto e la man non gli sia messo.

26. Alcina, poi ch 'a'preziosi odori

dopo gran spazio pose alcuna meta,

venuto it tempo chepiìi non dimori,

ormai ch 'in casa era ogni cosa cheta,

dela camera sua sola uscì fuori;e tacita n ' andò per via secreta

dove a Ruggiero avean timore e speme

gran pezzo intorno al cor pugnato insieme.

27. Come si vide it successor d 'Astolfo

sopra apparir quelle ridenti stelle,

come abbia ne le vene acceso zolfo,

non par che capir possa ne la pelle.

Or sino agli occhi ben nuota nel golfo

de le delizie e de le cose belle:

salta del letto, e in braccio la raccoglie,

népue tanto aspettar ch'ella si spoglie;

28. ben che né gonna né faldiglia avesse;

che venne avolta in un leggier zendado

che sopra una camicia ella si messe,

bianca e suttil nel piú eccellente grado.

Come Ruggiero abbraccià lei, gli cesse

it manto: e resto it vel suttile e rada,

che non copria dinanzi né di dietro,

pid che le rose o i gigli un chiaro vetro.

29. Non cosi strettamente edera preme

pianta ove intorno abbarbicata s 'abbia,

come si stringon li dui amanti insieme,

cogliendo de lo spirto in su le labbia

suave flor, qual non produce seme

indo o sabeo ne l'odorata sabbia.

Del gran piacer ch 'avean, for dicer tocca;

che spesso avean piü d 'una lingua in bocca.

25. Consigo ia dizendo: – Já vem ela; –A estimar a distância que, no paço,De sua alcova separava a dela,E, um por um, a contar-lhe cada passo.Desvanece-se a conta, pois a belaAlcina não percorre aquele espaço.Rogério a recear, então, começaQue algo entre a mão e a fruta se atravessa.

26. Alcina, entre riqufssimos odores,Demora-se, até quando se completaO tempo em que, cessados os rumores,Estava sua casa toda quieta.Do quarto deixa, então, os arredores,E vai, tácita e só, por via secretaAonde Rogério está a sentir no peitoQue esperanças e medos travam pleito.

27. Quando àquele risonho par de estrelasO sucessor de Astolfo vê de chofre,Sente entrar-lhe nas veias e acendê-lasUma corrente de inflamado enxofre.Engolfa-se em mar doce de águas belas,Já moderar seus ímpetos não sofre:Salta do leito, e avidamente a abraçaAntes que ela das vestes se desfaça;

28. Inda que nem saiote nem brialA cubra, pois enverga como estolaSomente umligeirissimo cendalSobre a alvura sutil da camisola.Rogério a abraça, cai-lhe o manto, e malPodia aquele véu sutil compô-la:Assim recobre, por detrás e à frente,Ao lírio e à rosa o vidro transparente.

29. Nos braços um ao outro prende e apertaMais que hera quando em tronco se enraíza;O encontro dos alentos já despertaA flor que os lábios colhem nessa brisa:

Fragrância comparável não ofertaO grão que Índia e Sabéia fertiliza.Falar de tais prazeres a eles toca,Que está mais de uma lingua em cada boca.

Oitava 30

30. Queste cose là dentro eran secrete,

o se pur non secrete, almen taciute;

che raro fu tener le labra chete

biasmo ad alcun, ma ben spesso virtute.

Tutte proferte ed accoglienze liete

fanno a Ruggier quelle persone astute:

ognun lo reverisce e se gli inchina;

che cosi vuol l ' innamorata Alcina.

30. Estas coisas, lá dentro, são segredoOu delas, quando não, nada se escuta;Que raramente é culpa estar-se quedo:Virtude, antes, mil vezes se reputa.Acolhimento serviçal e ledoFaz a Rogério aquela gente astuta:Cada qual reverente se lhe inclinaPois assim quer a enamorada Alcina.

31. Non e diletto alcun che di fuor reste;

che tutti son ne l'amorosa stanza.

E due e tre volte it dì mutano veste,

falte or ad una ora ad un ' altra usanza.

Spesso in conviti, e sempre stanno in feste,

in giostre, in lotte, in scene, in bagno, in danza.

Or presso ai fonti, all'ombre de 'poggetti,

leggon d 'antiqui gli amorosi detti,

32. or per 1'ombrose valli e lieti colli

vanno cacciando lepaurose lepri;

or con sagaci cani i fagian folli

con strepito uscir fan di stoppie e vepri;

or a ' tordi lacciuoli, or veschi molli

tendon tra gli odoriferi ginepri;

or con ami inescati ed or con reti

turban a'pesci i grati for secreti.

33. Stava Ruggiero in tanta gioia e festa,

mentre Carlo in travaglio ed Agramante,

di cui 1 'istoria io non vorrei per questa

porre in oblio, né lasciar Bradamante,

che con travaglio e con pena molesta

pianse piú giorni ii disiato amante,

ch 'avea per strade disusate e nuove

veduto portar via, né sapea dove.

34. Di costei prima che degli altri dico,

che moltigiorni andò cercando invano

pei boschi ombrosi e per lo campo aprico,per ville, per cittd, per monte e piano;

né mai pote saper del caro amico,che di tanto intervallo era lontano.

Ne 1 'oste saracin spesso venìa,

né mai del suo Ruggier ritrovò spia.

35. Ogni dì ne domanda a piú di cento,

né alcun le ne sa mai render ragioni.

D 'alloggiamento va in alloggiamento,

cercandone e trabacche e padiglioni:

e lo pm) far; che senta impedimento

passa tra cavallieri e tra pedoni,

mercê all'annel the fuor d'ogni uman uso

la fa sparir quando 1'e in bocca chi uso.

31. Gozos, não há sair para buscá-los,Que na mansão de amor tudo se alcança;Hávariegados trajes, e o mudá-losDuas vezes e três a ninguém cansa.

Vivem entre banquetes e regalos,Em justas, lutas, palcos, banho e dança;Junto às fontes, de outeiros ao abrigo,Lêem ditames de amor do tempo antigo.

32. Por frescos vales e colinas vãoA dar caçada à lebre assustadiça;

Fazem sair, ruidosos, o faisãoDas moitas aonde aos cães o faro atiça;

Entre giestas cheirosas, co ' o alçapãoPrendem tordos na goma pegadiça;Ao fundo lançam isca, anzol e redeE aos peixes o sossego assim se impede.

33. Vivia pois Rogério em gozo e festa,E em luta estavam Carlos e Agramante,Cuja história não quero que por estaSe esqueça, ou que se esqueça Bradamante,Que atormentada pela dor molestaChorou, dias a fio, saudosa, o amante:Vira-o levado por impérvia estrada,De onde foi ter, porém, não soube nada.

34. E dela, antes dos outros, pois, eu digoQue por dias correu, em vã procura,Sob o sol ou das matas ao abrigo,Serra e cidades, póvoas e planura,Sem notícia alcançar do caro amigo,Cuja distância mal se lhe afigura.Viu dos mouros mil vezes o arraial,Sem achar de Rogério algum sinal.

35. Todo o dia interroga mais de um cento,Mas ninguém sabe dar-lhe explicações;Passa de alojamento a alojamento,A dar busca por tendas, pavilhões:Pode fazê-lo, e sem impedimentoPõr-se entre cavaleiros e peões,Mercê do anel, pois basta que ela o tomeNa boca, e estranhamente logo some.

36. Né pub né creder vuol che morto sia;

perché di si grande uom l 'alta ruivada l 'onde idaspe udita si saria

fin dove it sole a riposar declina.

Non sa né dir né imaginar the via

far possa o in cielo o in terra; e pur meschinalo va cercando, e per compagni mena

sospiri e pianti ed ogni acerba pena.

37, Pens() al fin di torn are alfa spelonca

dove eran Possa di Merlin profeta,

egridar tanto intorno a quella conca,

che `i freddo marmo si movesse a pieta;

the se vivea Ru N, iero, o gli avea troncafalta necessita la vita lieta,

si sapria quindi: e poi s'appiglierebbe

a quel miglior consiglio che n'avrebbe.

38. Con questa intenzion prese it camino

verso le selve prossime a Pontiero,

dove la vocal tomba di Merlino

era vascosa in loco alpestre e fiero,

Ma quella maga the sempre vicino

tenuto a Bradamante avea it pensiero,

quella, dico io, the ne la bella grotta

l 'avea de la sua stirpe istrutta e dotta;

39. quella benigna e saggia incantatrice,

la quale ha sempre cura di costei,

sappiendo ch'esser de 'progenitrice

d ' uomini invitti, anzi di semidei;

ciascun dì vuol saper the fa, che dice,

e getta ciascun di sorte per lei.

Di Ruggier liberato e poi perduto,

e dove in India andá, tutto ha saputo.

40. Ben veduto 1 'avea su quel cavallo

che regger non potes, ch 'era sfrenato,

scostarsi di lunghìssimo intervallo

per sentier periglioso e non usato;

e ben sapea the stava in giuoco e in bailo

e in cibo e in ozio molle e delicato,

né piìt memoria avea del suo signore,

né de la donna sua, né del suo onore.

36. Acreditá-lo morto não deseja,Que de homem tão excelso tal ruínaÉ bem de crer que divulgada esteja,Do Hidaspes até onde o sol declina;Mas não sabe o caminho seu qual seja,Por terra ou céus; e, triste peregrina,Segue a busca, sem outra companhiaQue os suspiros e o pranto que vertia.

37. Pensou enfim em retornar à lapaQue guarda os ossos de Merlim profeta;E clamar com tal dor, que a fria capa

Marmórea de piedade se derreta;Se Rogério inda vive, ou se lhe escapaA vida, pois o fado assim decreta,Ao lá chegar, então, conheceriaE ao mais prudente alvitre se ateria.

38. Tomou caminho, pois, com este fim,Das florestas vizinhas de Ponteu,Onde a tumba falante de MerlimEntre rochas e brenhas se escondeu.Enquanto Bradamante segue, assim,Vigia a maga, que nunca a esqueceu;Falo da maga que na bela grutaDo porvir de sua estirpe a pós à escuta.

39. A boa e sábia maga é protetora,' Desta dama, que já se lhe revelaDe•invictos semideuses genitora.Dia após dia a feiticeira zelaPor lhe lançar a sorte e nada ignoraDas ações e palavras da donzela.De Rogério, liberto e ora perdidoNas Índias, tudo, pois, lhe é bem sabido.

40. Bem o vira, montado no cavalo(Sempodé-lo deter, desenfreado),Percorrer extensíssimo intervaloPor perigoso trilho e desusado;Bem sabia que estavam a cercá-lo

Festins, jogos e ócio delicado,Sem lembrança guardar de seu senhor,De sua dama, e sequer de seu honor.

41. E cosi ii flor de li begli anni suoi

in lunga inerzia aver potria consunto

si gentil cavallier, per dover poi

perdere it corpo e l'anima in un punto;

e quel odor, che sol riman di noi,

pascia che `1 resto fragile e defunto,che tra' 1'uom del sepulcro e in vita it serba,

gli saria stato o tronco o svelto in erba.

42. Ma quella gentil maga, che pits cura

n 'avea ch 'egli medesmo di se stesso,

pens() di trarlo per via alpestre e dura

alia vera virtts, mal grado d'esso:

come eccellente medico, che cura

con ferro e fuoco e con veneno stesso,

che se ben molto da principio offende,

poi giova al fine, e grania se gli rende.

43. Ella non gli era facile, e talmente

fattane cieca di superchio amore,

che, come facea Atlante, solamente

a darli vita avesse posto it core.

Quel pits tosto volea che lungamente

vivesse e senza fama e senza onore,

che, con tutta la laude che sia al mondo,

mancasse un anno al suo viver giocondo.

44. L'avea mandato all'isola d 'Alcina,

perché obliasse l'arme in quella corte;

e come mago di somma dottrina,

ch ' usar sapea gl'incanti d'ogni sorte,

avea it cor stretto di quella regina

ne l'amor d'esso d'un laccio sì forte,

che non se ne era mai per poter sciorre,

s 'invecchiasse Ruggier pits di Nestorre.

45. Or tornando a colei, ch ' era presaga

di quanto de ' avvenir, dico che tenne

la dritta via dove 1'errante e vaga

figlia d 'Amon seco a incontrar si venne.

Bradamante vedendo la sua maga,

muta la pena che prima sostenne,

tutta in speranza; e quella 1 'apre it vero:

ch 'adAlcina è condotto it suo Ruggiero.

41. Longa inércia anos flóridos corrói,Se é de bravo guerreiro único assunto,E estragaria a este, como sói,Do corpo a vida e a vida da alma junto.A fragrância que vence o que destróiOs despojos inertes do defunto,E da campa nos salva e nos preserva,Lhe iria fenecer qual frágil erva.

42. Mas a maga gentil melhor o trataQue ele a si mesmo, e cuida em como o ajude;Por isso o faz a via áspera e ingrataSeguir, a contragosto, da virtude;Qual médico excelente que maltrata,Com ferro, fogo e tóxico amiúde:Ofender, a princípio, nos parece,Depois nos dá o vigor, que se agradece.

43. Não se fazia a maga de indulgente,

Nem a cegava o desmedido amor,Como Atlante, que vivo tão-somenteO queria, sem nada mais propor.Bastava tê-lo vivo longamente,Inda que falto de honra e de louvor;Perdesse embora a glória deste mundo,Mas nenhum dia do viver jucundo.

44. Ele o mandara à ínsula de Alcina,Por que esquecesse as armas em tal corte;E qual mago provecto, que dominaOs feitiços de toda e qualquer sorte,O coração daquela dama inclinaAo novo amor, e o prende em laço forte,Que nunca se viria a descompor,Vivesse mais Rogério que Nestor.

45. Voltando, pois, àquela que pressagaFoi do porvir, eu digo que se ateve

A estrada reta, onde encontrou a vagaFilha de Amon, que a percorrê-la esteve.Já Bradamante, ao contemplar a maga,Transforma em esperança a dor que teve;

Diz-lhe a maga a verdade, sem mistério:Que junto a Alcina se acha o seu Rogério.

46. La giovane rimara presso che morta,

quando ode che suo amante e cosi lunge;

e pia, che nel suo amor periglio porta,

se gran rimedio e subito non giunge:

ma la benigna maga la conforta,

e presta pan 1'i mpiastro ove it duol punge,

e le promette egiura, in pochi giorni

far che Ruggiero a riveder lei torni.

47. – Da che, donna (dicea), l 'annello hai teco,

che val contra ogni magica fattura,

io non ho dubbio alcun, che s ' io l 'arrecold dove Alcina ogni tuo ben ti fura,

ch'io non le rompa it suo disegno, e meconon ti rimeni la tua dolce cura.

Me n 'andrà questa sera alia prim'ora,

e sarà in India al nascer de l 'aurora.

48. E seguitando, del modo narrolle

che disegnato avea d 'adoperarlo,

per trar del regno effeminato e molle

it caro amante, e in Francia rimenarlo.

Bradamante 1'annel del dito toile;

né sola mente avria voluto darlo,

ma dato it core e dato avria la vita,

pur che n'avesse it suo Ruggiero aita.

49. Le da 1'annello e se le raccomanda;

e pia le raccomanda it suo Ruggiero,

a cui per lei mille saluti manda:

poi prese ver Provenza altro sentiero.

And() 1'incantatrice a un'altra banda;

e per porre in effetto it suo pensiero,

un palafren fece apparir la sera,

ch'avea un pie rosso, e ogn 'altra parte nera.

50. Credo fosse unAlchino o un Farfarello,

che da l'inferno in quella forma trasse;

e scinta e scalza mont() sopra a quello,

a chiome sciolte e orribilmente passe:

ma ben di dito si lev()1'annello,

perché gl 'incanti suoi non le vietasse.

Poi con tal fretta and(), che la matina

si ritrovà ne l ' isola d'Alcina.

46. Fica ali a donzela quase morta,Pois seu amor distante se mantinhaE em tanto risco, que em perdê-lo importa,Se algum remédio não lhe chega azinha.Mas a maga benévola a conforta,Mitigando-lhe a dor com sua mezinha:Bem poucos dias passarão, atéRever Rogério (jura-lhe e dá fé).

47. –Mulher (dizia), já que tens contigoO anel que toda a mágica esconjura,Bem saberei, se o carregar comigoAonde Alcina teu amor captura,Livrar de seu feitiço a teu amigo,Devolvendo-te a doce criatura.De tarde irei, logo à primeira hora,

Para chegar às Índias com a aurora. –

48. E prosseguiu falando-lhe da empresaQue havia já traçado por salvá-loDo efeminado reino de molezaE a França novamente transportá-lo.Retira o anel do dedo com prestezaBradamante, disposta já a entregá-lo;Daria, mais, o coração e a vida,Por ajudar Rogério na fugida.

49. Confia o anel à maga e lhe confia

Rogério (inda com prece mais intensa),A quem mil saudações por ela envia;Depois toma outro rumo, o de Provença.Para outra parte a feiticeira guiaE para pôr em obras o que pensa,Faz surgir nessa tarde um palafrémQue, embora negro, um pé vermelho tem.

50. Creio que seráAlquino ou Farfarel,Que assim mudado dos infernos venha;Monta a maga descalça no corcel:Nada lhe cinge a roupa e a horrível grenha;

Tirou, porém, do dedo aquele anel,Para que seus bruxedos não detenha.Depois, ligeira à meta se destinaE de manhã se achou na ilha de Alcina.

51. Quivi mirabilmente transmutosse:

s 'accrebbe piú d'un palmo di statura,efe' le membra a proporzion piú grosses

e rest() a punto di quella misura

che si penso che negromante fosse,quel che nutri Ruggier con si gran cura.

Vesti di lunga barba le mascelle,

e fe ' crespa la fronte e l ' altra pelle.

52. Di faccia, di parole e di sembiante

si lo seppe imitar, che totalmente

potes parer l'incantator Atlante.

Poi si nascose e tanto pose mente

che da Ruggiero allontanar 1'amante

Alcina vide un giorno finalmente:

e fu gran sorte; che di stare o d'ire

senza esso un'ora potea mal patire.

53. Soletto lo trovo, come lo voile,

che si godea it matin fresco e sereno

lungo un bel rio che discorrea d ' un colle

verso un laghetto limpido ed ameno.

Il suo vestir delizioso e molle

tutto era d 'ozio e di lascivia pieno,che de sua man gli avea di seta e d ' oro

tessuto Alcina con sottil lavoro.

54. Di ricchegemme un splendido monile

gli discendea dal collo in mezzo it perto;

e ne l'uno e ne l'altro gid virilebracciogirava un luzido cerchietto.

Gli avea forato un flu d'oro sottile

ambe 1'orecchie, in forma d 'annelletto;

e due gran perle pendevano quindi,

qua' mai non ebbon gli Arabi né gl ' Indi.

55. Umide avea l'innanellate chiome

de ' piú suavi odor che seno in prezzo:

tutto ne ' gesti era amoroso, come

fosse in Valenza a servir donne avezzo:

non era in lui di sano altro che `I nome;

corrotto tutto it resto, e piú che mezzo.

Cosi Ruggier fu ritrovato, tanto

da l'esser suo mutato per incanto.

51. Ali estupendamente se transforma:Aumenta mais de um palmo de estatura,O tamanho dos membros lhe conforma;Do nigromante, assim, toma a figuraSem lhe tirar nem pôr, e a mesma formaDo que criou Rogério com ternura.Os queixos recobriu de barba vasta;A fronte fez rugosa, a pele gasta.

52. No rosto, nas palavras, no semblante,Imita- o tão bem, que totalmenteJá se assemelha ao feiticeiro Atlante.Então se esconde, e espera que se ausenteAlcina de Rogério algum instante;Foi o que viu, um dia, finalmente,Por sorte grande, já que, ao ir e vir,

Não quer ela do amante prescindir.

53. A sós o encontrou, como queria,

O dia a desfrutar, fresco e sereno,Junto a um rio, que de um monte refluíaA um belo lago, límpido e pequeno.

Seu traje, de fazenda mui macia,Estava de ócio e de lascívia pleno,De ouro e de seda Alcina o quis compor,E o teceu com finissimo lavor.

54. De ricas gemas um colar gentil

Entre o pescoço e o peito se lhe mete;Em cada braço, outrora mui viril,Se lhe enrosca um luzido bracelete.Perfura cada orelha um mui sutilAro d' ouro, lavrado num filete;Dos aros pendem pérolas, são duas;Índia e Pérsia não têm iguais às suas.

55. Frisada e úmida tinha a cabeleira,Fragrante de caríssimo perfume;Amoroso era o gesto, da maneiraQue em Valença o galã co' a dama assume;

Se o nome inda mantém a fama inteira:A tudo o mais a corrupção consume.Estava assim Rogério, a quem já tantoHavia mudado o poderoso encanto.

56. Ne la forma d 'Atlante se gli affaccia

colei, che la sembianza ne tenea,

con quella grave e venerabil faccia

che Ruggier sempre riverir solea,

con quello occhio pien d ' ira e di minaccia,

che si temuto già fanciullo avea;

dicendo: — È questo dunque it frutto ch'io

lungamente atteso ho del sudor mio?

56. Como Atlante, eis que então se lhe deparaA que co' o encantador se parecia,Mostrando a grave e veneranda caraÀ qual Rogério sempre obedecia.Co ' o olhar irado e ameaçador o encaraQue receio, na infância, lhe metia,E diz: — Hei de este fruto colher euDos muitos anos de trabalho meu?

Oitava 56

57. Di medollegib d ' orsi e di leoni

tiporsi io dunque li primi alimenti;

t ' ho per caverne ed orridi burroni

fanciullo avezzo a strangolar serpenti,

pantere e tigri disarm ar d 'ungioni

ed a vivi cingial trar spesso i denti,

accib che, dopo tanta disciplina,

tu sii 1 'Adone o l'Atide d'Alcina?

58. È questo, quel che 1'osservate stelle,

le sacre fibre e gli accoppiatipunti,

responsi, auguri, sogni e tutte quelle

sorti, ove ho troppo i miei studi consunti,

di te promesso sin da le mammelle

m 'avean, come quest'anni fusser giunti:

ch 'in arme l'opre tue cosi preclare

esser dovean, che sarian senza pare?

59. Questo e ben veramente alto principio

onde si pub sperar che tu sia presto

a farti un Alessandro, un Iulio, un Scipio!

Chi potea, ohimè! di te mai creder questo,

che ti facessi d 'Alcina mancipio?

E perché ognun lo veggia manifesto,

al collo ed alle braccia hai la catena

con che ella a voglia sua preso ti mena.

60. Se non ti muovon le tueproprie laudi,

e 1'opre escelse a chi t'ha it cielo eletto,

la tua succession perché defraudi

del ben che mille volte io t 'ho predetto?

deh, perché it ventre eternamente claudi,

dove it ciel vuol che sia per te concetto

la gloriosa e soprumana prole

ch 'esser de' al mondo pin chiara che `1 sole?

61. Deh non vietar che le piú nobil alme,

che Sian formate ne l'eterne idee,

di tempo in tempo abbian corporee saline

dal ceppo che radice in te aver dee!

Deh non vietar mille trionfi e palme,

con che, dopo aspri danni e piaghe ree,

tuoi figli, tuoi nipoti e successori

Italia torneran neiprimi onori!

57. De medulas de ursos eleõesTe alimentei, nos anos inocentes,Quando em furnas e em hórridos grotõesTe acostumei a estrangular serpentes,Deixar tigres, panteras sem farpõesE derrancar aos javalis os dentes.Depois de tão severa disciplina,Adónis, Atis queres ser de Alcina?

58. Foi este o fim de perscrutar estrelas,De entranhas ler, de unir um e outro ponto,De oráculos, visões, sonhos, daquelasVigílias a lançar sortes sem conto?Promessas tais, havia eu de prevê-lasPara ti, quando fosse o tempo pronto?E tudo não me estava a revelarQue em armas brilharias, sem ter par?

59. E dos mais altos teu começo! Emule-oQuem quiser, como tu, chegar depressaA ser Cipião, ou Alexandre, ou Júlio!Quem pode crer, oh dor!, que isto aconteça,Que de Alcina sucumbas ao acúleo?E por que a servidão mais apareça.Tens no pescoço e braços a cadeiaCom que ela a seu alvitre te meneia.

60. Se não te move ser dos céus eleitoA grandes obras, nem tuas próprias loas,Pensa nas predições que tenho feito:Será impossível que te não condoasDa geração que surgirá em teu leito.Não deves defraudar tantas pessoas,Pois quer o Céu que geres uma raçaCujo fulgor ao mesmo sol embaça!

61. Não impeças o ser, que aos teus empalmas:Formados foram de eternais idéiasPara unirem aos corpos suas almas,No tempo e nesta árvore que esteias!Não impeças triunfos mil e palmasCom que, depois de muitas chagas feias,Teus filhos e teus netos ou herdeirosA Itália volverão troféus cimeiros!

62. Non ch'a piegarti a questo tante e tante

anime belle aver dovesson pondo,

che chiare, illustri, inclite, invitte e santeson per fiorir da l'arbor tuo fecondo;

ma ti dovria un coppia esser bastante:

Ippolito e it fratel; the pochi ii mondoha tali avuti ancor fin al dì d'oggi,

per tutti i gradi onde a virtú si poggi.

63. Io solea piú di questi dui narrarti,

ch'io non facea di tutti gli altri insieme;

sì perché essi terran le maggior parti,che gli altri tuoi, ne le virtú supreme;

sì perché al dir di for mi vedea dartipiú attenzion, che d'altri del tuo seme:

vedea goderti che si chiari eroi

esser dovessen dei nipoti tuoi.

64. Che ha costei che t'hai falto regina,

che non abbian mill'altre meretrici?

costei che di tant 'altri è concubina,

ch ' al fin sai ben s'ella suol far felici.

Ma perché tu conosca chi sia Alcina,

levatone le fraudi e gli artifici,

tien questo annello in dito, e torna ad ella,

ch'aveder ti potrai come sia bella. –

65. Ruggier si stava vergognoso e muto

mirando in terra, e mal sapea che dire;

a cui la maga nel dito minuto

pose 1'annello, e lo fe ' risentire.

Come Ruggiero in sé fu rivenuto,

di tanto scorno si vide assalire,

ch'esser vorria sotterra milk braccia,

ch'alcun veder non lo potesse in faccia.

66. Ne la sua prima forma in uno istante,

cosi parlando, la maga rivenne;

né bisognava piú quella d'Atlante,

seguitone 1 'effetto per che venne.

Per dirvi quel ch 'io non vi dissi inante,

costei Melissa nominata venne,

ch 'or die a Ruggier di sé notizia vera,

e dissegli a che effetto venuta era;

62. Mas quando não bastassem tantas, tantasAlmas ilustres a mover-te fundo,Almas grandes, invictas, nobres, santas,Que brotarão do tronco teu fecundo,Bastem duas somente, entre essas plantas:Hipólito e o irmão, pois este mundoMal verá iguais, e raro ainda é hojeQuem à virtude, como os dois, se arroje.

63. Mais casos destes dois quis eu narrar-teQue de todos os pósteros demais,Porque eles herdarão a maior parteDentre tuas virtudes principais,E porque, estando eu deles a falar-te,Atenção me prestavas sempre mais:Eu te via feliz por estes doisTeus descendentes e ínclitos heróis.

64. Mas esta que te enleva e te domina

Que tem mais que mil outras meretrizes?De muitos já tem sido concubina:Bem sabes se ela os fez depois felizes.E para que conheças quem é Alcina,Despojada de falsos chamarizes,Põe no dedo este anel, vai ter com ela,E verás se se pode dizer bela. –

65. Rogério estava envergonhado e mudo,

A olhar o chão, sem ter que redargüir;A maga lhe enfiou no dedo miúdoO anel, e o fez em si por fim cair.Então Rogério se inteirou de tudoE tal vexame entrou logo a sentir,Que, contente, mil braças se enterrara

Para que ninguém mais lhe visse a cara.

66. A sua antiga forma, nesse instante,Assim falando, a maga então recobra;Supérfluo era passar-se por Atlante,Pois a bom termo conduzira a obra.E ficará sabido doravanteO que por revelar inda me sobra:Ela é Melissa; e de seu nome inteiraA Rogério, e da traça verdadeira:

67. mandata da colei, the d ' amor piena

sempre it disia, né pia pub starve senza,per liberado da quella catena

di che lo tine magica violenza:

e preso avea d'Atlante di Carenala forma, per trovar meglio credenza.

Ma poi ch'a sanita 1 'ha ormai ridutto,

gli vuole aprire e far the veggia it tutto.

68. – Queila donna gentil che t'ama tanto,

quella che del tuo amor degna sarebbe,

a cui, se non ti scorda, tu sai quanto

tua liberta, da lei servata, debbe;

questo annel che ripara ad ogni incanto,

ti manda: e cosi it cor mandato avrebbe,

s'avesse avuto it cor cosi virtute,

come 1'annello, atta alia tua salute. –

69. E seguiu) narrandogli 1'amore

che Bradamante gli ha portato e porta;

di quella insieme comendb it valore,

in quanto it vero e 1 'affezion comporta;

ed us() modo e termine migliore

che si convenga a messa cera accorta:ed in quel odio Alcina a Ruggier pose,

in che soglionsi aver l 'orribil cose.

70. In odio gli la pose, ancor che tanto

1'amasse dianzi: e non vi paia strano,

quando it suo amor per forza era d'incanto,

ch'essendovi Patinei, rimase vano.

Fece 1'annel palese ancor, che quanto

di beltd Alcina avea, tutto era estrano:

estrano avea, e non suo, dal pie alia treccia;

it bei ne starve, e le restb la feccia.

71. Come fanciullo che maturo frutto

ripone, e poi si scorda ove e riposto,

e dopo molti giorni e ricondutto

lc) dove truova a caso it suo deposto,

si maraviglia di vederlo tutto

putrido e guasto, e non come fu posto;

e dove amarlo e caro aver solia,

Podia, sprezza, n'ha schivo, e getta via:

67. Ali está, pois alguém assim lhe ordenaQue muito o ama e não lhe sofre a ausência;Dos grilhões vem livrá-lo em que inda penaAcorrentado à mágica violência;Tomou feição de Atlante de Carena,Para melhor lhe granjear a audiência;Mas ora que a saúde lhe devolve,O que antes ocultara desenvolve.

68. – A donzela gentil que te ama tanto(E que a ames seu mérito prescreve),Aquela a quem, se o lembras, sabes quantoA liberdade que ora tens se deve,Manda-te o anel que vence todo o encanto;Mas por mandar-te o coração esteve,E o mandará, se creres que te ajude,Como o anel, a voltares à saúde. –

69. E conta-lhe em seguida todo o amor

De Bradamante, e o muito que lhe quer;Com verdade e afeição ergue o louvorDo mérito e valor de tal mulher;Ao seu falar, dava a expressão melhor,Que enviado prudente há de manter;Faz que de Alcina tal horror.se metaEm Rogério, qual vem de coisa abjeta.

70. Meteu-lhe horror, inda que o amor foi tanto;Nem vos pareça estranho ocorrer isso,Que foi o amor forçado pelo encanto,E com o anel desfez-se-lhe o feitiço.Mostrou também o anel que tudo quantoTinha Alcina de belo era postiço:Tudo postiço, da cabeça aos pés:Ficou-lhe a escória; o belo se desfez.

71. Guarda ao fruto maduro uma criança,E esquece-lhe depois onde o tem posto;Se o tempo lhe avivar essa lembrança,Corre a buscá-lo, ávida e com gosto;

Mas estragado e podre a mão o alcançaE o espanto the domina então o rosto:O que lhe apetecia, causa agoraHorror, asco, repulsa, e o lança fora.

72. cosi Ruggier, poi che Melissa fece

ch'a riveder se ne torrid la fata

con quell'annello inanzi a cui non lece,

quando s 'ha in dito, usare opra incantata,

ritruova, contra ogni sua stima, invece

de la belfa, che dianzi avea lasciata,donna si laida, che la terra tutta

né la pii vecchia avea né la piei brutta.

73. Pallido, crespo e macilente avea

Alcina it viso, it crin raro e canuto,

sua statura a sei palmi non giungea:

ogni dente di bocca era caduto;

the pii d 'Ecuba e pii de la Cumea,ed avea piei d 'ogn 'altra mai vivuto.

Ma si Parti usa al nostro tempo ignote,

che belfa e giovanetta parer puote.

74. Giovane e bella ells si fa con arte,

si che molti ingannd come Ruggiero;

ma l'annel venne a interpretar le carte

che gid molti anni avean celato it vero.

Miracol non è dunque, se si parte

de l'animo a Ruggier ogni pensiero

ch 'avea d'amare Alcina, or che la truova

in guisa, che sua fraude non le giova.

75. Ma come l'avisd Melissa, stette

senza mutare it solito sembiante,

fin che de 1'arme sue, piei di neglette,

si fu vestito dal capo alle piante;

e per non farle ad Alcina suspette,

finse provar s'in esse era aiutante,

finse provar se gli era fatto grosso,

dopo alcun dì che non 1 'ha avute indosso.

76. E Balisarda poi si messe al franco

(che cosi nome la sua spada avea);

e lo scudo mirabile tolse anco,

che non pur gli occhi abbarbagliar solea,

ma 1'anima faces sì venir manco,

che dal corpo esalata esser parea.

Lo tolse, e col zendado in che trovollo,

che tutto lo copria, sel messe al collo.

72. Assim, quando avisado por Melissa,

Voltou Rogério a procurar a fada,Co ' o anel que o torna imune ao que enfeitiçaE que desfaz qualquer obra encantada,Surpreso, vê, emlugar de quem cobiça,Da formosa, que dele fora amada,Torpe mulher, que àquela nem semelha,Pois no mundo não há mais feia e velha.

73. A cara, magra e exangue, se lhe enruga,A cabeleira é rala e encanecida;Da boca os dentes deram-se-lhe à fuga;E não se ergue a seis palmos de medida;Da Cumana e de Hécuba conjugaAs idades, e as vence em larga vida.Mas arte hoje ignorada faz que possaAparecer sempre formosa e moça.

74. Moça e formosa ela se faz com arte,

E a muitos enganou, como a Rogério;Mas veio o anel fazer a sua parteE tirar os rebuços ao mistério.Milagre não é, pois, que já se aparteDo guerreiro qualquer intuito sérioDe amar Alcina, a quem nada mais restaDe uma fraude que agora não lhe presta.

75. Mas os avisos de Melissa aceitaE não altera o habitual semblante,Enquanto de armas, que não mais rejeita,Inteiro se reveste, a seu talante;E por de Alcina prevenir suspeita,Finge provar se em armas `stá prestante;Finge provar se já imperícia acusa,

Pois alguns dias há que não as usa.

76. Ao flanco logo cinge Balisarda(Que sua espada assim se conhecia)E o portentoso escudo também guarda,Que não somente os olhos anuvia

Mas quebra as forças d'alma, que não tardaEm crer que deixa o corpo, ao qual se unia.Sem tirar-lhe o cendal, vai também pô-loPendente da armadura, a tiracolo.

77. Venne alia stalla, e fece briglia e sella

porre a un destrier pill che la pece nero:

cosi Melissa 1'avea istrutto; ch'ella

sapea quanto nel corso era leggiero.

Chi lo conosce, Rabican 1'appella;

ed è quel proprio che col cavalliero

del quale i venti or presso al mar fan gioco,

port() gid la balena in questo loco.

78. Potea aver l'ippogrifo similmente,

che presso a Rabicano era legato;

ma gli aves detto la maga: – Abbi mente,

ch ' egli è (come tu sai) troppo sfrenato. –

E gli diede intenzion che `1 dì seguente

gli lo trarrebbe fuor di quello stato,la dove ad agio poi sarebbe istrutto

come frenarlo e farlo gir per tutto.

79. Né sospetto dard, se non lo toile,

de la tacita fuga ch'apparecchia.

Fece Ruggier come Melissa voile,ch 'invisibile ognor gli era all'orecchia.

Cosi fingendo, del lascivo e molle

palazzo usci de la puttana vecchia;

e si venne accostando ad una porta,

donde è la via ch 'a Logistilla it porta.

80. Assail-6 li guardiani all'improviso,

e si caccià tra for col ferro in mano,

e qual lascib ferito, e quale ucciso;

e corse fuor del ponte a mano a mano:

e prima che n 'avesse Alcina aviso,

di molto spazio fu Ruggier lontano.

Dirt) ne l 'altro canto che via tenne;

poi come a Logistilla se ne venne.

77. Vai à estala e de arreios lá guarneceUm corcel, mais que pez de cor escura;Melissa lhe avisou que assim fizesse,Que este animal os passos mais apura.Rabicano o nomeia quem conhece:Veio co' o cavaleiro que ora aturaAs ventanias junto ao mar, na areia,

Onde o havia largado uma baleia.

78. Apresara o hipogrifo facilmente,

Que junto a Rabicano estava atado,Mas dissera-lhe a maga: – Tem em menteQue é animal (sabes bem) desenfreado. –

Um dia depois (inda o deixou ciente)Solto o poria, em sítio acomodadoA permitir que ela ao guerreiro ensineO que deve fazer por que o domine.

79. Deixando-olá, qualquer suspeita impedeDa fuga silenciosa que aparelha;Cumpre Rogério o que invisível pedeMelissa, que lhe fala junto à orelha.Sempre a fingir, do paço se despedeLascivo e mole da rameira velhaE à estrada se chegou, por uma porta,Que a Logistila, sem falhar, transporta.

80. Aos guardas deu assalto de improvisoEntre os quais se meteu, de espada à mão,Matar uns, ferir outros foi preciso,E a ponte percorrer, que estava à mão.Da fuga recebeu Alcina aviso,Longe estava, porém, Rogério então.Hei de dizer, no canto que se segue,Como com Logistila ir ter consegue.

CANTO VIII

Fuga de Rogério e libertação dos prisioneiros de Alcina — Rinaldo vai da Escócia dInglaterra — Desventuras de Angélica na ilha solitária — As vítimas da Orca —

Orlando, inquieto, sonha e sai em busca de Angélica

1. Oh quante sono incantatrici, o quantiincantator tra not che non si sanno,

che con for arti uomini e donne amanti

di sé, cangiando i visi lor, fatto hanno!

Non con spirti constretti tali incanti,

né con osservazion di stelle fauno;

ma con simulazion, menzogne e frodi

legano i cor d' indissolubil nodi.

2. Chi 1 ' anello d'Angelica, o piuttosto

chi avesse quel della ragion, potria

veder a tutti it viso, che nascosto

da finzione e arte non saria.

Tal ci par bello e buono, che, deposto

it liscio, brutto o rio forse parria.Fu gran ventura quella di Ruggiero,

ch' ebbe 1' anel che gli scoperse it vero.

1. Oh, quantas são as feiticeiras, quantosOs feiticeiros que entre nós se ignoram!As caras mudam, a poder de encantos,E homens, mulheres deles se enamoram!Do conjuro de espritos seus quebrantosPrescindem, e as estrelas não exploram;O cego n6 que aos corações enlaçaTodo é simulação, fraude, trapaça.

2. Quem de Angélica o anel houvesse posto,Antes, o da razão, conseguiriaEnxergar, sem rebuços, qualquer rosto,Nem arte ou fingimento o encobriria.Belo e bom nos parece algo que, expostoSem arrebiques, feio e ruim seria.Foi de Rogério, pois, grande venturaTer o anel, que a verdade lhe assegura.

3. Ruggier, com' io dicea, dissimulando,

su Rabican venne alia porta armado:

trovl le guardie sprovvedute; e quando

giunse tra lor, non tenne ii brando a lato.

Chi morto e chi a mal termine lasciando,

esce del ponte, e it rastrello ha spezzato:

prende al bosco la via; ma poco corre,

ch'ad un de' servi della Fata occorre.

4. II servo in pugno avea un augel grifagno

che volar con piacer faces ogni giorno,

ora a campagna, ora a vicino stagno,dove era sempre da far preda intorno;

avea da lato it can fido compagno:

cavalcava un ronzin non troppo adorno.

Ben pens() che Ruggier dovea fuggire,

Quando lo vide in tal fretta venire.

5. Se gli fe' incontra, e con sembiante altiero

gli domandd perchè in tal fretta gisse.

Risponder non gli volse it buon Ruggiero:

perde colui, pii certo the fuggisse,

di volerlo arrestar fece pensiero:

e distendendo it braccio manco, disse:

– Che dirai tu, se subito ti fermo?

Se contra questo augel non avrai schermo? –

3. Rogério, disse eu já, dissimulando,Chegou, em Rabicano, à porta armado:Achou a guarda desatenta e quandoA vê, não fica o ferro embainhado.Rompe a estacada, a ponte vai passando,Deixa este morto e aquele mal-paradoE pela trilha da floresta corre,Mas pouco, que da Maga um servo acorre

4. Traz no braço um abutre, que revoaTodo o dia, a pilhar na redondeza;Ora ao campo ele o manda, ora à lagoa,Onde sempre lhe apanha alguma presa;De um cão fiel tem companhia boa;Monta um rocim fornido sem largueza.Vendo a Rogério rápido seguir,Suspeitou que estivesse por fugir.

5. Por que o motivo de tal pressa ouvisse,Foi-lhe ao encontro, com olhar de império,E não mais duvidou que se evadisse,Pois não quis responder-lhe o bom Rogério.Erguendo o braço esquerdo, então lhe disse( O intento de o prender levando a sério):– Que farás tu, se aqui já te detenho?Ao pássaro escapar é vão empenho! –

Oitava 4

6. Spinge 1'augello: e quel batte sì fale

che non l'avanza Rabican di corso.

Del palafreno it cacciator giú sale,

e tutto a un tempo gli ha levato it morso.

Quel par dali' arco uno avventato strale,

di calci formidabile e di morso;

e `1 servo dietro si veloce viene,

che par ch'il vento, anzi che fuoco it mene.

7. Non vuol parere it can d 'esser piú tardo;

ma segue Rabican con quella fretta,

con che le lepri suol seguire it pardo.

Vergogna a Ruggier par, se non aspetta.

Voltasi a quel che vien si a pie' gagliardo;

nè gli vede arme, fuor ch' una bacchetta,quella con che ubbidire al cane insegna:

Rugger di trar la spada si disdegna.

8. Quel se gli appressa, e forte lo percuote:

lo morde a un tempo it can nel piede manco.

Lo sfrenato destrier la groppa scuotetre volte e

nè falla it destro franco.Gira 1'augello, e gli fa mine ruote,

e con 1 ' ugna sovente it ferisce anco;

Si it destrier collo strido impaurisce,

ch ' alla mano e alio spron poco ubbidisce.

9. Ruggiero, alfin constretto, it ferro caccia:

e perchè tal molestia se ne vada,orgli animali, or quel villan minaccia

col taglio e con la punta della spada.

Quella importuna turba piú 1' impaccia:

Presa ha chi qua chi la tutta la strada.

Vede Ruggiero it disonore e it danno

the gli avverra, se piú tardar lo fauno.

10. Sa ch' ogni poso piú ch' ivi rimane,

Alcina avra col popolo alie spalle.

Di trombe, di tamburi e di campane

gia s ' ode alto rumore in ogni valle.

Contra un servo Benz` arme e contra un cane,

gli par ch' a usar la spada troppo falle:

meglio e pit) breve è dunque che gli scopra

lo scudo che d' Atlante era stato opra.

6. Voa o abutre, incitado, com tal pressa

Que a Rabicano iguala na corrida;Desmonta o caçador, e antes que desça,Ao rocirn solta a rédea e a põe corrida.

O animal, como seta se arremessaFormidável no coice e na mordida;Tão ligeiro lhe vem o servo atrás,Que vento ou fogo é de supor que o traz.

7.0 medo de que o tomem por mais tardo

Faz com que a Rabicano se arremetaO cão, tal qual às lebres o leopardo.Prosseguir, crê Rogério o comprometa;Pára e mira o que vem a pé, galhardo,E armas não traz, afora uma varetaCom que a seu cão obediência ensina;Rogério usar a espada não se diva.

8. Chega aquele e o golpeia quanto pode;O pé esquerdo lhe ataca, num arranco,O cão mordaz; três vezes se sacodeO rocim, e lhe acerta o destro flanco.A lhe voar em volta o abutre acodeCom garra que não quer ferir em branco;Seu corcel, com o estrépito, estremeceE às esporas e à mão mal obedece.

9. Constrangido, afinal, Rogério passaO ferro a menear contra a avançada:Ao camponês e aos bichos ameaçaCom a ponta e co ' o fio de sua espada.Mas recrudesce a turba, que ora grassaCá e acolá, pela extensão da estrada.Prevê Rogério os males e o desarQue sofrerá, se o fazem mais tardar.

[0. Sabe que basta um pouco mais que fiquePor que a alcançá-lo um poviléu abale.Soam tubas, tambores, e o repiqueDos sinos vai enchendo todo o vale.A espada tem por vil pedir despique,Quando num cão, num servo inerme cale.Mais breve, pois, e bem melhor que tudoEra de Atlante lhes mostrar o escudo.

11. Level it drappo vermiglio, in che coperto

gid molti giorni lo scudo si tenne.

Fece 1'effetto mille volte esperto

it lume, ove a ferir negli occhi venne:

resta dai sensi ii cacciator deserto;cade it cane e it ronzin, cadon le penne

ch' in aria sostener 1' augel non ponno.

Lieto Ruggier li lascia in preda al sonno.

12. Alcina, ch ' avea intanto avuto avviso

di Ruggier, che sforzato avea la porta,e della guardia buon numero ucciso,

fu, vinta dal dolor, per restar morta.

Squarciossi i panni e si percosse it viso,

e sciocca nominossi e mal accorta;

e fece dar all'arme immantinente,

e intorno a sè raccor tutta sua gente.

13. E poi ne fa due parti, e manda Puna

per quella strada ove Ruggier cammina;

al porto 1 `altra subito raguna

in barca, ed uscir fa nella marina:

sotto le vele aperte it mar s ' i mbruna.

Con questi va la disperata Alcina,

che `t desiderio di Ruggier si rode,

che lascia sua cittd senza custode.

11. Tira o escudo de dentro da cobertaEncarnada, onde há dias o mantém;Como sempre eficaz é a luz, que acertaOs olhares e os fere quando a vêem.O sentimento ao caçador deserta;Caem o cão e o rocim e cai tambémO pássaro, tal qual caíra o dono.Feliz, Rogério os deixa em fundo sono.

12. Alcina, que entretanto se inteiraraDe que Rogério havia arrombado a portaE dos guardas bom número matara,Sofre tal dor, que fica quase morta.Chama-se incauta e néscia, arranha a cara,

As roupas todas estraçalha e corta;Faz reunir imediatamenteE tomar armas toda a sua gente.

13. Logo as divide em duas partes: umaA ir pelo atalho até Rogério ensina;Para o porto, ligeira a outra ruma,Ao barco que no mar se lhe destina;As velas pandas vão toldando a espuma;Vai nesta nau, desesperada, Alcina;De Rogério padece tal saudadeQue deixa sem vigias a cidade.

Oitava 11

14. Non lascia alcuno a guardia del palagio:

it che a Melissa, che stava alia posta

per liberar da quel regno malvagiola gente ch ' in miseria v' era posta,

diede comoditd, diede grande agiodi gir cercando ogni cosa a sua posta,

i magini abbruciar, suggelli torre,

e nodi e rombi e turbini disciorre.

15. Indi pei campi accelerando ipassi,

gli antiqui amanti, ch ' erano in gran tormaconversi in fonti, in fsere, in legni, in sassi,

fa' ritornar nella for prima forma.

E quei, poi ch' allargati furo i passi,

tutti del buon Ruggier seguiron 1'orma:a Logistilla si salvaro; ed indi

tornaro a Sciti, Persi, a Greci, ad Indi.

16. Li rimand& Melissa in for paesi,

con obbligo di mai non esser sciolto.

Fu innanzi agli altri ii Duca degli Inglesi

ad esser ritornato in uman volto;

chè `l parentado in questo, e li cortesi

prieghi del buon Ruggier gli giovâr molto:

oltre i prieghi, Ruggier gli dial' anello,

acrid meglio potesse aiutar quello.

17. A'prieghi dunque di Ruggier, rifatto

fu `1 paladin nella sua prima faccia.

Nulla pare a Melissa d 'aver fatto,quando ricovrar 1 ' arme non gli faccia,e quella lancia d 'or, ch ' al primo tratto

quanti ne tocca della sella caccia;dell'Argalia, poi fu d' Astolfo lancia;

e molto onor fa' all'uno e all ' altro in Francia.

18. Trov& Melissa questa lancia d ' oro,

ch' Alcina avea reposta nel palagio;e tutte 1' arme che del Duca Pro,e gli fur tolte nell' ostel malvagio.

Mont& it destrier del Negromante moro,e fa' montar Astolfo in groppa ad agio;

e quindi a Logistilla si condusse

d 'una ora prima che Ru 1, ier vi fusse.

14. Não fica nenhum guarda em todo o paço;Isto, a Melissa, que a livrar se apostaDe seu perverso reino e de seu laçoA gente que em desgraça estava posta

Grande comodidade, grande espaçoDe poder tudo esquadrinhar aposta:Feitiços quebra, imagens lança ao fogo,Piões, rombos e nós desmancha logo.

15. Então, dos pés acelerando as plantas,A turba dos que extinto amor fizeraMudar-se em fontes, pedras, bichos, plantas,A forma restitui que dantes era;Eles, livres as portas, que são tantas,Os passos dão que o bom Rogério dera:Com Logistila vão ter antes; indoDepois, ao Cita, ao Persa, ao Grego, ao Indo.

16. Melissa os torna à pátria e tais mercêsCriam obrigação que se não solve;Antes de qualquer outro, ao Duque inglêsO antigo humano aspeito se devolve;Do bom Rogério a intercessão cortêsO ajuda, e o parentesco que os envolve;Mas Rogério por ele não só pede,

Que, por mais ajudá-lo, o anel lhe cede.

17. De Rogério é, portanto, o rogo aceitoE o paladim recobra a antiga face;Não bastava a Melissa tê-lo feito,Se ele as armas também não recobrasseE sua lança d'ouro, cujo efeitoDerrubava da sela ao que alcançasse.Foi de Argalias e de Astolfo a lança:E a este e àquele muito honrou em França.

18. Melissa descobriu a lança d ' ouroE as mais armas e a bélica roupagemQue Alcina, em seu refúgio de desdouro,Escondera, qual fruto de pilhagem.Monta o corcel do nigromante mouroCom Astolfo à garupa, e eis que a passagemFazem a Logistila, uma hora dantesQue chegasse Rogério, os viajantes.

14. Non lascia alcuno a guardia del palagio:

it che a Melissa, che stava alia posta

per liberar da quel regno malvagiola gente ch' in miseria v' era posta,

diede comodità, diede grande agiodi gir cercando ogni cosa a sua posta,

i magini abbruciar, suggelli torre,

e nodi e rombi e turbini disciorre.

15. Indi pei campi accelerando ipassi,

gli antiqui amanti, ch ' erano in gran tormaconversi in fonti, in fsere, in legni, in sassi,

fe' ritornar nella for prima forma.

E quei, poi ch' allargati furo ipassi,

tutti del buon Ruggier seguiron 1'orma:a Logistilla si salvaro; ed indi

tornaro a Sciti, Persi, a Greci, ad Indi.

16. Li rimando Melissa in for paesi,

con obbligo di mai non esser sciolto.

Fu innanzi agli altri ii Duca degli Inglesi

ad esser ritornato in uman volto;

chè `l parentado in questo, e li cortesi

prieghi del buon Ruggier gli giovâr molto:

oltre i prieghi, Ruggier gli die 1' anello,

accib meglio potesse aiutar quello.

17. A'prieghi dunque di Ruggier, rifatto

fu ?paladin nella sua prima faccia.

Nulla pare a Melissa d 'aver fatto,quando ricovrar 1 ' arme non gli faccia,e quella lancia d 'or, ch' al primo tratto

quanti ne tocca della sella caccia;dell'Argalia, poi fu d' Astolfo lancia;

e molto onor fe` all'uno e all ' altro in Francia.

18. Trove' Melissa questa lancia d' oro,

ch' Alcina avea reposta nel palagio;e tutte 1' arme che del Duca foro,e gli fur tolte nell' ostel malvagio.

Month it destrier del Negromante moro,e fe` montar Astolfo in groppa ad agio;

e quindi a Logistilla si condusse

d 'una ora prima che Ruggier vi fusse.

14. Não fica nenhum guarda em todo o paço;Isto, a Melissa, que a livrar se apostaDe seu perverso reino e de seu laçoA gente que em desgraça estava posta

Grande comodidade, grande espaçoDe poder tudo esquadrinhar aposta:Feitiços quebra, imagens lança ao fogo,Piões, rombos e nós desmancha logo.

15. Então, dos pés acelerando as plantas,A turba dos que extinto amor fizeraMudar-se em fontes, pedras, bichos, plantas,A forma restitui que dantes era;Eles, livres as portas, que são tantas,Os passos dão que o bom Rogério dera:Com Logistila vão ter antes; indoDepois, ao Cita, ao Persa, ao Grego, ao Indo.

16. Melissa os torna à pátria e tais mercêsCriam obrigação que se não solve;Antes de qualquer outro, ao Duque inglêsO antigo humano aspeito se devolve;Do bom Rogério a intercessão cortêsO ajuda, e o parentesco que os envolve;Mas Rogério por ele não só pede,

Que, por mais ajudá-lo, o anel lhe cede.

17. De Rogério é, portanto, o rogo aceitoE o paladim recobra a antiga face;Não bastava a Melissa tê-lo feito,Se ele as armas também não recobrasseE sua lança d'ouro, cujo efeitoDerrubava da sela ao que alcançasse.Foi de Argalias e de Astolfo a lança:E a este e àquele muito honrou em França.

18. Melissa descobriu a lança d ' ouroE as mais armas e a bélica roupagemQue Alcina, em seu refúgio de desdouro,Escondera, qual fruto de pilhagem.Monta o corcel do nigromante mouroCom Astolfo à garupa, e eis que a passagemFazem a Logistila, uma hora dantesQue chegasse Rogério, os viajantes.

19. Tra duri sassi e folte spine gìa

Ruggiero intanto invêr la Fata saggia,

di balzo in balzo, e d'una in altra via

aspra, solinga, inospita e selvaggia;

tanto ch' a gran fatica riuscia

su la fervida nona in una spiaggia

tra `I mare e `I monte, al Mezzodì scoperta,

arsiccia, nuda, sterile e deserta.

20. Percuote it Sole ardente it vicin colle;

e dal calor che si riflette addietro,

in modo 1 ' aria e I' arena ne bolle,

che sana troppo a far liquido it vetro.

Stassi cheto ogni augello all 'ombra molle;

sol la cicala col noioso metro

fra i densi rami del fronzuto stela

le valli e i monti assorda, e it mare e it cielo.

19. Rogério então, buscando a fada boa,Por entre pedras e sarçais seguia;É a trilha, no torrão que se amontoa,Selvagem, erma, inóspita e arredia;Muito Ihe custa, no fervor da noa,A uma praia chegar, que ao meio-dia,Era, entre o mar e a serra, descoberta,Árida, nua, estéril e deserta.

20. Bate no outeiro próximo o sol quenteE o calor reverbera no areal,Deixando-o, como aos ares, tão fervente,Que tornaria líquido o cristal.Busca o frescor da sombra a ave silente;Só o canto da cigarra, no sarçal,Monótono, a ecoar pelo horizonte,Céu e mar ensurdece, vale e monte.

Oitava 19

21. Quivi ii caldo, la sete e la fatica

ch' era di gir per quella via arenosa,facean, lungo la spiaggia erma ed aprica,

a Ruggier compagnia grave e noiosa.

Ma perche non convien che sempre io dica,

nè ch' io vi occupi sempre in una cosa,

io lascerd Ruggiero in questo caldo,

egird in Scozia a ritrovarRinaldo.

22. Era Rinaldo molto ben veduto,

dal re, dalla figliuola e dal paese.

Poi la cagion che quivi era venuto

piú ad agio it Paladin fece palese:

ch' in nome del suo re chiedeva aiuto

e dal regno di Scozia e dali' Inglese;

ed ai preghi soggiunse anco di Carlo

giustissime cagion di dover farlo.

23. Dal re senza indugiar gli fu risposto

che di quanto sua forza s ' estendea,

per utile ed onor sempre disposto

di Carlo e dell 'Imperio esser volea;

e the fra pochi dì gli avrebbe posto

piei cavalieri in punto chepotea;e, se non ch ' esso era oggimai pur vecchio,

capitano verria del suo apparecchio;

24. Nè tal rispetto ancor gli parria degno

di farlo rimaner, se non avesse

it figlio, the di forza, e piei d'ingegno,digníssimo era a chi `1 governo desse,

benchè non si trovasse allor nel regno;

ma che sperava che venir dovesse

mentre ch ' insieme aduneria lo stuolo:

e ch' adunato it troveria it figliuolo.

25. Cosi mandd per tutta la sua terra

suoi tesorieri a far cavalli e gente:

navi apparecchia e munizion da guerra,

vettovaglia e danar maturamente.

Venne intanto Rinaldo in Inghilterra,

e `l Re nel suo partir cortesementeinsino a Beroicche accompagnollo;

e visto planger fu quando lasciollo.

21. Sede ardente, calores e fadigaDe atravessar a praia, erma e arenosa,Onde tórrido é o sol e nada o abriga,São de Rogério companhia gravosa.Mas porque o mesmo sempre eu não vos diga,Que não seria coisa proveitosa,Deixo Rogério, que o calor atura;De Rinaldo, na Escócia, eis-me à procura.

22. Rinaldo a el-rei e à filha muito caroE ao povo todo do país se fez.O motivo que o traz lhes deixou claroEntão o paladim, por sua vez:Em nome de seu rei pedia amparoDo reino de Inglaterra e do escocês;E acrescentou de Carlos aos apelos

Justissimas razões para acolhê-los.

23. Disse-lhe então el-rei, como resposta,

Que a força que a seu cetro obedeciaA Carlos e ao Império, bem-dispostaA dar-lhes glória e aumento, serviria;Em dias, pois, teria ali compostaA melhor tropa de cavalariaE só o estar entrado na velhiceVedava que o comando ele assumisse.

24. E inda a velhice fora caso indino

De o escusar, se um filho não tivesseQue, graças ao vigor e mais ao tino,Tal comando assumir não merecesse.Fora do reino andava, peregrino,Mas enquanto o esquadrão se dispusesse,Tempo teria, era de crer, bastante,Para chegar e achá-lo já prestante.

25. Manda, pois, coletores pela terra,Em busca de cavalos e de gente;Naus aparelha e munições de guerra,Dinheiro e provisões, liberalmente.Partiu Rinaldo então para Inglaterra;El-rei, à despedida, cortesmenteSaiu e até Beruique o acompanhou

E viram-no chorar, quando o deixou.

26. Spirando it vento prospero alia poppa,

monta Rinaldo et a Dio dice a tutti:

la fune indi al viaggio it nocchier sgroppa;

tanto the giunge ove nei salsi flutti

it bel Tamigi amareggiando intoppa.

Col gran flusso del mar quivi conduttii naviganti per cammin sicuro,

a vela e remi insino a Londra furo.

27. Rinaldo avea da Carlo e dal re Ottone,

che con Carlo in Parigi era assedia to,

al Principe di Vallia commissioneper contrassegni e lettere porta to,

the cib the porea far la regione

di fanti e di cavalli in ogni lato,

tutto debba a Calesio traghittarlo,

si che aiutar si possa Francia e Carlo.

28. II principe ch ' io dico, ch' era, in vece

d 'Otton rimaso nel seggio reale,

a Rinaldo d'Amon tanto o p or fece,

che non 1'avrebbe al suo re falto uguale:

indi alie sue domande satisfece;

perche a tutta la gente marziale

e di Bretagna e dell' isole intorno

di ritrovarsi al mar prefisse it giorno.

29. Signor, far mi convien como fa it buono

sonator sopra ii suo istrumento arguto,

che spesso muta corda e muta suono,

ricercando ora ilgrave ora 1' acuto.

Mentre a dir di Rinaldo attento sono,

d 'Angelica gentil m' è sovvenuto,

di the lasciai ch' era da lui fu y. ita,

e ch' avea riscontrato uno eremita.

30. Alquanto la sua storia io vo ' seguire.

Dissi che domandava con gran cura,

come potesse alia marina gire;

chè di Rinaldo avea tanta paura,

che, non passando it mar, credea morire.

Ng in tutta Europa si credea sicura:

ma I' eremita a bada la tenea,

perchè di star con lei piacere avea.

26. Soprando favorável vento em popa,

Rinaldo embarca, e a todos diz adeus;Desata o mestre as cordas; já se ensopaA vela, e chegam onde os escarcéus

Salgam o belo Tâmisa, que os topa.Remos e vela abrem os rumos seusCom maré-cheia, e assim chegam segurosOs viajantes de Londres junto aos muros.

27. Foi Rinaldo de Carlos e de Otão,Que em Paris com aquele era sitiado,Com senhas e patentes da missão,Ao Príncipe de Gales enviadoA pedir tudo quanto na regiãoDe infantes e cavalos fosse achado.Tudo, pede, a Calais por mar se leve,Como auxilio que a Carlos dar-se deve.

28. Exerce o príncipe, a que aludo, em vezDel-rei Otão jurisdição real;A Rinaldo de Amon tal honra fezQue nem a el-rei fazer pudera igual:A seus pedidos todos satisfez;Porquanto a toda a gente marcialDe Bretanha e das ilhas ao redor

Emprazou para ao mar se predisp or.

29. Senhor, convém que eu busque igual talentoAo do bom tangedor, que põe o estudoEm mudar sons e cordas do instrumento,Buscando agora o grave, agora o agudo.

Relembra-me, a Rinaldo estando atento,Angélica formosa, a quem acudo.A fugi-lo deixei-a, pois o evita,

E a se encontrar, então, co' um eremita.

30. Sua história mais de espaço hei de seguir.

Disse que ir ter à praia ela procuraPara cruzar os mares e partir,

Que o medo de Rinaldo em tal agruraA põe, que já acredita sucumbir,E toda Europa a deixa ora insegura.O eremita, contudo, inda a vigia,Pois se deleita em ter-lhe a companhia.

31. Quella rara bellezza it cor gli accese,

e gli scaldà le frigide medolle:

ma poi che vide che poco gli attese,

e ch' oltra soggiornar seco non voile,

di cento punte 1' asinello offese;

nè di sua tardità per) lo toile:

e poco va di passo, e men di trotto;

nè stender gli si vuol la bestia sotto.

32. E perchè molto dilungata s 'erae, poco piff, n ' avria perduta 1'orma,

ricorse it frate alia spelonca nera,e di demoni uscir fece una torma;

e ne sceglie uno di tutta la schiera,

e del bisogno suo prima 1' informa;poi lo fa entrare addosso al corridore,

che vi gli porta con la donna it core.

31. Tal formosura põe-lhe o peito aceso,Dá-lhe calor à frígida medula;

Mas ao ver que ela o deixa, com desprezo,Mais de cem vezes espicaça a mula.Desatar-lhe, porém, o chouto presoDebalde intenta e sem proveito a açula,Que pouco vai a passo, e menos trotaO animal, e a correr nunca se bota.

32. Andava longe a dama, e ele pudera,Se a deixasse ir além, perder-lhe a pista.O frade, pois, à lúgubre crateraRecorre, desejoso de que o assista.Legiões de demônios excarceraE a um deles do que ordena então dá vista:Busque ao corcel tomar em possessão,Cuja dona lhe rouba o coração.

Oitava 31

33. E qual sagace can nel monte usato

a volpi o lepri dar spesso la caccia,

che se la fera andar vede da un lato,

ne va da un altro, e par sprezzi la traccia;

al varco poi lo sentono arrivato,

che 1' ha gib in bocca el' apre it flanco e straccia:

tal 1' eremita per diversa strada

aggiungnerà la donna ovunque vada.

34. Che sia it disegno suo, ben io comp rendo;

e dirollo anco a voi, ma in altro loco.

Angelica di cià nulla temendo,

cavalcava a giornate, or molto or poco.

Nel cavallo it demon si gìa cop rendo,

come si cuopre alcuna volta it foco,

che con si grave incendio poscia avvampa,

che non si estingue, e a pena se ne scampa.

35. Poi che la donna preso ebbe it sentiero

dietro it gran mar che li Guasconi lava,

tenendo appresso all' onde it suo destriero,

dove 1' umor la via pis ferma dava;

quel le fu tratto dal demonio fiero

nell' acqua si, che dentro vi nuotava.

Non sa che far la timida donzella,

se non tenersi ferma in su la sella.

36. Per tirar briglia, non gli pub dar volta:

pis e pis sempre quel si caccia in alto.

Ella tenea la veste in su raccotta

per non bagnarla, e traea i piedi in alto.

per le spalle la chioma iva disciolta,

e l'aura le facea lascivo assalto.

Stavano cheti tutti i maggior venti,

forse a tanta beltà col mare intenti.

33. Qual cão farejador, habituadoA caçar Lebre ou zorro na montanha,Que, ao ver fugir a caça por um lado,Para outro vai, a se afastar com manha;E quando não se espera, ei-lo chegadoCo' a presa destroçada, que abocanha,Tal o eremita, e por diversa estrada,Não deixará que a dama se lhe evada.

34. Que propósito o mova, bem entendoE o sabereis também, que o direi logo.Angélica as jornadas vai fazendoNo corcel, longas, breves, sem afogo.O diabo no animal se vai metendoAs escondidas, como oculto fogo,Que enfim irrompe, e em chamas se propaga,Feito incêndio voraz que não se apaga.

35. Seguia a dama já pelo caminhoDo mar imenso que Gasconha lava;Trazia às ondas seu corcel vizinho,Por onde o úmido chão mais se firmava.Mas o demo ao corcel puxou, daninho,Para o mar, tão adentro que nadava.Não pode mais a tímida donzelaQue forcejar por se agarrar à sela.

36. Por mais que aperte a rédea, já não volta,Mais e mais o corcel busca o mar alto.Ela a veste arregaça e a deixa envolta,Por não molhá-la, e os pés desvia ao alto.Vai pela espádua a cabeleira solta,Da brisa a receber lascivo assalto.Quedos ficam o mar e os demais ventos,Talvez a tanta formosura atentos.

Oitava 36

Oitava 39

37. Ella volgea i begli occhi a terra invano,

che bagnavan di pianto it viso e seno;

e vedea it lito andar sempre lontano,

e decrescer piú sempre e venir meno.

Il destrier che nuotava a destra mano

dopo un gran giro la port() al terrenotra scuri sassi e spaventose grotte,

gid cominciando ad oscurar la notte.

38. Quando si vide sola in quel deserto,

ch' a riguardarlo sol mettea paura,

nell' ora the nel mar Febo coperto

1 ' aria e la terra avea lasciata oscura;

fermossi in acto ch ' avria fatto incerto

chiunque avesse vista sua figura,

s' ella era donna sensitiva e vera,

o sasso colorito in tal maneera.

39. Stupita e fissa nella incerta sabbia,

coi capelli disciolti e rabbuffati,

con le man giunte e con le immote labbia,

i languidi occhi al del tenea levati,

come accusando it Gran Motor, che 1' abbia

tutti inclinati nel suo danno i fati.

Immota e come attonita ste ' alquanto;

poi sciolse al duol la lingua egli occhi al planto.

40. Dicea: – Fortuna, che pit) a far ti resta,

accià di me ti sazii e ti disfami?

Che dar ti posso ornai pit), se non questa

misera vita? Ma tu non la brami;

ch ' ora a traria dal mar sei stata presta,

quando potea finir suai giorni grami:

perchè ti parve di voler pit) ancora

vedermi tormentas prima ch 'io mora.

41. Ma che mi possi nuocere non veggio,

piei di quel the sin qui nociuto m' hai.

Per te cacciata son dal real seggio,

dove pit' ritornar non spero mal;

ho perduto 1' onor, ch ' è stato peggio;

chè sebben con effetto io non peccai,

io do pert) materia ch' ognun dica,

ch' essendo vagabonda, io sia impudica.

37. A terra ela volvia o olhar em vão,A umedecer co'o pranto o rosto e o seio;A praia vai fugindo-lhe hvisão,Até sumir-se; está do mar no meio.O corcel, que nadava à destra mão,Arriba, após fazer largo volteio,A penhascos sombrios, medonhas furnas,

Sobre o calar de escuridões noturnas.

38. Quando se achou sozinha em tal deserto,

Que a quem o vé repassa de amargura,Na hora em que Febo, pelo mar coberto,Sai do horizonte e deixa a terra escura,Fica ela imóvel. Não soubera ao certoQuem os olhos lançasse a tal figuraSe era viva a mulher e verdadeiraOu se pedra, esculpida em tal maneira.

39. Atônita, no incerto chão da costa,

De mãos juntas, cabelos desgrenhados,Mudos os lábios, ora os céus arrosta,Com o lânguido olhar alevantado,Como a acusar o Grão Motor, que apostaEm inclinar para seu mal os fados.Imóvel, transtornada, esteve um tanto,Então, ais solta a língua e os olhos, pranto

40. – Fortuna (diz), que mais inda me restaCom que te fartes? Já te não sacias?Que posso oferecer-te mais do que estaMísera vida? E dela te desvias,Pois foste em me tirar das ondas lesta,Quando eu pudera ali findar meus dias;Mostraste, assim, que me desejas ver

Mais aflições curtir, até morrer.

41. Que outras penas prepares, eu não vejo;Nem afligir-me podes tu já mais:Do régio trono deste-me despejo,Sem que eu o espere reaver jamais;Pior foi me trocares a honra em pejo,Pois, embora inocente, ante os demais

Sou aquela de quem já se murmuraQue se tornou, por ser errante, impura.

FORTUNA
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40. – Fortuna (diz), que mais inda me resta Com que te fartes? Já te não sacias? Que posso oferecer-te mais do que esta Mísera vida? E dela te desvias, Pois foste em me tirar das ondas lesta, Quando eu pudera ali findar meus dias; Mostraste, assim, que me desejas ver Mais aflições curtir, até morrer.

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Oitava 40

42. Ch' aver pub donna al mondo piìi di Buono,

A cui la castità levata sia?

Mi nuoce, ahimè!, ch' io sia giovane, e sono

tenuta bella, o sia vero o bugia.

Gib non ringrazio it Ciel di questo dono;

chè di qui nasce ogni ruiva mia.

Morto per questo fu Argalia mio frate;

che poco gli giovâr 1 ' arme incantate:

43. per questo it Re di Tartaria Agricane

disfece it genitor mio Galafrone,

ch' in India, del Cataio era gran Cane;

ond' io son giunta a tal condizione,

che muto albergo da sera a dimane.

Se 1' aver, se 1' onor, se le persone

m' hai tolto, e fatto it mal the far mi puoi,

a che piìi doglia anco seroar mi vuoi?

44. Se 1' affogarmi in mar morte non eraa tuo Benno crudel, per ch' io ti sazii,

non ricuso che mandi alcuna fera

che mi divori, e non mi tenga in strazii.D' ogni martir che sia, pur ch' io ne pera,

esser non pub ch' assai non ti ringrazii . -

Cosi dicea la donna con gran pianto,

quando le apparve I 'eremita accanto.

42. À mulher, neste mundo, que sobrou

De bom, se a castidade se lhe tira?É meu mal, ai de mim!, que jovem sou

E, dizem, bela (seja ou não mentira);Se isto é favor, aos céus graças não dou:É a raiz do que contra mim conspira.Meu irmão, Argalias, foi por isso

Morto, apesar das armas com feitiço;

43. por isso do rei tártaro, Agricão,Sofreu derrota Galafrão, meu pai;E eu, que nas Índias tive a condiçãoDe filha do Cão Grande de Catai,Sem paradeiro vivo desde então.Quando honra, bens, pessoas, tudo caiPor tua mão, e o mal todo me fizeste,Que mais dor pode ser que inda me reste?

44. Se a teu cruel juízo pareceraQue no mar afogar-me não bastasse,Livre-me de tais ânsias qualquer fera,Que estou pronta a aceitar a mais vorace.Seja a pena qual for, graças te dera,Desde que minha vida se acabasse. —Falava assim, com lágrimas na voz,Quando a seu lado um ermitão se pôs.

Oitava 43

45. Avea mirato dall 'estrema cima

d'un elevato sasso l ' eremita

Angelica, the giunta alia parte ima

è dello scoglio, afflitta e sbigottita.

Era sei giorni egli venuto prima:

ch ' un demonio it portd per via non trita:

e venne a lei fingendo divozione

quanta avesse mai Paulo o Ilarione.

46. Come la donna it comincià a vedere,

prese, non conoscendolo, conforto;

e cesso poco a poco it suo temere,

bench ' ella avesse ancora it viso smorto.

Come fu presso disse: — Miserere,

Padre, di me, ch' io son giunta a mal porto. -

E con voce interrotta dal singulto,

gli disse quel ch ' a lui non era occulto.

45. Ficara a olhar a dama, desde cimaDe um íngreme rochedo este eremitaE vê que do sopé já se aproximaAngélica, e que vai mísera e aflita.Há seis dias, o demo, em quem se arrima,Lá o fez ir, por passagem inaudita.Vai ter co ' a dama, e finge devoçãoDa têmpera de um Paulo ou Hilarião.

46. A dama o vê, sem o reconhecer,E experimenta, assim, algum conforto;Entra, aos poucos, seu medo a fenecer,Inda que o rosto lhe pareça morto.Rogou-lhe: — Miserere da mulherQue, como vedes, Padre, está em mau porto! —E o que ele já bem sabe, entre soluçosEla lhe vai contando, sem rebuços.

Oitava 45

47. Comincia l 'eremita a confortaria

con alquante ragion belle e divote;

e pan 1' audaci man, mentre the parla,

or per lo seno, or per 1 ' umide Bote;

poipies sicuro va per abbracciarla;

ed ella sdegnosetta lo percuote

con una man nel petto, e lo respinge,

e d ' onesto rossor tutta si tinge.

48. Egli ch ' a lato avea una tasca, aprilla,

e trassene un ' ampolla di liquore;

e negli occhi possenti, onde sfavilla

la piei cocente face ch ' abbia Amore,

spruzzb di quel leggermente una stilla,

che di faria dormire ebbe valore.

Gib resupina nell' arena giace

a tutte voglie del vecchio rapace.

49. Egli 1' abbraccia, ed a piacer la tocca;

ed ella dorme, e non pub fare ischermo.

Or le bacia it bel petto, ora la bocca:

non è chi `1 veggia in quel loco aspro ed ermo.

Ma nell' incontro it suo destrier trabocca;

ch' al disio non risponde it corpo infermo;era mal atto, perchè avea troppi anni:

e potro peggio, quanto pies 1 ' affanni.

50. Tutte le vie, tutti li modi tenta;

ma quel pigro ronzon non perb salta.

Indarno it fren gli scuote e lo tormenta:

e non pub far che tenga la testa alta.Al fin, presso alia donna s ' addormenta:

e nuova altra sciagura anco l'assalta:

Non comincia Fortuna mai per poco,

Quando un mortal si piglia a scherno egioco.

47. Começa o eremita a confortá-IaCom histórias de exemplo e de proveito,E as atrevidas mãos, enquanto fala,Vão às faces chorosas, vão ao peito;Mais seguro, depois, quer abraçá-la;Arredia, ela o afasta com despeito,Dando-lhe um empurrão, muito enfadada,E, como honesta, pondo-se corada.

48. Mas traz ele uma bolsa; pôe-se a abri-la;Dela tira uma ampola de licor,E com ávido olhar, onde cintilaO mais ardente fogaréu de Amor,Borrifa algumas gotas, que destila,E que a donzela deixam em torpor,Caída, como inerte, sobre a areia,E do rapace velho fácil preia.

49. Logo ele a abraça e ao bel-prazer a toca;Ela, a dormir, não pode pôr-lhe termo.Beija-lhe agora o peito, agora a boca,Ninguém os vê, que estão em lugar ermo.Mas seu corcel no embate se derroca,Que não vale ao desejo o corpo enfermo:Era de muitos anos e incapaz;Menos consegue, se mais força faz.

50. Mil maneiras, mil manhas exp 'rimentaE o rocim, preguiçoso, nega o salto;Em vão sacode o freio e o atormenta,Pende a cabeça e nunca chega ao alto.Afinal, junto à dama se adormenta,À qual mais aflições darão assalto:Porque nunca a Fortuna deixa cedoAo mortal, quando o toma por brinquedo.

Oitava 49

FORTUNA
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FORTUNA 50. Mil maneiras, mil manhas exp 'rimenta E o rocim, preguiçoso, nega o salto; Em vão sacode o freio e o atormenta, Pende a cabeça e nunca chega ao alto. Afinal, junto à dama se adormenta, À qual mais aflições darão assalto: Porque nunca a Fortuna deixa cedo Ao mortal, quando o toma por brinquedo.

51. Bisogna, prima ch' io vi narri ii caso,

ch ' un poco del sentier dritto mi torca.

Nel mar di tramontana, invér 1' occaso

oltre 1 ' Irlanda una isola si corca,

Ebuda nominata; ove è rimaso

it popol raro, poi che la brutta orca

e 1' altro marin gregge la distrusse,

ch' in sua vendetta Proteo vi condusse.

52. Narran 1 ' antique storie, o vere o false,

Che tenne sic) quel luogo un Re possente,

ch' ebbe una figlia, in cui bellezza valse

e grazia si, che pote facilmente,

poi che mostrossi su 1 ' arene salse,Proteo lasciare in mezzo a 1 ' acque ardente;

e quello, un dì che sola ritrovolla,

compresse, e di sé gravida lasciolla.

53. La cosa fu gravíssima e molesta

al padre, pit) d' ogn' altro empio e severo,nè per iscusa o per pieta la testa

le perdonb; si pub lo sdegno fiero.

Nè, per vederla gravida, si restadi subito eseguire it crudo impero:

e it nipotin, che non aves peccato,

prima fece morir che fosse nato.

54. Proteo marin, the pasce it fiero armento

di Nettuno che 1' onda tutta regge,

sente della sua donna aspro tormento,

e per grand' ira rompe ordine e legge;

si che a mandare in terra non è lento

l 'orche e le foche, e tutto it marin gregge,

che distruggon non sol pecore e buoi,

ma ville e borghi e li cultori suoi.

55. E spesso vanno alie cittd murate,

e d ' ogn ' intorno for mettono assedio.

Notte e di stanno le persone armate

con gran timore e dispiacevol tedio:

tutte hanno le campagne abbandonate:

e per trovarvi alfin qualche rimedio,

andârsi a consigliar di queste cose

all 'oracol, che for cosi rispose:

51. Antes, porém, que o caso siga em frente,

A um desvio é preciso que eu acuda.No mar de tramontana, no poente,Além de Irlanda, fica a ilha de Ebuda,

Lugar de habitação de escassa gente,Depois que a ela foi ter a orca sanhudaCo' o mais gado marinho, que Proteu,Ali, por se vingar, arremeteu.

52. Velha história (veraz ou mentirosa)Diz que outrora mandava nesta ilhaUm rei, pai de donzela mui formosa.Andando à beira-mar, a linda filha

A Proteu deixa em fogo n'água undosa,E a cobiçar tamanha maravilha,Tanto que um dia em que sozinha a achouA possuiu e logo a engravidou.

53. Mais duro que ninguém, o pai austeroPor gravíssimo tem que isso aconteçaE dá, sem compaixão, mando severoNem quer que a gravidez da filha o impeça( Que tanto pode a ira em peito fero):Logo ordena cortarem-lhe a cabeça,Nem poupa ao inocente seu decreto,Pois antes de nascido mata o neto.

54. Proteu marinho, que é pastor do armentoDe Netuno, do mar senhor e rei,Sente por sua amada cruel tormento,Irado, a ordem rompe, rompe a lei:Manda fazer naquela terra assentoOrcas, focas, enfim, do mar a grei,Monstros não só a ovelhas, bois daninhos,Pois aldeias destroem e seus vizinhos.

55. Chegam até as cidades muralhadas,por toda a parte dando-lhes assédio.Dia e noite as pessoas, assustadas,Carregam armas, com moléstia e tédio.As lavouras estão desamparadasE a gente, enfim, por ter algum remédio,

Todo o caso a um oráculo propôs,E esta resposta ouviu de sua voz:

Oitava 52

56. che trovar bisognava una donzella

che fusse all' altra di bellezza pare,

ed a Proteo sdegnato offerir quella,

in cambio della morta, in lito al mare.

S ' a sua satisfazion gli parrà bella,

se la terra, nè li verra a sturbare:

se per questo non sta, se gli appresenti

una ed un ' altra, finchè si contenti.

56. que preciso era achar uma donzelaQue da extinta formosa fosse par,E a Proteu iracundo oferecê-laJunto à praia, daquela no lugar.Se ele a quiser, como igualmente bela,

Todas as punições hão de cessar;Se a repelir, força é se lhe apresenteMais uma e outra, até que se contente.

Oitava 55

57. E cosi comincià la dura sorte

tra quelle che pia grate eran di faccia,

ch' a Proteo ciascun giorno una si porte,

finchè trovino donna che gli piaccia.

La prima e tutte 1' altre ebbeno morte;chè tutte gia nel ventre se le caccia

un' orca che resta presso alia foce,

poichè resto parti del gregge atroce.

58. 0 vera o falsa che fosse la cosa

di Protteo, ch ' io non so che me ne dica,

servosse in quella terra, con tal chiosa,

contra le donne un ' empia Legge antica:

chè di for carne 1' orca monstruosa,che viene ogni di al fito, si notrica.

Ben ch' esser donna sia in tutte le bande

danno e sciagura, quivi era pur grande.

59. Oh misere donzelle che trasporte

Fortuna ingiuriosa al lito infausto

dove le genti stan sul mare accorte

per far delle straniere empio olocausto!

Chè, come pia di fuor ne sono morte,

it numer delle Toro e meno esausto:

ma perchè it vento ognor preda non mena,

ricercando ne van per ogni arena.

57. E teve assim começo a dura sorteDas mais dotadas de beleza e graça:Preciso é que uma ao dia se transporteAo mar, té que Proteu se satisfaça.A primeira e as demais acharam morte,Tragadas, como desejada caçaDa orca, que depois que o gado atrozVoltou ao mar, permaneceu na foz.

58. De Proteu, verdadeira ou mentirosaFosse a história (não sei disso que diga),Deu-lhe crédito a terra, e pôs-lhe glosaCom lei contra as mulheres, ímpia e antiga:Servem de pasto à orca pavorosaTodo o dia, e na praia ela as mastiga.Desgraça é ser mulher, seja onde for,Nessa terra, porém, era maior.

59. Oh, míseras donzelas que transportaFortuna injuriosa ao lido infausto!Onde a gente bem sabe quanto importaForasteiras trazer para o holocausto,Que nenhuma da terra há de ser morta,Se o número das mais não for exausto;Mas se de fora o vento não traz preias,A gente as vai buscar pelas areias.

Oitava 57

FORTUNA
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** FORTUNA ** 59. Oh, míseras donzelas que transporta Fortuna injuriosa ao lido infausto! Onde a gente bem sabe quanto importa Forasteiras trazer para o holocausto, Que nenhuma da terra há de ser morta, Se o número das mais não for exausto; Mas se de fora o vento não traz preias, A gente as vai buscar pelas areias.

60. Van discorrendo tutta la marina

con fuste e grippi ed altri legni loro,

e da lontana parte e da vicina

portan sollevamento al for martoro.

Molte donne han per forza e per rapina,

alcune per lusinghe, altre per oro;

e sempre da diverse regioni

n' hanno piene le torri e le prigioni.

61. Passando una for fusta a terra a terrra

inanzi a quella solitaria riva

dove fra sterpi in su 1' erbosa terra

la sfortunata Angelica dormiva,

smontaro alquanti galeotti in terraper riportare e legna ed acqua viva;

e di quanta mai fur belle e leggiadre

trovaro it flore in braccio al santo padre.

62. Oh troppo cara, oh troppo eccelsa preda

per si barbare genti e si villane!

O Fortuna crudel, chi fia ch ' it creda,

che tanta forza hai ne le cose umane,

che per cibo d ' un mostro tu conceda

la gran beltd, ch' in India it re Agricane

face venir da be caucasee porte

con mezza Scizia a guadagnar la mortal

63. La gran beltd, the fu da Sacripante

posta inanzi al suo onore e al suo bel regno;

la gran beltd, ch ' al gran signor d' Anglante

macchiò la chiara fama el' alto ingegno;

la gran beltd, che fa' tutto Levante

sottosopra voltarsi e stare al segno,

ora non ha (cosi è rimasa sola)

chi le dia aiuto pur d ' una parola.

64. La bella donna, di gran sonno oppressa,

incatenata fu prima che desta.

Portaro ilfrate incantator con essa

nel legno pien di turba afflitta e mesta.

La vela, in cima all ' arbore rimessa,

rendé la nave all' isola funesta,

dove chiuser la donna in rocca forte,

fin a quel dì ch' a lei toccd la sorte.

60. Vão navegando ao longo da marinhaCom bergantins e fustas e outras naves;De perto e ao longe a costa se esquadrinha,Que o mal alheio os seus faz menos graves;

Captam damas com ouro e louvaminhas;Violentos, raptam-nas, se opõem entraves,E muitas, de diversas regiões,Estão a encher-lhes torres e prisões.

61. Uma das fustas passa, terra a terra,Ao longo da deserta praia esquivaOnde Angélica dorme, em verde terra,Imersa em triste sono que a cativa.Saltando ali marujos para terra,Em busca de madeira e de água viva,Topam co' a flor da formosura e graça,A qual o velho santarrão se abraça.

62. Ai, excelente, inestimável presaDe multidão tão bárbara e tão dura!Ai, Fortuna, quem crera na ferezaCom que oprimes a humana criatura!Em pasto a um monstro entregas tal belezaQue Agricão, por guardá-la, se apressuraE às Índias vai, pela caucásia porta,Com meia Citia, que lá deixa morta;

63. beleza tal, que a teve SacripantePor mais do que seu reino e seu honor;Beleza tal que, ao grão senhor de Anglante,Turva o alto engenho e a fama de valor;Beleza tal que pôs todo o LevanteEm celeuma, por ser-lhe servidor;Sem amparo ei-la agora (que está só);Ninguém, nem por palavra, lhe tem dó.

64. Enquanto avão prendendo a uma cadeia,Do fundo sono a dama não desperta,Co' o mago a põem no barco, onde pranteiaA turba feminil, que ali se aperta.Do mastro içam a vela, que se alteiaE a nau para a ilha infausta o rumo acerta,Onde encerram a dama em torre forte,

Até o dia que assim quiser a sorte.

FORTUNA
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** FORTUNA ** 62. Ai, excelente, inestimável presa De multidão tão bárbara e tão dura! Ai, Fortuna, quem crera na fereza Com que oprimes a humana criatura! Em pasto a um monstro entregas tal beleza Que Agricão, por guardá-la, se apressura E às Índias vai, pela caucásia porta, Com meia Citia, que lá deixa morta;

65. Ma poté sì, per esser tanto bella,

la fiera gente muovere a pietade,

the molti dì le differiron quella

morte, e serbarla a gran necessidade;

e fin ch ' ebber di fuore altra donzella,perdonaro all ' angelica beltade.

Al mostro fu condotta finalmente,

piangendo dietro a lei tutta la gente.

66. Chi narrerd 1' angosce, i pianti, i gridi,

1 ' alta querela che nel ciel penetra?

Maraviglia ho che non s ' apriro i lidi,

quando fu posta in su la fredda pietra,

dove in catena, priva di sussidi,morte aspettava, abominosa e tetra.

Io nol din); che si it dolor mi muove,

che mi sforza a voltar le rime altrove,

67. e trovar versi non tanto lugubri,

fin che mio spirto stanco si riabbia;che non potrian li squalidi colubri,

né 1' orba tigre accesa in maggior rabbia,

né cià che da l' Atlante ai liti rubri

venenoso erra per la calda sabbia,

né veder né pensar senza cordoglio,

Angelica legata al nudo scoglio.

68. Oh se 1 ' avesse it suo Orlando saputo

ch' era per ritrovarla ito a Parigi;

o li dui ch ' ingannà quel vecchio astuto

col messo che venta dai luoghi stigi!

Fra mille morti, per donarle aiuto,

cercato avrian gli angelici vestigi:

ma the fariano, avendone anco spia,

poi che distanti son di tanta via?

69. Parigi intanto avea 1 ' assedio in torno

dal famoso figliuol del re Troiano;

e venne a tanta estremitade un giorno,

che n' andá quasi al suo nimico in mano:

e se non the gli voti it ciel placorno,

che dilagd dipioggia oscura it piano,

cadea quel dì per 1' africana lancia

it santo Impero e `1 gran nome di Francia.

65. Mas a tal ponto lhe valeu ser belaQue à dura gente inspira piedade;Vão-lhe adiando o fim; querem retê-laPara caso de mor necessidade;Enquanto houve de fora outra donzelaPouparam-lhe a angélica beldade.Depois ao monstro a entregam, finalmente,

E a chorá-la a acompanha toda a gente.

66. Quem falará do choro, do alarido

De lamentos, que até o céu se envia?Pasmo de não se haver o chão fendidoQuando afazem ficar na rocha friaEm grilhões, sem ninguém lhe ter valido,Enquanto espera morte horrenda, impia.Não mais direi: pois tanta é minha dor

Que as rimas a outra parte hei de transpor,

67. E farei menos lúgubre meu verso

Enquanto meu esprito se recobra.Tigre, ao matar-lhe a cria golpe adverso,Enraivecida e traiçoeira cobra,Reptil, na areia cálida dispersoQue entre o Atlante e o Mar Roxo se desdobra,Não poderiam, sem sofrer, pôr olhosEm Angélica, presa entre os escolhos.

68. Seu Orlando o não sabe; resoluto,

Segue, ai!, por ela o rumo de Paris;Nem o sabe, o par a quem o astutoVelho embai co ' o que o estígio arauto diz;

Ou buscariam, entre morte, luto,As pegadas angélicas, gentis.Mas inda que o soubessem, que fariaLonge dela, quem tanto se desvia?

69. Entretanto, Paris o assédio aturaDo filho esclarecido de Troiano;Perto estava o inimigo da captura,Que padece a cidade grave dano,

Quando alagam o chão, com chuva escura,Os Céus, placados pelo voto humano;Isto é o que salva da africana lançaO Santo Império e o grão nome de França.

70. Il sommo Creator gli occhi rivolse

al giusto lamentar del vecchio Carlo;

e con subita pioggia it fuoco tolse:

nè forse uman saper potea smorzarlo.

Savio chiunque a Dio sempre si volse;

ch' altri non potè mai meglio aiutarlo.

Ben dal devoto re fu conosciuto,

the si salvà per lo divino aiuto.

71. La notte Orlando alie noiose piume

del veloce pensier fa parte assai.

Or quinci or quindi ii volta, or lo rassume

tutto in un loco, e non 1' afferma mai:

qual d' acqua chiara it tremolante lume,

dal sol percossa o da notturni rai,

per gli ampli tetti va con lungo salto

a destra ed a sinistra, e basso ed alto.

70.0 Sumo Criador os olhos volveAo justo lamentar de Carlos Magno;Extingue ao fogo a chuva e à terra envolve

( Não é dado ao mortal poder tamanho).Sábio é quem seu cuidado a Deus devolve:

Terá melhor amparo que o de estranho.Ao pio imperador o caso ensinaQue deve a salvação à mão divina.

71. De Orlando as noites um cismar consumeQue entre plumas incômodas recai.

Irriquieto cismar, que se resumeTodo num ponto e logo em mil se esvai,Qual d' água clara o tremulante lume,

Que à luz do sol ou do luar ressaiE os telhados alcança em largo salto,À esquerda e à direita, abaixo e ao alto.

Oitava 70

72. La donna sua, che gli ritorna a mente,

anzi che mai non era indi partita,

gli raccende nel core e fa pii' ardente

la fiamma che nel dì parea sopita.

Costei venuta seco era in Ponente

fin dal Cataio; e qui 1' avea smarrita,

né ritrovato poi vestigio d' ella

the Carlo rotto fu presso a Bordella.

73. Di questo Orlando avea gran doglia, e seco

indarno a sua sciocchezza ripensava.

– Cor mio (dicea), come vilmente teco

mi son portato! Ohimè, quanto mi grava

che potendoti aver notte e di meco,

quando la tua bontà non mel negava,

t' abbia lasciato in man di Namo porre,

per non sapermi a tanta ingiuria opporre!

72. Volta-lhe sua amada agora à mente,Antes, dele não foi nunca esquecida,E lhe aviva no peito, e faz-lhe ardenteA chama que parece adormecida.Com ele, ela chegara ao Ocidente,De Catai; ele a viu, depois, perdida,Nem logrou mais achar vestígios seus,Dês que a Carlos derrotam em Bordéus.

73. Dói-se Orlando, e queixando-se consigo,Em vão de necedade se acusava.– Meu coração (dizia), fui contigoBaixo e vil! Ai de mim, quanto me agravaPoderes dia e noite estar comigo,Quando tua bondade me aceitava,E eu ter sofrido que te fossem pôrNas mãos de Namo, sem saber-me opor!

Oitava 71

74. Non aveva ragione io di scusarme?

E Carlo non m ' avria forse disdetto:

se pur disdetto, e chi potea sforzarme?

Chi ti mi volea torre al mio dispetto?

Non poteva io venir piú tosto all ' arme?

Lasciar piú tosto trarmi ii cor del petto?

Ma né Carlo né tutta la sua gente

di tormiti per forza era possente.

75. Almen 1 ' avesse posta in guardia buona

dentro a Parigi o in qualche rocca forte.

Che 1' abbia data a Namo mi consona,sol perché a perder 1' abbia a questa sorte.

Chi la dovea guardar meglio persona

di me? Ch' io dovea farlo fino a morte;

guardarla piú che cor, chegli occhi miei:

e dovea e potea farlo, e pur nol fei.

76. Deh, dove senza me, dolce mia vita,

rimasa sei si giovane e si bella?

Come, poi che la luce è dipartira,

riman tra' boschi la smarrita agnella,

che dal pastor sperando essere udita,

si va lagnando in questa parte e in quella:

tanto che '1 lupo 1' ode da lontano,

e misero pastor ne piagne invano.

77. Dove, Speranza mia, dove ora sei?

Vai tu soletta forse ancor errando?

O pur t' hanno trovata i lupi rei

senza la guardia del tuo fido Orlando?

E it fior ch' in del potea pormi fra i dei,

it fior ch' intanto io mi venta serbando

per non turbarti, ohimè! t 'animo casto,

ohimè! per forza avranno colto e guasto.

78. Oh infelice! Oh minero! Che voglio

se non morir, se 1̀ mio bel fior colto hanno?

O sommo Dio, fammi sentir cordoglio

prima d ' ogni altro, che di questo danno.

Se questo è ver, con le mie man mi toglio

la vita, e 1 ' alma disperata danno. -

Cosi, piangendo forte e sospirando,

seco dicea 1' addolorato Orlando.

74. Faltou-me acaso modo de escusar-me?

Não me teria Carlos contrafeito;Ainda que sim, quem poderia forçar-me?Quem pudera roubar-te, a meu despeito?

Se eu combater, quem há que me desarme?Roubem-me o coração, antes, do peito!Nem a Carlos, com toda a sua gente,De ti privar-me à força se consente.

75. Que a houvesse antes entregue à guarda boaDe Paris, ou de alguma torre forte;Mas dá-la a Namo, entendo que apregoaQuerer que eu a perdesse desta sorte.Para guardá-la, que melhor pessoaQue eu mesmo? Eu a guardara até a morte,Mais que meus olhos, mais que o peito meu!Poder... dever fazê-lo e o não fiz eu!

76. Onde ficaste, ai!, doce vida minha,Longe de mim, tão jovem e tão bela ?Como fica no bosque uma ovelhinha,Depois que o sol se esconde e a luz se vela,Que a chamar o pastor se vai sozinha,E a se queixar, por esta parte e aquela,Mas longe a escuta o lobo, sem demora,E em vão o mísero pastor a chora.

77. Onde esperança minha, onde estarás?Acaso inda andarás sozinha errando?Ou te agarraram lobos, feras más,Longe da guarda de teu fiel Orlando?E a flor, de me deixar nos céus capaz,A flor que intacta eu vinha preservando,Por te não magoar, ai!, a alma casta,Outrem à força arranca, ai!, e devasta.

78. Ai de mim! Se esta bela flor não colho,Antes a morte! Mais gravoso afano,Sumo Deus, enviai-me, pois o acolhoSe servir de esquivar tamanho dano.Se este vier, por minhas mãos escolho

A morte, e a alma, em desespero, dano. —Assim, entre soluços, suspirando,Dizia consigo o atormentado Orlando.

79. Già in ogni parte gli animanti lassi

davan riposo ai travagliati spirti,

chi su le piume, e chi sui duri sassi,

echisul ' erbe,echisufaggiomirti:

tu le palpebre, Orlando, a pena abbassi,punto da' tuoi pensieri acuti ed irti:

né que! si breve e fuggitivo sonno

godere in pace anco lasciar ti ponno.

80. Parea ad Orlando, s ' una verde riva

d' odoriferi flor tutta dipinta,

mirare it bello avorio, e la nativa

purpura ch' avea Amor di sua man tinta,e le due chiare stelle onde nutriva

nele reti d' Amor 1'anima avinta:

io parlo de' begli occhi e del bel volto,

chegli hanno it cor di mezzo it petto tolto.

81. Sentia it maggior placer, la maggior festa

che sentir possa alcun felice amante;

ma ecco intanto uscire una tempesta

che struggea i flori, ed abbattea le piante:

non se ne suol veder simile a questa,

quando giostra aquilone, austro e levante.

Parea che per trovar qualche coperto,

andasse errando invan per un deserto.

82. Intanto 1' infelice (e non sa come)

perde la donna sua per 1' aer fosco;

onde di qua e di Li del suo bel nome

fa risonare ogni campagna e bosco.

E mentre dice indarno: – Misero me!

Chi ha cangiata mia dolcezza in tosco? -

ode la donna sua chegli domanda,

piangendo, aiuto, e se gli raccomanda.

83. Onde par ch' esca it grido, va veloce,

e quinci e quindi s' affatica assai.

Oh quanto è it suo dolore aspro ed atroce,

che non put) rivedere i dolci rail

Ecco ch ' altronde ode da un ' altra voce:

–Non sperar piú giorne in terra mai. –

A questo orribil grido risvegliossi,

e tutto pien di lagrime trovossi.

79. Por toda a parte as lassas criaturasAcham repouso do cansado espir' to,Embrandas plumas ou na pedra dura,Na mata, em ramos de faial ou mirto,Mas em vão cerrar pálpebras procuras,Orlando, e é teu tormento agudo e hirto;Nem teus cuidados te concedem pazSequer para dormir sono fugaz.

80. Parece a Orlando ver, por entre floresQue são de verde riba aroma e tinta,A alvura do marfim e as belas coresDa púrpura nativa, que Amor pinta;Ver, mais, de um par de estrelas os fulgoresCom que em redes Amor a alma lhe encinta:Falo do lindo olhar, do belo rostoQue exílio ao coração lhe t@m imposto.

81. Sentia o maior gozo, a maior festaQue pode ter o mais feliz amante;Mais eis que tempestade abate e infestaAs flores e a ribeira verdejante;Não provocam tormenta igual a estaLutas entre aquilão, austro e levante.Parecia-lhe andar, a descoberto,Em busca de um abrigo, no deserto,

82. E ve o mísero a dama que se some(Como, não sabe) na borrasca escura;Então, lá e cá, sai a gritar-lhe o nomePor veredas do campo e da espessura.– Infeliz! – vai dizendo – Eu aflijo-me,Pois quem mudou em fel minha doçura?Logo escuta, chorosa, sua damaQue pede auxílio e que por ele clama.

83. Trabalha em rebuscar, lá e cá, veloz,Por onde lhe parece ouvir seus ais.Ah, que aflição lhe causa, áspera, atroz,Não ver seus doces, fúlgidos cristais!

Então, alhures, brada-lhe outra voz:– Não a esperes no mundo ver jamais ! –Ao pavoroso brado despertou-seE banhado de lágrimas achou-se.

84. Senza pensar the Sian 1 ' i magin false

quando per tema o per disio si sogna,

de la donzella per modo gli calse,

che stimà giunta a danno od a vergogna,

the fulminando fuor del letto salse.

Di piastra e maglia, quanto gli bisogna,

tutto guarnissi, e Brigliadoro tolse;

né di scudiero alcun servigio volse.

85. E per poter entrare ogni sentiero,

che la sua dignitd macchia non pigli,

non 1' onorata insegna del quartiero,

distinta di color bianchi e vermigli,

ma portar volse un ornamento nero;

e forse accià ch 'al suo dolor simigli:

e quello avea gid tolto a uno amostante,

ch ' uccise di sua man pochi anni inante.

86. Da mezza notte tacito si parte,

e non saluta e non fa motto al zio;

né al fido suo compagno Brandimarte,che tanto amar solea, pur dice a Dio.

Ma poi che `1 Sol con 1' auree chiome sparte

del ricco albergo di Titone uscio,

e fe ' 1 ' ombro fugire umida e nera,

s' avide it re che 7 paladin non v ' era.

87. Con gran suo dispiacer s ' avede Carlo

the partito la notte è suo nipote,quando esser dovea seco e piìt aiutarlo;

e ritener la colera non puote,

ch' a lamentarsi d' esso, ed a gravarlo

non incominci di biasmevol note:

e minacciar, se non ritorna, e dire

che lo faria di tanto error pentire.

88. Brandimarte, ch ' Orlando amava a pare

di se medesmo, non fece soggiorno;

o che sperasse farlo ritornare,

o sdegno avesse udirne biasmo e scorno;

e volse a pena tanto dimorare,

ch ' uscisse fuor ne 1 ' oscurar del giorno.

A Fiordiligi sua nulla ne disse,

perchè it disegno suo non gl' i mpedisse.

84. Sem pensar que às visões verdade falta,

Se é por desejo ou medo que se sonha,Tanto o cuidado da donzela o assalta,Que a julga exposta a males ou vergonha.Então do leito, como raio, salta,Por que malha e couraça logo ponha;Montado em Bridadoiro vai, ligeiro,Dispensando serviços de escudeiro.

85. E para percorrer qualquer trajetoDe indignidade a salvo e desprimor,Não leva o honrado escudo consueto,Que de branco e vermelho toma a cor;Levou consigo um armamento preto,Talvez por mais conforme com sua dor:Traje tomado a um miralmominim,A quem, anos atrás, ele deu fim.

86. Tácito, à meia-noite, ele se parteSem dizer nada, sem saudar o tio,Sem dar adeus ao caro Brandimarte,Companheiro leal de anos a fio;Mas de Tritão hora é que o Sol se aparteE, soltas d'ouro as comas, mostre o brioQue as negras sombras úmidas destrói:Então, vê o rei que o paladim se foi.

87. Desgostoso, conhece Carlos MagnaQue se partiu de noite seu sobrinho;Cólera lhe produz crime tamanho,Pois, quando mais devera estar vizinhoPara o ajudar, se afasta como estranho:Põe-se a acusá-lo pelo descaminhoE ameaças lhe faz, se persistir,De punições, que lhe fará infligir.

88. Brandimarte, que a Orlando sabe amarComo a si mesmo, não faz mais detença,Por trazê-lo de volta, ou por pesarDe o ouvir citado com desprezo e ofensa.Logo que venha o dia a declinar,Ele, pois, em partir-se também pensa,Mas, por baldar estorvos, nada dizDo que pretende à sua Flordeliz.

89. Era questa una donna the fu molto

da lui diletta, e ne fu raro senza;

di costumi, di grazia e di bel volto

dotata e d 'accortezza e di prudenza:

e se licenzia or non n' aveva tolto,

fu che sper& tornarle alia presenza

it di medesmo; ma gli accade poi,

che lo tardà piú dei disegni suoi.

90. E poi ch' ella aspettato quasi un mese

indarno 1' ebbe, e che tornar nol vide,

di desiderio si di lui s ' accese,

the si parti senza compagni o guide;

e cercandone ande) molto paese,

come I' istoria al luogo suo dicide.

Di questi dua non vi dico or piú inante;

the piú m ' importa it cavalier d' Anglante

91. Il qual, poi che mutato ebbe d ' Almonte

le gloriose insegne, and& alia porta,

e disse ne 1' orecchio: – lo sono it conte -

a un capitan the vi facea la scorta;

e fattosi abbassar subito it ponte,

per quella strada the pit, breve porta

agl ' inimici, se n ' and() diritto.

Quel che segui, ne I' altro canto è scritto.

89. A esta donzela muito ele queria,E dela raramente se separa,Que modéstia, prudência, louçania,Sagacidade e graça a tornam cara.Não lhe pediu licença nesse dia,Por crer que nesse mesmo regressara;Apesar disso, o que depois lhe passaO retardou e lhe embargou a traça.

90. Ela, após o esperar por quase um mês,Inutilmente, pois não mais o avista,Encheu-se de saudade, e por sua vez,

Saiu sem guia, a perseguir-lhe a pista.Muitos caminhos a buscá-lo fez,Tal como a história em seu lugar regista.

Mas destes dois só vos direi adiante,Que mais me importa ora o senhor de Anglante.

91. Este, depois de revestir de Almonte

As armas gloriosas, foi à portaE à sentinela que lá viu de fronteSegreda: – Sou o conde. – Isto transportaDepressa abaixo a levadiça ponte.Ele, por trilha que as distâncias cortaPara o inimigo, mete-se expedito.O mais no canto próximo está escrito.

Oitava 91

EPISÓDIOS

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CANTO IX

Orlando vence o rei da Frísia e destrói o arcabuz

28. Oltre che sia robusto, e si possente,

che pochi pari a nostra eta ritruova,

e sì astuto in mal far, ch 'altrui niente

la possanza, l'ardir, l'ingegno giova;

porta alcun'arme the l'antica gente

non vide mai, né fuor ch'a lui, la nuova:

un ferro bugio, lungo da dua braccia,

dentro a cui polve ed una palla caccia.

29. Col fuoco dietro ove la canna è chiusa,

tocca un spiraglio che si vede a pena;

a guisa che toccare it medico usa

dove è bisogno d 'allacciar la vena:

onde vien con tal suon la palla esclusa,

che si puà dir che tuona e che balena;

né men che soglia it fulmine ove passa,

cià che tocca, arde, abatte, apre e fracassa.

28. Tem astúcia tamanha em fazer mal,Além de ser robusto e prepotente,Que valor, força, engenho nada valA deixar protegido quem o enfrente.Usa nos seus ataques de arma talNunca vista da antiga ou nova gente:Mede duas braças, chama-se arcabuz;Nela pelouro e pólvora introduz.

29. Detrás da ponta onde o cano se fechaEspiráculo oculto se incendeiaQuando, ao tocá-lo, ele deflagra a mecha,Qual médico, ao sangrar, toca na veia.Com tal estrondo a bala se desfechaQue parece que atroa e relampeia.E ela qual raio, aonde se propaga,Derruba, despedaça, queima, estraga.

61. Giunge Orlando a Dordreche, e quivi truova

di moita gente armata in su la porta;

sì perché sempre, ma pia quando è nuova,

seco ogni signoria sospetto porta;

si perché dianzi giunta era una nuova,che di Selandia con armata scorta

di navili e di gente un cugin viene

di quel signor che qui prigion si tiene.

62. Orlando prega uno di /or, che vada

e dica al re, ch'un cavalliero errante

disia con lui provarsi a lancia e a spada;ma che vuol che tra for sia patto inante:

che se `l re fa che, chi lo sfida, cada,la donna abbia d'aver, ch'uccise Arbante,

che cavallier 1'ha in loco non lontano

da poter sempremai darglila in mano;

63. ed all'incontro vuol die 7 re prometta,

ch ' ove egli vinto ne la pugna sia,

Bireno in libertd subito metta,

e che lo lasci andare alia sua via.

Il fante al re fa l'ambasciata in fretta:

ma quel, che né viria né cortesiaconobbe mai, drizzà tutto it suo intento

alia fraude, all'inganno, al tradimento.

64. Gli par ch'avendo in mano it cavalliero,

avrd la donna ancor, che sì l'ha offeso,

s'in possanza di lui la donna è veroche si ritruovi, e it fante ha ben inteso.

Trenta uomini pigliar fece sentierodiverso da la porta ov'era atteso,

che dopo occulto ed assai lungo giro,

dietro alie spalle al paladino usciro.

65. Il traditore intanto dar parole

fatto gli avea, sin che i cavalli e i fanti

vede esser giunti al loco ove gli vuole;

da la porta esce poi con altretanti.

Come le fere e it bosco cinger suole

perito cacciator da tutti i cantis

come appresso a Volana i pesci e 1'onda

con lunga rete it pescator circonda:

61. Chega Orlando a Dordrécia, onde comprova

Haver tropas armadas junto aporta,Porque a dominação, máxime nova,Sempre suspeita e dúvida comporta;E também por haver chegado novaDe uma armada, que exército transporta,De Zelândia; e co' a frota um primo vemDo senhor que no cárcere é refém.

62. Orlando pede a um guarda que embaixadaLeve até o rei, de um cavaleiro erranteQue o repta a se medir, em lança e espada;Mas prévio ajuste quer o desafiante:Se o rei vencer, não lhe será negadaA dama que tirou a vida a Arbante:Esconde-a o cavaleiro ali por pertoE, se vencido, a entregará decerto;

63. Mas igualmente quer que o rei prometa,

Se vencedor for quem o desafia,Que, liberto, Bireno se remeta,E que o deixem seguir por sua via.Depressa leva as novas o estafeta,Mas o rei, que virtude e cortesiaSempre ignorou, somente pôs o intentoNo engano traiçoeiro e fraudulento.

64. Julga que, aprisionando o cavaleiro,

Terá a mulher, que lhe fez grave ofensa,Se é verdade o que ouviu o mensageiroQue a custódia da dama lhe pertença;Trinta homens por insólito roteiroManda à porta, a aguardar a sua presença.Oculta, por desvios, vai a guardaE posta-se de Orlando à retaguarda.

65. 0 traidor, porém, lhe havia ditoVagas palavras, pois corcéis e infantesQuere que o cerquem no lugar prescrito.Depois, com outros mais acompanhantesSai do portão, qual caçador peritoQue cerca da floresta os habitantes;Ou qual o pescador que a rede afundaE os peixes, em Volana, então circunda.

Oitava 64

66. cosi per ogni via dal re di Frisa,

che quel guerrier non fugga, si provede.

Vivo lo vuole, e non in altra guisa:

e questo far si facilmente crede,

che `l fulmine terrestre, con che uccisa

ha tanta e tanta gente, ora non chiede;

che quivi non gli par che si convegna,

dove pigliar, non far morir, disegna.

67. Qual cauto ucellator che serba vivi,

intento a maggior greda, i primi augelli,

accib in piii quantitade altri captivi

faccia col giuoco e col zimbel di quelli:

tal esser volse it re Cimosco quivi:

ma già non volse Orlando esser di quelli

che si lascin pigliar al primo tratto;

e tosto roppe it cerchio ch'avean fatto.

68. 11 cavallier d 'Anglante, ove pii spesse

vide le genti e l'arme, abbassà fasta;

ed uno in quella e poscia un altro messe,

e un altro e un altro, che sembrar di pasta;

e fin a sei ve n 'infilzà, e li resse

tutti una lancia: e perch'ella non basta

a pii .i lascid it settimo fuore

ferito si, che di quel colpo moore.

66. O rei de Frísia, assim, toda a saídaEmbarga, e ao Paladim a fuga impede;Não o quer morto; julga que com vidaPrendê-lo o tempo azado lhe concede;

Por isto é que o relâmpago homicida,Que a tantos já matou, nem sequer pede:Já o satisfaz que ao paladim detenha;Matá-lo, em circunstâncias tais, desdenha.

67. Os pássaros primeiros mantém vivos

O astuto caçador, por lograr presa;Que os outros, atraídos dos cativos,Captura em abundância, de surpresa;Busca Cimosco usar tais atrativos,Mas não se entrega Orlando sem defesa,Não há quem ao primeiro golpe o abata:O cerco ele aqui rompe e desbarata.

68. Onde o senhor d'Anglante vê mais densoO cerco, baixa a lança e aos homens passa:Espeta-os um por um co ' o ferro infenso,Como se fossem da mais branda massa;Seis enfiou na lança, e o cabo extensoJá não pode suster os que trespassa:Por isso, malferido, fica fora

O sétimo, que ali morre na hora.

Oitava 68

69. Non altrimente ne l'estrema arena

veggidn le rane de canali e fosse

dal cauto arcier nei fianchi e nela schiena,

l ' una vicina all 'altra, esser percosse;

né da la freccia, fin che tutta piena

non sia da un capo all 'altro, esser rimosse.

La grave lancia Orlando da sé scaglia,

e con la spada entrá ne la battaglia.

70. Rotta la lancia, quella spada strinse,

quella che mai non fu menata in fallo;

e ad ogni colpo, o taglio o punta, estinse

quando uomo a piedi, e quando uomo a cavallo:

dove toccà, sempre in vermiglio tinse

l'azzurro, it verde, it Bianco, it nero, it giallo.

Duolsi Cimosco the la canna e it fuoco

seco or non ha, quando v'avrian pii loco.

..............................................................

73. D'una in un 'altra via si leva ratto

di vista al paladin; ma indugia poco,

che torna con nuove armi; che s 'ha fatto

portare in tanto it cavo ferro e it fuoco:

e dietro un canto postosi di piatto,

l'attende, come it cacciatore al loco,

cai cani armati e con lo spied o, attende

it fier cingial che ruinoso scende;

69. Como de fossos e canais na areiaO cauto arqueiro as rãs em bando mira,

Depois, no flanco ou dorso as alanceia,Enfiando-as no ferro com que atira,E juntas prende, até que, estando cheiaA flecha, ele uma a uma enfim retira:Assim Orlando a lança ora arremessaE a luta com a espada recomeça.

70. Quebrada a lança, toma logo à cinta

A espada que não falha a seu apelo:Golpeie, corte ou fure, deixa extintaA vida de quem ouse combatê-lo,Montado ou não, e troca em rubra tintaVerde, azul, branco, negro ou amarelo.Clama Cimosco, que por fazer danoNão tem consigo o flamejante cano.

..............................................................

73. Por via sinuosa então se fazOculto ao Paladim; mas volta logoCom armamento novo que ora traz,O férreo cano em cujo ventre há fogo;Fica a espreitá-lo a um canto, pouco atrás,

Como quem goza da caçada o jogoE co' o espeto e co ' armados cães esperaO javali, até que surge a fera,

74. che spezza i rami e fa cadere i sassi,

e ovunque drizzi i 'orgogliosa fronte,

sembra a tanto rumor che si fracassi

la selva intorno, e che si svella it monte.

Sta Cimosco alia posta, accid non passi

senza pagargli it fio 1 'audace conte:tosto ch'appare, alio spiraglio tocca

col fuoco it ferro, e quel subito scocca.

75. Dietro lampeggia a guisa di baleno,

dinanzi scoppia, e manda in aria it tuono.

Trieman le mura, e sotto i pie it terreno;

it ciei ribomba al paventoso suono.L'ardente stral, che spezza e venir meno

fa cià ch 'incontra, e tic) a nessun perdono,

sibila e stride; ma, come è it desire

di quel brutto assassin, non va a ferire.

76. 0 sia la fretta, o sia la troppa voglia

d 'uccider quel baron, ch 'errar lo faccia;

o sia che it cor, tremando come foglia,

faccia insieme tremare e mani e braccia;

o la bona) divina che non voglia

the `t suo fedel campion si tosto giaccia:

quel colpo al ventre del destrier si torse;

lo caccid in terra, onde mai pia non sorse.

74. Que abala pedras, galhos estraçalha,E por onde levanta a altiva fronte,Parece, tal estrépito se espalha,Que rompe a selva e que derriba o monte.Cimosco espreita por que nada valhaA Orlando, nem a pena lhe desconte.Quando este surge, no gatilho tocaE o ferro deita fogo pela boca.

75. Brilha por trás, a modo de clarão,Na frente estoura, e tudo em volta atroa;Tremem os muros, estremece o chão,E co' o horrfvel estrondo o céu reboa.A nada a seta ardente dá perdão,Ao que encontra espedaça e desboroa,A zunir e silvar; porém não fereA quem o assassino tredo quere.

76. Seja demais a gana, seja a pressaDe matar o barão que o ameaça,Ou seja o coração que lhe estremeçaE a mão e o braço estremecer-lhe faça,Seja que não permita que pereçaA seu fiel campeão dos céus a graça,Fere o cavalo o tiro, que se torce,Emorto o prostra, indo em se u ventre p 6'r-se.

90. E cosi, poi the fuor de la marea

nel pii profondo mar si vide uscito,

si che segno lontan non si vedea

del destro pii né del sinistro lito;lo tolse, e disse: – Accià pii. non istea

mai cavallier per te d'essere ardito,

né quanto it buono val, mai piìt si vanit rio per te valer, qui gii rimanti.

91. 0 maladetto, o abominoso ordigno,che fabricato nel tartareo fondo

fosti per man di Belzebu malignoche ruinar per te disegnà it mondo,

all'inferno, onde uscisti, ti rasigno. –

Cosi dicendo, lo gittd in profondo.

Il vento intanto le gonfiate vele

spinge alia via de 1'isola crudele.

90. Afastados estavam já da raiaQue terra e mar separa, e haviam seguidoAo alto-mar, aonde qualquer praiaDe seus olhos se havia já escondido.Tomou da arma e disse: – Não decaiaA bravura, não vença o fementidoCavaleiro ao leal, nem o confunda.Por isso é que te digo agora: afunda!

91. O abominável máquina maldita,Que no perverso Tártaro profundoFabricou Belzebu, para desditaDe todos os que vivem neste mundo,Volta ao inferno! – E Orlando a precipita

Nas águas do oceano mais profundo.Sopra entretanto o vento e seu batelA velas pandas busca a ilha cruel.

CANTO X

Angélica e a Orca

92. E vide Ibernia fabulosa, dove

it santo vecchiarel fece la cava,

in che tanta mercé par che si truove,

the l 'uom vi purga ogni sua colpa prava.

Quindi poi sopra it mare it destrier muove

id dove la minor Bretagna lava:

e nel passar vide, mirando a basso,

Angelica legata al nudo sasso.

93. Al nudo sasso, all 'Isola del planto;

che 1'Isola del planto era nomata

quella che da crudele e fiera tanto

ed inumana gente era abitata,

che (come io vi dicea sopra nel canto)

per vari liti sparsa iva in armata

tutte le belle donne depredando,

per farpe a un mostro poi cibo nefando.

92. Avista Hibérnia fabulosa, terra

Onde um poço o ancião santo cavava,

No qual tamanha graça se descerraQue das maiores culpas o homem lava.Guia então o corcel ao mar que encerraA Bretanha menor, e vê que estava

Numa ilha, para onde baixa os olhos,Angélica amarrada entre os escolhos.

93. Entre os escolhos da ínsula do pranto,Pois ínsula do pranto foi chamada,

Que de gente feroz esse recanto,Desumana e cruel, era a morada.

Gente (jávo-lo disse em outro canto)

Que por diversaspraias ia, armada,

As mulheres formosas capturandoPor a um monstro ofertar pasto nefando.

94. Vi fu legata pur quella matina,

dove venìa per trangugiarla viva

quel smisurato mostro, orca marina,

che di aborrevole esca si nutriva.Dissi di sopra, come fu rapina

di quei che la trovaro in su la riva

dormire al vecchio incantatore a canto,

ch'ivi l'avea tirata per incanto.

95. La fiera gente inospitale e cruda

alia bestia crudel nel Tito espose

la bellissima donna, cosi ignuda

come Natura prima la compose.Un velo non ha pure, in che richiuda

i bianchi gigli e le vermiglie rose,

da non cader per luglio o per dicembre,

di che son sparse le polite membre.

96. Creduto avria che fosse statua finta

o d 'alabastro o d 'altri marmi illustri

Ruggiero, e su lo scoglio cosi avinta

per artificio di scultori industri;

se non vedea la lacrima distinta

tra fresche rose e candidi ligustri

far rugiadose le crudette pome,

e 1 'aura sventolar 1 'aurate chiome.

94. Pela manhã, deixaram-na cativa,Presa aos escolhos, junto ao mar, sozinha;Ficava exposta a que a tragasse vivaA fera desmedida, a Orca marinha,Que pasto faz de quem da vida priva.Um bruxo, já vos disse, a esta mesquinhaLevou consigo à praia por magia;Capturaram-na enquanto ali dormia.

95. A gente inóspita, feroz e cruaEntregou-a ao mortífero animalComo nasceu da Natureza, nua;Não a recobre ao menos um cendalQue à vista os alvos lírios seus excluaE as rosas que vermelho sempre igualOstentarão em julhos ou dezembros,Sem jamais fenecer nos lindos membros.

96. Rogério a julgaria uma esculturaDe alabastro ou de espécies mui preciosasDe mármore, que à rocha se asseguraPelas artes de mãos industriosas;Mas a lágrima vê, que se misturaAos alvos lírios e às vermelhas rosasCaindo, qual orvalho, em miúdas tetas,E vê madeixas d ' ouro ao vento inquietas.

Oitava 95

CANTO XI

Orlando vence a Orca

37. Tosto che forca s'accostd, e scoperse

nel schifo Orlando con poco intervallo,per ingiottirlo tanta bocca aperse,

ch ' entrato un uomo vi saria a cavallo.

Si spinse Orlando inanzi, e se gl' immerse

con quella ancora in gola, e s 'io non fallo,

col battello anco; e 1 'ancora attaccolle

e nel palato e ne la lingua molle:

38. si che né piei si puon calar di sopra,né alzar di sotto le mascelle orrende.

Cosi chi ne le mine it ferro adopra,

la terra, ovunque si fa via, suspende,

che súbita rui na non lo cuopra,

mentre malcauto al suo lavoro intende.

Da un amo all ' altro l'ancora é tanto alta,che non v ' arriva Orlando, se non salta.

37. Avizinha-se a Orca e pode ver-seNo barco Orlando, a mui breve intervalo;Abre a fera tal boca, que meter-seAli pudera um homem a cavalo.Vai-lhe ao encontro Orlando, até fazer-seCom o barco tragar, se ouso afirmá-lo,E no instante que o monstro a âncora engole,Crava-lha entre o palato e a língua mole.

38. As horrendas mandíbulas dominaO ferro e o movimento lhes suspende,Qual ferramenta com que obreiro, em mina,O terreno escavado escora e prendePor se livrar de súbita ruínaQue lá o sepulte, enquanto obras empreende.De um gancho a outro a âncora é tão altaQue Orlando não na alcança, se não salta.

39. Messo it puntello, e fattosi sicuro

che `l mostro piìà serrar non pub la bocca,

stringe la spada, e per quel antro oscuro

di qua e di lb con tagli e punte tocca.

Come si pub, poi che son dentro al muro

giunti i nimici, ben defender rocca;cosi difender Lorca si potea

dal paladin che ne la gola avea.

40. Dal dolor vinta, or sopra it mar si lancia,

e mostra i fianchi ele scagliose schene;or dentro vi s'attuffa, e con la panciamuove dal fondo e fa salir l'arene.

Sentendo l ' acqua it cavallier di Francia,

che troppo abonda, a nuoto fuor ne viene:

lascia 1 ' ancora fitta, e in mano prende

la fune che da 1'ancora depende.

41. E con quella ne vien nuotando in fretta

verso lo scoglio; ove fermato it pied e,

tira l 'ancora a sé, ch 'in bocca stretta

con le due punte it brutto mostro fled e.

L'orca a seguire it canape e costretta

da quella forza ch'ogni forza eccede,

da quella forza the piìi in una scossa

tira, ch'in died un argano far possa.

42. Come toro selvatico ch 'al corno

gittar si senta un improvviso laccio,

salta di qua di lb, s 'aggira in torno,si colca e lieva, e non pub uscir d 'i mpaccio;

cosi fuor del suo antico almo soggiorno

Lorca tratta per forza di quel braccio,con milleguizzi e mille stra ge ruote

segue la fune, e scior non se ne puote.

43. Di bocca it sangue in tanta copia fonde,

che questo oggi it mar Rosso si pub dire,

dove in tal guisa ella percuote l 'onde,ch 'insino al fondo le vedreste aprire;

ed or ne bagna it cielo, e it lume asconde

del chiaro sol: tanto le fa salire.

Rimbombano al rumor ch 'intorno s 'ode,

le selve, i monti ele lontane prode.

39. Cravada a escora, e estando enfim seguro

De que o monstro fechar não pode a boca,Toma da espada e vai pelo antro escuro,A ferir e a cortar tudo o que toca.Castelo onde inimigo passa o muroEm vão seus defensores já convoca:Tampouco defender-se conseguiaA Orca do guerreiro que a invadia.

40. Vencida pela dor, a fera lançaFora do mar os escamosos flancos,Ou no mar os mergulha, até que alcançaE revolve as areias em seus bancos.Entende logo o paladim de FrançaQue a água o pode cobrir em tais arrancos;Sai a nadar e a mão antes estende

A corda que na ponta a âncora prende.

41. Chega ao rochedo, aonde vai direito,E puxa a si o ferro, que não cedeAos embates do monstro, e o tem sujeito,E o vai ferindo, e de soltar-se o impede.

Co' o ferro vem o bicho, à corda atreito:Força o conduz que a qualquer força excede:Força que co ' um abalo, e numa vez,Repuxa mais que um cabrestante em dez.

42. Touro bravio, quando a amarrar-lhe o corno

Se fecha a corda em traiçoeiro laço,Recua, avança, salta, corre em tornoDa corda e não se solta do embaraço;Assim o monstro quer fazer retornoAo mar, donde tirando o vai tal braço:Mil vezes se contorce e se revolta,

Mas sempre segue a corda, que o não solta.

43. Abundante, da boca o sangue jorra,

E o Mar Vermelho aqui se pode achar;Voragens abre a Orca, ou faz que acorraAs alturas do céu a água do mar.

A luz do dia é de temer que morra,Tais vagalhões ao sol vão ocultar.Repassam os rugidos reboantes

Montes, selvas e as praias mais distantes.

CANTO XII

Orlando no palácio encantado

1. Cerere, poi che da la madre Idea

tornando in fretta alfa solinga valle,

la dove calca la montagna Etnea

al fulminato Encelado le spalle,

la figlia non trova dove 1'avea

lasciata fuor d'ogni segnato cane;fatto ch ' ebbe alie guance, al petto, ai crini

e agli occhi danno, al fin svelse duo pini;

2. e nel fuoco gli accese di Vulcano,

e die for non potere esser mai spenti:

e portandosi questi uno per mano

sul carro che tiravan dui serpenti,

cerca le selve, i campi, it monte, i1 piano,

le valli, ifiumi, li stagni, i torrenti,

la terra e `I mare; e poi the tutto it mondo

cerca di sopra, anda al tartareofondo.

1. Deixando a mãe, que no Ida se venera,

Ceres depressa ao ermo vale chega

Onde o Etna gravoso oprime e onera

A Encélado, que às costas o carrega.

Mas lá não acha a filha que escondera,E debalde a buscá-la eis que se entrega.

A ferir rosto, peito, olhos, cabelos,Dois pinheiros assalta, até abatê-los;

2. No fogo de Vulcano os incendeiaE concede-lhes sempre estar ardentes;Um toma em cada mão e sobe a déia

Ao carro que tiravam duas serpentes;Selvas e campos, serra e chão rastreia

E vales, rios, pântanos, torrentes,Terras e mares; e depois de o mundoEsquadrinhar, desce ao tartáreo fundo.

3. S'in poter fosse stato Orlando pare

all'Eleusina dea, come in disio,

non avria, per Angelica cercare,

lasciato o selva o campo o stagno o rio

o valle o monte o piano o terra o mare,

it cielo e `i fondo de 1 ' eterno oblio;

ma poi che `t carro e i draghi non avea,

la gìa cercando al meglio the potea.

4. L'ha cercata per Francia: or s 'apparecchia

per Italia cercaria e per Lamagna,per la nuova Castiglia e per la vecchia,

e poi passare in Libia it mar di Spagna.

Mentre pensa cosi, sente all'orecchia

una voce venir, che par the piagna:

si spinge inanzi; e sopra un gran destriero

trottar si vede inanzi un cavalliero,

5. che porta in braccio e su 1 'arcion davante

per forza una mestissima donzella.

Piange ella, e si dibatte, e fa sembiante

di gran dolore; ed in soccorso appella

it valoroso principe d 'Anglante;

che come mira alia giovane bella,gli par colei, per cui la notte e it giorno

cercato Francia avea dentro e d'intorno.

6. Non dico ch 'ella fosse, ma paeea

Angelica gentil ch 'egli tant'ama.

Egli, che la sua donna e la sua dea

vede portar si addolorata e grama,

spin to da 1'ira e da la furia rea,con voce orrenda it cavallier richiama;

richiama it cavalliero egli minaccia,

e Brigliadoro a tutta briglia caccia.

7. Non resta quel fellon, né gli risponde,

all'alta preda, al gran guadagno intento,e si ratto ne va per quelle fronde,

che saria tardo a seguitarlo it vento.

L'un fugge, e 1 'altro caccia; e be profonde

selve s ' odon sonar d 'alto lamento.

Correndo usciro in un gran prato; e quello

avea nel mezzo un grande e ricco ostello.

3. Desejo tinha Orlando de igualarA Eleusina em tamanho poderio:Por Angélica iria, então, passarTodo o chão, campo, selva, charco e rio,Montes, vales e mares, terra e arE os antros onde é eterno o olvido frio.Mas carro com dragões não o ajudava,E tal como podia, ele a buscava.

4. Por França a procurou; já se aparelhaPor Itália a dar buscas e Alemanha,Pela Castela nova e pela velha,E a cruzar até a Líbia o mar de Espanha.A pensar nisso, ouve algo que semelhaUma voz que de choro se acompanha.Segue adiante, e eis que encontra a si fronteiroNum corcel a trotar um cavaleiro.

5. A uma dama infeliz, com mão possante

Prende, diante de si, no arção da sela;Chora e se agita a dama, e faz semblanteDe imensa dor, e por socorro apelaAo valoroso príncipe de Anglante.Logo que este divisa a jovem bela,Julga ver a que, noite e dia, em FrançaE alhures vai buscando e não alcança.

6. Não digo que era, mas que parecia

Angélica gentil, a quem tanto ama.Ao ver que triste e aflita assim traziaOutrem a sua deusa e a sua dama,Entra-se de feroz ira bravia,Com voz horrenda ao cavaleiro chama:Ao cavaleiro chama, e a ameaçá-lo,Dá rédea a Bridadouro e vai reptá-lo.

7. Nada responde o biltre, que não cessaDe ir adiante, só à bela presa atento;Vai-se por entre as frondes tão depressaQue moroso a segui-lo fora o vento.Um foge, acossa o outro, e pela espessaFloresta já ressoa o alto lamento.Correndo foram ter a um vasto pradoOnde se ergue um solar, amplo e adornado.

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Oitava 7

8. Di vari marmi con suttil lavoro

edificato era it palazzo altiero.

Corse dentro alia porta messa d'oro

con la donzella in braccio it cavalliero.

Dopo non molto giunse Brigliadoro,

the porta Orlando disdegnoso e fiero.

Orlando, come è dentro, gli occhi gira;

né piú it guerrier, né la donzella mira.

8. Mil mármores lavrados qual tesouro

Formam todo o palácio sobranceiro;

Entra a correr, por um pórtico d' ouro,

Abraçado à donzela, o cavaleiro.

Pouco depois jáchega Bridadouro

Que a Orlando traz, feroz e altaneiro.

Orlando, logo que entra, os olhos gira;

Nem cavaleiro nem donzela mira.

9. Subito smonta, e fulminando passa

dove pi') dentro it bel tetto s 'alloggia:

corre di qua, corre di la, né lassa

che non vegga ogni camera, ogni loggia.

Poi che i segreti d'ogni stanza bassa

ha cerco invan, super le scale poggia;

e non men perde anco a cercar di sopra,

che perdessi di sotto, it tempo e l 'opra.

10. D 'oro e di seta i letti ornati vede:

nulla de muri appar né de pareti;che quelle, e it suolo ove si mette it pied e,

son da cortine ascose e da tapeti.

Di su di giìà va i1 conte Orlando e riede;

né per questo pub far gli occhi mai lieti

che riveggiano Angelica, o quel ladro

che n 'ha portato it bel viso leggiadro.

11. E mentre or quinci or quindi invano ilpasso

movea, pien di travaglio e di pensieri,

Ferrais, Brandimarte e it re Gradasso,

re Sacripante ed altri cavallieri

vi ritrovd, ch'andavano alto e basso,

né men facean di lui vani sentieri;

e si ramaricavan del malvagio

invisibil signor di quel palagio.

12. Tutti cercando it van, tutti gli ddnno

colpa di furto alcun che lot fatt'abbia:

del destrier che gli ha tolto, altri è in affanno

ch'abbia perduta altri la donna, arrabbia;

altri d 'altro 1'accusa: e cosi stanno,che non si san partir di quella gabbia;

e vi son molti, a questo inganno presi,

stati le settimane intiere e i mesi.

13. Orlando, poi che quattro volte e sei

tutto cerca to ebbe it palazzo strano,

disse fra sé: – Qui dimorar potrei,

gittare it tempo e la fatica invano:

e potria it ladro aver tratta costei

da un 'altra uscita, e molto esser lontano. –

Con tal pensiero usci nel verde prato,

dal qual tutto it palazzo era aggirato.

9. Sem mais detença, o paladim desmonta

E como raio para dentro passa.A correr, cá e lá, toma à sua contaPor aposentos e salões dar caça.

Pelas escadarias se remonta,Depois que embalde o rés-do-chão perpassa,Também se mostra inútil a subida:Como embaixo, ele perde o tempo e a lida.

10. Adornos de ouro e seda ali divisaNos leitos, mas não vê muro ou parede;Que cortina os recobre, e o chão que pisaTampouco vê, que uma alcatifa o impede.A Orlando o triste olhar nada suaviza;Ele em vão sobe, desce e retrocede;Não vê de Angélica o gentil semblante,Nem encontra por lá seu assaltante.

11. Enquanto aquém e além aperta o passo,Roído de cuidados sorrateiros,Ferraú, Brandimarte, os reis GradassoE Sacripante, entre outros cavaleiros,Encontra, a percorrer o mesmo espaço,Acima e abaixo em vão, como parceiros;Todos dizem que o dono do solar,Invisível e mau, os faz penar.

12. Buscam-no todos, todos lhe dão cargaDe os agravar com furto ou com rapina.A este o roubo de um ginete amarga,Perdeu aquele a dama, e a ira o domina.Só pensam em queixar-se e isso é o que embargaSaírem da prisão que os arruina.Ficam retidos nesse engano às vezes

Por semanas inteiras, e até meses.

13. Quatro vezes ou seis correu OrlandoTodo o palácio, estranha habitação,E exclamou: – Se eu ficasse aqui morando,Trabalho e tempo empregaria em vão;Por alguma outraporta atravessando,Para longe a levou, creio, o ladrão. –Tendo, pois, o palácio esquadrinhado,

Pensativo, passou dali ao prado.

Oitava 11

14. Mentre circonda la casa silvestra,

tenendo pur a terra it viso chino,

per veder s 'orma appare, o da man destra

o da sinistra, di nuovo camino;

si sente richiamar da una finestra:

e leva gli occhi; e quel parlar divino

gli pare udire, e par che miri ii viso,

che l 'ha da quel the fu, tanto diviso.

15. Pargli Angelica udir, che supplicando

e piangendo gli dica: –Rita, aita!

la mia virginitd ti raccomando

pia the l'anima mia, pia the la vita.Dun que in presenza del mio caro Orlando

da questo ladro mi sara rapita?

pia tosto di tua man dammi la morte,

che venir lasci a si infelice sorte. –

16. Queste parole una ed un ' altra volta

fanno Orlando tornar per ogni stanza,

con passione e con fatica moita,

ma temperata pur d'alta speranza.

Talor si ferma, ed una voce ascolta,

che di quella d 'Angelica ha sembianza

(e s'egli è da una parte, suona altronde),

che chieggia aiuto; e non sa trovar donde.

17. Ma tornando a Ruggier, ch'io lasciai quando

dissi che per sentiero ombroso e fosco

it gigante ela donna seguitando,

in un gran prato oscito era del Bosco;

io dico ch'arrivd qui dove Orlando

dianzi arrivò, se `1 loco riconosco.

Dentro la porta it gran gigante passa:

Ruggier gli è appresso, e di seguir non lassa.

18. Tosto the pon dentro alia soglia it piede,

per la gran corte e per le logge mira;

né pia it gigante né la donna vede,

egli occhi indarno or quinci or quindi aggira.

Di su di gia va molte volte e riede;

né gli succede mai quel che desfira:

né si sa imaginar dove si tosto

con la donna it fellon si sia nascosto.

14. Anda ao redor da rústica moradaCom os olhos em terra, sempre à espreitaDe poder descobrir qualquer pegadaReveladora, à esquerda ou à direita.Vem-lhe então da janela uma chamada;Ergue os olhos; a voz de sua eleitaParece ouvir, e rever o semblante,Que o tornou, de si mesmo, tão distante.

15. Parece a voz de Angélica, que vemChorosa e triste a lhe gritar: – Socorro!Ajuda-me a salvar meu maior bem,A virgindade, que a perdê-la eu morro!Perante meu querido Orlando alguémHaverá que ma roube? A ti recorro:Se não podes livrar-me de tal sorte,Peço-te que me dês, tu mesmo, a morte!

16.0 apelo ressoava uma e outra vezE Orlando regressou aos aposentos;Trabalhosa devassa neles fez,Que a esperança voltava a dar-lhe alento.Ao escutar a voz, detinha os pés,Julgava ouvir de Angélica o lamento.Mas ao seguir o som, para buscá-la,

A voz já ressoava em outra sala.

17. Mas a Rogério volto, relembrandoQue pelo mato lúgubre e cerradoIa ao gigante e à dama acompanhando.Da mata, enfim, saiu e foi a um prado;Foi ao mesmo lugar aonde Orlando,Se bem me lembro, havia já chegado.Portas adentro mete-se o gigante;

Rogério, em seu encalço, segue adiante.

18. Logo que na soleira põe o pé,As arcadas e o pátio inteiro mira;

Mas gigante nem dama, nada vê:Debalde o olhar por toda a parte gira.Sobe, desce e não logra que se dêO encontro a que seu coração aspira;Não pode imaginar sequer aondeFoi ligeiro o raptor, que à dama esconde.

19. Poi che revisto ha quattro volte e cinque

di su di giú camere e logge e sale,

pur di nuovo ritorna, e non relinque

che non ne cerchi fin sotto le scale.

Con speme al fin che Sian ne le propinqueselve, si parte: ma una voce, quale

richiam() Orlando, lui chiam() non manco;

e nelpalazzo it fe' ritornar anco.

20. Una voce medesma, una persona

che paruta era Angelica ad Orlando,

parve a Ruggier la donna di Dordona,

che lo tenea di sé medesmo in bando.

Se con Gradasso o con alcun ragiona

di quei ch 'andavan nel palazzo errando,

a tutti par che quella cosa sia,

che piú ciascun per sé brama e desia.

21. Questo era un nuovo e disusato incanto

ch 'avea composto Atlante di Carena,

perché Ruggier fosse occupato tanto

in quel travaglio, in quella dolce pena,

che mal'influsso n 'andasse da canto,1 'influsso ch'a morirgiovene il mena.Dopo il castel d'acciar, che nulla giova,

e dopo Alcina, Atlante ancor fa pruova.

19. Quatro vezes revista, e inda mais uma,

Acima e abaixo, cada alcova e sala;Volta a corrê-las, sem deixar nenhuma,E até aos vãos de escada vai buscá-la.Para os jardins, esperançoso, ruma,Quando uma voz escuta, que lhe falaE o faz entrar de novo. É a mesma vozQue a falar com Orlando antes se pôs.

20. A mesma voz que do palácio o chama

Por voz de Angélica tomara Orlando;Mas Rogério acredita ouvir a damaDe Dordonha, que o tem sob o seu mando.

Quem quer que, errante, no palácio clama,Gradasso ou outro, assim a está escutando,E parece, a quem ouve, que ali estejaO que com mais ardor ama e deseja.

21. Este era um novo e insuspeitado encantoObrado por Atlante de Carena,Por que Rogério se ocupasse tantoCom seu trabalho, com sua doce pena,Que livrar-se pudesse do quebrantoQue a morrer inda jovem o condena.Se Alcina e a torre dão de si ruim prova,Prepara Atlante outra magia nova.

CANTO XIV

A Fraude — Rodomonte

87. Avea piacevol viso, abito onesto,

un umil volger d ' occhi, un andar grave,

un parlar si benigno e si modesto,

che parea Gabriel che dicesse: Ave.

Era brutta e deforme in tutto it resto:

ma nascondea queste fattezze pravecon lungo abito e largo; e sotto quello,

attosicato avea sempre it coltello.

.......................................................

116. Sono appoggiate a un tempo mille scale,

che non han men di dua per ogni grado.

Spinge it secondo quel ch 'inanzi sale;che terzo lui montar fa suo mal grado.

Chi per virai, chi per paura vale:convien ch'ognun per forza entri nelguado;che qualunche s 'adagia, it re d 'Algiere,

Rodomonte crudele, uccide o fere.

87. No traje austera e de aprazível gesto,De humilde olhar e nas passadas grave,Tem o falar benévolo e modesto,Como o de Gabriel a dizer: —Ave.Medonha e monstruosa em todo o resto,A que a vejam deforme faz entraveCom longas roupas largas, donde sacaDe oculta dobra envenenada faca.

.......................................................

116. Vêm mil escadas; por subir ligeiro,Disputam dois ou três um só degrau;Ao segundo, que empurra o dianteiro,Força o terceiro a remontar um grau.Seja por medo ou por valor guerreiro,Não há quem deixe de cruzar o vau:Que aos tardos, Rodomonte, rei de Argel,Fere ou mata, com ímpeto cruel.

Oitava 116

117. Ognun dunque si sforza di salire

tra it fuoco ele ruine in su le mura.

Ma tutti gli altri guardano, se aprire

veggiano passo ove sia poca cura:

sol Rodomonte sprezza di venire,

se non dove la via meno è sicura.

Dove nel caso disperato e rio

gli altri fan voti, egli bestemmia Dio.

117. Cada qual, pois, se esforça por subir,Entre incêndios e escombros, pelos muros;Cada qual vai buscando descobrirQuais os caminhos menos inseguros.Rodomonte os despreza, pois quer ir

Pelos que sejam perigosos, duros.Misericórdia os mais pedem aos céus;Ele atira blasfêmias contra Deus.

CANTO XV

Os Novos Argonautas — O invulnerável Orrilo

21. Ma volgendosi gli anni, io veggio uscire

da l'estreme contrade di ponente

nuovi Argonauti e nuovi Tifi, e aprire

la strada ignota infin al dì presente:

altri volteggiar l'Africa, e seguire

tanto la costa de la negra gente,

the passino quel segno onde ritornofa it sole a noi, lasciando it Capricorno;

22. e ritrovar del lungo tratto it fine,che questo fa parer dui mar diversi;

e scorrer tutti i liti e le vicine

isole d'Indi, d 'Arabi e di Persi:

altri lasciar le destre e le mancinerive che due per opra Erculea fersi;

e del sole imitando it camin tondo,ritrovar nuove terre e nuovo mondo.

21. Vejo, passados anos, ressurgir,Nas extremas paragens do poente,Argonautas e Tífis, que hão de abrirCaminhos ignorados no presente;Uns, indo à volta d ' Africa, seguirPor todo o litoral da negra gente,

Passar além do Capricórnio sino,Donde o sol nos retorna, peregrino;

22. Descobrir, longe, o cabo que dispersaEste mar, e dois mostra onde um se estende,E do Indiano, do Arábico e do Persa,

Correr a costa e as ilhas que compreende;Outros, deixando à destra e à mão inversa,As duas praias que a obra hercúlea fende,Seguir do sol o curso amplo e rotundo,Descobrir novas terras, novo mundo.

23. Veggio la santa croce, e veggio i segni

i mperial nel verde lito eretti:

veggio altri a guardia dei battuti legni,

altri all 'acquisto del paese eletti:

veggio da died cacciar mine, e i regni

di Id da 1'India ad Aragon suggetti;

e veggio i capitan di Carlo quinto,

dovunque vanno, aver per tutto vinto.

.......................................................

65. Per() ch ' in ripa al Nilo in su la foce

si ripara un ladron dentro una torre,

ch'a paesani e a peregrini nuoce,e fin al Cairo, ognun rubando scorre.

Non gli pub alcun resistere; ed ha voce

che 1 ' uom gli cerca invan la vita torre:centomila ferite egli ha gid avuto,

né ucciderlo per() mai s'è potuto.

66. Per veder se pub far rompere it filoalia Parca di lui, si che non viva,

Astolfo viene a ritrovare Orrilo

(cosi avea nome), e a Damiata arriva;

ed indi passa ove entra in mare i1 Nilo,

e vede la gran torre in su la riva,

dove s 'alberga l 'anima incantata

che d'un folletto nacque e d 'una fata.

67. Quivi ritruova che crudel battaglia

era tra Orrilo e dui guerrieri accesa.

Orrilo è solo; e si que' dui travaglia,

ch 'a gran fatica gli puon far difesa:

e quando in arme 1'uno e l 'altro vaglia,

a tutto it mondo la fama palesa.

Questi erano i dui figli d ' Oliviero,

Grifone it bianco ed Aquilante it nero.

23. Já vejo a santa cruz, e os imperiaisPendões sobrepairar aos verdes leitos;Vejo uns reger baixéis e vejo, mais,Outros à ocupação da terra eleitos;Vejo dez vencer mil, cetros reaisAlém das Índias, a Aragão sujeitos;Por onde quer que vão, vejo e pressintoVitória aos capitães de Carlos Quinto.

.......................................................

65. Porque às margens do Nilo, junto à foz,Um malfeitor se esconde numa torre,E a estranho ou natural rouba, feroz,Pois até o Cairo, a saltear, acorre.Ninguém o enfrenta, e avisa a geral vozQue é vão desafiá-lo e que não morre:São já cem mil os golpes que sofreuE, apesar deles todos, não morreu.

66. Por instigar a Parca a destruí-loCortando o fio que, roto, o fim decreta,Vai Astolfo enfrentar-se com Orrilo(Este é seu nome) e chega a Damieta,Segue até o mar, onde deságua o Nilo,E a torre vê, que ao alto se projeta.Tal é o abrigo d 'alma enfeitiçada,Que de um gnomo nasceu, e de uma fada.

67. Lá, entre Orrilo e dois outros, se travavaIncendida batalha, com crueza:Orrilo, a sós, aos dois tanto empenhavaQue acudir mal conseguem à defesa,Inda que oponham resistência brava,

Que em armas são famosos por destreza.Grifo e Aquilante são esses guerreiros,

O Branco e o Negro, filhos de Oliveiros.

68. Gli è ver che `1 negromante venuto era

alia battaglia con vantaggio grande;

the seco tratto in campo avea una fera,

la qual si truova solo in quelle bande:

vive sul lito e dentro alia rivera;

e i corpi umani son le sue vivande,

de le persone misere ed incaute

de viandante e d'infelici naute.

69. La bestia ne 1 'arena appresso al porto

per man dei duo fratei morta giacea;

e per questo ad Orril non si fa torto,

s 'a un tempo 1'uno e 1'altro gli nocea.

Piú volte Phan smembrato e non mai morto,

né, per smembrarlo, uccider si potea;

che se tagliato o mano o gamba gli era,

la rapiccava, che parea di cera.

70. Or fin a' denti ii capo gli divide

Grifone, or Aquilante fin al petto.

Egli dei colpi for sempre si ride:

s'adiran essi, che non hanno effetto.

Chi mai d'alto cader 1'argento vide,

che gli alchimisti hanno mercurio detto,

e sparger e raccor tutti i suo ' membri,

sentendo di costui, se ne rimembri.

71. Se gli spiccano it capo, Orrilo scende,

né cessa brancolar fin che lo truovi;

ed or pel crine ed or pel naso ii prende,

lo salda al collo, e non so con che chiovi.

Piglial talor Grifone, e `I braccio stende,

nel flume it getta, e non par ch'anco giovi;

che nuota Orrilo al fondo come un pesce,

e col suo capo salvo alia ripa esce.

68. Certo é que ao nigromante socorreraVantagem que ao alheio esforço esmaga:Um animal consigo ali trouxeraSomente encontradiço nessa plaga;

Vive nas margens ou no rio a feraE humanos corpos abocanha e traga,Nutrindo-se das vítimas incautas,Os viandantes míseros e os nautas.

69. A fera no areal junto do porto,Vencida dos irmãos, morta jazia;

Se ambos em luta a Orrilo têm absorto,Nenhum, por isso, agravo lhe fazia;Cortam-lhe os membros, nunca o deixam morto,Que, embora esquartejado, ele vivia;Perna ou mão decepada que perdera,Juntava ele de novo, como cera.

70. Ora Grifo até os dentes lhe retalha

A cabeça; ora o irmão, e chega ao peito,Recebe ele tais golpes e gargalha,Irados ficam ambos, sem efeito;Assim se junta, se ao cair se espalha,O que alguém diz ser prata, pelo aspeito,E mercúrio, o alquimista: quem o lembra,

Sabe o que é deste, quando se desmembra.

71. Quando um golpe a cabeça lhe desprende,Orrilo, a tatear, de novo a pegaPelos cabelos ou nariz, e a prendeAo pescoço (e não sei que cravo a prega);Mas se lançá-la ao rio Grifo pretendeE até as ondas nos braços a carrega,Espera em vão que Orrilo n'água a deixe:Que ele a traz, mergulhando como peixe.

Oitava 71

CANTO XVIII

Medoro procura o cadáver de seu rei

183. Quivi dei corpi l'orrida mistura,

the piena avea la gran campagna intorno,

potea far vaneggiar la fedel cura

dei duo compagni insino al far del giorno,se non traea fuor d 'una nube oscura,

a' prieghi di Medor, la Luna it corno.

Medoro in del devotamente fuse

verso la Luna gli occhi, e cosi disse:

184. – O santa dea, che dagli antiqui nostri

debitamente sei detta triforme;

ch ' in cielo, in terra e ne 1 'inferno mostrifalta bellezza tua sotto pit) forme,

e ne le selve, di fere e di mostri

vai cacciatrice seguitando 1'orme;mostrami ove `i mio regiaccia fra tanti,

che vivendo imitd tuoi studi santi. –

183. Lá, dos corpos a lúgubre mistura,Que todo o campo de batalha enchia,Dos companheiros a fiel procura

Baldar, até a alvorada, poderia,Se não surgisse, dentre a névoa escura,A meia-lua, como ao céu pedia

Medoro, que, devoto, o olhar ergueuÀ Lua, e dirigiu-lhe o rogo seu:

184. – O bela e santa deusa, que TriformeDisseram nossos pais, em priscas eras,Que na Terra, no Inferno ou Céu, conforme

Eras vista, adorada também eras,Se és caçadora e o rasto que se formeSegues nos bosques, onde apanhas feras,

Faze-me ver meu rei, morto entre tantos,Pois cultivou teus exercícios santos. –

185. La luna a quel pregar la nube aperse

(o fosse caso o pur la tanta fede),

bella come fu allor ch'ella s 'offerse,

e nuda in braccio a Endimion si diede.

Con Parigi a quel lume si scoperse

l 'un campo e l'altro; e `l monte e piau si vede:

si videro i duo colli di lontano,

Martire a destra, e Leri all'altra mano,

185. A lua, a prece tal, se descobriu(quer fosse obra do acaso, quer da fé),Tão bela, quando, nua, consentiuEm dar-se a Endimião, como se crê.Ao raio do luar, que então se abriu,O campo todo, com Paris, se vê;Mais ao longe, um outeiro e outro se espreita:

Lerino à esquerda, Mártir à direita.

CANTO XXIII

A loucura de Orlando

130. Taglid lo scritto e sasso, e sin al cielo

a volo alzar fe' le minute schegge.

Infelice quell 'antro, ed ogni stelo

in cui Medoro e Angelica si legge!

Cosi restar quel dì, ch'ombra né gielo

a pastor mai non daran piei, né a gregge:

e quella fonte, gid si chiara e pura,da cotanta ira fu poco sicura;

131. che rami e ceppi e tronchi e sassi e zolle

non cessá di gittar ne le bell'onde,

fin che da sommo ad imo si turbolle

che non furo mai piii chiare né monde.

E stanco al fin, e al fin di sudor molle,

poi che la lena vinta non risponde

alio sdegno, al grave odio, all'ardente ira,

cade sul prato, e verso it ciel sospira.

130. Fendeu o escrito e a pedra, e pelos aresTudo fez ir, já reduzido a lascas;"Angélica e Medoro " em mil lugaresInda se lia, de árvores nas cascas.

Não mais dão sombra ao gado em dias solaresTais ramos, que ele estraçalhou, em vascas.E à fonte mesma, outrora clara e pura,Não deixa ira tamanha estar segura.

131. Que sem cessar ele arremessa ao fundo,Da fonte, outrora limpa e cristalina,Troncos, pedras, folhagem, barro imundoE para sempre as águas arruina.Exausto e a transpirar, ao iracundoO poderoso fôlego terminaAntes do ódio, da cólera e da ira;Ele cai, ergue o olhar ao céu, suspira.

Cavalo de Ariosto
Sino
LOURUCA DE ORLANDO

132. Afflitto e stanco al fin cade ne 1 'erba,

e ficca gli occhi al cielo, e non fa motto.

Senza cibo e dormir cosi si serba,

che `1 sole esce tre volte e torna sotto.

Di crescer non cesso la pena acerba,

the fuor del senno al fin l'ebbe condotto.

Il quarto dì, da gran furor commosso,

e maglie e piastre si straccià di dosso.

133. Qui riman 1 'elmo, e la riman lo scudo,

lontan gli arnesi, e pia lontan l 'usbergo:

l 'arme sue tutte, in somma vi concludo,

avean pel Bosco differente albergo.

E poi si squarciò i panni, e mostrà ignudo

l 'ispido ventre e tutto peito e `l tergo;

e comincià la gran follia, si orrenda,

che de la pia non sara mai ch'intenda.

134. In tanta rabbia, in tanto furor venne,

che rimase offuscato in ogni senso.

Di tor la spada in man non gli sovenne;

the fatte avria mirabil cose, penso.

Ma né quella, né scure, né bipenne

era bisogno al suo vigore immenso.

Quivi fe' ben de le sue prove eccelse,

ch'un alto pino al primo crollo svelse:

135. e svelse dopo it primo altri parecchi,

come fosser finocchi, ebuli o aneti;

e fe ' it simil di querce e d'olmi vecchi,

di faggi e d ' orni e d'illici e d'abeti.

Quel ch ' un ucellator che s 'apparecchi

it campo mondo, fa, per por le reti,

dei giunchi e de le stoppie e de l'urtiche,

facea de cerri e d'altre piante antiche.

136. I pastor che sentito hanno it fracasso,

lasciando it gregge sparso alia foresta,

chi di qua, chi di ld, tutti a gran passo

vi vengono a veder che cosa è questa.

Ma son giunto a quel segno it qual s 'iopasso

vi potria la mia istoria esser molesta;

ed io la vo 'pia tosto diferire,

che v'abbia per lunghezza a fastidire.

132. Cansado cai, e aflito, no relvado,Fita os olhos nas nuvens, e emudece.Sem dormir, sem comer, fica paradoEnquanto o sol três vezes sobe e desce.A dor aguda o deixa exasperadoE tanto vai crescendo, que o enlouquece.Ao quarto dia, o furor dele se apossa,Couraça e malha em fúria ele destroça.

133. Larga aqui o elmo, larga além o escudo,Adiante a lança, mais adiante a cota,Devo dizer-vos, afinal, que tudoA esmo pela mata ele rebota.As roupas rasga, e o ventre cabeludoCom as costas e o peito se lhe nota.Foi este o início da loucura horrenda:Outra não pode haver que mais se estenda.

134. Tomou-se de tal raiva, de tal sanha,Que os sentidos um véu toldou-lhe, denso;Faria aliás talvez grande façanha,Se a espada não largara, como penso;Mas espada, bipene, acha, tamanhaForça dispensa, que o vigor é imenso,E dá mostras que fazem admirá-lo:Um pinheiro arrancou, de um só abalo.

135. Pôs-se a arrancar inúmeros pinheiros,Carvalhos e antiquíssimos abetos,Faias e freixos, bordos e azinheiros,Como se fossem funchos ou anetos.Quando arma redes, o passarinheiroLimpa o terreno todo de gravetos,Tira do chão as moitas e as urtigas:

Assim fez ele às árvores antigas.

136. Ao ouvirem tamanho estardalhaço,Deixam disperso o gado na florestaMuitos pastores, que, apertando o passo,Acorrem a inteirar-se do que a infesta.Mas chego a ponto que, se adiante passo,Pudera minha história ser molesta;Para que vos não canse o muito ouvir,Prefiro a narrativa diferir.

Oitava 135

CANTO XXXIV

As harpias na Itália — Astolfo na lua

1. Oh famelice, inique e fiere arpie

ch'all'accecata Italia e d'error piena,

per punir forse antique colpe rie,

in ogni mensa alto giudicio mena!

Innocenti fanciulli e madri pie

cascan di fame, e veggon ch'una cena

di questi mostri rei tutto divora

cid che del viver for sostegno fora.

.......................................................

72. Altri fiumi, altri laghi, altre campagne

sono là su, che non son qui tra noi;

altri piani, altre valli, altre montagne,

c'han le cittadi, hanno i castelli suoi,

con case de le quai mai le pit) magne

non vide it paladin prima né poi:

e vi sono ample e solitarie selve,

ove le ninfe ognor cacciano belve.

1. 0 ferozes, famélicas harpias,Que nesta cega Itália, de error cheia,Talvez punindo velhas rebeldias,O Céu em torno às mesas desenfreia!Crianças inocentes e mães piasDesfalecem de fome, enquanto preiaEste bando cruel, que, sem demora,O sustento da vida lhes devora.

.......................................................

72. Outros rios, outros lagos e campinasLá em cima existem, que entre nós não há;Outros vales, planícies e colinas,Cidades e castelos se vêem lá;Amplas casas, que deixam pequeninasAs que Astolfo tem visto e inda verá.Lá existem vastas selvas solitárias,Onde ninfas dão caça às alimárias.

FORTUNA
Luz
***** A FORTUNA!!! *****

73. Non stette it duca a ricercar it tutto;

che ld non era asceso a quello effetto.

Da 1 'apostolo santo fu condutto

in un vallon fra due montagne istretto,

ove mirabilmente era ridutto

cid che si perde o per nostro diffetto,

o per colpa di tempo o di Fortuna:

cid che si perde qui, ld si raguna.

74. Non pur di regni o di ricchezzeparlo,

in che la ruota instabile lavora;

ma di quel ch'in poter di tor, di darlo

non ha Fortuna, intender voglio ancora.

Moita fama è ld su, che, come tarlo,

il tempo al lungo andar qua giìi divora:

Id su infiniti prieghi e voti stanno,

che da not peccatori a Dio si fauno.

75. Le lacrime e i sospiri degli amanti,

1'inutil tempo che si perde a giuoco,

e 1'ozio lungo d ' uomini ignoranti,

vani disegni che non han mai loco,

i vani desideri sono tan ti,

che la piú parte ingombran di quel loco:

cid che in somma qua giú perdesti mai,

ld su salendo ritrovar potrai.

76. Passando il paladin per quelle biche,

or di questo or di quel chiede alla guida.

Vide un monte di tumide vesiche,

che dentro parea aver tumulti e grida;

e seppe ch 'eran le corone antiche

e degli Assiri e de la terra lida,

e de' Persi e de' Greci, che gid furo

incliti, ed or n 'è quasi il nome oscuro.

77. Ami d'oro e d'argento appresso vede

in una massa, ch ' erano quei doni

che si fan con speranza di mercede

ai re, agli avari principi, ai patroni.

Vede in ghirlande ascosi lacci; e chiede,

ed ode che son tutte adulazioni.

Di cicale scoppiate imagine hanno

versi ch'in laude dei signor si fanno.

73. Não se deteve o duque em tal revista,Pois subira até lá para outro efeito;Deixou-se conduzir do Evangelista,Que entre montes o pôs, num vale estreito.Maravilhosamente ali se avistaTudo quanto se perde, por defeitoDos humanos, do Tempo ou da Fortuna:Perdas não há, que o vale não reúna.

74. Não só de reinos ou riquezas falo,Que a roda vai mudando sem demora,Também daquilo que firmeza e abaloA Fortuna não deve, falo agora.Muita fama lá está, posso afirmá-lo,Que o tempo, como traça, aqui devora;Muitos votos a Deus, muita oração,Fazemos, pecadores, que lá estão.

75. Lágrimas e suspiros dos amantes,Tempo inútil, perdido só em jogar,Os dilatados ócios de ignorantes,Projetos vãos, que nunca têm lugar,Vãos desejos, são tais os ocupantesDa mais vasta porção desse lugar.Saiba quem perder algo nesta vida,Que se acha lá qualquer coisa perdida.

76. Segue Astolfo, e se encontra algum ressaltoLogo interroga ao santo companheiro.Vê agitar-se e gemer, em sobressalto,De túmidas bexigas um outeiro.Foram coroas (ouve) de mui altoNome, que refulgiram qual luzeiro,E hoje obscuras, que a fama ora se negaÀs gentes Lídia, Assíria, Persa e Grega.

77. Anzóis aos montes, de ouro e prata, vê;São dádivas, obséquios e atençõesQue se fazem à cata de mercêAos reis, a avaros príncipes, patrões;Do laço oculto em flores o porquêIndaga, e ouve que são adulações.

Cigarras rebentadas ali jazem:São versos que em louvor de amos se fazem.

FORTUNA
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***** FORTUNA ***** 74. Não só de reinos ou riquezas falo, Que a roda vai mudando sem demora, Também daquilo que firmeza e abalo A Fortuna não deve, falo agora. Muita fama lá está, posso afirmá-lo, Que o tempo, como traça, aqui devora; Muitos votos a Deus, muita oração, Fazemos, pecadores, que lá estão.
FORTUNA
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*** FORTUNA *** 73. Não se deteve o duque em tal revista, Pois subira até lá para outro efeito; Deixou-se conduzir do Evangelista, Que entre montes o pôs, num vale estreito. Maravilhosamente ali se avista Tudo quanto se perde, por defeito Dos humanos, do Tempo ou da Fortuna: Perdas não há, que o vale não reúna.

78. Di nodi d 'oro e di gemmati ceppi

vede c'han forma i mal seguiti amori.

V'eran d'aquile artigli; e the fur, seppi,

1 'autorita ch 'ai suoi danno i signori.

I mantici ch 'intorno hanpieni igreppi,

sono i fumi dei principi e i favori

che danno un tempo ai ganimedi suoi,

che se ne van col flor degli anui poi.

79. Ruine di cittadi e di castella

stavan con gran tesor quivi sozzopra.

Dom' anda, e sa che son trattati, e quella

congiura the sì mal par che si cuopra.

Vide serpi con faccia di donzella,

di monetieri e di ladroni 1'opra:

poi vide bocce rotte di pii sorti,ch 'era it servir de le misere corti.

80. Di versa te minestre una gran massa

vede, e domanda al suo dottor ch'importe.

– L'elemosina è (dice) che si lassa

alcun, the fatta sia dopo la morte. –

Di vari flori ad un gran monte passa,

ch ' ebbe girl buono odore, or putia forte.

Questo era it dono (se per() dir Tece)

che Costantino al buon Silvestro fece.

81. Vide gran copia di panie con visco,

ch'erano, o donne, le bellezze vostre.

Lungo sara, se tutte in verso ordisco

le cose the gli fur quivi dimostre;

che dopo mille e mille io non finisco,

e vi son tutte l'occurrenze nostre:

sol la pazzia non v'è poca né assai;

che sta qua gia, né se ne parte mai.

82. Quivi ad alcuni giorni e fatti sui,

ch'egli girl aves perduti, si converse;

che se non era interprete con lui,

non discernea le forme for diverse.

Poi giunse a quel che par si averlo a nui,

che mai per esso a Dio voti non ferse;

io dico it senno: e n 'era quivi un monte,

solo assai pia the 1'altre cose conte.

78. Em laço de ouro ou galho com rebentoTransforma-se o malogro nos amores;Torna-se garra de águia o provimentoNo poder que delegam os senhores;Os foles aos montões, cheios de vento,São dos príncipes graças e favoresDados aos ganimedes, seus validos,E em plena flor da idade fenecidos.

79. Castelos e cidades em ruína,E tesouros saqueados, são figuraDo tratado caduco (o guia ensina)E da conjuração, quando se apura.A ladrões e falsários incriminaCobra com rosto de donzela pura.Estilhaços de frascos de mil sortesServiços são em miseráveis cortes.

80. Vê riachos de caldo derramado,E pergunta o motivo de tal sorte;Diz o guia: – Esta é a esmola, que em legadoFica para depois da hora da morte. –Avista um monte, outrora perfumado,De flores, que fartum despedem forte.Foi este o dom (se deste nome é dino)Que fez ao bom Silvestre Constantino.

81. Vê armadilhas visguentas, pegajosas,Que são, Senhoras, vossa formosura;Outras coisas que viu, mui numerosas,Pedem tempo que o verso meu não dura,Pois lá encontrou, guardadas e copiosas,Mil coisas de que andamos à procura.Só de loucura não viu muito ou poucoQue ela não sai de nosso mundo louco.

82. Mostrou-se-lhe também o que era seu,O tempo e as muitas obras que perdia,Mas viu-os de outras formas sob o véu:Sem intérprete, os não distinguiria.Viu mais o que ninguém suplica ao céu,

Pois todos cremos tê-lo em demasia:Digo o siso, montanha ali mais altaQue as erguidas do mais que aqui nos falta.

Oitava 79

83. Era come un liquor suttile e molle,

atto a esalar, se non si tien ben chiuso;

e si vedea raccolto in varie ampolle,

qual pit:, qual men capace, atte a quell ' uso.

Quella è max for di tutte, in che del foliesignor d 'Anglante era it gran senno infuso;e fu da t 'altre conosciuta, quando

avea scritto di fuor: Senno d'Orlando.

84. E cosi tutte l 'altre avean scritto anco

it nome di color di chi fu it senno.

Del suo gran parte vide it duca franco;ma molto piìe maravigliar lo fenno

molti ch 'egli credea che dramma manco

non dovessero averne, e quivi dénno

chiara notizia che ne tenean poco;

che moita quantity n'era in quel loco.

85. Altri in amar lo perde, altri in onori,

altri in cercar, scorrendo it mar, ricchezze;

altri ne le speranze de' signori,

altri dietro alie magiche sciocchezze;

altri in gemme, altri in opre di pittori,

ed altri in altro the piú d 'altro aprezze.Di sofisti e d ' astrologhi raccolto,

e di poeti ancor ve n ' era molto.

83. Era úmido e sutil como licor

Que, sem tampa que o feche bem, se evola;Conforme a proporção, maior, menor,Guardado estava numa ou noutra ampola.

Na mais capaz se via o que ao senhorDe Anglante, por faltar-lhe, desconsola:Reconhecia-se entre todas, quando

Se lia esta inscrição: siso de Orlando.

84. De todos cujo siso se arrebata

Os nomes lá se inscrevem igualmente.Muito siso há num frasco que delata,Pela inscrição, a Astolfo ali presente.

De muita gente tida por sensataO duque leu – e foi surpreendente –Os nomes todos, o que manifestaQue bem pouco juízo inda lhes resta.

85. Por honras este o perde, ou por amores,Outro a buscar dos mares a riqueza,Ou a buscar de seu patrão favores,Ou na magia vã qualquer firmeza.Este a buscar ourives e pintores,Aquele a buscar algo que mais preza.Muito siso de astrólogo e sofistaE também de poeta lá se avista.

CANTO XXXV

Quem roubou o juízo deAriosto - O outro lado da História

1. Chi salirà per me, madonna, in cielo

a riportarne it mio perduto ingegno?

che, poi ch 'uscì da' bei vostri occhi ii telo

che cor mi fisse, ognor perdendo vegno.

Né di tanta iattura mi querelo,pur che non cresca, ma stia a questo segno;

ch ' io dubito, se piü si va scemando,di venir tal, qual ho descritto Orlando.

2. Per riaver 1 ' ingegno mio m'è aviso

che non bisogna che per 1'aria io poggi

nel cerchio de la luna o in paradiso;

che mio non credo che tanto alto alloggi.Ne' bei vostri occhi e nel sereno viso,nel sen d 'avorio e alabastrini poggi

se ne va errando; ed io con queste labbia

lo corr., se vi par ch 'io lo riabbia.

1. Quem subirá por mim ao céu, Senhora,A recobrar o meu perdido engenho?De vosso olhar feriu-me a flecha, e agoraSe esvai meu siso, pois no peito a tenho.De tal mofina me não queixo, embora!,Se aqui parar o seu rigor ferrenho,Que se meu siso prosseguir minguandoReceio pôr-me qual fiz ver Orlando.

2. Cuido, porém, que não será precisoQue eu aos ares, ao céu e à,lua monte,Por lograr ter de volta o meu juízo,Nem creio que ele a tanto se remonte:

Ficou a errar em vós, no olhar, no riso,No ebúrneo seio, num e noutro monteDe alabastro. E, a quererdes-me entre os sábios,Deixai que eu vá colhê-lo com meus lábios.

26. Non fu si santo né benigno Augusto

come la tuba di Virgílio suona.

raver avuto in poesia buon gusto

la proscrizion iniqua gli perdona.

Nessun sap ria se Neron fosse ingiusto

né sua fama saria forse men buona,

avesse avuto e terra e ciel nimici,

se gli scrittor sapea tenersi amici.

26. Nem tão clemente nem tão puro AugustoFoi quanto a tuba de Virgílio soa;Da iniqua proscrição não paga o custo,Que o bom gosto em poesia lho perdoa.Ninguém soubera que foi Nero injusto,E seria sua fama talvez boa,Se, tendo terra e céus por inimigos,Os escritores conservasse amigos.

Cavalo de Ariosto
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FAMA DE NERO 26. Nem tão clemente nem tão puro Augusto Foi quanto a tuba de Virgílio soa; Da iniqua proscrição não paga o custo, Que o bom gosto em poesia lho perdoa. Ninguém soubera que foi Nero injusto, E seria sua fama talvez boa, Se, tendo terra e céus por inimigos, Os escritores conservasse amigos.

CANTO XLIII

A taça dos maridos traídos

28. Disse Melissa: — lo ti dará un vasello

fatto da ber, di virtu rara e strana;

qual gid per fare accorto it suo fratello

del fallo di Genevra, fe' Morgana.

Chi la moglie ha pudica, bee con quello:

ma non vipub gid ber chi 1'ha puttana;

che vin, quando lo crede in bocca porre,

tutto si sparge, e fuor nel petto scorre.

29. Prima che parti, nefarai la prova,

e per lo creder mio tu berai netto;

che credo ch ' ancor netta si ritrova

la moglie tua: pur ne vedrai l 'effetto.

Ma s'al ritorno esperienza nuova

poi nefarai, non t'assicuro it petto:

che se tu non lo immolli, e netto bei,

d'ogni manto i1 piü fence sei. —

28. Disse Melissa: — Hei de te dar a taça

Da qual virtude singular emana:Para que o irmão soubesse da trapaçaDa rainha Genebra, a fez Morgana.

Bebe o esposo da casta; o da devassa,Se desejar beber, se desengana,

Pois quando crê que aos lábios leva a copaEntorna o vinho, e o peito se lhe ensopa.

29. Farás, quando partires, experiênciaE quero crer que hás de beber sem no da,Pois inda se conserva em inocência

Quem prometeu sempre ser tua, em boda.Mas já não te assegura minha ciênciaQue a reencontres co ' a virtude toda:

Sebeberes, co' o peito impoluído

Serás então o mais feliz marido. —

35. Già con mia moglie avendo simula to

d'esser partito e gitone in Levante,

nel giovene amator cosi mutato

1 ' andar, la voce, l ' abito e `1 sembiante,

me ne ritorno, ed ho Melissa a lato,

che s'era trasformata, e parea un fante;e le piü ricche gemme avea con lei,

che mai mandassin gl 'Indi o gli Eritrei.

36. Io che 1'uso sapea del mio palagio,

entro sicuro e vien Melissa meco;

e madonna ritrovo a si grande agio,

che non ha né scudier né donna seco.

I miei prieghi le espongo, indi it malvagio

stimulo inanzi del mal far le arreco:

i rubini, i diamanti e gli smeraldi,

che mosso arebbon tutti i cor pii saldi.

37. Ele dico the poco è questo dono

verso quel che sperar da me dovea:

de la commodità poi le ragiono,

che, non v'essendo it suo marito, avea:

ele ricordo che gran tempo sono

stato suo amante, com ' ella sapea;

e che I'amar mio lei con tanta fede

degno era avere al fin qualche mercede.

38. Turbossi nel principio ella non poco,

divenne rossa, ed ascoltar non voile;

ma it veder fiammeggiar poi, come fuoco,

le belle gemme, it duro cor fe ' molle:

e con parlar rispose breve e floco,

quel che la vita a rimembrar mi toile;

che mi compiaceria, quando credesse

ch 'altra persona mai nol risapesse.

39. Fu tal risposta un venenato telo

di che me ne senti' Palma traffissa:

per 1'ossa andommi e per le vene un gelo;

ne le fauci rest() la voce fissa.

Levando allora del suo incanto it velo,

nela mia forma mi torn& Melissa.

Pensa di che color dovesse farsi,

ch'in tanto error da me vide trovarsi.

35. Tendo ante minha esposa simulado

A partida e a viagem ao levante,E assumido do jovem namoradoO andar, a voz, as roupas e o semblante,

Regressei, com Melissa sempre ao lado,Que, mudada em criado acompanhante,Vinha, trazendo mil tesouros seus:

Raras gemas, de Indianos e Eritreus.

36. Do solar conhecendo todo o canto,

Seguro entrei; Melissa entrou comigo;A ocasião favoreceu-me tantoQue a dama os serviçais não tem consigo.Vou fazendo-lhe rogos, e entretantoDou-lhe a ver o convite do perigo,Esmeraldas, diamantes e rubisQue abalariam brios feminis.

37. Afirmo-lhe que o dom inda é pequenoPerto do muito mais que eu lhe daria:

Depois A. ocasião propícia aceno,Que a ausência do marido oferecia;Há longo tempo, lembro-lhe, que penoComo seu namorado, e ela o sabia;E que enfim tanto amor e tanta féTambém merecem alcançar mercê.

38. Ela a princípio fez ouvido mouco,E perturbada me afastou, corando;Mas os olhosvoltou, depois de um pouco,As gemas que seguiam faiscando:Do mole coração lhe veio um roucoE breve sim, que ora me vai matando;Prometeu contentar-me, se pudesseFavorecer-me sem que alguém soubesse.

39. Tal palavra é mortífero cuteloE traspassa minh' alma como adagaNa medula dos ossos me entra um geloE na garganta minha voz se apaga.Tirando então do encantamento o selo,A minhas formas devolveu-me a maga.Que cor tomou, bem pode adivinhar-se,

Quem de mim em tal crime veio a achar-se.

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Oitava 42

40. Divenimmo ambi di color di morte,

muti ambi, ambi restidn con gli occhi bassi.

Potei la lingua a pena aver si forte,e tanta voce a pena, ch'io gridassi:

– Me tradiresti dunque tu, consorte,

quando tu avessi chi `I mio onor comprassi ? –

Altra risposta darmi ella non puote,

the di rigar di lacrime le gote.

41. Ben la vergogna è assai, ma piìt lo sdegno

ch'ella ha, da me veder farsi quella onta;

e multiplica si senza ritegno,

ch ' in ira al fine e in crudele odio monta.

Da me fuggirsi tosto fa disegno;

e ne l ' ora the `1 Sol del carro smonta,

al flume corre, e in una sua barchetta

si fa calar tutta la notte in fretta:

40. Cobriu-nos ambos palidez de morte,Mudos ficamos, a encarar o chão.Mal consegui enfim fazer-me forteE encontrar voz para dizer, então:– Se a honra me comprassem, 6 consorte,Irias consumar esta traição? –Outra resposta dar ela não podeQue o fio de pranto que a seu rosto acode.

41. Mas inda é a indignação maior que o pejo,Que ela não me tolera aquela afronta;Chega co ' a indignação longo cortejoDe despeitos, que a entrada ao ódio apronta.Deixar-me ora é seu único desejo;Ela, assim que do carro o Sol desmonta,Pelas águas do rio faz que se afoite

Um barquinho, que a leva toda a noite,

42. e la matina s'appresenta avante

al cavallier che 1 ' avea un tempo amata,

sotto it cui viso, sotto it cui sembiantefu contra 1'onor mio da me tentata.

A lui che n'era stato ed era amante,

creder si pud che fu la giunta grata.Quindi ella mi fe' dir ch'io non sperassi

che mai piú fosse mia, né piìi m'amassi.

43. Ah lasso! da quel di con lui dimora

in gran piacere, e di me prende giuoco;

ed io del mal the procacciammi allora,

ancor languisco, e non ritrovo loco.

Cresce it mal sempre, e giusto è ch 'io ne muora;

e resta omai da consumarei poco.

Ben credo che primo anno sarei morto,

se non mi dava aiuto un sol conforto.

44. Il conforto ch'io prendo, è che di quanti

per dieci anni mai fur sotto al mio tetto

(ch'a tutti questo vaso ho messo inanti),

non ne trovo un che, non s 'i mmolli ilpetto.

Aver nel caso mio compagni tanti

mi dc) fra tanto mal qualche diletto.

Tu tra infiniti sol sei stato saggio,

che far negasti ii periglioso saggio.

42. E de manhã já se apresenta dianteDo cavalheiro de quem era amada,De quem tomei por mágica o semblante,S6 por deixá-la contra mim tentada.A quem se lhe mostrara sempre amanteFácil é ver se tal visita agrada.E, sem tardança, ela me fez saberQue nunca mais me havia de querer.

43. Desde então vivem juntos, ai de mim!E a regalar-se, ela de mim caçoa;Eu, do mal que busquei, não vejo o fimNem alívio, por muito que me doa;Tanto cresce este mal, é tão ruim,Que há de matar-me o muito que magoa.Passado um ano, eu já estaria morto,Se não tivesse ao menos um conforto.

44. Conforto é que, aos maridos quando hospedo

(E esta casa há dez anos que os acolhe),Sempre a taça fatídica lhes cedo,E não encontro um só que não se molhe.

Por estar consolado, se não ledo,Basta que eu tantos companheiros olhe.S6 tu, que não a queres, nem a provas,

Entre mil, de ser sábio deste provas.

CANTO XLVI

O navio de Ariosto

1. Or, se mi mostra la mia carta it vero,

non è lontano a discoprirsi ii porto;

si the net lito i voti scioglier spero

a chi nel mar per tanta via m 'ha scorto;ove, o di non tornar col legno intero,

o d 'errar sempre, ebbi gid it viso smorto.

Ma mi par di veder, ma veggo certo,veggo la terra, e veggo it lito aperto.

1. Se verdadeiro é o que nos mapas leio,

Já não demora a descobrir-se o porto;Na praia, enfim, cumprir o voto anseio

A quem nos mares me prestou conforto.

Vir em roto baixel foi meu receio,

Ou errar sempre, e fiz-me cor de morto;

Mas parece-me ver, vejo, decerto,Sim, vejo terra e o litoral aberto.

NOTAS AOS CANTOS

E EPISÓDIOS

Os algarismos romanos referem-se aos cantos; os arábicos, às oitavas; as notasprecedidas da sigla OT (observações sobre a tradução) comentam algumas soluçõesadotadas neste trabalho.

CANTOS

Canto I

1. 0 primeiro verso inspira-se em Dante: "le donne e' cavalier, gli affanni e li agi"(Purg. XIV, 109). A proposição do poema mantém unidos o tema guerreiro("armas") e o tema amoroso ("amor"), já ligados por Boiardo, cuja obra Arios-to pretende continuar. A época imaginária é a da guerra entre Carlos Magno eos mouros, que haviam passado, por mar, do norte da Africa para a Espanha,e daqui para a França, conduzidos pelo rei Agramante, filho de Troiano, mor-to em combate.

2. Orlando: ou Roldão, filho de Milão e herói da Chanson de Roland e do poemade Boiardo. – Aquela que me faz demente: Alessandra Benucci, com quemAriosto mais tarde se casou.

3. Hercúlea prole Estense: O cardeal Hipólito (1479-1520), filho do duque deFerrara, Hércules d'Este (assim, "prole"; ao mesmo tempo, "hercúlea" e "es-tere") – (OT) "Estense": cf. "festas fabulosas da corte estere", Murilo Mendes,Carta Geográfica, in Obra Completa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1995, p.1096). – O que vos devo: Apesar das divergências, que levaram depois à ruptu-ra entre ambos, Ariosto foi sempre grato ao cardeal, pelo emprego que lhe dera

quando o poeta se viu obrigado, com a morte do pai, a sustentar a mãe e noveirmãos menores, dos quais um enfermiço.

5. Nesta estrofe e nas seguintes, Ariosto resume o que fora narrado por MatteoMaria Boiardo, no Orlando Innamorato. Este poema tem como centro a rivali-dade amorosa de Orlando e Rinaldo, enamorados de Angélica, filha do rei deCatai (China), a quem seguem até o Oriente.

6. Marsílio: Lendário rei mouro da Espanha, aliado dos norte-africanos. – (OT)Cara custasse: cf. "A pertinácia aqui lhe custa cara" ( Os Lusíadas, III, 70).

7. Da Eólia à Espéria: do Oriente ao Ocidente.8. Primo: Rinaldo de Montalvão era filho de um irmão do pai de Orlando.

14. Ferraú: gigante mouro.28. Almonte: irmão do rei Troiano, vencido por Orlando, que lhe tomou o elmo.

Rinaldo matou Mambrino e tomou-lhe o elmo, que Cervantes recorda no DomQuixote.

29. Argalias: irmão de Angélica, morto por Ferraú.30. Lanfusa: mãe de Ferraú. – Aspromonte: montanha da Calábria, onde Orlando

matou Almonte, durante uma batalha em que Carlos Magno derrotou osmouros.

40. Senhor: o cardeal Hipólito – Mongibelo: outro nome do vulcão Etna.45. Sacripante: rei da Circássia (Cáucaso), enamorado de Angélica, a quem defen-

dera na batalha de Albraca, narrada por Boiardo.46. Lírios d'ouro: insígnia da monarquia francesa.52. Citeréia: Vênus, cultuada na ilha de Citera. – Nosso renome: a fama guerreira

dos povos orientais.55. Sericano e nabateu: a Sericânia (terra da seda, Extremo Oriente) e a Nabatéia

(a Arábia; cf. Os Lusíadas, I, 84 e IV, 63) indicam genericamente as regiões orien-tais, cujos soberanos eram aliados do rei de Catai, pai de Angélica.

70. Bradamante: guerreira, irmã de Rinaldo.71. O outro ginete: o de Angélica.75. Na fortaleza de Albraca, perto de Catai, Angélica havia cuidado de Baiardo.80. Na batalha de Albraca, narrada por Boiardo, Sacripante defendera Angélica

de Agricão, rei dos Tártaros, que a queria para si, quando Angélica estava ena-morada de Rinaldo.

Canto II

10. Fusberta: a espada de Rinaldo.13. (OT) Nesta oitava temos exemplo de como Ariosto por vezes alterna o presen-

te e o passado, ao tratar da mesma situação: "Come egli vide il volto delicato /De la donzella che sopra gli arriva": O mesmo uso é encontradiço em Camões:"Já blasfema da guerra e maldizia / 0 velho inerte, e a mãe que o filho cria" (Os

Lusíadas, I, 90); "Tão temerosa vinha e carregada / Que pós nos corações umgrande medo / Bramindo, o negro mar de longe brada" (V, 37); "Co sopro, quenos tanques naturais / Encrespa a água serena e despertava / Os lírios..." (X, 1,grifos meus). A mesma liberdade se conservou nesta tradução.

32. Triste filha de Agolante: Galaciela, filha do rei mouro Agolante, "triste" porqueinjustiçada pelos irmãos. De seu amor por Rogério nasceu o filho, de igualnome, cantado neste poema.

58. Pinabel pertencia à família de Mogúncia, infamada, na tradição dos cantarescarolíngios, pela traição de Gano de Mogúncia, tio de Pinabel e causador damorte de Orlando.

63. (OT) Mompelher: Montpellier (cf. Fr. Luís de Sousa: "cidade de Mompelher",Vida do Arcebispo, livro II, cap. IV). – Aguas Mortas: Aigues Mortes. – Castela:então dominada pelos muçulmanos.

Canto III

2-3. Invocação a Febo que, segundo o poeta Tibulo, cantou a vitória de Júpiter( "olímpico padre") sobre os gigantes.

8. U'a mulher: a maga Melissa, cujo nome só se revela no canto VII, 66.9. Merlim: o lendário mestre do rei Artur.

10. Dama do Lago: feiticeira de quem Merlim se enamorou, e que o induziu a en-trar num sepulcro, como prova de amor, encerrando-o nele para sempre.

16. Itália e o mundo: Um membro da casa d'Este recebeu do imperador HenriqueW o título de duque (cfr. adiante a estr. 28) e deu início na Alemanha a umafamosa dinastia que, depois dos tempos de Ariosto, chegou ao trono da Ingla-terra (os reis hanoverianos). – Começa a profecia do destino de vários mem-bros da casa d'Este, dos quais os próprios versos de Ariosto vão dando notícias.As notas seguintes se limitarão a facilitar a compreensão de algumas alusões.

17. Duplo caudal: os heróis troianos Heitor e Astianax, míticos antepassados, res-pectivamente, de Bradamante e Rogério.

24. Ponteu: Ponthieu, na França, feudo da família do traidor Gano de Mogúncia elugar onde Rogério júnior vingaria o pai, matando-lhe os assassinos, tambémdaquela família.

25. Este e Calaon: feudos que Carlos Magno concedeu a Rogério júnior pela vitóriasobre Desidério, rei dos longobardos. O primeiro desses feudos deu o nome àdinastia. – País espério: Itália.

26. Hugo: conde de Milão (século XIII).– Estandarte das serpentes: a bandeira deMilão, no tempo dos Visconti.– Insubres: milaneses. – Aviso bom: Ariosto atri-bui a Albertácio II o conselho, dado ao imperador Otão I, de expulsar da Itáliao rei rebelde, Berengário.

27. 0 orgulho dos romanos: Supõe-se que o verso aluda a uma intervenção de Hugo

em favor do papa Gregório V, apoiado pelo imperador Otão III, mas hostiliza-do pelos romanos.

28. Fulco: chamado à Alemanha para dar continuidade a uma dinastia em extinção("o ramo varonil... acabado"), iniciou o ramo alemão da família d'Este (naverdade iniciado por seu irmão Guelfo IV, mas Ariosto, irônico, pouco se pre-ocupa com a exatidão nestas notícias – cf. a Introdução a este trabalho).

29. Albertácio d'Este foi casado com uma homônima da célebre condessa Matildede Canossa (aliada do Papa Gregório VII nas lutas contra o Império).

30. Rinaldo: não sabemos a quem se refere Ariosto.32. Acio... Henrique: pouco se sabe acerca dessas figuras. – Encelino: ou Ezzelino

(século XIII), tirano de Pádua, tristemente famoso pela crueldade. – (OT)Encelino: cf. Pe. Manuel Bernardes: "Assim examinou o tirano Encelino o [espí-rito] do nosso glorioso padre Santo António"; Nova Floresta, tomo II, títuloVI, ["Bens Temporaes"], apoftegma XXIV, p. 219 da ed. de 1708).

34. A bela terra: Ferrara, junto do rio Pó, que se tornou corte da dinastia d'Este.Segundo a mitologia, no Pó havia cafdo Faetonte, filho de Febo, depois de per-der o governo do carro voador. – Cicno: amigo de Faetonte, foi transformadoem cisne e as irmãs de Faetonte foram transformadas em choupos, que chora-vam lágrimas de âmbar.

35-36. Aldobrandino: defendeu o Papa contra Otão IV e seus aliados, condes deCelano. – Umbros, Picenos: populações da Itália central.

37. Ancona... Apenino: limites geográficos da marca de Ancona, na Itália central.38. Rinaldo: aprisionado pelo imperador Frederico II, morreu na prisão.39. Alferes: título dado pelo Papa. – Carlos: o rei da Sicília, Carlos II de Anjou.40. Adria: cidade que deu nome ao mar Adriático.41. Terra a que o florir das rosas: Rovigo, cidade da região de Veneza, cujo nome se

acreditava derivado de rodon (rosa, em grego). – Cidade... foz: Comacchio,também na região de Veneza, cidadezinha posta entre dois braços da foz do rioPó. Seus habitantes, que viviam da pesca, desejavam que as tempestades fizes-sem afluir peixes para os charcos da região.

43. Tércio Otão: Ottobono Terzi (século XV).44. Causador do movimento: Deus.45. Búrsio: o primeiro duque de Ferrara (século XV). O nome italiano Borso cor-

responde ao Boorz de textos portugueses medievais, como a Demanda do SantoGraal.

46. Hércules: Hércules I, duque de Ferrara, sob cujo governo nasceu Ariosto. Nabatalha de Búdrio Hércules saiu gravemente ferido ao defender Veneza (o "vizi-nho ingrato") que, mesmo assim, ousou invadir-lhe os domínios, avançandoaté o lugar chamado Barco.

47. Rei dos catalães: quando jovem, Hércules I esteve a serviço de Afonso I, rei deAragão, Catalunha e Nápoles, cujos direitos defendeu vitoriosamente em duelo.

49. Leão alado: Veneza. – Gaulês minaz: Carlos VIII, rei da França, que invadiu aItália em 1494.

50. Afonso: o duque Afonso I, que governava Ferrara ao ser publicado o OrlandoFurioso. – Hipólito: o cardeal, irmão de Afonso I, a quem Ariosto dedica estepoema. – Tindaro: foi marido de Leda que, fecundada por Júpiter, transforma-do em cisne, gerou Castor e Pó1ux. Estes compartilhavam a imortalidade alter-nando a morada entre os mortos do Hades e os deuses do Olimpo.

51. Astréia: deusa da Justiça, que deixara o mundo após a Idade de Ouro.52. Aquela... madrasta: a Igreja, pois o Papa se aliara com Veneza contra o duque.

– Progne e Medéia: mães que, na mitologia, mataram seus filhos.53-54. Pó... Zanniolo: rios da Romanha, onde Afonso I derrotou os mercenários

espanhóis a serviço do Papa, reconquistando o forte de Bastia.55. Vitória: na batalha de Ravena (1512), Afonso I e os franceses derrotam o Papa

Júlio II e os espanhóis.56. Marão: Virgílio (Publius Virgilius Marus), mas também ironia de Ariosto, pois

na corte de Ferrara havia um versejador repentista chamado André Marão(Andrea Marone).

57. Quinze galés: Hipólito venceu uma batalha contra os venezianos.58. Sigismundo: tio de Hipólito e Afonso. – Genro: o duque Hércules II casou com

a filha de Luís XII, Renata de França.60. Os dois: Júlio e Fernando d 'Este, irmãos de Hipólito e Afonso e por estes dura-

mente punidos, depois de uma conjuração malograda.66. Palas ou Marte: prudente como Minerva e forte como Marte.69. Anel que se furtou: o furto é narrado no poema de Boiardo.

Canto IV

11. Junto de Camáldula: do alto do monte Falterona, nos Apeninos, pode-se verao mesmo tempo o mar Adriático e o mar Tirreno. Esse monte se ergue nasproximidades do mosteiro de Camáldula (Camaldoli), onde teve origem umaimportante reforma do monaquismo beneditino.

18. Rifeus: montes tradicionalmente situados ao norte da Europa, que talvez sepossam identificar com os montes Urais.

30. Atlante: mago que criou Rogério e que procurava defendê-lo da predição demorte prematura.

40. Prasildo, Iroldo: personagens que já no poema de Boiardo representam a ami-zade verdadeira. Ariosto os imagina depois aprisionados por Atlante.

41. Padeceu ferida: segundo o poema de Boiardo, ao tirar o elmo para mostrar orosto a Rogério, Bradamante foi ferida por um adversário.

46. Frontim: no original Frontino, cavalo que Brunel havia roubado de Sacripan-te e dado a Rogério, segundo o poema de Boiardo. – Gerifalte: o falcão real,

que era mantido sob um capuz até o momento em que o caçador queria fazê-loatirar-se sobre a presa.

47. Ganimedes: jovem raptado por Júpiter, que o tornou copeiro dos deuses.50. Ruma... Cancro o mira: vai para o lado onde o sol se põe quando se acha na

constelação de Câncer, ou seja, vai para o lado do Atlântico.51. Selva Caledônia: floresta do norte da Escócia, que evoca os feitos dos cavaleiros

da Távola Redonda.52. Tristão... Galvão: personagens dos romances do ciclo bretão. Tristão, que se

enamorou de Isolda; Lançarote, ou Lancelote, que se enamorou de Genebra,mulher do rei Artur; Galvão, conselheiro de Artur; Galaaz, filho de Lançarote.

53. Tábula antiga: É a mesa onde os cavaleiros se reuniam em torno de UterPendragon, ao passo que a "nova" é a mesa, também redonda, de seu filho, o reiArtur. – (OT) Tábula: cf. "Cavalleiros da Tabola Redonda", Bernardes, NovaFloresta, tomo IV, título IX ["Conselho"], apoftegmaXCIII, p. 17 da ed. de 1726.– Beruíque: Berwick.

61. Das colunas... Indo: da Índia ao estreito de Gibraltar (colunas de Hércules),isto é, do Oriente ao Ocidente.

Canto V

5. Argos, Tebas, Micenas: cidades famosas, respectivamente, pelos crimes de Édipo,das Danaides (que mataram os maridos) e pela morte trágica de Ifigênia,Agamênon e Clitemnestra.

7. Duque Albano: o duque de Albany (título escocês).18. Vulcão da siciliana ilha: o Etna.26. 0 plano traiçoeiro de Polinesso parece ter sido inspirado a Ariosto pelo célebre

romance de cavalaria Tirant lo Blanc, de Joanot Martorell. O romance foi tra-duzido do catalão ao italiano em 1520 (portanto, depois de publicado o Orlan-do Furioso), mas talvez antes daquela data fosse conhecido na corte de Ferrara,onde se fez a tradução.

57. Bóreas... Levante: ventos, do norte e do leste. Ou seja, Ariodante perecera nomar, não por naufrágio, provocado pela força dos ventos, e sim por suicídio.

59. Cabo do Baixio (Capobasso, no original): promontório da Escócia, no mar daIrlanda, não identificado com precisão.

69. Zerbino: príncipe da Escócia, aliado de Orlando.76. Santo André: Saint Andrews, cidade escocesa, muito importante na era medieval.82. (OT) "Tropel... sente": cf.: "Quanto ali sentirão olhos e ouvidos / É fumo, ferro,

flamas e alaridos" (Camões, Os Lusíadas, X, 36, grifei); "Apenas se puserão, quan-do ambos sentirão o ruído" (Pe. Manuel Bernardes, Nova Floresta, tomo II, títu-lo II ["Castidade"], apoftegma XIV, p. 309, ed. cit.).

16. Dânia: embora o original fale em Dácia, atual Romênia, os intérpretes costu-mam observar que aquela designação por vezes se confundia com Dânia, atualDinamarca, mais próxima da Escócia, onde se desenrola este episódio.

17. De Hércules invencível o sinal: as colunas de Hércules, entre a Europa e a Africa.18. Célere ministro: a águia, que levava nas garras os raios de Júpiter.19. Aretusa: na mitologia clássica, a casta ninfa Aretusa pede à sua protetora, a

deusa Diana, que a livre do amor de Alfeu, divindade fluvial. Diana a transfor-ma em fonte, mas Alfeu ameaça levar seu rio até as novas águas. A deusa fazentão que a fonte, por um caminho submarino, vá jorrar numa pequena ilha,junto à costa da Sicília. Conta a lenda, porém, que o rio tocava as águas da fon-te em algum ponto desse caminho, e ainda hoje se diz que uma taça lançada aorio Alfeu, na Grécia, emerge na fonte da pequena ilha, a atual Ortígia. Por issoé que Ariosto diz que tudo foi "em vão:

20. País: este locus amoenus criado por Ariosto, a ilha da maga Alcina, ficaria noAtlântico, talvez perto das Canárias ou da costa americana. De qualquer for-ma, a descrição parece combinar elementos das regiões orientais divulgadas porMarco Polo e das chamadas "Índias" (cf. VII, 47). Note-se que quando Ariostocomeçava este poema eram publicadas as relações das viagens de Vespúcio pelascostas americanas, e que o ano da edição definitiva do Orlando Furioso (1532)é também o da fundação das duas mais antigas cidades brasileiras: São Vicentee Conceição de Itanhaém.

27. Madeiro: este episódio se inspira na figura virgiliana de Polidoro (Eneida, III)e na selva dos suicidas, da Divina Comédia de Dante (Inferno, XIII, 22 e ss.).

33. Astolfo: personagem tradicional dos poemas de cavalaria. Orlando, Rinaldo eAstolfo eram primos, porque, segundo se dizia, seus pais foram irmãos.

34. Insulas extremas: esta aventura é contada por Boiardo, no Orlando Innamora-to. Preso, com outros cavaleiros, numa das ilhas do Oceano Índico, Astolfo ésalvo por Orlando, senhor feudal de Blava (a atual cidade francesa de Blaye, naGironda). – Areais: talvez o deserto de Góbi, entre a China e a Mongólia.

45. 0 rio... a serrania: o rio Tweed e os montes Cheviot.54. Primo: Rogério amava Bradamante, irmã de Rinaldo (v. supra, nota 33) e,

portanto, prima de Astolfo.63. Capitão: figura do ócio.66. Briareu: um dos Titãs, gigante de cem braços.67. Escudo: cf. Canto IV, 25.69. Licorne: o unicórnio, símbolo da pureza.75. Móvel seixo: a mó.76. Mouro: o mago Atlante que, segundo Boiardo, vivia nos montes Atlas, na

Mauritânia.

2. Discurso: aqui no sentido clássico de raciocínio.4. Apúlia: no tempo dos romanos, a região italiana da Apúlia teve fama de ser

terra de enormes lobos.12. E se fecham parcos: os olhos de Alcina estão sempre atentos.16. Mirto: ao chegar ao jardim de Alcina, Rogério encontra Astolfo, transforma-

do em mirto, que o preveniu contra as ciladas da feiticeira (cf. canto VI,27 e ss.).

18. A bela: Bradamante dama.20. Nino... Cleopatra: ficaram famosos os lautos baquetes de Nino, rei dos Assírios,

e de seus sucessores (Semiramis, Sardanapalo) e também os que Cleópatra ofere-ceu ao "grão latino", Marco AntÔnio. – (OT) Cleopatra: cf. Os Lusíadas, III, 141.

23. Aracne: na mitologia, primorosa tecelã, transformada em aranha.25. ...se atravessa: palavras inspiradas em"tra la spiga ela man qual muro è messo?",

verso de Petrarca (Rime, LXI, 8), reproduzido, em italiano, n' Os Lusíadas(IX, 78).

26. Já se notou que esta oitava deve ter inspirado alguns versos famosos da "Nocheoscura" de San Juan de la Cruz. O santo poeta pode ter conhecido Ariosto natradução de Urrea ou em alguma adaptação parcial "a lo divino':

27. 0 sucessor de Astolfo: Rogério sucedera a Astolfo nos favores de Alcina.29. Índia e Sabéia: a Índia e a Sabéia (na Arábia) eram famosas pelas plantas aro-

máticas que produziam.36. Hidaspes: rio da Índia.38. Ponteu: cf. III, 24.44. Nestor: personagem de Homero, que teria vivido por três gerações.50. Alquino, Farfarel: demônios dantescos (cf. Inferno XXI, 118, 123).55. Valença: Cidade espanhola, que nos tempos de Ariosto tinha fama de lasciva.

Era a terra natal da família Borja (em italiano, Borgia), à qual pertenceram odissoluto Alexandre VI (papa de 1492 a 1503), contemporâneo de Ariosto, e acélebre Lucrécia, então duquesa de Ferrara.

57. Adônis: o amado da deusa Vênus. – Atis: o amado da deusa Cibele.58. Alude-se às chamadas ciências ocultas, entre as quais a astrologia, a aruspicina

(vaticínio pelo exame das entranhas) e a geomancia (observação de figuras for-madas por pontos interligados no chão).

59. Cipião, Alexandre, Júlio: Cipião Africano, Alexandre Magno, Júlio César.61. Eternais idéias: alusão à doutrina platônica da preexistência das almas.62. Almas... santas: Ariosto alude às duas bem-aventuradas de nome Beatriz,

ambas monjas beneditinas no século XIII, a primeira delas irmã do duque Ácio(Azzo) VII d'Este, e a segunda, filha do mesmo duque. Também Santa Isabel,esposa do rei Dom Dinis de Portugal, era aparentada com a casa d'Este.

67. Atlante de Carena: segundo Boiardo, o mago Atlante morava na serra de Ca-rena, entre os montes Atlas.

72. Melissa: a maga benfazeja, que revelara a Bradamante o futuro de seus descen-dentes (cf. canto III, 8 e ss.). –A fada: Alcina. –Anel: O anel mágico, que desar-mava os feitiços (cf. canto III, 69).

73. Cumana... Hécuba: a sibila de Cumas (que teria vivido mil anos) e a mulher dePríamo, rei de Tróia, Hécuba (que teria gerado cinqüenta filhos, aos quais so-breviveu) eram exemplos de longevidade. – Arte hoje ignorada: O "sorriso deAriosto" aqui se dirige aos cosméticos, bem conhecidos de seus ouvintes e men-cionados também no início do canto VIII.

76. Balisarda: espada que havia sido de Orlando, a quem Brunel a havia roubado.77. Rabicano: cavalo que havia sido de Argalias, irmão de Angélica, e que depois

passara a ser de Astolfo, que "atura as ventanias" junto à praia, transformadoem mirto.

Canto VIII

1. Do conjuro...: este feitiço não vem de evocações mágicas ou de elocubrações astrológicas, e sim do emprego de cosméticos.

4. (OT) Fornido sem largueza: a expressão original ("non troppo adorno") literal-mente diz que o animal vinha pouco ajaezado, mas pode também dizer, comoentende a maioria dos intérpretes, que tivesse pouca musculatura. A traduçãoprocurou conservar a possibilidade de ambos os entendimentos.

5. Erguendo o braço esquerdo: neste braço os caçadores costumavam levar as avesde rapina.

14. Feitiços... nós: instrumentos das bruxarias de Alcina.16. Duque inglês: Astolfo (cf. VI, 33 e 54).17. Argalias: irmão de Angélica (cf. I, 29), primeiro dono da lança enfeitiçada.19. Noa: três horas da tarde. – Meio-dia: o sul.25. Beruíque: Berwick (cf. IV, 53).26. Salgam: fala-se da foz do Tâmisa, onde as águas do mar salgam as do rio, que lá

as encontra ("topa") – (OT) Onde: como se sabe, "onde" e "aonde" são por vezessinônimos entre os clássicos (cf. Cláudio Manuel da Costa, no soneto que con-clui com o verso "Nize! Nize! Onde estás? Aonde? Aonde? " ).

27. Otão: rei da Inglaterra, pai de Astolfo.28. Em vez de Otão: o príncipe era regente, durante a ausência de Otão. – Bretanha:

Grã-Bretanha.29. Bom tangedor: com esta linda imagem, inspirada pela música, Ariosto bem re-

trata a harmonia de sua arte.32. Lúgubre cratera: o inferno.35. Mar imenso: o Atlântico.

39. Grão Motor: Deus.42. Argalias: irmão de Angélica (cf. I, 29) – Feitiço: a lança enfeitiçada (cf. supra,

17-18).43. Por isso, do rei...: narra o poema de Boiardo que Galafrão, Grão Cã de Catai e

pai de Angélica, fora atacado e vencido por Agricão, rei da Tartária, a quemrecusara a mão da filha. – Índias: neste caso, Extremo Oriente. – Cão Grande:Grão Cã, título oriental. – Catai: China.

44. Paulo e Hilarião: santos devotados à vida eremítica, da qual um deles, Paulo deTebas, foi o iniciador.

46. Sem o reconhecer: porque antes já estivera com este eremita (cf. II, 12-13).49. No embate se derroca: metáfora da impotência.52. Proteu: deus da fauna marinha. – Netuno: deus supremo do mar.54. A ordem... a lei: ao fazer sair das águas a fauna marinha, Proteu exorbitava dos

limites de sua autoridade.62. Agricão... morta: Agricão (cf. supra, 43), acompanhado de grande exército

("meia Cítia'; isto é, metade da Tartária), passara pelas montanhas do Cáucaso("caucásias portas"), ao rumar para o Extremo Oriente ("Índias"), em buscade Angélica.

63. Sacripante: pretendente de Angélica (cf. I, 46). – Senhor de Anglante: título deOrlando – Alto engenho e fama de valor: Orlando era famoso pela sensatez epelas virtudes, em especial a coragem e a castidade, mas põe a perder a famapelo amor de Angélica, que o leva à loucura (cf. I, 2).

67. Tigre... adverso: o tigre enraivecido pelo caçador que lhe mata o filhote. –Reptil... desdobra: a região norte-africana que vai dos Montes Atlas ao MarVermelho era conhecida pela abundância de répteis venenosos. – (OT) MarRoxo: Mar Vermelho (cf. Camões, Os Lusíadas, II, 49).

68. Os dois: Rinaldo e Sacripante, que o eremita havia enganado (cf. II, 15-18) commensagem trazida por um emissário infernal ("estígio")

69. Filho de Troiano: o rei mouro Agramante (cf. I, 1).70. (OT) Carlos Magno / tamanho: quanto a esta rima, cf. Camões, Os Lusíadas,

IV 32 ("... (caso estranho!) / Quais nas guerras civis de Júlio e Magno").71. ( OT) consume: cf. Camões, Os Lusíadas, V, 2.72. Ele e ela... Oriente: cf. I, 5 -7 – Dês que... Bordéus: cf. II, 24.73. Nas mãos de Namo: sob a guarda de Namo, duque da Baviera (cf. I, 8).75. Guarda... forte: teria sido melhor que a houvesse deixado sob a proteção de um

grupo de defensores, naquela capital ou em alguma fortaleza.78. A alma, em desespero, dano: Orlando pensa em se matar, o que o faria réu da

condenação divina.81. Aquilão, austro e levante: ventos do norte, do sul e do leste.82. (OT) Nome / Aflijo-me (rima): a solução procura reproduzir a chamada rima

all' occhio, isto é, rima visual, presente algumas vezes em Ariosto e em outros

clássicos italianos. Neste caso, os versos originais fazem rimar "nome" e "Miseromet '

83. Cristais: os olhos de Angélica.84. Bridadoiro: o cavalo de Orlando.85. De indignidade a salvo: para que não o reconhecessem como desertor do exér-

cito cristão – (OT) Miralmominim: título de general mouro (cf. Camões, OsLusíadas, III, 78). – Deu fim: anos antes, Orlando havia matado o chefe mouroAlmonte (cf. abaixo, 91 e I, 28).

86. 0 tio: Carlos Magno, que era irmão da mãe de Orlando. – Brandimarte: guer-reiro cristão de origem sarracena, grande amigo e companheiro de Orlando.

87. (OT) Quanto às rimas "Magno" e " tamanho"; cf. 70, supra.88. Flordeliz: a amada de Brandimarte – (OT) Embora este nome corresponda ao

substantivo comum flor-de-lis, aqui se preferiu grafia diferente, substituindo-se a terminação em s pelo z, de sabor arcaico, e unindo-se os elementos do nome,como costuma fazer Ariosto nesses casos (cf. 84, supra, onde brida d' oiro setorna Bridadoiro) e como permite a onomástica portuguesa (cf. o nomeFlorbela).

90. A história: alusão às crônicas do Arcebispo Turpim, que será expressamentenomeado a partir do canto XIII. Nos textos deste lendário cronista de CarlosMagno, tradicionalmente considerado o relator dos feitos de Orlando, Boiar-do e Ariosto fingem fundamentar-se. – Senhor de Anglante: cf. 63, supra.

91. Almonte: cf. 85, supra. – Conde: título de Orlando.

EPISÓDIOS

Canto IX. Orlando vence o rei da Frísia e destrói o arcabuz

28. Tem astúcia: fala-se de Cimosco, rei da Frísia, território aonde chega Orlandoa pedido de Olímpia, princesa da Holanda, para tentar salvar Bireno, príncipeda Zelândia, aprisionado em Dordrécia pelo temível rei. Por amor a Bireno, aprincesa havia recusado a mão de Arbante, filho de Cimosco. Irado, o rei e ofilho invadem a Holanda e matam a família de Olímpia com disparos de umaarma desconhecida, o arcabuz. Olímpia consegue matar Arbante, mas Cimoscoprende Bireno, como refém, prometendo soltá-lo se ela se entregar para ser exe-cutada. É nessas circunstâncias que a princesa recorre a Orlando.

61. Dordrécia: Dordrecht. – Porque a dominação...: Ariosto parece aqui retomarum tema de Maquiavel (cf. Il Principe, cap. IV).

65. Volana: hoje Volano, lugarejo perto de Ferrara, junto à foz do rio Pó, onde sepraticava a pesca tal como aqui descrita.

66. 0 relâmpago homicida: o arcabuz.

68. 0 senhor d'Anglante: título feudal de Orlando.70. A espada: Durindana, a célebre espada que Orlando tomou a Almonte, e que

na antigüidade havia pertencido a Heitor.90. Da praia: da costa da Frísia.91. Ilha cruel: a ilha onde vivia um monstro marinho, a Orca, devoradora de mulheres,

contra a qual lutarão Rogério e Orlando (v. episódios dos cantos X e XI).

Canto X. Angélica e a Orca

92. Avista: esta oitava fala de Rogério. – Hibérnia: Irlanda. – Um poço: o milagro-so poço de São Patrício. – Corcel: o hipogrifo. – A Bretanha menor: a Bretanhafrancesa, contraposta à Grã-Bretanha.

94. Umbruxo: é o que se apresenta como eremita no canto II (12-13). Sua tentativade aprisionar Angélica é narrada no canto VIII.

96. Uma escultura: assim parece do alto, de onde a vê Rogério, levado pelo hipo-grifo a sobrevoar a ilha.

Canto XI. Orlando vence a Orca

37. Avizinha-se a Orca: ao ameaçar Angélica (cf. o episódio do canto X), a Orcafora momentaneamente derrotada por Rogério, que a paralisara com o escudomágico de Atlante. Mas foi Orlando quem a venceu definitivamente, como seconta nas estrofes seguintes.

41. Força: Orlando era dotado de força extraordinária.

Canto XII. Orlando no palácio encantado

1-2. Deixando a mãe...: a deusa Ceres, depois de estar com a mãe Cibele (veneradano monte Ida), foi em busca da filha Proserpina, que deixara escondida naSicília, junto ao vulcão Etna, sob o qual o raio de Júpiter havia sepultado o gi-gante Encélado.

3. Eleusina: Ceres, venerada em Elêusis.17. Assim como Orlando procurava Angélica, Rogério procurava Bradamante.20. Dama de Dordonha: Bradamante era filha do duque de Dordonha.21. Atlante de Carena: cf. VII, 67 – Alcina: A feiticeira, como já se viu, havia tentado

aprisionar Rogério (cf. canto VII, 16 e ss.). – Torre: o fantástico palácio (cf. IV338).

Canto XIV Rodomonte

116. Vêm mil escadas: os sarracenos começam a escalada das muralhas de Paris, ondeestá Carlos Magno. – Vau: o fosso que circunda as muralhas.

O R L A N D O F U R I O S O

Canto XV Os Novos Argonautas

21. Vejo: quem faz esta predição é Andronica, uma das virtuosas companheiras damaga Logistila (cf. VI, 43-45). – Extremas paragens do poente: a Península Ibé-rica. – Argonautas: os navegadores míticos que foram em busca do Velocíniode Ouro. – Tífis: capitão dos Argonautas; Ariosto fala em "nuovi Argonauti enuovi Tifi", literalmente, "novos Argonautas e novos Tífis , isto é, os navegado-res portugueses e castelhanos e seus capitães. – Uns: Vasco da Gama, com a fro-ta portuguesa – Capricórnio sino: o trópico de Capricórnio. – (OT) Sino (sig-no): cf. Os Lusíadas, V, 23, grafia original.

22. Cabo que dispersa: o cabo da Boa Esperança, por dar a impressão de dividir emdois a extensão contínua do mar, que se chama, de um de seus lados, OceanoAtlântico e, de outro, Oceano Índico. – Outros: Cristóvão Colombo, com afrota castelhana. – As duas praias: as costas da Espanha e de Marrocos, separa-das pelas colunas de Hércules.

23. Vejo dez...: poucos europeus e muitos indígenas. –Além das Índias: para lá dasIndias Orientais (perto de onde estava a maga que aqui faz a predição) estavamas Indias Ocidentais, ou América. – Aragão: o nome da casa real espanhola nostempos de Ariosto (lembre-se que então o trono da Espanha era ocupado,embora nominalmente, pela filha de Fernando de Aragão e mãe de Carlos V, arainha Joana, a Louca).

Canto XV O invulnerável Orrilo

65. Porque às margens: Ariosto retoma um episódio que Boiardo deixara inter-rompido.

66. A Parca: Atropos, que na mitologia grega cortava o fio da vida humana.67. Grifo e Aquilante: filhos do cavaleiro cristão Oliveiros e chamados, um de bran-

co (Grifo), outro de negro (Aquilante), segundo a cor das roupas das respecti-vas fadas protetoras.

68. Animal: o crocodilo, que já aparece no poema de Boiardo.69. A fera...: é ainda Boiardo quem conta a vitória dos irmãos sobre o crocodilo,

episódio que Ariosto se limita a recordar. – Nenhum... agravo: não havia des-lealdade em combaterem dois contra um só, porque Orrilo os atacara ajudadopela fera.

Canto XVIII. Medoro procura o cadáver de seu rei

183. Campo de batalha: a esplanada, perto de Paris, onde o rei mouro Dardinel haviasido morto pelos exércitos cristãos. – Companheiros: os amigos mouros, Medoroe Cloridano, que não se conformam em deixar sem sepultura o corpo do rei

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morto. – Até a alvorada: os amigos dependiam da escuridão noturna para ocul-tar-se, pois procuravam o corpo junto ao acampamento dos vencedores.

184. Nossos pais: os pagãos. – Triforme: a Lua era chamada Cíntia, no Céu, Diana,a caçadora, na Terra, e Hécate, no Inferno. – Exercícios santos: as artes da caça,consagradas a Diana.

185. Endimião: pastor que, segundo a mitologia, se enamorou da lua. – Lerino...Mártir: montes dos arredores de Paris, Montléry e Montmartre.

Canto XXIII. A loucura de Orlando

130. Andando pela floresta, Orlando descobre que Angélica se havia apaixonadopelo jovem Medoro, guerreiro mouro (cf. episódio do canto XVIII). E o quelhe revelam inscrições em troncos de árvores e até em uma pedra. – E a fonte...segura: cf. a estrofe seguinte.

Canto XXXIV. As harpias na Itália

1. Cega Itália...: alude-se ao erro e à cegueira da política dos senhores italianos,dependentes de tropas de mercenários e de onerosas alianças externas, que osdeixavam à mercê de monarcas estrangeiros e de seus exércitos (as "harpias").Famosa é a advertência semelhante feita por Maquiavel, mas a atenção de Arios-to vai, em primeiro lugar, para o sofrimento da população, obrigada a alimen-tar e até mesmo a alojar os invasores ("Crianças... mães").

Canto XXXIV. Astolfo na lua

72. Outros rios...: a estrofe descreve a paisagem da lua, tal qual se descortina diantede Astolfo.

73.0 duque: Astolfo. Em tal revista: Astolfo estivera observando a paisagem lu-nar, como se disse na estrofe anterior. – Para outro efeito: a viagem à lua, depó-sito das coisas perdidas na terra, destinava-se a achar o juizo que Orlando per-dera, ao enlouquecer. – Evangelista: São João Evangelista.

78. Galho com rebento: embora se costume interpretar a expressão italiana gem-mati ceppi como patíbulos ornamentados de jóias, prefere-se aqui a interpre-tação (também compatível com o original), que entende que os galhos corta-dos, cujos brotos estão fadados a morrer, simbolizam os amores que não chegama se realizar, ao passo que os laços de ouro simbolizam os amores realizadosque se tornam insuportáveis. Seriam, portanto, duas espécies diferentes deamores malogrados, ou mal seguiti, como diz Ariosto. – Ganimedes: o nomedo jovem raptado por Júpiter (cf. IV, 47) aqui indica os que, durante a juventu-de, gozam do favor dos príncipes.

O R L A N D O F U R I O S O

80. Guia: São João Evangelista. – Dom... Constantino: a doação de Roma, que oimperador Constantino teria feito ao papa São Silvestre, doação cujos funda-mentos documentais haviam sido desacreditados, no século XV, pelo filólogoLorenzo Valla.

82. 0 que era seu: o que Astolfo havia perdido. – Intérprete: São João Evange-lista, que acompanha Astolfo. Note-se que o livro do Apocalipse, atribuídoao santo (e Ariosto lembra a oscura Apocalisse na estrofe 86 deste mesmo can-to), é famoso pelo emprego de linguagem figurada, que o torna de difícil in-terpretação.

83. Era úmido..: descreve-se o siso. – Senhor de Anglante: título feudal de Orlando.

Canto XXXV Quem roubou o juízo de Ariosto

1. Quem subirá...: o juízo perdido ficava esquecido na lua, e foi subindo até láque Astolfo recobrou o juízo de Orlando (cf. o episódio, no canto XXXIV).– Senhora: provavelmente Alessandra Benucci, com quem Ariosto depois ca-sou (v. I, 3 e introdução a este livro). – Com meus lábios: o siso perdido nalua assumia forma de líqüido, guardado em ampolas (cf. XXXIV, 83), cujoconteúdo era necessário beber para recuperar a sensatez. Daí a imagem bur-lesca de Ariosto.

Canto XXXV. O outro lado da História

26. Da iníqua proscrição: as condenações de muitos cidadãos, decretadas duranteo triunvirato de Augusto.

Canto XLIII. A taça dos maridos traídos

28. Disse Melissa: a maga que, no canto VII, dá a Rinaldo o anel mágico que revelaas verdadeiras feições da bruxa Alcina. Neste episódio (inspirador da novelado "Curioso impertinente" de Cervantes, e adaptado por La Fontaine como "Lacoupe enchantée") quem fala é um castelão, que hospeda Rinaldo e lhe oferecevinho numa taça mágica, que descobre os maridos de mulheres infiéis. Rinal-do, porém, se recusa à prova. – O irmão: o rei Artur, irmão de Morgana e ma-rido traído de Genebra.

35. Namorado: um jovem pretendente da mulher, cuja aparência o marido assu-me, por artes de Melissa. – Indianos...: as costas da Índia e do Mar Vermelho,ou Eritreu, eram famosas pelas pérolas.

41. Assim que do carro o Sol...: de noite. – Pelas águas do rio...: ela vai de barco atéa cidade onde estava o enamorado.

44. Só tu: Rinaldo, que recusou a taça.

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Canto XLVI. O navio de Ariosto

1. Mapas: de navegação. – Voto: fazer votos, pedindo proteção divina nas traves-sias, era costume de navegadores pagãos e cristãos. – A quem... conforto: pro-vavelmente os amigos que apoiaram Ariosto durante a composição do poema.– Roto baixel: a imagem, que tem precedentes clássicos e dantescos, aqui tam-bém evoca a "Nau dos Loucos", sempre errante (cf. o que diz Ariosto sobre oreceio de "errar sempre").

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SBDIFFLCH/USP

SEÇÃO DE: LETRAS TOMBO 260675

AQUISIÇÃO: DOAÇÃO / FAPESPPROC.00/10464 4 / N.F.N° 104847/EDUSP

DATA : 21/06/05 PREÇO: R$ 55,10

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TítuloAutor

Tradução e IntroduçãoRevisão

Projeto Gráfico

Capa

Composição Gráfica

Administração EditorialFormato

TipologiaPapel

Número de PáginasFotolito

Impressão

Orlando FuriosoLudovico AriostoPedro Garcez GhirardiGeraldo Gerson de SouzaRicardo AssisPlinio Martins FilhoTomás B. MartinsPlinio Martins FilhoMine E. SatoAmanda E. de AlmeidaRicardo AssisValéria C. Martins18 x 27 cmMinionPólen Rustic 120g288BinhosLis Gráfica