Apostila Ética e Sociedade Normal
Transcript of Apostila Ética e Sociedade Normal
Ancelmo Pereira de Oliveira
Ardinete Rover
Cláudio Luiz Orço
Evandro Ricardo Guindani
Idovino Baldissera
Rejane Ramborger
Joaçaba
2º semestre de 2010
© 2010 Unoesc Virtual Direitos desta edição reservados à Unoesc Virtual
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte. O material apostilado desta disciplina é para uso
exclusivamente didático, sem intenção comercial.
E84 Ética e sociedade : educação a distância / (coord.) Ardinete Rover. – Joaçaba : UNOESC, 2010. 80 p. : il. ; 23 cm. – (Material didático) Modo de acesso: Portal de ensino. Também disponível para reprografia. Inclui bibliografia 1. Ética. I. Unoesc Virtual II. Rover, Ardinete, (coord.)
CDD 170
Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc)
Reitor Aristides Cimadon
Vice-reitor Acadêmico
Luiz Carlos Lückmann
Vice-reitores de Campus Campus de São Miguel do Oeste
Vitor Carlos D‟ Agostini
Campus de Videira Antonio Carlos de Souza
Campus de Xanxerê
Genesio Téo
Coordenação geral da Unoesc Virtual
Ardinete Rover
Coordenações locais da Unoesc Virtual Roseli Rocha Moterle – Joaçaba
Aníbal Lopes Guedes – São Miguel do Oeste Rosa Maria Pascoali – Videira
Cristiane Sbruzzi Berté – Xanxerê
Professores conteudistas da disciplina Ancelmo Pereira de Oliveira
Ardinete Rover Cláudio Luiz Orço
Evandro Ricardo Guindani Idovino Baldissera Rejane Ramborger
Elaboração e produção gráfica: Roseli Rocha Moterle
Copidesque: Marisa Vargas Revisão eletrônica: Carolina Nodari Capa: Elediana Fátima de Quadros
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 7
PROGRAMA DE APRENDIZAGEM ........................................................................ 9
Unidade 1 A importância da ética na sociedade ................................................ 11
SEÇÃO 1 A importância do outro ............................................................................... 12
SEÇÃO 2 A ética e a vida social .................................................................................. 15
SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade .............................................................. 18
Unidade 2 Ética, moral e cultura ........................................................................... 21
SEÇÃO 1 Ética e moral ............................................................................................... 22
SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência ................................................................. 25
SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente ............. 30
SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de consciência ........................................ 32
Unidade 3 O pensamento filosófico e a ética ..................................................... 35
SEÇÃO 1 A filosofia e a ética ...................................................................................... 36
SEÇÃO 2 O surgimento da ética na filosofia ............................................................. 39
SEÇÃO 3 O pensamento de Aristóteles e Marx ........................................................ 42
SEÇÃO 4 Reflexão sobre a construção da moral ...................................................... 44
Unidade 4 A globalização e a ética ........................................................................ 51
SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade ... 52
SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização ...................................................................... 53
SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica ........................................ 55
SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética .................................................................... 57
Unidade 5 Os conflitos éticos da sociedade atual ............................................ 63
SEÇÃO 1 Grandes questões éticas da contemporaneidade ...................................... 64
SEÇÃO 2 A construção de valores morais na sociedade brasileira .......................... 69
SEÇÃO 3 Características da sociedade brasileira capitalista .................................... 71
SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil ........... 72
SEÇÃO 5 Esperança ética ........................................................................................... 75
Referências ................................................................................................................. 78
Gabarito ....................................................................................................................... 80
APRESENTAÇÃO
Apresentamos a você, aluno da Unoesc na modalidade a distância, o
material didático da disciplina Ética e Sociedade. Ele foi elaborado
visando a uma aprendizagem autônoma; os conteúdos foram
cuidadosamente selecionados e a linguagem utilizada facilitará seus
estudos a distância.
A disciplina Ética e Sociedade tem fundamental importância para a
reflexão acerca do significado de nossa ação no mundo. Na perspectiva
de construir nosso “ser ético”, precisamos refletir teoricamente sobre os
valores que norteiam nossas ações. Nessa disciplina, procuramos lançar
um olhar acadêmico sobre o tema da ética, revelando sua real
importância para o desenvolvimento das atividades cotidianas em
sociedade e, também, no desempenho das atividades profissionais. Com
isso, buscamos reconhecer, nas contradições sociais, a carência de uma
discussão sobre a ética em suas instâncias normativas e prescritivas do
agir humano.
Desejamos que você tenha muito sucesso nessa disciplina e em todo o
curso.
Bons estudos!
Equipe Unoesc Virtual.
PROGRAMA DE APRENDIZAGEM
Ementário
Conceituação (ética x moral). Fundamentos históricos e filosóficos. Os conflitos
éticos da sociedade atual (doutrinas éticas). A ética e o processo de globalização.
Arquegenealogia da ética brasileira. Desafios éticos do cotidiano.
Objetivo geral
Compreender e analisar a ética dentro do contexto sócio-histórico,
considerando suas diferentes concepções.
Objetivos específicos
Perceber as implicações da reflexão ética no conjunto das ações sociais
do homem.
Conhecer o processo de construção histórico-social da moral.
Compreender a complexidade das questões éticas na sociedade.
Carga horária
A duração da disciplina seguirá um cronograma de atividades para orientar o seu
estudo, conforme a carga horária proposta na matriz curricular.
Formas e momento de avaliação
As atividades avaliativas, descritas no Guia do Aluno, serão realizadas a
distância; compreendem a avaliação G1, com peso 4.
A avaliação final, que compreende a avaliação G2, é presencial; consiste
em uma prova sobre todo o conteúdo, com peso 6.
Cronograma de estudo
Utilize o cronograma a seguir para organizar seus estudos de acordo com as datas de realização das atividades. É obrigatório obedecer ao cronograma previsto para a entrega das atividades avaliativas.
ATIVIDADES DATAS
Primeira aula presencial
Apresentação e orientações sobre o funcionamento da disciplina;
oficina de utilização do Portal de Ensino Unoesc
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G1
Primeira temática: Homem, meio ambiente e
sociedade
Leitura das unidades:
1 A importância da ética na sociedade 2 Ética, moral e cultura
Fórum de
discussão
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Leitura das unidades:
1 A importância da ética na sociedade 2 Ética, moral e cultura 3 O pensamento filosófico e a ética
Avaliação
on-line
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Segunda temática: Mídia e ética
Leitura das unidades:
4 A globalização e a ética 5 Os conflitos éticos na sociedade
atual
Fórum de
discussão
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Encontros presenciais
Datas agendadas conforme orientação da Coordenação do Curso
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Avaliação G2
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Avaliação G2 fora de prazo
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Avaliação G3
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ida
de
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Unidade 1
A importância da ética na sociedade
Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade, você terá condições de:
compreender a importância da ética na sociedade;
identificar os elementos que unificam as categorias ética, o outro e a
sociedade;
refletir sobre as implicações éticas na vida cotidiana.
Roteiro de estudo
Seção 1: A importância do outro
Seção 2: A ética e a vida social
Seção 3: Ética e sociedade na universidade
Ética e Sociedade
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PARA INÍCIO DE ESTUDOS
Uma das capacidades mais requeridas pela sociedade atual é a de conviver com as
diferenças, sejam elas de idéias, comportamento, atitudes, raça, cultura.
A vida em sociedade exige que reconheçamos a importância do outro, sejamos
compreensivos, tolerantes e sensíveis aos desafios que nos rodeiam!
Como nossa cultura ainda é muito individualista, precisamos de um longo
caminho para nos tornar mais éticos. É esse caminho que o convidamos a trilhar
na disciplina de Ética e Sociedade .
Então, vamos iniciar nossos estudos de Ética e Sociedade? Para isso, precisamos
entender por que se estuda a ética e em que momento surge a preocupação ética
na sociedade. Inicialmente, vamos falar daquilo que é o eixo central da ética: o
reconhecimento do outro.
SEÇÃO 1
A importância do outro
Com a correria do dia-a-dia, somos levados a nos preocupar bastante com nós
mesmos. Nesta seção, vamos pensar sobre o papel que o outro ocupa na nossa
vida?
Quais os motivos de sua alegria ou tristeza? Procure fazer uma retrospectiva em
sua memória emocional e destaque seus principais motivos de alegria e tristeza,
no dia-a-dia.
Reflita sobre sua família, amigos, universidade. O que, em sua família, afeta os
seus sentimentos? Se as condições financeiras são as melhores possíveis, você já
se sente plenamente feliz? Vivemos grande parte da vida em função de nossas
necessidades e desejos, mas por que será que existe o ditado popular de que
“dinheiro não traz felicidade”?
Vamos auxiliar essas reflexões com uma dinâmica? Escolha, para cada item, o
que for solicitado.
Um bem material muito importante para você:
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Um sonho que almeja:
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Um local para onde gostaria de viajar:
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Uma pessoa ou grupo de pessoas muito importantes na sua vida:
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_________________________________________________________________A importância da ética na
sociedade
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Se você precisar se desfazer de uma dessas coisas, qual será? Elimine uma de suas
escolhas.
E se você precisar abrir mão de mais duas coisas? Elimine outras duas respostas.
Enfim, o que restou?
Essa dinâmica nos ajuda a perceber o papel que o outro ocupa na nossa vida.
Praticamente, ninguém se desfaz das pessoas, nesse exercício. Geralmente, os
grandes responsáveis pelos nossos sentimentos de alegria ou tristeza provêm das
relações que temos com as pessoas.
Quantas vezes perdemos o sono ou não acordamos bem porque temos algum
problema de relacionamento interpessoal?
Você já se sentiu assim?
Você imaginaria a sua vida isolada dos outros?
Enfim, o outro é a causa de nossa alegria e de nossa tristeza, contribui e prejudica
em nossa busca pelo sentido da vida. É importante percebermos que nossa
condição humana é marcada pela incompletude e inacabamento; a todo momento
buscamos o outro, ou para partilhar, ou para nos completar como indivíduos.
Quantas vezes você está desanimado, chateado e ao conversar com outra pessoa
parece ficar mais leve e tranqüilo?
Isso tudo nos ajuda a entender que o outro nos completa em nossos pensamentos
e ações.
Mas, quem é o outro?
O outro pode ser a pessoa que está à sua frente, um familiar, um amigo, ou
qualquer ser humano de qualquer raça e cultura, uma criança, um trabalhador,
um portador de HIV. Podemos, também, compreender o outro como os animais e
a natureza; as idéias de outras culturas, de outras religiões, de outros partidos
políticos; o mundo exterior que se apresenta a nós a todo momento. O outro
também pode ser a nossa própria capacidade de reflexão, quando se volta sobre si
mesma, analisa a consciência, capta os apelos que nela se manifestam (ódio,
compaixão, solidariedade, vontade de dominação ou de cooperação, sentido de
responsabilidade), percebe os seus atos e as conseqüências que deles derivam;
quando analisamos nossas próprias idéias (BOFF, 2003a).
Com relação ao reconhecimento do “outro”, Boff (2003a) também se refere ao
meio ambiente, ao planeta Terra, a tudo o que sai da nossa esfera individual.
Reconhecer o outro-animal, o outro-natureza, na sua dignidade, é reorganizar
toda uma forma de ver o mundo, é, como sugere o autor, produzir uma nova
ótica: “A tese de base desta ótica afirma que a lei suprema do universo é a da
inter-dependência de todos com todos. Tudo está relacionado com tudo em todos
os pontos e em todos momentos. Ninguém vive fora da relação.” (BOFF, 2003a).
Percebemos, assim, que o outro faz parte de nossa vida.
A necessidade que temos de nos comunicar também evidencia a importância do
outro. Observe, atualmente, os sites de relacionamento e os programas de
comunicação instantânea. Por que as pessoas buscam, de forma obsessiva, outros
Ética e Sociedade
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colegas, outras comunidades? Será que isso não revela uma constante busca pelo
outro, às vezes ofuscada pela ideologia do individualismo competitivo da nossa
sociedade?
Por que precisamos tanto falar da importância do outro para falarmos de ética?
A base de toda a construção ética fundamenta-se nesta pressuposição: a ética
surge quando o outro emerge diante de nós.
Boff (2003a) leva-nos a perceber que sempre temos uma postura diante do
outro: ou nos distanciamos, ou nos aproximamos, ou ignoramos. É nessa
relação que somos considerados éticos ou não.
A ética surge a partir do modo como se estabelece a relação com esses diferentes tipos de outro. Pode fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer dominar o outro, pode entrar numa aliança com ele, pode negar o outro como alteridade, não respeitando-o, mas incorporando-o, submetendo-o ou, simplesmente, destruindo-o. (BOFF, 2003a).
A todo momento, estamos em relação com o outro, e isso nos caracteriza como
seres morais – moralmente bons ou ruins; não há como negar essa condição
humana, temos nossa dimensão moral.
O que é essa dimensão moral?
É nossa dimensão relacional, o nosso ser social. Somos seres morais à medida que
vivemos em sociedade, que buscamos adaptar nossas ações ao meio em que
vivemos, aos outros que nos circundam.
Cada cultura, cada código moral vai determinando um tipo de relação com o
outro. Na antiga Palestina, os leprosos eram considerados impuros, por isso as
pessoas deveriam ignorá-los e romper relações com eles. Isso fazia parte de
uma regra moral aceita por todos.
Na caça às bruxas, durante a Idade Média, as mulheres eram consideradas
demoníacas, portanto podiam ser destruídas, mortas.
As tribos maias, incas e astecas, na América, também foram praticamente
extinguidas pelos espanhóis porque eram consideradas pagãs e inferiores.
No início da colonização brasileira, negros e índios podiam ser escravizados,
eram considerados inferiores aos brancos. A relação do branco (proprietário)
com o negro e o índio era de dominação e submissão.
Observe como a cultura e a moral de cada tempo determinam a forma como nos
relacionamos com os outros.
_________________________________________________________________A importância da ética na
sociedade
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Como é a sua relação com o outro? Com o outro diferente de
você, com o outro de outras raças, culturas, classes sociais?
Como a sua cultura familiar o educou a se relacionar com o
outro?
Boff (2003a) nos alerta: “O outro é determinante. Sem passar pelo outro (que
posso ser eu mesmo), toda ética é antiética.”
As considerações de Boff (2003a) nos levam a perceber que não podemos falar de
ética sem, antes, resgatar o reconhecimento do outro em nossa vida pessoal.
Hoje, isso se torna muito necessário; nossa sociedade está marcada por um
modelo de relações predatórias, no qual o outro é importante até o momento em
que tem utilidade. Boff (2003a) afirma que nossa sociedade “[...] magnifica o
indivíduo que constrói sozinho sua vida.” O que isso quer dizer? Que se costuma
admirar, magnificar as pessoas que têm sucesso individualmente, por intermédio
da fama e da riqueza, mesmo que, para isso, acreditem que não precisam ser
éticas, que há sempre um jeito para tudo, que podem usar a sua influência para
conseguir o que querem, que devem ser egoístas!
Se você quiser aprofundar suas percepções sobre a
importância do outro na vida de cada um, assista ao filme
Shyrlei Valentine.
O filme narra a história de uma mulher que durante, praticamente, toda sua vida
cuidou da casa e dos filhos, passa o dia só e tem uma relação muito diferente e
peculiar com as paredes de sua casa.
Antes de tentar entender o que seja a ética, devemos estar
conscientes de que ela surge no momento em que aparece o
outro, no momento em que reconhecemos nossa dimensão de
vida social. É o que veremos na próxima seção. Precisamos
discutir a ética num âmbito social; do contrário, acreditaríamos
que cada um deve ter sua ética e não haveria sociedade, mas um
conjunto de indivíduos lutando por interesses particulares.
SEÇÃO 2
A ética e a vida social
Ética e Sociedade
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Consigo compreender que minha vida pessoal está vinculada
à sociedade? Tenho consciência de que minhas ações
individuais têm conseqüências sobre o meio que habito? Por
que nossa disciplina se chama Ética e Sociedade, e não apenas
Ética?
Precisamos discutir a ética dentro da sociedade em que vivemos, na qual
buscamos concretizar nossas aspirações individuais. Sociedade e indivíduo
formam um todo inseparável. Não há como negarmos essa relação entre ações
individuais e sociedade. Esta possui uma lógica de funcionamento que acaba
determinando grande parte de nossas ações individuais.
Mas, o que isso tem a ver com a ética?
Basicamente, a relação que a sociedade tem com a ética é que o meio social
(econômico, político, cultural, educacional) determina e condiciona em grande
parte o comportamento das pessoas. Para analisarmos eticamente o
comportamento dos indivíduos, precisamos, antes de tudo, analisar a relação
entre as atitudes individuais e o meio onde estão inseridos.
Como isso se percebe concretamente?
Procure analisar a nossa sociedade capitalista: as idéias presentes no mundo
publicitário, no cinema, na televisão estão centradas na busca pelo sucesso.
Você se lembra do desenho do Pica-pau? Que idéias esse personagem transmite?
Que devemos obter sucesso a qualquer custo. E o Tio Patinhas? Para ele, ganhar
dinheiro é o mais importante.
Fonte: Um Mundo Mágico (2005).
A lógica da sociedade capitalista assenta-se sobre a busca ilimitada pelo dinheiro
e pelo sucesso. Se você tem uma casa, vai querer melhorá-la, ampliá-la; depois vai
querer comprar mais uma. Você acha que em nossa sociedade alguém diria que já
tem dinheiro suficiente para viver? Dificilmente. As pessoas sempre se
consideram insatisfeitas e canalizam seus desejos para acumular e consumir,
independentemente de a sociedade estar com altos índices de miséria e de
pobreza.
_________________________________________________________________A importância da ética na
sociedade
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A sociedade constrói modelos de relações entre as pessoas, estabelece normas de
convivência. Nas grandes capitais, não se vê nada de anormal em tropeçar em
alguém dormindo nas calçadas, faz parte do cotidiano da cidade haver crianças
pedindo dinheiro nas ruas; essa indiferença começa a fazer parte do costume, da
vida cotidiana.
Fonte: Rulli (2005).
Por esses e outros motivos, não podemos discutir ética sem
antes entender a lógica de funcionamento da sociedade em que
vivemos.
Estudamos ética e sociedade, justamente, porque a sociedade determina valores,
princípios, normas e regras de sobrevivência e convivência.
Uma reflexão ética precisa entender as concepções de homem e de sociedade; em
cada período histórico, há uma ideologia vigente que norteia o comportamento
dos indivíduos, por isso a ética fundamenta-se em uma análise filosófica e
sociológica.
Na sociedade medieval, o comportamento das pessoas estava pautado em bases
religiosas. O medo e a concepção de pecado eram fundamentados na idéia de que
Deus estava sempre vigiando as atitudes humanas. As pessoas temiam ir além dos
limites impostos pelas regras sociais. O bem e o mal, Deus e o demônio estavam
sempre presentes no imaginário das pessoas.
Outra importante característica da sociedade medieval era a ligação entre poder
terreno e divino. As pessoas acreditavam que o Rei ou Imperador possuíam
ligação direta com Deus, por isso o respeito e a obediência aos governantes eram
algo incontestável.
Você percebeu que o limite e a obediência foram fatores que marcaram a
sociedade medieval? Isso acabava determinando comportamentos e atitudes das
pessoas.
E a sociedade moderna, que tipo de transformação ela traz?
Ética e Sociedade
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A primeira grande transformação é que a religião perde espaço e o homem passa,
lentamente, a assumir o lugar de Deus. No período medieval, as pessoas
acreditavam que o Paraíso, a plenitude da felicidade, viria após a morte e que
nesta vida deveriam suportar as privações e o sacrifício. O advento da
modernidade faz com que a razão humana passe a ocupar o lugar da fé e da
crença em Deus. Outra grande transformação da sociedade moderna é a perda do
limite e a busca pelo infinito, tanto do conhecimento quanto do lucro. A Igreja,
que no período medieval atuava como inibidora de atitudes, vai perdendo espaço
na sociedade moderna.
Enfim, como percebemos, a sociedade está em constante transformação,
alterando seus valores, crenças, concepções de certo e errado e,
conseqüentemente, a moral e a ética.
A universidade busca formar pessoas e está inserida em uma sociedade, por isso
surge o desafio: que modelos de ser humano e de profissional estão presentes em
nossa sociedade? Quais os valores morais e éticos de nossa sociedade? Quais
atitudes são fundamentais em um profissional que atua na sociedade do século
XXI?
Essa é a razão (e, como você percebeu, são muitas) de estudarmos ética e
sociedade na universidade.
SEÇÃO 3
Ética e sociedade na universidade
Na seção anterior, procuramos esclarecer que não é possível estudar a ética
desvinculada da sociedade.
Por que estudar ética e sociedade na universidade? O que
isso tem a ver com minha profissão?
Muitos cientistas do século XIX acreditavam que a ciência deveria aprimorar seus
inventos e descobertas, apenas debruçar-se sobre seu campo específico do saber
para evoluir a partir de suas próprias pesquisas.
Sabe qual foi o resultado disso?
O lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a morte de milhares
de judeus em campos de concentração, a dizimação de tribos africanas e
indígenas, a degradação ambiental quase irreversível, a desigualdade de renda, a
exclusão social.
O conhecimento científico que não traz a ética para dentro de sua área específica
corre o risco de desenvolver sérios prejuízos à sociedade e a todo o planeta Terra.
Os acontecimentos citados tiveram como causa principal a crença de que a ciência
possui poderes absolutos e é sempre fonte de verdade e certeza.
_________________________________________________________________A importância da ética na
sociedade
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A produção do conhecimento, em qualquer área, precisa discutir e refletir sobre a
relação do conhecimento com a realidade, com a sociedade. O profissional,
professor ou aluno, deve sempre levantar questões sobre a sua área de
conhecimento: para quem se destina esse conhecimento? Qual a sua finalidade?
Quem pode ser beneficiado ou prejudicado com a sua aplicação? Por que estamos
realizando pesquisas e descobertas nessa área?
Essas questões são necessárias, pois discutem a finalidade do conhecimento e sua
relação com a sociedade, com as pessoas, com o presente e o futuro da sociedade.
O conhecimento pode ser utilizado tanto para o benefício
quanto para o malefício da sociedade. De acordo com a forma
com que empregarmos o conhecimento aprendido na
universidade, poderemos ser ótimos ou péssimos profissionais.
O que nos conferirá excelência profissional na nossa área, além
dos conhecimentos técnicos, é o modo como utilizaremos esses
conhecimentos.
A universidade precisa buscar respostas para os desafios do século XXI, tão
complexos que um campo do conhecimento não pode alcançá-los sozinho, por
isso da necessidade de abertura e diálogo, de rever posturas profissionais e
acadêmicas que no século XX eram tidas como verdadeiras.
Mas quais são os desafios?
A fome, a miséria, novas doenças...
Esses desafios globais que afetam nossa realidade local não podem ser
enfrentados e resolvidos por uma única ciência, possuem grande dimensão
socioeconômica, ambiental, política; portanto o profissional do século XXI
precisa dialogar com outras áreas do conhecimento. Precisa, assim, reconhecer a
importância do outro, do outro-profissional, do outro-ciência.
Os desafios do terceiro milênio possuem alto grau de complexidade, de inter-
relações e interdependências. O profissional da Economia não consegue, sozinho,
resolver o problema da fome; o profissional da Educação não consegue educar
sozinho; o profissional da Saúde não consegue, sozinho, garantir saúde a todos; o
profissional do Direito não consegue, somente por meio da lei, criar uma
sociedade justa e organizada; o profissional de Engenharia precisa discutir as
finalidades de sua técnica numa perspectiva humana e social. Nenhum desses
profissionais consegue, sozinho, resolver todos esses problemas.
Em razão de um período acentuado de especialização, a ciência acabou se
fechando no seu objeto de conhecimento e perdendo um pouco a relação com a
sociedade e com outras áreas do saber. É muito comum encontrarmos algumas
ciências considerando-se superiores a outras, ou profissionais que se fecham ao
diálogo com outros profissionais por considerá-los inferiores ou pouco relevantes.
Ética e Sociedade
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Assim, a ética nos convida a reconhecer a importância do diálogo e da consciência
do inacabamento, porque nunca estamos prontos, sempre precisamos aprender
com o outro diferente.
Auto-avaliação 1
1 Qual a importância da ética no meio em que você vive? Como a ética pode
contribuir para a melhoria desse lugar, desse ambiente?
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2 A ética surge no momento em que aparece o outro. Por que o outro é o centro da ética? Assinale V para as alternativas corretas e F para as incorretas:
( ) Porque o outro é aquele que nos julga se agimos corretamente ou não.
( ) Porque é somente quando estamos diante do outro que podemos ser ou não
considerados éticos.
( ) Porque o outro sempre é nossa referência de certo ou errado.
( ) Porque diante do outro sempre precisamos tomar uma atitude, podemos
nos fechar a ele, abrir-nos ou negá-lo, ou seja, essa relação é que será ou
não ética.
RESUMINDO
Nesta unidade, refletimos sobre a dimensão social de nossa vida. Em uma
sociedade marcada pelo individualismo, antes de definir o que é ética e moral,
precisamos reconhecer a importância e a presença do outro na nossa vida,
precisamos reconhecer nossa interdependência. Nessa interdependência, vamos
construindo e definindo nosso ser moral, nossa forma de nos relacionar com o
outro. De acordo com nossas preferências, vamos incluindo e excluindo pessoas
de nosso convívio. Definimos nosso círculo de amigos e pessoas indesejáveis a
partir de nossos critérios do que seja uma pessoa boa e ruim, assim
determinamos nossos valores morais. Cada sociedade define e determina alguns
valores e crenças, e isso influencia muito a forma como as pessoas vivem em
sociedade.
Na universidade, precisamos incluir a ética na produção e construção do
conhecimento. Um conhecimento sem ética pode tornar-se prejudicial à
sociedade, assim como um profissional sem ética pode não ser considerado bom,
por mais conhecimento técnico que possua.
A próxima unidade nos ajudará a compreender melhor a relação entre a ética e a
sociedade e como ocorre a construção dos valores morais.
Un
ida
de
2
Unidade 2
Ética, moral e cultura
Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade, você terá condições de:
compreender o que é ética e o que é moral;
diferenciar ética e moral;
identificar os elementos que unificam as categorias ética, moral e
cultura.
Roteiro de estudo
Seção 1: Ética e moral
Seção 2: A cultura, a moral e a violência
Seção 3: Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente
Seção 4: Os valores morais e a liberdade de consciência
Ética e Sociedade
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PARA INÍCIO DE ESTUDOS
Nesta unidade, você vai saber como a nossa educação cultural contribui ou não
para sermos mais éticos, como somos educados na relação com o outro,
principalmente com o outro de cultura diferente.
Para compreender a importância do outro e o modo como a cultura determina
essa relação, vamos fazer uma reflexão sobre a moral, a forma de os indivíduos
conceberem o certo e o errado numa determinada cultura e num determinado
tempo, e sobre a filosofia, que é o berço da ética.
Vamos lá?!
SEÇÃO 1
Ética e moral
Quando nos deparamos com as palavras ética e moral, o que nos vem à mente são
questões relativas ao comportamento humano: é certo ou errado fazer isso?
Dizemos que uma pessoa é ética porque ela agiu com respeito ao outro ou a algo
além de si mesma. Se uma pessoa faz uma boa refeição e sente-se satisfeita, você
não dirá que foi ou não ética, mas se comeu de forma abusiva, deixando quem
estava ao seu lado com fome, então poderíamos dizer que ela não foi ética. Por
isso, iniciamos nossa apostila sobre ética falando da presença do outro em nossa
vida, assim vamos compreendendo o que estuda a ética e qual sua importância
para a nossa vida e a nossa comunidade.
Os seres humanos não nascem geneticamente pré-programados; diferentes de
outros animais, os seres humanos são inacabados e não-determinados pela
natureza, tampouco delimitados pelo destino ou por Deus(es). Se fosse assim,
agiriam por instinto e não refletiriam sobre suas ações. Por isso, cada um, ou cada
grupo social, cria respostas e soluções diferentes para perguntas e problemas
semelhantes. O ser humano deve, portanto, construir ou conquistar o seu ser; ele
não nasce pronto, ele se faz ser humano, torna-se pessoa.
Mas, por que devemos compreender a ética na relação com a
moral e a cultura?
Porque, geralmente, o que direciona as ações e comportamentos individuais, ou
seja, o que condiciona as decisões do indivíduo provém da cultura e da moral. Há
uma forte influência da cultura nas nossas escolhas e decisões.
Quando nós, brasileiros, estamos com fome, podemos pensar na possibilidade de
matar um boi e fazer um bife suculento. Já os indianos (hindus) jamais pensarão
_______________________________________________________________________________ Ética, moral e
cultura
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nessa possibilidade para saciar a sua fome, pois, em sua grande maioria, são
vegetarianos.
Esse exemplo nos ajuda a entender que as nossas escolhas e decisões são
determinadas pela cultura em que vivemos, que estabelece normas, regras e
valores morais.
A ética é o estudo e a reflexão sobre os valores morais, que se modificam em cada
cultura e em cada época. As noções de certo e errado, o que devemos ou não fazer,
são construídas na cultura em que nascemos. Você pode perceber que as questões
culturais influenciam o modo como as pessoas organizam sua vida, e a cultura é o
ponto de partida para o estudo da ética.
Mas, afinal, o que é ética?
Podemos considerar a ética como a ciência do comportamento moral dos homens
na sociedade; ainda que o objeto da ética é a moral, e a moral é um dos aspectos
do comportamento humano. No nosso dia-a-dia, não fazemos distinção entre
ética e moral, usamos as duas palavras como sinônimos, mas, ao contrário do que
pensa o senso comum, ética e moral não são a mesma coisa; é o que veremos
agora.
A ética busca analisar o conjunto de práticas morais ligadas ao costume e à
cultura, em um determinado tempo e espaço. De acordo com Leonardo Boff
(2003b), a ética é parte da filosofia; estuda as concepções de mundo, os
princípios e valores que orientam pessoas e sociedades.
A moral é definida como o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes,
valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A moral
é normativa (relativo a normas); é parte da vida concreta, da prática real das
pessoas, que se expressam por costumes, hábitos e valores aceitos. Uma pessoa é
moral quando age em conformidade com os costumes e valores estabelecidos, que
podem ser, eventualmente, questionados pela ética.
Uma pessoa pode ser moral, mas não ser ética?
Segundo Boff (2003b), a moral refere-se aos costumes, à educação que
recebemos da família, aos valores da religião, da tradição. Esses valores forma o
caráter e molda a dimensão ética do indivíduo, que passa a acreditar que são
valores universais (éticos) os valores que ele aprendeu em casa, que está
acostumado a praticar (morais).
Se um filho é tratado em casa como o centro da família, nunca recebe um “não”,
nunca é repreendido, os pais fazem tudo o que ele quer, compram o que pede, ele
vai formando seu caráter e seus valores de acordo com essa relação. Como a
família é o primeiro espaço de socialização, o filho vai aprender a se relacionar
com os outros da escola como se comportava em casa. Ele vai acreditar que tudo o
que quer tem direito a receber, que onde estiver deve ser tratado como o mais
importante; provavelmente terá dificuldade de aceitar uma idéia contrária à sua.
Ética e Sociedade
__________________________________________________________________________________
24
Para Boff (2003b), as pessoas serão éticas se tiverem adquirido uma boa moral,
ou seja, terão um caráter ético se no seu ambiente cultural, familiar mais
próximo, tiverem aprendido valores universais, de respeito ao outro, de diálogo.
De acordo com o exemplo, o filho aprendeu que pode impor sua vontade aos
outros, pode pedir, fazer o que quiser, e isso não será errado. Assim, ele terá um
caráter ético próprio que não estará de acordo com uma ética universal.
Na sociedade atual, as pessoas estão acostumadas com a desigualdade, com a
pobreza e com a miséria, mas isso é ético? A palavra ethos, da qual se originou a
palavra ética, precisa ser entendida como o lugar onde vivemos, que é o planeta
Terra, e não apenas nossa casa, nossos amigos, nosso trabalho, nossos ideais.
Pensar eticamente nos coloca além de nossa realidade particular, que tem sua
moral, seus costumes, por isso a ética exige uma atitude reflexiva, profunda,
investigativa e interligada.
Segundo Boff (2003b), a ética e a moral vigente hoje é a capitalista, cuja ética diz:
bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo
possível; e cuja moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar
menos salários e impostos e explorar melhor a natureza. Eis a razão da grave crise
atual.
A moral é particularista, identificada e vinculada com
grupos religiosos, nacionalistas, políticos, classistas; com
normas e sanções que mudam de acordo com as transformações
da sociedade. A ética tem conteúdo universal, parte do princípio
da igualdade dos seres humanos e de seus direitos à paz, ao
bem-estar, à felicidade individual e coletiva; relaciona-se com os
valores reais da existência humana.
Salientamos essa diferença com a citação de Rodrigues e Souza (1994, p. 13): "A
ética é muito mais ampla, geral e universal do que a moral. A ética tem a ver com
princípios mais abrangentes, enquanto a moral se refere mais a determinados
campos da conduta humana." Entre moral e ética há uma tensão permanente: a
ação moral busca justificar seus valores em fundamentos ligados à natureza
humana, à ciência e à religião, enquanto a ética exerce vigilância crítica sobre os
fundamentos da moral para transformar a vida cotidiana.
Você já consegue entender a relação entre ética e moral?
Na próxima seção, vamos compreender como os costumes, os
valores, as tradições e o cotidiano podem legitimar ações
antiéticas.
_______________________________________________________________________________ Ética, moral e
cultura
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SEÇÃO 2
A cultura, a moral e a violência
Você deve estar se perguntando: por que a cultura seria o
ponto de partida para estudar ética?
Há duas razões fundamentais para essa argumentação:
a cultura é um produto da história coletiva dos diferentes grupos sociais;
a cultura contém componentes simbólicos que contemplam formas de
agir, pensar, sentir e reagir em um determinado espaço, onde cada um
desses elementos traz em si um apelo especial pela realidade ética.
A cultura é o espaço em que se formam nossas concepções de certo e errado, ou
seja, nossos valores morais. Se observarmos a história da humanidade, desde que
o homem de vivia em conjunto com outros homens, as normas de
comportamento moral têm sido necessárias para o bem-estar do grupo.
Percebemos que cultura e moral são inseparáveis.
Um dos objetivos de falarmos sobre cultura é porque ela conserva e legitima
padrões de comportamento que são questionados e estudados pela ética.
Será que determinadas culturas e costumes não contribuem
para que os seres humanos sejam violentados? Por que algumas
pessoas aceitam ser inferiorizadas, exploradas e outras
acreditam que isso é normal? Que reflexões éticas podemos
fazer sobre a aceitação da violência?
Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do
constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua
natureza e ao seu ser. Então nos perguntamos: que relação existe entre cultura e
violência? Costumes e violência?
O termo violência nos remete a algo que foge à normalidade, ao eventual, a um
acidente, enfim, a algo que não estamos acostumados a ver. Esta seção convida
você a perceber com mais atenção o cotidiano. Como a palavra moral também
significa costume, muitas vezes estamos tão acostumados com essa realidade que
nem mais percebemos se há algo de errado com ela. Você já deve ter ouvido a
expressão “águas calmas não representam ausência de perigo.” Com o cotidiano é
a mesma coisa; superficialmente, tudo parece estar dentro da normalidade, mas
se analisamos com mais profundidade, percebemos que existem turbulências
profundas.
Ética e Sociedade
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26
A ética surge na história com a preocupação de conter a violência entre as
pessoas; cabe a nós, ao falarmos em ética, aprofundar o conceito de violência e
percebê-la no cotidiano dos nossos costumes e da nossa cultura.
Há situações nas quais não existe violência física, mas outro tipo de violência, de
natureza psicológica. Quando, mesmo sem usar o chicote ou a palmatória, o pai
ou o professor exigem o comportamento desejado, doutrinando as crianças,
impondo valores e dobrando-as para a obediência cega e aceitação passiva da
autoridade, existe violência simbólica, já que a força que exercem é de natureza
psicológica e atua sobre a consciência, exigindo a adesão irrefletida que só
aparentemente é voluntária (ARANHA, 1992, p. 171-172).
Como seres sociais, vivenciamos e buscamos a felicidade em grupo. Para atingir
determinados objetivos, agrupamo-nos em instituições. Para sobreviver e buscar
proteção, vivemos em um grupo, a família. Preparando-nos para a vida adulta,
entramos na escola, participamos de um grupo religioso, uma Igreja. Como
vivemos em uma sociedade organizada com um Estado de direito, pagamos
impostos para usufruir de serviços públicos, de saúde, por exemplo. Quem de nós
nunca precisou ou precisará de um hospital? Quando nos profissionalizamos,
entramos no mundo do trabalho, que também ocorre, na maior parte das vezes,
de forma institucionalizada. A empresa, uma organização, as leis trabalhistas, a
relação patrão-empregado-economia constituem o cotidiano do trabalho.
Como essas diferentes organizações que compõem nosso
cotidiano se tornam antiéticas? Como as diferentes instituições
transformam o ser humano de sujeito em objeto? Que tipo de
violação pode acontecer contra o ser humano nessas
instituições?
A ética faz parte do nosso cotidiano, nossa vida familiar, educacional,
profissional, etc. Vamos refletir sobre a presença da violência na nossa sociedade
em alguns espaços do nosso cotidiano: família, educação, trabalho, saúde pública.
FAMÍLIA
Se você já precisou sair de casa, está estudando fora ou morando distante da
família, deve sentir muita saudade e falta de um aconchego; a família é vista como
um lugar e espaço do bem, mas você sabe que não precisamos ir muito longe para
nos defrontar com problemas de violência familiar: pais que espancam filhos e,
ainda mais grave, cometem abusos sexuais contra eles, problemas de alcoolismo,
drogas, desemprego, todos esses fatores desencadeiam processos de violência. A
reflexão sobre a violência traz consigo a necessidade de discutirmos as relações de
poder. Há abuso de poder quando uma pessoa reduz a outra à condição de objeto
– assim se concretiza a violência.
_______________________________________________________________________________ Ética, moral e
cultura
27
Além dessas formas de violência explícita, procure refletir sobre a violência
velada, como as relações de poder entre os membros da família que,
aparentemente consideramos dentro da normalidade, próprias do cotidiano,
entretanto são formas de violência.
Uma mulher, dona-de-casa, acorda cedo, limpa a casa, leva os filhos à escola, lava
a roupa de todos (filhos, marido), prepara o almoço. À tarde, costura, lava e
passa. À noite, o esposo chega em casa, tira o sapato, deita no sofá, solicita o
jantar e ainda reclama do atraso e do barulho. Os filhos chegam da rua, jogam a
roupa e os calçados pelo chão, sujam a cozinha. A mulher prepara o jantar, lava a
louça, ajuda o filho a fazer a lição de casa, leva roupa e toalha de banho ao marido
que, depois, descansado, prepara-se para deitar. Quando ele deita, a mulher
ainda prepara os alimentos para o almoço do outro dia, sem ter sentado um
minuto sequer. Contudo, se perguntassem aos filhos e ao marido se ela trabalha,
eles certamente poderiam dizer que não, entendendo que o trabalho de casa não
pode ser considerado como tal.
Quais questionamentos éticos poderíamos fazer sobre essa
família? Quem é tratado como objeto? Quem exerce poder sobre
o outro? Como a violência faz parte do cotidiano, da
normalidade e do costume?
Você lembra que iniciamos nossos estudos falando sobre a reflexão ética? Pois
bem, ela surge para questionarmos a moral, os costumes, mas estes estão no
nosso dia-a-dia, e o que é considerado normal pela tradição e pela cultura pode
ser fonte de violência contra as pessoas, ações antiéticas presentes na moral
familiar. A família, no mundo ocidental, é essencialmente patriarcal e, por
conseguinte, essa estrutura tem grande possibilidade de se tornar machista. Os
papéis sociais, definidos desde cedo, contribuem para que algumas pessoas se
tornem submissas às outras na estrutura familiar, como acontece com a menina
que faz os serviços domésticos em relação ao menino que tem mais liberdade para
buscar uma profissão; assim, as relações de poder têm continuidade.
Vamos, agora, a outro cotidiano no qual passamos grande parte
de nossa vida: a escola, a universidade.
EDUCAÇÃO
No Brasil, no início do século XX, era considerado normal professores baterem
em alunos, aplicarem castigos, enfim, a violência na escola era explícita; uma
ação que também refletia a moral familiar da época. Para as provas, o aluno
precisava decorar todo o conteúdo e responder de forma idêntica ao professor.
Na cultura
ocidental
patriarcal, o
pai é o chefe
de família.
Ética e Sociedade
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Essa metodologia expressava que o mais importante era o conteúdo. Se o aluno
interpretasse, traduzisse o conteúdo com suas palavras, a resposta era
considerada errada. O aluno não podia fazer perguntas, era um meio de
passagem entre a lousa e a folha da prova, era um objeto.
Precisamos, portanto, entender as formas de violência na transmissão do
conhecimento. Quantas vezes o conhecimento científico e a figura do professor
são colocados pela escola como algo superior ao aluno?
Outra forma de violência existente na escola é a reprodução da exclusão. Filhos
de famílias ricas têm maiores chances de prosperar na vida acadêmica do que os
de classe menos favorecida. Muitas crianças, para ajudar a sustentar a casa,
acabam deixando a escola, enquanto muitas outras, além de freqüentar a escola
regular, têm condições de fazer cursos paralelos.
Essa forma de violência, sofrida no âmbito educacional, muitas vezes é
obscurecida pelo simples argumento de que alguns aproveitaram as
oportunidades e outros não; uma lógica de pensamento que busca naturalizar o
processo de exclusão social.
Para enriquecer essa discussão, assista ao filme
Sociedade dos Poetas Mortos.
O filme aborda o conflito entre a postura do professor e a escola.
Um carismático professor de literatura chega a um colégio muito
conservador, onde revoluciona os métodos de ensino ao propor que seus
alunos aprendam a pensar por si mesmos.
Fique atento, estamos construindo nossas reflexões dentro de
uma relação entre a violência e o cotidiano.
Outro espaço de convivência é o local onde exercemos nossa
profissão, em que as relações interpessoais se tornam mais
intensas e competitivas.
TRABALHO
Vamos analisar como as relações de poder se transformam em relações de
violência no trabalho. É necessário situar o trabalho dentro de uma sociedade e
de um determinado tempo, por isso nos deteremos à sociedade capitalista do
século XX. Já que estamos falando do cotidiano, vamos partir de expressões do
_______________________________________________________________________________ Ética, moral e
cultura
29
senso comum que expressam de que maneira o ser humano é tratado como objeto
no mundo do trabalho.
Já ouvimos que “algumas pessoas nasceram para mandar e outras, para
obedecer.” Essa afirmação é muito reproduzida; foi feita, inicialmente, pelo
filósofo Aristóteles. Segundo ele, “[...] uns homens são livres e outros, escravos
por natureza, e que esta distinção é justa por natureza.” (VASQUEZ, 1990, p. 31).
Na época de Aristóteles, ninguém julgava antiético uma pessoa escravizar a outra;
hoje, esse pensamento não é diferente. Se uma pessoa precisa se submeter a
horas de trabalho sem um salário digno, muitos poderiam afirmar que foi
predestinada e que é uma realidade social à qual precisa se submeter.
Outra realidade do mundo do trabalho é a “ditadura do desemprego”; muitas
vezes, quando um colaborador procura por melhorias salariais, tem como
resposta que precisa aceitar essa realidade, pois há uma fila de pessoas esperando
por sua vaga. À medida que vamos considerando isso algo normal, aceitamos uma
forma de violência contra o ser humano. Muitos direitos trabalhistas são cortados
em função de uma realidade maior e global, que se impõe sobre as pessoas.
Outra forma de violação à liberdade do ser humano é a escolha da profissão:
muitos submetem o seu desejo, sua empatia por alguma área à realidade do
mercado de trabalho e, assim, tornam-se objetos de um sistema maior.
Também é muito comum o conflito entre colegas de trabalho na busca pela
promoção profissional, no qual os interesses particulares se chocam com o outro.
É impossível responsabilizar uma única pessoa por essa realidade, nosso objetivo
é evidenciar as formas de violência, muitas vezes tidas como algo normal do
cotidiano.
Vamos, agora, a outro cotidiano, a instituição que cuida de
nossa saúde.
SAÚDE PÚBLICA
Quem já esteve doente sabe que é um momento em que nos sentimos fragilizados
e carentes de atenção e cuidado. Por outro lado, é uma situação em que, com
muita freqüência, somos tratados como objetos. A falência do sistema público,
aliada às relações de poder, provoca um descaso contra o ser humano. As pessoas
se acostumam a essa realidade e não percebem mais como são violentadas nessas
instituições.
Há algum tempo, uma reportagem comprovou o fato de que as pessoas não
percebem mais determinadas ações como uma forma de violência: após
permanecer das 4h às 9h da manhã em uma fila para ser atendido em um
hospital, um indivíduo, não tendo conseguido a sua vaga, declarou que estava
acostumado com isso e que voltaria no dia seguinte. Esses fatos vão se
Ética e Sociedade
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30
cristalizando como uma cultura do descaso público, tornam-se costume e não são
mais questionados. Aqui reside o papel da ética: identificar e perceber a violência
velada nos costumes e na moral das instituições, nesse caso, a saúde pública.
Todas as instituições exercem, de uma forma ou de outra, violência contra o
indivíduo; cabe a você considerar e perceber a importância dessas reflexões em
qualquer projeto profissional.
Você percebeu que estamos trabalhando com vários
conceitos? Se você não conseguiu compreender a relação entre
ética, moral e cultura, retome seus estudos nas seções
anteriores ou procure seu professor tutor.
SEÇÃO 3
Preconceito e discriminação: violência contra o
outro diferente
Nossa formação cultural acontece a partir de modelos, de princípios certos e
errados, comportamentos morais e imorais. Vamos nos deter, especificamente, ao
fato de considerarmos o outro errado, imoral, por ser diferente, por fugir aos
nossos padrões culturais. Isso está relacionado à ética por dois motivos: primeiro,
por não considerarmos o outro diferente em sua especificidade; segundo, como
conseqüência, por não refletirmos sobre o que pensamos a respeito do outro.
A ética é uma reflexão crítica sobre nossas formas de
perceber o outro e agir sobre ele. Assim, fechamo-nos à ética
quando nos fechamos à autocrítica sobre o que e como
pensamos a respeito do outro.
Para Aranha (1992, p. 181), preconceito (pré-conceito) significa conceito (ou
opinião) formado antecipadamente, sem adequado conhecimento dos fatos. O
perigo do preconceito está na recusa em reexaminarmos as convicções quando se
tornam dogmáticas. Nesse ponto, o preconceito é fonte de intolerância e,
portanto, de violência. O preconceito leva à discriminação, quando o diferente é
considerado inferior, excluído dos privilégios de que os melhores desfrutam.
Os antropólogos nos alertam que, ao analisarmos os costumes de outros povos,
convém não os avaliar a partir de nossos valores culturais, o que significaria uma
atitude etnocêntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles
o que lhes falta e esquecer de ver com clareza o que são de fato.
Dogmática: que se apresenta com caráter de certeza absoluta.
Etnocêntrica: que tem a tendência de considerar a cultura de seu próprio povo a medida para
_______________________________________________________________________________ Ética, moral e
cultura
31
Da mesma forma, dentro de cada cultura, há preconceitos que levam à
discriminação dos pobres, negros, homossexuais, mulheres, idosos e tantos
outros.
Um exemplo de preconceito cultural é o dos colonizadores
europeus, que consideravam os povos tribais inferiores não
como uma cultura diferente, mas sim de menor importância.
Aqui, surge a legitimidade de muitos atos violentos contra povos
indefesos. Sabemos que a população indígena brasileira foi
praticamente exterminada pelos brancos.
Conforme Aranha (1992, p. 182), a origem da discriminação, de raça ou de sexo,
geralmente é conseqüência da desigualdade social. Desde a antiguidade grega, em
toda a história do mundo ocidental, o poder é branco, masculino e adulto.
O Brasil tem uma longa tradição histórica de rígidas hierarquias sociais – uma
sociedade marcada pelo poder de elites (senhores de engenho, barões do café,
coronéis-fazendeiros). Apesar de a sociedade brasileira apresentar grandes
desigualdades sociais, há uma camuflagem do preconceito por meio do mito da
democracia racial; uma idéia de que todos são iguais e que no Brasil as pessoas
sabem conviver entre negros e brancos e entre ricos e pobres. Quando
aprofundamos o assunto, percebemos que isso não é verdade, que existe
preconceito e discriminação, principalmente com negros, índios e migrantes.
O ÍNDIO, O NEGRO E O MIGRANTE
Quando os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, o processo de cristianização
dos índios por eles empreendido facilitou a política de dominação de Portugal.
Mesmo não sendo essa a intenção dos religiosos, imbuídos de ardor religioso, eles
estavam convencidos da superioridade de sua cultura e religião. Ao docilizarem
os índios, adequando-os a padrões estranhos, deram início à desintegração da
cultura indígena.
Assim como a inferiorização do índio, a origem do preconceito contra o negro
encontra-se na tradição da escravidão. Os senhores acalmaram a consciência com
a convicção de que o negro era semi-animal, bruto e rebelde, e exigia pulso forte
por parte do dominador. Por resistir ao trabalho escravo, o negro passa a ser
avaliado por meio de estereótipos: é indolente, malandro, cachaceiro. A
dominação é justificada por considerar o negro inferior.
Sabemos que o racismo é muito presente em nossa
cultura. A reflexão ética nos convida a analisar como o racismo
está fundamentado na ignorância e na falta de racionalidade
crítica.
Estereótipos: que são vistos todos de um mesmo modo de ser.
Ética e Sociedade
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32
O preconceito e a discriminação não atingem apenas o índio e o negro, vítimas do
estigma da escravidão. Em um país como o Brasil, com irregular desenvolvimento
nas diversas regiões, o Sul e o Sudeste constituem o espaço do progresso e da
riqueza, onde se instalam as indústrias. Por motivos histórico-sociais, amplas
regiões permanecem empobrecidas, além de serem assoladas pela seca. Essa
situação obriga as pessoas a migrarem; com a esperança de dias melhores, vêm
para os grandes centros, ocupam funções subalternas, enfrentam o desemprego e
outras dificuldades, sofrendo preconceitos. As regiões mais ricas acabam
aproveitando a mão-de-obra barata e discriminando essas pessoas.
Ainda é vigente no Brasil a mentalidade de que existem
estados e culturas mais importantes do que outras. Esse
pensamento é mais uma forma de exercer violência sobre o
outro; confunde o diferente com o errado ou inferior.
Na próxima seção, vamos compreender como a cultura e a
moral nos impedem de ser éticos.
SEÇÃO 4
Os valores morais e a liberdade de consciência
Estamos falando de cultura; sabemos que os valores morais são construídos e
legitimados nela, na relação que temos com a nossa família e com a comunidade
desde que nascemos.
Por que falarmos em liberdade? Porque a liberdade de consciência é elemento
fundamental para o agir ético; somente quando tomamos consciência de nossas
ações é que podemos refletir sobre elas.
Ainda podemos nos perguntar: o que têm a ver os valores
morais com a liberdade?
Acreditamos que os valores (concepções de certo e errado) que aprendemos em
casa são as melhores coisas que trazemos conosco, são os pilares de nossa
conduta e de nossas ações. Chauí (2003, p. 311) afirma que nossos sentimentos,
nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas
condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião,
trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa
sociedade, que nos educam para respeitar e reproduzir os valores propostos por
ela como bons e, portanto, com obrigações e deveres. Desse modo, valores e
maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e
_______________________________________________________________________________ Ética, moral e
cultura
33
atemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso
nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os
transgredimos.
Sócrates, filósofo grego de Atenas, levava os jovens a questionar aquilo em que
acreditavam e que repetiam, a questionar os próprios valores. Foi um dos
primeiros filósofos a estimular o questionamento ético, porque provocava uma
reflexão profunda sobre os valores. A grande contribuição do pensamento e da
ação socrática foi no sentido de demonstrar que o que entendemos como valores
(certo, errado, bonito, feio) é construído dentro de um contexto cultural,
geográfico e num determinado tempo. Sócrates fazia as pessoas indagarem sobre
a origem e a essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam praticar ao
seguir os seus costumes.
Portanto, não podemos afirmar que nossos valores sejam válidos para todos.
Quando você não consegue perceber a particularidade dos seus valores, não
conseguirá pensar além da sua cultura e da sua moral. Assim, seus valores morais
limitam a sua liberdade de pensamento e reflexão. Muitas vezes, ouvimos a
expressão: “a minha opinião é esta e não abro mão porque é a verdade!”; uma
afirmação como essa demonstra que o sujeito não consegue refletir além de seus
princípios morais, tirando-lhe a liberdade de reflexão. É o chamado
fundamentalismo ou fanatismo: o indivíduo fica preso aos seus referenciais
culturais de mundo.
Em nossa vida, quando seguimos o que é dito como correto pela cultura da
sociedade em que vivemos, achamos que estamos no caminho certo. Sócrates nos
perguntaria:
Você está seguindo esses valores conscientemente ou apenas
para atender a um costume, para não sair da moda?
Por que e como a moral, os costumes podem exercer algum tipo
de violência contra o ser humano?
Como vimos, a moral e os costumes exercem algum tipo de violência quando
surge o racismo e o preconceito, mas também quando impedem e dificultam o
indivíduo de refletir racionalmente, ou seja, ser de fato livre nos seus
pensamentos.
De acordo com Aranha (1992, p. 113), desde que nascemos enfrentamos o
problema do determinismo cultural: ao nascer, o homem já se encontra em um
mundo constituído, recebe como herança a moral, a religião, a organização social
e política, a língua, enfim, os costumes, que não escolheu e que, de certa forma,
determinam sua maneira de sentir e pensar.
Quando não conseguimos perceber que muitos de nossos valores são válidos
somente para nossa cultura e para nossa profissão, não estamos fazendo uso
adequado de nossa liberdade.
Ética e Sociedade
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Auto-avaliação 2
1 A partir de seu cotidiano cultural e social, cite outros exemplos de práticas
silenciosas de violência praticadas e obscurecidas pelo costume e pela tradição.
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2 Como a cultura pode dificultar o processo de liberdade de pensamento, ou seja,
como ela pode permitir o surgimento de um pensamento fundamentalista?
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________
RESUMINDO
Nesta unidade, percebemos a importância da cultura para o estudo da ética, como
nossos valores e visões de mundo são construídos no ambiente familiar e como o
costume e a tradição podem abrigar formas de violência contra o indivíduo. A
reflexão ética exige um constante processo de autocrítica, de revisão de
concepções e dos valores morais. Essa reflexão torna-se fundamental para o
crescimento ético; do contrário, caímos no fundamentalismo, escravizamos nossa
capacidade de pensar livremente, nossas idéias ficam enquadradas em sistemas
de pensamento construídos em uma cultura.
Para a ética, é essencial de um olhar crítico sobre a realidade, por isso, na
próxima unidade, buscaremos compreender a relação entre a filosofia e a ética, já
que a filosofia tem como princípio a dúvida e a reflexão.
Un
ida
de
3
Unidade 3
O pensamento filosófico e a ética
Objetivos de aprendizagem
Ao concluir a leitura desta unidade, você terá condições de:
identificar os principais fundamentos teóricos da ética;
compreender a ética como um ramo da filosofia;
perceber a ética inserida na história da sociedade e do conhecimento.
Roteiro de estudo
Seção 1: A filosofia e a ética
Seção 2: O surgimento da ética na filosofia
Seção 3: O pensamento de Aristóteles e Marx
Seção 4: Reflexão sobre a construção da moral
Ética e Sociedade
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PARA INÍCIO DE ESTUDOS
Nas unidades anteriores, percebemos a necessidade de refletir sobre nossas
ações, pois nascemos em uma sociedade, estamos no mundo com outras pessoas,
nossas ações ou omissões interferem no contexto social em que vivemos. Sempre
que falamos: “estive refletindo sobre...”, “pensei muito sobre...”, “freqüentemente
me pergunto se é correto...”, as pessoas ao nosso redor nos dizem: “já está
filosofando...”. Precisamos, então, quando falamos em ética, andar pelo caminho
da filosofia ou da reflexão do homem sobre seus atos, seu contexto, seu mundo e
seus iguais. É por isso que, nesta unidade, falaremos da importância de
compreender a ética a partir da filosofia.
SEÇÃO 1
A filosofia e a ética
O que vem à sua mente quando você ouve a palavra filosofia? Por que falarmos de
filosofia? Muitas vezes, o professor de filosofia é aquela pessoa que sempre faz
reflexões profundas sobre um tema aparentemente simples. Por essa razão, numa
sociedade marcada pelo utilitarismo e pela praticidade, a primeira acusação sobre
a filosofia é de que ela é inútil. Entretanto, veremos adiante que, para
compreendermos a ética, é fundamental refletirmos sobre a filosofia.
Mas, por quê?
A filosofia nasce na história trazendo a dúvida para o centro das discussões sobre
a vida. A ética nada mais é do que a sistematização de grandes questionamentos
sobre o agir humano e a relação entre os indivíduos.
É correto fazer isso? Por que devo agir assim? Que lugar o
outro ocupa nas minhas escolhas e decisões? Existe uma
consciência ética que nasce conosco? Sabemos agir de forma
ética naturalmente ou precisamos aprender?
As questões éticas são, acima de tudo, questões filosóficas. Daí que, para
construirmos uma reflexão ética, precisamos, antes de tudo, resgatar o papel e o
conceito de filosofia.
Chauí (2003, p. 23) discute a idéia de filosofia como a “[...] fundamentação
teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas.”
Com isso, percebemos que a filosofia busca problematizar as práticas e os
conhecimentos já estabelecidos. Em nossa educação, o conhecimento é
transmitido por intermédio dos costumes e, por isso, não buscamos levantar
___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a
ética
37
dúvidas sobre ele, até porque todo mundo pensa igual, então acabamos nos
acostumando com certas idéias e práticas. Para progredirmos eticamente,
contudo, precisamos colocar em dúvida e em questão os nossos próprios
costumes .
Tendo como premissa a idéia da filosofia como base racional de análise do real, a
definição de Chauí (2003) leva-nos a um caminho parecido com o que sugeriu
Marx, ao afirmar que a filosofia ficou muito tempo refletindo e que deveria agir.
Portanto, ela deve nos conduzir a uma ação que tenha reflexos imediatos na
sociedade, interferindo diretamente nas ações dos seres humanos e nas suas
relações com o mundo, com os outros e consigo mesmos.
Assim, precisamos compreender que o conhecimento filosófico deve proporcionar
uma reflexão sobre a vida concreta que nos leve a transformá-la para melhor.
Essa foi a busca de muitos filósofos. Marx pode ser exemplo desse papel da
filosofia na história. Ele questionava filosoficamente a desigualdade de classes, a
dominação de umas pessoas por outras: é natural que existam ricos e pobres?
Como superar o abismo existente entre patrões e empregados? Perceba, aqui, que
a filosofia surge como um pensamento que provoca questionamento e
problematização para uma transformação social.
Dessa maneira, a importância do conhecimento filosófico é evidente para
comprovar que a filosofia não é somente abstrata, como afirmam algumas teorias,
mas possui interferência prática. Alguns teóricos ajudam a reforçar a idéia de que
o conhecimento filosófico não é mera abstração. Platão concebia a filosofia como
um saber a ser usado em benefício do homem; Descartes via na filosofia a
possibilidade de se conhecer, conservar e inovar, quer nas artes, quer no mundo
das técnicas.
Para saber mais sobre o assunto, leia A República, de
Platão.
A filosofia assume, na história, uma função investigativa,
crítica e problematizadora.
Mas, o que isso tem a ver com a ética?
Como já vimos, nem sempre costumamos refletir e buscar os porquês de nossas
escolhas, comportamentos, valores; agimos por força do hábito, dos costumes e
da tradição, tendendo a naturalizar nossa realidade social, política, econômica e
cultural.
É muito comum ouvirmos as expressões: “as coisas não mudam, sempre foi assim
e sempre será”; “eu sou assim mesmo, é de minha natureza agir dessa forma.”
Essas expressões refletem a naturalização da realidade humana e social, que
Ética e Sociedade
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acarreta uma considerável perda da capacidade de auto-reflexão e de
problematização da sociedade e de nossos próprios pensamentos; perdemos
nossa capacidade crítica diante da realidade.
Você percebe como isso é muito grave?
Em outras palavras, não costumamos fazer ética porque não fazemos crítica, nem
buscamos compreender e problematizar a nossa realidade moral. Com isso,
podemos compreender a íntima relação entre o descaso pela filosofia e, como
conseqüência, o abandono da ética. Não é possível ser ético sem, antes de
tudo, ser reflexivo e crítico.
Temos uma experiência ética quando conseguimos
perceber a diferença entre aquilo que é e o que poderia ser
melhor.
Quando percebemos que as coisas podem mudar, estamos vivendo uma
experiência ética.
Essa capacidade de questionar é a característica principal do pensamento
filosófico. A filosofia, historicamente, fez forte oposição ao pensamento mítico e
ao senso comum.
Mas, em que se baseia o pensamento mítico? Nas crenças, na aceitação da
realidade como algo definitivo e acabado. O senso comum também se caracteriza
por essa adaptação do pensamento à realidade e a uma idéia comum. Podemos
perceber que a vida em grupo e em comunidade influencia as ações, as atitudes e
o pensamento das pessoas; a maioria dos indivíduos pensa e age de forma
semelhante e até mecânica. Nesse agir e pensar é que se manifesta o senso
comum, dificultando o pensamento crítico e investigativo. Em nossa cultura, de
forte descendência européia, o racismo é muito comum, presente no cotidiano
das pessoas, nas piadas, brincadeiras, de forma tão mecânica e consensuada (em
que todos concordam) que dificilmente abre espaço para um “por quê?”.
O que você pensa a respeito desse assunto? Você questiona
sobre por que, para que e como tem determinadas atitudes,
falas ou pensamentos? Quando conseguimos fazer isso, estamos
refletindo sobre nossas ações e, conseqüentemente,
preparando-nos para mudar nosso modo de agir.
Dessa forma, percebemos que, para fazer uma reflexão ética, precisamos
exercitar o pensamento filosófico, que nada mais é do que o pensamento crítico
___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a
ética
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diante das idéias e costumes aceitos em nossa cultura. Na próxima seção, vamos
compreender como acontece a relação entre ética e filosofia.
SEÇÃO 2
O surgimento da ética na filosofia
Vários foram os filósofos que se preocuparam em entender e analisar as questões
éticas.
Sócrates foi um deles, conforme já mencionamos; foi um dos primeiros a fazer
uma reflexão ética sobre os valores e as crenças das pessoas. Propôs a busca dos
valores universais pela razão e a idéia de que já nascemos com o conhecimento
dentro de nós. Quando sugeria: “conhece-te a ti mesmo”, Sócrates convidava os
seus concidadãos a voltarem-se para dentro de si, ignorar os mitos e as
determinações das verdades impostas pelas autoridades; ao afirmar “só sei que
nada sei”, convocava os seus companheiros à reflexão constante sobre os
acontecimentos do mundo à sua volta – é preciso educar-se para não se deixar
manipular pelos outros; para isso, a educação deve cuidar da alma, ou seja,
cultivar a razão.
Perceba como é relevante o pensamento de Sócrates para a ética e, em especial,
para a nossa atualidade. Sócrates acreditava que o conhecimento deveria,
automaticamente, provocar o auto-conhecimento, ou seja, deveria levar o
indivíduo a refletir e questionar suas certezas e idéias. Seu pensamento é uma
defesa do diálogo e da compreensão ao outro e ao novo.
[...] ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela costuma considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao indivíduo. (CHAUI, 2003, p. 311).
Vemos, aqui, a manifestação de um vínculo indissociável entre reflexão filosófica
e ética. Observe que Sócrates levava as pessoas a questionarem suas próprias
compreensões e idéias sobre o bem, o mal, o certo e o errado.
A questão da ética assume uma primeira sistematização, um pensamento mais
elaborado teoricamente com Aristóteles. Teria sido ele o primeiro filósofo a
pesquisar os princípios da ação humana por meio de uma reflexão acerca da
diferença entre conhecimento teórico e prático, pela constatação de que o saber
relacionado às coisas humanas não poderia ser demonstrado teoricamente, como
na física ou na matemática.
Aristóteles percebeu que seria necessário pensar em uma nova ciência que se
aprofundasse sobre as ações e intenções do homem.
Ética e Sociedade
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40
O comportamento humano é, muitas vezes, inexplicável pela
ciência e não podemos subordiná-lo ao conhecimento científico.
O ser humano é um ser com muitas dimensões, imaginação,
sonhos, ilusões, que fogem à exatidão da ciência.
Sabemos que em cada ambiente cultural e social e em distintos momentos da
história humana podemos perceber uma gama de valores voltados a discutir os
procedimentos do homem sob o ponto de vista do certo e do errado, do justo e do
injusto. A especificidade da reflexão filosófica sobre a ética está no fato de que os
princípios éticos não podem partir de princípios exatos, como em outras áreas do
conhecimento. As ações do homem podem ser consideradas boas em um
momento e ruins em outro; em cada período historico, elabora-se uma
determinada reflexão sobre a ética.
Essas reflexões vão construindo o campo específico da ética e nos ajudando a
entender que a ética não pode se preocupar em definir de forma exata e definitiva
os modelos de ações e comportamentos humanos; precisa se fundamentar numa
análise sociológica e antropológica, identificando as características de cada
período histórico e de cada modelo de sociedade.
Na Idade Média, por exemplo, a sociedade organizava-se em torno da Igreja, a
grande detentora do poder político, social e religioso. Os princípios éticos da
época, alicerçados na ótica cristã, enfatizavam a revelação dos Livros Sagrados; o
Pai, o Filho e o Espírito Santo determinavam as normas de conduta. Jesus torna-
se o grande mensageiro de uma nova ética, a ética do amor ao próximo, porém
essa ética foi conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que
distorceram a pureza do cristianismo primitivo: o amor ao próximo presente nos
discursos de Cristo foi sufocado pela ganância, pelo poder que a manipulação da
fé proporcionava aos ocupantes dos altos cargos religiosos. O século XVI sofre a
pressão do protestantismo, em que alguns católicos reagem às determinações da
Igreja de Roma. Foram chamados de “protestantes” por questionarem alguns
procedimentos, decisões e determinações da Igreja Romana. Para os
protestantes, a ética é baseada nos valores éticos; a base para o agir ético está nas
relações com o mundo e com as pessoas que nele estão, e não na relação com o
divino ou o sagrado.
Se quiser ampliar seus conhecimentos, assista ao filme
Lutero. Você poderá convidar seus colegas para uma discussão
sobre as reflexões dos personagens!
Conspurcada: manchada, corrompida, pervertida, maculada.
___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a
ética
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Atente para o fato de que as mudanças de poder na sociedade também alteram as
concepções morais (do que é certo e errado, de onde estão as fontes da verdade,
do bem). O catolicismo difere do protestantismo, mesmo ambos sendo cristãos.
Os teóricos da modernidade buscam substituir uma reflexão cristã por uma
reflexão mais racional. No período moderno, surge Kant (apud SANTOS, 1965),
para quem a ética é autônoma, e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela
própria consciência moral, e não por qualquer instância alheia ao Eu. Kant dá
prosseguimento à construção de uma moral própria, que não espera algo de fora
– aquilo que o homem procura está dentro dele. Na concepção de Kant, uma
sociedade mais ética não precisa de regras e normas, mas sim do progresso e da
ampliação da consciência ética presente em cada indivíduo.
Durkheim, ao contrário, voltou-se à compreensão do fato social como produção
coletiva e histórica e, portanto, fenômeno sobre o qual deveriam recair
preocupações éticas. Durkheim parte do pressuposto de que, por natureza, as
pessoas são portadoras do mal, cabendo à sociedade encontrar mecanismos que
as forcem ao exercício do bem.
É importante percebermos que esses filósofos influenciaram muitos outros
teóricos e estudiosos de várias áreas da saúde, da economia, da sociologia, da
psicologia, etc. Observe que Kant defende a idéia de que cada indivíduo possui
condições de estruturar seus próprios valores éticos, não precisando de normas,
regras e leis; já Durkheim acredita que as pessoas são más por natureza e que a
sociedade deve torná-las boas.
O que você acha disso? As pessoas têm condições de saber o que é certo e errado,
ou precisam da sociedade?
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Observe que os fundamentos da ética não são simples,
precisam de muita profundidade e investigação. Sabemos que,
com tanta diversidade cultural, não podemos deixar de buscar a
harmonia social, desejada por todos, mas praticada por poucos.
Nenhum homem é uma ilha. O que essa frase quer dizer para
você?
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Ética e Sociedade
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Essa famosa frase, do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender
que a vida humana é convívio. Para o ser humano, viver é conviver. É justamente
na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se
realiza como um ser moral e ético.
É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais.
O que devo fazer? Como agir em determinada situação?
Como me comportar perante o outro?
A ética preocupa-se, portanto, com as formas humanas de resolver as
contradições entre necessidades e possibilidades, entre tempo e eternidade, entre
o individual e o social, entre o econômico e o moral, entre o corporal e o psíquico,
entre o natural e o cultural, entre a inteligência e a vontade (VALLS, 2003, p. 52).
Quando você se pergunta “o que devo fazer?”, ou “esta decisão irá prejudicar
alguém?”, quando você pensa como deve agir diante de uma situação concreta,
empírica, real, que obriga a uma tomada de decisão, você sempre pensa nos
resultados dessa decisão, não é?
Às vezes, diante dessas questões, parece que, qualquer que seja a decisão,
favorecerá alguém e prejudicará alguém. É assim que nos tornamos éticos,
porque nós não apenas vivemos com os outros, nós “convivemos”, e nesse
“conviver” é que nos descobrimos éticos e morais, ou seja, só é possível respeitar
os princípios máximos da ética (vida, liberdade, privacidade, etc.), as leis e as
normas de conduta, se estivermos com outras pessoas, o que exige um
comportamento ético e moral.
Nesta seção, você estudou sobre a construção do campo de conhecimento da ética
ao longo da história da filosofia. Agora, vamos estudar alguns filósofos que muito
contribuíram para a reflexão ética.
SEÇÃO 3
O pensamento de Aristóteles e Marx
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ética
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Nesta seção, apresentaremos as concepções de Aristóteles e Marx sobre a ética;
esses teóricos ajudaram a construir os fundamentos da moral ocidental.
Aristóteles concebeu uma ordem socioeconômica como sendo a natural, na qual a
relação entre os seres e as coisas é determinada por uma hierarquia:
Deus – Espírito – Alma – Razão – Homem – Emoção – Mulher – Animais –
Vegetais – Minerais – Matéria – Caos – Diabo
Na concepção aristotélica, Deus é a fonte de toda a autoridade e o legitimador
dessa estrutura de superioridade-inferioridade. Cada ser deve cumprir sua
finalidade de acordo com sua posição nessa hierarquia e sua natureza, que é fixa.
Qual a implicação ética dessa hierarquia? A inferioridade da mulher em relação
ao homem é concebida como algo natural; o escravo é escravo por natureza e deve
desenvolver sua escravitude, sendo aquilo que a sua condição determina. Cada
ser ocupa um lugar nas relações sociais ou naturais e o ser humano, para ser
“bom”, deve não apenas cumprir sua tarefa, sua parte do desenvolvimento dessas
relações, mas cumpri-la bem.
Para Aristóteles, o homem é um ser racional e cumpre sua finalidade de acordo
com essa natureza. A ética conduz a ação humana a ser realizada de acordo com a
natureza racional. O fim último, ou seja, a finalidade do ser humano é a felicidade
e, sendo um ser dotado de razão, esta deve trabalhar para que alcance a
felicidade.
Em resumo, percebemos que Aristóteles apresenta um modelo de relações sociais
que se transforma, posteriormente, em códigos morais: o escravo, por exemplo,
na sociedade antiga, não tinha direitos iguais aos do homem livre. Veja como um
filósofo tinha o poder de influenciar toda uma forma de pensamento e de ações!
A concepção aristotélica foi, também, o alicerce sobre o qual se assentou a ética
cristã, divergindo no que diz respeito a alcançar a felicidade – para Aristóteles, a
felicidade deveria ser alcançada pelo homem entre seus iguais e, segundo a ética
cristã, a felicidade estaria na vida futura, depois da morte, no céu. O pensamento
de Aristóteles influenciou fortemente a ética cristã com relação à questão da
aceitação do sacrifício e da submissão à Igreja e ao Rei ou Imperador, acreditando
que esses expressavam a vontade de Deus.
Um pensador moderno que também abordou as questões éticas em sua teoria foi
Marx. Em contraposição ao cristianismo, apresentou a religião como “o ópio do
povo”, ou seja, um mecanismo de fuga da realidade. Diante das contradições da
realidade socioeconômica, evidenciou que as estruturas econômicas determinam
as relações sociais. Assim, a situação de superioridade-inferioridade entre as
pessoas não ocorre por intermédio da natureza, como afirmava Aristóteles, mas
em razão do papel ocupado no sistema econômico da sociedade. O rico é superior
ao pobre em virtude do sistema econômico capitalista, e isso não é algo natural.
Para Marx, uma sociedade sem conflitos e mais igualitária resultaria da luta de
classes entre capitalistas e proletariados. Por isso, o homem pode agir sobre a
realidade, e o conhecimento e a ciência devem ser uma construção coletiva e
histórica, a partir da realidade socioeconômica, com vistas à transformação dessa
realidade. Um fator ético importante do pensamento de Marx é que ele substituiu
Ética e Sociedade
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a ideologia do individualismo, como fator decisivo no processo civilizatório, pela
construção coletiva da sociedade; desconstruiu a idéia de naturalidade, de
tradição, de nobreza; apresentou a sociedade como resultado de um processo
coletivo.
Até aqui você percebeu como os teóricos foram trazendo e construindo novos
elementos à reflexão ética, mas por que apresentamos todas essas teorizações?
Justamente para entendermos que a ética exige reflexão aprofundada. Não
devemos achar que sobre ética não podemos refletir, nem discutir porque cada
um tem a sua, isso é uma visão simplista da ética e responsável pela sua
banalização (minimização da importância) na sociedade. A discussão
aprofundada e filosófica sobre as ideologias e as crenças que fundamentam as
nossas ações nos ajuda a possibilitar um progresso ético na sociedade. Para
enriquecer nosso aprofundamento, vamos compreender como, em cada espaço e
tempo histórico, a ética retrocedeu ou avançou.
SEÇÃO 4
Reflexão sobre a construção da moral
A ética é uma reflexão sobre a moral, por isso precisamos entender a construção
da moral na história. Todos os filósofos que adentraram no campo da ética
começaram suas discussões e reflexões indagando sobre o ser humano, sobre a
origem do agir humano e, ainda mais, sobre a relação desse agir com a sociedade.
Os teóricos da ética fundamentaram suas reflexões sobre a natureza social do
homem.
A moral acontece quando o homem supera sua natureza
puramente natural, instintiva, e passa a possuir uma natureza
social, que surge quando o homem passa a ser membro de uma
coletividade.
Para entender essa relação social entre os homens, também precisamos entender
a relação do homem com a natureza, ou seja, com a realidade material.
Na sociedade primitiva, a luta pela sobrevivência exigia a construção de uma
coletividade. Assim, surge uma série de normas que beneficiam a comunidade. A
moral nasce com a finalidade de assegurar a concordância do comportamento de
cada um com os interesses coletivos. O que é bom ou ruim é definido em função
da comunidade, ou seja, tudo o que venha a reforçar os interesses da coletividade
passa a ser bom, enquanto tudo o que ameaça a coletividade passa a ser ruim;
surgem alguns deveres de todos os membros de uma tribo (todos são obrigados a
lutar contra os inimigos da tribo, por exemplo).
___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a
ética
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Essa moral coletivista, característica das sociedades primitivas que não conhecem
a propriedade privada, nem a divisão de classes, é uma moral única e válida para
todos os membros da comunidade.
Isso parece constituir um modelo de sociedade ética, mas qual é o problema?
Essa moral única para todos os membros da tribo é limitada pelo próprio âmbito
da coletividade: além dos limites da tribo, seus princípios e suas normas perdiam
sua validade; as outras tribos eram consideradas inimigas e, por isso, não lhes
eram aplicadas as normas e os princípios válidos no interior da comunidade. Na
sociedade primitiva, há uma absorção do individual pelo coletivo, não havendo
espaço para uma autêntica decisão pessoal e, por conseguinte, uma
responsabilidade pessoal. A coletividade apresenta-se como um limite da moral,
por isso uma moral pouco desenvolvida, cujas normas e princípios são aceitos,
sobretudo pela força do costume e da tradição. Observe que uma moral coletivista
não contribui para o desenvolvimento da consciência ética; as pessoas cumpriam
as regras porque as recebiam da tradição, não porque tinham consciência desses
valores e normas. O ser humano somente tem valor se pertence à tribo; os
membros de outras tribos podiam ser mortos e escravizados, eram considerados
inferiores.
Perceba que uma comunidade aparentemente sem problemas de violência nem
sempre pode ser considerada eticamente avançada.
Veremos que houve mudanças no decorrer da história...
Com o aumento da produção (decorrente, em grande parte, da transformação dos
prisioneiros de tribos inimigas em escravos), surge o excedente e a desigualdade
de bens. A decomposição do regime comunal (tribal) e o aparecimento da
propriedade privada acentuam a divisão entre os homens livres e os escravos. O
trabalho físico passa a ser indigno para homens livres; os escravos tornam-se
coisas, podem ser vendidos como objetos e mortos, quando não servem mais ao
trabalho.
Essa divisão provocou a separação da sociedade em duas morais: uma
dominante, dos homens livres – a única considerada verdadeira – e a dos
escravos. A moral dos homens livres era legitimada nos escritos da época e por
muitos filósofos.
Perceba que houve uma significativa mudança na forma de as pessoas se
relacionarem: já não há mais separação entre o bem e o mal a partir de quem
pertence ou não à tribo, mas sim entre quem é escravo ou livre.
Com o desaparecimento do mundo antigo, assentado sobre a escravidão, nasce a
sociedade feudal, dividida em duas classes: senhores feudais e camponeses
servos. Os homens livres da cidade (artesãos, pequenos comerciantes) estavam
sujeitos à autoridade do senhor feudal que, por sua vez, estava sempre em
situação de dependência a outro senhor feudal, mais poderoso. Nesse sistema
hierárquico, o Rei ou Imperador, por meio da força de seu exército, garantiam seu
domínio e exploração econômica. Com o papel preponderante da Igreja, a moral
estava impregnada de conteúdo religioso. A religião assegurava certa unidade
moral à sociedade, pois ditava as normas, baseada em um sistema de obediência a
Ética e Sociedade
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Deus, cujas exigências e determinações eram interpretadas pelo clero da época,
considerado representante e tradutor de Deus no mundo. Na divisão da
sociedade, havia também diversos códigos morais: dos nobres ou cavaleiros, dos
monges. Somente os servos não tinham uma formulação dos seus princípios
morais. A moral cavalheiresca e aristocrática partia da premissa de que o nobre,
por motivos de sangue, possuía uma série de qualidades morais que o distinguia
dos servos e plebeus. Estes aceitavam sua condição social inferior, com a
promessa de uma vida melhor após a morte, já que no mundo terreno sua
felicidade era negada pelo fato de nascerem servos.
Observe que, na sociedade feudal, há certa continuidade da separação entre os
homens livres e os escravos, mas surge o papel fundamental da Igreja na
legitimação da desigualdade e da hierarquia.
No interior da velha sociedade feudal, deu-se a gestação de uma nova classe
social, a burguesia, que possuía o poder da produção e comprava a mão-de-obra
dos assalariados.
Nesse novo sistema econômico, que alcançou sua expressão maior em meados do
século XIX, na Inglaterra, vigora, como fundamental, a lei do lucro. O operário é
considerado, exclusivamente, um homem econômico – é um meio e instrumento
de produção. O trabalho, para ele, é algo totalmente sem significado, a não ser
como fonte de renda. A economia é regida pela lei do máximo lucro e esta possui
uma moral própria.
Com efeito, o culto ao dinheiro e à tendência de obter mais
lucro constitui o terreno propício para que, nas relações entre
os indivíduos, floresçam o espírito de posse, a ganância, o
egoísmo.
Cada um confia nas suas próprias forças, desconfia dos demais, busca seu próprio
bem-estar, ainda que precise passar por cima dos outros. A sociedade converte-se
em um campo de batalha, numa guerra de todos contra todos, tal é a moral
individualista e egoísta que corresponde às relações sociais burguesas.
Atualmente, a exploração do homem pelo homem não se faz mais por meio de
métodos brutais, mas o trabalho mecânico, repetitivo, submete milhões de
pessoas em função da sobrevivência. O trabalho na sociedade capitalista é
privado de criatividade e de consciência; prolifera a idéia de pertencimento do
operário à empresa, sem incentivo à cooperação e à colaboração. O operário é um
colaborador, e não um trabalhador; a exploração, longe de aparecer, não faz
senão adotar formas mais astuciosas para se manter como fonte de lucro. A moral
construída no sistema capitalista de produção ajuda a justificar e a reforçar os
interesses do sistema regido pela lei da produção. A moral burguesa busca, então,
regular as relações entre os indivíduos numa sociedade baseada na exploração do
homem pelo homem. As relações interpessoais são pautadas por valores
___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a
ética
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econômicos; o ser humano passa a ser visto unicamente na sua dimensão
econômica, e não humana.
Como percebemos, a moral vivida na sociedade muda
historicamente de acordo com as reviravoltas fundamentais
verificadas no desenvolvimento social.
Observamos as mudanças decisivas que ocorreram na moral, com a passagem da
sociedade escravista à feudal e desta à sociedade burguesa. Notamos que, numa
sociedade baseada na exploração de uns homens pelos outros ou de uns países
por outros, a moral se diversifica de acordo com os interesses antagônicos
fundamentais, em que um grupo quer explorar e o outro não quer ser explorado.
A superação desse desvio social e, portanto, a abolição da exploração do homem
pelo homem e da submissão econômica e política de alguns países a outros
constituem a condição necessária para construir uma nova sociedade, na qual
vigore uma moral verdadeiramente humana, universal, válida para todos os seus
membros (VASQUEZ, 1990, p. 40-53). Você acredita ser possível uma
reestruturação social para que não ocorra a exploração do homem pelo homem?
Como isso ocorreria? O que você estaria disposto a fazer por essa sociedade? Você
está construindo a sua profissão, na universidade, pensando nessa universalidade
ou tentando levar vantagem nos trabalhos em grupos, colocando o nome de
algum colega nos trabalhos sem que ele participe, passando cola, etc.?
Com essa análise histórica da moral, percebemos a complexidade de uma reflexão
ética, quando esta busca estudar e compreender os princípios morais. No
decorrer da nossa vida, nem sempre percebemos que aquilo que consideramos
bom ou ruim para nós, certo ou errado no comportamento humano, foi
construído historicamente. Estudar os fundamentos teóricos e sociais da moral
ajuda-nos a compreender melhor as ações humanas e o comportamento dos
indivíduos.
Uma análise ética convida-nos sempre a contextualizar a ação individual. A
historicidade da moral ajuda-nos a refletir sobre nossa forma de pensar os valores
vigentes na sociedade em que vivemos.
Às vezes, achamos normal que determinado indivíduo não
tenha boas condições financeiras ou passe fome. Por que
achamos isso normal?
Porque, em nossa sociedade, vigora uma moral individualista, que culpa o
indivíduo pela situação em que vive. Porque o sistema de mercado assenta-se
sobre a máxima: “querer é poder”. Então, ao analisar a situação de um miserável,
Ética e Sociedade
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na moral do mercado globalizado, diríamos: “se ele quiser sair da situação, ele
pode.” A moral vigente (ideologia) não nos permite olhar além e perceber que
milhões de pessoas passam fome no mundo, e isso não é um problema apenas
pessoal, não se resolve somente com empenho individual.
O estudo da contextualização da moral ajuda-nos a perceber que a nossa forma de
ver o outro e nos relacionar com ele é pautada e fundamentada em valores
morais, construídos na sociedade em que vivemos, por intermédio das
instituições (família, escola, universidade, mídia).
Se você absorver todos os valores morais da sociedade capitalista de mercado,
poderá ficar tranqüilo, acreditando que cada um é responsável pelo sucesso ou
insucesso, buscando sua riqueza pessoal e erguendo muros ao redor de sua
residência; poderá legitimar sua ação com a idéia de que, simplesmente, a vida
resume-se em obter sucesso individual, e que sucesso é sinônimo de ficar rico.
Quando estamos absortos por essa ideologia, ficamos cegos à complexidade
social, política e econômica do mundo.
A atitude e o agir humano são objetos da ética, considerada a arte da reta
condução da vida, que se ocupa com a garantia de temas universais, ou seja, com
o que todos desejam possuir: vida, liberdade, autonomia, consciência, etc. Cabe a
cada um encaminhar-se para esse viver ético, independente das ações dos outros
– posso observar as ações do outro, mas são as minhas ações que devo modificar;
não posso reprovar uma ação alheia, mas posso observar e não agir da mesma
forma. Lembre-se de que somos autônomos, porém não sozinhos, estamos no
mundo com outros seres e uma ação pode modificar o contexto, mas não cabe a
nós esperar o agir ético dos demais, fazemos parte da construção do mundo.
Como você está participando dessa construção? Você costuma refletir, pensar
sobre suas atitudes? Pondera suas decisões?
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ética
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Auto-avaliação 3
1 Faça uma reflexão socrática (de acordo com Sócrates) sobre a sociedade atual.
Que indagações você faria sobre a sociedade atual?
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2 Que diferença básica existe entre a sociedade tribal e a sociedade capitalista?
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RESUMINDO
Nesta unidade, você estudou sobre os fundamentos da moral e percebeu que, em
cada período histórico, a moral assume diferentes características. O pensamento
de alguns teóricos e a organização econômica e social ajudam a estruturar e
legitimar modelos de relacionamento entre as pessoas. Também, você percebeu
que a ética fundamenta-se em uma atitude investigativa sobre a moral, por isso a
ética emerge da filosofia que tem como eixo norteador a dúvida.
Na próxima unidade, faremos uma reflexão ética sobre o fenômeno da
globalização.
Ética e Sociedade
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Un
ida
de
4
Unidade 4
A globalização e a ética
Objetivos de aprendizagem
Ao final desta unidade, você terá condições de:
compreender a relação entre política, economia e o avanço tecnológico
no processo de globalização;
identificar as conseqüências éticas do capitalismo global;
refletir sobre o modo de ser e de pensar das pessoas diante da
hegemonia da globalização.
Roteiro de estudo
Seção 1: “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade
Seção 2: O fenômeno da globalização
Seção 3: O fundamentalismo da globalização econômica
Seção 4: O avanço tecnológico e a ética
Ética e Sociedade
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PARA INÍCIO DE ESTUDOS
Fazendo uma reflexão filosófica sobre a ética e os valores morais, vamos
percebendo que eles mudam com o decorrer do tempo.
Um conceito que marca a nossa realidade é a globalização. Esse fenômeno está
modificando a configuração cultural e a relação do homem com o outro e com o
meio em que vive. Esse será o tema de discussão desta unidade.
SEÇÃO 1
“Querer é poder”: as conseqüências éticas desse
modelo de sociedade
A sociedade em que vivemos, chamada globalizada, é resultante da hegemonia
capitalista no mundo. Como já vimos, essa sociedade construiu e legitimou uma
moral, uma forma de relação entre as pessoas pautada na máxima: “querer é
poder”. O progresso científico e econômico dos séculos XIX e XX esteve ancorado
nos paradigmas da conquista e dominação.
Na história do progresso econômico da humanidade, o homem buscou gerar
riquezas mediante conquista e domínio da natureza e de outros homens.
Segundo Boff (2003c), conquistar povos e “dilatar a fé e o império” foi o sonho
dos colonizadores. Conquistar os espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a
utopia dos modernos; conquistar o segredo da vida e manipular os genes;
conquistar mercados e altas taxas de crescimento, conquistar mais e mais
clientes e consumidores; conquistar o poder de Estado e outros poderes,
religioso, profético, político; conquistar e controlar os anjos e demônios que nos
habitam. Enfim, a máxima “querer é poder” torna-se ao longo da história um
paradigma (estrutura de pensamento, modo de ver o mundo). Até mesmo o
sonho e a felicidade são vistos como conquistas; insaciável é a vontade de
conquista do ser humano.
Mas, enfim, quais as conseqüências éticas desse paradigma?
Boff (2003c) afirma que, depois de milênios, o paradigma-conquista entrou, em
nossos dias, em grave crise. Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a
devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e
regeneração.
Sofremos, hoje, as conseqüências desse paradigma da conquista. A conquista de
novos espaços, de novos mercados, de sonhos de consumo, de grandes taxas de
lucro, do avanço tecnológico que alcançamos é responsável pelos grandes desafios
éticos que enfrentamos. Na sociedade atual globalizada sofremos as duras
conseqüências de um poder sem limites de conquista, de um consumismo
exagerado que gerou grandes problemas ambientais.
____________________________________________________________________________ A globalização e a
ética
53
A busca desenfreada pelo lucro e pela expansão dos mercados gerou, também, um
alto índice de exclusão social. Pochmann e Amorin (2003) apontam que a
exclusão social no Brasil cresceu 11% entre 1980 e 2000, revertendo a tendência
verificada entre os anos 60 e 80, quando houve queda de 13,6%. No início dos
anos 60, o país tinha 49,3% de excluídos. A taxa caiu para 42,6% em 1980, mas
retornou para 47,3% em 2000.
Muitos acreditam que a razão da miséria é o aumento populacional, mas o
problema está no consumo excessivo, na busca desenfreada por maior poder de
conquista.
Segundo os pesquisadores, entre 1960 e 1980, os excluídos no Brasil eram, em
sua maioria, imigrantes da zona rural, com grandes famílias, pessoas de baixa
escolaridade, baixa renda, mulheres e negros. Entre 1980 e 2000, os excluídos
são aqueles nascidos nos grandes centros urbanos, excluídos do mundo do
trabalho e da cidadania. Após os anos 80, a exclusão passa a atingir, também,
setores da antiga classe média brasileira.
Esses dados nos fazem compreender que a sociedade em que vivemos foi
estruturada a partir de uma dimensão individualista de conquistas e de posses.
Alguns autores apontam como causa fundamental da crise ética o
individualismo, argumentando que a preocupação desenvolvida pelas pessoas
em cuidar de seus interesses permite o descuido com o outro e com as regras
determinadas pela sociedade que garantem um relacionamento saudável, um
comportamento ético.
O individualismo associado ao corporativismo tem constituído uma barreira
limitadora do desenvolvimento ético dentro da sociedade. As pessoas buscam
conquistar melhor qualidade de vida para si ou para seu grupo; surge, com
grande evidência, o problema da corrupção. A cada momento, deparamo-nos com
escândalos envolvendo pessoas cuja tarefa deveria ser a de garantir a ordem ética,
em função da posição que ocupam.
As principais conseqüências éticas do “querer é poder” recaem sobre a exclusão
social e a degradação ambiental. A busca pela conquista acontece numa
perspectiva infinita que não conhece limites, quando se trata de ganhar dinheiro
ou consumir. E, quando se torna um processo global, como isso se agrava? É o
que vamos estudar na próxima seção: o fenômeno da globalização.
SEÇÃO 2
O fenômeno da globalização
Quando falamos em globalização, logo nos vem à mente apenas a questão
econômica, porém a globalização é um processo no qual surgem questões
políticas, sociais e culturais. Nesse processo de interação global, encontramos a
mudança de valores éticos e morais da sociedade.
Vamos, inicialmente, entender como e onde se percebe essa realidade da
globalização. De acordo com Ramos (2004), precisamos compreender que
Ética e Sociedade
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54
existem quatro importantes fatores que têm contribuído de forma diversa para
configurar o processo de globalização nos últimos vinte anos: a globalização nas
comunicações, a econômica, a política e a dos valores presentes no convívio em
todos os níveis: pessoal, social, nacional e mundial.
Mas há alguma relação entre esses fatores?
A ligação entre esses quatro fatores demonstra que a revolução nas comunicações
favorece e permite a integração econômica; o fator econômico, por sua vez, tem
implicações no cenário e no relacionamento político; e o elemento político, em
última instância, está presidido por valores e princípios. A presença ou ausência
de valores éticos e princípios morais nas pessoas que comandam a política, a
cultura, a economia e as comunicações é fundamental para compreender a
evolução da humanidade e o processo de globalização em curso.
É importante perceber que o processo de globalização aparece como uma
continuidade das grandes conquistas realizadas pelas principais potências
mundiais. A aliança entre poder político, econômico e meios de comunicação
possibilitou, com maior facilidade, a formação de monopólios. Isso tudo facilita o
surgimento de um único modelo de sociedade, de grupos financeiros e de mídia.
A globalização, segundo Branco (2003), contribuiu para determinar um modelo
de sociedade que atende aos interesses do individualismo e do consumismo,
portanto não se trata apenas de globalização econômica, mas sim de um processo
social.
Branco (2003) afirma que a globalização vem sendo empregada em diversas
ocasiões, mas nem sempre com o mesmo significado. Poderíamos conceituar esse
termo, de forma básica, como o conjunto de transformações na ordem política e
econômica mundial que vêm acontecendo nas últimas décadas, em que o ponto
central da mudança é a integração dos mercados numa "aldeia-global", explorada
pelas grandes corporações internacionais.
Economicamente, estamos vendo crescer uma política que visa à saída parcial do
Estado da economia, deixando o mercado livre, por isso é que vemos a grande
onda de privatizações existente hoje.
Mas, o que significa essa saída parcial do Estado da
economia?
Significa que o privado começa a ganhar superioridade em relação ao público,
que o interesse financeiro se sobrepõe ao interesse social. Essa lógica do privado
sobre o público se intensifica com o processo de globalização, em que os grandes
investidores procuram países e economias que paguem os melhores juros para o
maior rendimento do dinheiro. O direito à saúde, educação, transporte e
alimentação acaba ficando em segundo plano na ação política dos governantes,
que busca proteger esse capital financeiro com altos juros para que permaneça no
país. Você se lembra do período das eleições, no qual os candidatos não podiam
____________________________________________________________________________ A globalização e a
ética
55
falar nada que afetasse a lógica de mercado, que prejudicasse a lógica do capital
financeiro?
A globalização também ultrapassa os limites da economia e da política, começa a
provocar certa homogeneização cultural, por meio da crescente popularização dos
canais de televisão por assinatura e da internet. Isso se percebe na forte influência
da cultura americana em todo o mundo.
No contexto atual, as preocupações são generalizadas entre todos aqueles que
buscam uma vida melhor. Um ponto de grande importância que vem se
destacando na globalização é a questão do meio ambiente; empresas, cidadãos,
instituições e ONGs dedicam-se cada vez mais a conservá-lo e restaurá-lo. Vemos
isso nos diversos debates de alcance mundial que acontecem em torno desse
assunto.
O que precisamos compreender nessa relação entre ética
e globalização é que todo esse processo de interligação e
interdependência entre os países – que é positivo – deu-se a
partir de uma lógica capitalista, que provocou o aumento da
concentração de renda e da exclusão social. Além dessa questão,
alguns autores apontam que a globalização impôs certo
fundamentalismo; aprofundaremos isso na seção seguinte.
SEÇÃO 3
O fundamentalismo da globalização econômica
A globalização econômica é uma faca de dois gumes: de um lado, descortina
novos horizontes para a economia mundial; de outro, entretanto, pode abrir o
fosso que separa pessoas e países, aumentando o abismo entre os beneficiados
com o processo e os desfavorecidos da fortuna. De acordo com o Relatório do
Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelas Nações Unidas, 20% dos
países mais ricos detêm 86% do PIB mundial, enquanto os 20% mais pobres
participam apenas com 1% da produção mundial.
Há um claro divisor de águas entre aqueles que defendem os aspectos positivos
da integração econômica e aqueles que somente vêem as mazelas do processo,
que são conseqüências, mesmo que por vezes involuntárias, da integração
econômica mundial.
Lembre-se de que a reflexão ética é essencialmente
investigativa: quais os benefícios da globalização, para quem e
como são buscados?
Ética e Sociedade
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56
Para as empresas, a globalização facilitou o acesso às novas tecnologias,
financiamento, trabalho e difusão dos produtos e serviços; ao mesmo tempo,
acelerou o processo de fusão e incorporação de empresas. Além disso,
observamos uma concentração do capital e uma expansão das empresas
multinacionais; novas marcas mundiais, com know-how (conhecimento) e
tecnologia própria, avançam na maioria dos países.
A abertura econômica promovida pela globalização aumentou a competição entre
as empresas, mas também valorizou o mercado de trabalho, o fator educacional,
as habilidades técnicas dos trabalhadores e a experiência profissional, ou seja, o
fator capital humano adquiriu maior importância com a globalização. Em função
desse diagnóstico, a combinação entre abertura econômica e uma força de
trabalho bem treinada e educada produz, em especial, bons resultados para a
redução da pobreza e o bem-estar humano. Portanto, um bom sistema
educacional, que providencie oportunidades para todos, é decisivo para o sucesso
nesse mundo globalizado.
Mas como se caracteriza o fundamentalismo na
globalização?
É preciso entender o fundamentalismo como uma forma de ver o mundo, agir e
pensar em torno de um único fundamento. Boff (2003c) afirma que a
globalização provoca uma primeira manifestação de fundamentalismo: da
ideologia política do neoliberalismo, do modo de produção capitalista e de sua
melhor expressão, o mercado mundialmente integrado, apresentando-se como a
solução única para todos os países e para todas as carências da humanidade
(todos precisam de um necessário choque de capitalismo, dizem
fundamentalisticamente). A lógica interna desse sistema, entretanto, é ser
acumulador de bens e serviços, por isso criador de grandes desigualdades
(injustiças), explorador ou dispensador da força de trabalho e predador da
natureza.
Surge aqui, segundo o autor, a construção de uma cultura capitalista, uma
cosmovisão materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Tal cultura
provoca uma certa homogeneização da sociedade: um só pensamento, um só
modo de produção (capitalista), um só tipo de mercado, um só tipo de religião
(cristianismo), um só tipo de música (rock), um só tipo de comida (fast food), um
só tipo de executivo, um só tipo de educação, um só tipo de língua (inglês), etc.
Boff (2003a) apresenta um questionamento ético para a globalização, quando
esta se torna uniforme e quando há a imposição de um único modelo de vida para
o planeta.
Com a negação da heterogeneidade, da diferença, a sociedade-mundo atual se
coloca em contradição com a ética. Essa atitude perversa tem como
____________________________________________________________________________ A globalização e a
ética
57
conseqüência a má qualidade de vida atual em todos os âmbitos sociais,
culturais e ambientais.
Nesse processo de globalização, o desenvolvimento tecnológico assume grande
importância, influenciando o modo de ser e de pensar das pessoas, provocando o
surgimento de grandes questões éticas.
SEÇÃO 4
O avanço tecnológico e a ética
Podemos dizer que o mundo tecnológico contempla dois horizontes contrapostos.
De um lado, a internet e todas as maravilhas trazidas pelo mundo
computadorizado que deram ao homem uma capacidade criativa nunca vista; no
campo da informação, os recursos tecnológicos asseguraram ao homem uma
mobilização sintonizada com tudo o que ocorre em nosso planeta. De outro lado,
percebemos que a mesma ação que coloca todas as pessoas em sintonia escraviza
e cria fundamentos ideológicos também de natureza global; com isso,
homogeneiza, limita a capacidade criativa e desenvolve uma lógica cega que tem
como norte conduzir as pessoas a uma forma de consumo irracional.
Na análise ética da sociedade atual, vemos entrar em cena o conhecimento
científico e tecnológico, que assume vital importância na vida de cada pessoa e
passa a ser um diferencial de grande relevância no embate competitivo provocado
pelo mercado. A capacidade científica do homem, associada ao desenvolvimento
tecnológico, garantiu à humanidade o desenvolvimento de grandes projetos
sociais. Foi com base no conhecimento científico que as distintas sociedades em
nosso planeta passaram a estruturar o trabalho de forma a facilitar o
desenvolvimento.
As mudanças protagonizadas pelo mundo tecnológico passam a:
[...] exercer profundas influências no modo de ser e de pensar de cada um de nós, assim como na forma de organização econômica, política e cultural das sociedades contemporâneas. As máquinas, os robôs, a redução do tempo de execução do trabalho, o aumento do tempo de lazer, já não são mais temas de ficção científica, mas fatos que hoje permitem à humanidade sonhar em libertar-se definitivamente do trabalho monótono e em construir uma civilização baseada no ócio criativo. (CORDI, 2000, p. 228).
Nas últimas décadas, a integração econômica mundial foi
impulsionada pela revolução das comunicações que, por sua
vez, foi favorecida pelos avanços na tecnologia.
Ócio criativo: significa libertar-se da idéia tradicional do trabalho como obrigação e ser capaz de apostar numa atividade em que o trabalho se confundirá com o tempo livre e o estudo, isto é, quando trabalhamos, aprendemos e nos divertimos ao mesmo tempo.
Ética e Sociedade
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58
A revolução nas comunicações tem demonstrado que a tecnologia busca a cada
dia encurtar distâncias e apressar a transmissão de informações que determina a
importância dos meios de comunicação para o processo de integração social,
política e cultural.
O avanço das comunicações, na década de 90, foi surpreendente, como mostram
os indicadores de comunicação global divulgados pela International
Telecommunication Unit (ITU). De 1990 a 2000, a receita do mercado de
telecomunicações mais do que duplicou.
Esse crescimento vertiginoso das comunicações, entretanto, não está ocorrendo
de modo simétrico no mundo. O mercado da indústria de tecnologia está
concentrado nos países industrializados. De acordo com o European Information
Technology Observatory (1998), a Europa (30%), os Estados Unidos (35%) e o
Japão (14%) concentram 79% do mercado mundial das tecnologias de
comunicação e informação, restando aos outros países apenas 21% do mercado.
O Relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgou dados mostrando que os países
que se encontram no topo da pirâmide da riqueza mundial – os 20% mais ricos –
concentram 93,3% dos usuários da internet. De acordo com o mesmo relatório:
[...] nos últimos anos da década de 90, o quinto da população mundial que vive nos países de renda mais elevada tinha [...] 74% das linhas telefônicas mundiais, meios básicos de comunicação atuais, enquanto que o quinto de menor renda possuía apenas 1,5% das linhas. Alguns observadores previram uma tendência convergente. No entanto, a década passada mostrou uma crescente concentração de renda, recursos e riqueza entre pessoas, empresas e países. (RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, 1999, p. 5).
Temos testemunhado uma corrida eufórica em busca do saber tecnológico
aplicado ao mundo do mercado. Procuramos freneticamente pelo conhecimento
da última técnica, do mais novo produto, elaborado com a mais sofisticada
tecnologia, porém essa é uma realidade que não se universaliza, pelo contrário,
passa a ser privilégio de alguns.
O geógrafo Milton Santos (2001, p. 22) apresenta-nos uma reflexão sobre a
tecnologia: “A desigual difusão da tecnologia provocou diferenças consideráveis,
algumas vezes extremas, nos preços dos produtos industrializados de diferentes
países.”
Uma das grandes questões éticas levantadas em torno do avanço tecnológico diz
respeito à questão teleológica. Uma reflexão ética sobre o avanço tecnológico
reside, portanto, nas questões: para quem se destina essa invenção tecnológica?
Que tipo de relação humana essa invenção vai proporcionar? Enfim, que modelo
de sociedade o progresso tecnológico buscará construir? São questões que
colocam o progresso científico sob o crivo da ética. No decorrer da história,
percebemos diversos acontecimentos que tiveram fundamentação científica e
tecnológica, porém acarretaram drásticas conseqüências para a humanidade,
Teleologia é a discussão e o estudo das finalidades, dos objetivos de determinada ação.
____________________________________________________________________________ A globalização e a
ética
59
como foi o caso do holocausto (morte de milhares de judeus) na Alemanha, da
bomba atômica no Japão e da guerra no Vietnã.
A reflexão ética nos faz perceber que o progresso tecnológico pode não significar
um avanço para a sociedade, porque a evolução da ciência nem sempre contribui
para a solução dos grandes desafios sociais, como a exclusão social e a degradação
ambiental.
Auto-avaliação 4
Estudo de caso
Leia com atenção o texto Promessa é dívida, de Denys Monteiro, e responda às
questões.
Aspirações individuais e as organizações: realidades
incompatíveis?
Em épocas difíceis, nas empresas, é comum, infelizmente, que os gerentes, para
não perder seus funcionários, façam promessas de dias melhores: “não se
preocupe, assim que aumentarmos as vendas, iremos promover você”, ou então:
“se conseguirmos atingir as metas, distribuiremos um percentual maior de lucro
este ano”. E, lá se vai o gestor desferindo golpes certeiros no bolso e no ego de sua
equipe.
Nesse momento, a reação na empresa é vigorosa. Todos se dão as mãos e vibram
como se fossem a seleção brasileira entrando no Maracanã após a palestra do
treinador, todos confiantes de que o título já está “no papo”. Soa o apito e o jogo
começa, com tudo dando certo: as áreas se falam mais e resolvem suas diferenças
em benefício do cliente, e não mais baseadas nas rixas entre elas; um novo
serviço é implementado, com redução de custos para a empresa; os memorandos
param de circular vagarosamente pela empresa e as decisões são tomadas on-
line; as equipes de venda convertem mais vendas. Algumas faltas cometidas,
pequenos erros e retrabalhos... mas tudo bem, faz parte da tensão e ansiedade
pelo resultado positivo.
Ao apito final, não há mais nada a fazer. O ano acabou, as entregas foram feitas.
Vendas, só no próximo ano. Todos com o sentimento de dever cumprido:
ganharam market share, reduziram gastos em publicidade, contratos de longo
prazo foram estabelecidos com clientes estratégicos. Só o que se vê pela empresa
são pessoas cansadas, mas felizes por terem corrido sem parar durante os 90
minutos do jogo.
Eis que as reuniões de avaliação de desempenho começam. Todos na expectativa
de ganhar a recompensa pelo bom desempenho. Uma grande reunião é
convocada e os números da “partida” são apresentados. O discurso começa com
um agradecimento pelo desempenho de todos e comprometimento de cada um
Ética e Sociedade
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60
nos últimos meses. Em seguida, iniciam-se as surpresas: “como vocês podem ver
neste gráfico, apesar de as vendas na região Sul estarem maiores, em
compensação, as da região Norte ficaram abaixo da expectativa e, com isso, houve
uma pequena queda no resultado global da companhia em relação ao esperado”.
Surgem os primeiros olhares, incrédulos, e o “zumzumzum” percorre a sala. E, o
discurso continua: “graças às reduções de despesas que conseguimos, as margens
por produto aumentaram num primeiro momento, mas, como grande parte dos
componentes são importados, a oscilação do dólar fez com que a margem
operacional diminuísse em aproximadamente 30%.” Alguns já começam a
entender o recado de que o juiz não viu a mesma partida de futebol que os atletas
jogaram.
Mais meia hora de gráficos, tabelas, justificativas, recomendações e surge um
novo desafio para o próximo semestre. Se atingido, pode recuperar os resultados
desse período e aí tudo volta à normalidade, com o crescimento da empresa e da
economia. Mas como essa foi apenas a “coletiva para a imprensa”, os funcionários
aguardam ansiosos as suas avaliações individuais. Afinal, todos tinham metas
bem definidas e a confiança reina nos craques.
Os feedbacks começam. Aqueles que tiveram desempenho ruim recebem pouco
mais do que uma cobrança mais rígida e uma avaliação não muito animadora
para o próximo ano. Chega a hora dos confiantes e... e... lá vem o discurso de
novo: “Pedro, você foi um líder durante todo o processo, sem você não teríamos
conseguido nem este resultado, as pessoas confiam em você e no seu potencial.
Na sua região, você superou os objetivos, inclusive. Agora, com relação à
promoção que eu havia lhe prometido... não vou poder fazer ainda. Veja bem, não
fique preocupado, é só até as coisas melhorarem. Eu não tenho como justificar
para a matriz uma promoção e aumento com este resultado ruim.”
Ainda há uma tentativa de argumentação, um início de discussão, que não leva a
nada, além de outras promessas ainda mais audaciosas: “veja bem, estou te
preparando para o meu lugar, é preciso maturidade nesta hora.” E dá-lhe
blábláblá...
A frustração é imensa. Quantas horas de sono perdidas, viagens constantes, o
tempo que você não ficou com os seus amigos e filhos. Não existe coisa pior no
mundo corporativo do que prometer em vão. O tiro sai pela culatra, o time perde
a confiança em tudo o que vem pela frente. É preciso que os gestores – e o papel
do RH é fundamental na orientação de sua postura – joguem limpo, conhecendo e
esclarecendo a situação e as possibilidades da empresa. Mencionar só ao final
fatores dos quais ninguém tinha conhecimento (como a variação do dólar) é
imperdoável.
Duas são as opções dos funcionários nessa hora: fazer uma nova aposta para a
próxima temporada ou colocar o currículo no mercado e sair em busca de novas
oportunidades. Se a experiência ajuda a refletir, tenho visto a segunda opção com
mais freqüência do que a primeira. Uma vez abalada, a confiança, premissa
indispensável entre funcionário e empregador, jamais será a mesma.
____________________________________________________________________________ A globalização e a
ética
61
Portanto, pense bem na importância de debater esse assunto com a cúpula da
empresa e com os responsáveis por equipes. Ajude sua empresa a evitar surpresas
desagradáveis, como a perda dos seus melhores talentos para a concorrência.
Questões sobre o texto
1 Qual o problema ético percebível na empresa?
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2 Como a vida dos funcionários teve relação com o fenômeno da globalização?
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RESUMINDO
Você percebeu que uma sociedade que foi construída e ancorada no modelo
“querer é poder” produz sérias conseqüências éticas? Ter sucesso, hoje, é ter
dinheiro e, talvez, conhecimento. Os caminhos para obter esse sucesso, até agora,
foram muito centralizados no indivíduo; uma sociedade que busca sempre
acumular dinheiro e conhecimento, de forma ilimitada e individualizada, conduz
as pessoas a olharem sempre para si mesmas, deixando de reconhecer a
importância e a dignidade do outro. Isso representa uma grave conseqüência
ética.
Nesta unidade, refletimos sobre as conseqüências éticas de um modelo
econômico; capitalismo, globalização e progresso tecnológico são faces da mesma
moeda que compõem a estrutura de nossa sociedade. Percebemos que a busca
pela conquista de novas terras, de novos espaços de mercado, de maiores taxas de
lucro foi um eixo norteador da organização da nossa sociedade, que perpassou os
vários séculos de nossa história. A reflexão ética sobre a globalização ajuda-nos a
compreender melhor e de forma interligada as ações no campo da política, da
economia e da ciência; faz-nos entender que as ações estão inseridas em um
processo global que possui uma lógica de funcionamento.
Na próxima unidade, você observará quais são os grandes desafios éticos da
modernidade.
Un
ida
de
5
Unidade 5
Os conflitos éticos da sociedade atual
Objetivos de aprendizagem
Ao concluir a leitura desta unidade, você terá condições de:
caracterizar os desafios éticos da sociedade atual;
compreender a relatividade e a limitação da moral na explicação do
comportamento humano;
compreender a construção da moral brasileira;
analisar eticamente a sociedade brasileira.
Roteiro de estudo
Seção 1: Grandes questões éticas da contemporaneidade
Seção 2: A construção de valores morais na sociedade brasileira
Seção 3: Características da sociedade brasileira capitalista
Seção 4: A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil
Seção 5: Esperança ética
Ética e Sociedade
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PARA INÍCIO DE ESTUDOS
O processo de globalização trouxe grandes transformações para a sociedade em
que vivemos. Nesta unidade, vamos refletir sobre o impacto das mudanças
globais no campo da ética.
Diante desse avanço tecnológico, da queda e do descrédito das grandes
instituições – família, Igreja e Estado –, surgem algumas conseqüências para o
campo da ética, surgem, novas formas de se compreender o certo e o errado,
novos valores morais, tanto na vida pessoal quanto social, econômica e política.
Esse será o tema da quinta unidade.
SEÇÃO 1
Grandes questões éticas da contemporaneidade
Você já observou como vivemos em um tempo de mudanças?
Que o progresso tecnológico avança quase sem podermos acompanhá-lo?
O que é certo ou errado fazer?
Cada um deve fazer o que é melhor para si? E como fica a sociedade?
Deus irá punir aqueles que agirem errado? Mas, e a certeza sobre a existência de
Deus?
Se não vou ser castigado depois da morte, por que devo respeitar o outro?
A eutanásia, o aborto, a engenharia genética podem ser aprovados legalmente?
Unir-se com uma pessoa do mesmo sexo é certo ou errado? Por que é certo ou
errado? Onde vamos buscar fundamento para condenar ou aprovar o casamento
entre homossexuais? Nos Livros Sagrados? Mas é verdade o que está escrito
neles? E como fica o respeito à liberdade de escolha de cada um?
Você percebe como surgem grandes questionamentos éticos na atualidade? Há
algum tempo esses questionamentos não eram tão intensos, em razão da
autoridade que era conferida a grandes instituições como a Igreja, a família, a
escola. À medida que o pensamento científico substituiu as crenças nas
instituições e as pessoas passaram a perceber a autoridade como algo não-
sagrado, evidenciam-se a racionalidade individual, o questionamento e a crítica.
Assim, sem a crença em uma autoridade que define o que é certo ou errado, as
pessoas começam a se perguntar: mas é certo ou errado? Depende de cada um?
Enfim, surgem dilemas éticos que antes não existiam porque as pessoas seguiam
fielmente os códigos morais que estavam nos Livros Sagrados, na tradição na
família, na cultura.
Iniciaremos a reflexão sobre os grandes desafios éticos da contemporaneidade
refletindo sobre como podemos compreender o período em que vivemos. Uma
das características principais da nossa era é a falta de perspectivas.
________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade
atual
65
A FALTA DE PERSPECTIVA
A sociedade atual, marcada por um acelerado processo de empobrecimento, de
diminuição das oportunidades, de desemprego, acaba contribuindo para a
construção de um espírito de pessimismo diante do futuro. Surgem, assim,
muitos questionamentos que evidenciam esse espírito.
Vale a pena estudar? Vou fazer um investimento, mas qual será o retorno?
Vivemos na sociedade do conhecimento, então, é imprescindível a busca pela
formação acadêmica; mas como o indivíduo vai conciliar essa formação com uma
vaga no mercado de trabalho?
Você concorda que esses são grandes motivos da falta de perspectivas que toma
conta de muitas pessoas? Que outras coisas você acredita que também
contribuem para que as pessoas não possuam perspectivas?
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A diminuição de oportunidades de emprego e o conseqüente empobrecimento da
população, a desigualdade de renda...
Em nenhum momento de sua existência, a humanidade contou com tamanha
riqueza. Esta riqueza, como evidenciamos, é produzida pelo avanço tecnológico,
que surgiu com a finalidade de dar ao homem maior comodidade. No entanto, o
monopólio que se estabeleceu sobre as tecnologias serviu para ampliar riquezas e,
conseqüentemente, a distância entre quem possui ou não acesso às tecnologias e
às estruturas que asseguram o ordenamento material da vida de cada pessoa,
indicando que houve uma real limitação na participação de todos os indivíduos
dentro dos mais variados benefícios produzidos pelos avanços tecnológicos.
A crise de perspectivas é mais evidente na súbita retirada dos meios materiais de
subsistência da população desprovida de um capital cultural e econômico que lhe
permita acompanhar o desenvolvimento do mundo tecnológico. Isso provoca
frustração e desinteresse ante a necessidade de uma sociedade de convivência
solidária.
A falta de perspectivas também contribui para a relativização do valor da vida, no
avanço da criminalidade e do uso de drogas. Cada um busca resolver as coisas da
maneira que considerar conveniente, surge o problema da intolerância.
A INTOLERÂNCIA
A intolerância tem sido a grande responsável pelo estado de violência que
acompanha o cotidiano da humanidade. Os avanços tecnológicos e a
aproximação das pessoas, motivados pela globalização, não foram suficientes
Ética e Sociedade
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para reduzir o índice de violência; pelo contrário, parecem ter acentuado as
diferenças. Convivemos com diferentes formas de violência: a violência no
campo, em função do problema agrário que vivem os países ditos “periféricos”;
também, nos grandes centros urbanos, provocada pelo estado de miséria vivido
por um considerável contingente populacional, por questões de fundo religioso ou
desentendimentos políticos, etc. Ainda, há outra forma de violência,
institucionalizada: a repressão. A América Latina viveu por um longo tempo essa
realidade; com a instalação dos regimes militarizados, o povo foi vítima de um
franco processo de violência, cujas conseqüências até hoje se fazem sentir.
Entre os perigos da intolerância, podemos ressaltar o seu poder de obstruir o
desenvolvimento democrático de uma sociedade, tornando inviável a convivência,
resultando, assim, uma constante quebra da alteridade.
Evidências da intolerância se percebem no fundamentalismo religioso e também
no fundamentalismo étnico e cultural. Os Estados Unidos, por exemplo,
considerando-se os defensores da liberdade e da democracia, criam políticas
intolerantes contra os árabes, iraquianos, mexicanos. A intolerância contra o
diferente torna-se um agravante também no que se refere à sexualidade humana;
é o caso da homossexualidade.
O CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO
O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido muito discutido no mundo
contemporâneo. Essa questão surgiu na Europa, nos países de tradição
democrática, intimamente ligada ao respeito à individualidade humana. No
entanto, é de uma realidade polêmica, pois vai de encontro aos pressupostos de
ordem moral que imperam na cultura ocidental. De forma objetiva, vai contra a
moral religiosa, que compõe um dos substratos da visão de mundo do homem
ocidental.
Há, também, a questão da igualdade jurídica, comparada às relações
heterossexuais. É uma questão importante, para a qual muitos países deram
encaminhamento distinto, ou seja, a instância jurídica foi superior aos
ordenamentos de ordem moral, assegurando que as pessoas pudessem constituir
uma união estável, sendo ambas do mesmo sexo.
Muitos argumentos contrários fundamentam-se ou na questão da natureza
humana, ou nos Livros Sagrados, mas por que surge um dilema ético? Por que
um Livro Sagrado deve ser superior à liberdade humana? Será que a natureza
humana é estática, ela não evolui, não muda? Por que o casamento deve ser entre
homem e mulher?
Esse torna-se um grande dilema ético que os códigos morais, as leis, não dão
conta de responder, e a pessoa que se apega a um único código moral pode acabar
sendo fundamentalista, apegando-se a uma única fonte de verdade.
A PENA DE MORTE
________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade
atual
67
Por muitos anos, alguns países ou estados vêm adotando a pena de morte como
alternativa para a solução dos problemas sociais. Da forca até a cadeira elétrica,
vários instrumentos foram criados para eliminar as pessoas. No Brasil, muito se
discute sobre a adoção da pena de morte. As pessoas que refletem o senso comum
levantam essa bandeira, defendida por alguns parlamentares, como uma medida
redentora da situação caótica que vivemos em função da violência urbana.
Ao trazer essa reflexão para o campo da ética, devemos formular uma nova
argumentação, acompanhada de muitas perguntas: assumir a pena de morte
como forma de coibir a violação das normas elementares de uma convivência
social representa a solução para o problema? Em que proporção ela não
representaria a instituição da própria violência? Tirar a vida do assassino não
contraria a própria lei que condena o assassinato como crime? A pena de morte
inibiria outros assassinatos? O assassino teria medo de ser morto? Quem tem o
direito de tirar a vida de alguém?
Enfim, essas e outras questões contribuem para que a pena de morte se
transforme em um dilema ético.
E a eutanásia? É uma “pena de morte” justificada pela doença?
A EUTANÁSIA E A MORTE ASSISTIDA
Quando o problema da eutanásia aparece na sociedade, é sempre polêmico. Por
diversas vezes em que a eutanásia foi autorizada pela justiça americana,
imediatamente a polêmica instalou-se dentro e fora do país. Isso demostra que as
pessoas estão divididas sobre o direito que temos de interferir no curso da vida do
outro.
Nesse campo, surgem algumas questões referentes à eutanásia e à morte
assistida: podemos decidir por outra pessoa a hora que deve morrer? Como fica o
caso das pessoas dadas como mortas clinicamente que voltaram à vida após uma
década de coma? Esses argumentos são suficientes para deliberarmos por uma
atitude extrema ante a vida de quem não pode decidir nada?
A eutanásia, ao ser liberada, abre um caminho para a discussão sobre a morte
assistida. Muitas pessoas, no afã de abreviar o sofrimento, poderão desejar acabar
com a vida. Como a sociedade deve reagir a essa situação? O que justifica, de fato,
a opção pelo fim da existência de uma pessoa? Podemos decidir sobre a vida e a
morte de uma pessoa?
A ENGENHARIA GENÉTICA
Nossas reflexões sobre a engenharia genética podem ser vistas no plano da
bioética, que “[...] estuda a moralidade da conduta humana na área das ciências
da vida.” (NALINI, 1999, p. 120). Como ramo do saber, associado à filosofia e à
biologia, a bioética procura argumentar em torno dos elementos que configuram
a biomedicina, que, no mundo pós-moderno, avançou de forma espetacular,
protagonizando coisas somente cogitadas na ficção.
Ética e Sociedade
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As nações, por intermédio de seus representantes científicos, vivem um grande
dilema no sentido de precisar qual deve ser o limite nas buscas humanas para
desvendar o universo da genética, deixando em alerta os pensadores das ciências
humanas e, também, alguns intelectuais das ciências jurídicas.
Não há como negarmos que a engenharia genética tem apresentado grandes
resultados que apontem para a solução de sérios problemas no campo da saúde
humana. Há uma grande euforia por parte dos cientistas que defendem, de forma
irrestrita, a manipulação da genética; cumpre a nós o papel de inquiridores.
Quem serão os grandes beneficiados com essas pesquisas? Elas representarão, de
forma efetiva, um momento de inclusão das pessoas carentes na área da saúde?
Em que proporção e de que modo a clonagem representa ou não a violação da
moral e da ética? Devemos impor limites a quem tem se dedicado a essas
pesquisas? Ao condenar as ações dos cientistas que atuam na área, não
estaríamos reprimindo o processo de evolução da ciência?
Observe que a reflexão ética parte de uma visão mais ampla sobre a questão; não
podemos apenas analisar o tema na ótica da ciência ou da moral religiosa,
precisamos analisar se as decisões podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.
O PROBLEMA AMBIENTAL
Os geógrafos que refletem sobre as questões ambientais afirmam que dois terços
dos ecossistemas estudados até agora sofrem de forma implacável as ações
exercidas pelo homem nesses últimos anos; que algumas regiões estão
irremediavelmente comprometidas pela ação irrefletida do homem. Essa situação
nos faz pensar sobre um novo conceito de cidadania, a cidadania ambiental, que
“[...] vai mais longe ao estabelecer uma visão holística sobre o problema da
preservação.” (HUMBERG, 2002, p. 65).
Uma visão holística sobre o meio ambiente ajuda-nos a fazer uma reflexão mais
ampla sobre o problema ambiental, entender que a preservação do meio
ambiente depende, além de uma consciência individual, também de uma nova
concepção de sociedade, de um novo modelo econômico que não tenha o lucro
como eixo central do desenvolvimento. Uma visão holística de cidadania
ambiental ajuda-nos a compreender que fazemos parte do meio ambiente.
O consumo dos recursos ambientais chegou a tal ponto que discutimos a
capacidade dos ecossistemas em garantir recursos para as próximas gerações.
Sem dúvida, o aumento da atividade humana sobre a natureza afetou de forma
nunca vista o contexto biológico de animais e plantas, que foram extintos sem
que tivéssemos a possibilidade de detectar sua verdadeira propriedade ou sua real
função no contexto da biodiversidade.
Os benefícios sociais provenientes da agricultura e da exploração direta de
minérios ajudaram o homem a protagonizar um estado de riqueza e bem-estar
que até então não havíamos visto, entretanto, o custo desse processo deve nos
levar a refletir sobre as ações que desenvolvemos.
Holística: em sentido amplo – ecológico, econômico, social, político.
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atual
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Sem dúvida, a forma predatória com que o homem tem explorado os recursos
naturais fere os princípios da ética e nos leva a pensar em um plano global de
ação conjunta voltado a garantir o futuro da humanidade.
Procuramos apresentar algumas questões que causam
grande inquietude às pessoas, que afetam todos os segmentos
da sociedade.
Mas o que fazer para superar esses desafios?
Nenhuma ciência poderá responder individualmente a essas questões, por serem
múltiplas e complexas em suas origens. É necessária a construção de um campo
multidisciplinar que possibilite uma maior aproximação dos problemas sugeridos
pelas indagações. A união dos diferentes campos das ciências permitirá respostas
mais significativas.
Ao falar de conflitos éticos da sociedade atual, é importante refletirmos sobre
esses conflitos na sociedade brasileira.
SEÇÃO 2
A construção de valores morais na sociedade
brasileira
Temos grandes desafios éticos, que possuem particularidades e somente são
compreendidos por meio de uma contextualização histórica da formação étnica e
cultural do país. A forma como o Brasil foi colonizado é responsável pela
construção de valores e concepções de mundo que perpassam a história e chegam
até nossos dias.
Revisando nossa história, observamos que, quando chegaram ao Brasil, os
portugueses encontraram “a terra de muitos bons ares” e tentaram catequizar os
índios para o serviço à Coroa Portuguesa. A catequese dos jesuítas servia para a
cristianização, mas também para o trabalho servil, o qual não fazia parte da
cultura indígena que, por isso, foi vista como preguiçosa e indolente.
O início da colonização ocorreu por meio de três etnias: branca (portugueses),
amarela (índios) e negra (africanos). O domínio e a superioridade eram
reservados ao branco, fidalgo, colonizador, sinônimo de cultura. A subjugação do
índio e do negro marcou todo o período colonial (1500 a 1822), o período
imperial (1822 a 1889) e boa parte do período republicano (1889 em diante).
Os portugueses alimentaram uma visão “capitalista” sobre negros e índios que
perpassa o século XXI. Os índios viviam na selva, em grupos seminômades, não
tinham trabalho regular, não valorizavam os metais preciosos, não tinham
preocupações com o futuro e eram facilmente enganados no escambo (troca de
Ética e Sociedade
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mercadorias) e, ainda, analfabetos. Os negros, “acostumados” ao trabalho, eram
tratados como peças, não como pessoas.
A inserção do capitalismo no Brasil assenta-se sobre uma violenta dominação do
branco sobre o índio e o negro. Uma dominação não apenas física, mas também
ideológica, com conseqüências éticas: o índio e o negro vistos como inferiores ao
branco, vistos como objetos.
O problema ético gerado pela formação populacional
brasileira é que o ser humano (principalmente o índio e o
negro), na sua diversidade, passa a ser valorizado apenas como
instrumento de geração de riqueza.
O índio foi subjugado e tratado como “animal selvagem”, tanto é que, em
linguagem corrente da época, os jesuítas “amansavam” os índios, o mesmo
tratamento dado aos animais não acostumados ao trabalho servil. Os negros, por
sua vez, eram tratados pela política dos três “pês” (pau, pano e pão) ou, numa
linguagem mais branda, o escravo era “as mãos e os pés de seu amo”.
O negro “amansou” as terras, produziu o açúcar (o ouro branco da época), cavou
as minas. Quando, não por circunstâncias humanitárias, mas mercantilistas, a
crescente economia inglesa passou a ver no escravo um potencial consumidor dos
seus produtos, a Europa deixou de admitir a escravidão negra e exigiu o fim do
tráfico negreiro.
Veja que até mesmo a Abolição da Escravatura, que nos parece um avanço no
campo da ética, foi uma ação necessária ao sistema econômico. A liberdade não
veio em respeito aos negros, mas para gerar consumidores. Novamente, nesse
estágio da sociedade brasileira, os seres humanos são meios e instrumentos de
um sistema de mercado que beneficia a poucos.
Com a necessidade de operários, o Brasil, novamente, torna-se um espaço de
exploração e de escravidão; é o que acontece com a imigração européia ao Brasil.
Os imigrantes, que se encontravam em condições de pobreza na Europa,
obrigaram-se a partir em busca de sobrevivência.
Perceba como a sociedade brasileira, historicamente, contribuiu para a violência
contra o ser humano. Toda vez que o ser humano é inferiorizado na sua condição
de humano, a ética considera isso uma forma de violência. O Brasil foi uma
colônia de exploração na qual os habitantes se dividiam entre exploradores e
explorados. O Brasil não foi constituído como uma nação que se preocupou com
suas pessoas, que se preocupou em formar um povo, em tratá-lo com dignidade;
foi um país que se caracterizou como um terreno de exploração. E, hoje, como e
onde se percebe isso?
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atual
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SEÇÃO 3
Características da sociedade brasileira capitalista
Para fazer uma análise sobre a sociedade brasileira, não podemos esquecer que se
trata de uma sociedade estruturada sobre a lógica capitalista.
O capitalismo adotado pela sociedade brasileira, conforme Nickelle (2005), tem
no pobre a mais obscena prática de obter desse segmento social ganhos, lucros,
vantagens, expropriação jamais imaginada por qualquer teórico desse sistema
social. Procure lembrar, da seção anterior, a questão do ser humano como meio
de geração de riquezas. No Brasil, o processo capitalista concentra de forma
exponencial o capital nas mãos de poucos. A concentração de renda é, hoje, um
dos maiores causadores dos problemas sociais do país. Altos salários para uma
minoria favorecem um consumo sofisticado, que aumenta a importação e o
turismo para fora do país, inibindo a produção de bens e serviços internos pelo
gradativo empobrecimento dos demais trabalhadores.
Uma das conseqüências da sociedade brasileira, capitalista, é o crescimento da
miséria e a busca de soluções imediatas pelos que fazem parte da classe mais
pobre da população. De acordo com Nickelle (2005), os que recorrem aos baús
da “felicidade”, à loteria ou mesmo à fé religiosa, como forma de aceitar tal
esperança, são iludidos por verdadeiras quadrilhas de espertalhões que, em nome
da sorte e de Deus, enriquecem à custa da ignorância e ingenuidade. As
esperanças, de fato, estão comprando redes de televisão, mansões e enviando
milhões de reais, não mais para o céu, mas sim para o paraíso fiscal.
É uma característica dos países mais pobres a busca por uma vida melhor por
meio da religião ou de soluções imediatas, como loterias e premiações
milionárias. Percebemos bem forte a ideologia do capitalismo, do “cada um por si
e Deus por todos”; isso vai dificultando a formação da cidadania, da democracia,
da consciência da coletividade.
Os próprios meios de comunicação contribuem para induzir as pessoas a resolver
sua situação de forma individualizada; basta ver a quantidade de programas de
auditório que premiam pessoas com carros, casas, inclusive cujos apresentadores
são considerados pessoas que colaboram para uma sociedade melhor. A mídia
também legitima o individualismo quando busca criminalizar os movimentos
sociais; toda a forma de organização da sociedade, como povo e classe, é vista de
forma negativa. Comece a perceber a cobertura dos veículos de imprensa sobre as
manifestações e protestos sociais; geralmente, ressaltam os aspectos negativos,
como o congestionamento do trânsito, as depredações, brigas, levam-nos a
concluir que cada um deve trabalhar individualmente, fazer sacrifícios sozinho
para obter o sustento, ou seja, ao assistir à TV, você chega à conclusão de que se
você é pobre a culpa é sua, se quer comprar uma casa ou um carro você deve
trabalhar em dois empregos, e não lutar pelo aumento do seu salário.
Ética e Sociedade
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A ética torna-se artigo de luxo no Brasil. A sociedade vai
estruturando-se sobre a exclusão de uma grande maioria e o
privilégio de uma pequena elite consumista.
SEÇÃO 4
A legitimação da concentração de renda e da
corrupção no Brasil
“O sucesso não é para todos”, “se fulano é rico, foi por seu próprio mérito”; essas
expressões indicam-nos que a desigualdade de renda e a concentração de riqueza
são vistas como algo natural no Brasil.
Segundo Pochmann (2004 apud FUTEMA, 2004), o Brasil é um dos países mais
desiguais do mundo, o número de ricos no país dobrou de 1980 a 2000. Em
2000, existia 1.162 milhão de famílias ricas no país, o correspondente a 2,4% da
população brasileira. Vinte anos antes, havia 507 mil famílias ricas, 1,8% da
população na época. Esse 1.162 milhão de famílias ricas é dono de 75% do PIB do
país. Desse total, 5.000 famílias detém 45% do PIB. Além disso, a participação
dos ricos sobre a renda nacional subiu de 20% para 33% nesse período.
Mesmo com esses dados alarmantes, ainda vigora entre os brasileiros a idéia de
que a riqueza ou a pobreza é um problema pessoal. Essa idéia não é apenas
brasileira, mas essa concepção não contribui para uma reflexão ética mais
aprofundada sobre a geração de riqueza na sociedade brasileira. Essa
superficialidade e a falta de profundidade reflexiva também colabora para uma
certa tolerância à corrupção e ao famoso “jeitinho brasileiro” – que, na grande
maioria das vezes, corresponde a uma habilidade para trapacear e tirar
vantagens. Essa realidade toma conta da esfera pública e privada, passando por
caixa 2, desvio de dinheiro, propina e compra de votos.
Toda essa realidade de desigualdade social, corrupção e analfabetismo político
acaba esquecida e tolerada sob o argumento de que vivemos num país
maravilhoso e de que “Deus é brasileiro”. A beleza das mulheres, a riqueza
natural, o carnaval e o futebol parecem desempenhar um papel de viseira ética
diante de uma realidade violenta e injusta.
Rega (2004) afirma que “O jeito, ou o jeitinho brasileiro, é a imposição do
conveniente sobre o certo”. É a “filosofia” do: “se dá certo, é certo”; desde, é
claro, que “dar certo” signifique “resolver meu problema”, ainda que não
definitivamente. Assim é o brasileiro: dá jeito em tudo. Sua versatilidade
abrange um sem-número de situações: é o pára-lama do carro amarrado, em
vez de soldar; são os juros embutidos no valor da prestação “fixa”; é matar a avó
pela quinta vez para justificar a ausência a uma prova na escola, mas o jeitinho
é, também, pedir a um médico amigo para atender uma pessoa carente ou para
fazer uma cirurgia pela Previdência; é o revezamento dos vizinhos para socorrer
uma pessoa doente; é conseguir um emprego para um pai desempregado.
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atual
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Você viu que o brasileiro foi criando uma cultura própria para
lidar com os seus problemas?
Aí surgem alguns dilemas diante do jeitinho, apresentados por Rega (2004):
que dizer, então, do jeitinho? Podemos fazer uso dele para resolver as questões
do dia-a-dia? Será que todo jeito é desmoralizante, ilegal, burlador,
inconveniente? Será que ele também pode ser criativo, solidário, benevolente?
Segundo o autor, a mídia tornou o “jeitinho” algo negativo, mas ele revela o
desejo do ser humano de não se prender às normas, e sim de superá-las,
subjugá-las. Suspende-se temporariamente a lei, cria-se a exceção e depois tudo
volta ao normal; primeiro dá-se um jeitinho na situação, resolvendo o
problema, e depois vê-se como fica...
Se o jeitinho busca suspender a lei, a regra oficial, o brasileiro seria, então, um
anarquista, um fora-da-lei? Para Rega (2004), “O brasileiro não nega a
existência da lei, o que ele nega é a sua aplicação naquele momento.” Justifica-
se: se podemos pagar menos imposto de renda a um governo que não retribui
adequadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por que fazê-lo?
Por que pagar uma multa de trânsito – altíssima – se podemos dar um jeito de
cancelá-la?
Você percebe que a cultura do jeitinho vai se fundamentando na idéia de que o
país não cuida de seu povo? E podemos perceber que, historicamente, de fato,
foi isso que aconteceu. As pessoas eram um meio de gerar riquezas, tanto para
Portugal quanto às elites nacionais, e sabemos que isso se repete até hoje.
Então o jeitinho busca uma ação que faça protesto a isso.
Mas será que isso não contribui para alimentar a cultura da
corrupção?
De acordo com Rega (2004), a corrupção, tema diariamente discutido na mídia
escrita e falada, está presente naquele jeito de conseguir uma concorrência, ou no
jeito de "ajudar" o fiscal a esquecer determinada lei, ou mesmo no jeito de
apressar um processo numa repartição pública. “O jeito não se contenta apenas
em transgredir a norma. Às vezes, pela própria transgressão da norma, é preciso
dar um jeito para não haver punição. Nesse caso, há a união incestuosa entre o
jeito e a corrupção.”
Claro que não podemos condenar essa cultura do jeitinho, pois nem todo jeito é
negativo. Para o autor, a inventividade e a criatividade são algumas das facetas
mais relevantes do lado positivo do jeito. Inventar e criar são habilidades do
brasileiro na sua capacidade de adaptação a situações inesperadas, como a falta
de dinheiro.
O jeitinho busca encontrar uma solução possível para uma situação que a
princípio seria impossível. Rega (2004) cita o caso do operário que “cobre” o
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outro em seu turno enquanto aquele participa de um curso no supletivo para
ganhar o tempo perdido.
Diante disso, voltamos à especificidade da ética que – como parte da filosofia –
busca sempre fazer uma análise mais global do assunto. Devemos condenar o
jeitinho brasileiro como uma ação antiética? O desemprego não é uma situação
individual, então algumas ações encontradas para superar essa problemática
social precisam ser analisadas de forma global e profunda.
Observe a situação dos vendedores ambulantes; muitos estão em situação ilegal,
deram um jeitinho para sobreviver. O operário que faz curso supletivo e conta
com a ajuda do colega para isso também faz parte de uma situação que deve ser
analisada dentro de uma ótica global.
Segundo Rega (2004), enquanto o lado negativo do jeito gera situações delicadas
e comprometedoras da conduta ética, o lado positivo muitas vezes alivia o
brasileiro da vida oprimida que precisa vencer, e então se estabelecem os dilemas
éticos do jeito.
O dilema ético surge quando analisamos essa realidade do jeitinho numa
perspectiva social, política e econômica. Rega (2004) afirma que a inconsistência
da ação governamental em áreas como a segurança pública, a fiscalização e o
planejamento da política tributária e financeira conduz o cidadão a uma situação
tal que sua única saída no momento é o “jeito”, a “escapada”, sob pena de perder
o emprego ou inviabilizar sua empresa.
Em suma, o descaso generalizado das autoridades públicas quanto às reais
necessidades do povo gera o “salve-se quem puder” que, por sua vez, alimenta o
jeito e incentiva a transgressão das normas. Disso à corrupção é apenas um passo;
tão logo se estabeleça, a corrupção generalizada acolhe a impunidade e assim
fecha-se o círculo.
Em uma ocasião, um adolescente entregou-me sua agenda para que lesse alguns
poemas que ele havia feito. Li-os, cuidadosamente; tratavam da realidade de
nosso país. Ao final de um deles, havia uma frase, cuja autoria o adolescente
ignorava: “Em Roma, ela se chama bustarela; em Moscou, vzyatha; em Berlim,
tink gel; e, em Brasília, pode ser „jeitinho‟, mas em qualquer lugar do mundo e a
qualquer época será sempre corrupção, uma prática tão antiga quanto à
existência do homem. Sua arma predileta é a dissimulação, e seu instrumento
mais eficaz, o suborno, desde o mais célebre da História, o de Judas Escariotes,
ao do empreiteiro que paga comissão ao homem público.” Copiei a frase e tenho
buscado identificar seu autor. Ela produziu bons efeitos; foi capaz de sensibilizar
aquele adolescente, mostrando que em todos os espaços da vida social impera a
preocupação com procedimentos que fluam isentos de mazelas humanas como a
corrupção.
De acordo com Rega (2004), percebemos que o jeitinho brasileiro possui contexto
dentro de um círculo vicioso que envolve o cidadão brasileiro. Torna-se negativo
quando usa de justificativas para o ato corrupto, para a negligência.
________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade
atual
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O jeitinho é também o hábito de simplificar a realidade
com afirmações reducionistas, como: “Ah!, todo mundo faz,
então farei também.”
Essas expressões são as responsáveis pela corrupção crônica que assola o país e o
impede de encontrar saídas sustentáveis. O jeitinho brasileiro aliado à lógica do
capitalismo individualista dificulta a construção de uma sociedade mais justa e
ética.
SEÇÃO 5
Esperança ética
A reflexão ética na universidade não tem outra função senão a de provocar em
nós a necessidade de construção de um novo projeto de vida. O século XXI exige
que mudemos as concepções de felicidade e realização pessoal, até então
assentadas num plano individual, para um plano social e comunitário. Em nossa
sociedade, não cabe mais o desejo de escolher uma profissão para ficarmos ricos
e desfrutarmos individualmente de todos os prazeres oferecidos pelo progresso
econômico e tecnológico.
Os desafios éticos deste século exigem de nós o despertar de uma nova
inteligência, a inteligência social. A modernidade, como já vimos, legou-nos uma
racionalidade egocêntrica, centrada na ideologia em que “querer é poder”.
Precisamos, urgentemente, substituir essa racionalidade pela lógica da
sensibilidade, da alteridade e da solidariedade. A sociedade em que vivemos
precisa fazer parte de nossas vidas, e não mais ser somente o lugar no qual
buscamos realizar nossos sonhos individuais. O outro precisa ocupar maior
espaço nas nossas decisões e nas nossas escolhas.
No entanto, isso precisa acontecer depois de nos formarmos, quando estivermos
no mercado de trabalho?
Não! Precisa começar agora, na nossa vida acadêmica. Precisamos compreender
que o conhecimento que buscamos na universidade deve contribuir para a
resolução dos problemas sociais e para a melhoria da qualidade de vida no lugar
onde vivemos.
Essa inteligência ética pressupõe, necessariamente, uma mudança de crenças e de
concepções, um olhar mais profundo sobre a realidade em que vivemos, que não
se limite ao senso comum, legitimado pelas instituições, pela cultura e pela
grande mídia. Por isso, a inteligência ética é um saber que ultrapassa o
conhecimento específico que adquirimos em nossos cursos. Além de sermos bons
em nossa função, em nossa área, precisamos ser sábios.
O que é ser sábio? A palavra sabedoria origina-se do grego, sophos, que significa
totalidade. Uma pessoa sábia é, portanto, alguém que olha o mundo na sua
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totalidade, além de sua realidade individual, ou poderíamos dizer além de seu
“próprio umbigo”.
A esperança ética na sociedade atual concretiza-se à medida
que mudamos nossas concepções e atitudes sobre a realidade
em que vivemos.
Mas como fazer isso?
Teremos um progresso ético à medida que nos abrimos a novas idéias, a novas
áreas do conhecimento, a novas pessoas dispostas a vivenciar experiências
diferentes. Portanto, para sermos mais éticos, antes de mais nada, precisamos
abandonar a auto-suficiência e a intolerância. Uma sociedade ética precisa partir
do pressuposto de que nenhuma área do conhecimento, nenhuma ideologia
consegue, sozinha, resolver problema algum. Assim, você estará buscando
construir uma inteligência ética, aberta ao novo, ao diferente, ao diálogo.
Uma sociedade mais ética não é uma utopia, mas uma
construção humana e social, necessária e viável!
Auto-avaliação 5
1 A partir dos casos apresentados, procure escrever sua opinião, fundamentada
numa reflexão ética.
Eutanásia/Morte assistida
Uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu
corpo está ligado a máquinas que o conservam. Suas dores são intoleráveis.
Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz?
Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos desligar os aparelhos, ou não
temos o direito de fazê-lo? Que fazer? Qual a ação correta?
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atual
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Aborto
Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda
não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje
apoiá-la, é tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como se
responsabilizar plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho.
Estão desorientados e não sabem se poderão contar com o auxílio de suas
famílias (se as tiverem).
Se ela for apenas estudante, terá de deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar
o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para
sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade
em que os patrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras.
Receia não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, deseja a criança, sonha com
ela, mas teme dar-lhe uma vida de miséria e ser injusta com quem não pediu para
nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo?
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RESUMINDO
Nesta unidade, refletimos sobre grandes questões éticas da nossa atualidade que
perpassam todas as profissões e áreas do conhecimento. Na sociedade brasileira,
algumas questões éticas assumem maior evidência; são exemplos disso a
corrupção e a concentração de renda.
Como a ética é uma reflexão sobre o costume e a cultura, percebemos que esses
grandes desafios éticos de nosso país precisam de uma mudança cultural, que
implica em atitudes e posturas profissionais comprometidas com o bem comum.
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Referências
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Referências
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NIETZSCHE, F. W. A genealogia da Moral. São Paulo: Brasil, 1934. POCHMANN, Márcio. Atlas da Riqueza no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004. v. 2. POCHMANN, Márcio; AMORIN, Ricardo (Org.). Atlas da Exclusão Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília, DF, 1999. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/rdh/rdh99/index.php>. Acesso em: 6 jul. 2006. RAMOS, José Maria Rodriguez . Dimensões da globalização: comunicações, economia, política e ética. Revista FAAP, São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.faap.br/revista_faap/rel_internacionais/rel_01/dimensoes.ht>. Acesso em: 3 dez. 2005. REGA, Lourenço S. Como dar um jeito no jeitinho brasileiro. Teologia Brasileira. São Paulo: 22 jul. 2004. Disponível em: <http://www.teologiabrasileira.com.br/Materia.asp?MateriaID=65>. Acesso em: 25 jul. 2006. RODRIGUES, Carla; SOUZA, Herbert de. Ética e cidadania. São Paulo: Moderna, 1994. 72 p. RULLI, Jorge. La Pobreza de los Argentinos. Eco Portal.net, [2005]. Disponível em: <http://www.ecoportal.net/content/view/full/53439>. Acesso em: 14 dez. 2006. SANTOS, Mario Ferreira dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. São Paulo: Record, 2001. 174 p. UM MUNDO MÁGICO. 27 maio 2005. Disponível em: <http://ummundomagico.blogs.sapo.pt/arquivo/2005_05.html>. Acesso em: 14 dez. 2006. VALLS, Álvaro L. M. O que é Ética. São Paulo: Brasiliense, 2003. VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. 267 p.
80
Gabarito
Auto-avaliação 1
1. Nesta questão, espera-se que o aluno possa perceber a ética no meio onde
vive. Ele deve citar exemplos sobre a relação da ética com o meio social,
focados à sua comunidade local.
2. F, V, F, V
Auto-avaliação 2
1 Aqui, o aluno deverá citar outros exemplos de violência (que não sejam
violência física) percebíveis no seu cotidiano, como a prática da coação, da
inferiorização de pessoas, de opressão silenciosa.
2 A cultura é o espaço onde se formam e se legitimam valores morais e,
assim, um indivíduo que se fecha nos valores morais de sua cultura pode
se tornar fundamentalista, ou seja, analisar a realidade fundamentada
somente no seu ponto de vista.
Auto-avaliação 3
1 Aqui, o aluno deverá levantar questionamentos sobre a moral da
sociedade em que vivemos, por exemplo, será que a riqueza provém
somente do trabalho? Será que quem não trabalha é porque não tem
vontade? Existe uma religião verdadeira?
2 Na sociedade tribal, as atitudes são pautadas por valores coletivos e, na
sociedade capitalista, as atitudes se pautam em valores individuais.
Auto-avaliação 4
1 O problema ético é que os funcionários foram elementos essenciais para a
rentabilidade da empresa e, no final do ano, não foram reconhecidos pelo
trabalho. As expectativas deles não foram reconhecidas.
2 A relação acontece na dependência da empresa à oscilação do dólar. As
expectativas e sonhos dos funcionários estão depositados na empresa, mas a
frustração dessa expectativa parece vir de fora da empresa.
Auto-avaliação 5
____________________________________________________________________________Atividades Avaliativas
G1
81
1 Aqui, o aluno deverá manifestar sua opinião fazendo uma reflexão sobre os
dilemas éticos na decisão, por exemplo, se desligar, estaríamos respeitando a
liberdade de escolha da pessoa?
2 No caso do aborto, quem tem mais direito à felicidade, a mãe ou o filho?
Quais os critérios que sustentam uma decisão?