aquilo que “não se lugar”, quando...

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O termo utopia foi cunhado pelo escritor inglês THOMAS MORUS ou MORE (1478-1535) para designar aquilo que “não se encontra em nenhum lugar”, quando da publicação de sua obra intitulada Utopia (1516), a qual, de motivações econômicas e inspiração platônica, imaginava um país perfeito, sem injustiças ou desigualdades sociais. Ilha de Utopia Thomas Morus (1478-1535)

Transcript of aquilo que “não se lugar”, quando...

O termo utopia foi cunhado pelo escritor inglês

THOMAS MORUS ou MORE (1478-1535) para designar

aquilo que “não se encontra em nenhum

lugar”, quando da publicação de sua obra intitulada Utopia (1516), a qual, de motivações

econômicas e inspiração platônica, imaginava um

país perfeito, sem injustiças ou

desigualdades sociais. Ilha de UtopiaThomas Morus

(1478-1535)

Na Ilha de UTOPIA, com 3 x 30 km de extensão,

Morus descrevia 54 cidades (civitas), sendo

a principal delas, Aircastle ou Amaurota,

caracterizada pela presença da água, jardins

e amplos cinturões verdes, na qual a

sociedade se dedicaria principalmente à prática

agrícola em propriedades coletivas.

Representaçõesda Ilha de Utopia (1516)

No plano ideal, o CÍRCULO passou a ser o preferido dos projetistas

da Renascença por significar a redenção da sociedade; um emblema

da perfeição, do equilíbrio e da eternidade.

A CIDADE PERFEITAdeveria ser circular;

forma de bases cósmica e metafísica que

simbolizava, por analogia, a esfera da criação divina,

sem começo nem fim.

Leonardo Da Vinci (1452-1519)Homo ad circulumvitruviano

Cesare Cesariano(1475-1543)

Francesco diGiorgio Martini

(1439-1501)

Em seu tratado de 1460, FILARETE (1400-69) , por

exemplo, propôs a cidade ideal de

Sforzinda, uma cidade circular que se tornava uma

exemplificação das leis da natureza, frente à cidade medieval, então

considerada não-natural e “decadente”.

Planta deSforzinda (1460)Filarete (1400-69)

Città idealePietro Cataneo(1504-69)

Plano de Philippeville(1554, Bélgica)

Sebastian van Noyen

Modelo ideal dos arquitetos renascentistas – tanto em propostas urbanas como em edifícios –, o círculo apareceu em todos os projetos utópicos de cidades,

inclusive no de Palmanova (1593), criada por VINCENZO SCAMOZZI (1552-1616) e considerada a

primeira cidade ideal a ser levada à prática (Rosenau, 1988).

Cidade de Palmanova (1593)Vincenzo Scamozzi (1552-1616)

Planta

Com a REFORMA na Alemanha e o fato de várias Repúblicas do

norte da Itália usufruírem da liberdade, idéias

igualitárias acabaram se espalhando e vários

textos utópicos passaram a ser

publicados no decorrer século XVI, tais como I

mondi i gli inferni (1552), de Anton F. Doni (1513-

74); e La città felice(1553), de Francesco

Patrizi (1529-97).

Plano de Sabbioneta(1550, Lombardia Itália)Vespasiano Gonzaga (1531-91)

Palazzo Ducale

Palazzo del Giardino

A utopia urbana do espanhol TOMMASO

CAMPANELLA (1568-1639) , expressa em Civitas solis:

La Città del Sole (1602), reorganizava as idéias de

Platão e Morus; e propunha uma cidade utópica

baseada em um racionalismo que excluía

a idéia de progresso, congelando o nível de vida

e a satisfação pessoal envolvida pelo trabalho e

pela religião. Esquema daCittà del Sole(1620)

Tommaso Campanella(1568-1639)

Com vários anéis de muralhas defensivas e dirigida por sacerdotes, a cidade ideal de CAMPANELLA

teria praças quadradas ou circulares das quais se irradiariam avenidas largas e retas, vivendo seus

cidadãos em total comunidade de bens e de mulheres com o fim de evitar o instinto de aquisição.

...E quanto intendo più, tanto più ignoro.(E quanto mais aprendo, tanto mais ignoro)

Città del Sole (1602) T. Campanella(1568-1639)

Além de grande inovador nas ciências de seu tempo, o inglês FRANCIS BACON (1561-1626) redigiu outra

importante utopia seiscentista: New Atlantis (Nova Atlântida, 1627), na

qual apresentava uma sociedade regida pelos

cientistas, que se dedicavam ao acúmulo de

conhecimento sobre a natureza.

Francis Bacon(1561-1626)

Esquema de New Atlantis(1627)

Em sua obra utópica, descrevia BESALEM, uma

ilha imaginária situada além da América e governada por um rei, na qual funcionaria uma instituição poderosa formada por cientistas – a

Casa de Salomão –, em que se conheceriam segredos da

natureza (movimento contínua, reprodução dos

animais, etc.), permitindo os homens controlarem o

tempo, voarem como os pássaros ou navegarem sob

as águas dos mares.

Cidade deBesalem (1627)

Francis Bacon(1561-1626)

Já a ilha de Christianopolis, lugar

utópico a que imaginava chegar como náufrago o autor, o alemão

JOHANN VALENTIN ANDREÆ (1586-1642)era uma República de trabalhadores cristãos

que viveriam em igualdade, desejando a paz e renunciando às

riquezas.

Johann V. Andreæ (1586-1642)

Esquemas de Christianopolis(1619)

A cidade de ANDREÆ , caracterizada em Reipublicæ Christianopolitanæ descriptio (1619), estaria dividida

em zonas para as indústrias leve e pesada; e os trabalhadores aspirariam conscientemente em

aplicar a ciência na produção, com o que lograriam um tipo de sistema muito eficiente, sem estarem obrigados a realizar alguma atividade produtiva.

Johann V. Andreæ(1586-1642)

No decorrer do século XVII, muitas outras obras

utópicas foram escritas, destacando-se The

Commonwealth of Oceana(1656), de JAMES

HARRINGTON (1611-77), que, dirigida ao ditador inglês Oliver Cromwell

(1599-1658), propunha que renunciasse ao poder e

instaurasse uma República livre e parlamentarista, na

qual a propriedade não seria nem dos indivíduos nem do Estado, mas das classes ou

estratos sociais.

Oceana(1656)

Já Paradise lost(Paraíso perdido, 1667),

do escritor britânico JOHN MILTON (1608-

74) , pode ser considerada uma

utopia religiosa situada no passado, mas que

se colocava como proposta para uma

revolução espiritual de toda a sociedade (Castelnou, 2005).

John Milton(1608-74)

Paradise Lost(1667)

Com o tempo, as UTOPIAS URBANAS passaram a falar de lugares diferentes, apontando para diversos ideais sociais,

sistemas de valores, nostalgias e esperanças.

Por fim, no século XVIII, surgiriam aqueles que passariam

a considerar que somente no campo seria possível viver verdadeiramente, cultivar

sentimentos puros e desenvolver instintos nobres (Romantismo).

Jean-JacquesRousseau (1712-78)

Le code de la nature (1755)M. Morelly (1717-78)

Conclusão

A partir do século XIV, a cidade renasceu e reafirmou-se como centro de poder político e

econômico, caracterizando-se como fato físico-territorial e PRODUTO ARTÍSTICO, fruto da busca de um ideal de perfeição e harmonia.

Pontualmente, recebeu modificações formais na prática que se dirigiam aos ideais teóricos

propostos por tratados arquitetônicos e urbanísticas, estes guiados pelas LEIS DA PERSPECTIVA e alimentados por diversas obras teóricas de utopia social e econômica.

As UTOPIAS URBANAS do Renascimento evoluíram de

modelos racionais e geométricos, predominantes nos séculos XV e XVI, para a criação ficcional de lugares

perfeitos e distantes, por influência da Era das

Navegações, principalmente no século XVII, até enfim a idealização romântica da

natureza e da vida selvagem no século XVIII.

Plano de Mirandola(Séc. XIV, Emilia-Romagna Itália)

Plano original de San Pietro(1506, Vaticano Itália)Donato Bramante (1444-1514)

Esse lugar “maravilhoso” aparecia aos homens sob inúmeras formas, tendo sido buscado além do nosso planeta ou nos

cantos mais longínquos, na imaginação e na realidade, em lugares mal definidos

ou em regiões bem conhecidas: a conquista de um NOVO MUNDO era, ao

mesmo tempo, o abandono do velho, através de uma

espécie de fuga utópica em direção daquilo que era

“natural”.

Novo Mundo

Ao mesmo tempo em que as nações européias consolidavam-se e nasciam suas capitais político-

administrativas, o crescimento das massas assalariadas, assim como a ampliação do mercado

com as colônias e a invenção das máquinas que substituiriam os meios de produção individuais no século XVIII, modificariam radicalmente as cidades.

Abertura da Strada Nuova(a partir de 1550, Gênova Itália)

Bernardino Cantone, Giovanni B. da Castello

e Giovanni PonselloPalazzi

Bibliografia

BENÉVOLO, L. Diseño de la ciudad. 3a. ed. Barcelona: Gustavo Gilli, vol. I, 1982.

_____. História da cidade. São Paulo: Perspectiva, 2001.

CASTELNOU, A. M. N. Ecotopias urbanas. Curitiba: Tese de Doutorado, UFPR, 2005.

JELLICOE, G.; JELLICOE, S. El paisaje del hombre: la conformación del entorno desde la prehistoria hasta nuestros días. Barcelona: Gustavo Gilli, 1995.

MUMFORD, L. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. 5a. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ROSENAU, H. A cidade ideal: evolução arquitectónica na Europa. Lisboa: Presença, 1988.