APRESENTAÇÃO DO EVENTO -...

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APRESENTAÇÃO DO EVENTO

O I Seminário de História, Ensino e Pesquisa do Programa de Mestrado Profissional

em Ensino de História– PROFHISTÓRIA/UEMS com o tema “Diálogos Teóricos e Práticas

de Ensino”, objetiva refletir sobre as expectativas e experiências de professores e acadêmicos

de história, bem como de outros profissionais da área da educação, e o exercício profissional

em sala de aula, na Educação Básica e Ensino Superior. A partir dos múltiplos olhares sobre

questões comuns e interpretações diversas das problemáticas vivenciadas no universo escolar,

pretendemos ampliar a compreensão da importância do professor na sociedade

contemporânea. Esperamos a partir dos diálogos, despertar novos questionamentos e

interesses sobre pesquisas e produção historiográfica, especialmente no que diz respeito ao

ensino de história diante da diversidade cultural e do aceleramento do processo de

globalização que tem acentuado as contradições socioeconômicas e as desigualdades sociais.

Trajetórias profissionais e experiências educativas, metodológicas e investigativas se

mesclam e criam um ambiente propício para debater sobre a construção do

professor/pesquisador e as possibilidades de atuação na escola.

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) – Unidade Universitária (U.U)

de Amambai.

Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Ensino de História

(PROFHISTÓRIA).

Reitor da UEMS: Prof. Dr. Fábio Edir dos Santos Costa.

Gerente da U. U. de Amambai: Profª. Drª. Viviane Scalon Fachin.

Coordenadora do PROFHISTÓRIA: Profª. Drª. Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues.

I Seminário de História, Ensino e Pesquisa do PROFHISTÓRIA - “Diálogos Teóricos e

Práticas de Ensino”

ISBN: 978-85-99540-20-6

Presidente da Comissão Organizadora e Comitê Científico: Profª. Drª. Marinete Aparecida

Zacharias Rodrigues.

Comissão Organizadora: Bruno Nascimento dos Santos

Carlos Monteiro Alves

Cristiane Maria Barbiero

Denildo de Souza

Elizabeth Vieira Macena

Fabricio Antonio Deffacci

Felipe Silva Vedovoto

Julio Cesar Sarzi

Katia Resende de Assis Machado

Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues.

Rogério da Palma

Roseli da Cunha Sanches

Suzana Arakaki

Valeria Cristina Moreira

Viviane Scalon Fachin

Comitê Científico: Felipe Silva Vedovoto

Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues

Rodrigo Bianchini Cracco

Viviane Scalon Fachin

SOBRE O PROFHISTÓRIA

O Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História é um curso de pós-

graduação stricto sensu oferecido em Rede Nacional sob coordenação da UFRJ. No Mato

Grosso do Sul é sediado pela UEMS através da Unidade Universitária de Amambai. O

programa visa a formação continuada dos professores de História que atuam na Educação

Básica possibilitando o debate entre escola e universidade. Vem propondo a troca de

experiências, a construção coletiva e a discussão sobre o conhecimento histórico,

principalmente no espaço escolar.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA IMAGEM DE DIVULGAÇÃO DO

EVENTO

Escolhemos para a identidade visual desse I Seminário o desenho “Angelus Novus”

(1920) de Paul Klee. Walter Benjamin em “Teses Sobre o Conceito de História” traz uma

reflexão sobre a imagem e nos conduz a questionar as atuações do tempo e do progresso nos

rumos da história e, nesse evento, nas implicações dessas influências na escola.

PROGRAMAÇÃO

Sexta-feira (28/10)

13:30 às 16:30

Projetos de Pesquisa.

(Apresentação das expectativas e objetos de pesquisa dos mestrandos do PROFHISTÓRIA

e discussão com os professores do programa e convidados).

19:00

Abertura Oficial e Apresentação Cultural.

19:30 às 22:30

Palestras

“Do Crescimento ao Progresso – Um Breve Panorama Histórico” – Prof. Dr. Gildo

Magalhães dos Santo Filho (USP).

“A análise do discurso e a pesquisa histórica” - Profª. Drª. Lígia Cristina Carvalho

(UEMS-Cassilândia)

Sábado (29/10)

07:30 às 11:00

Mesa-Redonda: “Percepções acerca do Ensino de História e atuação docente” –

Participação de Diretores de Escolas e Professores de História da Educação Básica.

13:00 as 16:00

Apresentação de Trabalhos Científicos e Debates.

ÍNDICE DE TRABALHOS

1 - ALVES, Carlos Monteiro; SARZI, Julio Cesar; SANTOS, Bruno Nascimento dos;

FACHIN, Viviane Scalon - OLIMPÍADA NACIONAL EM HISTÓRIA DO BRASIL:

EXPERIÊNCIA DE PROFESSORES ORIENTADORES E RECEPÇÃO DOS

ALUNOS..................................................................................................................................08

2 - BARBIERO, Cristiane Maria; SANCHES, Roseli da Cunha; FACHIN, Viviane

Scalon - O USO DE IMAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA: AS REPRESENTAÇÕES DE

DEBRET SOBRE A SOCIEDADE ESCRAVISTA NO BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO

XIX............................................................................................................................................21

3 - MACENA, Elizabeth Vieira; FACHIN, Viviane Scalon - CONCEPÇÃO E PRÁTICA

DE ENSINO DE HISTÓRIA NO PARAGUAI: ESCOLAS PÚBLICAS DE PEDRO JUAN

CABALLERO...........................................................................................................................34

4 - MOREIRA, Valeria Cristina; FACHIN, Viviane Scalon - PRESIDIO ESTADUAL DE

PONTA PORÃ: REFLEXÃO HISTÓRICA SOBRE A REALIDADE DO ENSINO E DO

COTIDIANO............................................................................................................................48

5 - OLIVEIRA, Jaqueline Naiara Coradini de - PESQUISANDO A HISTÓRIA DO

ENSINO DE HISTÓRIA: UM ESTUDO DA ESCOLA ESTADUAL DR. FERNANDO

CORRÊA DA COSTA_AMAMBAI-MS (1993-

2013).........................................................................................................................................54

6 - PÉCLAT, Gláucia - EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E O CAMPO DA AFETIVIDADE

NAS CIÊNCIAS HUMANAS..................................................................................................60

7 - PEREIRA, Stefany Barbosa Rufino - REPRESENTAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA

EM MATO GROSSO DO SUL................................................................................................71

8 - RODRIGUES, Marinete Aparecida Zacharias - FORMAÇÃO DOCENTE EM

ENSINO DE HISTÓRIA E ESTÁGIO CURRICULAR: INCERTEZAS E

LIMITES...................................................................................................................................81

9 - SANTOS, Rosilene Ferreira dos; MACHADO, Katia Resende de Assis - A

RELEVÂNCIA DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE DOS ACADÊMICOS DO

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UEMS DE AMAMBAI.............................................88

10 - SOUZA, Ana Clara Camargo de - MULHERES E MOVIMENTOS SOCIAIS EM

MATO GROSSO DO SUL: CONSQUISTAS E

CONTEXTOS.........................................................................................................................101

11 - SOUZA, Denildo de; FACHIN, Viviane Scalon - UM BALANÇO DAS POLÍTICAS

DE FORMAÇÃO DOCENTE DOS 1990 AOS DIAS

ATUAIS..................................................................................................................................110

12 - VEDOVOTO, Felipe Silva; FACHIN, Viviane Scalon - UM FILME, MUITAS

POSSIBILIDADES: A UTILIZAÇÃO DO LONGA-METRAGEM “KIRIKU E A

FEITICEIRA” (1998) NO ENSINO DE

HISTÓRIA..............................................................................................................................122

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OLIMPÍADA NACIONAL EM HISTÓRIA DO BRASIL: EXPERIÊNCIA DE

PROFESSORES ORIENTADORES E RECEPÇÃO DOS ALUNOS1

Carlos Monteiro Alves

Aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória – da Universidade

Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade de Amambai, bolsista CAPES.

Email: [email protected].

Julio Cesar Sarzi

Aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória – da Universidade

Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade de Amambai.

Email: [email protected].

Bruno Nascimento dos Santos

Aluno do Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHhistória – da Universidade

Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Unidade de Amambai.

Email: [email protected].

Viviane Scalon Fachin

Doutora em História pela UFGD, Professora Efetiva da UEMS e Docente do Mestrado

Profissional em Ensino de História – ProfHhistória (UEMS).

Email: [email protected]

No trabalho que apresentamos aqui o objetivo é em um primeiro instante dar maior

divulgação a Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB); segundo, apresentar as

experiências de três professores que já orientaram equipes nesta competição acadêmica, e por

fim, avaliar os possíveis efeitos desta competição na vida escolar dos alunos participantes.

Para alcançar tais objetivos fizemos uma breve apresentação da competição, logo em seguida

1 Este texto foi elaborado como trabalho final da disciplina História do ensino de História desenvolvida no

Mestrado Profissional em Ensino de História – Profhistória – da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

(UEMS), disciplina essa ministrada pela professora Drª Viviane Scalon Fachin.

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cada professor, autores deste texto, apresentou o que considera positivo e negativo no formato

como tem sido desenvolvida a Olimpíada, e no final do texto é apresentada uma análise do

questionário semiestruturado que aplicamos aos alunos.

PALAVRAS CHAVE: Ensino de História. Olimpíada cientifica. Experiência

O ENSINO DE HISTÓRIA E O MÉTODO

Após receber o diploma de licenciado em História, depois das comemorações de praxe

é provável que a maioria dos recém formados desejem ingressar no mercado de trabalho,

preferencialmente por meio de um concurso público.

Aqueles que conseguirem, com ou sem concurso público, terão que assumir em seus

postos de trabalho o desafio de materializar o conhecimento que a universidade oferece

predominantemente de forma teórica.

No momento de preparação para a primeira aula o jovem professor, diante do

referencial curricular, normalmente desproporcional em relação a quantidade de horas aula,

terá que decidir o que ensinar, como ensinar e voltado para quais objetivos ensinar.

Para alguém que ainda esteja na licenciatura, portanto mais íntimo dos livros do que

da prática em sala de aula, talvez tais questões sejam resolvidas de maneira mais fácil, mas

não se engane, para a maioria dos professores não é. Pense, por exemplo, o quão desafiador é

convencer um aluno do primeiro ano do Ensino Médio, pessoa inserida no mundo das últimas

novidades da tecnologia da comunicação, com acesso a informação de forma instantânea, de

que existe para ele relevância em estudar a revolução neolítica, os sumérios, acádios, entre

outros2, e veja que a questão não é se o professor consegue perceber alguma relevância ou não

no tema proposto, e sim de como o professor pode sensibilizar esse aluno para que perceba a

mesma relevância que ele. Enfim, um desafio para o professor de história é desenvolver

estratégias e/ou procedimentos que aproximem a História, enquanto disciplina escolar, da vida

cotidiana de seus alunos.

2 Esses são conteúdos que o referencial curricular do sistema educacional do Mato Grosso do Sul prevê para

serem trabalhados no primeiro ano do Ensino Médio.

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A História do ensino de História no Brasil é marcada pela predominância do método

tradicional (BITTENCOURT, 2009), que concebe o conhecimento como sendo mecânico e

hierarquizado no qual a universidade é o locus por excelência da produção do conhecimento,

o professor é o receptor e transmissor do que é produzido nas instituições de ensino superior e

aos alunos cabe apenas o papel de receptáculo para um conhecimento que já saiu pronto da

universidade, eles devem repetir a lição tal qual apresentada pelo professor ou pelo livro

didático.

Críticas a tal método existem pelo menos desde o século XIX, porém, ganharam maior

consistência no Brasil na década de 1980 no contexto de redemocratização e das discussões

para o retorno da História enquanto disciplina autônoma à grade escolar, a partir dessas

discussões se consolidou uma perspectiva de condenação ao chamado ensino tradicional que é

válida ainda hoje. O ensino que encontra um fim em si mesmo segundo o qual aprender

História é saber de cor datas e nomes muitas vezes distantes do cotidiano do aluno. O ensino

tradicional não é mais defensável.

O ensino de História deve desconstruir a ideia de que os conteúdos são decorativos, de

que é uma disciplina que fala apenas do passado, deve proporcionar aos alunos instrumentos

teóricos que lhes permitam entender o meio social em que vivem e para isso manter um

diálogo entre o conhecimento formal produzido na academia e o conhecimento de vida dos

alunos é essencial para que se possa produzir novas sínteses.

Durante algum tempo acreditou-se que bastava fazer uso de recursos tecnológicos que

estariam mudando a forma de ensinar, assim as escolas receberam e foram incentivadas a usar

videotecas, salas de tecnologias, retroprojetores, porém, mesmo com tais recursos, a proposta

de superação do modelo tradicional apenas adotou um novo formato, sem superar a

hierarquização dos saberes e sem levar em consideração o papel do docente da Educação

Básica como mediador e não apenas como reprodutor do conhecimento científico articulado

no espaço escolar, com isso queremos destacar observação já feita por Bittencourt [...] os

conteúdos apresentados por meio de recursos tecnológicos sem uma reflexão teórica sobre os

objetivos do ensino correm o risco de continuar sendo pouco significativos para os alunos

(2009, p. 230).

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A Olimpíada Nacional em História do Brasil está inserida nesta busca por formas

alternativas de ensinar História, objetivando torná-la mais atraente e relevante para a vida dos

alunos.

A OLIMPÍADA NACIONAL EM HISTÓRIA DO BRASIL (ONHB): BREVE

HISTÓRICO

A Olimpíada Nacional em História do Brasil é uma competição dentro do âmbito das

olimpíadas científicas ligadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. A

ONHB teve sua primeira edição em 2009 e, desde então, é organizada pelo Departamento de

História da Universidade estadual de Campinas (UNICAMP). As primeiras edições contavam

ainda com a participação do Museu Exploratório de Ciências da UNICAMP. Atualmente, a

competição é organizada apenas por docentes do Departamento de História da UNICAMP e

por estudantes de graduação e pós-graduação da mesma instituição.

Os competidores se organizam em equipes de quatro pessoas de uma mesma escola:

um professor de história e três alunos, que estejam cursando entre o oitavo ano do Ensino

Fundamental ao terceiro ano do Ensino Médio. Um professor pode orientar mais de uma

equipe, mas os estudantes podem participar de apenas uma equipe.

A competição acontece ao longo de seis etapas: cinco online, com uma semana de

duração cada com questões de múltipla escolha e tarefas; mais uma sexta e última etapa

presencial na cidade de Campinas. Durante as etapas, as atividades são resolvidas através da

leitura de diversos documentos comuns ao ofício do historiador, como, por exemplo: textos

escritos dos mais variados tipos, imagens de toda a sorte (pinturas, charges, documentários,

litogravuras etc.), músicas e quaisquer outras fontes pertinentes.

Em todas as etapas os participantes disputam vagas para as fases seguintes com

concorrentes de todo o país, independentemente da região em que a equipe se encontra,

portanto, todas as fases são eliminatórias e com abrangência nacional. Todo ano, em média,

mais de dez mil equipes de escolas públicas e privadas de todos os estados do Brasil se

inscrevem para a competição.

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Isso posto, gostaríamos de chamar a atenção para as possibilidades de trabalhar com a

ONHB como ferramenta útil ao ensino de História na Educação Básica. Como por exemplo,

reforçar a ideia do docente como mediador entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e

estudantes: a organização de equipes e o desenvolvimento das etapas da Olimpíada oportuniza

situações de trocas de ideias entre o professor orientador e os estudantes participantes.

Ainda no que se refere ao desenvolvimento de trabalhos em equipe, a prática da

Olimpíada também favorece ações de inclusão digital, visto que todas as primeiras etapas

acontecem online e como é impossível para o professor orientador desenvolver os trabalhos

da ONHB em sala de aula, o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são

essenciais para o desenvolvimento destas atividades.

Entretanto, a quase obrigatoriedade do uso das TICs também pode ser fator que motive

o afastamento de estudantes participantes, levando em conta as condições materiais de muitos

estudantes pobres e do desaparelhamento de muitas escolas públicas país afora.

Outro elemento elogiável é a abordagem de conceitos importantes para a construção

do conhecimento sobre História que os currículos escolares nem sempre oportunizam. Por

exemplo, na 15ª questão da 8ª edição da ONHB, o tema central é a abolição da escravidão no

município de Mossoró no Rio Grande do Norte. Ao consultar as fontes indicadas pela página

da competição os estudantes são provocados a pensar como a memória acerca da abolição da

escravidão no local é construída politicamente e como esta construção é fator constituinte de

identidades regionais. No caso, o papel do professor orientador é imprescindível à

contextualização de tais informações.

Em se tratando de formação continuada de docentes, desde o ano de 2013, o

departamento de História da UNICAMP oferece cursos aos professores que participaram ou

não da Olimpíada Nacional em História do Brasil. Os temas mudam todo ano. Por exemplo,

em 2014 o curso teve como tema os 50 anos do golpe civil-militar no Brasil. Em 2013, o tema

foi sobre ensino de história e cultura afro-brasileira e da África.

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A EXPERIÊNCIA DE PROFESSORES ORIENTADORES: ASPECTOS

POSITIVOS E NEGATIVOS

A Olimpíada Nacional de História do Brasil (ONHB) guarda uma diferença em relação

a outras competições acadêmicas de maior alcance nacional3. A diferença é a participação

efetiva dos professores, que não precisam ser licenciados obrigatoriamente em História, para

serem orientadores das equipes.

Considerando as tensões presentes no cotidiano dos profissionais de ensino, por

exemplo, o crescente desinteresse dos alunos a cada ano escolar (KARNAL, 2003), o que

motivaria esse profissional, já bastante atarefado, a participar de uma competição que

demandará semanas de intensa dedicação? As percepções dos professores participantes

podem trazer algumas possibilidades de resposta.

O tempo destinado pela organização para a conclusão de cada uma das primeiras cinco

etapas da ONHB é de seis dias, período relativamente curto para a quantidade de análises,

estudos suplementares e discussão entre professores e alunos. Tal intensidade afasta alguns

possíveis candidatos da competição, tanto professores quanto alunos, que em sua rotina já

contam com diversos afazeres.

Entre professores que aceitaram o desafio, destacam-se os seguintes aspectos positivos

da competição: a) o contato do docente com novas abordagens, novos recortes e conteúdo que

não são contemplados pelos programas oficiais; b) a oportunidade de realizar a leitura –

problematizada a partir das demandas das questões propostas – de artigos científicos,

dissertações e teses, o que atualiza o professor em relação às produções acadêmicas; c) o

trabalho embasado em princípios teóricos e metodológicos da História e d) a concentração dos

temas na História do Brasil.

3 A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) contou, na edição de 2016, 17.829.424

alunos inscritos. A 5ª edição da Olimpíada de Língua Portuguesa (2016) inscreveu a 81.265 professores, no total

de 170.235 turmas de estudantes em escolas públicas. A ONHB, neste mesmo ano, iniciou a primeira fase com

42,7 mil inscritos. Cabe ressaltar que na Olimpíada de Língua Portuguesa que participa são os professores que

inscrevem suas turmas para a produção de textos de gêneros literários distintos.

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Concentremo-nos no primeiro aspecto. Diante das questões propostas pela ONHB, os

membros das equipes podem se confrontar com assuntos pouco abordados pelo ensino de

História desenvolvido nas salas de aula. Por hora, concentremo-nos na edição de 2016, a

oitava. A quinta questão da primeira fase apresenta o trecho da dissertação de mestrado de

Lara Castro Ferreira, de 2009. Muitos puderam por meio dela conhecer a política pública de

isolamento dos flagelados da seca de 1915 no Ceará. “Uma das políticas das Obras Novas era

a construção de frentes de trabalho no interior” (FERREIRA, 2009), para afastar os retirantes

da cidade de Fortaleza. Todavia, é provável que muitos tenham ficado surpresos ao saber que

campos de concentração foram construídos com a mesma finalidade, com a justificativa de

preservar “a higiene e a moralidade” da sociedade fortalezense. A seca de 1915, o tratamento

dispensado aos retirantes, quantos professores e estudantes de história conhecem estes

acontecimentos e seu contexto? Acreditando que no contexto do Brasil como um todo, poucos

conheçam, vemos na divulgação da produção científica um ponto positivo da olimpíada. Junto

a essa mesma questão, há o link para a dissertação de mestrado que trata sobre o tema, dado

importante para aqueles que desejarem se aprofundar no tema. Enfim, o conhecimento é

construído conjuntamente por professores e alunos, as hierarquias ainda fortemente

estabelecidas nas salas de aula perdem força. A equipe, orientador e participantes, precisam

encontrar a melhor resposta para os (novos?) problemas.

Cabe agora destacar alguns aspectos negativos da ONHB, também apontados pelos

professores. Os pontos negativos, embora mínimos se comparados aos positivos, são

importantes para que se tenha uma visão mais objetiva da ONHB.

Recordemos que o tempo estipulado para o preenchimento de toda a etapa, com suas

questões e tarefas, é de seis dias. Não nos esqueçamos que o cumprimento do planejamento

do ano escolar e de seus currículos independe da competição, os professores ouvidos para a

escritura deste texto ao mesmo tempo que orientavam equipes na Olimpíada Nacional em

História do Brasil ministravam aulas regularmente na educação básica. Nossos alunos, e nós,

professores, muitas vezes temos todo o turno preenchido por aulas. Portanto, resta-nos

desenvolver as atividades referentes à olimpíada fora do horário de aulas. Esta condição é

ponto complicador no momento de atrair, para a competição, novos participantes, e mesmo

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alguns antigos. O grau de comprometimento exigido de todos é alto e muitos, simplesmente,

não podem ou não estão dispostos a realizar tal esforço.

Para execução de atividades no período contrário ao destinado as aulas é preciso

auxílio da coordenação pedagógica e da direção do colégio já que é preciso para o trabalho

das equipes espaço físico, computadores, rede de internet e projetores. Considerando a

possibilidade de conseguir estes materiais – o que pode ser difícil, dependendo dos recursos

materiais disponíveis na escola – esbarraremos naquilo que deveria ser o meio facilitador: a

qualidade (ruim) da comunicação pela internet, tanto das equipes quanto do sistema da

ONHB4.

Entendemos que, considerados os pontos positivos e negativos levantados durante a

participação de professores nas mais recentes edições da ONHB, o saldo é positivo. Os

professores durantes as reuniões com os alunos conseguem estreitar os laços com os discentes

o que proporciona ao docente um conhecimento melhor do “[...] universo sociocultural

específico do educando, sua maneira de falar, seus valores, suas aspirações” (PINSKY &

PINSKY, 2003). A ONHB, ao proporcionar aquisição de conhecimento que vai muito além

da informação tão exaustivamente e facilmente encontrada na internet, colabora com o ensino

da História ao aproximar a disciplina da realidade vivida pelos alunos, por estimular o

pensamento crítico e valores democráticos.

A RECEPÇÃO DOS ALUNOS PARTICIPANTES QUANTO A

METODOLOGIA DE ENSINO PROPOSTA PELA OLIMPÍADA

Optamos por escrever este texto conjuntamente por que tínhamos experiência em

orientar equipe na ONHB e em nossas conversas percebemos que tínhamos mais elogios que

criticas a esta olimpíada cientifica, porém nos faltava ouvir o outro lado, o dos alunos, pois

4 É difícil realizar o registro dos problemas causados pelo fornecimento de internet por parte das operadoras aos

participantes. Contudo, o sistema da olimpíada sofreu com instabilidades durante a 2ª fase da edição de 2015,

obrigando a comissão organizadora a prorrogar o prazo. Disponível em:

<http://www.olimpiadadehistoria.com.br/7-olimpiada/blog/novidade/696-

Comunicado_oficial_sobre_a_instabilidade_no_site_e_a_Tarefa> Acesso em: 14 novembro 2016.

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qualquer professor de educação básica sabe que discordâncias entre docentes e discentes não é

incomum.

Como se trata de uma olimpíada voltada para estudantes ela só teria razão de continuar

existindo se conquistasse a adesão dos estudantes. A seguir apresentamos a análise de

questionários aplicados à alunos de três cidades5 que participaram de pelo menos uma edição

da ONHB.

A História Antes Da Olimpíada

A bibliografia especializada à exemplo de Nadai (1993), reconhece que o ensino de

história enfrenta um problema sério por não conseguir despertar interesse nos alunos, nesse

sentido nosso interesse nesta parte do texto foi saber se a olimpíada despertou interesse nos

alunos participantes ou esses, antes da participação, já se interessavam pela disciplina.

A maioria dos alunos manifestou já ser interessado pela disciplina de história e

aproveitaram para criticar alguns aspectos de seu ensino tradicional, por exemplo: a

generalização, a falta de vinculação entre as aulas e a vida cotidiana, falta de interesse de

alguns temas ensinados.

Os mesmos alunos elogiaram a Olimpíada como um espaço que permite, em certa

medida, corrigir essas deficiências do ensino regular ao permitir o conhecimento de novas

vias de interpretação da história e mesmo se aprofundar em outras.

A ONHB por mais que receba elogios entusiasmados, dos quais trataremos adiante,

não conseguiu mudar de maneira drástica a natureza da relação dos alunos com a disciplina de

História.

Um dos entrevistados admitiu que não tinha muito interesse pelas aulas de história

antes da olimpíada, participou de uma edição da olimpíada, fez elogios a mesma, porém,

quando questionado se gostaria de participar de uma nova edição da olimpíada sua resposta

5 Amambai, MS; Itaquiraí,MS; Campo Grande, MS.

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foi não, portanto, este aluno, aparentemente, não passou a admirar a História após participar

da competição.

Muitos elogios e algumas críticas

Uma questão de nosso questionário pedia especificamente que os alunos apontassem

dois elogios e duas críticas a ONHB, as respostas apresentadas dão dicas importantes para

perceber o que os alunos consideram que torna a ONHB mais interessante, assim surgiram as

seguintes questões elogiadas: o foco na história do Brasil, a diversidade de temas abordados, o

uso de fontes primárias, a possibilidade de estudar conteúdos que não são vistos na educação

básica e a possibilidade de aprofundar outros, trabalhar em equipe, a estruturação das questões

cujas respostas apresentam alternativas com maior e menor pontuação. Explicando este último

ponto com uma questão de exemplo.

“O texto a seguir é um trecho da obra autobiográfica “Quarto de Despejo – Diário de

uma favelada” (1960), de Carolina Maria de Jesus, escritora negra que o produziu entre os

anos 1950 e 1960. Ela era moradora da favela Canindé, em São Paulo.

Documento

Quarto de despejo

(...) Chegaram novas pessoas para a favela. Estão esfarrapadas, andar curvado e os olhos fitos

no solo como se pensasse na sua desdita por residir num lugar sem atração."

Uma interpretação possível do texto de Carolina Maria de Jesus é:

Conteúdos relacionados

Link "Leia Quarto de despejo"

Endereço:

https://onedrive.live.com/redir?resid=983CEC4E1D9466F!737&authkey=!AIYwejBeOmAvu

EY&ithint=file%2cpdf

Link "Tirando de letra"

Endereço: https://www.youtube.com/watch?v=v6v4jJhPnj8

Alternativas

A. Descreve a chegada de novos moradores na favela do Canindé e a situação de precariedade

social que os aguardava naquela vida, já conhecida pela escritora.

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B. As metáforas dos desempregados como corvos, dos pobres às margens e da cidade como

sala de visitas dão o tom lírico ao texto e revelam uma estética também “marginal” criada pela

escritora.

C. O movimento da contracultura no Brasil foi responsável pelas poucas importância e

circulação da obra de Carolina Maria de Jesus na década de 1960.

D. A metáfora do quarto de despejo remete a um lugar que abriga os elementos indesejáveis

que não se quer visíveis na sala de visitas, ou seja, na cidade.

O gabarito para essa questão tem as seguintes pontuações: Resposta A, 1 ponto;

resposta B, 4 pontos; resposta C, 0 ponto; resposta D, 5 pontos. Como professores, vemos

com bons olhos tal metodologia por apresentar como alternativa afirmações analíticas (opção

D) e afirmações descritivas (opção A), ambas são verdadeiros, porém, apenas uma (opção D)

condiz com a resposta fruto de uma análise orientada pela metodologia histórica.

Todos elogiaram, porém, nem todos criticaram, e das críticas apontadas destacamos as

seguintes: Pouca divulgação, divulgação do gabarito de todas as fases apenas ao final da 5ª

fase, falta de uma ferramenta de comunicação entre as equipes das várias escolas

participantes, impossibilidade de participar após o ensino médio, o site às vezes sai do ar.

MUDANÇAS NO PENSAMENTO DOS ALUNOS OCASIONADAS PELA

ONHB

Ao questionar se o fato de ter participado da ONHB teria mudado seu pensamento em

relação a história as respostas dão uma dica do potencial da Olimpíada para dar um novo

significado a relevância da história na vida dos alunos, os sentimentos manifestos variam

entre perceber na prática como se desenvolve o trabalho dos historiadores e assim

compreender melhor a sociedade. Alguns insistentemente argumentam que a ONHB mostrou

o quão importante é conhecer a história para que possamos evitar no presente os erros do

passado, as argumentações nesse sentido indicam a persistência da ideia da história mestra da

vida, questão essa que a historiografia, ao que tudo indica já superou. A maioria aponta que a

olimpíada aumentou seu interesse por História. Dos dezesseis questionários avaliados apenas

em três encontramos respostas nas quais disseram que o fato de ter participado da ONHB não

mudou em nada sua forma de pensar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Olimpíada Nacional em História do Brasil se mostra como uma experiência

interessante para o ensino de História, todos os alunos que responderam aos nossos

questionários fizeram elogios à olimpíada embora nem todos se digam apaixonados pela

disciplina.

Mesmo que positiva em alguns aspectos ela se mostra limitada em outros, como por

exemplo: para o professor de educação básica desenvolver aulas de forma parecida com a

apresentada na ONHB ele precisaria de um acervo documental significativo o que não é fácil

de conseguir especialmente para professores do interior brasileiro e também pelo fato da

olimpíada não ter se mostrado capaz de atrair alunos que já apresentavam rejeição a

disciplina, meta que acreditamos deva ser a de toda aula da educação básica, a maioria dos

alunos que ouvimos disseram que aula de História já lhes despertava interesse.

Entretanto, as afirmações aqui apresentadas são limitadas pois estão embasadas apenas

nas experiências dos professores autores deste texto e dos alunos que participaram de alguma

edição da olimpíada de História, o ideal seria tentar compreender as mesmas questões que

pretendemos aqui, porém, com uma amostragem de professores e alunos maior.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3ª Ed. São

Paulo: Cortez, 2009. 408 p.

______, Circe. Senso Crítico se ensina. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de

Janeiro, n. 120, p 44-49, set. 2015. Entrevista concedida a Nashla Dahás.

______. (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997. 175 p.

(Repensando o ensino)

BOURDIEU, Pierre. Compreender. IN: BOURDIEU, Pierre (coord.). A miséria do mundo.

7ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 722 p.

FERREIRA, Lara V. de Castro. Enxadas e compassos: seca, ciência e trabalho no sertão

cearense (1915-1919), Salvador: Dissertação de Mestrado, 2009.

20

FONSECA, Thais Nivia de Lima e. História e ensino de História. Belo Horizonte:

Autentica, 2003. 120 p. (História e reflexões)

KARNAL, Leandro. Introdução. In: _____ (org.). História na sala de aula: conceitos,

práticas e propostas. 5ª Ed, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008. 216 p.

MICELI, Paulo. IN: PINSKY, Jaime. O ensino da História e a criação do fato. 9. ed. São

Paulo: Contexto, 2001.

NADAI, Elza. O ensino de História no Brasil: trajetórias e perspectivas. Revista brasileira

de história. São Paulo. Set.92/ago.93, v.13, nº 25/26. PP. 143-162.

PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bessanezi. O que e como ensinar: com uma história

prazerosa a consequente. In: KARNAL, Leandro (Org). História na sala de aula. São Paulo:

Contexto, 2008. 216p.

21

O USO DE IMAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA: AS REPRESENTAÇÕES DE

DEBRET SOBRE A SOCIEDADE ESCRAVISTA NO BRASIL DO INÍCIO DO

SÉCULO XIX.

Cristiane Maria Barbiero

Graduada em História (UNIPAR), Mestranda do PROFHISTÓRIA (UEMS,U.U. Amambai).

E-mail: [email protected]

Roseli da Cunha Sanches

Graduada em História e Ciências Sociais (UEMS), Mestranda do PROFHISTÓRIA (UEMS,

U.U. Amambai). Bolsista da CAPES. E-mail: [email protected]

Viviane Scalon Fachin

Doutora em História pela UFGD, Professora Efetiva da UEMS e Docente do

PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai). E- mail: [email protected]

O uso de imagens tem sido um dos instrumentos mais utilizados pelos professores de História

como meio de romper a rotina em sala de aula e aproximar o aluno a representações de um

passado histórico. Ao apresentar uma imagem ao aluno, este pode relacioná-la ao

conhecimento que já possui, tornando mais fácil a compreensão do conteúdo trabalhado, além

de tornar mais visível o processo de mudanças e permanências, tão caro na História. Tendo

como panorama o século XIX, após a Abertura dos Portos (1808) e a grande visitação de

estrangeiros ao Brasil, movidos pela curiosidade científica, observação e estranhamento

diante de uma sociedade e natureza até então muito peculiares, uma variedade de

representações foram criadas acerca do Brasil. Tomando como ponto de partida as obras

produzidas por Jean Baptiste Debret, este trabalho tem como objetivo refletir sobre como a

sociedade escravista brasileira no início do século XIX foi retratada em sua obra Viagem

Pitoresca e Histórica ao Brasil. Debret esteve no Brasil entre os anos de 1816 e 1831. O seu

principal objetivo era produzir uma imagem diferente do Brasil, retratado como um país ao

estilo europeu, diferente de outros artistas que haviam retratado o país como um lugar exótico.

Na sala de aula, as imagens desse período podem ser utilizadas para discutir as relações

22

sociais desenvolvidas no Império, a diversidade de ocupações dos escravos, as desigualdades

e o cotidiano.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino. História. Escravidão.

Cada vez mais professores têm utilizado iconografias em sala de aula para melhorar o

aprendizado do aluno, através do livro ou outros recursos didáticos. As imagens facilitam a

compreensão, pois permitem ao aluno relacionar aquilo que já sabe, contextualizando o

conteúdo trabalhado e ainda possibilita a visualização do processo de mudança e

permanência, dimensão esta valiosa para o aprendizado de História e que nem sempre é

assimilada somente com textos.

O uso de imagens enriquece o processo de aprendizado, visto que elas servem para

proporcionar aos alunos melhor entendimento sobre experiências passadas, tornando mais

concretos os assuntos abordados, constituindo metodologia muito importante para ajudar a

desenvolver a percepção histórica dos alunos.

Este artigo é fruto das discussões realizadas na disciplina de História do Ensino de

História, no Mestrado Profissional em Ensino de História – ProfHistória – e também das

contribuições do “I Seminário de História, Ensino e Pesquisa do ProfHistória”, realizado na

UEMS/Amambai, no ano de 2016, organizado pelo mestrandos e corpo docente do mesmo.

Desse modo, este trabalho tem por objetivo refletir sobre a importância do uso de imagens

para o ensino de História nos anos finais do Ensino Fundamental, apresentando uma

possibilidade de trabalho para ser desenvolvida nos anos citados. Tendo em vista a

obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Afro-brasileira, este trabalho constitui

também uma possibilidade para a implementação da Lei 10.639/03 na sala de aula.

Importante apontar também, que as imagens utilizadas em sala de aula não devem

apenas reforçar aquilo que já está no livro didático, devem acrescentar novas informações,

instigando a curiosidade e, assim, o gosto pelo aprendizado.

23

Segundo Peter Burke, uma vantagem particular do testemunho de imagens é a de que

elas comunicam rápida e claramente os detalhes de um processo complexo, o que um texto

leva muito mais tempo para descrever e de forma mais vaga. (2004, p. 101).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) também destacam a importância dos

recursos iconográficos para o aprendizado de História, pois segundo o documento, espera-se

que o aluno do Ensino Fundamental seja capaz de “dominar procedimentos de pesquisa

escolar e de produção de texto, aprendendo a observar e colher informações de diferentes

paisagens e registros escritos, iconográficos, sonoros e materiais.” (Ensino Fundamental,

História, p. 43).

É importante ressaltar que o uso de imagens deve servir como complemento para um

determinado assunto histórico, pois elas não respondem por si só e não são neutras. O uso de

imagens requer alguns cuidados, tais como: a escolha da imagem adequada, contextualização

do período de produção desta e do fato retratado, pois algumas, apesar de retratar um

determinado período, foram produzidas em outro contexto ou representam apenas “parte” do

evento e olhar crítico do professor de modo que possa conduzir a análise da maneira

adequada, evitando, por exemplo, julgar determinadas situações com os valores de outra

época.

As imagens escolhidas por nós e apresentadas neste trabalho compõem uma proposta

de trabalho a ser desenvolvida nas aulas de História nos Anos Finais do Ensino Fundamental.

As ilustrações para análise junto aos alunos são do pintor francês Jean Baptiste Debret, que

retratou a sociedade escravista brasileira no início do século XIX em sua obra intitulada

Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Um dos objetivos aqui pretendidos é destacar sempre

o papel do negro, tendo como ponto de partida, a visão do artista. As imagens trazem

ideologias de quem as criou, como é o caso de Debret que foi contratado para retratar um

Brasil de acordo com o desejo da coroa portuguesa.

As imagens devem ser sempre submetidas a uma minuciosa análise, portanto, é

imprescindível o acompanhamento do professor para que o aluno não apenas observe as

imagens, mas que as analise criticamente e problematize-as, buscando além daquilo que se

24

observa, pois as imagens podem muito bem nos revelar ou esconder algo sobre um dado

momento ou fato histórico.

Acerca desse cuidado que se deve ter com a escolha das imagens, Brodbeck (2012,

p.36) afirma que: “As gravuras podem ilustrar o texto, ampliar as informações como também

trazer informações do lugar do texto”.

O contexto em estudo é a fuga da família real portuguesa ao Brasil em 1808.

Ameaçados pelas tropas napoleônicas por não ter aderido ao Bloqueio Continental, D. João e

sua corte se instalam por tempo indeterminado no Brasil, dando início a uma série de

mudanças políticas, econômicas e culturais.

Entre as mudanças culturais está a vinda, a partir de 1816, da Missão Artística

Francesa ao Brasil, precedido pela Abertura dos Portos às Nações Amigas (1808), eventos que

atraíram a atenção da Europa para o Brasil. Jean Baptiste Debret fazia parte desse grupo,

assim como Nicolas Antoine Taunay. Anteriormente, muitos artistas haviam retratado nosso

país, como o holandês Albert Eckhout no século XVII. As belezas naturais atraíam artistas e

cientistas, que retratavam sempre nosso país do ponto de vista exótico e selvagem.

A principal tarefa dos artistas franceses era desfazer essa visão que se tinha na Europa.

Segundo Silva (2001, p.15), os trabalhos feitos para a família real portuguesa funcionavam

como divulgadores da imagem que o império queria imortalizar ou cristalizar, qual seja, a de

um Império civilizado e culto nos moldes europeus. Embora segundo Norbert Elias “não há

nada que possa ser feito de forma civilizada ou incivilizada”. (1993, p. 23). O imperador

procurou, por meio da Missão Artística Francesa, apresentar o Brasil como um país

progressista, civilizado, retratado através da arte moderna.

Debret permaneceu no Brasil entre os anos de 1816 a 1831. Ao retornar para a Europa,

publicou três volumes da obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil nos anos 1834, 1835 e

1839. Entretanto, a importância da sua obra só passou a ser reconhecida no Brasil a partir dos

anos 1930, em grande parte devido ao uso de uma gravura de sua autoria (Um jantar

brasileiro, 1827), para ilustrar Casa Grande e Senzala, escrito por Gilberto Freyre nesse

período.

25

Em sua obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, um dos aspectos que mais

recebem destaque é o da sociedade escravista: o negro é retratado na maioria das obras de

Debret, embora não fosse essa a sua tarefa, pois segundo Emília Maria Ferreira da Silva

(2001, p. 32), parte da elite preferia não chamar atenção para a escravidão à base do chicote e

de péssimas condições de vida.

Assim, as imagens apresentadas a seguir, trazem alguns aspectos da sociedade

escravista brasileira do século XIX, especialmente sobre o negro, suas ocupações e

representações acerca destes, cotidiano, desigualdades, a tentativa de branqueamento e os

castigos físicos aplicados aos escravos. Tais elementos poderão ser melhores analisados na

sala de aula, pois em suas imagens, fica evidente a tentativa de retratar os personagens, que

são colocados em evidência sobre a paisagem e a arquitetura.

Figura 1: “Mercado da Rua Valongo”

1Fonte: Página da Globo.com

1 Disponível em: http://oglobo.globo.com. Acesso em 01 de fevereiro de 2017

26

Ao trabalhar imagens com alunos é importante deixá-los fazerem suas próprias

análises por meio de suas observações, acrescentando é claro, as que se fizerem necessárias.

Na figura 1 podemos observar um dos mercados de escravos mais famosos do Rio de

Janeiro, o da Rua Valongo. Podemos analisar vários aspectos como a magreza dos negros,

refletindo a difícil viagem da África ao Brasil nos navios negreiros. Podem ser discutidos com

os alunos também, quais aspectos eram considerados importantes na compra de um escravo e

quais eram considerados mais valiosos.

Podemos perceber em parte das obras de Debret, uma valorização maior do mulato

com relação ao negro, em uma tentativa de branqueamento da população. Em algumas

pinturas, mulatos são representados bem vestidos, dando assim a ideia de que eram tratados

com maior importância que os negros por seus senhores. Como pode ser observado na figura

2:

Figura 2: “Um funcionário a passeio com sua família”

2Fonte: Blog arteehistoriabrasil

2 Disponível em: http://arteehistoriabrasil.blogspot.com.br/2012/11/0-false-18-pt-18-pt-0-0-false-

false_17.html.Acesso em 01 de fevereiro de 2017.

27

Nesta imagem, Debret também retrata as relações familiares que se estabeleciam no

Brasil do início do século XIX. A figura do chefe da família, representado pelo funcionário

público branco, é muito representativa da sociedade patriarcal, na qual era o homem quem

comandava. A fila indiana, que se forma atrás dele também tem muito a dizer: pela cena é

possível observar que os filhos seguem logo após o pai, por ordem de idade; em seguida a

mãe, grávida; atrás, a sua criada mulata, muito mais bem vestida que as negras, o que, de

certo modo, dá a entender que os mulatos gozavam de maior prestígio social que os negros.

Aqui é interessante que o professor explore com os alunos como as ideias do Racismo

Científico3 divulgadas na Europa foram recebidas no Brasil do século XIX e como elas

serviram para prolongar o fim da escravidão e condenar as práticas sociais e culturais dos

negros mesmo após a abolição.

Na maior parte de suas obras, Debret destaca o negro em sua função maior, a de servir

aos seus senhores. Algo que parece extremamente natural tanto para ao artista, quanto para

aquela sociedade retratada por ele. Isso fica evidente nas figuras 3 e 4:

3 De acordo com Santos (2002, p.55), a Biologia tornou-se, no século XIX, a chave mestra para a compreensão

da ideia de raça e passou a fornecer os elementos para o racismo científico. Os estudos feitos pelo naturalista

inglês Charles Darwin, foram transplantados para as ciências humanas, resultando no Evolucionismo Social,

Antropometria, Determinismo Biológico e Geográfico, conhecidos como Racismo Científico, justamente por

terem fundamentos nas ciências da época.

28

Figura 3: “O jantar”

4Fonte: Página da Biblioteca Brasiliana

Nesta cena, apesar de Debret ter se preocupado em descrever como era um jantar no

Brasil, não deixou passar despercebidas as relações estabelecidas entre o casal e entre eles e

os seus serviçais. Assim, é possível observar os negros, já adultos, de prontidão para atendê-

los, como abaná-los do forte calor e insetos. E em uma tentativa de demonstrar caridade e

afeição, a senhora branca oferece comida às crianças negras que brincam próximas à mesa do

jantar.

A sinhá se diverte com as crianças negras, fato que chamou a atenção de Debret, pois

mesmo aos cinco ou seis anos, eram tratados como pequenos animais de estimação, jogando-

lhes comida à beira da mesa, enquanto o esposo se alimenta. Após ultrapassar essa idade,

eram entregues para serem “domadas no chicote” e tinham que disputar com animais os restos

vindos da mesa ou roubar frutas do jardim do seu senhorio, fato que, segundo Debret,

provocaria uma raiva genuína dos escravos (DEBRET, 1954, p.39).

4 Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br. Acesso em 01 de fevereiro de 2017

29

Podemos discutir com os alunos, o quanto o sentimento de superioridade dos brancos

era usado para justificar a condição de tornar negros africanos em escravos e o quanto era

natural para aquela sociedade, o uso deles nas mais diversas funções, desde as mulheres nos

afazeres domésticos, até o árduo trabalho de homens e mulheres na lavoura.

Figura 4: “O Regresso de um proprietário”

5Fonte: Site Iba Mendes

Nessa outra obra, um senhor regressa à sua propriedade carregado pelos seus escravos.

Algo bastante significativo se levarmos em conta que foram justamente os escravos que

carregaram nos ombros, por quase quatro séculos a economia do nosso país.

Podemos explorar desta obra também, questões sobre as tecnologias da época, como a

não existência de veículos motorizados, obrigando os negros a transportar seu senhor em uma

rede.

A simplicidade das vestimentas dos escravos indica que não gozavam de prestígio

junto ao seu senhor, diferente da condição de muitos mulatos, como outrora já foi comentado.

Os castigos físicos não poderiam ficar de fora das pinturas de Debret, afinal, se sua

missão como artista era retratar a sociedade brasileira do início do século XIX, não tinha

5 Disponível em: http://www.ibamendes.com. Acesso em 01 de fevereiro de 2017.

30

como deixar de fora as punições frequentemente recebidas pelos escravos. Provavelmente por

ser um pintor contratado pelo governo, ele tenha destacado de forma mais branda o drama dos

escravos quando eram penalizados. Mesmo assim, podemos explorar bastante a questão das

punições em suas obras, como constantes nas figuras 5 e 6:

Figura 5: “Execução do castigo de açoite”

6Fonte: Página Negro Mídia Educação

Um dos aspectos que mais chamam a atenção na imagem é o fato de um negro açoitar

outro, o que para os alunos pode parecer inadmissível. Podemos então discutir as

possibilidades, como o negro que executa o castigo ser um provável feitor, pois muitos

escravos gozavam de mais privilégios que outros por terem a confiança de seu senhor. Outra

possibilidade é a de que seria um escravo sendo forçado a açoitar um companheiro, visto que

um dos pilares de sustentação da escravidão foi justamente a desumanização do escravo,

impedido de ter vontades próprias.

Outros aspectos importantes relacionados à diversidade de castigos físicos podem ser

abordados como o uso do tronco e a humilhação pela qual passavam ao serem punidos

6 Disponível em: http://negromidiaeducacao.xpg.uol.com.br . Acesso em 01 de fevereiro de 2017.

31

publicamente, além de outros castigos que eram aplicados, como na cena apresentada na

figura 6.

Figura 6: “Feitores castigando negros”

7Fonte: Página Mundo Educação

Um escravo amarrado pelas pernas e braços é açoitado covardemente por um feitor.

Esta é uma daquelas imagens capazes de nos fazer refletir hoje sobre o quão doloroso fora o

processo de escravidão no Brasil. É importante deixar claro para os alunos que a escravidão

era, naquela época, um processo naturalizado e, portanto, aceito socialmente. Desse modo, a

exploração, a desumanização e os castigos impostos aos escravos não provocavam a

indignação que provocam nos dias atuais.

Quando falamos sobre a escravidão em sala de aula, muitos alunos não percebem as

dificuldades enfrentadas no cotidiano dos escravos, como as péssimas condições de moradia,

de trabalho, alimentação, vestuário, os castigos físicos, além do fato de terem que se tornarem

submissos a um senhor e que tais situações não eram aceitas pacificamente pelos escravos,

7Disponível em: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br. Acesso em 01 de fevereiro de 2017

32

que se rebelavam de diversas formas, sendo que as fugas eram as formas mais comum de

resistência à escravidão.

Muitos alunos têm dificuldade em compreender a dimensão e as consequências desse

processo para o nosso país. Além disso, é importante que compreendam também que o negro

africano não nasceu na condição de escravo.

Embora escravidão já existisse desde os tempos antigos, as condições eram outras: de

modo geral, a situação de escravidão ocorria por causa das inúmeras guerras (escravidão por

guerra) ou devido às dívidas (escravidão por dívida). Mesmo na África já havia escravidão

nas condições citadas anteriormente, contudo, a chamada escravidão moderna, na qual o

negro passa a ser objeto de exploração comercial (tráfico/compra/venda) aparece no contexto

da expansão marítima europeia se intensificando com a chegada e colonização dos europeus

ao Novo Mundo.

O estudo de tais questões podem levar os alunos a refletirem sobre as mudanças e

permanências da nossa história, pois como Braudel dizia, “a história é a soma de todas as

histórias possíveis, uma coleção de misteres e de pontos de vista, de ontem, de hoje, de

amanhã. (2005, pg. 53). Assim, o uso dessas imagens pode promover uma reflexão mais

profunda sobre essas páginas dolorosas da nossa história, sobre a importância da cultura afro-

brasileira como parte formadora da nossa sociedade e do negro nesse processo e não apenas

enquanto escravo, mas sim como sujeito histórico, devendo ser valorizadas sua cultura,

intelectualidade e história, que começa muito antes da escravização e que continua após o fim

desta.

Em sala de aula, as imagens desse período podem ser utilizadas para discutir as

relações sociais desenvolvidas no Brasil Império, a diversidade de ocupações dos escravos, as

desigualdades e o cotidiano, permitindo conduzir as discussões de modo a compreender a

história dos negros para além da escravidão.

33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

BRODBECK, M.S.L. Vivenciando a história: metodologia de ensino da história. Curitiba:

Base Editorial, 2012.

BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004.

DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. 1 Ed. Belo Horizonte:

Itatiaia. 1954. Volume 2.

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador (vol. 2). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, Ensino Fundamental, História, 1998.

Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.

SANTOS, G.A. A Invenção do Ser Negro. São Paulo: EDUC/ FAPESP/Pallas, 2002

SILVA, E. M. F. da - Representações da Sociedade Escravista Brasileira na Viagem

Pitoresca e Histórica ao Brasil, De Jean Baptiste Debret. 2001. 135 f.. Dissertação

(Mestrado em História Social) - Universidade Federal da Bahia. Salvador. 2001.

Imagens

CAZES, L. Reedição de livro traz reflexões de Debret sobre a sociedade brasileira: Francês

revela observação aguda da vida social no século XIX. Globo.com.08/08/2016. Disponível

em: < http://oglobo.globo.com/cultura/livros/reedicao-de-livro-traz-reflexoes-de-debret-sobre-

sociedade-brasileira-19459920> Acessado em: 01/02/ 2017

VIÉGAS, J.A. Debret: uma viagem ao tempo do Brasil imperial. Disponível em: <

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Acessado em 01 de fevereiro de 2017.

SITE DA BIBLIOTECA BRASILIANA. “O Jantar”. Disponível em: <

http://www.brasiliana.usp.br/bitstream/handle/1918/624520055/006245-2_IMAGEM_055.jpg

> Acessado em 01 de fevereiro de 2017

SITE IBA MENDES. "Execução do Castigo de Açoite". Disponível em:

<http://www.ibamendes.com/2012/05/historia-do-brasil-atraves-da-arte-de.html>. Acessado

em 01 de fevereiro de 2017.

SITE MUNDO EDUCAÇÃO. “Feitores castigando negros”. Disponível em:

<http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/upload/conteudo/debret-castigo-de-escravo.jpg>

Acessado em 01 de fevereiro de 2017

34

CONCEPÇÃO E PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA NO PARAGUAI: ESCOLAS

PÚBLICAS DE PEDRO JUAN CABALLERO

Elizabeth Vieira Macena

Mestranda do Profhistória e bolsista Capes (UEMS U.U. Amambai).

E-mail: [email protected]

Viviane Scalon Fachin

Doutora em História pela UFGD, Professora Efetiva da UEMS e Docente do

PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai). E- mail: [email protected]

O objetivo dessa pesquisa foi identificar e analisar as características do ensino de História no

Paraguai, tomando como referência as escolas da cidade de Pedro Juan Caballero. A pesquisa

foi dividida em revisão bibliográfica e entrevistas realizadas com professores de História de

escolas de Pedro Juan Caballero. Analisamos a Ley General de Educación do Paraguay

número 1264/1998 para compreender a estrutura e a organização do ensino nas redes públicas

e privadas do país, examinamos o Programa de estudos para a área de História do terceiro

ciclo da educação básica correspondente ao 7°, 8° e 9° anos o qual apresenta os conteúdos, a

metodologia e as formas de avaliação. Elaboramos um roteiro para entrevista com os

professores as questões abordaram os objetivos e finalidades do estudo de História, as

metodologias e materiais didáticos adotados. A disciplina de História não é autônoma na

educação básica, nas três aulas semanais de quarenta e cinco minutos, os docentes trabalham

os conteúdos de Geografia. No currículo oficial predomina a História do Paraguai e da

América, sendo finalidades da disciplina situar os educandos no tempo e espaço. O ensino de

História possui como finalidades a compreensão e análise da realidade dos discentes

paraguaios. São utilizados diversos materiais didáticos: como filmes, livros, mapas e outros; a

metodologia inclui atividades em grupo e individual. Uma dificuldade apontada para o

trabalho está relacionada à formação dos professores, visto que, não possuem formação

específica para lecionar História.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino; Paraguai; História.

35

INTRODUÇÃO

O presente artigo foi produzido para atender à disciplina de História do Ensino de

História, ministrada no mestrado profissional de História na Universidade Estadual de Mato

Grosso do Sul. O objetivo principal desse estudo foi identificar e analisar as características do

ensino de História no Paraguai tomando como referência as escolas da cidade de Pedro Juan

Caballero e entendemos que existem limites, pois, não pretendemos tomar nossas informações

como sendo homogêneas em todo o país.

O trabalho foi dividido em duas etapas: revisão bibliográfica e pesquisa de campo; por

meio de entrevista com professores de História das escolas paraguaias da cidade de Pedro

Juan Caballero. Percebemos durante o processo de busca de bibliografias que existe uma

escassez de pesquisas no que tange ao ensino de História, alguns historiadores paraguaios

afirmam não existir financiamento para o desenvolvimento de pesquisas nesta área. Para

tanto, analisamos a Ley General de Educación do Paraguay número 1264/1998 para

compreender a estrutura e a organização do ensino nas redes públicas e privadas do país,

buscamos examinar o Programa de estudos para a área de História do terceiro ciclo da

educação básica que corresponde ao 7°, 8° e 9° grado, o qual apresenta os conteúdos, a

metodologia e as formas de avaliação.

Elaboramos um roteiro estruturado para entrevista com os professores contendo

questões que abordavam os objetivos e finalidades do estudo de História no terceiro ciclo, as

metodologias e materiais didáticos adotados por esses profissionais. Questionamos sobre as

principais dificuldades encontradas pelos docentes para ministrar a disciplina. Com base nos

procedimentos desenvolvidos, podemos verificar que a História não é uma disciplina

autônoma na educação básica, pois nas três aulas semanais nas quais está distribuída, os

docentes trabalham os conteúdos de Geografia. No currículo oficial existe um predomínio da

História do Paraguai e da América, sendo as finalidades da disciplina situar os educandos no

tempo e no espaço, porque as disciplinas são conjuntas, a História teria como objetivo formar

pessoas, capazes de fazer análises críticas de sua realidade. De acordo com os professores, nas

aulas é utilizada uma diversidade de materiais didáticos, tais como: filmes, livros, mapas e

outros, a metodologia inclui atividades em grupo e visitas a sítios históricos. Essa

36

metodologia tem o intuito de atrair a atenção dos discentes que, segundo os professores

entrevistados, demostram pouco interesse pela disciplina, outra dificuldade apontada para o

trabalho está relacionada à formação dos professores, pois verificamos que a maior parte dos

mesmos, não tem formação especifica para lecionar História. Possuem uma formação geral

em Pedagogia e uma especialização em Ciências sociais.

LEI GERAL DE EDUCAÇÃO DO PARAGUAY- NÚMERO 1264/98

Iniciemos nossa revisão bibliográfica com a análise da Ley general de educación do

Paraguay – Poder legislativo ley número 1264/1998, para podermos compreender como está

definida a estrutura e regulamentada a organização do ensino nas redes públicas e privadas do

país. A educação formal estrutura-se em três níveis; o primeiro corresponde à educação

inicial, a educação básica escolar, o segundo nível a educação média e o terceiro nível ao

ensino superior.

A educação inicial, ou pré-primária não é obrigatória e suas modalidades

correspondem a três etapas: a) jardim maternal que recebe crianças de zero a dois anos, b)

jardim infantil para grupos de alunos de três aos quatro anos; c) pré-escolar atende aos

meninos e meninas de cinco anos. Já a educação básica é composta por três ciclos que

abrangem nove anos de ensino obrigatório e gratuito para a faixa etária dos seis aos quatorzes

anos. O primeiro ciclo é composto pelos 1°, 2°e 3° graus, segundo ciclo pelos 4°, 5° e 6°

graus e o terceiro ciclo por 7°, 8° e 9° graus. Esses ciclos são organizados por áreas de caráter

global e integrados. A definição das áreas e seus conteúdos são determinados e revisados

periodicamente pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC/PY).

O Título n.º 7, da lei 1264/98 versa sobre o regime escolar e o Capítulo n.º 1,

determina que o ano letivo tenha o mínimo de duzentos dias úteis de aulas, com quatro horas

diárias de aulas, excetuando-se desse cômputo os dias dos exames.

Ainda neste Título, no Capítulo n.º 2 fica estabelecido que o MEC/PY tem

competência para definir as diretrizes curriculares, ou seja, um currículo mínimo a nível

nacional, levando em consideração as particularidades de cada comunidade.

37

PROGRAMA DE ESTUDOS: CURRÍCULO OFICIAL PARAGUAIO

Para compreendermos melhor o funcionamento do ensino de História no Paraguai,

analisamos o Programa de estudo, trata-se de um referencial curricular nacional para o ensino

no país. Procuramos focar na parte do referencial sobre a finalidade do ensino de História, nos

conteúdos que devem ser trabalhados nas aulas e nas sugestões de metodologias.

Esse documento oficial produzido pelo governo paraguaio busca atender ao conceito

de currículo existente na Lei 1264/98:

[...] se entiende por currículo el conjunto de los objetivos, contenidos, métodos pedagógicos y criterios de evaluación de cada uno de los niveles, etapas, ciclos, grados y modalidades del sistema educativo nacional, que regulan la práctica docente (Artículo 11).

Podemos inferir que é um currículo formal, ou como explica Ivor Goodson (1995), um

currículo pré-ativo, aquele construído pelo Estado, porém, nas salas de aula das diversas

escolas do país o que ocorre realmente é o chamado currículo real, ou interativo, aquele que

os professores juntamente com seus alunos constroem no cotidiano das aulas.

O Programa de estudo define os conteúdos mínimos a serem trabalhados pelos

docentes, as metodologias e recursos adequados, além de trazer um texto sobre as formas de

avaliação e seus diversos instrumentos que podem ser utilizados pelos professores na sua

prática diária. No programa fica evidente que o professor pode incluir novas temáticas que

achar necessário, desde que não substitua nos programas, ou atribua menos relevância a

proposta curricular. Como vemos abaixo:

La carga horaria de tres horas semanales permite que el docente incluya el tratamiento de otras capacidades y/o temas que considere pertinentes al interior de la unidad temática,siempre y cuando no reemplace los establecidos en el programa o les otorgue menor relevancia curricular.Programa de estudo Mec/ História e Geografia (Programa de Estudio, 2014, p.51).

Nesse Programa alguns objetivos do ensino de História e Geografia são evidenciados,

como o estudo da História partir do presente, são as interrogações feitas no presente que

levam os historiadores a olhar o passado, na busca de respostas para suas inquietações, porém,

esse olhar não se resume simplesmente nessa busca de informações para serem entendidas

como um mito de origem de determinados eventos. Na fundamentação do Programa de estudo

para a disciplina, estudar a História consiste num instrumento importante para interpretar a

38

realidade, contribuindo para a construção da cidadania entre os educandos.

Neste referencial curricular paraguaio a História como afirma Bittencourt tem como

objetivos “[...] a formação da cidadania, associada mais explicitamente à do cidadão político.

Nesse sentido é que se encontra, em inúmeras propostas curriculares, a afirmação de que a

História deve contribuir para a formação do cidadão crítico [...]” (2009, p.121). Portanto, a

História é ensinada numa perspectiva de instrumento de transformação da sociedade, ou seja,

o papel do ensino de História seria a formação de uma cidadania crítica, onde os estudantes

terão meios para interferir na sua realidade.

O referencial também deixa claro que não é objetivo da História e da Geografia no

terceiro ciclo a formação de historiadores e geógrafos, ideia essa referendada pelo historiador

Andre Segal (1948, p.103, apud BITTENCOURT, 2012, p. 20), que enfatiza ser necessário

distinguir os objetivos do ensino de História para os níveis fundamentais e médios a do ensino

superior que formam professores e historiadores. No fundamental visa à formação de homens

e mulheres comuns, que estão imersos num cotidiano contraditório e o ensino de História é

fundamental para refletir sobre essa sociedade. Os conceitos de tempo e espaço são

fundamentais para perceber as rupturas e permanências ocorridas no seu meio e assim

perceber-se como sujeito histórico (BITTENCOURT, 2012, p.20).

Ao analisarmos os conteúdos propostos para o terceiro ciclo observamos que existe

um predomínio do estudo da História do Paraguai e da América, com pouquíssimo destaque

para a chamada História Mundial. No 7° ano estudam-se alguns temas referentes à Pré-

história e as primeiras civilizações e na sequência introduz os conteúdos sobre os processos

históricos do Paraguai e América nos séculos XVI e XVII, portanto, abordando a chegada dos

europeus no continente e a colonização. Enquanto no 8° ano analisam os processos históricos

ocorridos entre os séculos XVIII e XIX, que configuraram a realidade paraguaia e americana,

com destaque para as lutas de independências nas Américas e a organização dos primeiros

governos. Já no 9° ano estuda-se a história contemporânea do Paraguai e América a partir do

século XX até o XXI, neste ano escolar observamos alguns assuntos que escapam ao contexto

latino americano como as duas grandes guerras e os governos totalitários, porém, seu estudo

deve estabelecer laços com o país e o continente.

39

Constatamos que o Programa de Estudos paraguaio propõe um currículo de Geografia

e História que procura atender, ao mesmo tempo, o nacional e o regional, o que nos leva a

afirmação de Bittencourt:

As propostas de um ensino de história regional estão relacionadas ás políticas econômicas que objetivam fazer frente á hegemonia do imperialismo americano ou constituir uma forma de resistência á globalização. Uma dessas formas de resistência tem sido o desenvolvimento de organizações regionais no âmbito econômico-politico (2009, p.163).

A construção de um currículo no qual predominam os conteúdos da História paraguaia

e americana atende, portanto, a proposta educativa do Mercado Comum Do Sul

(MERCOSUL)1 que buscar estabelecer intercâmbio e integração mais sólidos entre os países

participantes. Percebemos que existe nesse Programa de Estudo uma tendência ao

fortalecimento da identidade nacional, uma valorização do patriotismo num contexto de

integração regional. Notamos que esse programa organiza o tempo de maneira linear, porém,

observamos pouca influência eurocêntrica e uma tentativa de romper com a divisão

tradicional do ensino de História em Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. No

entanto, enfatiza as guerras e ações dos governos, com pouco espaço para as questões sociais

e outros aspectos relevantes para uma história que busca formar um cidadão crítico de sua

realidade.

Para Bittencourt, “[...] a manutenção de uma disciplina escolar no currículo deve-se a

articulação com os grandes objetivos da sociedade” (2012, p.17). No Brasil a permanência da

História visão a formação da cidadania, compreendida no contexto do Estado democrático

como cidadão político, aquele que possui direito ao voto. Para Magalhães, na sua análise dos

Parâmetros Curriculares Nacionais de História- PCNs, afirma “[...] o ensino de História

favorece a formação do estudante como cidadão, no sentido de ter uma atitude crítica diante

da realidade” (2003,P.176). Portanto, o conceito de cidadão como novo paradigma do ensino

de História tem um sentido amplo articulando-se com as nossas experiências tantos nos

espaços sociais e políticos.

1 Bloco formado pelos países da América do Sul que tem por objetivos consolidar a integração política, econômica e social das nações que o integram. www.mercosul.gov.br

40

O ENSINO DE HISTÓRIA NAS ESCOLAS DE PEDRO JUAN CABALHERO

Como docente de História e moradora da fronteira, sempre nutri certa curiosidade

sobre o ensino de História no Paraguai e foi no decorrer das discussões da disciplina de

História do Ensino de História2 do Programa de Mestrado em Ensino de História

(Profhistória) que surgiu a oportunidade de desenvolver a pesquisa sobre as características do

ensino desta disciplina na país vizinho.

Para desenvolver esse trabalho adotamos como metodologia a entrevista com

professores que ministram a disciplina de História nas escolas paraguaias de Pedro Juan

Caballero, cidade que faz fronteira com Ponta Porã, Mato Grosso do Sul. Após, uma breve

revisão bibliografia elaboramos um questionário com treze questões que versam sobre a

prática e a concepção de ensino de História no Paraguai, optamos por entrevistar somente os

professores, sem assistir as suas aulas, ou mesmo analisar o material didático utilizado nas

classes.

Elaboramos um questionário com treze perguntas, mas sob a orientação da professora

da disciplina, selecionamos apenas seis. Para isso procuramos optar por questões que nos

apresentasse um panorama geral do trabalho cotidiano dos professores nas suas salas. Como

por exemplo, os recursos usados nas aulas, os desafios do ensino de História, a sua relação

com o currículo oficial e a opinião dos docentes sobre a falta de autonomia da disciplina de

História. A escolha dessas questões reflete as preocupações comuns dos docentes da

disciplina.

1- Qual a finalidade do ensino da História no 3° ciclo da Educação Básica?

2- No Paraguai existe um currículo básico nacional comum para o ensino de História? Em sua

opinião esse currículo contempla as problemáticas essências desta disciplina?

3- Que tipo de metodologia didática procura utilizar nas suas aulas para despertar o interesse

de seus alunos?

2 Disciplina ministrada pela Profª Dra Viviane Scalon Fachin.

41

4- Quais os materiais e recursos didáticos os docentes paraguaios costumam usar durante as

aulas? O celular é um instrumento permitido nas classes?

5- Em sua opinião quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos professores no ensino de

História?

6- No Paraguai as disciplinas de História e Geografia, na educação básica, são conjuntas, isso

permite que desenvolva o conhecimento histórico de maneira satisfatório?

Entrevistamos três professoras que lecionam História e Geografia no terceiro ciclo da

Educação Básica na rede pública, identificadas no texto apenas com as iniciais de seus nomes.

Mantivemos contatos com as seguintes escolas: CRE- Centro Regional De Educacion Doutor

Juan Peña, Escuela Básica n° 710, Don Carlos Antonio López e Colegio Nacional Generación

de La Paz.

De acordo com Bittencourt é comum os docentes e estudantes responderem sobre as

finalidades, ou o porquê de estudar a História com a frase: Estuda-se o passado para

compreender o presente e projetar o futuro. Essa foi uma das respostas que recebemos ao

indagarmos uma de nossas entrevistadas. A afirmativa, apesar de bastante conhecida, nos

proporcionou uma interessante reflexão. Como indica Caio César Boshi: “[...] a História serve

para que o homem conheça a si mesmo, assim como suas afinidades e diferenças em relação

aos outros. Saber quem somos permite definir para onde vamos” (2007, p.12). A História é

um conhecimento vivo, dinâmico e atual. O homem ao lançar seu olhar sobre o passado

procura compreender interrogações de seu tempo presente, as experiências passadas

apresentam possibilidades de projetar, ou imaginar um futuro. A História constitui-se num

instrumento de transformação da sociedade, um conhecimento que gera inquietações na

humanidade. Essa ciência ao olhar para o passado oferece aos homens a oportunidade de obter

um visão abrangente sobre o seu presente, podendo ser instrumento de manutenção de um

poder dominante ou mesmo apresentar-se um importante aliado na transformação social,

política e econômica da sociedade.

As outras professoras responderam a questão afirmando que a disciplina tem por

42

objetivo analisar e compreender os processos históricos que configuram a realidade de seus

alunos, nessa perspectiva, a História busca a formação de indivíduos reflexivos que

compreendam o mundo no qual estão inseridos.

As docentes paraguaias não mencionaram em nenhum momento como objetivos da

História a constituição de identidades, ou mesmo a formação da cidadania. Entretanto, suas

respostas registraram palavras como: compreender, analisar e transformar a realidade na qual

os discentes estão inseridos. Notamos uma concepção de História como um instrumento de

transformação social. Também se destacou o nacionalismo paraguaio. Foi enfatizado que é

necessário situar os estudantes no tempo e espaço, para desta forma, proceder à análise dos

processos históricos. Ao ler essas respostas nos indagamos se essa análise ficaria restrita ao

espaço da sala de aula, ou escaparia aos muros da escola, para assim, propor a formação

crítica de indivíduos comuns da sociedade paraguaia, de cidadão que além de compreender e

analisar a sua história tenha a capacidade de intervir no seu espaço de convívio.

Assim, disciplina de História tem um papel eminentemente político e ativo, “La

finalidad es que los alumnos alcancen las capacidades necesarias para poder analisar,

compreender y valorar la Historia” (A.R.). A opinião traduz esse conhecimento escolar como

relevante para o aluno perceber-se como agente social capaz de transformar a sua realidade.

Quando questionadas sobre existência de um currículo nacional comum as

professoras, responderam de modo positivo em relação sua relevância, pois em suas opiniões,

atende adequadamente as necessidades ou interesses de seus estudantes do 3°ciclo.

As docentes não apresentaram qualquer insatisfação com o fato do currículo ser

produzido pelo Estado, por ser um currículo oficial, que poderia de certa forma, representar os

interesses de um grupo dominante no poder. Não fizeram referências à página 51 do Programa

de estudos, que a nosso ver deixa evidente a possibilidade de incluir outras temáticas de

estudo, desde que os assuntos não apresentem maior relevância que os selecionados no

documento governamental.

Nesse texto percebemos claramente a função oficial de determinar a qual passado o

43

cidadão paraguaio tem direito, conforme podemos observar “[...] permite al docente incluya el

tratamento de otras capacidades y/o temas que considere pertinentes al interior de la unidad

temática, siempre y cuando no reemplace los estabelecidos en el programa o les otorgue

menor relevância curricular (2014, p.51), o que nos permite referendar nossa interpretação.

Um dos grandes desafios dos professores da educação básica consiste em adotar uma

metodologia de trabalho que desperte a atenção dos adolescentes para o estudo da História,

uma disciplina vista como decorativa e restrita ao passado, num contexto social de “[...]

presente contínuo”, como afirma o historiador Eric Hobsbawm (2001, p.13). O jovem de hoje

vive a sensação de aceleração constante do tempo, tudo tornou-se descartável, inclusive o

passado. Para lecionar para esses alunos as docentes paraguaias listaram algumas estratégias

de trabalhos consideradas eficientes no seu cotidiano, tais como atividades em grupo, pois,

permite a socialização da turma e exercícios individuais. Jogos e concursos de conhecimento

são bastante atrativos por estimular a competição entre os jovens, afirmaram. Também são

comuns entre elas as visitas a lugares históricos, porque como nos informou uma docente, a

cidade de Pedro Juan Caballero oferece sítios históricos importantes sobre a Guerra da

Tríplice Aliança como o Parque do Cerro Corá, distante poucos quilômetros da cidade.

Entretanto, as professoras foram enfáticas ao dizer que suas turmas adoram aulas na qual se

insere o uso das tecnologias como filmes, ou pesquisas na internet.

Para atender essa metodologia diferenciada, as professoras buscam uma variedade de

recursos. O tradicional livro didático é bastante usado para dar subsídio às aulas, porém são os

recursos tecnológicos que costumam ser mais atrativos para os jovens do terceiro ciclo. Por

isso, durante as aulas, são projetados filmes e documentários, ou solicitado o levantamento de

dados na internet sobre os assuntos trabalhados nas classes. O celular, de acordo com as

professoras, se tornou um grande aliado nas aulas, porque muitas escolas não oferecem uma

infraestrutura adequada, como salas de vídeo, data show, ou rede de internet, porém, o seu uso

é direcionado para que os alunos não percam o foco acessando redes sociais.

De acordo com as professoras entrevistadas, uma das maiores dificuldades

encontradas no trabalho docente hoje em Pedro Juan, consiste na falta de materiais didáticos

adequados para as aulas, o MEC/PY não disponibiliza para as escolas recursos, os

44

profissionais devem comprar das editoras, os livros para ministrar suas aulas, ou produzir

apostilas xerocopiadas que são distribuídas aos alunos. No Paraguai, diferentemente do Brasil,

não existe um programa nacional de distribuição de livros didáticos, apesar de enfatizarem

que os livros didáticos são apenas um subsídio, as docentes paraguaias alegaram que seu

trabalho torna-se difícil devido à ausência de materiais cedidos pelo MEC/PY.

A falta de interesse dos alunos também é relatada como um obstáculo, porque os

adolescentes consideram a História entediante e muito presa ao estudo do passado e assim,

não estabelecendo ligações com seu presente. Como enfatiza a professora: “En muchos casos

el desinteres de los estudiantes hacia la Historia (G.I.).

Somente a professora O.V. considerou como um inconveniente o docente de Ciencias

Sociales ministrar inúmeras disciplinas como História, Geografia, Ética, Sociologia e até

mesmo Filosofia, porque esse profissional tem pouco tempo para preparar suas aulas, mas

devido à necessidade financeira muitos docentes submetem-se a essa rotina. Em nenhum

momento foi considerado o fato deste professor não possuir uma formação específica para

lecionar tantas disciplinas e tão diversas.

As disciplinas de História e Geografia são ministradas em conjunto no Paraguai, por

um professor, que geralmente é formado em Pedagogia e fez uma especialização em Ciencias

Sociales, a cidade de Pedro Juan não conta com faculdades de História, até onde investigamos

apenas em Assunção existem dois cursos de formação de professores de História. Diante desta

informação perguntamos às docentes se seria possível ministrar essas duas ciências de

maneira satisfatória e todas as respostas obtidas foram de consenso ao enfatizar as facilidades

de desenvolver os conhecimentos históricos unidos ao estudo da Geografia. Podemos

confirmar essa informação com a resposta obtida,

Si es factible desenvolver el conocimiento histórico unido al estúdio de la Geografia, pues todo hecho protagonizado por el ser humano a lo largo del tiempo, tuvo su desarrollo em um espacio geográfico, estol leva a comprender algunas situaciones y decisiones de los protagonistas de hechos históricos considerando la influencia del ambiente (O.V.).

Portanto, seria mais prático e fácil ministrar as aulas em conjunto porque toda ação

humana desenvolve-se ao longo do tempo e do espaço. O estudo da Geografia é responsável

45

por localizar e descrever o local do evento histórico.

Essa mesma fusão da História e Geografia na disciplina de Estudos Sociais ocorreu no

Brasil com a instalação do Regime Militar em 1964. De acordo com Fonseca, a finalidade

básica dos Estudos Sociais era “[...] ajustar o aluno ao seu meio, preparando-o para a

“convivência cooperativa” e para as suas futuras responsabilidades como cidadão, no sentido

do “cumprimento dos deveres básicos para com a comunidade, o Estado e a Nação”

(FONSECA, 2011, p.58)”. O ensino de Estudos Sociais como podemos observar não possuía

objetivos de refletir sobre a história, era voltado a “[...] formação de cidadãos dóceis,

obedientes e ordeiros...” (NADAI, 1993, p. 158), servindo desta maneira de instrumento

político para consolidar o governo autoritário.

Todavia, com a crise do Regime Militar em inúmeros Estados brasileiros apresentaram

novas propostas curriculares, como por exemplo, a restauração da autonomia das disciplinas

de História e Geografia. Segundo Fonseca, “propunha um ensino de História voltado para a

análise crítica da sociedade brasileira, reconhecendo seus conflitos e abrindo espaço para as

classes menos favorecidos como sujeitos da História” (FONSECA, 2011, p.60).

Diferentemente do que ocorreu no Brasil que buscou a independência das duas

ciências, as professoras entrevistadas estavam em consonância sobre as vantagens da

manutenção da união das disciplinas.

Conseguimos perceber com este trabalho algumas características do ensino de História

na cidade de Pedro Juan Caballero, como a função da disciplina, como formadora de um

cidadão participativo que compreende a realidade do ambiente no qual vive e se movimenta.

Podemos observar os contratempos de um profissional, que para ter uma vida digna, submete-

se a uma rotina desgastante, lecionar várias disciplinas diferentes com uma especialização em

Ciências Sociais, percebemos problemas como a infraestrutura e a carência de materiais

didáticos adequados. Esse conjunto de fatores parece angustiar os colegas de profissão,

independente do país, assim como a desmotivação pelo aprendizado dos conteúdos de

História, um dos principais problemas enfrentados por esses docentes para ministrar aulas

para jovens que estão constantemente ligados nas novas tecnologias e veem a disciplina de

46

História como algo maçante, estritamente teórica e restrita a um passado morto e acabado.

Entretanto, esse mesmo professor procura selecionar inovações tecnológicas e metodológicas

para conquistar esses adolescentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como proposta de estudo, conhecer as características do ensino de

História no Paraguai tomando como referência a cidade de Pedro Juan Caballero, na fronteira

com Ponta Porã. Para alcançar os objetivos analisamos a Ley geral de Educación 1264/1998

que estabelece que a educação formal divide-se em três níveis correspondentes a educação

pré-escolar, a educação básica, média e superior. E o nível de educação básica está

organizado em ciclos.

Analisamos o Programa de estudos do Ministério de Educação e Cultura que

determina para todo o país um currículo mínimo oficial de ensino. Nesse documento constam

os objetivos, conteúdos, métodos pedagógicos e formas de avaliação de aprendizagem. As

disciplinas de História e Geografia são ministradas em conjunto contando com três aulas

semanais, enfatizam-se os conteúdos geográficos e históricos relacionados ao Paraguai e

América.

As docentes paraguaias não mencionaram insatisfação com a ausência de autonomia

da História como disciplina escolar. Revelaram ser mais fácil explicar os eventos históricos

partindo da localização geográfica e da descrição dos aspectos ambientais.

De acordo com as professoras a História tem como finalidade principal, situar os

alunos no tempo e espaço, para que desta forma, ele possa compreender e analisar as

transformações que ocorrem em sua realidade. Parte-se da ideia de uma História dinâmica,

ativa e transformadora, que visa à formação de um cidadão crítico.

Em termos de metodologia e seleção de materiais didáticos percebemos uma opção

por um ensino tradicional que talvez possa ser compreendido por uma carência de

infraestrutura adequada as aulas.

47

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERUTTI, F.; MARQUES, A. Ensinar e aprender História. Belo Horizonte: RHJ, 2009.

BITTENCOURT, C. Capitalismo e cidadania nas atuais propostas curriculares de História. In: ______(Org.). O saber histórico na sala de aula. 11.ed.São Paulo:Contexto,2009,p.11-27.

______.Ensino de História fundamentos e métodos.3.ed.São Paulo:Cortez,2009.

BOSCHI, C.C. Por que estudar a História? São Paulo: Ática, 2007.

FONSECA, T. N. L. e. História & Ensino de História. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.

GOODSON, Ivor F. Currículo: Teoria e história. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p.17- 28.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. SP: Companhia das Letras, 2001. p. 13.

MAGALHÃES, M. História e Cidadania: por que ensinar história hoje? In: ABREU, M e SOIHET. R. (org.). Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.

NADAI Elza. O ensino de História no Brasil: trajetórias e perspectivas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.13, n.25/26, p. 163-174, set. 92/ ago.93.

PARAGUAY - LEY GENERAL DE EDUCACIÓN. Poder Legislativo. Ley nº 1264, Asunción 26 de mayo de 1998. Ministério de Educación y Cultura. Acesso em 14 Outubro 2016.

______. MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN E CULTURA. Programa de estúdio. Área Historia e Geografía. 7º, 8° e 9° grado. Disponível em http://www.mec.gov.py/cms/recursos/9065 Acesso em 13 de Outubro de 2016.

48

PRESÍDIO ESTADUAL DE PONTA PORÃ: REFLEXÃO HISTÓRICA SOBRE A

REALIDADE DO ENSINO E DO COTIDIANO

Valeria Cristina Moreira

Mestranda do PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai)

E-mail: [email protected]

Viviane Scalon Fachin

Doutora em História pela UFGD, Professora Efetiva da UEMS e Docente do

PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai). E- mail: [email protected]

O artigo traz uma reflexão sobre a realidade vivida dentro da cadeia, especificamente no

presidio masculino de Ponta Porã, unidade penal Ricardo Brandão e o acompanhamento do

cotidiano vivido pelos detentos por meio das informações obtidas em sala de aula, na

disciplina de História. Destaca-se a não citação dos nomes dos envolvidos no processo de

pesquisa para preservar as identidades dos reeducandos. Analisamos a vida e a comunidade

carcerária e a inserção de um novo contexto de vida. As linguagens utilizadas na cadeia, o

modo como se vive e se aprende e, sobretudo o papel da escola, no processo de

ressocialização do preso condenado, seus sentimentos e expectativas.

PALAVRAS-CHAVE: Prisão; Cotidiano; Linguagens; educação.

Dentre todas as memórias as piores devem ser as memórias conturbadas de dentro de

uma prisão. Algo que de primeira rejeitamos automaticamente de nossos pensamentos. Para

muitos, algo inimaginável, distante de suas realidades, porém, não há como não dizer, ser essa

realidade um dos percalços da vida aos quais todos, de um jeito ou de outro, poderão estar

sujeitos. Uma realidade distinta, lúgubre e incômoda, vergonhosa, obscura, rebuscada,

abstrata. Prisão é algo associado a escuridão, caos, inferno, decadência, maldição, desde os

49

mais imemoráveis e remotos tempos. Ao longo de alguns anos de trabalho como professora

no Sistema Prisional de Mato Grosso do Sul, pude observar de perto essa realidade e após o

ingresso no Programa de Mestrado Profhistória, abriu-se uma boa oportunidade para refletir

um pouco mais a respeito dessa questão, sobretudo na disciplina de Historia do Ensino

de História. Uma das características dessa disciplina é o estudo das demandas sociais,

logo não havia como ser diferente.

O ato de aprisionar deve ter nascido com a humanidade, visto ser esse espécime

animal o único a ter o hábito de aprisionar o seu igual. Segundo Foucault (2004, p.260)

a prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos.

A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Presídios superlotados é

uma realidade banal aos olhos do falido sistema carcerário. Opressão, corrupção e falta de

estrutura básica é outro fator recorrente no sistema. A ideia de privação de liberdade imposta

às pessoas transgressoras das leis criadas pela sociedade formal remete-nos a algo que pode

ser visto como corretiva ou a solução de problemas criminais em curto prazo, uma resposta

aos apelos sociais. Mas ao se observar o cotidiano na cadeia de forma mais apurada o que se

encontra é um universo totalmente distinto, algo que se distancia gritantemente das

prerrogativas correcionais intentadas pelo sistema judicial e carcerário. Por meio desse modo

de observação nota-se que mesmo com escolas funcionando dentro do sistema prisional, a

ressocialização é algo distante e quase inalcançável diante da dura realidade vivida no

universo das cadeias.

O sistema educa seus detentos de maneira inadequada. Celas cheias criam um

ambiente desfavorável às medidas de pseudorressocialização. Forma-se naturalmente uma

nova sociedade. Uma sociedade informal e bastante complexa, existente apenas dentro das

unidades penais, com costumes, linguagens e leis próprias. Leis diferentes das leis formais

conhecidas e estabelecidas, ou seja, com legitimidade jurídica. Usa-se um discurso dentro do

sistema judiciário de não só se punir o crime em si, mas também dar ao detento a

oportunidade de reparar seu crime e de ser reintegrado à sociedade da maneira mais adequada

possível. Estruturalmente esse discurso não passaria de algo utópico e sem

consubstancialidade, uma vez que o próprio sistema não cria condições para se fundamentar

50

tal realidade. Partindo de um principio histórico, muitos teóricos da história defendem que por

muitas décadas imperou a ideia de que a prisão poderia ser um meio capaz de realizar todas as

finalidades da pena, ou seja, reabilitar o delinquente. Segundo Foucault (2004, p. 2) eles não

sancionam os mesmos crimes, não punem o mesmo gênero de delinquentes. Mas definem

bem, cada um deles, certo estilo penal. Ainda Foucault (2004, p.3) entende que:

A punição vai se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando

varias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da

consciência abstrata; sua eficácia e atribuída a sua fatalidade não a sua

intensidade visível; a certeza de ser punido e que deve se desviar o homem do crime

e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição

muda às engrenagens.

Olhando por essa perspectiva podemos chegar à conclusão de que após séculos de

punição supliciosa (tortura corporal) agora, temos uma nova modalidade que é a tortura

mental e porque não dizer, social?

No caso especifico de Ponta Porã, temos algumas distinções, primeiro porque não

estamos falando de um presídio de segurança máxima, o que muda muito a cena a ser

analisada quando nos referimos ao cotidiano, segundo porque a

“clientela” atendida pratica em sua maioria o crime de tráfico de drogas. No geral estamos

falando de caminhoneiros que apesar de carregarem algumas toneladas de drogas ilícitas

(maconha, cocaína, pasta-base e seus derivados), geralmente, ou na grande maioria dos

casos, são mulas1. Mulas caras na verdade, mas mulas. Raros são os casos de se encontrar os

donos da droga atrás das grades.

Essas mulas, quando passam a condição de detentos se veem dentro de uma estrutura

totalmente alheia ao seu modo de vida, uma vez que em sua grande maioria são réus

primários 2 e, portanto são obrigados a se ajustar ao sistema e a nova sociedade da qual

passam a fazer parte. Segundo relato de um aluno que se encontra nesse sistema, o único lugar

em que o detento pode estar seguro, é dentro de sua própria pele.

1 Quando falamos em tráfico de drogas, o termo “mula” se refere ao indivíduo que transporta drogas ilícitas em

troca de pagamento, geralmente para outros países, ou seja, não são os proprietários da mesma. 2 Segundo dados colhidos dentro da unidade prisional Ricardo Brandão, 62% dos casos são de réus primários

13% de réus secundários e 25% já consideram a prisão como ossos do oficio, ou seja, já pagaram pena mais de

três vezes ao longo da vida.

51

Dentro do presídio o que domina são as regras da comunidade carcerária, regras

criadas dentro dos X como são chamadas as celas e que foram estabelecidas para preservar

a integridade do grupo. As regras ali impostas são cumpridas com todo o rigor, entre eles o

crime não prescreve e ladrão não se cria. Quitar suas dividas, respeitar a visita alheia, não

roubar ou tocar em objetos alheios, não cobiçar a mulher do próximo, ser solidário e,

sobretudo nunca delatar um dos companheiros fazem parte das regras consensuadas. Todas

essas práticas dignificam o homem privado de sua liberdade e trazem certo ordenamento

dentro da comunidade encarcerada. Outro fator importante se refere a palavra

dada, na sociedade do crime não se assinam documentos, as pessoas não lidam com papel, só

a palavra bastam, como um código de honra que nos remete à Idade Media. A punição é

certeira e implacável aos que não cumprem o que foi dito, não existe perdão e tão pouco

misericórdia.

Sobre o aspecto educacional devemos observar que o Plano Estadual de Educação no

Sistema Prisional do Estado de Mato Grosso do Sul é elaborado de forma conjunta entre a

Secretaria de Estado da Educação (SED) e a Secretaria de Estado da Justiça e

Cidadania (SEJUS), com a participação ampla de representantes dos diversos segmentos

sociais, em reuniões e encontros anuais na sede da AGEPEN na cidade de Campo Grande

sempre antes de se dar inicio ao novo ano letivo. Tem por objetivo a garantia da escolarização

básica, no nível fundamental e médio, na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA)

e a educação profissional às pessoas em privação de liberdade, no Sistema Penitenciário do

Estado do Mato Grosso do Sul. Partindo do ponto de vista legal, a Lei de Execução Penal,

Lei nº 7.210, instituída em 11 de julho de 1984, garante proteção ao preso quando define, no

13 artigo 10, seção 1, capítulo 2: “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,

objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Entre as

modalidades de assistência citadas na referida lei a serem desenvolvidas com o preso, tem-se,

no artigo 11, a educacional, que referenda: “a instrução escolar e a formação profissional do

preso e do internado”. Para dar operacionalidade ao texto da lei, o Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária, por meio da Resolução nº 14, em 11 de novembro de 1994,

editou as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, fruto de decisões tomadas

em Congressos internacionais sobre justiça penal. Esse texto, no seu capítulo XII, aborda as

52

instruções e assistência educacional, definindo o seguinte: Art. 8. A assistência educacional

compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso. Art. 39. O ensino

profissional será ministrado em nível de iniciação e de aperfeiçoamento técnico. Art. 40. A

instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não a possuam.

Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios e compulsórios para os

analfabetos. Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca organizada com

livros de conteúdo informativo, educativo e recreativo, adequado à formação cultural,

profissional e espiritual do preso. Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso

por correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina e da segurança

do estabelecimento. Dentro da unidade penal Ricardo Brandão em Ponta Porã no Estado de

Mato Grosso do Sul, busca-se ao máximo o cumprimento da lei, porém existem certas

limitações com relação ao espaço físico e falta de segurança, sobretudo falta de pessoal (

agentes penitenciários) para que a mesma seja executada em sua totalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realidade da sala de aula os códigos são bem claros e precisos, o professor é visto

com respeito e autoridade. Pessoa de confiança da casa e dos detentos, ocupando uma posição

chave no processo de ressocialização. Porém apesar de todo o aparato legal, não é tão simples

assim se trabalhar num ambiente tão complexo, no qual os olhos falam por si e a palavra não

dita tem mais som, a comunicação é velada, os olhos estão permanentemente atentos a sinais

incompreendidos àqueles que não fazem parte desse universo. Com os sentidos todos

sempre em alerta. O processo de ensino dentro desse contexto se torna único, nada

convencional, os interesses pelos assuntos abordados são mais intensos. Existe uma

necessidade de saber, de aprender, de forma a esquecer, nem que seja só por algumas horas, o

universo carcerário. A sala de aula se mostra como uma fuga, um descanso, um fechar de

olhos para pálpebras cansadas. Ali, naquele ambiente de concentração e estudo há um

despertar de consciência que, se bem trabalhado, pode possibilitar a ressocialização do

indivíduo privado de liberdade. Muitos são os que pretendem continuar os estudos fora da

cadeia. Porém, quando são libertados do presidio esbarram com enorme carga de

preconceito proveniente dos estabelecimentos escolares convencionais. Analisando com mais

53

apuro conclui-se que temos o envolvimento de questões internas que restringem o papel social

da educação, que é cumprido dentro das unidades carcerárias, porém escapa por entre os

dedos quando o interno sai do presídio de sistema fechado para a rua, para a vida em

sociedade. Daí a necessidade de um estudo mais detalhado ou uma maior atenção por parte

da SED e da SEJUS a fim de sanar o problema de fato, na perspectiva segundo a qual esses

internos, ou ex-internos possam completar com sucesso o processo ressocializador proposto

pelo sistema judiciário.

Um preso reabilitado não é alguém que aprendeu a sobreviver bem na prisão, mas uma

pessoa que tem êxito no mundo externo à prisão na pós-reclusão (COYLE, 2002). Enfim,

diante dos dilemas e das “[...] contradições do ideal educativo e do real punitivo, de tantos

fatores que obstaculizam a formação para a vida social em liberdade, longe das grades, cabe

perguntar: o que pode fazer a educação escolar por trás das grades?” (ONOFRE, 2007,

p.14). A resposta ainda não veio a contento. Pouco se pode fazer, uma vez que não cabe só ao

professor, transformar essa realidade tão delicada e ao mesmo tempo tão dura. O suplício

continua, a alma da sociedade como um todo lamenta a falta de atenção e o atraso cultural

que nos remete a práticas irascíveis e perniciosas. A realidade contraria a

lei e afinal constatamos que nem todos têm o real direito à educação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Lei Nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Institui a Lei de

Execução Penal. Brasília, 1984. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/ L7210.htm. Acesso em: 11 de outubro, 2016.

COYLE, Andrew. Manual para servidores penitenciários. Londres: International Centre for

Prison Studies, 2002.

FOLCAULT, Michel. Vigiar e punir. 28 ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

ONOFRE, Elenice M. C. Escola da prisão: espaço de construção da identidade do homem

aprisionado? In: ONOFRE, Elenice M. C. (Org.). Educação escolar entre as grades. São

Carlos: Edufscar, 2007. p.11-28.

Plano Estadual de Educação em Prisões do Estado de Mato Grosso do Sul.

Campo Grande: GepêPrivação, SEDUC, SEJUS, 2016

54

PESQUISANDO A HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA: UM ESTUDO DA

ESCOLA ESTADUAL DR. FERNANDO CORRÊA DA COSTA_AMAMBAI-MS

(1993-2013)

Jaqueline Naiara Coradini de Oliveira

Mestranda (UFGD-PPGH)

E-mail: [email protected]

O Ensino de História como objeto na pesquisa de historiadores vem crescendo nas últimas

décadas, compreender como foi este Ensino no passado pode nós trazer muitas reflexões de

suas práticas no presente. Este artigo pretende apresentar a pesquisa de mestrado intitulada: O

Ensino de História do Brasil, um estudo da Escola Estadual Dr. Fernando Corrêa da Costa _

Amambai MS (1993-2013), mostrando as fontes e metodologias utilizadas. Pesquisar as

práticas do ambiente escolar vai além da análise, apenas, de projetos educacionais, diretrizes

curriculares e legislações, é preciso buscar fontes que carreguem as práticas daqueles que as

produzem. Para tanto, serão utilizados como fonte histórica os diários de classe de História do

Ensino Fundamental II (5ª a 8ª série), mais especificamente a relação de conteúdos registrados

pelos professores, bem como a quantidade de aulas utilizadas no decorrer do ano letivo para o

ensino de três temáticas: a história do Brasil, a história dos afro-brasileiros e a história dos

povos indígenas brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de História do Brasil; Processo Histórico; Diários de Classe.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa apresentar, de forma sucinta, o projeto de pesquisa de

mestrado intitulado: O Ensino de História do Brasil, um estudo da Escola Estadual Dr.

Fernando Corrêa da Costa _ Amambai MS (1993-2013). Esta é uma pesquisa histórica, que

não analisará simplesmente as metodologias de ensino e os programas curriculares, mas

construirá uma história do tempo presente (FONSECA, 2006, p. 29), como especifica o título.

Durante as aulas de História nos quatro anos do Ensino Fundamental II, são ensinados

desde a pré-história até a História Contemporânea, não apenas a História de nosso país, mas

de “todo” o mundo. Ao analisar os conteúdos trabalhados é possível perceber que o espaço

55

direcionado à determinado tema e espaço geográfico mostra com que viés a Historia era

ensinada.

Nesta pesquisa três temas serão observados: a história do Brasil, a história dos afro-

brasileiros e a história dos povos indígenas brasileiros. De 1993 a 2013: Quantas aulas são

destinadas a cada um? Esse número aumentou os diminuiu com o passar dos anos? A que

termos indígenas e afro-brasileiros estão ligados? Alguma coisa mudou nesses anos? São

algumas das questões que serão respondidas.

E mais, apenas número de aulas e porcentagens não respondem tudo, a forma como

essas aulas foram ministradas, os conceitos e metodologias utilizadas, a conexão do que

acontece em sala com as leis educacionais e referenciais curriculares também são foco nessa

pesquisa.

Durante esses vinte anos aconteceram mudanças na forma de ensinar, novas

metodologias, novas temáticas incluídas, algumas silenciadas. Como afirmou Leandro Karnal:

“[...] ensinar História é uma atividade submetida a duas transformações

permanentes: do objeto em si e da ação pedagógica. [...] A ação pedagógica muda

porque mudam seus agentes: mudam os professores, mudam os alunos, mudam as

convenções de administração escolar e mudam os anseios dos pais [...]” (KARNAL,

2010, p. 8-9).

Com as fontes disponíveis nos podemos notar essa evolução e também a importância

do docente em trabalhar, ou silenciar determinadas temáticas, independente das normativas

curriculares. E como essas normativas, por vezes, transformam a forma de ensinar e até os

registros dos professores nos diários de classe (principalmente depois da promulgação dos

Referenciais Curriculares de Mato Grosso do Sul).

À PESQUISA HISTÓRICA...

Toda pesquisa necessita de fontes para sua legitimação, de acordo com Rüsen:

“Pesquisa histórica é um processo cognitivo, no qual os dados das fontes são

apreendidos e elaborados. [...] A pesquisa é [...] o processo no qual se obtém, dos

dados das fontes, o conhecimento histórico controlável. “(RÜSEN, 2001, p. 104).

A partir do que o historiador extrai das fontes ele responde os problemas que percebeu

em seu objeto e elabora sua narrativa. Muitas fontes podem trazer fragmentos e vestígios do

que foi este Ensino de História. Nessa pesquisa as principais fontes são os diários de classe de

56

História da segunda etapa do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série/ 6º ao 9º ano1), mais

especificamente 248 diários, que foram digitalizados e transcritos.

O Diário de Classe é um documento escolar que não está ligado apenas ao professor,

mas também aos funcionários administrativos da escola, secretários e diretores. Uma boa

definição deste documento está no Manual da Secretaria Escolar:

“[...] Diário de Classe é o documento fundamental para registro do diagnóstico inicial da turma, freqüência do aluno, planejamento, avaliações e relatório final do trabalho do professor, bem como da carga horária prevista na Matriz Curricular [...] é o documento de escrituração escolar coletivo, em que devem ser registrados, sistematicamente, as atividades desenvolvidas com a turma e o resultado do desempenho e freqüência dos alunos.” (grifo nosso. SED, 2005, p. 16).

E ainda, dos objetivos do diário: “Registrar [...] a execução do currículo, por meio do

conteúdo programático ministrado [...] [e] Comprovar a veracidade e a regularidade dos atos

praticados” (SED, 2005, p. 16). E a responsabilidade de preencher este documento é do

professor.

A definição e os objetivos apresentados acima são de autoria do órgão que

regulamenta o diário de classe e nos mostram como este documento é percebido no espaço

escolar. Contudo, a forma como o historiador olha para ele é diferente.

O diário, como qualquer fonte, não representa fielmente a realidade vivida, embora

seja um de seus objetivos “comprovar a veracidade” do que acontece em sala, não podemos

simplesmente tomá-lo como absoluto e inquestionável. Saber fielmente como foram as aulas

de História durante esses vinte anos é impossível, contudo os diários nos deixam bons

vestígios.

Os dados extraídos dos diários podem ser divididos em dois: dados quantitativos e

dados qualitativos. Os primeiros são obtidos a partir da quantidade de aulas que os

professores registram, quantidade total de aulas e quantidade para temas específicos. Já os

dados qualitativos se fazem por meio de uma análise da escrita dos professores, dos conceitos

utilizados, repetições ou mudanças, discrepâncias e padrões (pensando que durante essas

1 Em 30 de outubro de 2006 foi promulgada uma Resolução pela Secretária de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, ampliando o Ensino Fundamental para nove anos a partir de 2007, mas como consta em seu 3º artigo os anos finais continuariam com quatro anos, mudando apenas a nomenclatura (5ª série passou a ser 6º ano; 6ª série\7º ano; 7ª série\8º ano; 8ª série\9º ano).

57

décadas pelo menos 20 professores passaram por mais de 200 turmas).

Inegável que os diários de classe são muito ricos e apresentam imensas possibilidades

(como as metodologias utilizadas para ensinar, registradas no campo de avaliações, por

exemplo), mas, nenhuma fonte é auto-suficiente, o diário tem suas limitações e para ser

melhor compreendido precisa ser relacionado aos marcos regulatórios nacionais e estaduais.

Além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional\1996, duas leis norteiam a

pesquisa são: a lei nº 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-

Brasileira e a lei nº 11.645/2008, que incluiu no currículo a História e Cultura Indígena. Essas

duas temáticas são primordiais para o Ensino da História Nacional, no entanto, nem sempre

apareceram nas aulas de História, em alguns anos é possível contar nos dedos de uma mão

quantas aulas foram destinadas para ensinar sobre a história de negros e índios, mas essa

realidade vem mudando.

Nessa pesquisa são analisadas três temáticas: o Ensino de História do Brasil, a História

dos Afro-brasileiros e dos indígenas. A primeira relaciona o Ensino de História do Brasil e os

outros conteúdos ensinados, quantas aulas e que assuntos da história nacional são tratados e

quais são silenciados.

A segunda mostra como a história dos afro-brasileiros foi registrada nos diários e que

normas surgiram para melhorar o ensino da história dos negros em nosso país. Mas a que

termos eles foram ligados no Ensino de História, apenas à escravidão e ao trabalho? De 1993

à 2013 houve uma mudança, lenta e gradativa, mas é possível perceber. Muitos documentos,

como os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1996 e os referenciais curriculares de 2008 e

2012 ,vem avançado nessa temática (ainda que não cheguem com tanto peso as escolas).

A História dos Povos Indígenas Brasileiros, é uma das menores em todo esse contexto,

são poucas as aulas destinadas a essa temática, mas ainda existem professores que mesmo

sem materiais didáticos, se dedicam a ensina-la.

Os conteúdos dessas três temáticas são relacionados aos Parâmetros Curriculares

Nacionais, aos Referenciais Curriculares e as diretrizes curriculares para que seja possível

traçar a importância do docente no Ensino de História. Por exemplo, antes dessas leis serem

promulgadas já haviam professores preocupados em ensinar sobre a heterogeneidade dos

58

povos indígenas, as formas de resistência e cultura dos afro-brasileiros. Da mesma forma que,

mesmo após essas leis alguns professores ainda silenciem tais temáticas em seus registros.

O docente tem um papel fundamental no Ensino e mesmo envolto de tantas

normativas, ele tem liberdade de escolher quantas aulas usará para determinado conteúdo, que

metodologia (se filme, teatro, debates, seminários), que forma de avaliação. Os vestígios

dessas práticas nós encontramos nos registros dos diários.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando hoje, vemos nos livros didáticos, capítulos destinados aos afro-brasileiros e

indígenas, com toda sua diversidade e participação ativa na construção da história brasileira,

não podemos esquecer o processo por que passou a História do Ensino de História.

O número de aulas para essas temáticas vem aumentando gradativamente, vários

conceitos têm sido debatidos em sala de aula (como racismo, questão de terras). Os

professores têm materiais didáticos para algumas temáticas, para outras não tem quase nada

(sobre a História de Mato Grosso do Sul, por exemplo), precisam se adaptar a realidade

moderna.

Ao historiador não cabe fazer juízo de valor sobre o que pesquisa. Compreender o

quadro curricular dentro do ano que foi criado, averiguar a ligação dos registros com as

normativas educacionais é o seu foco. Não julgar o Ensino como bom ou ruim, mas sim

analisá-lo em sua conjuntura específica, compreender, não julgar (BLOCH, 2001, p 128).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLOCH, Marc. A análise histórica. In: BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o ofício do

historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

BRASIL, lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639. Acesso: dia 4 de março de 2016.

BRASIL, lei nº 11.645, de 10 março de 2008. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645. Acesso: 4 de

março de 2016.

FONSECA, Thais Nívia de Lima e. A história do ensino de História no Brasil: tendências. In:

59

FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & Ensino de História. Belo Horizonte:

Autêntica, 2003. (p. 29-36).

KARNAL, Leandro. Introdução. In: KARNAL, Leandro (org.). História na Sala de Aula:

conceitos e práticas propostas. São Paulo: Contexto, 2010. (p. 7-14)

RÜSEN, Jörn. Tarefa e Função de uma Teoria da História. In: RÜSEN, Jörn. Razão

histórica: Teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília: Ed. UNB, 2001.

(p.25-51).

Secretaria de Estado da Educação. Manual da Secretaria Escolar. Campo Grande, 2005

Secretaria de Estado da Educação. Resolução nº 2.034, de 30 de outubro de 2006. Disponível

em:

http://aacpdappls.net.ms.gov.br/appls/legislacao/sed/legased.nsf/e3258672435f390e04257

134005057a1/daa8a1b3504ab265042572170051ff56?OpenDocument. Acesso dia 23 de abril

de 2016.

60

EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E O CAMPO DA AFETIVIDADE NAS CIÊNCIAS

HUMANAS

Gláucia Péclat

PhD em Antropologia pelo Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. Docente dos cursos de

História e Ciências Sociais e membro efetivo do ProfHistória – Unidade de Amambai -

Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]

Os bens culturais contam histórias. Para mim, são objetos sociais, imagens revestidas de

poder e semiologia. Assim sendo, as ferramentas que utilizarei para a Educação Patrimonial,

serão o campo emocional e o sensorial. Para cumprir esse papel e, para chamar a atenção dos

professores e professoras sobre afetividade, emoção e sentimento - categorias importantes

para se pensar na preservação do Patrimônio Cultural -, irei me apropriar do conceito de

“comunidade emocional” de Rosenwein (2011).

PALAVRAS-CHAVE: Educação Patrimonial; Memória; Afeto.

Ao pensar na escrita deste texto considerei apropriado assistir ao clipe Photograph (Ed

Sheeran) que contém imagens do filme “Up Altas Aventuras”. Versão harmoniosa e que trata

precisamente daquilo que pretendo trabalhar ao longo do corpo deste artigo – a afetividade

como instrumento e caminho de sensibilização para a Educação Patrimonial.

É a disposição para sentir ou para se emocionar diante de algo que me interessa.

Também é o significado de sensibilidade que persigo neste artigo. Entendo como emoção um

conjunto de sentimentos (amor, ódio, alegria, raiva, esquecimento, tristeza, paixão, felicidade,

dor, saudade, entre outros). E o Patrimônio Cultural pode despertar no indivíduo, grupo ou

membros de uma dada sociedade, sensações ligadas a esta panóplia de sentimentos. Como

caminhar nesta direção? Tarefa árdua e de difícil concretização se o docente do ensino

fundamental e médio não se atentar para o campo da afetividade.

Assim, como despertar nos professores e professoras, o interesse em adotar na sala de

aula o campo das emoções como estratégia de preservação do Patrimônio Cultural? Em

61

resposta a este desafio segui autores como Lima (2005), Horta, (2004), Grunberg (2011),

Florêncio (2014), Siviero (2015), Tolentino (2013), que têm sugerido ações educativas de

modo compartilhado, participativo – noções que carregam o sentido de emoção como

estratégias da Educação Patrimonial.

Tolentino (2013) ao organizar “Educação Patrimonial: educação, memórias e

identidades”, enfatiza que muitos interlocutores falam com outras palavras, sobre a

importância da Educação Patrimonial para se construir um elo entre espaços de memória,

manifestações culturais e identidades. Para ele a pedra de toque, nesse processo, é que os

sujeitos, produtores de suas culturas, tenham participação ativa e crítica na seleção dos seus

patrimônios e nas ações de preservação (Tolentino, 2013, p. 5).

O Patrimônio Cultural tem estreita relação com o movimento simultâneo de memória:

lembrar/esquecer/saudade – categorias importantes e estimulante para se pensar na Educação

Patrimonial. Uma sugestão é adotar os caminhos metodológicos indicados por Grunberg

(2011) para desenvolver ações de Educação Patrimonial e alargar a afetividade:

Observação: Aplicação de exercícios de percepção sensorial (visão, tato, olfato, paladar e

audição). Trabalho com experimentações, provas, jogos interativos e investigações

(detetive), com a finalidade de explorar ao máximo, o bem cultural ou tema observado.

Registro: Exercícios com desenhos, descrições verbais ou escritas, uso de fotografias, mapas,

etc, promovem a apropriação do conhecimento percebido e leva o indivíduo à construção do

pensamento lógico e intuitivo.

Exploração: Esta etapa é constituída por ações que fomentam a análise do bem cultural com:

debate, questionamentos, pesquisas em outros lugares (bibliotecas, arquivos, museus,

cartórios, entre outros).

Apropriação: Etapa que possibilita a recriação do bem cultural, através de releitura, pintura,

música, poesia, vídeos, provocando, nos participantes, uma atuação criativa e, portanto,

emocional.

62

Atividades desenvolvidas com docentes em

Tacaratu – PE. Foto: Gláucia Péclat.

Atividades desenvolvidas com estudantes no Museu

de Alta Floresta, MT. Foto: Gláucia Péclat.

Estas fotografias exemplificam duas situações, uma no Pernambuco e outra no Mato

Grosso que apliquei como exercício deste método. Observa-se nestas imagens o que tenho

alertado: partilha e afeto. Notam-se ainda, gestos de atenção, entrega e depósito de

sentimentos. A atividade com docentes consistiu em primeiro, sentar no chão narrar histórias

do lugar, para depois, montar um quebra-cabeça com a imagem de um baú identificado por

mim junto ao museu local. Os níveis de percepção e de identificação com a imagem era o que

me importava para, daí, abordar o campo do sentimento de ‘pertença’ ou não, com o objeto.

Ao aplicar esta proposta foi possível perceber formas como os (as) docentes comungavam

experiências e trocavam olhares sobre suas histórias de vida, pois simbolicamente o baú

representava ali, uma possível abertura para o campo da rememoração, seguindo a linha de

Bosi (1992).

A atividade com os estudantes no museu de Alta Floresta (MT) teve como princípio

despertar neles a ideia de sociabilidade. Estimular também o registro deles mesmos, conforme

assinala Heidegger (1977), quando elaborou as categorias: estar-aí; vir-a-ser; ver-se-aí.

Categorias importantes para se pensar no afeto enquanto caminho para a Educação

Patrimonial. Através do uso de fotografias vêm à tona traços de si mesmo – imagens

emocionais, narrativas visuais de você e do seu Patrimônio Cultural – daquilo que você

concebe, é claro.

63

A proposta consistia ainda em criar um e-book, visando promover a chamada

‘circulação cultural’ entre eles, vizinhos, amigos e parentes. Deste modo, eles seriam autores

de suas próprias histórias, histórias de um dia no museu.

O estudo das emoções nas Ciências Sociais e Ciências Humanas tem sido entendido

como um campo de possibilidades em aberto, isto é, no âmago de processos histórico-

culturais, grupos, indivíduos e sociedades, estão sempre sujeitos a outros momentos, outros

contextos. Com esta condicionante, isto pode significar outras emoções, conforme noção de

tempo que o ser humano elabora para si. Então, como pensar na afetividade enquanto

caminho para a Educação Patrimonial? Tudo depende da forma como professores e

professoras elaboram conceitos e noções em torno do tempo. Tempo ganha aqui, dimensão de

memória – patrimônio cultural – produto da memória (Hirooka & Péclat, 2015).

E se memória é imagem, lembrança em imagem do presente, do passado e do futuro

(Ricoeur, 1994), imagens podem, num campo de possibilidade em aberto, indicar corpo e

mente e aquilo que se encontra outside e inside, como assinala Pinney (1997). E mais, podem

ainda, indicar o estado do corpo ligado ao estado da alma – “somaticity” – complexo

multilateral indivisível. É uma síntese: física, somática, emocional, sensorial e cognitiva

(Pinney, 1997).

64

.Fotos: Lucas Hirooka.

Assim, Patrimônio Cultural é imagem. A lembrança se reveste de imagens, o que nos

remete a sensações físicas – o que estou chamando aqui de emoções, sensibilidades,

afetividade. Patrimônio Cultural tem sons da história, ecoa silêncios. Lembremo-nos do

movimento simultâneo de memória: lembrar/esquecer/saudade. E para estimular sons da

história e ecos do silêncio entre os estudantes, faz-se necessário aplicar exercícios sensoriais

na sala de aula (visão, olfato, paladar, tato e audição).

Para Licht (1996) nossas habilidades estão postas em cinco dimensões, são elas: a)

conhecer suas próprias emoções, ou seja, reconhecer um sentimento, identificar seus anseios;

b) para que na segunda habilidade possa ser capaz de lidar e dominar seus sentimentos, ou

seja, administrar bem suas emoções; c) na terceira habilidade, auto motivar-se para manter o

otimismo e controlar a impulsividade; d) na quarta habilidade reconhecer os sentimentos nos

outros, desenvolver a empatia e não fazer uso do efeito de halo (transferir a um indivíduo em

sua totalidade um sentimento de atributo ou incoerência partindo de um comentário de outro

indivíduo), o que infelizmente ocorre bastante na humanidade; e) e a última, habilidade no

65

trato social, desenvolver o espírito de liderança e saber relacionar-se com as pessoas (Licht,

1996, p. 7-11).

Neste sentido, reconhecidas as habilidades (emoções, sentimentos, sensibilidades) –

desenvolvem-se afetividades. Daí, a tarefa do professor e professora em estimular o

reconhecimento de habilidades na turma de estudantes. Daí, a importância de se desenvolver

habilidades emocionais na sala de aula, visando criar um espaço por mim entendido como

“comunidade emocional”1, onde alunos e alunas irão apresentar interesse na preservação de

sua memória, seu patrimônio como sugere Grunberg (2011). Essas habilidades irão ajudar no

caminho do autoconhecimento, que não é um caminho fácil a percorrer. Mediante atividades

educacionais voltadas para a valorização dos bens culturais, este caminho torna-se menos

denso.

A Educação Patrimonial consiste em provocar situações de aprendizado sobre o

processo cultural e, despertar nos alunos (as) o interesse em refletir acerca de questões

significativas para sua própria vida pessoal e coletiva (Horta, 2004).

A Educação Patrimonial transformadora possui caráter político, visando à formação de

pessoas capazes de (re) conhecer sua própria trajetória histórico-cultural, deixando de ser um

espectador, como na proposta tradicional, para tornar-se sujeito, valorizando a busca de novos

saberes e conhecimentos, provocando conflitos de versões (Florêncio et al, 2014).

Assim, o Patrimônio Cultural oferece oportunidades de despertar nos sujeitos sociais

sentimentos de surpresa e curiosidades, o que permite ao docente estimular nos estudantes, o

desejo de conhecerem o mundo que os cerca (idem).

Adotar este caminho é entender que a Educação Patrimonial em suas formas de

mediação, possibilita a interpretação dos bens culturais, tornando-se um instrumento

importante de promoção e vivência (de emoções, de afetividades, sentimentos). Para Mauss

(1979, p. 62) as emoções tanto na sua expressão oral quanto gestual e corporal, formam uma

linguagem – uma linguagem de mão dupla.

1 Entendo por “comunidade emocional” grupos sociais cujos membros aderem às mesmas valorações sobre as

emoções e suas formas de expressão (Rosenwein, 2011).

66

Fotos: Gláucia Péclat.

E é com base nestas fotografias que pretendo dirigir minha atenção para trazer à luz

aquilo que se oculta naquilo que se mostra e que precisamente se manifesta naquilo que se vê:

o campo emocional. Aqui o mundo presente/ausente – contido nestas imagens – aflora o que

foi vivido por estes indivíduos.

Estes sujeitos sociais não podem ser, senão os viventes produzindo-se a si mesmo,

tornando-se senhores e senhoras possuidores do seu mundo, que é a História – Ciências

Humanas.

Foto: Gláucia Péclat.

67

A foto que exponho logo abaixo pode, como possibilidade de interpretação, sugerir

pelo menos três elementos importantes: o signo mesmo, o objeto (representante deste signo) e

o interpretante (efeito, idéia ou toque) para que ele possa se fazer signo. Tudo isto está ligado

ao que Pierce considerou de “semiosis ilimitada” que implica em um signo, seu objeto e seu

interpretante (Pierce, 1907 apud Meunier, 2002).

Foto: Gláucia Péclat.

O Patrimônio Cultural é signo, objeto da memória. Posto isto, num campo

representacional, esta fotografia expressa sentidos trans-históricos com teores subjetivos

(Sontag, 2003). Além disso, reproduz experiências sensoriais (Banks, 2001; Favero, 2007;

Edwards 2006), o que gera uma inquietude de manifestações (Péclat, 2013). A emoção

percebida/ transmitida nesta imagem ou por meio dela, pode despertar interesse na

preservação dos bens culturais – chave da Educação Patrimonial.

Ao olhar por intermédio (de), se olhar (para) e se olhar (por trás de), torna-se possível

ler de traz para frente, o que permite ir e voltar, realizando assim, uma leitura transversal desta

imagem. Esta foto é diegesis (Pinney, 1997, p. 150), representa experiências temporais –

tempo emoção. E ainda, pode revelar ou não, sentidos de externalização fixados em projetos

de caráter identitários – mote da Educação Patrimonial.

Nesta direção, a partir destes fios narrativos (visuais) entrelaçados, é possível

desenvolver atividades de Educação Patrimonial na sala de aula. Patrimônio Cultural é o que

se vê e que se sente. Trata-se de uma questão de método. Método esse que joga com os cinco

68

sentidos, como tal, acessível e facilmente passível de ser aplicado em práticas de qualquer

comunidade escolar.

Para Marcus Banks (2001) a explanação deste tipo de método é fundamental para o

bom andamento das ações educativas ligadas à preservação do Patrimônio Cultural. É neste

processo que surgem os sentidos emocionais, afloraram sons da história que defendo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo procurei interpretar num campo de possibilidades em aberto, como é

possível adotar a sensorialidade como instrumento para despertar nos alunos (as) a

afetividade. Nesta condicionante, caminhei em direção aos modos de como a nossa apreensão

e percepção de uma imagem depende também do nosso próprio modo de ver. Isto pode

significar auto-consciência, em outras palavras, visão de mundo (Heidegger, 1977).

Pensado assim, levanto aqui uma reflexão: Como perceber sensorialidades em

imagens? E a saudade? Saudade é afeto. E se, como falei, Patrimônio Cultural é imagem

inscrita no movimento simultâneo de memórias: lembrar/esquecer/saudade; despertar e

estimular sentimentos de afetividade nos alunos (as) é responsabilidade de todos.

Caminhar na direção da Educação para o Patrimônio exige de nós mesmos,

sensibilidades e afetividade. Ademais, envolvimento e percepção dos sons e gestos emitidos

pelos alunos (as). Atentar aos seus olhos, boca, ouvido, nariz, mãos e pés (gestos, falo aqui de

gestos, de tato, de sensações) pode, em certa medida, surpreender e revelar o que eles têm de

formulado sobre Patrimônio Cultural. Tudo isto que sugiro como proposta metodológica para

a Educação Patrimonial demanda uma disponibilidade ao docente para incursar, emocionar-se

e querer fazer parte de uma “comunidade emocional”. Altas aventuras, up!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANKS, M. Visual methods in social research. SAGE: Los Angeles, 2001.

BOSI, E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. São Paulo, EDUSP, 1992.

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71

REPRESENTAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA EM MATO GROSSO DO SUL

Stefany Barbosa Rufino Pereira1

(Graduação Curso de História/UEMS/UU Amambai)

E-mail: [email protected]

Este artigo tem como objetivo analisar a participação feminina na política a partir da Lei n.

9.100, a lei de cotas, de 1995, que prevê a candidatura de mulheres aos cargos políticos e da

Lei nᵒ 9.504, que estabelece porcentagens para candidaturas, masculinas e femininas, dentro

dos partidos políticos. Se a legislação fomentou as mudanças no cenário político, a

participação das mulheres na política tem levado a ampliação dos direitos femininos e à

conquista de novos espaços de poder. Também pretendemos mostrar que em Mato Grosso do

Sul as mulheres tem participado de forma mais incipiente na disputa por cargos na política.

PALAVRAS-CHAVE: Poder; Cultura Política; Mulheres.

Neste texto procuramos analisar a participação das mulheres na política no estado de

Mato Grosso do Sul. Procuramos fazer uma reflexão pautada em relatórios oficiais, artigos

científicos e legislação para compreender o processo histórico que levou as mulheres a

obterem o direito ao voto, o nascimento dos movimentos feminista que após a Ditadura

Militar começaram a ganhar força e a se consolidar, transformando suas demandas em

bandeiras de luta pelos direitos das mulheres de todos as classes sociais, etnias, credos e

condição econômica.

Sabemos que existem muitas barreiras sócio culturais quando a mulher procura ocupar

os espaços de poder, em especial, se tais espaços se mantem tradicionalmente como lugar

destinados apenas aos homens, como era até recentemente na política, no exército e na

polícia. Raras mulheres conseguiram adentrar tais espaços desde que o Brasil se tornou uma

República em 1889. A luta feminina é também no sentido de romper com as fronteiras

1 Texto faz parte do Projeto de Iniciação Científica/UEMS. Orientadora Profa Dra. Marinete A. Zacharias

Rodrigues

72

socioculturais impostas as mulheres no acesso a estes espaços predominantemente

masculinos. Quando se trata do campo da política essas questões mostram a complexidade

do problema enfrentado pelas mulheres ao longo das últimas décadas. Logo de início é

possível identificar que há muita resistência da sociedade na inserção das mulheres como

legítimas representantes da sociedade e de grupos na política, normalmente lembradas pelos

estereótipos construídos com o fito de impedi-las de ter acesso aos espaços públicos e

privado. Mitos e estereótipos alimentados pela “legislação, discursos e representações

serviram na construção de papéis sociais destinados às mulheres de todas as classes sociais”,

conforme constatou a historiadora Marinete Zacharias Rodrigues (2016, p.19) ao estudar o

papel das mulheres envolvidas com a violência e a criminalidade no século XIX.

Aliás, sobre tal questão observou Célia Regina Jardim Pinto que “[...] o discurso,

malgrado suas divisões ideológicas internas, tende a lutar pela conservação de um espaço

privilegiado de disputa política, dificultando a incorporação de novas lutas.” (1994, p. 256).

Entretanto, a luta feminina tem avançado ao longo do tempo com muitos embates e oposição.

Se tornou mais resistente a todo tipo de pré-conceito que possa existir, alcançando inúmeras

conquistas de direitos civis como a lei Maria da Penha2, que vem garantindo o direito a uma

vida com mais dignidade para as mulheres vítimas de agressão física e moral, vítimas da

violência doméstica.

Deste modo a questão central dessa pesquisa é entender porque temos tão poucas

mulheres com representatividade na política, mesmo sendo elas a maioria do eleitorado, o que

as tem desmotivado a concorrer aos cargos políticos? Como tem sido a concorrência política

para as mulheres em Mato Grosso do Sul? As oportunidades para homens e mulheres são

iguais? Se existem diferenças o que se pode fazer para mudar esta realidade? Mediante isto

procuraremos refletir a cerca dessas questões que está tão presente em nossa sociedade, mas

2 BRASIL. Lei Maria da Penha. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-

2006/2006/lei/l11340.htm Acesso em: 8 de outubro de 2016.

73

que muitas vezes passa despercebida, talvez por termos naturalizado o machismo e

acreditarmos no discurso que o lugar da mulher não é na política, que a capacidade de

administrar um País, Estado e Município é exclusivismo da capacidade masculina,

considerada inerente a este sexo. O processo para a desconstrução dessas ideias começa

quando duvidamos das verdades impostas aos grupos marginalizados de acesso ao poder e em

seguida quando buscamos respostas para os questionamentos que surgem no cotidiano.

Assim, podemos ampliar nosso conhecimento sobre o assunto pesquisando porque a

sociedade mantem a cultura da desigualdade entre homens e mulheres de forma tão acentuada

na política nacional.

Na busca pela igualdade de gênero, as mulheres tem recorrido a diversos mecanismos

e estratégias para ascender ao cargos com melhores salários e status dentro de empresas

privadas e no serviço público. Tem procurado se envolver com as questões política visando a

elegibilidade como legitimas representantes da sociedade. (ISUMINO, 2004, p.15) A luta para

ocupar os espaços políticos no Brasil, teve início em meados de 1919, quando nasceu o

primeiro projeto de lei em favor do sufrágio feminino. Naquele momento sonhavam em poder

votar, pois esse direito lhes era vetado. O projeto só obteve êxito em 1934, previsto na

Constituição Brasileira. Duas mulheres se destacaram no panorama nacional na luta e

conquista pelo direito ao voto. Foram elas: Bertha Lutz, nomeada pelo presidente da república

para representar o movimento feminista e Carlota Pereira de Queiroz, a única deputada

federal eleita em 1933. (SOIHET, 2013, p. 220)

A partir de então outras importantes conquistas foram alcançadas no campo político.

Temo a Lei 9.029/95 que proibiu a exigência de atestado de gravidez e de esterilização para

admissão ou permanência de vínculos empregatícios; a Lei 10.406/2002 garantiu diversos

direitos civis às mulheres; e também a criação da Lei 11.340/2006 que tem o objetivo de

combater e erradicar a violência contra a mulher.

Todos esses importantes avanços tiveram a contribuição dos movimentos feministas

que a partir da década de 80 se tornaram mais específicos em suas bandeiras de luta. Surgiram

movimentos sociais combatendo a violência contra a mulher, outros passaram a defender a

igualdade salarial e o fim dos assédios morais e sexuais no trabalho. Nem todos tinham

74

conotação feminista, mas com certeza todos buscavam valorizar o papel da mulher como

força de trabalho e partícipe na construção do país.3 Assim, vale ressaltar que a força dos

movimentos feministas sempre foi de extrema relevância para a conquista dos direitos da

mulher, que apesar dos muitos avanços ainda se encontra em uma árdua batalha contra o

universo machista que insiste em inferiorizar a mulher mediante a sociedade, oferecendo a

elas salário inferior em funções iguais a do homem e ainda fechando olhos para violência

contra a mulher seja ela física ou moral.

Atualmente no Brasil, a violência tem causado a morte de muitas mulheres. O

feminicídio é um problema social grave e recorrente. Diante de tantas mortes o governo

homologou a Lei 13.104 de 4 de março de 2015, que inclui o feminicídio no rol dos crimes

hediondos. Durante muitos séculos promoveu-se ideias e noções de que a mulher é inferior

biologicamente, frágil e incapaz para desenvolver determinadas atividades se comparada ao

homem. Muitos acreditam que as mulheres não possuíam capacidade intelectual para

assimilar conhecimentos mais elaborados e nem seriam capazes de exercer cargos políticos

devido à falta de talento nato para lidar com as demandas mais complexas da política.

Diante do exposto caber pontuar que a questão da representatividade da mulher na

política brasileira ainda é muito recente. Daí a importância de se fazer uma reflexão sobre

alguns aspectos considerados mais relevantes para compreensão do quadro que hoje se

apresenta. É possível observar que o maior número do eleitorado é feminino, porém o

números de mulheres no senado e nas câmaras de vereadores são baixíssimas como mostra a

baixo ilustração.

3 PROCURADORIA ESPECIAL DA MULHER. Mais mulheres na Política. Disponível em:

www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/496489, Acesso em 10 de outubro de 2016.

75

Esta ilustração mostra o baixo percentual de mulheres ocupando o senado e a câmara

de deputados. Se as mulheres são maioria em número de votantes, por que não elegem

mulheres para que possam representa-las no poderes constituídos. São diversos os motivos

para explicar essa baixa porcentagem. Existe uma cultura de que lugar de mulher é no lar e

não política, pois mulheres não possuem resistência para o combate político. A cultura

patriarcal e machista se sobrepõe aos direitos femininos. O livreto Mais Mulheres na Política

aponta que:

O poder é um domínio ainda ocupado hegemonicamente por homens, campo no qual

não há representatividade feminina de fato, dada a exiguidade de posições

efetivamente ocupadas por mulheres. Em outras palavras, o poder sobre as decisões

públicas, que deveria ser neutro em relação a gênero, é marcadamente masculino, o

que resulta em pouca sensibilidade no mundo político diante de assuntos

importantes para a qualidade de vida das mulheres. ( 2016, p. 16)

É todo um sistema político masculinizado cujo acesso as mulheres ainda passa pelo

aprovação dos homens. Só de forma muito lenta as mulheres tem conseguido se inserir na

política. Convém lembrar que a presença feminina nos espaços de poder vai além de uma

simples representatividade de gênero implica numa inclusão de fato e de direito. Existe hoje

uma realidade de “sub-representação feminina no parlamento, que está em completa

dissonância com o papel e responsabilidades que as mulheres assumiram na sociedade.” (Mais

Mulher na Política, 2016, p. 20)

76

Existem explicações prontas para se eleger mais homens que mulheres no Brasil. O

número maior de homens eleitos para os cargos políticos no leva refletir sobre o fato de que as

mulheres enfrentam diversos tipos de barreias e preconceitos vindos tanto da parte masculina

da sociedade como da parte feminina. O quadro a seguir mostra essa realidade.

Fonte : Mais mulheres na política (2016)

O quadro mostra uma acentuada desigualdade na disputa política brasileira entre

homens e mulheres. Chama atenção o fato que de 1998 para 2014 as chances das mulheres

serem eleitas teve um breve aumento e logo diminuiu. Assim, é interessante observar que a

queda se deu no período da reforma da Lei 9.100, denominada a lei de cotas de 1995. Sobre a

igualdade o sociólogo Pierre Bourdieu apontou que:

A igualdade formal entre e as mulheres tende a dissimular que, sendo as coisas em

tudo iguais, as mulheres ocupam sempre as posições menos favorecidas. Por

exemplo, sendo embora verdade que as mulheres estão cada vez mais representadas

em funções públicas, são sempre as posições mais baixas e mais precárias que lhes

são reservadas. (BOURDIEU, 2011, p. 110)

As mulheres sempre ficaram com os cargos menos valorizados, com as posições

menos destacadas e na política não é muito diferente da realidade vivenciada em outras

dimensões sociais. O gráfico acima mostra que as chances de uma mulher chegar a se eleger é

bem menor que a do homem ou seja vivemos em uma sociedade regida por um sistema

77

machista que obstaculiza as oportunidades de acesso a representação política. Observou Célia

Regina Jardim Pinto sobre a participação feminina como representante política que “não se

pode esquecer que estamos em uma conjuntura política de débil democracia representativa,

onde os esforços são para consolidar o modelo e não para criar soluções alternativas.” (1994,

p. 264) Vivemos numa sociedade que apregoa a ideia de um país justo e modernizado, mas na

verdade esconde um conservadorismo patriarcal e injusto para com diversas camadas da

sociedade.

O projeto de lei 9.100 propôs cotas de 30% para a candidatura de mulheres no

legislativo. Foi aprovada em 1997 com uma cota mínima de 30% e máxima de 70% para

qualquer sexo. Está lei apresentou algumas deficiências, pois ela não previu nenhum tipo de

punição aos partidos caso as cotas não fossem preenchidas. Deste modo, os partidos não

faziam questão de preencher as costas destinadas ao sexo feminino. Em Mais Mulher na

Política:

A instituição de cotas que garantem vagas para as mulheres no sistema político é

uma modalidade de ação afirmativa cujo objetivo é acelerar o processo de inserção

das mulheres no mundo político-partidário e, com isso, tornar o próprio sistema

representativo mais próximo da composição efetiva da sociedade que o elege e o

mantém. (2016, p. 21)

Contudo, as mudanças esperadas não aconteceram. Foi então que, aprovou-se em

2009, a Lei de nº 12.034, que fez alterações no Código Eleitoral. Visto como uma pequena

reforma eleitoral que apresentou mudanças relevantes para que se estabelecesse a paridade

entre homens e mulheres dentro dos partidos. Com essa nova legislação ficou estabelecido

que caso o partido não preencha a cota eleitoral de gênero, ele fica impedido complementar a

cota com o sexo masculino, não podendo assim lançar a candidatura de seu candidato, isso

garantiu, portanto uma maior representativa feminina dentro dos partidos.

Todavia existe algumas problemáticas que necessitam de uma análise mais profunda,

pois apesar dos inegáveis avanços com aprovação da Lei 9.100 e a reforma e aprovação da

Lei 12.034/09 percebemos pelos dados que o percentual feminino cai consideravelmente

quando houve a reforma no Código Eleitoral. É bem plausível afirmar que a obrigatoriedade

da presença feminina para preencher a cota esteja ocorrendo como parte de uma estratégia no

cumprimento da lei, ou seja, poucas são as mulheres que participam das eleições com a real

78

intenção de serem eleitas pelo sufrágio universal. O mais provável é que assumam o papel de

companheiras abnegadas.

Diante deste quadro percebemos que temos uma situação desfavorável as lutas

femininas pela igualdade. Constatamos que não bastam aprovar leis para que se estabeleça

uma paridade de gênero. Precisamos conscientizar as mulheres de elas possuem

responsabilidade sociais com as futuras gerações, devem, portanto valorizar seu real papel

dentro da sociedade, promovendo significativas mudanças na forma de encarar a

representatividade política em nosso país.

As eleições de 2014 no Estado de Mato Grosso do Sul, resguardadas as proporções,

não foi muito diferente do que ocorreu em outros estados da federação no que diz respeito a

participação feminina. Das 41 candidatas a ocupar a Câmara dos Deputados apenas uma

conseguiu se eleger. Para a Assembleia Legislava das 128 candidatas apenas 3 foram eleitas.

Números muito baixos se considerarmos que as mulheres são a maioria do eleitorado

brasileiro.

Fonte: Mais mulheres na politica

79

Este resultado coloca em evidência a questão da mudança no comportamento feminino

no que diz respeito a participação mais efetiva na política. Ainda falta despertar as mulheres

para lutar por seus direitos e seus espaços, pois a mudança da sociedade como um todo ocorre

de maneira gradual. A historiadora Rachel Soihet após pesquisa sobre a participação da

mulheres na política conclui que:

Entre as organizações femininas que enfatizavam a imagem das mulheres como

mães e donas de casa, o problema foi a pouca ênfase na necessidade de se preparar

as mulheres para o trabalho remunerado, dado fundamental para que se assumissem

como sujeitos de sua própria história. Também falharam ao relegarem a percepção

das desigualdades ainda existentes entre mulheres e homens, não se preocupando em

desenvolver uma consciência feminista no sentido estrito. (SOHIET, 2013, p. 234)

Uma sociedade que preserva com afinco os sistema patriarcal inviabiliza a

participação feminina não apenas na política, mas também nos autos postos de comando da

nação e das grandes empresas

No Estado de Mato Grosso do Sul os resultados da representatividade feminina não

foge daqueles que vimos no Brasil em geral. Os movimentos sociais tem um importante

trabalho nesta luta e tem tomado grandes proporções dentro do Estado, assegurando que em

um futuro próximo as mulheres possam ter sua participação garantida por sua capacidade e

não apenas mediante uma legislação.

Neste trabalho procuramos apresentar alguns resultados de como tem se encaminhado

o pleito eleitoral feminino no país e no Estado de Mato Grosso do Sul. Os avanços

alcançados através dos movimentos sociais apresentam resultados ainda tímidos, pois o que

predomina na relação homens/mulheres é a dominação masculina. Mas as mulheres já

percorreram um árduo caminho e suas ações mais atuais mostram que pretendem avançar na

conquista dos direitos femininos.

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81

FORMAÇÃO DOCENTE EM ENSINO DE HISTÓRIA E ESTÁGIO CURRICULAR:

INCERTEZAS E LIMITES

Marinete Aparecida Zacharias Rodrigues1

Coordenadora do Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História – Profhistória-

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Amambai e

Professora no Curso de História. E-mail: [email protected]

O desafio para a educação e educadores do século XXI é promover a compreensão da

natureza multifacetado do ser humano em sua diversidade sócio histórica. Mas é também

preparar cada educando(a) para investigar e interpretar a dinâmica social, seus movimentos e

tendências e enfrentar os inúmeros desafios postos pela diversidade cultural, que permeiam a

práxis social no espaço de formação e qualificação docente. O estágio curricular é um

momento significativo do processo formativo e pode ser visto pelo educando como o

enfrentamento objetivo com a realidade de sua aprendizagem, pois é a primeira experiência de

docência em meio a um processo educativo que requer saberes específicos para a área de

atuação com habilidades, competência e condições concretas para realizar o exercício da

docência. O objetivo deste artigo é fazer uma reflexão sobre as dificuldades enfrentadas pelos

educandos(as) no momento de realizar as regências no estágio curricular supervisionado no

ensino de história. No âmbito das práticas pedagógicas vivenciadas durante o curso de

formação a questão do estágio curricular implicar na apropriação e domínio do “saber

escolar” e do” saber docente”.

PALAVRAS-CHAVE: Docência; Estágios; Diversidade.

Sabemos que a partir do momento em que o educando termina sua licenciatura ele está

apto a adentrar a sala de aula para ministrar os conteúdos específicos de sua formação

profissional em ensino de História para alunos da Educação Básica. Para tanto é esperado que

tenha o domínio não somente de saberes disciplinares aprendidos durante os anos de sua

formação, mas também que saiba fazer determinadas escolhas teórico-metodológicas, didática

e tecnológicas, que facilite o trabalho de ensinar o que deve ser ensinado. Neste artigo

1 Doutora em História Social/USP. Profª. no Curso de História/UEMS/Unidade de Amambai. Pesquisadora do

Grupo de Pesquisa Estudos da Memória, Patrimônio Cultural e Natural e Ensino de História.

82

pretendemos elencar as principais incertezas e limites que permeiam a formação docente em

ensino de história relacionando-as aos saberes escolares, saber docente e ao estágio curricular

supervisionado.

Durante quatro anos ou mais, o educando aprende, se apropria, produz, reelabora e

apreende diversos saberes que contribuem para seu desenvolvimento intelectual e

profissional. Nem sempre alcança níveis mais concentrados de teorias e metodologias

adequadas ao exercício profissional, mas pode se torna um profissional competente

incorporando aos saberes científicos e pedagógicos outros saberes aprendidos com as

experiências e práticas sócio culturais. No entanto, ressaltamos que esse resultado não

depende apenas do educando, todo um conjunto de fatores contribui para uma formação de

qualidade, depende também da apropriação do conceito de história e da noção tempo. Nesse

sentido, conforme propôs Lucien Febvre, em 1952, ao ensinar história é preciso saber pensar:

A história é como qualquer disciplina. Tem necessidade de bons operários e bons

contramestres, capazes de executa corretamente os trabalhos segundo os planos de

outrem. Tem também a necessidade de alguns bons engenheiros. E esses devem ver

as coisas um pouco acima da base. Esses devem poder traçar planos, vastos, largos

planos – em cuja realização possam trabalhar em seguida, utilmente, os bons

operários e os bons contramestres. Para traçar planos, vastos, largos planos, são

precisos espíritos vastos e largos. É preciso uma visão clara das coisas. É preciso

trabalhar de acordo com todo o movimento do seu tempo. É preciso ter horror ao

pequeno, ao mesquinho, ao pobre, ao antiquado. Numa palavra, é preciso saber

pensar. (1989, p.41)

Assim, convém lembrar que os professores de história necessitam renovar e inovar os

conhecidos “utensílios de precisão” (FEBVRE, 1989, P. 49) para desempenhar à docência

com sensibilidade e ética para lidar com a diversidade humana. Sabemos que a forma de se

ensinar História mudou significativamente desde que Marc Bloch e Lucien Febvre fundaram a

Escola dos Annales, em 1929. (BOURDÉ, MARTIN, 2012). Novos elementos foram

incorporados ao oficio do historiador e as atividades do professor/pesquisador. A renovação

nas pesquisas e na disciplina histórica trouxeram para o primeiro plano a necessidade de se

adotar novas abordagens conceituais e práticas, novos objetos e novos problemas relacionados

a cultura e ao social. Em um espaço breve de tempo, historiadores e professores de história

passaram a ressaltar a importância do diálogo interdisciplinar, mas também “[...] da produção

historiografia e pedagógica, na busca da discussão, compreensão e proposição de caminhos e

83

possibilidade para o seu desenvolvimento na escola” (GONÇALVES, 2011,p. 935.). Esse

movimento alavancou as pesquisas, a produção historiográfica e a renovação no exercício da

docência. Passou-se a valorizar a história social e cultura, uma história mais integrada e

interdisciplinar, para mostrar que os acontecimentos históricos estão interligados, são elos de

um processo em andamento, ás vezes, numa temporalidade de longa duração.2

Nesse mesmo sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais favoreceram as mudanças

no campo da História ao valorizar o ensino, as pesquisas e ações conjugadas com outras

disciplinas. E ao enfatizar que a “história é um campo de pesquisa e produção de saber em

permanente debates que está longe de apontar para um consenso.”3 Ainda participa desse

contexto o estágio curricular supervisionada, que é a verificação dos saberes escolares que o

educando domina para ser um profissional capacitado e bem sucedido em sua área de

formação.

Podemos dizer que os Parâmetros Curriculares Nacionais estimularam o professor a

buscar alternativas metodológicas e didáticas para o ensino de história. Ampliando os estudos

para temas diversificados, adentraram outras áreas do conhecimento nas ciências humanas.

Com isso promoveram a distinção entre realidade e representação da realidade, entre os

conceitos de cultura e civilização, multiplicando a compreensão de tempo e tempo histórico.

Além disso, passaram a valorizar a percepção do eu e do nós, possibilitando ao educando

identificar semelhanças e diferenças entre sociedades, grupos e indivíduos. Levando-o a se

identificar como sujeito histórico no processo de formação intelectual e profissional.

Este movimento estimulou a compreensão do aluno para o fato de que a história tem

períodos de avanços, recuos e aceleração, mas tem também períodos de

“[...] turbulência, bifurcações, desvios, fases imóveis, êxtases, períodos de latências

seguidos de virulências, como o cristianismo, que ficou incubado dois séculos antes

2 O termo “longa duração” foi utilizado por Fernand Braudel para se referir a história de “fôlego ainda mais

contido, uma história de longa, ainda mais longa duração” em oposição a história dos acontecimentos ou

événementielle, termo cunhado por François Simiand e Paul Lacombe. Ver: BRAUDEL, Fernand. História e

Ciências Sociais. Trad. J. Ginsburg e Teresa Cristina Silveira da Mota. 2ª ed. São Paulo: Editorial Perspectiva,

2009, p.44.

3 BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia / Secretaria de Educação Fundamental. –

Brasília: MEC/SEF, 1997, p. 32.

84

de o Império Romano submergir, e processos epidêmicos extremamente rápidos,

como a difusão do islamismo.” (MORIN, 2012, p. 70)

A história humana está repleta de momentos de grandes conquistas e de processos de

destruição das sociedades, do meio ambiente e das culturas. De tal modo, a compreensão de

tais processos e fenômenos contribui para que o aluno possa entender as permanências e

mudanças das sociedades na relação passado/presente. O ensino de história é a história da

diversidade cultural, étnica, social, a história humana em todas as suas dimensões temporal.

Para ensiná-la é preciso aprender “o que está tecido junto” conforme nos ensina Edgar Morin.

(2012, p. 42)

Portanto, associando o “saber escolar” ao saber da disciplina, os professores do ensino

fundamental e ensino médio passaram de um ensino tradicional e desmotivador para um

ensino crítico e transformador. A pesquisadora Ana Maria Monteiro fez uma distinção

necessária entre as categorias “saber escolar” e “saber docente” ao explicitar que:

O “saber escolar” designa um conhecimento com configuração cognitiva própria,

relacionada mas diferente do saber cientifico de referência, e que é criado a partir

das necessidades e injunções do processo educativo, envolvendo questões relativas à

transposição didática e ás mediações entre conhecimento científico e conhecimento

do cotidiano, bem como as dimensões históricas e sociocultural numa perspectiva

pluralista. [...] A categoria “saber docente” é utilizada por pesquisadores que buscam

investigar e compreender a ação docente, tendo por foco as suas relações com os

saberes que dominam para poder ensinar e aqueles que ensinam, expressos muitas

vezes como saberes práticos [...]” (MONTEIRO, 2010, p.14).

Nesse sentido, importa salientar que os saberes são articulados pelo docente no

momento de selecionar, preparar e ensinar os conteúdos. Para que execute tais ações e

consiga obter resultados positivos junto aos alunos, o docente precisa mobilizar os saberes

específicos da disciplina de História aprendidos na Universidade, enquanto acadêmico, mas

também os saberes pedagógicos e curriculares que são os conteúdos selecionados pela escola

para serem ensinados aos alunos. Em seu exercício diário de docência, o professor procura

preparar seus alunos para enfrentar o mundo com criatividade, dinamismo, competência e

habilidades para exercer funções e atividades inerentes a profissão escolhida. Promove a

apreensão de saberes que possibilita ao formando lidar com situações singulares e, às vezes,

bastante complexas. O estágio curricular supervisionado é parte da formação profissional, e

deve contemplar a experiência prática com atividades concretas em situação real de docência.

85

Observando o que esperar do profissional para as pesquisa e o ensino de história os

Parâmetros Curriculares Nacional destaca que:

O graduado deverá estar capacitado ao exercício do trabalho de historiador em todas

as suas dimensões, o que supõe pleno domínio da natureza do conhecimento

histórico e das práticas essenciais de sua produção e difusão. Atendidas essas

exigências básicas e conforme as possibilidades, necessidades e interesses das IES,

com formação complementar e interdisciplinar, o profissional estará em condições

de suprir demandas sociais relativa ao seu campo de conhecimento (magistério em

todos os graus, preservação do patrimônio, assessorias a entidades públicas e

privadas nos setores culturais, artísticos, turísticos, etc.) uma vez que a formação do

profissional de História se fundamenta no exercício da pesquisa (MEC/SEF, 1997, p.

4).

Este perfil mostra a importância que tem o estágio curricular supervisionado para o

educando em formação e para a sociedade que o recebe enquanto um profissional dotado de

competências e habilidades especificas da área de formação docente. Diante do atual

contexto e das incertezas e possibilidades verdejando no campo da história é preciso que o

educando em processo de finalização do curso de licenciatura em História esteja seguro de

seu conhecimento para realizar o estágio curricular supervisionado. No primeiro momento

descobre que deve seguir o planejamento elaborado pelo docente titular da sala de aula. Pode

parecer uma tarefa simples, afinal durante quatro anos ou mais foi orientado no sentido de

ultrapassar mais esta etapa de seu processo de formação profissional. Entretanto, outras

dúvidas e receios se somam ao primeiro desafio. Como será recebida pelos alunos? Terá a

atenção e o domínio da sala de aula? O conhecimento cientifico da disciplina de história e os

pedagógicos que possui serão suficientes para explicar e responder aos questionamentos dos

alunos? Estas e outras questões fazem parte do universo do educando que se prepara para ser

docente. Afinal,

[...] o exercício da docência consiste no domínio, na transmissão e na produção de

um conjunto de saberes e valores por meio de processo educativos desenvolvidos no

interior do sistema de educação escolar. Esse saber docente é, de acordo com

literatura da área, um saber plural, heterogêneo, construído ao longo da história de

vida do sujeito (FONSECA, 2010, p. 63).

Articular as teorias com a prática exige do estagiário o domínio de um conjunto de

conhecimentos científicos apreendidos com as disciplinas de história, de conhecimentos

curriculares, pedagógicos e aqueles saberes adquiridos com as práticas sociais. Estes saberes

mobilizados formam a base da articulação entre teorias e práticas.

86

Neste “saber fazer” entra uma parcelar significativa do que Michel de Certeau (2003,

p.37) denominou por “ artes de fazer ou maneiras de fazer” cotidianas enquanto atividades

sociais. Esta arte se constitui de ações que promovem a constante invenção e reinvenção dos

saberes a partir das trocas de experiências, dos diálogos, atos de resistência, estratégias,

códigos, jogos de palavras e reapropriação de espaços e da cultura, numa dinâmica que exige

criatividade e sensibilidades. Artes que pertencem também a educação emancipadora voltada

para a formação de seres íntegros e dotados de conhecimentos necessários à vida em

sociedade. Assim, não podemos perder de vista que no exercício da docência, “[...] quer se

trate de uma aula ou do programa a ser ministrado durante o ano inteiro, percebe-se que o

professor precisa mobilizar um vasto cabedal de saberes e habilidades,” (TARDIF, 2002,

p.15) afinal são inúmeros os objetivos a serem atendidos com seu trabalho em sala de aula.

E mais, seguindo o ritual proposto no curso de formação, o estagiário deve preparar

suas aulas de estágio conforme o planejamento do docente titular da turma em que vai

estagiar. Dentre os conteúdos e temáticas ele planeja sob a orientação do docente a aula para

que possa ser avaliado pelo professor responsável pela disciplina. Todo esse percurso não é o

mais complicado para o estagiário. Na verdade, o momento que mais encabula e gera

preocupações é aula propriamente dita. Nessa etapa é que a formação do professor de história

revela as inconsistências da aprendizagem dos conteúdos e as simplificações das

competências e habilidades teóricos-metodológicas e pedagógicas da disciplina de história.

Sabemos que a docência é um exercício cotidiano de aprender e ensinar, renovar e

produzir saberes. Estes são “personalizados e situados, ou seja, são saberes apropriados,

incorporados, subjetivados, saberes que são difíceis de separar das pessoas, de sua

experiência e de sua situação de trabalho. (MONTEIRO, p. 181). Concluindo, acredito que a

disciplina de estágio curricular supervisionado nos cursos de licenciatura contribui de forma

significativa para que o educando perceba os limites do seu próprio conhecimento, da

disciplina de história, dos saberes escolares e curriculares. É o momento da individualização

da prática docente, o momento de se confrontar com os saberes que mobilizam para ensinar o

que ensinam. Afinal, para ensinar história é preciso, retomando as palavras de Lucien Febvre,

“saber pensar”!

87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: história, geografia / Secretaria de Educação

Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. Trad. J. Ginsburg e Teresa Cristina

Silveira da Mota. 2ª ed. São Paulo: Editorial Perspectiva, 2009.

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira

Alves. 9ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Editora Presencial, 1989.

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino em história. 11ª ed. Campinas,

SP: Papirus, 2010.

GONÇALVES, Nadia Gaiofatto. Produção de material didático para o ensino de História:

uma experiência de formação. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 11, n. 34, p. 933-949,

set./dez. 2011.

MONTEIRO, Ana Maria. Professores de História: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro:

Maud X, 2007.

MORIN, Edgar. Os sete olhares necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora

F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

88

A RELEVÂNCIA DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE DOS ACADÊMICOS DO

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UEMS DE AMAMBAI

Rosilene Ferreira dos Santos

Graduanda em Ciências Sociais da UEMS de Amambai

E-mail: [email protected]

Katia Resende de Assis Machado

Mestra/Docente do curso de Ciências Sociais da UEMS de Amambai.

E-mail: [email protected]

Este artigo tem por objetivo relatar experiências adquiridas pelos acadêmicos participantes do

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), subprojeto de Ciências

Sociais da UEMS de Amambai e propor reflexões acerca da importância desse programa para

a formação inicial docente dos acadêmicos do curso de Ciências Sociais, futuros professores da

disciplina de Sociologia no Ensino Médio. Percebe-se que o PIBID contribui de forma

significativa para a troca de experiências entre a escola e o discente da licenciatura,

proporcionando-lhe uma reflexão crítica sobre seu futuro ambiente de trabalho. O programa

proporciona, ainda, reflexões sobre as práticas de ensino-aprendizagem da disciplina de

Sociologia no Ensino Médio por meio das discussões em grupo entre acadêmicos, docentes da

Universidade e docentes da disciplina de Sociologia no ensino básico. O subprojeto

PIBID Ciências Sociais/UEMS de Amambai oportuniza aos acadêmicos bolsistas o

conhecimento da realidade da escola, a forma como o professor realiza as atividades da

disciplina de Sociologia, bem como as perspectivas dos alunos em relação a essa disciplina

que foi implantada recentemente na matriz curricular com o objetivo de promover o

pensamento crítico e reflexivo dos estudantes. O PIBID Ciências Sociais/UEMS de Amambai

pode ser considerado uma rica ferramenta de apoio aos acadêmicos do curso para o

desenvolvimento das competências profissionais e para incentivá-los a trilharem os caminhos da

docência. PALAVRAS-CHAVE: PIBID; Formação Docente; Ensino de Sociologia.

INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa, apresentamos uma breve análise das vivências dos acadêmicos do Curso

de Ciências Sociais em sala de aula, com alunos do ensino médio das escolas Estaduais

Fernando Corrêa da Costa e Dom Aquino Corrêa. Esta experiência se deu por intermédio do

89

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID, que proporcionou aos

acadêmicos bolsistas o desenvolvimento de habilidades relacionadas à prática de ensino de

Sociologia.

Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos acadêmicos das licenciaturas é a

articulação entre a teoria estudada na universidade e a prática. São imensos os rumores de que

quando se chega à prática, a teoria é bem diferente daquilo que se aprende na licenciatura,

muitos relatam enfrentar medo e insegurança diante do desafio da docência.

De acordo com a experiência da pesquisadora, que é vinculada ao programa desde 2014,

os acadêmicos de Ciências Sociais, bolsistas que atuam nas escolas parceiras do PIBID,

quinzenalmente, promovem encontros para planejamento de ações, nos quais são analisadas as

dificuldades dos alunos e dos professores, as necessidades dos professores regentes e,

consequentemente, são elaboradas atividades que serão ministradas nas aulas de Sociologia.

Nesses encontros quinzenais, os acadêmicos participantes do programa podem propor

atividades referentes à temática que está sendo trabalhada pelo professor regente, tanto em

conformidade com o livro didático, como também sugestões de oficinas em datas

comemorativas, entre outras. Feito isto, o professor regente auxilia os bolsistas na pesquisa e

confecção de materiais a serem utilizados em sala de aula e para exposições feitas nas escolas

parceiras.

No momento em que essas atividades planejadas são executadas em sala de aula, o

acadêmico bolsista tem a oportunidade de vivenciar, na prática, a postura de educador,

transmitindo o conhecimento adquirido na graduação, podendo trabalhar de uma forma

diferenciada com os alunos e também levando consigo mais um aspecto positivo para sua

formação.

Percebemos que o PIBID é um projeto conceituado nas universidades em todo

território nacional. Em dezembro de 2014, durante V Encontro Nacional das Licenciaturas-

ENALIC e IV Seminário Nacional do PIBID1, realizado na Universidade Federal do Estado

1 Disponível em: <http://www.uece.br/fecli/index.php/noticias/14-lista-de-noticias/484--encontro- nacional-

das -licenciaturas-enalic-e-o-iv-seminario-nacional-do-pibid>. Aces s o em: 21 Out. 2016.

90

do Rio Grande do Norte (UFRN), foi criado o Fórum dos Coordenadores

Institucionais do PIBID (FORPIBID), visando garantir esse elo entre instituições escolares e

Ensino Superior. No ano de 2015, houve uma reformulação no projeto, em que haveria a

possibilidade de cortes de bolsistas, para redução de gastos, foi então que o FORPIBID

ganhou forças, com manifestações de acadêmicos bolsistas, alunos e professores, nas redes

sociais e abaixo assinados enviados à CAPES, para garantir a permanência do programa,

pois segundo a carta2 do FORPIBID, entende-se que o PIBID contribui de forma significativa

para a reflexão e reformulação das práticas pedagógicas tanto nas escolas, quanto nas

universidades.

Após as manifestações, o governo manteve os bolsistas e o programa, mas desde

então, há certa insegurança por parte de todos os vinculados ao PIBID. Neste ano de 2016, as

atividades iniciaram-se com atraso, devido à incerteza da permanência do programa. Na

Unidade Universitária de Amambai houve manifestações por meio da imprensa local por parte

dos acadêmicos e professores para permanência do PIBID, visto que a intenção do governo era,

aos poucos, reduzir o número de bolsistas, levando gradativamente ao fim do programa.

Diante disso, o governo lançou um edital com novas vagas. No município de Amambai,

os cursos de História e Ciências Sociais da UEMS, participam do programa desde o ano de

2011, trabalhando nas escolas da rede pública estadual junto aos professores supervisores

que compõem o quadro de professores da educação básica.

As trocas de ideias promovidas nos encontros do PIBID possibilitam aos acadêmicos

uma visão otimista daquilo que podem se tornar ao ingressarem na universidade, principalmente

no curso de Ciências Sociais.

A DISCIPLINA DE SOCIOLOGIA E AS ESPECIFICIDADES DO PIBID -

CIÊNCIAS SOCIAIS DA UEMS DE AMAMBAI

A Sociologia é uma disciplina ainda em processo de consolidação na matriz curricular do

Ensino Médio brasileiro e a sua inclusão é de grande importância para a formação básica dos

jovens. Sabemos que essa disciplina tem pouco espaço nas escolas, seu tempo é limitado. No

2 Disponível em: <https://www.ufg.br/up/1/o/CARTA_DO_FORPIBID.pdf>. Aces s o em: 21 Out. 2016.

91

Estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, cada turma do ensino médio tem uma aula por

semana, o que dificulta que o educador explore mais sobre os temas relacionados à disciplina.

O desafio do professor de Sociologia é compreender os anseios dessa juventude e

proporcionar estratégias para que eles entendam a importância desta disciplina, como forma de

mudança a partir de seus comportamentos, na maneira de pensar, de refletir e de agir. O PIBID

fornece aos discentes do curso de Ciências Sociais da UEMS de Amambai a possibilidade de

estarem em contato com os alunos das escolas, buscando compreender o que eles

esperam do futuro, quais suas perspectivas após concluir o ensino médio e se a disciplina

de Sociologia, de alguma forma, os influencia na tomada de decisões.

Os jovens enfrentam desafios no cotidiano como a desigualdade social, a busca pelo

mercado de trabalho, seu espaço na sociedade e acesso ao ensino superior, que são motivos

pelos quais devem lutar para superá-los. Neste sentido, percebemos o quanto a Sociologia

exerce um papel fundamental na formação desses jovens, contribuindo para que descubram

as raízes desses desafios por meio da compreensão dos processos sociais. A Sociologia

auxilia na compreensão e na construção das identidades desses jovens, por meio da

observação e análise de suas experiências sociais, tornando -os sujeitos reflexivos e críticos.

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, denominado PIBID, tem

como base legal a Lei nº 9.394/1996, a Lei nº 11.2730/2006 e o Decreto nº

7.219/2010.

O PIBID é um programa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (CAPES) que tem por finalidade fomentar a iniciação à docência,

contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior

e para a melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira. (Portaria

nº46 de 11/04/2016, Cap. I, Art.2º, pag. 3)

Com a concessão de bolsas de iniciação à docência para acadêmicos dos cursos de

licenciatura, para professores universitários coordenadores e para professores regentes da

Educação Básica, o programa busca por meio da prática em sala de aula, tanto para os

professores quanto para os licenciandos, proporcionar momentos de reflexões sobre o

ensino da rede pública e aproximar a universidade com a realidade das escolas. O PIBID

Ciências Sociais UEMS/Amambai, criado em 2011, sob a coordenação da Professora

92

Viviane Scalon Fachin, tem como objetivo a formação de futuros professores de Ciências

Sociais do Ensino Médio, a formação continuada de professores de Sociologia do Ensino

Médio e a consolidação da licenciatura em Ciências Sociais, transformando todos

os envolvidos em agentes ativos e multiplicadores no cotidiano escolar, por meio de

uma formação cidadã mais plena e inclusiva.

Para a realização das ações, conforme a Portaria nº 46, de 11/04/2016, Cap. V, Art.24º,

pag. 9, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) disponibiliza

recursos financeiros para a execução dos projetos, custeando materiais de consumo, materiais

didáticos, pedagógicos, científicos e tecnológicos bem como prestação de serviços para

eventos e outros.

Por intermédio da disciplina de Sociologia, o aluno pode investigar, descrever e analisar

a realidade social. Ao compreender esta sociedade, o aluno poderá ter a capacidade de

transformar o meio em que vive exercendo sua cidadania. A sociedade passou por grandes

transformações sociais, desde a família, então, cabe ao educador, orientar seus alunos

para que compreendam os impactos causados por essas transformações em nossa

sociedade.

A disciplina de Sociologia poderá tornar o educando rico em fundamentos para deixar

de aplicar apenas o senso comum sobre a realidade, dessa forma, ele terá subsídios

para deixar de pensar que tudo que acontece é normal, natural.

Quando o aluno do ensino médio começa a estudar Sociologia, ele começa a ter um

novo olhar diante daquilo que ele conhecia, agora com um novo pensamento, mais crítico,

mais reflexivo. Percebe que, de alguma forma, pode contribuir para a transformação da

sociedade, que a vida em sociedade pode ser construída através de suas ações. Percebe,

ainda, que pode demonstrar descontentamento diante de fatos e situações e, consequentemente,

propor transformações. A partir do estranhamento e da desnaturalização, surgem, então,

as dúvidas, as contradições. Nesse momento, percebemos a importância do professor

de Sociologia contribuir para que os alunos tomem postura crítica, partindo da sua vida

cotidiana, e busquem as respostas ou soluções que possibilitam ir além de sua realidade.

93

A disciplina de Sociologia, ao abrir espaço para debates e reflexões sobre os problemas

sociais, possibilita a busca por soluções para tais problemas. Considerando que esta disciplina

contribui para a escola e para os alunos, propiciando um processo de reflexão sobre o que

envolve a sociedade, há uma necessidade de se repensar as formas de como os educadores

estão ensinando. Não se pode continuar espalhando o senso comum. Os alunos aprendem

muito fora da escola e confrontam esse aprendizado no âmbito escolar, construindo uma

nova forma de pensamento para a compreensão da realidade social. Diante disso, o PIBID

pode ser um espaço para esse tipo de reflexão.

RELATOS DE EXPERIÊNCIA REFERENTES À ATUAÇÃO NO PIBID

CIÊNCIAS SOCIAIS UEMS/AMAMBAI

Uma das propostas do subprojeto PIBID Ciências Sociais/UEMS de Amambai é a

vivência dos acadêmicos com o ambiente escolar, que não se resume apenas em repassar

conteúdos, mas também nas demais ações que são realizadas na escola.

Segundo o relatório do ano de 2014, disponibilizado pelo professor universitário

coordenador do subprojeto, Fabricio Antonio Deffacci, os acadêmicos bolsistas participaram da

entrega de prêmios dos alunos destaques do ano de 2013, com a presença do então

governador do Estado, André Puccinelli, entregando tabletes e aparelhos celulares para os

alunos. No mesmo ano, foi realizada uma palestra, ministrada pelo juiz federal Odilon de Oliveira,

abordando sobre drogas, que geram conflitos familiares.

Os participantes do subprojeto puderam desenvolver junto com a professora supervisora

do período, Josimara dos Reis Santos, métodos de pesquisa como: etnografia, a análise

histórica, a amostragem de imagens. A aplicação desses métodos de pesquisas em Ciências

Sociais foi a partir do texto do autor Antonny Giddens, e a etnografia, para maior

entendimento, foi trabalhada a partir da obra de Malinowski “Os argonautas do Pacífico

Ocidental”, que estabelece a etnologia e a metodologia que devem ser utilizadas. A ação

do PIBID, tendo por base a etnografia, consistiu na elaboração de um diário de campo

feito pelos alunos sob a supervisão da professora e do bolsista Douglas Menezes nos dois

primeiros anos do Ensino Médio da Escola Estadual Dr. Fernando Corrêa da Costa. Nos

94

segundos anos, os acadêmicos bolsistas trabalharam com o tema Movimentos Sociais,

apresentando documentário.

No ano de 2015, a professora regente Josimara dos Reis Santos se desvinculou do

programa, pois havia sido aprovada em um concurso em outra cidade, não podendo mais

lecionar na escola, mas o PIBID pôde contar com um novo professor supervisor, o Professor

Maxwell Amaral, licenciado em Ciencias Socias pela Universidade Estadual de Mato

Grosso do Sul e que também realizou algumas ações com os acadêmicos bolsistas,

desenvolvendo o projeto referente ao Dia da Consciência Negra, com a exposição de

trabalhos e comidas típicas, de origem africana.

Nessas ações realizadas nas escolas, podemos perceber a importância do PIBID,

pois os alunos interagem com os acadêmicos bolsistas que são vistos/considerados

como professores. Por meio de questionário3 aplicado para esta pesquisa, o coordenador

do PIBID/Ciências Sociais relata sobre a influência do programa para os acadêmicos

do curso:

Melhorias das atividades em grupo; fortalecimento do aprendizado; experiências

de sala de aula para a prática docente; Elevação da autoestima enquanto futuro

profissional da área; ampliação das expectativas em relação a es colha da profissão

e permanência no curso (DEFFACCI, 2016).

Percebemos que, ao iniciar o curso de Ciências Sociais, o discente ainda não tem muita

expectativa com relação à profissão por estar fazendo o curso, muitas vezes, por falta de

opção ou apenas para ter um diploma de ensino superior. Ao ser inserido no programa, o

acadêmico bolsista tem essa interação com a escola, alunos, professores e funcionários e ao

se deparar com a realidade da escola, entende a importância do cientista social para a

sociedade e tem a oportunidade de conhecer uma sala de aula, a relação aluno-professor.

Isso cria um fortalecimento para além da universidade, pois o acadêmico bolsista deixa de

ser apenas um discente da graduação, sendo respeitado como um educador, isso o motiva e

eleva a vontade de trabalhar, de expor suas ideias, tornando-o um sujeito crítico.

3 Questionário aplicado ao Coordenador Supervisor do PIBID Ciências Sociais/Amambai pela pesquisadora

Rosilene Ferreira dos Santos. Amambai, Set. 2016.

95

Ao ser questionado4 se a participação do acadêmico do curso de Ciências Sociais

da UEMS de Amambai no PIBID pode diminuir os índices de evasão no curso, o

coordenador do PIBID Ciências Sociais de Amambai, respondeu que:

Sim. O diálogo sempre presente com os conteúdos obtidos no curso possibilita

maior proximidade com o espaço acadêmico e maior interesse pela área de

formação. (DEFFACI, 2016)

Sendo assim, o programa busca a integração entre educação superior e ensino básico,

além de criar um espaço comum para a socialização e reflexão de experiências docentes.

Esse diálogo propiciado pelo programa nos remete ao que Freire postula em sua obra

Pedagogia do Oprimido, que discute sobre a concepção bancária de educação como forma de

instrumento de opressão, ou seja, o educador só repassa conteúdos, sem haver troca de ideias,

sem ouvir opinião. Freire aponta que:

[...] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se

solidariza o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser

transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de

um sujeito no outro, nem tampouco torna-se simples troca das ideias a s erem

consumidas pelos permutantes (FREIRE, 1987, p. 45).

Por meio do diálogo é possível uma aproximação entre os indivíduos, possibilitando essa

troca de experiências, unindo ideias em prol de um interesse em comum. Esse diálogo é

importante em sala de aula, pois aproxima o professor e o aluno e também pode ser percebido

nas reuniões realizadas pelo PIBID, possibilitando uma educação emancipadora,

estabelecendo uma reflexão sobre o outro, tornando cúmplices os participantes desse processo.

Freire fala dessa relação:

Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens.

Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se

não há amor que o funda. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também,

diálogo. Daí que seja essencialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-

se na relação de dominação. (FREIRE, 1987, p.45)

Conforme relatos dos bolsistas, as experiências vivenciadas ao longo do tempo no

PIBID Ciências Sociais UEMS/Amambai são importantes para a formação profissional

e cidadã deles. Podemos perceber que a inserção no PIBID também auxilia no

4 Questionário aplicado ao Coordenador Supervisor do PIBID Ciências Sociais UEMS/Amambai pela

pesquisadora Rosilene Ferreira dos Santos. Amambai, S et. 2016.

96

desenvolvimento acadêmico dos participantes do programa em atividades trabalhadas em sala

de aula na universidade, pois, muitas vezes, esses acadêmicos, antes de se tornarem

pibidianos, apresentavam dificuldades para abordar determinados temas. No entanto, com os

seminários que desenvolvem na universidade podem tirar suas dúvidas e perceber como

são necessárias leituras mais aprofundadas desses temas, isso faz com que possam elaborar

atividades e pensar de forma mais clara para apresentar aos alunos das escolas as ações

do programa. Sendo assim, as respostas a seguir, retiradas do questionário5

embasam nossas

reflexões:

O PIBID tem qual(is) influência(s ) para sua vida acadêmica e formação

docente?

O PIBID nos auxilia, pois, convivemos diariamente com o contexto es colar. Nos

permite também, nos deparar com as situações e dificuldades

enfrentadas pelos professores atuantes no s eu dia-a-dia.

O PIBID tem me ajudado a compreender mais as aulas na Universidade. E

vendo as aulas do professor, creio que isto que quero.

Sim. O programa PIBID me proporcionou uma experiência da prática docente, bem

como me apresentou a realidade vivenciada na instituição escolar. Esta experiência

me proporcionou ainda uma reflexão entre a teoria e a prática docente no curso

de Ciências Sociais.

Os acadêmicos bolsistas do PIBID Ciências Sociais UEMS/Amambai, conforme

respostas retiradas do questionário, demonstram a importância do PIBID:

A participação no programa despertou interesse em atuar como educador da

disciplina de Sociologia? Absolutamente. O programa PIBID me despertou o interesse em dar aula de

Sociologia. Através do programa, consegui verificar os principais problemas que

cercam o ensino de Sociologia. Tenho total interesse em atuar como educador

nesta área do conhecimento, verificando novas possibilidades para o ensino de

Sociologia.

De acordo com as respostas de alguns bolsistas, percebemos que o PIBID proporciona

uma experiência da prática docente, pois o licenciando tem a oportunidade de participar da

elaboração dos planejamentos das aulas juntamente com o professor regente, dando suas

sugestões de atividades que possam ser desenvolvidas, como oficinas que poderão ser

realizadas pelo menos uma vez a cada semestre, seguindo os temas que estão no referencial

5 Ques tionário aplicado aos acadêmicos bols is tas do Curs o de Ciências Sociais da UEMS de Amambai pela pes

quis adora Ros ilene Ferreira dos Santos . Amambai, s et.2016.

97

curricular. Para estes futuros educadores, o desafio é seguir os referenciais curriculares e

sensibilizar seus alunos, despertando uma crítica reflexiva, para que esses estudantes deixem

de vivenciar uma educação mecanicista, ou seja, quando os educadores só reproduzem o

que estão nos livros didáticos. Cabe aos professores, procurar novas metodologias que

despertem o interesse de seus discentes, que vai além dos livros, principalmente em relação à

disciplina de Sociologia.

Arroyo nos remete a essa ideia de dinâmica, de ensinar algo a mais ao que está previsto

nos referenciais curriculares:

Descobrimos os educandos, crianças, adolescentes e jovens como gente e não

apenas como alunos. Mais do que contas bancarias, onde depositamos nossos

conteúdos. Vendo os alunos como gente fomos redescobrindo-nos também

como gente, humanos, ensinantes de algo mais do que nossa matéria. Fomos

relativando os conteúdos, repensando-os e selecionando-os em função dos

educandos, de sua formação, de sua educação (ARROYO, 2011, p. 53).

Nesse processo de redefinição do ensinar, o professor não perde a centralidade de

seus conhecimentos, mas agrega novos aprendizados e dinâmicas mais humanas. O aluno

não apenas aprende o que lhe é imposto, mas o professor o ensina a refletir, de modo que

participe do processo da humanidade, que segundo Arroyo (2011, p. 54), todos temos o

direito de sermos humanos, e isto só é possível a partir da convivência com outros seres

humanos, compartilhando ideias, experiências dentro e fora do ambiente escolar. O espaço

escolar torna-se um encontro de diversidades, que passa por transformações desde a estrutura

familiar, que atualmente está mudada.

A família tradicional está perdendo espaço para outras formas de organização familiar,

o homem já não é mais o único chefe da família, a mulher, nos dias atuais, desempenha

esse papel muito bem, saindo para o mercado de trabalho e ajudando nas despesas da

família. É muito comum a mulher se tornar a chefe de família, pois sustenta seus filhos em

casa sem a presença de um cônjuge. O capitalismo desenfreado faz com que mais membros

da família tenham que trabalhar para ajudar. Isso sobrecarrega quem possui filhos, pois a

mulher, além de cuidar da casa, trabalha fora e acaba não dispondo de tempo para

acompanhar seus filhos, principalmente na educação.

98

Diante disso, a escola tem que repensar conceitos sobre valores sociais, conforme as

necessidades dessas novas organizações, buscando novas metodologias de trabalho e utilizando

de tecnologias que atraiam os alunos para os bancos escolares. Ainda que diferentes

métodos sejam aplicados, a educação tem uma série de problemas, principalmente relacionados

aos comportamentos de seus discentes. Isso é percebido em sala de aula, como por exemplo,

a falta de respeito dos alunos para com seus docentes, entre colegas de sala e aos

funcionários num todo. Os futuros docentes, pibidianos, ao se depararem com esta realidade,

tem a oportunidade de pensar sobre esses conflitos, podendo refletir sobre como lidar com

essas situações.

Percebemos que o programa exerce uma influência positiva para os professores

supervisores, que são os professores da disciplina de Sociologia, nas escolas de ensino básico.

Nesta perspectiva, a resposta de um dos professores supervisores do PIBID, docente de uma

das escolas parceiras, dada no questionário6 nos mostra essa influência:

Qual a influência do PIBID para o professor de Sociologia participante do

programa? A influência é positiva no sentido de trocas entre professor (alguém que está de fora da universidade) e acadêmicos (alguém que está em constante contato com as teorias). Nesta troca tanto o professor aprende a inovar sua metodologia com as sugestões e trabalho do acadêmico, quanto o acadêmico aprende com o professor a como lidar com questões cotidianas da sala de aula, como entender os comportamentos dos alunos e as sim o aperfeiçoamento metodológico.

Diante disso, o PIBID se torna uma ferramenta rica em possibilidades de ampliação de

conhecimentos tanto para o educando como para o educador. Nessa sociedade em constantes

mudanças, devido aos avanços da tecnologia, os jovens também acompanham todo esse

processo e o professor deve estar atento também a tudo. Os pibidianos percebem isso quando

estão na sala de aula, pois acompanham a rotina do professor, na prática. O acadêmico pode,

então, ser um instrumento de auxílio para o professor, inserindo metodologias inovadoras que

agucem o interesse desses jovens pela disciplina. Ainda nessa perspectiva de trocas de

experiências, o acadêmico bolsista leva para o ambiente universitário seus conhecimentos

adquiridos na escola da educação básica, ou seja, muda sua postura e forma de se expressar

diante de um seminário a ser apresentado, bem como em suas aulas piloto, regências de

6 Questionário aplicado ao professor supervisor da Es cola Estadual Dr. Fernando Correa da Costa pela

pesquisadora Rosilene Ferreira dos Santos . Amambai, s et.2016.

99

estágio. O acadêmico se sente familiarizado com uma sala de aula, consegue ter domínio sobre

si mesmo.

O Professor Maxwell destaca, também, a importância do PIBID com relação à atuação no mercado de trabalho:

Do seu ponto de vista, a interação entre professor coordenador do PIBID na

universidade (UEMS), professor supervisor nas es colas participantes e

acadêmicos e egressos do curso de Ciências Sociais é produtiva? Se sim,

justifique sua resposta a partir de exemplos de situações em sua experiência no

PIBID. Sim. Minha própria vivência acadêmica e depois profissional é um exemplo

dessa produtividade. Eu era bolsista do PIBID durante a minha graduação na E.

E. Cel. Felipe de Brum e muito do que nós produzimos na época (métodos,

ações, projetos, interação com os alunos) serviram de base para que eu

adentrasse na profissão melhor preparado, já com uma pré noção da realidade da

sala de aula. Neste processo a supervisão do professor de Sociologia se fez

produtiva no sentido de nos orientar quanto a prática docente, a coordenação do

projeto PIBID/Ciências Sociais se fez produtiva no sentido de apoio, tanto

pedagógico quanto teórico sobre as nossas ações na escola.

O fato de ter sido bolsista do PIBID serviu inclusive como referência pelo

próprio diretor para uma posterior contratação nas aulas de Sociologia na mesma

escola em que atuei, logo após estar graduado.

É importante salientar que ao interagir nas escolas, não somente com alunos, mas com

todo corpo docente, o pibidiano cria vínculos de amizade, que ao findar o programa, pode

ser favorável para que o mesmo venha a lecionar na escola em que atuou. Como foi o caso

do professor Maxwell Amaral e da professora anterior Josimara dos Santos Reis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos que a atuação no subprojeto PIBID Ciências Sociais/UEMS de Amambai é

relevante para a formação inicial docente dos acadêmicos de Ciências Sociais/UEMS de

Amambai. O programa promove a interação entre escola e universidade e desenvolve nos

acadêmicos bolsistas as habilidades e competências necessárias para a atuação em sala de

aula. O acadêmico vinculado ao programa sente-se seguro e preparado para encarar os

desafios que surgem no cotidiano escolar, para a preparação das aulas e dos materiais

didáticos e pedagógicos, participação nos eventos escolares e acadêmicos, além de sentirem-se

motivados para a atuação em sala de aula, apresentando uma autoestima elevada em relação à

atuação na docência. Podemos perceber, ainda, que o programa promove a permanência no

curso de licenciatura em Ciências Sociais/UEMS de Amambai, melhor rendimento nas

100

disciplinas, também propicia visibilidade ao curso, além de beneficiar financeiramente

acadêmicos e professores a fim de que disponibilizem tempo necessário para dedicação nas ações

do programa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROYO, Miguel G. Oficio do mestre: imagens e auto-imagens. 13 Edições. Ed. Vozes, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

MARTINS, Leticia Bernal; MENDONÇA, Sueli Guadalupe de Lima. Contribuições do

PIBID/Sociologia da UNESP Marília para o papel de professor-pesquisador.

UNESP/Marília. PIBID/CAPES. 2015.

Portaria nº46, de 11 de abril de 2016. Disponível em: <https://www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/15042016-Portaria-46-Regulamento-PIBID-completa.pd> Acesso em: 01 de setembro de 2016.

101

MULHERES E MOVIMENTOS SOCIAIS EM MATO GROSSO DO SUL:

CONSQUISTAS E CONTEXTOS

Ana Clara Camargo de Souza1

Curso de História, UEMS/U.U. AMAMBAI.

E-mail: [email protected]

O século XX também ficou marcado pelas conquistas femininas em diversos campos de

atuação. Por meio de associações e de movimentos sociais as mulheres adentraram o campo

político, jurídico, militar, entre outros. Para muitas o acesso as academias, o uso de

contraceptivos e o direito de votar e serem votadas foi um avanço impar para ampliar a

participação das mulheres nos espaços de poder e decisões. Este artigo analisa alguns aspectos

relacionados aos movimentos sociais de mulheres em Mato Grosso do Sul. Buscamos dar

ênfase a dinâmica deste processo a partir da Conferência de Belém do Pará em 1994,

contextualizando aspectos que contribuíram para as mudanças que houveram desde então.

PALAVRAS-CHAVE: Mato Grosso do Sul; Feminismo; Autonomia.

O movimento feminista surge no Brasil no último quartel do século XIX, mas se

tornou um movimento de fato no século XX. Os primeiros movimentos feministas

contribuíram para provocar mudanças no comportamento de homens e mulheres, sobretudo

porque as mulheres passaram a compor a força de trabalho dentro das indústrias nos centros

urbanos. Em poucas décadas as mulheres já estavam inseridas nas universidades, passaram a

ocupar cada vez mais os espaços públicos e privados, o campo político, jurídico e militar. A

partir da ampliação destas conquistas os movimentos sociais se destacaram, obtendo com isso

maior atenção da sociedade e muitas seguidoras. A ideologia de gênero que antes era um

pensamento voltado para a busca da igualdade entre os sexos, por melhores condições de

1 Graduanda em História da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, na Unidade Amambai.

Orientadora Prof° Doutora Marinete Zacharias Rodrigues. Este texto é resultado da Pesquisa do PIBIC/UEMS.

102

trabalhos, redução da carga horaria e equiparação salarial, estendeu-se para outras demandas

femininas.

Sabemos que a mulher sempre esteve limitada a participar de atividades consideradas

especificamente femininas. Foi, de certa forma, sempre tutelada por seus pais e pelos maridos,

pois as condições de liberdade de ação eram limitadas. Elas cresciam sob uma educação

machista, sexista, patriarcal e acima de tudo, em Mato Grosso do Sul, mandonista.

Uma das principais contribuições do novo conceito está em situar o problema

universal da subordinação da mulher ao homem, aonde de fato ele se encontra, ou

seja, nas relações sociais entre homens e mulheres e não nas mulheres, como uma

categoria a parte, do mesmo modo que não nos homens. O problema social da

subordinação-opressão-discriminação-exploração da mulher não está na mulher. (…)

Está nas pretensas formas de organização e de convívio, isto é, de exploração e

dominação criadas, mantidas e atualizadas pelas sociedades que, através dos tempos,

legitimam a ‘superioridade’ e a consequente dominação dos homens sobre as

mulheres [...] (VIEZZER, 1989).

Com as primeiras conquistas femininas se evidenciavam as forças contrárias que

permeavam as relações de poder entre homens e mulheres na esfera pública e privada. A

presença feminina em cargos e ambientes considerados masculinos desagradava a sociedade

acostumada a ver apenas homens como seus representantes nas instâncias superiores. Foi

também pelo direito de ocupar cada vez mais os espaços políticos, jurídicos e representativos,

dentro das Intuições públicas e privadas que as mulheres foram à luta. E para chegar lá, o

movimento feminista passou a se destacar, colocando como bandeiras de luta a igualdade de

oportunidades para o sexo feminino, uma paridade entre gêneros, melhores condições de

trabalho e o acesso ao conhecimento cientifico nas Universidades, além dos direitos de votar e

serem votadas. As mulheres juntas somaram forças e deram início aos movimentos sociais,

que surgiram principalmente dentro das Universidades e partidos políticos. Formaram grupos,

associações, organizaram manifestações, congressos e debates, alcançando um relativo espaço

na imprensa e dando visibilidade a suas reivindicações.

A representação política e cultural sempre foi necessária em um processo de luta, mas em

um período de mudança de governo e sob uma ditadura militar no Brasil em 1964, foi um desafio.

Era necessário a resistência por parte das mulheres para viver sob um regime autoritário tendo a

103

todo tempo o abuso de poder em que dentro e fora do lar o comando era masculino, mas através de

sua resistência levantaram questões que não estavam incorporadas nas agendas políticas deste

período, como por exemplo as desigualdades e discriminações. Muitas delas passaram por

processos de tortura física, psicológica neste período. Após esse marco histórico brasileiro

passamos por uma mudança mundial, chamada movimento hippie, consagrado pela ideologia

de vida alternativa, palavras como “paz e amor” marcaram esse movimento.

Os seguidores deste movimento eram contra intervenções de armas nucleares, lutavam

pela questão ambiental e alguns aderiram ao naturalismo. Neste período surgiu a pílula

anticoncepcional, que garantia as mulheres a não ovulação e sua emancipação sexual,

deixando de lado a ideia de que o sexo não era apenas um ato de reprodução, mas também um

ato de prazer. O surgimento da pílula foi uma grande conquista na vida das mulheres, liberou-

as da responsabilidade de uma possível gravidez. Este era um problema que, normalmente,

afligia apenas as mulheres. Muitos homens se sentiram inseguros com essa nova situação,

principalmente os casados que tinham sérios temores de serem vítimas da traição feminina.

Recorrendo as frases como “nosso corpo nos pertence” as mulheres se dispuseram a fomentar

a luta por outras demandas importantes para elas, como, por exemplo, o fim da violência

doméstica “tão comum e habitual” em nossa sociedade.

A história da luta das mulheres tem marcos importantes para a compreensão do processo

histórico de construção das conquistas femininas. Em 1931 teve a inserção da primeira mulher na

universidade, em 1932 a conquista do direito ao voto. Em 1964 iniciou o período da ditadura e nos

anos 80 surgiu o movimento hippie. Mas o grande marco nessa história e conquista pelos direitos

foi em 9 de junho de 1994 quando aconteceu a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e

Erradicar a Violência contra a Mulher em Belém do Pará.2

A Convenção reafirmava que a violência contra a mulher viola os direitos humanos e as

liberdades fundamentais, ressaltando, portanto a preocupação que ofende a dignidade humana da

mulher e que este ato é a clara manifestação do poder historicamente desigual entre os gêneros.

2 BRASIL. Conferencia de Belém do Pará. Disponível https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.Belem.do.Para.htm Acesso em 16/10/2016

104

Foi declarado por erradicação a violência contra a mulher aprovada na vigésima quinta

Assembleia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres.3 Os debates destacavam que

a violência passa por todos os setores da sociedade, não sendo uma questão de raça, classe, grupo

étnico, cultura, nível educacional, idade ou religião. Era necessário a adoção de medidas para

tratar da prevenção, erradicação e punição para toda e qualquer forma de violência contra a

mulher. As organizações do Estados contribuíram de forma positiva na construção do

compromisso da proteção dos direitos das mulheres.

Assim, o artigo 2º da Convenção estabeleceu que a violência contra mulher abrange a

violência física, psicológica e sexual, ocorrida no âmbito da família, ou unidade doméstica ou em

qualquer relação interpessoal, que o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua

residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus tratos e abuso sexual; ocorrida na

comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso

sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de

trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e

perpetrada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.4

A mulher tem como seu direito ser livre da violência, na esfera pública e privada

conforme especifica o artigo 3º. Ficava, portanto, reconhecido o direito da mulher ter em sua

vida, integridade física, mental e moral, liberdade e segurança pessoal, e não ser submetida a

tortura, ficou declarado o respeito à dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua

família, direitos previstos no artigo 4º.

Estabeleceu-se como deveres do Estado condenar todas as formas de violência contra a

mulher e buscar adotar, por meios apropriados e sem demora, políticas públicas destinadas a

prevenir, punir e erradicar a violência e empenha-se em abster-se de qualquer ato ou prática de

violência contra a mulher e velar para que autoridades, funcionários, bem como agentes e

instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação, agir com o devido zelo para

prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher, incorporar na sua legislação interna

normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir,

3 Idem.

4 Idem.

105

punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas

adequadas que forem aplicáveis, segundo artigo 7º da Convenção de Belém do Pará.5

Os Estados tiveram que criar mecanismos interamericanos de proteção a fim de

proteger o direito de toda mulher a uma vida livre de violência, os Estados Partes devem

incluir nos relatórios nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres informações sobre as

medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para prestar

assistência à mulher afetada pela violência, bem como sobre as dificuldade que observarem na

aplicação das mesmas e os fatores que contribuam para a violência contra a mulher conforme

o previsto pelo artigo 10º.

A Convenção de Belém do Pará foi um marco para a história das mulheres, pois a

partir de então tiveram direito a uma conferência interamericana para retratar e debater sobre

seus direitos e pensar em políticas públicas de assistência às mulheres, em especial àquelas

vítimas da opressão e do machismo tão característico nas relações entre homens e mulheres

tanto no ambiente familiar quanto no trabalho e no lazer. Mulheres submetidas aos abusos

psicológicos, físicos e sexuais.6 Foi um passo para fortalecer os movimentos feministas,

ampliar o combate da violência contra a mulher e colocar em destaque as contribuições

históricas das mulheres para a formação da sociedade em Mato Grosso do Sul. Tais questões

foram debatidas em uma conferência de Estados dando visibilidade aos problemas, tornando

os movimentos uma força representativa e de militância feminina.Foi o engajamento

necessário para a criação de novos movimentos feministas. Em Mato Grosso do Sul eles

sugiram em associações de moradores, nos bairros e nos partidos políticos, estes ainda assim

com interesse pela cota de mulheres em suas representações. Os movimentos sociais eram

considerados invisíveis e sem qualquer perspectiva diante da dominação masculina patriarcal.

Conforme observou Celi Pinto Jardim em seus estudos:

[...] a participação da mulher no movimento rompe sempre com sua condição de

invisibilidade pública. Este rompimento não é feito, na maioria das vezes, sem

5 Ibid.

6 Para um maior aprofundamento sobre a Convenção Belém do Pará consultar:

https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.Belem.do.Para.html

106

tensões no interior da família. A decisão de participar é quase sempre acompanhada

da resistência à participação por parte de pais, maridos, e até mesmo filhos,

entendida na maioria das vezes como resistência a quebra do cotidiano familiar e de

padrões morais acordados no interior da família e da comunidade. Se isto é verdade,

no entanto, não esgota a explicação sobre a resistência: a saída do privado para o

público envolve a entrada em uma rede de relações que pressupõe novos saberes,

novas informações que, por sua vez, redefinem as relações de poder ao nível privado

(GOMES, 1996).

As pesquisas realizadas até aqui mostram que em Mato Grosso do Sul temos cerca de

75 grupos sociais feministas atuante no Estado7, dois se destacam pelo maior envolvimento.

Podemos citar os SIM (Sistema de Informação Mulher), que é um grupo constituído por

mulheres de classe média, na maioria são psicólogas, sociólogas, médicas e professoras e

desenvolvem um trabalho de informação, assessoria e pesquisa para as mulheres da periferia.

O outro movimento se chama MPM (Movimento Popular de Mulheres). Neste grupo é

desenvolvido um trabalho com a comunidade e atende ao Estado todo, ele surgiu dentro da

igreja católica na pastoral social. O movimento possui grupos de mães que reivindicam ações

básicas mais próximas do que uma associação de moradores faz. Esses dois grupos atuam nas

cidades de Campo Grande, Corumbá, Três Lagoas, Dourados. Sendo que 70% do total dos

movimentos sociais se localizam nas cidades de Dourados e Campo Grande.8

O movimento passa pelas concepções tradicionais que perpassam e contribuem para a

invisibilidade da causa das mulheres. Tratar da questão de gênero não é somente pontuar as

diferenças biológicas de ambos os sexos, mas evidenciar os problemas pelos quais as mulheres

tem sido mantidas subordinadas ao ditames de uma cultura de dominação masculina. Esta é

uma questão social que permeia as relações entre homens e mulheres em todos os ambientes.

A mulher é classifica como menos inteligente, recebe 30% a menos que os homens mesmo em

situações com o mesmo cargo, é vista como um objeto sexual, tudo que é relacionado ao

feminino é visto como algo inferior e sobretudo esquecido na história.

Outro movimento que ajudou muito no processo de formação do movimento de

mulheres em Mato Grosso do Sul foi o Movimento Sem Terra que teve início em 1984, a

7 GOMES, Maria Ana. Movimento Social de Mulheres em Mato Grosso do Sul. UFMS: Cadernos de

Extensão, Ano 1, Nº 4, junho de 1996

8 GOMES, op., cit.

107

partir da ocupação da fazenda Santa Idalina em Ivinhema. Nas entrevistas com as mulheres

assentadas as mesmas assumiram a influência do feminismo em sua luta e pode-se perceber a

importância das mulheres no processo de conquista pela terra, a resistência e o mapeamento

pela quantidade de moradoras no assentamento. Durante o período como assentadas o MST

concedeu a elas palestras sobre feminismo, política e relações de gênero. É possível perceber

no conteúdo das falas o conhecimento adquirido na vivência ou pelas palestras oferecidas.

Neste trecho da entrevista fica claro isso

Na época de acampamento a gente vivia bem a relação de gênero, todo mundo era

igual. Depois que recebemos o lote, tivemos que voltar pro fogão. É isso? Não!

Queremos mais, por mais que ainda não temos nossa própria associação, e não somos

bem ouvidas nas reuniões, tamos adquirindo conhecimento dentro das associações. É

bom o trabalho, trabalhamos bem em coletividade com homens e mulheres. Mas nós

vamos ter nosso espaço de mulheres, só de mulheres.9

Após a entradas das famílias nos assentamentos ela viam a necessidade de escolas,

transportes, postos médicos e por meio de muita resistência e luta conseguiram. Hoje na escola

do assentamento estudam cerca de 900 alunos.10

Uma das queixas das mulheres é que elas

mesmo com 7 anos de assentamento não conseguiram montar um coletivo somente de

mulheres por causa da participação de seus maridos nos encontros, o que acaba sendo mais um

empecilho pela união delas. Contudo elas não desistem e mesmo tendo dificuldades

continuam resistindo em suas lutas e por meio disso conseguiram dar início a cozinha

comunitária do assentamento.

A mulher que luta pela terra, luta também por sua dignidade, além de refletir e

apresentar um novo modelo de participação e novo papel das mulheres e homens na

sociedade. Numa perspectiva social, política e humana, valorizando os saberes e

trabalho das mulheres do assentamento é que elas passam a ser compreendidas como

sujeitos imprescindíveis no processo de desenvolvimento de cada conjunto.11

9 GONÇALVES, Daniele Lourenço; FARIAS, Marisa de Fátima Lomba de. Movimento de Mulheres no

Assentamento Eldorado II A participação do MST E A Influência do Feminismo. ENEPEX. Disponível:

http://www. file:///E:/Downloads/movimento%20de%20mulheres.pdf.

10 GONÇALVES, FARIAS, op., cit., p.5

11 Ibid., p.7.

108

Um dos principais movimentos de mulheres a nível nacional e internacional é a

Marcha Mundial de Mulheres12

que surgiu no ano de 2000 pela mobilização de mulheres no

mundo todo contra a pobreza e a violência. As ações deste grupo começaram no dia 08 de

março, dia internacional da mulher e finalizou em 17 de outubro, elas repudiavam dizendo

“2000 razões para marchar contra a pobreza e a violência sexista”. A ação deste grupo foi

influenciada por uma marcha que ocorreu no Canadá em Quebec, onde mulheres faziam

críticas ao sistema capitalista. Com este ato de resistência as mulheres conseguiram o aumento

de salários mínimos, mais direitos civis para as mulheres imigrantes e o apoio a economia

solidaria.

O objetivo deste movimento é somar forças entre as mulheres urbanas e rurais a partir

de movimentos sociais, tendo como objeção a mudança do sistema capitalista, patriarcal,

racista e homofóbico. Usam como slogan do movimento “Seguiremos em Marcha até que

todas sejam livres”. Em Mato Grosso do Sul este movimento promove atos de resistência a

partir de movimentos sociais vinculados aos movimentos estudantis das universidades UFMS

(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), UEMS (Universidade Estadual de Mato

Grosso do Sul) e UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). Os atos mais

significativos ocorreram nos dias 04/05/2015 com Mulheres pela Democracia foi uma

passeata pela orla em Campo Grande, no dia 18/06/2015 teve a Audiência Pública sobre

Feminicídio, e também o ato Violência e Mídia na Assembleia Legislativa do Estado de Mato

Grosso do Sul, 01/08/2015. Esse tal machismo na Escola Estadual Maria Constança Barros

Machado, 10/10/2015 - a IV Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres no Simted

Dourados, em 28/11/2015 o Cine Feminista na Escola Estadual Maria Constança Barros

Machado. Os movimentos se apoiam na busca pela superação dos desafios e das

incertezas da vida moderna.

12Disponível em https://www.facebook.com/pg/marchamundialdasmulheresms/events/?ref=page_internal

acesso em 05/11/2016.

109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMES, Maria Ana. Movimento Social de Mulheres em Mato Grosso do Sul. UFMS:

Cadernos de Extensão, Ano 1, Nº 4, junho de 1996.

GONÇALVES, Daniele Lourenço. FARIAS, Marisa de Fátima Lomba de. Movimento de

Mulheres no Assentamento Eldorado II A participação do MST E A Influência do

Feminismo. ENEPEX. Disponível: http://www.

file:///E:/Downloads/movimento%20de%20mulheres.pdf.

PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (org.). Nova História das Mulheres no

Brasil. São Paulo: Contexto, 2013.

PINTO JARDIM, Celi R. Movimentos sociais: espaços privilegiados da mulher enquanto

sujeito político. In: COSTA, A. O. e BRUSCHINI, C. (org.). Uma questão de gênero. Rio de

Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.

PITANGUY, Jaqueline. Movimento de Mulheres e Políticas de Gênero no Brasil.

Novembro 2002.

VIEZZER, Moema. O problema não está na mulher. São Paulo: Cortez, 1989.

110

UM BALANÇO DAS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE DOS 1990 AOS DIAS

ATUAIS

Denildo de Souza

Licenciado em História (Unipar), Pós-graduado em história do Brasil (Signoreli), Graduando

em Filosofia (EAD) pela Unipar e mestrando do PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai).

E-mail: [email protected]

Viviane Scalon Fachin

Doutora em História pela UFGD, Professora Efetiva da UEMS e Docente do

PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai). E- mail: [email protected]

Objetivamos com o presente estudo fazer um balanço das políticas de formação docente dos

anos 1990 aos dias atuais. Encontrar simetrias e assimetrias nessas políticas de formação, bem

como captar os retrocessos paradoxos e consequências para a formação e a prática docente.

Subjacente a essa política de formação implantada nos anos 90 há um apelo à formação

docente com vistas a inserir o docente na sociedade do conhecimento. Paradoxalmente

valorizando seu fazer puramente prático.

PALAVRAS-CHAVE: Formação inicial docente; Políticas de Formação; Formação

Continuada.

A FORMAÇÃO DOCENTE AO LONGO DA HISTÓRIA

O presente trabalho faz parte dos estudos realizados na disciplina de história do

ensino de história realizados no primeiro semestre do Profhistória 2016, nas aulas da

professora Viviane Scalon Fachin. Resultado de várias discussões a respeito da importância

que a educação tem na formação do professor de história em sala de aula. Bem como entender

que o professor deve estar muito bem preparado para entender que além de ser professor de

história, ele também deve ser um profissional a serviço da educação como um todo. Por isso,

entender os processos que envolvem o ensino poderá ser de grande relevância.

111

Analisar as políticas de formação docente tendo como pressuposto os anos 90 é

imperativo com vistas a construir com essa referência histórica um conceito que revele a

formação docente nos dias hodiernos. Partimos da premissa de uma leitura histórica da

formação docente para nos referenciar e conduzir nossa análise.

A necessidade da formação docente já fora preconizada por Comenius, no século

XVII, e o primeiro estabelecimento de ensino destinado à formação de professores

teria sido instituído por São João Batista de La Salle em 1684, em Reims, com o

nome Seminário dos Mestres [...] Após a Revolução Francesa, foi colocado o

problema da instrução popular. É a partir daí que deriva o processo de criação de

Escolas Normais como instituições encarregadas de preparar professores

(SAVIANI, 2008, p. 143).

No Brasil, conforme Saviani (2008), tivemos períodos que nos explicam como

aconteceu a história da formação de professores, períodos que compreendem os anos de 1827-

1890, com as escolas de primeiras letras. Em 1890-1932 ocorre a expansão das Escolas

Normais e a organização dos Institutos de Educação (1932-1939). Em 1939-1971 houve a

implantação dos cursos de Pedagogia. Em 1971-1996 a substituição da Escola Normal pela

habilitação especifica de Magistério. Portanto conhecer a gênese e os interesses que moveram

a formação docente no Brasil nos faz revelar o percurso que objetivamos trilhar, servindo-nos

do recurso heurístico e diacrônico. Segundo Azevedo (1958) O professor deveria conhecer os

fins, os meios e os métodos do seu ensino e saber justifica-los cientificamente, sendo

educador pela capacidade de produzir e organizar valores espirituais.

Os institutos de Educação conforme Moraes (2003) se organizaram para propiciar

formação de nível superior aos professores, revelando a importância da formação docente. O

domínio científico da prática já se mostrava de substancial importância.

Os institutos de Educação a partir de 1937 sob ideias preconizadas por Azevedo

(1958) passou a operar com intensidade produzindo formação docente em níveis secundário e

primário. A configuração dada a esses cursos privilegiava segundo Moraes (2003) uma

formação que articulava saberes teóricos e práticos, em um diálogo onde a metodologia, o

saber fazer estava intrinsecamente ligado ao conteúdo de ensino, revelando a preocupação

com uma formação integral do futuro docente, uma prática eivada de teoria. “Tudo indicava

que estava se tornando uma grande instituição, tão grande que precisou ser aniquilada”

112

(Moraes, 2003, p. 40). O referido instituto revelava uma formação docente que estava no

caminho, ou seja, priorizando a formação integral do docente. Inferimos, que dada a

importância do instituto, esse seria o motivo pelo qual o mesmo foi interrompido.

Não obstante a extinção do instituto, constatamos a presença de um jogo de interesses

em sua extinção.

Os católicos tinham todo o interesse em hegemonizar a formação superior do

professor na universidade [...]. O surgimento do curso de Pedagogia do Brasil, nos

anos 1940, pode ter resultado da ruptura, de caráter violento, com as propostas

institucionalizadas na década de 1930, a de Anísio Teixeira e a de Fernando

Azevedo, que não referiam a “curso de Pedagogia”, mas a formação do professor

(MORAES, 2003, p. 40-41).

Destarte vislumbramos as disputas de interesses no campo de formação de professores.

O incurso pela história nos revela, sobretudo o esvaziamento do compromisso com a

formação docente, interesses políticos e mercadológicos fizeram sobreposição à formação de

qualidade do docente que ora vinha se consolidando nos institutos de Educação. O recurso

diacrônico nos revela como foi construída ao longo de nossa história a formação docente. Esta

incursão corrobora com nossa análise, onde objetivamos construir um paralelo com a

formação docente nos anos 90 e refletir sobre a mesma nos dias atuais. Daremos um salto

cronológico em nossa análise passando aos anos de 1990.

OS ANOS 1990 E A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DOCENTE

Dadas às limitações cronológicas de nossa análise passaremos a analisar os anos 1990

e a política de formação docente, evidenciando os avanços e retrocessos, não obstante os

referenciais políticos e econômicos deste período e sua relação com esta política de formação

em curso.

Na década de 1980, vivenciamos um intenso debate a cerca do fortalecimento dos

aportes teóricos na formação dos professores e da importância dos conteúdos de

formações sociológicas, filosóficas e históricos, fundamentais para a construção das

diferentes teorias educacionais e para a formação crítica de um profissional e de um

pesquisador em educação (PEIXOTO, 2009, p. 35, Apud, FELDMANN, p. 35).

O debate acerca da importância de formação teórica para o docente conforme o autor

acompanhou, as discussões em torno da redemocratização dos anos 80 convergem para que

113

haja também uma nova lei para a educação, intensamente discutida de forma democrática por

meio dos fóruns nacionais de educação.

No Brasil a década de 1980 brindou um excelente debate sobre as várias formas de

conceber a educação e a organização do trabalho escolar. Entretanto, este debate

profícuo terminou por ser interrompido pela avalanche da aliança mundial

liberal/conservadora dos anos 1990. [...] Paralisou o debate sobre as interligações

educação-sociedade tão arduamente construído na década de 1980, [...] agravado

pela perspectiva das posições “pós-modernas” (FREITAS, 2001 apud, PEIXOTO,

2009, p. 37).

O debate interrompido, o recuo do fortalecimento da formação teórica-crítica iniciada

nos anos 80 evidencia e aponta as consequências desse processo, incidindo posteriormente em

uma sólida formação docente, sobretudo o esvaziamento do debate teórico.

Conforme Arelaro (2000), a década de 1990 evidencia momentos paradoxais, de um

lado os resultados de um intenso debate democrático que resultou em conquistas sociais e do

outro a defesa de um projeto econômico e político para o Brasil, notadamente neoliberal,

propalando a necessidade de reformar o estado. Sob os auspícios desse governo eleito no

início da década de 1990, organismos internacionais, tais como o Banco Mundial, o UNICEF

e a UNESCO, fizeram pressão ao Brasil em virtude do baixo rendimento nas estatísticas

educacionais, com o lema “Educação para Todos”, visando melhorias educacionais,

condicionando seus empréstimos internacionais de acordo com a adoção de seu “modelo” de

educação.

O projeto original da nova LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional sofre

uma substancial inversão de organização da educação nacional, contudo os embates em defesa

do projeto original se iniciam, colocando em evidência os dois projetos políticos com

concepções divergentes de educação no Brasil.

O projeto neoliberal vai-se consolidando, ajudado por pressão das agências

internacionais [...]. O governo brasileiro começa a aceitar, na área da educação,

compromissos e orientações nos termos das exigências das agências de

financiamento internacional (ARELARO, 2000, p. 98).

As mudanças advindas deste projeto neoliberal vão incidir em todos os aspectos

educacionais, vindo a interferir na formação docente objeto de nossa análise “O coroamento

deste arcabouço legal foi feito através da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

114

Nacional (Lei 9394/96), na direção oposta ao defendido na versão do projeto “Jorge Hage”

(ARELARO, 2000, p. 105).

Conforme citação supracitada essa versão ficou entendida como um projeto de

educação alheio às demandas reais da educação, ou seja, que não foi gestada em solo

brasileiro, desconstruindo o projeto original elaborado democraticamente que atendia aos

anseios de uma formação teórico crítica ao docente consubstanciado no projeto Jorge Hage.

Para Candau (2010) os diagnósticos feitos nos sistemas de ensino, orientados por

técnicos de organismos internacionais o foram com base em enfoques economicistas, isto é,

centrados na produtividade. Este enfoque prescinde de um olhar mais abrangente sobre a

educação, que não se restrinja a focaliza-lo de forma pragmática.

“Nesse sentido a lógica empresarial passa a direcionar a educação” (CANDAU, 2010,

p. 34, Apud, MOREIRA, 2010, p.34)” a essa lógica se coaduna a opção do estado brasileiro

no que tange a política de formação docente e a educação em sua totalidade, levada a cabo a

partir dos anos 1990.

Segundo Shiroma (2003), a década de 1990 foi fértil na produção de documentos que

embasaram a reforma da educação brasileira. O discurso levado a cabo produziu uma retórica,

termos como produtividade, competência, qualidade fizeram eco e portavam a novidade, com

ênfase positiva.

Os organismos internacionais portavam essa suposta novidade como panaceia para

todas as mazelas educacionais. Estas novidades foram transportadas para nosso processo

educacional. A ênfase na formação docente foi o discurso produzido, urge profissionalizar o

professor, reconfigurando suas práticas.

Segundo Shiroma e Evangelista (2003), os Institutos Superiores de Educação (ISE)

teriam a função de formação docente em detrimento de sua formação na universidade. Subtrai

do professor a reflexão crítica e objetiva transferir para o professor a reflexão sobre sua

prática. O decreto 3.276/99 não obstante portava uma mudança de lócus da formação de

115

professores e objetivava um novo modelo de professor, que agora deveria ter noções de

competência e eficiência para manter-se atualizado diante das inovações.

A substancial importância atribuída à profissionalização destinou ao professor a

responsabilidade pela competência demandadas pela ação docente. A partir desse momento a

organização dos cursos onde se formariam professores a partir da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional 9394/96 assumiu um amálgama de configurações colocando em evidência

o dualismo do ensino superior, um voltado para a pesquisa e outro voltado ao ensino, no

segundo se encontrava o lócus de formação docente. Esta configuração favoreceu um

mercado pedagógico e tangenciou o sentido da formação docente, depreende-se da análise em

curso que esta nova configuração possibilitou a desvalorização da formação docente, limitou

sua formação e não obstante estabeleceu uma concepção estreita da atuação docente. “Pode-se

inferir que a decisão de retirar a formação de professores da universidade, como no caso

brasileiro, não visa apenas à redução de custos, mas também o processo gradativo de

desintelectualização do professor” (SHIROMA, 2003, p. 67, Apud, MORAIS, 2003, p. 67).

Entendemos que subjacente à retórica de redução de custos para a formação docente o

modelo proposto provocou um aligeiramento da formação, tangenciou a importância de um

profissional que não obstante deve ser profissionalizado para o ensino, como para a produção

de conhecimentos.

Segundo Shiroma (2003), a proletarização do professor lhe roubando a autonomia, o

controle exercido sobre seu trabalho é decorrente da organização do trabalho no capitalismo

cujo objetivo é transferir ao professor a responsabilidade pela sua desqualificação. A retórica

retira do debate os meios e traz os fins.

Ao sugerir o distanciamento da formação do professor do meio universitário, no qual

ocorre a produção de conhecimento e crítica, objetiva reduzir a base de conhecimentos da

docência como profissão, não obstante se caracteriza como um ataque à teoria,

comprometendo a qualidade de uma formação com base sólida.

A iniciativa de se retirar a formação de professores da universidade contribuiu para

[...] desqualificar os professores, oferecendo-lhes um treinamento rápido e barato, e

formando, por extensão, um considerável “exercito de reserva”. [...] A reforma

116

propunha fornecer quando necessário, treinamento em serviço [...] A maior parte da

formação fosse realizada nas escolas e não nas universidades, sugeria a transferência

as primeiras de novas responsabilidades (SHIROMA, 2003, p. 75, Apud, MORAIS,

2003, p. 75).

Podemos perceber que as consequências advindas dessa concepção de formação

culpabiliza e transfere ao professor as mazelas do ensino, um amálgama de funções lhes são

atribuídas, sugerem que pensar e teorizar a prática é secundário, se deve intervir com as

ferramentas que se dispõe na prática, no chão da escola “A reforma construída sob o discurso

da falência do ensino e da desqualificação do professor, prestou-se para ampliar ainda mais

essas mazelas” (SHIROMA, 2003, p. 77). Por isso entendida como uma opção consciente dos

que pensaram a reforma educacional.

Segundo Shiroma e Evangelista (2003), a reforma passou por dois momentos, em um

primeiro momento a concepção de gestão por resultados, com base na qualidade total. No

segundo momento alterou a configuração da formação de professores. Endossando um

discurso de inadaptação a chamada sociedade do conhecimento, o ponto basilar era

desenvolver competências e habilidades para inserção nesta sociedade. “O cinismo da reforma

está em que, ao mesmo tempo em que visa retirar a reflexão crítica da formação docente,

anuncia como meta produzir o professor capaz de refletir sobre sua prática” (2003, p. 89).

Corroborando uma nova formação alterando o lócus de formação docente conforme já

mencionamos em nossa análise é uma retórica espúria quando pretende qualificar retirando a

reflexão crítica. Passaremos a analisar os efeitos deletérios dessa reforma para a formação de

professores.

A AUSÊNCIA DA TEORIA NA PRÁTICA DOCENTE

Em pouco mais de uma década estamos tendo que lidar com dois aspectos de alto

poder destrutivo no campo da educação. O primeiro foi o impacto das políticas

neoliberal exaustivamente analisado no Brasil na década de 1990. O segundo

agrega-se ao primeiro sob a forma das teses pós-modernistas aqui levemente

formuladas, as quais articuladas com as neoliberais atuam em áreas diferenciadas,

mas complementares: as primeiras, predominantemente no campo da economia e

das políticas públicas, e as segundas, no campo da ciência e da cultura. As teses pós-

modernas fracionam, tornam a compreensão do mundo uma questão “local” e

esvaziam as preocupações com as análises mais globalizantes. Prestam, portanto, um

serviço inestimável à causa liberal-conservadora, à medida que deixam o campo

econômico e político inteiramente à mercê da interpretação neoliberal, sem falar de

117

seu impacto negativo na mobilização social” (FREITAS, 2008, apud PEIXOTO,

2009, p. 43).

A autora elucida os efeitos dessa concepção para a educação e para a formação de

professores neste contexto.

A produção teórica em educação, segundo a autora, esvaziou-se de conteúdos básicos

de análise, restringiu categorias de análise positiva e econômica, deixou de exercer o papel

político da educação na construção histórica de uma sociedade mais justa.

Inferimos que o movimento que retirou do professor uma reflexão crítica veio

corroborar com a concepção pós-moderna de vazio de conteúdos basilares para o campo da

educação.

O abandono da análise ideológica na educação, substituída pelo discurso da falência

de uma modernidade hegemônica e globalizante, retira da educação o seu caráter

político e a sua capacidade de instruir uma prática mais progressista e

transformadora” (FREITAS, 2008, apud PEIXOTO, 2009, p. 43).

Depreende-se que a prática progressista e transformadora desprovida de seu caráter

político percorreu o chão da escola, na formação e ação docente, sobretudo na práxis da sala

de aula, um professor formado com esta concepção será refratário à prática transformadora. É

como trazer uma lacuna na reflexão crítica do professor.

Segundo Moraes (2003), o recuo da teoria, as discussões teóricas suprimidas, a

falência da ideia de racionalidade iluminista, a negação da objetividade fazem uma assepsia

no campo da educação, reduzem as discussões pedagógicas à prática imediata, narrativas,

estórias de vida colocadas ao cotidiano, fragmentos descolados. Defendemos a teoria

associada a uma intensa renovação pedagógica, uma reflexão teórica e crítica como capaz de

contribuir para o debate educacional.

Formar professores no mundo atual é defrontar-se com a instabilidade e

provisoriedade do conhecimento, pois as verdades científicas perderam seu valor

absoluto na compreensão e interpretação de diversos fenômenos: nesse

entendimento, o problema da articulação entre o pensar e o agir, entre a teoria e a

prática, configura-se como uma dos grandes desafios para a questão da formação de

professores (FELDMANN, 2009, p. 74).

A autora aponta a desvinculação entre teoria e prática, corroborando um obstáculo na

prática pedagógica.

118

Nessa perspectiva, a formação continuada de professores, articulada aos fazeres na e

da escola [...] com a produção do lócus escolar não podem ser feitos desvinculando-

se da análise de definição de políticas públicas, que geralmente valorizam o

professor como um ser provido de saberes próprios, advindos da experiência, e

capaz de contribuir significativamente para as discussões sobre o seu trabalho

docente na construção do conhecimento sistematizado (FELDMANN, 2009, p. 79).

Em consonância com a autora inferimos que o professor deve ser munido de

conhecimento teórico para pensar a sua prática. Sua formação deve priorizar além do lócus

escolar, deve romper com a fragmentação da prática imediata. Somente uma formação eivada

de teoria, com discussões filosóficas, sociológicas e políticas podem contribuir com a prática

docente.

NOSSA PRÁTICA DOCENTE NESSE PANORAMA HISTÓRICO

Considerando as análises de como foi o processo de formação de professores após as

reformas de dos anos 1990, daremos um salto quantitativo em nossa análise nos pautando em

uma formação docente como um educador que perpassou uma década de formação em serviço

pós anos de 1990 “Uma ideia recorrente é a de que a formação continuada de professores se

faz necessária em razão das limitações da formação inicial” (DAVIS, 2011, p. 02).

Depreende-se que as limitações na formação inicial são decorrência de uma retórica

que objetiva formar um professor lhe retirando o lócus de produção de conhecimentos, a

universidade, reforma levada a cabo nos anos 1990. A formação continuada em serviço foi

necessária para suprimir essa limitação.

Em nossa experiência docente convivemos com essa formação em serviço, dessa

experiência inferimos que uma ação levou à reação, quer seja da ação em curso nos anos

1990, quer seja de recuo da teoria na formação docente. Conduzindo a necessidade da

formação continuada em serviço, feita de forma aligeirada no próprio ambiente escolar,

restringindo-se às ações locais.

“Os estudos sobre os professores” e sua articulação com a produção do lócus escolar

não podem ser feitos desvinculando-se da análise de definição de políticas publicas,

que geralmente não valorizam o professor com um ser provido de saberes próprios

advindos da experiência. [...] A isso incorporam-se a necessidade e o direito à

formação continuada, de responsabilidade não apenas individual, mas, sobretudo

institucional, incluindo-se nessa análise o cenário do desenvolvimento de melhores

119

condições de vida e de trabalho, com remuneração adequada (FELDMANN, 2009,

p. 80).

Inferimos com base em nossa experiência docente que a responsabilidade individual

pela formação é permanentemente propalada. Desvinculada da definição de políticas públicas

restrita ao lócus escolar e de responsabilidade individual à formação continuada docente não

tem se mostrado profícuo.

Conforme Torres (2007), o Banco Mundial, organismo internacional que orientou a

reforma do Brasil nos anos 1990, preconizava que o investimento na formação inicial dos

docentes deveria ser secundarizado.

Sobre essa base, o Banco Mundial desaconselha o investimento na formação inicial

dos docentes e recomenda priorizar a capacitação em serviço, considerada mais

efetiva em termos de custo-[...] fazendo uma separação entre conteúdos e métodos,

também para o caso da formação docente, o Banco Mundial afirma que o

conhecimento da matéria tem maior peso sobre o rendimento dos alunos que o

conhecimento pedagógico, este último reduzido a um problema de utilização de um

“amplo repertório de habilidades de ensino (TORRES, 2007, p. 162, Apud,

TOMASI, 2007, p. 162).

Entendemos que os efeitos deletérios dessa receita para a formação docente foram

grandiosos. Parte de nossa experiência docente conforme mencionamos seguiu essa receita.

As teorias pedagógicas e metodológicas ficarem distantes da prática de ensino, focada

somente nos conteúdos de ensino “Evidentemente, não é a formação inicial a que se deve ser

considerada e sim o modelo de formação docente, tanto inicial como em serviço, que tem

prevalecido e que mostrou claramente sua ineficiência e sua ineficácia” (TORRES, 2007,

p.163, Apud, TOMASI, 2007, p. 163).

Corroborando nossa análise, a concepção de formação inicial e em serviço é que foi

deturpada e ineficiente. Como herdeiros desse modelo em nossa prática docente sentimos os

efeitos dessa ineficiência, que foram: formações em serviço com limitado conteúdo

pedagógico, “pacotes de habilidades de ensino” preconcebidas de forma vertical como a

panaceia para todos os problemas de ensino e aprendizagem. Em sua maioria fornecidos por

empresas de consultoria pedagógica da iniciativa privada.

120

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar as políticas de formação docente evidenciamos que em diferentes períodos

históricos persistiram diferentes concepções de formação docente. Nossa análise dos anos de

1990 permitiu elucidar que neste período houve um retrocesso no que tange a formação

integral do docente. Interesses políticos e econômicos fizeram sobreposição a essa formação.

As políticas implantadas nos anos 1990 trouxeram consequências para a formação teórico

crítica dos docentes, esvaziando o debate teórico. Passadas mais de duas décadas, ainda

sentimos os reflexos desta concepção nos dias hodiernos. O desafio é pensar uma formação

para além deste horizonte estreito de formação.

Urge uma formação inicial e continuada de professores para além do reducionismo de

fórmulas prescritas com caráter escuso verticalizado. É necessária uma concepção de

formação inicial e permanente, de forma reflexiva, crítica, onde o professor é sujeito e

constrói conhecimentos sobre sua prática, em uma relação que priorize a práxis educativa.

Pensar uma práxis educativa para além do modelo implantado nos anos 1990, notadamente

ineficiente. Sem esgotar as análises, imbuídos da premissa de Paulo Freire, “Ninguém começa

a ser professor numa certa terça-feira às 4 horas da tarde... Ninguém nasce professor ou

marcado para ser professor. A gente se forma como educador permanentemente na prática e

na reflexão sobre a prática” (Freire, 1991).

Assim defendemos e reafirmamos a concepção de formação docente inicial e

continuada, para além da concepção de formação implantada nos anos de 1990.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Professores no Brasil. Disponível em:

http:www.ppe.uem.br/publicacoes/seminarioppe2011/pdf/1/001.pdf. Acesso em 05 out. 2016.

DAVIS, Claudia L. Ferreira et al. Formação Continuada de Professores em alguns estados

e municípios do Brasil. Cadernos de Pesquisa. Disponível em:

121

http:www.scielo.pdf?pid=s0100157420110003000108script=sci-abstract.Acesso em: 07

out.2016.

FELDMANN, Marina G. (Org.). Formação de Professores e Escola na

Contemporaneidade. São Paulo: Editora Senac, 2009.

KRAWCZYK, Nora; CAMPOS, Maria Malta; HADDAD, Sérgio ( Orgs.). O Cenário

Educacional Latino-americano no Limiar do Século XXI Reformas em Debate.

Campinas: Editora Autores Associados, 2000.

MOREIRA, Antonio F. Barbosa. ( Org.). Currículo: Políticas e Práticas. 12° Ed. Campinas:

Papirus Editora, 2010.

MORAES, Maria Célia Marcondes de ( Org.). Iluminismo às Avessas Produção de

conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2003.

TOMMASI, Lívia de; WARDE, Mirian Jorge; HADDAD, Sérgio ( Orgs.). O Banco

Mundial e as Políticas Educacionais. 5° Ed. São Paulo: Editora Cortez, 2007.

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do

problema no contexto brasileiro. São Paulo: Unicamp, Revista Brasileira de Educação,

2009.

FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 1991.

122

UM FILME, MUITAS POSSIBILIDADES: A UTILIZAÇÃO DO LONGA-

METRAGEM “KIRIKU E A FEITICEIRA” (1998) NO ENSINO DE HISTÓRIA

Felipe Silva Vedovoto

Licenciado e Bacharel em História (UFGD), Mestrando do PROFHISTÓRIA (UEMS U.U.

Amambai). E-mail: [email protected]

Viviane Scalon Fachin

Doutora em História pela UFGD, Professora Efetiva da UEMS e Docente do

PROFHISTÓRIA (UEMS U.U. Amambai). E- mail: [email protected]

Os recursos audiovisuais têm alcançado cada vez mais a sala de aula nos últimos anos como

ferramenta de ensino, dentre eles podemos destacar a ampliação do uso de filmes para o

ensino dos conteúdos. Propõe-se neste trabalho uma discussão acerca das abordagens desse

recurso, suas formas de utilização, considerando também suas particularidades. Nesse viés, o

longa-metragem “Kiriku e a Feiticeira”, lançado em 1998 e sob direção de Michel Ocelot,

torna-se um caminho pelo qual se buscará observar a relação entre o filme e o processo de

ensino-aprendizagem da História, a partir de trabalhos que o analisam e inserem-no nesse

contexto. Embora o longa-metragem aborde como foco principal a tradição oral e parte da

cultura africana, as análises não se limitam à objetividade de seu conteúdo e as possibilidades

de discussão podem transitar entre a História da África e diversos outros temas que permeiam

a produção, principalmente ao considerar a sala de aula como um espaço de pesquisa,

construção e debate. Assim, pode-se perceber que algumas abordagens analisam os elementos

evidenciados em primeiro plano no filme, outras trazem reflexões vinculadas ao contexto e

subjetividade da produção, chegando àquelas que o utilizam como ponto de partida para

observar desdobramentos presentes na sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Recursos Audiovisuais; História da África; Ensino de História.

INTRODUÇÃO

A discussão apresentada nesse trabalho surge a partir de intervenções que têm tomado

o ambiente educativo, de forma geral, e os cursos de história, em particular: a necessidade de

123

utilização de recursos audiovisuais (ou metodologias inovadoras) para o ensino e também as

propostas apresentadas pela Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que inclui no currículo

oficial da Educação Básica a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”,

reverberando assim no Ensino Superior.

A intersecção desses dois caminhos assinalados permeia o presente texto, por meio do

qual nos propomos refletir brevemente sobre a utilização do filme na pesquisa histórica e no

ambiente escolar, assim como seus desafios, observando principalmente, como exemplo, a

situação encontrada no Estado de Mato Grosso do Sul ao longo dos anos, de forma particular

a partir do final da década 1980, quando se instalou no Estado um projeto vinculado á

exibição de filmes, até a atualidade quando muitos professores e pesquisadores têm utilizado

os longas-metragens para ensinar e analisar diversos conteúdos, dentre eles os relacionados à

História da África.

Essas discussões, como assinalado anteriormente, ganham palco nas instituições

escolares de Educação Básica e Ensino Superior, atingindo também a Pós-Graduação, onde

podemos destacar o Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História

(PROFHISTÓRIA) enquanto espaço de formação em rede que permite o debate e a reflexão

sobre assuntos que se desenvolve no cotidiano escolar. Assim, este trabalho surge a partir do

PROFHISTÓRIA vinculado à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) durante

a disciplina de História do Ensino de História, ministrada pela Professora Viviane Scalon

Fachin, inserido na proposta de construção de uma análise que levasse em consideração a

prática escolar e a pesquisa histórica e que aliada a outras disciplinas se desenvolve nestas

páginas.

Já a temática sobre a História da África aparece aqui através do filme “Kiriku e a

Feiticeira” (Kirikou et la Sorcière, título original), uma animação de origem franco-belga

dirigida por Michel Ocelot. Produzido em 1998 na França, teve sua “continuação” em 2005

com “Kirikou 2 - Os Animais Silvestres (Selvagens)”, e o enredo da primeira versão foi

traçado da seguinte maneira:

Na África Ocidental, nasce um menino minúsculo, cujo tamanho não alcança nem o

joelho de um adulto, que tem um destino: enfrentar a poderosa e malvada feiticeira

124

Karabá, que secou a fonte d'água da aldeia de Kiriku, engoliu todos os homens que

foram enfrentá-la e ainda pegou todo o ouro que tinham. Para isso, Kiriku enfrenta

muitos perigos e se aventura por lugares onde somente pessoas pequeninas poderiam

entrar.1

Esse longa-metragem tem sido utilizado em aulas, oficinas e festivais para a

abordagem de elementos importantes, abrindo possibilidades para se seguir as orientações da

Lei 10.639/2003, além nos situar em um espaço de construção de identidade e busca pela

superação do preconceito racial no Brasil. Assim, pretende-se reunir e destacar as

perspectivas de trabalho com esse filme, os conteúdos e diálogos possíveis experienciados por

pesquisadores e professores que o utilizaram.

Nesse contexto, faz-se necessária ainda a reflexão acerca do caminho percorrido ao

logo dos últimos anos, que assinalou o filme como ferramenta importante para a pesquisa

história e convertendo-o, consequentemente, em instrumento didático para o ensino da

disciplina, seja na Educação Básica ou no Ensino Superior. Ao considerar a pesquisa e o

ensino como atividades intrinsecamente ligadas é possível ampliar a abordagem de filmes em

sala de aula, para além de seu conteúdo explicitamente exposto, enveredando pelas suas

lacunas e subjetividade de seus produtores.

O FILME NA HISTÓRIA E NA ESCOLA

As discussões acerca da relação entre cinema e história começaram na segunda década

do século XX, principalmente a partir da década de 1970 sob influência da escola dos

Annales, sobretudo pelas pesquisas e reflexões feitas pelo francês Marc Ferro. Alinhado às

ideias a respeito de uma nova história2, sistematizou, em grande parte de sua obra, o cinema

enquanto objeto a ser analisado pelo historiador.

Essa atenção dada por Marc Ferro à produção cinematográfica foi objeto de análise de

Eduardo Morettin, que discute de forma sintética e bastante clara em um de seus textos os

principais pontos presentes na obra do autor, justificando que sua escolha por esse teórico

1 Sinopse disponível em: <http://festivaldecinemainfantil.com.br/2012/static/content/pdf/278.pdf>. Acesso em

10/11/2016. 2 A Escola dos Annales, com seu início no século XX, a partir de Marc Bloch e Lucien Febvre, propôs uma nova

perspectiva de análise da história, possibilitando novos documentos e análises, tendo influenciando uma

diversidade de historiadores que participaram da revista Annales ao longo de suas fases, cuja ressonância de

perspectivas pode ser identificada ao longo dos anos, chegando aos dias atuais.

125

“[...] deve-se, em primeiro lugar, à sua importância para aqueles interessados na relação

cinema e história, constituindo-se leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada no

assunto” (MORETTIN, 2007, p.39). Pode-se perceber a importância dada à obra de Ferro e o

texto de Morettin configura-se como uma profícua leitura ao enveredar nas discussões sobre

cinema, pois fornece bases para a decodificação daquilo que foi proposto pelo historiador

francês e que foi somado às ideias de outros autores posteriormente3.

O texto supracitado encontra-se no livro “História e cinema: dimensões históricas do

audiovisual”4, organizado por pesquisadores que dedicam parte de seus estudos à produção de

reflexões acerca do cinema e história. Pode-se perceber que as propostas iniciadas na França

ganharam outras localidades, e o Brasil não ficou fora dessa rota, uma vez que outros

historiadores como Maria Helena Capelato, Marcos Napolitano, Elias Thome Saliba, Marcos

Antonio da Silva, Jorge Nóvoa também abordam a temática sob diversos aspectos, incluindo a

inserção dos filmes em sala de aula.

Este último historiador citado, Jorge Nóvoa, também tem posição de destaque no

cenário nacional referente à análise cinematográfica. Atualmente é o editor geral da revista “O

Olho da História: revista de teoria, cultura, cinema e sociedades” vinculada à Universidade

Federal da Bahia, surgida a partir do grupo de produção Oficina Cinema-História.

Com seu início de 1995 a revista tem sido um reduto para a difusão de publicações que

têm o cinema-história como eixo. Pode-se ainda destacar seu importante papel,

principalmente a partir de 2004 quando suas publicações passaram a ser eletrônicas (os

números anteriores estavam em formato impresso), mesmo ano em que parece ter sido

3 Podemos ressaltar como exemplo que Marc Ferro traz em suas análises a possibilidade de uma nova ciência

cujos métodos e olhares abordassem não só o cinema, mas outras produções imagéticas. Essa perspectiva está

presente também em uma das obras de Peter Burke, onde o autor faz apontamentos sobre a história e a imagem

não se restringindo apenas a um suporte, mas considerando a fotografia, a televisão, o cinema, etc. (Cf. BURKE,

Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004). 4 Cf. CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo Victorio; NAPOLITANO, Marcos; SALIBA, Elias

Thome. (Org.). História e cinema: dimensões históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda Casa Editorial,

2007, p. 39-64.

126

dispendido esforços para a publicação de textos traduzidos do francês, lançando

possibilidades para o campo brasileiro.5

Em 2008, o décimo volume da revista trouxe o texto de Roberto Abdala Junior

intitulado “Cinema e História: elementos para um diálogo” que auxilia a elucidar algumas

questões sobre o uso e a análise fílmica e amplia o foco para o campo das teorias do cinema6.

Seu texto procura

[...] enfrentar também uma questão bastante importante no campo audiovisual: como

o uso corrente da linguagem “cinematográfica” – pois estamos nos referindo ao

cinema e a televisão – tende a convertê-la em “natural”, essa atitude tem levado seus

códigos e estratégias a serem negligenciados em muitas análises (ABDALA

JUNIOR, 2008, p. 3).

Percebe-se a preocupação de acentuar que o filme não é uma mera produção, muito

embora seus usos, algumas vezes, tenham caminhado para a naturalização e utilização sem

um debate crítico e essa postura deve ser confrontada. O autor aborda vários elementos

presentes nos filmes, os quais podem ser negligenciados ao fazer a análise como o texto, o

som, a imagem (diferenciando a fotográfica e a cinematográfica), para indicar que o uso

desses recursos pelos produtores visa uma “impressão de realidade” que é transmitida a quem

assiste. Porém,

[...] uma atitude diferente daquela tacitamente pactuada entre os realizadores e os

expectadores de filmes (e que pode ser estimulada pelo professor) levaria o público a

ter um olhar mais crítico sobre o discurso cinematográfico, desvendando a

intencionalidade que matizou sua realização (ABDALA JUNIOR, 2008, pp. 9-10)

Observa-se a importância dada ao papel do professor e a indicação de que o filme deve

ser um meio utilizado e analisado em sala de aula. Se considerarmos ainda as análises do

autor, “[...] há também um consenso de que a linguagem cinematográfica é mais fácil de ser

compreendida do que as demais linguagens que povoam a cultura” (ABDALA JUNIOR,

2008, p. 5), entretanto faz a ressalva de que isso não isentaria da necessidade de compreender

as entrelinhas que permeiam sua produção, tendo em vista que essa linguagem também

5 Para saber mais sobre a revista e consultar seus artigos acessar <http://oolhodahistoria.ufba.br/> Acesso em

11/11/2016. 6 Roberto Abdala Junior também reflete sobre o cinema e a sociedade a partir de Marc Ferro, mas traz para o

debate outros nomes que o ajudam a construir o que chama de “teorias do cinema” como Jean Mitry, Jacques

Aumont, Mikhail Bakhtin, além de remeter-se a Lev Vygotsky quanto ao cinema e o processo de aprendizagem

por meio dele.

127

necessita de um olhar atento e de caminhos próprios de análise tendo em vista suas

representações e particularidades.

Todavia, ao adentrarmos no contexto escolar, essa “facilidade” esbarra em uma série

de outros problemas que tornaram, e ainda tornam, o uso do filme como recurso didático algo

desafiador. Podemos tomar como exemplo o Estado de Mato Grosso do Sul a partir de estudo

recente sobre o Projeto Vídeo Escola (PVE)7, cuja execução foi analisada por Viviane Scalon

Fachin, utilizando como recorte o período de 1989-1994.

Para além do histórico do PVE e sua chegada em Mato Grosso do Sul, cabe destacar

os problemas enfrentados durante os anos de implantação e execução, dentre os quais

podemos destacar: o descaso governamental com a educação:

Mato Grosso do Sul enfrentava no campo educacional sérios desafios, posto que o

governo de Marcelo Miranda demonstrava descaso e falta de compromisso com as

questões relacionadas à Educação, embora o país estivesse enfrentando os desafios

propostos pelo III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto que apontava

diretrizes para a melhoria da educação (FACHIN, 2016, p. 182).

O cenário político estadual gerava instabilidade no ambiente escolar e dificultou a

implantação do PVE, que foi recebido com desconfiança após a celebração do convênio. A

distribuição dos equipamentos (composto por aparelhos de videocassete e televisão) foi sendo

feita segundo proposta do projeto, bem como a instalação das videotecas regionais onde as

fitas ficariam guardadas para solicitação das escolas participantes. Entretanto, nas escolas de

Mato Grosso do Sul ocorreu

[...] uma revoada, mas com muitos volteios desnecessários e até mesmo

desestimulantes, pois o sistema de atendimento que deveria estar bem próximo às

escolas, era distante e contava com parcos recursos humanos para acompanhar o

trabalho in loco (FACHIN, 2016, p. 183).

Pode-se observar que muitos foram os problemas encontrados, dentre eles a recepção

dos professores quanto ao uso dos filmes e questões estruturais enfrentadas, muitas das quais

7 O PVE foi um projeto desenvolvido incialmente pela Globo Vídeo, passado depois à Fundação Roberto

Marinho tendo apoio da Fundação Banco do Brasil. Está situado no contexto de expansão da televisão e

preocupação com uma melhoria do ensino nas escolas frente às altas taxas de evasão e repetência. A proposta era

enviar aos estados, através de convênios, material de reprodução e acervo de filmes para ser utilizados em sala

de aula.

128

foram contornadas pelo trabalho dos docentes que estavam lecionando suas disciplinas no

período.

Nos últimos anos as escolas têm buscado acompanhar as mudanças tecnológicas

acontecidas fora de seus muros, o que talvez poderia implicar na ideia de que muitas das

complicações quanto ao uso do filme estrariam superadas. Entretanto, cada período possui

suas particularidades8 e hoje ainda enfrentam-se problemas, seja de caráter estrutural como

salas de aula com muita luminosidade dificultando a exibição dos filmes, poucos

equipamentos que devem ser agendados com antecedência, a existência da mesma estrutura

de divisão de tempo das aulas que impossibilitam a exibição de um filme completo sem

acordos entre professores. E para além disso, o filme continua sendo visto muitas vezes pelos

alunos (e também por professores) como uma “não aula” ou um descanso do conteúdo, o que

reflete erros que vem sendo repassados ao longo do tempo.9

A UTILIZAÇÃO DO LONGA-METRAGEM “KIRIKU E A FEITICEIRA”

(1998)

O filme “Kiriku e a feiticeira” do qual alguns dados já foram apresentados

inicialmente apresenta um campo fértil para o trabalho pedagógico e ensino de história. Seu

diretor, Michel Ocelot, viveu uma parte da sua vida na Guiné, e a história e cultura africana

estão presentes em sua vida o que pode ser um fator decisivo que o levou a produzir esse

filme. Além disso, embora o idioma da primeira versão seja o francês, os atores que dublam

as personagens são africanos, assim como os instrumentos utilizados para a trilha sonora. Essa

riqueza de detalhes forja um filme que foi e é amplamente utilizado por professores e

historiadores, mas que ainda deve ser divulgado. Sobre essas utilizações se propõe refletir

para a continuidade desse estudo.

8 Sobre um contexto mais recente Cf. FACHIN, Viviane Scalon. Metodologias de Ensino: teoria e prática no uso

de produções cinematográficas. In: VALENÇUELA, Milton et al. (Orgs.). Pesquisa e Educação para a

formação de professores: olhares interdisciplinares. Curitiba: Editora CRV, 2014. 9 Em 1995, José Manuel Moran Costas já destacava os usos irregulares do vídeo em sala de aula e o que isso

poderia causar atribuindo categorias como “o vídeo tapa-buraco”, “O vídeo-enrolação”, o “vídeo perfeição”, etc.

Embora essas categorias pareçam estar superadas, seus resquícios ainda podem ser encontrados no cotidiano

escolar. Cf. MORAN COSTAS, José Manuel. O vídeo na sala de aula. COMUNICAÇÃO & EDUCAÇÃO.

São Paulo, v. 2, n.2, p. 27-35, 1995.

129

Uma percepção básica sobre filmes e seu uso como ferramenta didática é apontada em

um pequeno trabalho de Graciane Torres Azevedo sobre o cinema e o ensino de cultura

africana, no qual ressalta que não se pode dizer que trabalhar com cinema “[...] é uma tarefa

fácil, visto que a aplicação de filmes em sala de aula pode parecer um passatempo, se não for

desenvolvida com propriedade pelo professor” (AZEVEDO, 2013, p.3). Essa constatação não

é recente e a questão já foi levantada aqui anteriormente ao refletirmos sobre a pesquisa de

Fachin sobre PVE.

Além disso, o uso de “Kiriku e a feiticeira” foi abordado em sua forma elementar com

foco na tradição oral10

enquanto ponto importante da cultura africana, destacando ainda a

necessidade de atuação do professor, auxiliando os alunos na leitura do filme, localizando-o

dentro de um contexto. Embora importante, a proposta se limita a isso e não há a indicação de

uma relação com a atualidade a fim de trazer o tema para uma área próxima aos alunos.

Por outro lado, a necessidade da articulação entre realidade e prática pedagógica,

principalmente vinculada à temática da educação das relações étnico-raciais foi apontada por

Jacimara Souza Santana. Para a autora “[...] o conhecimento produzido e apropriado na escola

necessita ser provocador, no sentido de ajudar a questionar e a fomentar a transformação da

realidade social” (2012, p. 28). O filme poderia, então, ser um meio pelo qual o professor

realizaria essa provocação. Uma vez municiado de suporte teórico e compreendendo sua

atuação enquanto docente, os elementos cinematográficos (música, imagem, produção, etc.)

podem ser analisados, juntos ou separados, e aproximados ao cotidiano dos alunos.

Os filmes estão imbuídos de uma intenção. Na maior parte das vezes eles são

comerciais, visam captar a atenção do espectador com seu enredo, e para isso usam de

artifícios próprios. Isso implica em entender que por si só o filme não se configura como

elemento didático, é a intervenção do professor que o traz para o contexto escolar e lhe atribui

significado em meio a uma discussão, incluindo-o em um conteúdo programado, por

10

A tradição oral diz respeito a ensinamentos passados através das gerações que contém explicações sobre a

formação do mundo, leis de convivência e muitas outras informações a respeito dos grupos humanos que a

utilizam como transmissão de conhecimento. Muitas comunidades valorizam o papel dos mais velhos enquanto

detentores dessa capacidade, chamados de griots, e o ritual que leva a aquisição dela é longo e complexo. Sobre

a tradição oral africana e suas implicações Cf. BÂ, Amadou Hampaté. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph

(Ed.). Metodologia e pré-história da África. 2ª ed. Ver. Brasília: Unesco, 2010.

130

exemplo. Apenas sua exibição não basta, pois as leituras são diversas, tal como sua recepção

pelos alunos.

Segundo Santana (2012) a temática africana tende a ser trabalhada como folclore na

escola, muitas vezes relegando-se a datas comemorativas e em paralelo há uma

“diabolização” das culturas africanas e afro-brasileiras. Inclusive destaca a experiência onde

“[...] um aluno do ensino fundamental se negou a continuar assistindo o filme ao filme

“Kiriku”, por alegar tratar-se de ‘coisas do diabo’” (SANTANA, 2012, p. 33). Isso se deve ao

fato de haver estereótipos vinculados à África (através de um imaginário construído coletiva e

socialmente), corroborado pela falta de conhecimento e o filme, sem a intervenção do(a)

docente, pode simplesmente reforçá-los.

Atesta-se a complexidade do tema e das abordagens, como também a necessidade de

cautela. Todavia, isso não deve ser um empecilho, apenas uma ressalva que leva a um preparo

prévio e objetividade a fim de otimizar os diálogos. Muitos são os resultados buscados,

inclusive a própria autora aponta como proposta o filme “Kiriku e a feiticeira” no combate à

intolerância religiosa e o preconceito ao desmistificar ideias que os estudantes trazem consigo

e que não sabem como e porque foram adquiridas.

Um terceiro nível extrapola os dois anteriores e pode-se percebê-lo a partir do debate

proposto por Amailton Azevedo e Sheila Silva quando situam o filme “Kiriku e a feiticeira”

(analisando-o junto com outra produção intitulada “A princesa e o sapo”) como via de

resistência frente aos valores incutidos pelo cinema eurocêntrico e hollywoodiano. Exemplo

disso é que seu personagem principal nada tem a ver com os heróis delineados pelos contos de

fadas, mas ao contrário, ele é a caracterização do anti-herói eurocêntrico e conclui que “[...]

mesmo com todas as características citadas que já nos trazem uma contraposição à imagem

heroica que habita o imaginário popular, a construção de um herói negro nos permite perceber

a primeira releitura” (AZEVEDO & SILVA, 2014, p. 13).

O que se quer ressaltar é o caminho que leva a adentrar nos entremeios da produção

para extrair dela algo além do que seu plano principal (sua história) pode mostrar. Considerar

o filme como uma possibilidade de contrapor ideias hegemônicas ou mesmo levar a

131

questionar as situações vividas e perceber as construções que acontecem cotidianamente é

elevar as possibilidades de trabalho, instigar os alunos, desnaturalizando conceitos formados e

ampliando a criticidade, que num fim tende a formar cidadãos conscientes de seu papel nos

lugares que ocupam e/ou transitam.

Ao visualizar o filme como uma articulação entre seu conteúdo, a realidade do aluno e

aquilo que pode ser extraído de suas entrelinhas, e considerando a sala de aula como um

espaço de pesquisa, novos horizontes são abertos. Podemos citar dois exemplos. O primeiro

refere-se ao trabalho de Marcelo Fontana, que utiliza o filme “Kiriku e a feiticeira”, mas o

situa dentro da narrativa, cosmovisão e valores civilizatórios africanos.

Ele aponta que o enredo do filme não é um acaso, mas está inserido em um gênero

literário chamado Jantol:

Segundo Hampaté-Bâ, o jantol desempenha uma função pedagógica, funcionando

como uma espécie de “enciclopédia” onde saberes são codificados na forma de uma

narrativa ao mesmo tempo útil e fútil, envolvente e divertida (FONTANA, 2015, p.

10).

Nele os personagens “mudam de roupa”, mas “dançam a mesma música”, ou seja,

possuem um ponto em comum e a história de Kiriku é uma dentre tantas outras. Tendo isso

como referência, é possível conceber o papel e desempenhado por cada personagem no filme

e suas ações dentro da tradição africana como a importância dada à fala enquanto elemento

criador, a função dos ancestrais, a noção de aldeia/comunidade, etc.

Essa é uma das formas propostas, observar a composição e questioná-la, refletir sobre

o que tem a dizer e problematizar. Por outro lado, há outra direção: utilizar o filme como um

ponto de partida para a reflexão que propicie um debate maior. Isso foi feito de forma bastante

interessante por Marcos Ferreira Santos (2005) ao escrever sobre a ancestralidade e

convivência no processo identitário. O autor aborda a personagem da feiticeira Karabá

enquanto uma figura feminina importante, cuja representação se estende para outras histórias,

assinalando assim o que chama de potências femininas expressas de diversas maneiras (no

132

filme e fora dele). Esse feedback pode ser o início de uma reflexão sobre gênero, participação

feminina e diferentes configurações de sociedade.11

Essas são apenas algumas abordagens que podem ser feitas a partir desse filme, mas

há muitas outras, assim como se estendem para dezenas (e porque não centenas) de produções

cinematográficas. A escolha dessa em específico pode ser justificada através do exposto por

Santana, então professora de história da África na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

em 2012, afirmando que “[...] um dos subsídios mais utilizados por professoras/es para o

ensino de história da África no ensino básico tem sido o filme “Kiriku e a feiticeira”

(SANTANA, 2012, p. 33), e podemos perceber de fato sua ampla utilização.

O papel de destaque dado a ele é relevante tendo em vista que em 2012 foi selecionado

como um dos filmes do Festival Internacional de Cinema Infantil (FICI)12

, rendendo u roteiro

de análise13

com apresentação do filme, curiosidades e sugestões de atividades para o ensino

infantil e fundamental, dando suporte para aqueles que participassem da exibição do filme e

que pode ser utilizado como material para conduzir atividades em sala de aula.

Outra ação que corrobora para identificarmos a importância da história é a recente

notícia de que a editora brasileira Viajante do Tempo publicou, neste ano de 2016, dois livros:

“Kiriku e a feiticeira” e “Kiriku e o colar da discórdia”. Isso faz com que a história volte à

tona e continue sendo utilizada para o ensino de história, auxiliando no combate ao

preconceito, na construção de identidade dentre outras possibilidades que englobem todas as

faixas etárias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao trilhar o percurso entre a utilização de filmes/vídeos ao longo dos anos em sala de

aula, seus desdobramentos no ensino de história e a análise das utilizações do filme “Kiriku e

11

Cabe destacar que no filme quando Kiriku nasce está inserido em uma aldeia onde não há homens, uma vez

que todos foram “comidos” pela feiticeira Karabá. Logo, os serviços essenciais são realizados pelas mulheres e

este é um elemento importante, passível de ser problematizado. 12

O FICI é um festival de cinema itinerante que passou, no ano de 2012, por diversas cidades como Rio de

Janeiro, São Paulo, Natal, Belo Horizonte, Salvador e outras. Informações podem ser acessadas através do site

<http://festivaldecinemainfantil.com.br/2012> Acesso em 21/11/2016. 13

Disponível em < http://festivaldecinemainfantil.com.br/2012/static/content/pdf/278.pdf> Acesso em

21/11/2016.

133

a feiticeira” pretendeu-se explanar a complexidade que envolve esse processo, ressaltando

dificuldades que não são atuais, mas possuem raízes antigas. Entretanto, os problemas podem

(e devem) ser contornados visando um melhor ensino-aprendizagem.

Não há receita e nem nos propusemos a isso, cada realidade fornece suas condições.

Todavia, ainda é pertinente retomar um ponto já pincelado e que se traduz em algumas linhas

escritas por Selva Guimarães: “[...] alunos e professores, como sujeitos da ação pedagógica,

têm, constantemente, oportunidades de investigar e produzir saberes sobre a nossa realidade,

estabelecendo relações críticas, expressando-se como sujeitos produtores de História e do

saber” (2012, p. 208).

Partimos do pressuposto que essa é uma possibilidade para encarar a sala de aula como

um espaço de pesquisa, na qual os saberes dos professores são complementados pela realidade

dos alunos e juntos podem produzir e dar sentido aos conteúdos que devem ser ministrados.

Pesquisar juntos, compreender as mensagens deixadas nas entrelinhas, buscar (e encontrar)

informações nos mais diversos locais para responder as indagações, instigar para

compreender, essa talvez seja a perspectiva que impulsiona e torna profícua a utilização de

filmes em sala de aula. Como ferramenta didática o filme não fala por si. Como objeto ou

documento histórico cabe a nós fazermos as perguntas certas e, na medida das experiências,

respondê-las.

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