aquisicao - processos iniciais
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Aquisição da Linguagem
Ruth E. V. Lopes UNICAMP 2015
O que se faz quando se faz “aquisição da linguagem”?
• Como as crianças adquirem sua(s) língua(s) materna(s)? – Quais são as capacidades envolvidas? – Qual é o processo de desenvolvimento linguísOco? – O que se sabe quando se sabe uma língua (natureza do conhecimento)?
Dado o mundo com o qual a criança tem que lidar, como ela consegue, em meio a tamanho caos, saber o que é linguagem?
Alguns fatos
• Toda criança adquire (ao menos) uma língua • Qualquer criança pode adquirir qualquer língua – vs. outras habilidades cogniOvas • dar o laço no sapato • pintar dentro das bordas de um desenho • tocar um instrumento
O quebra-‐cabeça • Toda criança Upica adquirirá uma língua sem receber nenhum treinamento especial ou uma sequência cuidadosa na apresentação dos dados linguísOcos.
• Toda criança adquirirá um sistema gramaOcal que é equivalente àquele dos demais membros de sua comunidade l inguísOca, a despeito das consideráveis diferenças de sua experiência no mundo.
• Crianças adquirem linguagem muito rapidamente e, universalmente, na mesma fase de desenvolvimento.
O que é tão especial acerca da linguagem humana e,
especialmente, acerca das crianças que faz com que sem
esforço ou fracasso elas consigam dominar um sistema rico e complexo que as capacita a produzir e compreender uma língua tão precocemente?
O papel da percepção categorial e da prosódia
• Bebês apresentam uma sensibilidade surpreendente a pistas acúsOcas que expressam ‘segmentos’ das línguas naturais (sílabas, fonemas, prosódia etc)
• estão, portanto, predispostos a perceber a fala de alguma forma e a mapear as pistas acúsOcas em um sistema fonológico
• Bebês começam como ‘aprendizes’ universais e se tornam falantes de uma ou mais línguas específicas
• processo sele)vo, em que a experiência limita a sensibilidade percepOva para: seleção de fonemas disOnOvos na língua alvo, construção da representação fonológica da língua, aprendizagem do léxico
Diferenças entre línguas
Inglês vs. Japonês R-L
• Produção: primeiras palavras em torno de 10-‐12 meses
“Interesse” por linguagem só começa ai? Discriminam sua própria língua de uma língua estrangeira (com 4 dias ou menos) Mero reconhecimento da voz materna?
Não, discriminam independentemente da qualidade da voz, velocidade de fala ou sotaque
Teste: High-‐Amplitude sucking procedure (HAS) Par de línguas testadas Francês-‐russo Inglês-‐espanhol Inglês-‐ italiano Inglês – japonês Inglês – catalão
Língua naOva da criança (4 dias) Francês (2 dias) Espanhol (2 meses) Inglês (2 meses) Inglês (4 meses) Catalão
Sucção não-‐nutriOva
• Ja é influência do meio ou crianças ja Onham alguma ‘experiência’ linguísOca intra-‐uterina?
• Pode ser: frequências altas tendem a ser atenuadas pela parede do útero, musculatura abdominal e líquido amnióOco, mas frequências baixas, que carregam grande parte da informação prosódica, são preservadas (Armitage, Baldwin & Vince, 1980)
• Porém, não explica como bebês falantes de francês disOnguem inglês-‐ italiano e inglês-‐japonês (com 4 dias)
• Conclusão: há alguma propriedade acúsOca saliente, detectada a parOr dos enunciados, que ‘chama a atenção’ do bebê
Portanto a pergunta é: qual a fonte que os leva a diferenciar as línguas? 1a. hipótese = energia média do enunciado (medida pelas vogais)
§Para testar, língua do bebê = francês, par testado = francês/russo, idade = 4 dias §As gravações foram tocadas ao contrário, de forma a preservar a energia média, mas alterando a prosódia das línguas §Resultado = bebês, que haviam conseguido discriminar entre as duas línguas no teste ‘normal’, não conseguiram neste.
• 2a. hipótese = bebês reconhecem propriedades segmentais das línguas
• De fato, em alguns dos testes, são uOlizados exemplos reais de fala.
§Fala ‘filtrada’ (low-‐pass-‐filtered speech) à esse Opo de transformação reduz quase que completamente o conteúdo segmental, preservando apenas as informações supra-‐segmentais ou prosódicas (entoação, ritmo) §Bebês se saíram bem!
• Mas o que, exatamente, o bebê considera? Todo o enunciado ou palavras?
• teste = palavras mulOssilábicas extraídas dos enunciados, picotadas e reorganizadas de forma a destruir a coerência prosódica do enunciado, mas preservando o acento lexical de cada palavra:
§Bebês americanos (2 meses), testados com inglês-‐francês, não diferenciaram uma língua da outra, embora o Ovessem feito com os mesmos enunciados filtrados.
• O que o bebê faz quando parece diferenciar línguas? Provavelmente cria uma representação do primeiro conjunto de esUmulos e compara com o segundo conjunto para determinar se os novos esUmulos são iguais aos primeiros ou não.
• Mas a pergunta permanece: qual a natureza dessa ‘representação’. O que, exatamente, o bebê pega na informação suprasegmental no nível do enunciado?
Mehler e outros (1996), entre vários outros trabalhos = propriedades rítmicas
• Línguas de ritmo acentual (funcionam como compassos na música) – compressão ou alongamento da sílaba para caber numa dada unidade de tempo = português, inglês, árabe, holandês, russo etc
• Línguas de ritmo silábico (sílaba não altera a duração) = italiano, espanhol, francês, grego etc
• Línguas de ‘mora’ (um dado segmento ocupa uma unidade de tempo) = japonês (ex: kango, 2 sílabas, mas 3 moras ka-‐n-‐go)
“A representação rítmica é, grosso modo, uma sucessão de vogais de duração e intensidade variáveis, alternando com períodos de ‘barulho não analisável’” (= as consoantes) (Ramus, Nespor e Mehler, 1990: 270) (1) V Vv VVvV (acentual) (2) V VV V VV V (silábica) (3) VVVVVVVVVVVVVVVVVV (= japonês)
• Previsões: criança discrima ‘classes’ de línguas, mas não línguas específicas; será capaz de diferenciar padrões métricos disOntos, mas não semelhantes:
• De fato, bebês britânicos testados para o par inglês-‐holandês (ambas de ritmo acentual) não foram bem sucedidos!
• Mais tardiamente, 8-‐10 meses, provavelmente vão ser capazes de disOnguir por estarem mais familiarizados com a língua materna e por terem criado representações mais detalhadas de informações fonológicas de sua língua (cf. trabalhos de Jusczyk)
• Seleção como forma de desenvolvimento do sistema fonológico à restrição do espaço de buscaà reorganização funcional dos sons
• Portanto, não reflete uma ‘perda’ do sistema arOculatório-‐percepOvo, mas é um processo que capacita o bebê a discriminar aqueles segmentos que têm valor contrasOvo em sua línguaào que vai permiOr ao bebê associar som/significado (ou seja, a aprender o léxico)
Werker e Tees (1984): crianças adquirindo inglês, teste = disOnção /t./ (t ‘retroflexo’) vs. /ta/ do hindi (procedimento de head turn)
E a prosódia!
https://www.youtube.com/watch?v=vQ64R0KKssc
E a produção?
• Do nascimento aos 4 meses: laringe mais alta, garganta menor, trato vocal mais curto e língua com diferente configuração (portanto, diferenças na cavidade de ressonância)àlimita a produção de sons nos bebês
• 4-‐6 meses começa a ‘descida da laringe’, que só se completa pelos 3 anos (outras mudanças também ocorrem no corpo da criança em órgãos envolvidos na fonação)
Balbucio: novamente, não é específico à língua da criança, mas entre 8-‐10 meses ja começa a apresentar caracterísOcas claras da língua sendo adquirida, como qualidade das vogais produzidas; aos 10 meses, as consoantes começam também a se restringir àqueles segmentos mais frequentes em palavras da língua-‐alvo; estrutura silábica, idem.
• Arrulho
h|p://youtu.be/YI1aPCdJaMw
• Balbucio h|ps://www.youtube.com/watch?v=EPKum-‐YIWnw (início – vocálico) h|ps://www.youtube.com/watch?v=3UCK4XCrvoc (silábico)
Distribuição de labiais no balbucio e nas línguas-‐alvo (amostras de
referência dos adultos) – Boysson-‐Bardies e Vihman, 1991.