Apostila Ética e Sociedade Normal

81

Transcript of Apostila Ética e Sociedade Normal

Ancelmo Pereira de Oliveira

Ardinete Rover

Cláudio Luiz Orço

Evandro Ricardo Guindani

Idovino Baldissera

Rejane Ramborger

Joaçaba

2º semestre de 2010

© 2010 Unoesc Virtual Direitos desta edição reservados à Unoesc Virtual

Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte. O material apostilado desta disciplina é para uso

exclusivamente didático, sem intenção comercial.

E84 Ética e sociedade : educação a distância / (coord.) Ardinete Rover. – Joaçaba : UNOESC, 2010. 80 p. : il. ; 23 cm. – (Material didático) Modo de acesso: Portal de ensino. Também disponível para reprografia. Inclui bibliografia 1. Ética. I. Unoesc Virtual II. Rover, Ardinete, (coord.)

CDD 170

Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc)

Reitor Aristides Cimadon

Vice-reitor Acadêmico

Luiz Carlos Lückmann

Vice-reitores de Campus Campus de São Miguel do Oeste

Vitor Carlos D‟ Agostini

Campus de Videira Antonio Carlos de Souza

Campus de Xanxerê

Genesio Téo

Coordenação geral da Unoesc Virtual

Ardinete Rover

Coordenações locais da Unoesc Virtual Roseli Rocha Moterle – Joaçaba

Aníbal Lopes Guedes – São Miguel do Oeste Rosa Maria Pascoali – Videira

Cristiane Sbruzzi Berté – Xanxerê

Professores conteudistas da disciplina Ancelmo Pereira de Oliveira

Ardinete Rover Cláudio Luiz Orço

Evandro Ricardo Guindani Idovino Baldissera Rejane Ramborger

Elaboração e produção gráfica: Roseli Rocha Moterle

Copidesque: Marisa Vargas Revisão eletrônica: Carolina Nodari Capa: Elediana Fátima de Quadros

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 7

PROGRAMA DE APRENDIZAGEM ........................................................................ 9

Unidade 1 A importância da ética na sociedade ................................................ 11

SEÇÃO 1 A importância do outro ............................................................................... 12

SEÇÃO 2 A ética e a vida social .................................................................................. 15

SEÇÃO 3 Ética e sociedade na universidade .............................................................. 18

Unidade 2 Ética, moral e cultura ........................................................................... 21

SEÇÃO 1 Ética e moral ............................................................................................... 22

SEÇÃO 2 A cultura, a moral e a violência ................................................................. 25

SEÇÃO 3 Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente ............. 30

SEÇÃO 4 Os valores morais e a liberdade de consciência ........................................ 32

Unidade 3 O pensamento filosófico e a ética ..................................................... 35

SEÇÃO 1 A filosofia e a ética ...................................................................................... 36

SEÇÃO 2 O surgimento da ética na filosofia ............................................................. 39

SEÇÃO 3 O pensamento de Aristóteles e Marx ........................................................ 42

SEÇÃO 4 Reflexão sobre a construção da moral ...................................................... 44

Unidade 4 A globalização e a ética ........................................................................ 51

SEÇÃO 1 “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade ... 52

SEÇÃO 2 O fenômeno da globalização ...................................................................... 53

SEÇÃO 3 O fundamentalismo da globalização econômica ........................................ 55

SEÇÃO 4 O avanço tecnológico e a ética .................................................................... 57

Unidade 5 Os conflitos éticos da sociedade atual ............................................ 63

SEÇÃO 1 Grandes questões éticas da contemporaneidade ...................................... 64

SEÇÃO 2 A construção de valores morais na sociedade brasileira .......................... 69

SEÇÃO 3 Características da sociedade brasileira capitalista .................................... 71

SEÇÃO 4 A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil ........... 72

SEÇÃO 5 Esperança ética ........................................................................................... 75

Referências ................................................................................................................. 78

Gabarito ....................................................................................................................... 80

APRESENTAÇÃO

Apresentamos a você, aluno da Unoesc na modalidade a distância, o

material didático da disciplina Ética e Sociedade. Ele foi elaborado

visando a uma aprendizagem autônoma; os conteúdos foram

cuidadosamente selecionados e a linguagem utilizada facilitará seus

estudos a distância.

A disciplina Ética e Sociedade tem fundamental importância para a

reflexão acerca do significado de nossa ação no mundo. Na perspectiva

de construir nosso “ser ético”, precisamos refletir teoricamente sobre os

valores que norteiam nossas ações. Nessa disciplina, procuramos lançar

um olhar acadêmico sobre o tema da ética, revelando sua real

importância para o desenvolvimento das atividades cotidianas em

sociedade e, também, no desempenho das atividades profissionais. Com

isso, buscamos reconhecer, nas contradições sociais, a carência de uma

discussão sobre a ética em suas instâncias normativas e prescritivas do

agir humano.

Desejamos que você tenha muito sucesso nessa disciplina e em todo o

curso.

Bons estudos!

Equipe Unoesc Virtual.

PROGRAMA DE APRENDIZAGEM

Ementário

Conceituação (ética x moral). Fundamentos históricos e filosóficos. Os conflitos

éticos da sociedade atual (doutrinas éticas). A ética e o processo de globalização.

Arquegenealogia da ética brasileira. Desafios éticos do cotidiano.

Objetivo geral

Compreender e analisar a ética dentro do contexto sócio-histórico,

considerando suas diferentes concepções.

Objetivos específicos

Perceber as implicações da reflexão ética no conjunto das ações sociais

do homem.

Conhecer o processo de construção histórico-social da moral.

Compreender a complexidade das questões éticas na sociedade.

Carga horária

A duração da disciplina seguirá um cronograma de atividades para orientar o seu

estudo, conforme a carga horária proposta na matriz curricular.

Formas e momento de avaliação

As atividades avaliativas, descritas no Guia do Aluno, serão realizadas a

distância; compreendem a avaliação G1, com peso 4.

A avaliação final, que compreende a avaliação G2, é presencial; consiste

em uma prova sobre todo o conteúdo, com peso 6.

Cronograma de estudo

Utilize o cronograma a seguir para organizar seus estudos de acordo com as datas de realização das atividades. É obrigatório obedecer ao cronograma previsto para a entrega das atividades avaliativas.

ATIVIDADES DATAS

Primeira aula presencial

Apresentação e orientações sobre o funcionamento da disciplina;

oficina de utilização do Portal de Ensino Unoesc

___/_

__

Ati

vid

ad

es

a d

istâ

nc

ia –

G1

Primeira temática: Homem, meio ambiente e

sociedade

Leitura das unidades:

1 A importância da ética na sociedade 2 Ética, moral e cultura

Fórum de

discussão

___/_

__

a

___/_

__

Leitura das unidades:

1 A importância da ética na sociedade 2 Ética, moral e cultura 3 O pensamento filosófico e a ética

Avaliação

on-line

___/_

__

a

___/_

__

Segunda temática: Mídia e ética

Leitura das unidades:

4 A globalização e a ética 5 Os conflitos éticos na sociedade

atual

Fórum de

discussão

___/_

__

a

___/_

__

Encontros presenciais

Datas agendadas conforme orientação da Coordenação do Curso

___/_

__

___/_

__

___/_

__

Avaliação G2

___/_

__

Avaliação G2 fora de prazo

___/_

__

Avaliação G3

___/_

__

Un

ida

de

1

Unidade 1

A importância da ética na sociedade

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade, você terá condições de:

compreender a importância da ética na sociedade;

identificar os elementos que unificam as categorias ética, o outro e a

sociedade;

refletir sobre as implicações éticas na vida cotidiana.

Roteiro de estudo

Seção 1: A importância do outro

Seção 2: A ética e a vida social

Seção 3: Ética e sociedade na universidade

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

12

PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Uma das capacidades mais requeridas pela sociedade atual é a de conviver com as

diferenças, sejam elas de idéias, comportamento, atitudes, raça, cultura.

A vida em sociedade exige que reconheçamos a importância do outro, sejamos

compreensivos, tolerantes e sensíveis aos desafios que nos rodeiam!

Como nossa cultura ainda é muito individualista, precisamos de um longo

caminho para nos tornar mais éticos. É esse caminho que o convidamos a trilhar

na disciplina de Ética e Sociedade .

Então, vamos iniciar nossos estudos de Ética e Sociedade? Para isso, precisamos

entender por que se estuda a ética e em que momento surge a preocupação ética

na sociedade. Inicialmente, vamos falar daquilo que é o eixo central da ética: o

reconhecimento do outro.

SEÇÃO 1

A importância do outro

Com a correria do dia-a-dia, somos levados a nos preocupar bastante com nós

mesmos. Nesta seção, vamos pensar sobre o papel que o outro ocupa na nossa

vida?

Quais os motivos de sua alegria ou tristeza? Procure fazer uma retrospectiva em

sua memória emocional e destaque seus principais motivos de alegria e tristeza,

no dia-a-dia.

Reflita sobre sua família, amigos, universidade. O que, em sua família, afeta os

seus sentimentos? Se as condições financeiras são as melhores possíveis, você já

se sente plenamente feliz? Vivemos grande parte da vida em função de nossas

necessidades e desejos, mas por que será que existe o ditado popular de que

“dinheiro não traz felicidade”?

Vamos auxiliar essas reflexões com uma dinâmica? Escolha, para cada item, o

que for solicitado.

Um bem material muito importante para você:

________________________________________________________

Um sonho que almeja:

________________________________________________________

Um local para onde gostaria de viajar:

________________________________________________________

Uma pessoa ou grupo de pessoas muito importantes na sua vida:

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________A importância da ética na

sociedade

13

Se você precisar se desfazer de uma dessas coisas, qual será? Elimine uma de suas

escolhas.

E se você precisar abrir mão de mais duas coisas? Elimine outras duas respostas.

Enfim, o que restou?

Essa dinâmica nos ajuda a perceber o papel que o outro ocupa na nossa vida.

Praticamente, ninguém se desfaz das pessoas, nesse exercício. Geralmente, os

grandes responsáveis pelos nossos sentimentos de alegria ou tristeza provêm das

relações que temos com as pessoas.

Quantas vezes perdemos o sono ou não acordamos bem porque temos algum

problema de relacionamento interpessoal?

Você já se sentiu assim?

Você imaginaria a sua vida isolada dos outros?

Enfim, o outro é a causa de nossa alegria e de nossa tristeza, contribui e prejudica

em nossa busca pelo sentido da vida. É importante percebermos que nossa

condição humana é marcada pela incompletude e inacabamento; a todo momento

buscamos o outro, ou para partilhar, ou para nos completar como indivíduos.

Quantas vezes você está desanimado, chateado e ao conversar com outra pessoa

parece ficar mais leve e tranqüilo?

Isso tudo nos ajuda a entender que o outro nos completa em nossos pensamentos

e ações.

Mas, quem é o outro?

O outro pode ser a pessoa que está à sua frente, um familiar, um amigo, ou

qualquer ser humano de qualquer raça e cultura, uma criança, um trabalhador,

um portador de HIV. Podemos, também, compreender o outro como os animais e

a natureza; as idéias de outras culturas, de outras religiões, de outros partidos

políticos; o mundo exterior que se apresenta a nós a todo momento. O outro

também pode ser a nossa própria capacidade de reflexão, quando se volta sobre si

mesma, analisa a consciência, capta os apelos que nela se manifestam (ódio,

compaixão, solidariedade, vontade de dominação ou de cooperação, sentido de

responsabilidade), percebe os seus atos e as conseqüências que deles derivam;

quando analisamos nossas próprias idéias (BOFF, 2003a).

Com relação ao reconhecimento do “outro”, Boff (2003a) também se refere ao

meio ambiente, ao planeta Terra, a tudo o que sai da nossa esfera individual.

Reconhecer o outro-animal, o outro-natureza, na sua dignidade, é reorganizar

toda uma forma de ver o mundo, é, como sugere o autor, produzir uma nova

ótica: “A tese de base desta ótica afirma que a lei suprema do universo é a da

inter-dependência de todos com todos. Tudo está relacionado com tudo em todos

os pontos e em todos momentos. Ninguém vive fora da relação.” (BOFF, 2003a).

Percebemos, assim, que o outro faz parte de nossa vida.

A necessidade que temos de nos comunicar também evidencia a importância do

outro. Observe, atualmente, os sites de relacionamento e os programas de

comunicação instantânea. Por que as pessoas buscam, de forma obsessiva, outros

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

14

colegas, outras comunidades? Será que isso não revela uma constante busca pelo

outro, às vezes ofuscada pela ideologia do individualismo competitivo da nossa

sociedade?

Por que precisamos tanto falar da importância do outro para falarmos de ética?

A base de toda a construção ética fundamenta-se nesta pressuposição: a ética

surge quando o outro emerge diante de nós.

Boff (2003a) leva-nos a perceber que sempre temos uma postura diante do

outro: ou nos distanciamos, ou nos aproximamos, ou ignoramos. É nessa

relação que somos considerados éticos ou não.

A ética surge a partir do modo como se estabelece a relação com esses diferentes tipos de outro. Pode fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer dominar o outro, pode entrar numa aliança com ele, pode negar o outro como alteridade, não respeitando-o, mas incorporando-o, submetendo-o ou, simplesmente, destruindo-o. (BOFF, 2003a).

A todo momento, estamos em relação com o outro, e isso nos caracteriza como

seres morais – moralmente bons ou ruins; não há como negar essa condição

humana, temos nossa dimensão moral.

O que é essa dimensão moral?

É nossa dimensão relacional, o nosso ser social. Somos seres morais à medida que

vivemos em sociedade, que buscamos adaptar nossas ações ao meio em que

vivemos, aos outros que nos circundam.

Cada cultura, cada código moral vai determinando um tipo de relação com o

outro. Na antiga Palestina, os leprosos eram considerados impuros, por isso as

pessoas deveriam ignorá-los e romper relações com eles. Isso fazia parte de

uma regra moral aceita por todos.

Na caça às bruxas, durante a Idade Média, as mulheres eram consideradas

demoníacas, portanto podiam ser destruídas, mortas.

As tribos maias, incas e astecas, na América, também foram praticamente

extinguidas pelos espanhóis porque eram consideradas pagãs e inferiores.

No início da colonização brasileira, negros e índios podiam ser escravizados,

eram considerados inferiores aos brancos. A relação do branco (proprietário)

com o negro e o índio era de dominação e submissão.

Observe como a cultura e a moral de cada tempo determinam a forma como nos

relacionamos com os outros.

_________________________________________________________________A importância da ética na

sociedade

15

Como é a sua relação com o outro? Com o outro diferente de

você, com o outro de outras raças, culturas, classes sociais?

Como a sua cultura familiar o educou a se relacionar com o

outro?

Boff (2003a) nos alerta: “O outro é determinante. Sem passar pelo outro (que

posso ser eu mesmo), toda ética é antiética.”

As considerações de Boff (2003a) nos levam a perceber que não podemos falar de

ética sem, antes, resgatar o reconhecimento do outro em nossa vida pessoal.

Hoje, isso se torna muito necessário; nossa sociedade está marcada por um

modelo de relações predatórias, no qual o outro é importante até o momento em

que tem utilidade. Boff (2003a) afirma que nossa sociedade “[...] magnifica o

indivíduo que constrói sozinho sua vida.” O que isso quer dizer? Que se costuma

admirar, magnificar as pessoas que têm sucesso individualmente, por intermédio

da fama e da riqueza, mesmo que, para isso, acreditem que não precisam ser

éticas, que há sempre um jeito para tudo, que podem usar a sua influência para

conseguir o que querem, que devem ser egoístas!

Se você quiser aprofundar suas percepções sobre a

importância do outro na vida de cada um, assista ao filme

Shyrlei Valentine.

O filme narra a história de uma mulher que durante, praticamente, toda sua vida

cuidou da casa e dos filhos, passa o dia só e tem uma relação muito diferente e

peculiar com as paredes de sua casa.

Antes de tentar entender o que seja a ética, devemos estar

conscientes de que ela surge no momento em que aparece o

outro, no momento em que reconhecemos nossa dimensão de

vida social. É o que veremos na próxima seção. Precisamos

discutir a ética num âmbito social; do contrário, acreditaríamos

que cada um deve ter sua ética e não haveria sociedade, mas um

conjunto de indivíduos lutando por interesses particulares.

SEÇÃO 2

A ética e a vida social

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

16

Consigo compreender que minha vida pessoal está vinculada

à sociedade? Tenho consciência de que minhas ações

individuais têm conseqüências sobre o meio que habito? Por

que nossa disciplina se chama Ética e Sociedade, e não apenas

Ética?

Precisamos discutir a ética dentro da sociedade em que vivemos, na qual

buscamos concretizar nossas aspirações individuais. Sociedade e indivíduo

formam um todo inseparável. Não há como negarmos essa relação entre ações

individuais e sociedade. Esta possui uma lógica de funcionamento que acaba

determinando grande parte de nossas ações individuais.

Mas, o que isso tem a ver com a ética?

Basicamente, a relação que a sociedade tem com a ética é que o meio social

(econômico, político, cultural, educacional) determina e condiciona em grande

parte o comportamento das pessoas. Para analisarmos eticamente o

comportamento dos indivíduos, precisamos, antes de tudo, analisar a relação

entre as atitudes individuais e o meio onde estão inseridos.

Como isso se percebe concretamente?

Procure analisar a nossa sociedade capitalista: as idéias presentes no mundo

publicitário, no cinema, na televisão estão centradas na busca pelo sucesso.

Você se lembra do desenho do Pica-pau? Que idéias esse personagem transmite?

Que devemos obter sucesso a qualquer custo. E o Tio Patinhas? Para ele, ganhar

dinheiro é o mais importante.

Fonte: Um Mundo Mágico (2005).

A lógica da sociedade capitalista assenta-se sobre a busca ilimitada pelo dinheiro

e pelo sucesso. Se você tem uma casa, vai querer melhorá-la, ampliá-la; depois vai

querer comprar mais uma. Você acha que em nossa sociedade alguém diria que já

tem dinheiro suficiente para viver? Dificilmente. As pessoas sempre se

consideram insatisfeitas e canalizam seus desejos para acumular e consumir,

independentemente de a sociedade estar com altos índices de miséria e de

pobreza.

_________________________________________________________________A importância da ética na

sociedade

17

A sociedade constrói modelos de relações entre as pessoas, estabelece normas de

convivência. Nas grandes capitais, não se vê nada de anormal em tropeçar em

alguém dormindo nas calçadas, faz parte do cotidiano da cidade haver crianças

pedindo dinheiro nas ruas; essa indiferença começa a fazer parte do costume, da

vida cotidiana.

Fonte: Rulli (2005).

Por esses e outros motivos, não podemos discutir ética sem

antes entender a lógica de funcionamento da sociedade em que

vivemos.

Estudamos ética e sociedade, justamente, porque a sociedade determina valores,

princípios, normas e regras de sobrevivência e convivência.

Uma reflexão ética precisa entender as concepções de homem e de sociedade; em

cada período histórico, há uma ideologia vigente que norteia o comportamento

dos indivíduos, por isso a ética fundamenta-se em uma análise filosófica e

sociológica.

Na sociedade medieval, o comportamento das pessoas estava pautado em bases

religiosas. O medo e a concepção de pecado eram fundamentados na idéia de que

Deus estava sempre vigiando as atitudes humanas. As pessoas temiam ir além dos

limites impostos pelas regras sociais. O bem e o mal, Deus e o demônio estavam

sempre presentes no imaginário das pessoas.

Outra importante característica da sociedade medieval era a ligação entre poder

terreno e divino. As pessoas acreditavam que o Rei ou Imperador possuíam

ligação direta com Deus, por isso o respeito e a obediência aos governantes eram

algo incontestável.

Você percebeu que o limite e a obediência foram fatores que marcaram a

sociedade medieval? Isso acabava determinando comportamentos e atitudes das

pessoas.

E a sociedade moderna, que tipo de transformação ela traz?

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

18

A primeira grande transformação é que a religião perde espaço e o homem passa,

lentamente, a assumir o lugar de Deus. No período medieval, as pessoas

acreditavam que o Paraíso, a plenitude da felicidade, viria após a morte e que

nesta vida deveriam suportar as privações e o sacrifício. O advento da

modernidade faz com que a razão humana passe a ocupar o lugar da fé e da

crença em Deus. Outra grande transformação da sociedade moderna é a perda do

limite e a busca pelo infinito, tanto do conhecimento quanto do lucro. A Igreja,

que no período medieval atuava como inibidora de atitudes, vai perdendo espaço

na sociedade moderna.

Enfim, como percebemos, a sociedade está em constante transformação,

alterando seus valores, crenças, concepções de certo e errado e,

conseqüentemente, a moral e a ética.

A universidade busca formar pessoas e está inserida em uma sociedade, por isso

surge o desafio: que modelos de ser humano e de profissional estão presentes em

nossa sociedade? Quais os valores morais e éticos de nossa sociedade? Quais

atitudes são fundamentais em um profissional que atua na sociedade do século

XXI?

Essa é a razão (e, como você percebeu, são muitas) de estudarmos ética e

sociedade na universidade.

SEÇÃO 3

Ética e sociedade na universidade

Na seção anterior, procuramos esclarecer que não é possível estudar a ética

desvinculada da sociedade.

Por que estudar ética e sociedade na universidade? O que

isso tem a ver com minha profissão?

Muitos cientistas do século XIX acreditavam que a ciência deveria aprimorar seus

inventos e descobertas, apenas debruçar-se sobre seu campo específico do saber

para evoluir a partir de suas próprias pesquisas.

Sabe qual foi o resultado disso?

O lançamento da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, a morte de milhares

de judeus em campos de concentração, a dizimação de tribos africanas e

indígenas, a degradação ambiental quase irreversível, a desigualdade de renda, a

exclusão social.

O conhecimento científico que não traz a ética para dentro de sua área específica

corre o risco de desenvolver sérios prejuízos à sociedade e a todo o planeta Terra.

Os acontecimentos citados tiveram como causa principal a crença de que a ciência

possui poderes absolutos e é sempre fonte de verdade e certeza.

_________________________________________________________________A importância da ética na

sociedade

19

A produção do conhecimento, em qualquer área, precisa discutir e refletir sobre a

relação do conhecimento com a realidade, com a sociedade. O profissional,

professor ou aluno, deve sempre levantar questões sobre a sua área de

conhecimento: para quem se destina esse conhecimento? Qual a sua finalidade?

Quem pode ser beneficiado ou prejudicado com a sua aplicação? Por que estamos

realizando pesquisas e descobertas nessa área?

Essas questões são necessárias, pois discutem a finalidade do conhecimento e sua

relação com a sociedade, com as pessoas, com o presente e o futuro da sociedade.

O conhecimento pode ser utilizado tanto para o benefício

quanto para o malefício da sociedade. De acordo com a forma

com que empregarmos o conhecimento aprendido na

universidade, poderemos ser ótimos ou péssimos profissionais.

O que nos conferirá excelência profissional na nossa área, além

dos conhecimentos técnicos, é o modo como utilizaremos esses

conhecimentos.

A universidade precisa buscar respostas para os desafios do século XXI, tão

complexos que um campo do conhecimento não pode alcançá-los sozinho, por

isso da necessidade de abertura e diálogo, de rever posturas profissionais e

acadêmicas que no século XX eram tidas como verdadeiras.

Mas quais são os desafios?

A fome, a miséria, novas doenças...

Esses desafios globais que afetam nossa realidade local não podem ser

enfrentados e resolvidos por uma única ciência, possuem grande dimensão

socioeconômica, ambiental, política; portanto o profissional do século XXI

precisa dialogar com outras áreas do conhecimento. Precisa, assim, reconhecer a

importância do outro, do outro-profissional, do outro-ciência.

Os desafios do terceiro milênio possuem alto grau de complexidade, de inter-

relações e interdependências. O profissional da Economia não consegue, sozinho,

resolver o problema da fome; o profissional da Educação não consegue educar

sozinho; o profissional da Saúde não consegue, sozinho, garantir saúde a todos; o

profissional do Direito não consegue, somente por meio da lei, criar uma

sociedade justa e organizada; o profissional de Engenharia precisa discutir as

finalidades de sua técnica numa perspectiva humana e social. Nenhum desses

profissionais consegue, sozinho, resolver todos esses problemas.

Em razão de um período acentuado de especialização, a ciência acabou se

fechando no seu objeto de conhecimento e perdendo um pouco a relação com a

sociedade e com outras áreas do saber. É muito comum encontrarmos algumas

ciências considerando-se superiores a outras, ou profissionais que se fecham ao

diálogo com outros profissionais por considerá-los inferiores ou pouco relevantes.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

20

Assim, a ética nos convida a reconhecer a importância do diálogo e da consciência

do inacabamento, porque nunca estamos prontos, sempre precisamos aprender

com o outro diferente.

Auto-avaliação 1

1 Qual a importância da ética no meio em que você vive? Como a ética pode

contribuir para a melhoria desse lugar, desse ambiente?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________

2 A ética surge no momento em que aparece o outro. Por que o outro é o centro da ética? Assinale V para as alternativas corretas e F para as incorretas:

( ) Porque o outro é aquele que nos julga se agimos corretamente ou não.

( ) Porque é somente quando estamos diante do outro que podemos ser ou não

considerados éticos.

( ) Porque o outro sempre é nossa referência de certo ou errado.

( ) Porque diante do outro sempre precisamos tomar uma atitude, podemos

nos fechar a ele, abrir-nos ou negá-lo, ou seja, essa relação é que será ou

não ética.

RESUMINDO

Nesta unidade, refletimos sobre a dimensão social de nossa vida. Em uma

sociedade marcada pelo individualismo, antes de definir o que é ética e moral,

precisamos reconhecer a importância e a presença do outro na nossa vida,

precisamos reconhecer nossa interdependência. Nessa interdependência, vamos

construindo e definindo nosso ser moral, nossa forma de nos relacionar com o

outro. De acordo com nossas preferências, vamos incluindo e excluindo pessoas

de nosso convívio. Definimos nosso círculo de amigos e pessoas indesejáveis a

partir de nossos critérios do que seja uma pessoa boa e ruim, assim

determinamos nossos valores morais. Cada sociedade define e determina alguns

valores e crenças, e isso influencia muito a forma como as pessoas vivem em

sociedade.

Na universidade, precisamos incluir a ética na produção e construção do

conhecimento. Um conhecimento sem ética pode tornar-se prejudicial à

sociedade, assim como um profissional sem ética pode não ser considerado bom,

por mais conhecimento técnico que possua.

A próxima unidade nos ajudará a compreender melhor a relação entre a ética e a

sociedade e como ocorre a construção dos valores morais.

Un

ida

de

2

Unidade 2

Ética, moral e cultura

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade, você terá condições de:

compreender o que é ética e o que é moral;

diferenciar ética e moral;

identificar os elementos que unificam as categorias ética, moral e

cultura.

Roteiro de estudo

Seção 1: Ética e moral

Seção 2: A cultura, a moral e a violência

Seção 3: Preconceito e discriminação: violência contra o outro diferente

Seção 4: Os valores morais e a liberdade de consciência

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

22

PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Nesta unidade, você vai saber como a nossa educação cultural contribui ou não

para sermos mais éticos, como somos educados na relação com o outro,

principalmente com o outro de cultura diferente.

Para compreender a importância do outro e o modo como a cultura determina

essa relação, vamos fazer uma reflexão sobre a moral, a forma de os indivíduos

conceberem o certo e o errado numa determinada cultura e num determinado

tempo, e sobre a filosofia, que é o berço da ética.

Vamos lá?!

SEÇÃO 1

Ética e moral

Quando nos deparamos com as palavras ética e moral, o que nos vem à mente são

questões relativas ao comportamento humano: é certo ou errado fazer isso?

Dizemos que uma pessoa é ética porque ela agiu com respeito ao outro ou a algo

além de si mesma. Se uma pessoa faz uma boa refeição e sente-se satisfeita, você

não dirá que foi ou não ética, mas se comeu de forma abusiva, deixando quem

estava ao seu lado com fome, então poderíamos dizer que ela não foi ética. Por

isso, iniciamos nossa apostila sobre ética falando da presença do outro em nossa

vida, assim vamos compreendendo o que estuda a ética e qual sua importância

para a nossa vida e a nossa comunidade.

Os seres humanos não nascem geneticamente pré-programados; diferentes de

outros animais, os seres humanos são inacabados e não-determinados pela

natureza, tampouco delimitados pelo destino ou por Deus(es). Se fosse assim,

agiriam por instinto e não refletiriam sobre suas ações. Por isso, cada um, ou cada

grupo social, cria respostas e soluções diferentes para perguntas e problemas

semelhantes. O ser humano deve, portanto, construir ou conquistar o seu ser; ele

não nasce pronto, ele se faz ser humano, torna-se pessoa.

Mas, por que devemos compreender a ética na relação com a

moral e a cultura?

Porque, geralmente, o que direciona as ações e comportamentos individuais, ou

seja, o que condiciona as decisões do indivíduo provém da cultura e da moral. Há

uma forte influência da cultura nas nossas escolhas e decisões.

Quando nós, brasileiros, estamos com fome, podemos pensar na possibilidade de

matar um boi e fazer um bife suculento. Já os indianos (hindus) jamais pensarão

_______________________________________________________________________________ Ética, moral e

cultura

23

nessa possibilidade para saciar a sua fome, pois, em sua grande maioria, são

vegetarianos.

Esse exemplo nos ajuda a entender que as nossas escolhas e decisões são

determinadas pela cultura em que vivemos, que estabelece normas, regras e

valores morais.

A ética é o estudo e a reflexão sobre os valores morais, que se modificam em cada

cultura e em cada época. As noções de certo e errado, o que devemos ou não fazer,

são construídas na cultura em que nascemos. Você pode perceber que as questões

culturais influenciam o modo como as pessoas organizam sua vida, e a cultura é o

ponto de partida para o estudo da ética.

Mas, afinal, o que é ética?

Podemos considerar a ética como a ciência do comportamento moral dos homens

na sociedade; ainda que o objeto da ética é a moral, e a moral é um dos aspectos

do comportamento humano. No nosso dia-a-dia, não fazemos distinção entre

ética e moral, usamos as duas palavras como sinônimos, mas, ao contrário do que

pensa o senso comum, ética e moral não são a mesma coisa; é o que veremos

agora.

A ética busca analisar o conjunto de práticas morais ligadas ao costume e à

cultura, em um determinado tempo e espaço. De acordo com Leonardo Boff

(2003b), a ética é parte da filosofia; estuda as concepções de mundo, os

princípios e valores que orientam pessoas e sociedades.

A moral é definida como o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes,

valores que norteiam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. A moral

é normativa (relativo a normas); é parte da vida concreta, da prática real das

pessoas, que se expressam por costumes, hábitos e valores aceitos. Uma pessoa é

moral quando age em conformidade com os costumes e valores estabelecidos, que

podem ser, eventualmente, questionados pela ética.

Uma pessoa pode ser moral, mas não ser ética?

Segundo Boff (2003b), a moral refere-se aos costumes, à educação que

recebemos da família, aos valores da religião, da tradição. Esses valores forma o

caráter e molda a dimensão ética do indivíduo, que passa a acreditar que são

valores universais (éticos) os valores que ele aprendeu em casa, que está

acostumado a praticar (morais).

Se um filho é tratado em casa como o centro da família, nunca recebe um “não”,

nunca é repreendido, os pais fazem tudo o que ele quer, compram o que pede, ele

vai formando seu caráter e seus valores de acordo com essa relação. Como a

família é o primeiro espaço de socialização, o filho vai aprender a se relacionar

com os outros da escola como se comportava em casa. Ele vai acreditar que tudo o

que quer tem direito a receber, que onde estiver deve ser tratado como o mais

importante; provavelmente terá dificuldade de aceitar uma idéia contrária à sua.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

24

Para Boff (2003b), as pessoas serão éticas se tiverem adquirido uma boa moral,

ou seja, terão um caráter ético se no seu ambiente cultural, familiar mais

próximo, tiverem aprendido valores universais, de respeito ao outro, de diálogo.

De acordo com o exemplo, o filho aprendeu que pode impor sua vontade aos

outros, pode pedir, fazer o que quiser, e isso não será errado. Assim, ele terá um

caráter ético próprio que não estará de acordo com uma ética universal.

Na sociedade atual, as pessoas estão acostumadas com a desigualdade, com a

pobreza e com a miséria, mas isso é ético? A palavra ethos, da qual se originou a

palavra ética, precisa ser entendida como o lugar onde vivemos, que é o planeta

Terra, e não apenas nossa casa, nossos amigos, nosso trabalho, nossos ideais.

Pensar eticamente nos coloca além de nossa realidade particular, que tem sua

moral, seus costumes, por isso a ética exige uma atitude reflexiva, profunda,

investigativa e interligada.

Segundo Boff (2003b), a ética e a moral vigente hoje é a capitalista, cuja ética diz:

bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo

possível; e cuja moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar

menos salários e impostos e explorar melhor a natureza. Eis a razão da grave crise

atual.

A moral é particularista, identificada e vinculada com

grupos religiosos, nacionalistas, políticos, classistas; com

normas e sanções que mudam de acordo com as transformações

da sociedade. A ética tem conteúdo universal, parte do princípio

da igualdade dos seres humanos e de seus direitos à paz, ao

bem-estar, à felicidade individual e coletiva; relaciona-se com os

valores reais da existência humana.

Salientamos essa diferença com a citação de Rodrigues e Souza (1994, p. 13): "A

ética é muito mais ampla, geral e universal do que a moral. A ética tem a ver com

princípios mais abrangentes, enquanto a moral se refere mais a determinados

campos da conduta humana." Entre moral e ética há uma tensão permanente: a

ação moral busca justificar seus valores em fundamentos ligados à natureza

humana, à ciência e à religião, enquanto a ética exerce vigilância crítica sobre os

fundamentos da moral para transformar a vida cotidiana.

Você já consegue entender a relação entre ética e moral?

Na próxima seção, vamos compreender como os costumes, os

valores, as tradições e o cotidiano podem legitimar ações

antiéticas.

_______________________________________________________________________________ Ética, moral e

cultura

25

SEÇÃO 2

A cultura, a moral e a violência

Você deve estar se perguntando: por que a cultura seria o

ponto de partida para estudar ética?

Há duas razões fundamentais para essa argumentação:

a cultura é um produto da história coletiva dos diferentes grupos sociais;

a cultura contém componentes simbólicos que contemplam formas de

agir, pensar, sentir e reagir em um determinado espaço, onde cada um

desses elementos traz em si um apelo especial pela realidade ética.

A cultura é o espaço em que se formam nossas concepções de certo e errado, ou

seja, nossos valores morais. Se observarmos a história da humanidade, desde que

o homem de vivia em conjunto com outros homens, as normas de

comportamento moral têm sido necessárias para o bem-estar do grupo.

Percebemos que cultura e moral são inseparáveis.

Um dos objetivos de falarmos sobre cultura é porque ela conserva e legitima

padrões de comportamento que são questionados e estudados pela ética.

Será que determinadas culturas e costumes não contribuem

para que os seres humanos sejam violentados? Por que algumas

pessoas aceitam ser inferiorizadas, exploradas e outras

acreditam que isso é normal? Que reflexões éticas podemos

fazer sobre a aceitação da violência?

Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força física e do

constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua

natureza e ao seu ser. Então nos perguntamos: que relação existe entre cultura e

violência? Costumes e violência?

O termo violência nos remete a algo que foge à normalidade, ao eventual, a um

acidente, enfim, a algo que não estamos acostumados a ver. Esta seção convida

você a perceber com mais atenção o cotidiano. Como a palavra moral também

significa costume, muitas vezes estamos tão acostumados com essa realidade que

nem mais percebemos se há algo de errado com ela. Você já deve ter ouvido a

expressão “águas calmas não representam ausência de perigo.” Com o cotidiano é

a mesma coisa; superficialmente, tudo parece estar dentro da normalidade, mas

se analisamos com mais profundidade, percebemos que existem turbulências

profundas.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

26

A ética surge na história com a preocupação de conter a violência entre as

pessoas; cabe a nós, ao falarmos em ética, aprofundar o conceito de violência e

percebê-la no cotidiano dos nossos costumes e da nossa cultura.

Há situações nas quais não existe violência física, mas outro tipo de violência, de

natureza psicológica. Quando, mesmo sem usar o chicote ou a palmatória, o pai

ou o professor exigem o comportamento desejado, doutrinando as crianças,

impondo valores e dobrando-as para a obediência cega e aceitação passiva da

autoridade, existe violência simbólica, já que a força que exercem é de natureza

psicológica e atua sobre a consciência, exigindo a adesão irrefletida que só

aparentemente é voluntária (ARANHA, 1992, p. 171-172).

Como seres sociais, vivenciamos e buscamos a felicidade em grupo. Para atingir

determinados objetivos, agrupamo-nos em instituições. Para sobreviver e buscar

proteção, vivemos em um grupo, a família. Preparando-nos para a vida adulta,

entramos na escola, participamos de um grupo religioso, uma Igreja. Como

vivemos em uma sociedade organizada com um Estado de direito, pagamos

impostos para usufruir de serviços públicos, de saúde, por exemplo. Quem de nós

nunca precisou ou precisará de um hospital? Quando nos profissionalizamos,

entramos no mundo do trabalho, que também ocorre, na maior parte das vezes,

de forma institucionalizada. A empresa, uma organização, as leis trabalhistas, a

relação patrão-empregado-economia constituem o cotidiano do trabalho.

Como essas diferentes organizações que compõem nosso

cotidiano se tornam antiéticas? Como as diferentes instituições

transformam o ser humano de sujeito em objeto? Que tipo de

violação pode acontecer contra o ser humano nessas

instituições?

A ética faz parte do nosso cotidiano, nossa vida familiar, educacional,

profissional, etc. Vamos refletir sobre a presença da violência na nossa sociedade

em alguns espaços do nosso cotidiano: família, educação, trabalho, saúde pública.

FAMÍLIA

Se você já precisou sair de casa, está estudando fora ou morando distante da

família, deve sentir muita saudade e falta de um aconchego; a família é vista como

um lugar e espaço do bem, mas você sabe que não precisamos ir muito longe para

nos defrontar com problemas de violência familiar: pais que espancam filhos e,

ainda mais grave, cometem abusos sexuais contra eles, problemas de alcoolismo,

drogas, desemprego, todos esses fatores desencadeiam processos de violência. A

reflexão sobre a violência traz consigo a necessidade de discutirmos as relações de

poder. Há abuso de poder quando uma pessoa reduz a outra à condição de objeto

– assim se concretiza a violência.

_______________________________________________________________________________ Ética, moral e

cultura

27

Além dessas formas de violência explícita, procure refletir sobre a violência

velada, como as relações de poder entre os membros da família que,

aparentemente consideramos dentro da normalidade, próprias do cotidiano,

entretanto são formas de violência.

Uma mulher, dona-de-casa, acorda cedo, limpa a casa, leva os filhos à escola, lava

a roupa de todos (filhos, marido), prepara o almoço. À tarde, costura, lava e

passa. À noite, o esposo chega em casa, tira o sapato, deita no sofá, solicita o

jantar e ainda reclama do atraso e do barulho. Os filhos chegam da rua, jogam a

roupa e os calçados pelo chão, sujam a cozinha. A mulher prepara o jantar, lava a

louça, ajuda o filho a fazer a lição de casa, leva roupa e toalha de banho ao marido

que, depois, descansado, prepara-se para deitar. Quando ele deita, a mulher

ainda prepara os alimentos para o almoço do outro dia, sem ter sentado um

minuto sequer. Contudo, se perguntassem aos filhos e ao marido se ela trabalha,

eles certamente poderiam dizer que não, entendendo que o trabalho de casa não

pode ser considerado como tal.

Quais questionamentos éticos poderíamos fazer sobre essa

família? Quem é tratado como objeto? Quem exerce poder sobre

o outro? Como a violência faz parte do cotidiano, da

normalidade e do costume?

Você lembra que iniciamos nossos estudos falando sobre a reflexão ética? Pois

bem, ela surge para questionarmos a moral, os costumes, mas estes estão no

nosso dia-a-dia, e o que é considerado normal pela tradição e pela cultura pode

ser fonte de violência contra as pessoas, ações antiéticas presentes na moral

familiar. A família, no mundo ocidental, é essencialmente patriarcal e, por

conseguinte, essa estrutura tem grande possibilidade de se tornar machista. Os

papéis sociais, definidos desde cedo, contribuem para que algumas pessoas se

tornem submissas às outras na estrutura familiar, como acontece com a menina

que faz os serviços domésticos em relação ao menino que tem mais liberdade para

buscar uma profissão; assim, as relações de poder têm continuidade.

Vamos, agora, a outro cotidiano no qual passamos grande parte

de nossa vida: a escola, a universidade.

EDUCAÇÃO

No Brasil, no início do século XX, era considerado normal professores baterem

em alunos, aplicarem castigos, enfim, a violência na escola era explícita; uma

ação que também refletia a moral familiar da época. Para as provas, o aluno

precisava decorar todo o conteúdo e responder de forma idêntica ao professor.

Na cultura

ocidental

patriarcal, o

pai é o chefe

de família.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

28

Essa metodologia expressava que o mais importante era o conteúdo. Se o aluno

interpretasse, traduzisse o conteúdo com suas palavras, a resposta era

considerada errada. O aluno não podia fazer perguntas, era um meio de

passagem entre a lousa e a folha da prova, era um objeto.

Precisamos, portanto, entender as formas de violência na transmissão do

conhecimento. Quantas vezes o conhecimento científico e a figura do professor

são colocados pela escola como algo superior ao aluno?

Outra forma de violência existente na escola é a reprodução da exclusão. Filhos

de famílias ricas têm maiores chances de prosperar na vida acadêmica do que os

de classe menos favorecida. Muitas crianças, para ajudar a sustentar a casa,

acabam deixando a escola, enquanto muitas outras, além de freqüentar a escola

regular, têm condições de fazer cursos paralelos.

Essa forma de violência, sofrida no âmbito educacional, muitas vezes é

obscurecida pelo simples argumento de que alguns aproveitaram as

oportunidades e outros não; uma lógica de pensamento que busca naturalizar o

processo de exclusão social.

Para enriquecer essa discussão, assista ao filme

Sociedade dos Poetas Mortos.

O filme aborda o conflito entre a postura do professor e a escola.

Um carismático professor de literatura chega a um colégio muito

conservador, onde revoluciona os métodos de ensino ao propor que seus

alunos aprendam a pensar por si mesmos.

Fique atento, estamos construindo nossas reflexões dentro de

uma relação entre a violência e o cotidiano.

Outro espaço de convivência é o local onde exercemos nossa

profissão, em que as relações interpessoais se tornam mais

intensas e competitivas.

TRABALHO

Vamos analisar como as relações de poder se transformam em relações de

violência no trabalho. É necessário situar o trabalho dentro de uma sociedade e

de um determinado tempo, por isso nos deteremos à sociedade capitalista do

século XX. Já que estamos falando do cotidiano, vamos partir de expressões do

_______________________________________________________________________________ Ética, moral e

cultura

29

senso comum que expressam de que maneira o ser humano é tratado como objeto

no mundo do trabalho.

Já ouvimos que “algumas pessoas nasceram para mandar e outras, para

obedecer.” Essa afirmação é muito reproduzida; foi feita, inicialmente, pelo

filósofo Aristóteles. Segundo ele, “[...] uns homens são livres e outros, escravos

por natureza, e que esta distinção é justa por natureza.” (VASQUEZ, 1990, p. 31).

Na época de Aristóteles, ninguém julgava antiético uma pessoa escravizar a outra;

hoje, esse pensamento não é diferente. Se uma pessoa precisa se submeter a

horas de trabalho sem um salário digno, muitos poderiam afirmar que foi

predestinada e que é uma realidade social à qual precisa se submeter.

Outra realidade do mundo do trabalho é a “ditadura do desemprego”; muitas

vezes, quando um colaborador procura por melhorias salariais, tem como

resposta que precisa aceitar essa realidade, pois há uma fila de pessoas esperando

por sua vaga. À medida que vamos considerando isso algo normal, aceitamos uma

forma de violência contra o ser humano. Muitos direitos trabalhistas são cortados

em função de uma realidade maior e global, que se impõe sobre as pessoas.

Outra forma de violação à liberdade do ser humano é a escolha da profissão:

muitos submetem o seu desejo, sua empatia por alguma área à realidade do

mercado de trabalho e, assim, tornam-se objetos de um sistema maior.

Também é muito comum o conflito entre colegas de trabalho na busca pela

promoção profissional, no qual os interesses particulares se chocam com o outro.

É impossível responsabilizar uma única pessoa por essa realidade, nosso objetivo

é evidenciar as formas de violência, muitas vezes tidas como algo normal do

cotidiano.

Vamos, agora, a outro cotidiano, a instituição que cuida de

nossa saúde.

SAÚDE PÚBLICA

Quem já esteve doente sabe que é um momento em que nos sentimos fragilizados

e carentes de atenção e cuidado. Por outro lado, é uma situação em que, com

muita freqüência, somos tratados como objetos. A falência do sistema público,

aliada às relações de poder, provoca um descaso contra o ser humano. As pessoas

se acostumam a essa realidade e não percebem mais como são violentadas nessas

instituições.

Há algum tempo, uma reportagem comprovou o fato de que as pessoas não

percebem mais determinadas ações como uma forma de violência: após

permanecer das 4h às 9h da manhã em uma fila para ser atendido em um

hospital, um indivíduo, não tendo conseguido a sua vaga, declarou que estava

acostumado com isso e que voltaria no dia seguinte. Esses fatos vão se

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

30

cristalizando como uma cultura do descaso público, tornam-se costume e não são

mais questionados. Aqui reside o papel da ética: identificar e perceber a violência

velada nos costumes e na moral das instituições, nesse caso, a saúde pública.

Todas as instituições exercem, de uma forma ou de outra, violência contra o

indivíduo; cabe a você considerar e perceber a importância dessas reflexões em

qualquer projeto profissional.

Você percebeu que estamos trabalhando com vários

conceitos? Se você não conseguiu compreender a relação entre

ética, moral e cultura, retome seus estudos nas seções

anteriores ou procure seu professor tutor.

SEÇÃO 3

Preconceito e discriminação: violência contra o

outro diferente

Nossa formação cultural acontece a partir de modelos, de princípios certos e

errados, comportamentos morais e imorais. Vamos nos deter, especificamente, ao

fato de considerarmos o outro errado, imoral, por ser diferente, por fugir aos

nossos padrões culturais. Isso está relacionado à ética por dois motivos: primeiro,

por não considerarmos o outro diferente em sua especificidade; segundo, como

conseqüência, por não refletirmos sobre o que pensamos a respeito do outro.

A ética é uma reflexão crítica sobre nossas formas de

perceber o outro e agir sobre ele. Assim, fechamo-nos à ética

quando nos fechamos à autocrítica sobre o que e como

pensamos a respeito do outro.

Para Aranha (1992, p. 181), preconceito (pré-conceito) significa conceito (ou

opinião) formado antecipadamente, sem adequado conhecimento dos fatos. O

perigo do preconceito está na recusa em reexaminarmos as convicções quando se

tornam dogmáticas. Nesse ponto, o preconceito é fonte de intolerância e,

portanto, de violência. O preconceito leva à discriminação, quando o diferente é

considerado inferior, excluído dos privilégios de que os melhores desfrutam.

Os antropólogos nos alertam que, ao analisarmos os costumes de outros povos,

convém não os avaliar a partir de nossos valores culturais, o que significaria uma

atitude etnocêntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles

o que lhes falta e esquecer de ver com clareza o que são de fato.

Dogmática: que se apresenta com caráter de certeza absoluta.

Etnocêntrica: que tem a tendência de considerar a cultura de seu próprio povo a medida para

_______________________________________________________________________________ Ética, moral e

cultura

31

Da mesma forma, dentro de cada cultura, há preconceitos que levam à

discriminação dos pobres, negros, homossexuais, mulheres, idosos e tantos

outros.

Um exemplo de preconceito cultural é o dos colonizadores

europeus, que consideravam os povos tribais inferiores não

como uma cultura diferente, mas sim de menor importância.

Aqui, surge a legitimidade de muitos atos violentos contra povos

indefesos. Sabemos que a população indígena brasileira foi

praticamente exterminada pelos brancos.

Conforme Aranha (1992, p. 182), a origem da discriminação, de raça ou de sexo,

geralmente é conseqüência da desigualdade social. Desde a antiguidade grega, em

toda a história do mundo ocidental, o poder é branco, masculino e adulto.

O Brasil tem uma longa tradição histórica de rígidas hierarquias sociais – uma

sociedade marcada pelo poder de elites (senhores de engenho, barões do café,

coronéis-fazendeiros). Apesar de a sociedade brasileira apresentar grandes

desigualdades sociais, há uma camuflagem do preconceito por meio do mito da

democracia racial; uma idéia de que todos são iguais e que no Brasil as pessoas

sabem conviver entre negros e brancos e entre ricos e pobres. Quando

aprofundamos o assunto, percebemos que isso não é verdade, que existe

preconceito e discriminação, principalmente com negros, índios e migrantes.

O ÍNDIO, O NEGRO E O MIGRANTE

Quando os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil, o processo de cristianização

dos índios por eles empreendido facilitou a política de dominação de Portugal.

Mesmo não sendo essa a intenção dos religiosos, imbuídos de ardor religioso, eles

estavam convencidos da superioridade de sua cultura e religião. Ao docilizarem

os índios, adequando-os a padrões estranhos, deram início à desintegração da

cultura indígena.

Assim como a inferiorização do índio, a origem do preconceito contra o negro

encontra-se na tradição da escravidão. Os senhores acalmaram a consciência com

a convicção de que o negro era semi-animal, bruto e rebelde, e exigia pulso forte

por parte do dominador. Por resistir ao trabalho escravo, o negro passa a ser

avaliado por meio de estereótipos: é indolente, malandro, cachaceiro. A

dominação é justificada por considerar o negro inferior.

Sabemos que o racismo é muito presente em nossa

cultura. A reflexão ética nos convida a analisar como o racismo

está fundamentado na ignorância e na falta de racionalidade

crítica.

Estereótipos: que são vistos todos de um mesmo modo de ser.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

32

O preconceito e a discriminação não atingem apenas o índio e o negro, vítimas do

estigma da escravidão. Em um país como o Brasil, com irregular desenvolvimento

nas diversas regiões, o Sul e o Sudeste constituem o espaço do progresso e da

riqueza, onde se instalam as indústrias. Por motivos histórico-sociais, amplas

regiões permanecem empobrecidas, além de serem assoladas pela seca. Essa

situação obriga as pessoas a migrarem; com a esperança de dias melhores, vêm

para os grandes centros, ocupam funções subalternas, enfrentam o desemprego e

outras dificuldades, sofrendo preconceitos. As regiões mais ricas acabam

aproveitando a mão-de-obra barata e discriminando essas pessoas.

Ainda é vigente no Brasil a mentalidade de que existem

estados e culturas mais importantes do que outras. Esse

pensamento é mais uma forma de exercer violência sobre o

outro; confunde o diferente com o errado ou inferior.

Na próxima seção, vamos compreender como a cultura e a

moral nos impedem de ser éticos.

SEÇÃO 4

Os valores morais e a liberdade de consciência

Estamos falando de cultura; sabemos que os valores morais são construídos e

legitimados nela, na relação que temos com a nossa família e com a comunidade

desde que nascemos.

Por que falarmos em liberdade? Porque a liberdade de consciência é elemento

fundamental para o agir ético; somente quando tomamos consciência de nossas

ações é que podemos refletir sobre elas.

Ainda podemos nos perguntar: o que têm a ver os valores

morais com a liberdade?

Acreditamos que os valores (concepções de certo e errado) que aprendemos em

casa são as melhores coisas que trazemos conosco, são os pilares de nossa

conduta e de nossas ações. Chauí (2003, p. 311) afirma que nossos sentimentos,

nossas condutas, nossas ações e nossos comportamentos são modelados pelas

condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião,

trabalho, circunstâncias políticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa

sociedade, que nos educam para respeitar e reproduzir os valores propostos por

ela como bons e, portanto, com obrigações e deveres. Desse modo, valores e

maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e

_______________________________________________________________________________ Ética, moral e

cultura

33

atemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso

nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os

transgredimos.

Sócrates, filósofo grego de Atenas, levava os jovens a questionar aquilo em que

acreditavam e que repetiam, a questionar os próprios valores. Foi um dos

primeiros filósofos a estimular o questionamento ético, porque provocava uma

reflexão profunda sobre os valores. A grande contribuição do pensamento e da

ação socrática foi no sentido de demonstrar que o que entendemos como valores

(certo, errado, bonito, feio) é construído dentro de um contexto cultural,

geográfico e num determinado tempo. Sócrates fazia as pessoas indagarem sobre

a origem e a essência das virtudes (valores e obrigações) que julgavam praticar ao

seguir os seus costumes.

Portanto, não podemos afirmar que nossos valores sejam válidos para todos.

Quando você não consegue perceber a particularidade dos seus valores, não

conseguirá pensar além da sua cultura e da sua moral. Assim, seus valores morais

limitam a sua liberdade de pensamento e reflexão. Muitas vezes, ouvimos a

expressão: “a minha opinião é esta e não abro mão porque é a verdade!”; uma

afirmação como essa demonstra que o sujeito não consegue refletir além de seus

princípios morais, tirando-lhe a liberdade de reflexão. É o chamado

fundamentalismo ou fanatismo: o indivíduo fica preso aos seus referenciais

culturais de mundo.

Em nossa vida, quando seguimos o que é dito como correto pela cultura da

sociedade em que vivemos, achamos que estamos no caminho certo. Sócrates nos

perguntaria:

Você está seguindo esses valores conscientemente ou apenas

para atender a um costume, para não sair da moda?

Por que e como a moral, os costumes podem exercer algum tipo

de violência contra o ser humano?

Como vimos, a moral e os costumes exercem algum tipo de violência quando

surge o racismo e o preconceito, mas também quando impedem e dificultam o

indivíduo de refletir racionalmente, ou seja, ser de fato livre nos seus

pensamentos.

De acordo com Aranha (1992, p. 113), desde que nascemos enfrentamos o

problema do determinismo cultural: ao nascer, o homem já se encontra em um

mundo constituído, recebe como herança a moral, a religião, a organização social

e política, a língua, enfim, os costumes, que não escolheu e que, de certa forma,

determinam sua maneira de sentir e pensar.

Quando não conseguimos perceber que muitos de nossos valores são válidos

somente para nossa cultura e para nossa profissão, não estamos fazendo uso

adequado de nossa liberdade.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

34

Auto-avaliação 2

1 A partir de seu cotidiano cultural e social, cite outros exemplos de práticas

silenciosas de violência praticadas e obscurecidas pelo costume e pela tradição.

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________

2 Como a cultura pode dificultar o processo de liberdade de pensamento, ou seja,

como ela pode permitir o surgimento de um pensamento fundamentalista?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________

RESUMINDO

Nesta unidade, percebemos a importância da cultura para o estudo da ética, como

nossos valores e visões de mundo são construídos no ambiente familiar e como o

costume e a tradição podem abrigar formas de violência contra o indivíduo. A

reflexão ética exige um constante processo de autocrítica, de revisão de

concepções e dos valores morais. Essa reflexão torna-se fundamental para o

crescimento ético; do contrário, caímos no fundamentalismo, escravizamos nossa

capacidade de pensar livremente, nossas idéias ficam enquadradas em sistemas

de pensamento construídos em uma cultura.

Para a ética, é essencial de um olhar crítico sobre a realidade, por isso, na

próxima unidade, buscaremos compreender a relação entre a filosofia e a ética, já

que a filosofia tem como princípio a dúvida e a reflexão.

Un

ida

de

3

Unidade 3

O pensamento filosófico e a ética

Objetivos de aprendizagem

Ao concluir a leitura desta unidade, você terá condições de:

identificar os principais fundamentos teóricos da ética;

compreender a ética como um ramo da filosofia;

perceber a ética inserida na história da sociedade e do conhecimento.

Roteiro de estudo

Seção 1: A filosofia e a ética

Seção 2: O surgimento da ética na filosofia

Seção 3: O pensamento de Aristóteles e Marx

Seção 4: Reflexão sobre a construção da moral

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

36

PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Nas unidades anteriores, percebemos a necessidade de refletir sobre nossas

ações, pois nascemos em uma sociedade, estamos no mundo com outras pessoas,

nossas ações ou omissões interferem no contexto social em que vivemos. Sempre

que falamos: “estive refletindo sobre...”, “pensei muito sobre...”, “freqüentemente

me pergunto se é correto...”, as pessoas ao nosso redor nos dizem: “já está

filosofando...”. Precisamos, então, quando falamos em ética, andar pelo caminho

da filosofia ou da reflexão do homem sobre seus atos, seu contexto, seu mundo e

seus iguais. É por isso que, nesta unidade, falaremos da importância de

compreender a ética a partir da filosofia.

SEÇÃO 1

A filosofia e a ética

O que vem à sua mente quando você ouve a palavra filosofia? Por que falarmos de

filosofia? Muitas vezes, o professor de filosofia é aquela pessoa que sempre faz

reflexões profundas sobre um tema aparentemente simples. Por essa razão, numa

sociedade marcada pelo utilitarismo e pela praticidade, a primeira acusação sobre

a filosofia é de que ela é inútil. Entretanto, veremos adiante que, para

compreendermos a ética, é fundamental refletirmos sobre a filosofia.

Mas, por quê?

A filosofia nasce na história trazendo a dúvida para o centro das discussões sobre

a vida. A ética nada mais é do que a sistematização de grandes questionamentos

sobre o agir humano e a relação entre os indivíduos.

É correto fazer isso? Por que devo agir assim? Que lugar o

outro ocupa nas minhas escolhas e decisões? Existe uma

consciência ética que nasce conosco? Sabemos agir de forma

ética naturalmente ou precisamos aprender?

As questões éticas são, acima de tudo, questões filosóficas. Daí que, para

construirmos uma reflexão ética, precisamos, antes de tudo, resgatar o papel e o

conceito de filosofia.

Chauí (2003, p. 23) discute a idéia de filosofia como a “[...] fundamentação

teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas.”

Com isso, percebemos que a filosofia busca problematizar as práticas e os

conhecimentos já estabelecidos. Em nossa educação, o conhecimento é

transmitido por intermédio dos costumes e, por isso, não buscamos levantar

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

37

dúvidas sobre ele, até porque todo mundo pensa igual, então acabamos nos

acostumando com certas idéias e práticas. Para progredirmos eticamente,

contudo, precisamos colocar em dúvida e em questão os nossos próprios

costumes .

Tendo como premissa a idéia da filosofia como base racional de análise do real, a

definição de Chauí (2003) leva-nos a um caminho parecido com o que sugeriu

Marx, ao afirmar que a filosofia ficou muito tempo refletindo e que deveria agir.

Portanto, ela deve nos conduzir a uma ação que tenha reflexos imediatos na

sociedade, interferindo diretamente nas ações dos seres humanos e nas suas

relações com o mundo, com os outros e consigo mesmos.

Assim, precisamos compreender que o conhecimento filosófico deve proporcionar

uma reflexão sobre a vida concreta que nos leve a transformá-la para melhor.

Essa foi a busca de muitos filósofos. Marx pode ser exemplo desse papel da

filosofia na história. Ele questionava filosoficamente a desigualdade de classes, a

dominação de umas pessoas por outras: é natural que existam ricos e pobres?

Como superar o abismo existente entre patrões e empregados? Perceba, aqui, que

a filosofia surge como um pensamento que provoca questionamento e

problematização para uma transformação social.

Dessa maneira, a importância do conhecimento filosófico é evidente para

comprovar que a filosofia não é somente abstrata, como afirmam algumas teorias,

mas possui interferência prática. Alguns teóricos ajudam a reforçar a idéia de que

o conhecimento filosófico não é mera abstração. Platão concebia a filosofia como

um saber a ser usado em benefício do homem; Descartes via na filosofia a

possibilidade de se conhecer, conservar e inovar, quer nas artes, quer no mundo

das técnicas.

Para saber mais sobre o assunto, leia A República, de

Platão.

A filosofia assume, na história, uma função investigativa,

crítica e problematizadora.

Mas, o que isso tem a ver com a ética?

Como já vimos, nem sempre costumamos refletir e buscar os porquês de nossas

escolhas, comportamentos, valores; agimos por força do hábito, dos costumes e

da tradição, tendendo a naturalizar nossa realidade social, política, econômica e

cultural.

É muito comum ouvirmos as expressões: “as coisas não mudam, sempre foi assim

e sempre será”; “eu sou assim mesmo, é de minha natureza agir dessa forma.”

Essas expressões refletem a naturalização da realidade humana e social, que

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

38

acarreta uma considerável perda da capacidade de auto-reflexão e de

problematização da sociedade e de nossos próprios pensamentos; perdemos

nossa capacidade crítica diante da realidade.

Você percebe como isso é muito grave?

Em outras palavras, não costumamos fazer ética porque não fazemos crítica, nem

buscamos compreender e problematizar a nossa realidade moral. Com isso,

podemos compreender a íntima relação entre o descaso pela filosofia e, como

conseqüência, o abandono da ética. Não é possível ser ético sem, antes de

tudo, ser reflexivo e crítico.

Temos uma experiência ética quando conseguimos

perceber a diferença entre aquilo que é e o que poderia ser

melhor.

Quando percebemos que as coisas podem mudar, estamos vivendo uma

experiência ética.

Essa capacidade de questionar é a característica principal do pensamento

filosófico. A filosofia, historicamente, fez forte oposição ao pensamento mítico e

ao senso comum.

Mas, em que se baseia o pensamento mítico? Nas crenças, na aceitação da

realidade como algo definitivo e acabado. O senso comum também se caracteriza

por essa adaptação do pensamento à realidade e a uma idéia comum. Podemos

perceber que a vida em grupo e em comunidade influencia as ações, as atitudes e

o pensamento das pessoas; a maioria dos indivíduos pensa e age de forma

semelhante e até mecânica. Nesse agir e pensar é que se manifesta o senso

comum, dificultando o pensamento crítico e investigativo. Em nossa cultura, de

forte descendência européia, o racismo é muito comum, presente no cotidiano

das pessoas, nas piadas, brincadeiras, de forma tão mecânica e consensuada (em

que todos concordam) que dificilmente abre espaço para um “por quê?”.

O que você pensa a respeito desse assunto? Você questiona

sobre por que, para que e como tem determinadas atitudes,

falas ou pensamentos? Quando conseguimos fazer isso, estamos

refletindo sobre nossas ações e, conseqüentemente,

preparando-nos para mudar nosso modo de agir.

Dessa forma, percebemos que, para fazer uma reflexão ética, precisamos

exercitar o pensamento filosófico, que nada mais é do que o pensamento crítico

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

39

diante das idéias e costumes aceitos em nossa cultura. Na próxima seção, vamos

compreender como acontece a relação entre ética e filosofia.

SEÇÃO 2

O surgimento da ética na filosofia

Vários foram os filósofos que se preocuparam em entender e analisar as questões

éticas.

Sócrates foi um deles, conforme já mencionamos; foi um dos primeiros a fazer

uma reflexão ética sobre os valores e as crenças das pessoas. Propôs a busca dos

valores universais pela razão e a idéia de que já nascemos com o conhecimento

dentro de nós. Quando sugeria: “conhece-te a ti mesmo”, Sócrates convidava os

seus concidadãos a voltarem-se para dentro de si, ignorar os mitos e as

determinações das verdades impostas pelas autoridades; ao afirmar “só sei que

nada sei”, convocava os seus companheiros à reflexão constante sobre os

acontecimentos do mundo à sua volta – é preciso educar-se para não se deixar

manipular pelos outros; para isso, a educação deve cuidar da alma, ou seja,

cultivar a razão.

Perceba como é relevante o pensamento de Sócrates para a ética e, em especial,

para a nossa atualidade. Sócrates acreditava que o conhecimento deveria,

automaticamente, provocar o auto-conhecimento, ou seja, deveria levar o

indivíduo a refletir e questionar suas certezas e idéias. Seu pensamento é uma

defesa do diálogo e da compreensão ao outro e ao novo.

[...] ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza na verdade duas interrogações. Por um lado, interroga a sociedade para saber se o que ela costuma considerar virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os indivíduos para saber se, ao agir, possuem efetivamente consciência do significado e da finalidade de suas ações, se seu caráter ou sua índole são realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao indivíduo. (CHAUI, 2003, p. 311).

Vemos, aqui, a manifestação de um vínculo indissociável entre reflexão filosófica

e ética. Observe que Sócrates levava as pessoas a questionarem suas próprias

compreensões e idéias sobre o bem, o mal, o certo e o errado.

A questão da ética assume uma primeira sistematização, um pensamento mais

elaborado teoricamente com Aristóteles. Teria sido ele o primeiro filósofo a

pesquisar os princípios da ação humana por meio de uma reflexão acerca da

diferença entre conhecimento teórico e prático, pela constatação de que o saber

relacionado às coisas humanas não poderia ser demonstrado teoricamente, como

na física ou na matemática.

Aristóteles percebeu que seria necessário pensar em uma nova ciência que se

aprofundasse sobre as ações e intenções do homem.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

40

O comportamento humano é, muitas vezes, inexplicável pela

ciência e não podemos subordiná-lo ao conhecimento científico.

O ser humano é um ser com muitas dimensões, imaginação,

sonhos, ilusões, que fogem à exatidão da ciência.

Sabemos que em cada ambiente cultural e social e em distintos momentos da

história humana podemos perceber uma gama de valores voltados a discutir os

procedimentos do homem sob o ponto de vista do certo e do errado, do justo e do

injusto. A especificidade da reflexão filosófica sobre a ética está no fato de que os

princípios éticos não podem partir de princípios exatos, como em outras áreas do

conhecimento. As ações do homem podem ser consideradas boas em um

momento e ruins em outro; em cada período historico, elabora-se uma

determinada reflexão sobre a ética.

Essas reflexões vão construindo o campo específico da ética e nos ajudando a

entender que a ética não pode se preocupar em definir de forma exata e definitiva

os modelos de ações e comportamentos humanos; precisa se fundamentar numa

análise sociológica e antropológica, identificando as características de cada

período histórico e de cada modelo de sociedade.

Na Idade Média, por exemplo, a sociedade organizava-se em torno da Igreja, a

grande detentora do poder político, social e religioso. Os princípios éticos da

época, alicerçados na ótica cristã, enfatizavam a revelação dos Livros Sagrados; o

Pai, o Filho e o Espírito Santo determinavam as normas de conduta. Jesus torna-

se o grande mensageiro de uma nova ética, a ética do amor ao próximo, porém

essa ética foi conspurcada pelos juízos de valores de seus representantes, que

distorceram a pureza do cristianismo primitivo: o amor ao próximo presente nos

discursos de Cristo foi sufocado pela ganância, pelo poder que a manipulação da

fé proporcionava aos ocupantes dos altos cargos religiosos. O século XVI sofre a

pressão do protestantismo, em que alguns católicos reagem às determinações da

Igreja de Roma. Foram chamados de “protestantes” por questionarem alguns

procedimentos, decisões e determinações da Igreja Romana. Para os

protestantes, a ética é baseada nos valores éticos; a base para o agir ético está nas

relações com o mundo e com as pessoas que nele estão, e não na relação com o

divino ou o sagrado.

Se quiser ampliar seus conhecimentos, assista ao filme

Lutero. Você poderá convidar seus colegas para uma discussão

sobre as reflexões dos personagens!

Conspurcada: manchada, corrompida, pervertida, maculada.

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

41

Atente para o fato de que as mudanças de poder na sociedade também alteram as

concepções morais (do que é certo e errado, de onde estão as fontes da verdade,

do bem). O catolicismo difere do protestantismo, mesmo ambos sendo cristãos.

Os teóricos da modernidade buscam substituir uma reflexão cristã por uma

reflexão mais racional. No período moderno, surge Kant (apud SANTOS, 1965),

para quem a ética é autônoma, e não heterônoma, isto é, a lei é ditada pela

própria consciência moral, e não por qualquer instância alheia ao Eu. Kant dá

prosseguimento à construção de uma moral própria, que não espera algo de fora

– aquilo que o homem procura está dentro dele. Na concepção de Kant, uma

sociedade mais ética não precisa de regras e normas, mas sim do progresso e da

ampliação da consciência ética presente em cada indivíduo.

Durkheim, ao contrário, voltou-se à compreensão do fato social como produção

coletiva e histórica e, portanto, fenômeno sobre o qual deveriam recair

preocupações éticas. Durkheim parte do pressuposto de que, por natureza, as

pessoas são portadoras do mal, cabendo à sociedade encontrar mecanismos que

as forcem ao exercício do bem.

É importante percebermos que esses filósofos influenciaram muitos outros

teóricos e estudiosos de várias áreas da saúde, da economia, da sociologia, da

psicologia, etc. Observe que Kant defende a idéia de que cada indivíduo possui

condições de estruturar seus próprios valores éticos, não precisando de normas,

regras e leis; já Durkheim acredita que as pessoas são más por natureza e que a

sociedade deve torná-las boas.

O que você acha disso? As pessoas têm condições de saber o que é certo e errado,

ou precisam da sociedade?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________

Observe que os fundamentos da ética não são simples,

precisam de muita profundidade e investigação. Sabemos que,

com tanta diversidade cultural, não podemos deixar de buscar a

harmonia social, desejada por todos, mas praticada por poucos.

Nenhum homem é uma ilha. O que essa frase quer dizer para

você?

________________________________________________________

________________________________________________________

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

42

________________________________________________________

________________________________________________

Essa famosa frase, do filósofo inglês Thomas Morus, ajuda-nos a compreender

que a vida humana é convívio. Para o ser humano, viver é conviver. É justamente

na convivência, na vida social e comunitária, que o ser humano se descobre e se

realiza como um ser moral e ético.

É na relação com o outro que surgem os problemas e as indagações morais.

O que devo fazer? Como agir em determinada situação?

Como me comportar perante o outro?

A ética preocupa-se, portanto, com as formas humanas de resolver as

contradições entre necessidades e possibilidades, entre tempo e eternidade, entre

o individual e o social, entre o econômico e o moral, entre o corporal e o psíquico,

entre o natural e o cultural, entre a inteligência e a vontade (VALLS, 2003, p. 52).

Quando você se pergunta “o que devo fazer?”, ou “esta decisão irá prejudicar

alguém?”, quando você pensa como deve agir diante de uma situação concreta,

empírica, real, que obriga a uma tomada de decisão, você sempre pensa nos

resultados dessa decisão, não é?

Às vezes, diante dessas questões, parece que, qualquer que seja a decisão,

favorecerá alguém e prejudicará alguém. É assim que nos tornamos éticos,

porque nós não apenas vivemos com os outros, nós “convivemos”, e nesse

“conviver” é que nos descobrimos éticos e morais, ou seja, só é possível respeitar

os princípios máximos da ética (vida, liberdade, privacidade, etc.), as leis e as

normas de conduta, se estivermos com outras pessoas, o que exige um

comportamento ético e moral.

Nesta seção, você estudou sobre a construção do campo de conhecimento da ética

ao longo da história da filosofia. Agora, vamos estudar alguns filósofos que muito

contribuíram para a reflexão ética.

SEÇÃO 3

O pensamento de Aristóteles e Marx

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

43

Nesta seção, apresentaremos as concepções de Aristóteles e Marx sobre a ética;

esses teóricos ajudaram a construir os fundamentos da moral ocidental.

Aristóteles concebeu uma ordem socioeconômica como sendo a natural, na qual a

relação entre os seres e as coisas é determinada por uma hierarquia:

Deus – Espírito – Alma – Razão – Homem – Emoção – Mulher – Animais –

Vegetais – Minerais – Matéria – Caos – Diabo

Na concepção aristotélica, Deus é a fonte de toda a autoridade e o legitimador

dessa estrutura de superioridade-inferioridade. Cada ser deve cumprir sua

finalidade de acordo com sua posição nessa hierarquia e sua natureza, que é fixa.

Qual a implicação ética dessa hierarquia? A inferioridade da mulher em relação

ao homem é concebida como algo natural; o escravo é escravo por natureza e deve

desenvolver sua escravitude, sendo aquilo que a sua condição determina. Cada

ser ocupa um lugar nas relações sociais ou naturais e o ser humano, para ser

“bom”, deve não apenas cumprir sua tarefa, sua parte do desenvolvimento dessas

relações, mas cumpri-la bem.

Para Aristóteles, o homem é um ser racional e cumpre sua finalidade de acordo

com essa natureza. A ética conduz a ação humana a ser realizada de acordo com a

natureza racional. O fim último, ou seja, a finalidade do ser humano é a felicidade

e, sendo um ser dotado de razão, esta deve trabalhar para que alcance a

felicidade.

Em resumo, percebemos que Aristóteles apresenta um modelo de relações sociais

que se transforma, posteriormente, em códigos morais: o escravo, por exemplo,

na sociedade antiga, não tinha direitos iguais aos do homem livre. Veja como um

filósofo tinha o poder de influenciar toda uma forma de pensamento e de ações!

A concepção aristotélica foi, também, o alicerce sobre o qual se assentou a ética

cristã, divergindo no que diz respeito a alcançar a felicidade – para Aristóteles, a

felicidade deveria ser alcançada pelo homem entre seus iguais e, segundo a ética

cristã, a felicidade estaria na vida futura, depois da morte, no céu. O pensamento

de Aristóteles influenciou fortemente a ética cristã com relação à questão da

aceitação do sacrifício e da submissão à Igreja e ao Rei ou Imperador, acreditando

que esses expressavam a vontade de Deus.

Um pensador moderno que também abordou as questões éticas em sua teoria foi

Marx. Em contraposição ao cristianismo, apresentou a religião como “o ópio do

povo”, ou seja, um mecanismo de fuga da realidade. Diante das contradições da

realidade socioeconômica, evidenciou que as estruturas econômicas determinam

as relações sociais. Assim, a situação de superioridade-inferioridade entre as

pessoas não ocorre por intermédio da natureza, como afirmava Aristóteles, mas

em razão do papel ocupado no sistema econômico da sociedade. O rico é superior

ao pobre em virtude do sistema econômico capitalista, e isso não é algo natural.

Para Marx, uma sociedade sem conflitos e mais igualitária resultaria da luta de

classes entre capitalistas e proletariados. Por isso, o homem pode agir sobre a

realidade, e o conhecimento e a ciência devem ser uma construção coletiva e

histórica, a partir da realidade socioeconômica, com vistas à transformação dessa

realidade. Um fator ético importante do pensamento de Marx é que ele substituiu

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

44

a ideologia do individualismo, como fator decisivo no processo civilizatório, pela

construção coletiva da sociedade; desconstruiu a idéia de naturalidade, de

tradição, de nobreza; apresentou a sociedade como resultado de um processo

coletivo.

Até aqui você percebeu como os teóricos foram trazendo e construindo novos

elementos à reflexão ética, mas por que apresentamos todas essas teorizações?

Justamente para entendermos que a ética exige reflexão aprofundada. Não

devemos achar que sobre ética não podemos refletir, nem discutir porque cada

um tem a sua, isso é uma visão simplista da ética e responsável pela sua

banalização (minimização da importância) na sociedade. A discussão

aprofundada e filosófica sobre as ideologias e as crenças que fundamentam as

nossas ações nos ajuda a possibilitar um progresso ético na sociedade. Para

enriquecer nosso aprofundamento, vamos compreender como, em cada espaço e

tempo histórico, a ética retrocedeu ou avançou.

SEÇÃO 4

Reflexão sobre a construção da moral

A ética é uma reflexão sobre a moral, por isso precisamos entender a construção

da moral na história. Todos os filósofos que adentraram no campo da ética

começaram suas discussões e reflexões indagando sobre o ser humano, sobre a

origem do agir humano e, ainda mais, sobre a relação desse agir com a sociedade.

Os teóricos da ética fundamentaram suas reflexões sobre a natureza social do

homem.

A moral acontece quando o homem supera sua natureza

puramente natural, instintiva, e passa a possuir uma natureza

social, que surge quando o homem passa a ser membro de uma

coletividade.

Para entender essa relação social entre os homens, também precisamos entender

a relação do homem com a natureza, ou seja, com a realidade material.

Na sociedade primitiva, a luta pela sobrevivência exigia a construção de uma

coletividade. Assim, surge uma série de normas que beneficiam a comunidade. A

moral nasce com a finalidade de assegurar a concordância do comportamento de

cada um com os interesses coletivos. O que é bom ou ruim é definido em função

da comunidade, ou seja, tudo o que venha a reforçar os interesses da coletividade

passa a ser bom, enquanto tudo o que ameaça a coletividade passa a ser ruim;

surgem alguns deveres de todos os membros de uma tribo (todos são obrigados a

lutar contra os inimigos da tribo, por exemplo).

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

45

Essa moral coletivista, característica das sociedades primitivas que não conhecem

a propriedade privada, nem a divisão de classes, é uma moral única e válida para

todos os membros da comunidade.

Isso parece constituir um modelo de sociedade ética, mas qual é o problema?

Essa moral única para todos os membros da tribo é limitada pelo próprio âmbito

da coletividade: além dos limites da tribo, seus princípios e suas normas perdiam

sua validade; as outras tribos eram consideradas inimigas e, por isso, não lhes

eram aplicadas as normas e os princípios válidos no interior da comunidade. Na

sociedade primitiva, há uma absorção do individual pelo coletivo, não havendo

espaço para uma autêntica decisão pessoal e, por conseguinte, uma

responsabilidade pessoal. A coletividade apresenta-se como um limite da moral,

por isso uma moral pouco desenvolvida, cujas normas e princípios são aceitos,

sobretudo pela força do costume e da tradição. Observe que uma moral coletivista

não contribui para o desenvolvimento da consciência ética; as pessoas cumpriam

as regras porque as recebiam da tradição, não porque tinham consciência desses

valores e normas. O ser humano somente tem valor se pertence à tribo; os

membros de outras tribos podiam ser mortos e escravizados, eram considerados

inferiores.

Perceba que uma comunidade aparentemente sem problemas de violência nem

sempre pode ser considerada eticamente avançada.

Veremos que houve mudanças no decorrer da história...

Com o aumento da produção (decorrente, em grande parte, da transformação dos

prisioneiros de tribos inimigas em escravos), surge o excedente e a desigualdade

de bens. A decomposição do regime comunal (tribal) e o aparecimento da

propriedade privada acentuam a divisão entre os homens livres e os escravos. O

trabalho físico passa a ser indigno para homens livres; os escravos tornam-se

coisas, podem ser vendidos como objetos e mortos, quando não servem mais ao

trabalho.

Essa divisão provocou a separação da sociedade em duas morais: uma

dominante, dos homens livres – a única considerada verdadeira – e a dos

escravos. A moral dos homens livres era legitimada nos escritos da época e por

muitos filósofos.

Perceba que houve uma significativa mudança na forma de as pessoas se

relacionarem: já não há mais separação entre o bem e o mal a partir de quem

pertence ou não à tribo, mas sim entre quem é escravo ou livre.

Com o desaparecimento do mundo antigo, assentado sobre a escravidão, nasce a

sociedade feudal, dividida em duas classes: senhores feudais e camponeses

servos. Os homens livres da cidade (artesãos, pequenos comerciantes) estavam

sujeitos à autoridade do senhor feudal que, por sua vez, estava sempre em

situação de dependência a outro senhor feudal, mais poderoso. Nesse sistema

hierárquico, o Rei ou Imperador, por meio da força de seu exército, garantiam seu

domínio e exploração econômica. Com o papel preponderante da Igreja, a moral

estava impregnada de conteúdo religioso. A religião assegurava certa unidade

moral à sociedade, pois ditava as normas, baseada em um sistema de obediência a

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

46

Deus, cujas exigências e determinações eram interpretadas pelo clero da época,

considerado representante e tradutor de Deus no mundo. Na divisão da

sociedade, havia também diversos códigos morais: dos nobres ou cavaleiros, dos

monges. Somente os servos não tinham uma formulação dos seus princípios

morais. A moral cavalheiresca e aristocrática partia da premissa de que o nobre,

por motivos de sangue, possuía uma série de qualidades morais que o distinguia

dos servos e plebeus. Estes aceitavam sua condição social inferior, com a

promessa de uma vida melhor após a morte, já que no mundo terreno sua

felicidade era negada pelo fato de nascerem servos.

Observe que, na sociedade feudal, há certa continuidade da separação entre os

homens livres e os escravos, mas surge o papel fundamental da Igreja na

legitimação da desigualdade e da hierarquia.

No interior da velha sociedade feudal, deu-se a gestação de uma nova classe

social, a burguesia, que possuía o poder da produção e comprava a mão-de-obra

dos assalariados.

Nesse novo sistema econômico, que alcançou sua expressão maior em meados do

século XIX, na Inglaterra, vigora, como fundamental, a lei do lucro. O operário é

considerado, exclusivamente, um homem econômico – é um meio e instrumento

de produção. O trabalho, para ele, é algo totalmente sem significado, a não ser

como fonte de renda. A economia é regida pela lei do máximo lucro e esta possui

uma moral própria.

Com efeito, o culto ao dinheiro e à tendência de obter mais

lucro constitui o terreno propício para que, nas relações entre

os indivíduos, floresçam o espírito de posse, a ganância, o

egoísmo.

Cada um confia nas suas próprias forças, desconfia dos demais, busca seu próprio

bem-estar, ainda que precise passar por cima dos outros. A sociedade converte-se

em um campo de batalha, numa guerra de todos contra todos, tal é a moral

individualista e egoísta que corresponde às relações sociais burguesas.

Atualmente, a exploração do homem pelo homem não se faz mais por meio de

métodos brutais, mas o trabalho mecânico, repetitivo, submete milhões de

pessoas em função da sobrevivência. O trabalho na sociedade capitalista é

privado de criatividade e de consciência; prolifera a idéia de pertencimento do

operário à empresa, sem incentivo à cooperação e à colaboração. O operário é um

colaborador, e não um trabalhador; a exploração, longe de aparecer, não faz

senão adotar formas mais astuciosas para se manter como fonte de lucro. A moral

construída no sistema capitalista de produção ajuda a justificar e a reforçar os

interesses do sistema regido pela lei da produção. A moral burguesa busca, então,

regular as relações entre os indivíduos numa sociedade baseada na exploração do

homem pelo homem. As relações interpessoais são pautadas por valores

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

47

econômicos; o ser humano passa a ser visto unicamente na sua dimensão

econômica, e não humana.

Como percebemos, a moral vivida na sociedade muda

historicamente de acordo com as reviravoltas fundamentais

verificadas no desenvolvimento social.

Observamos as mudanças decisivas que ocorreram na moral, com a passagem da

sociedade escravista à feudal e desta à sociedade burguesa. Notamos que, numa

sociedade baseada na exploração de uns homens pelos outros ou de uns países

por outros, a moral se diversifica de acordo com os interesses antagônicos

fundamentais, em que um grupo quer explorar e o outro não quer ser explorado.

A superação desse desvio social e, portanto, a abolição da exploração do homem

pelo homem e da submissão econômica e política de alguns países a outros

constituem a condição necessária para construir uma nova sociedade, na qual

vigore uma moral verdadeiramente humana, universal, válida para todos os seus

membros (VASQUEZ, 1990, p. 40-53). Você acredita ser possível uma

reestruturação social para que não ocorra a exploração do homem pelo homem?

Como isso ocorreria? O que você estaria disposto a fazer por essa sociedade? Você

está construindo a sua profissão, na universidade, pensando nessa universalidade

ou tentando levar vantagem nos trabalhos em grupos, colocando o nome de

algum colega nos trabalhos sem que ele participe, passando cola, etc.?

Com essa análise histórica da moral, percebemos a complexidade de uma reflexão

ética, quando esta busca estudar e compreender os princípios morais. No

decorrer da nossa vida, nem sempre percebemos que aquilo que consideramos

bom ou ruim para nós, certo ou errado no comportamento humano, foi

construído historicamente. Estudar os fundamentos teóricos e sociais da moral

ajuda-nos a compreender melhor as ações humanas e o comportamento dos

indivíduos.

Uma análise ética convida-nos sempre a contextualizar a ação individual. A

historicidade da moral ajuda-nos a refletir sobre nossa forma de pensar os valores

vigentes na sociedade em que vivemos.

Às vezes, achamos normal que determinado indivíduo não

tenha boas condições financeiras ou passe fome. Por que

achamos isso normal?

Porque, em nossa sociedade, vigora uma moral individualista, que culpa o

indivíduo pela situação em que vive. Porque o sistema de mercado assenta-se

sobre a máxima: “querer é poder”. Então, ao analisar a situação de um miserável,

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

48

na moral do mercado globalizado, diríamos: “se ele quiser sair da situação, ele

pode.” A moral vigente (ideologia) não nos permite olhar além e perceber que

milhões de pessoas passam fome no mundo, e isso não é um problema apenas

pessoal, não se resolve somente com empenho individual.

O estudo da contextualização da moral ajuda-nos a perceber que a nossa forma de

ver o outro e nos relacionar com ele é pautada e fundamentada em valores

morais, construídos na sociedade em que vivemos, por intermédio das

instituições (família, escola, universidade, mídia).

Se você absorver todos os valores morais da sociedade capitalista de mercado,

poderá ficar tranqüilo, acreditando que cada um é responsável pelo sucesso ou

insucesso, buscando sua riqueza pessoal e erguendo muros ao redor de sua

residência; poderá legitimar sua ação com a idéia de que, simplesmente, a vida

resume-se em obter sucesso individual, e que sucesso é sinônimo de ficar rico.

Quando estamos absortos por essa ideologia, ficamos cegos à complexidade

social, política e econômica do mundo.

A atitude e o agir humano são objetos da ética, considerada a arte da reta

condução da vida, que se ocupa com a garantia de temas universais, ou seja, com

o que todos desejam possuir: vida, liberdade, autonomia, consciência, etc. Cabe a

cada um encaminhar-se para esse viver ético, independente das ações dos outros

– posso observar as ações do outro, mas são as minhas ações que devo modificar;

não posso reprovar uma ação alheia, mas posso observar e não agir da mesma

forma. Lembre-se de que somos autônomos, porém não sozinhos, estamos no

mundo com outros seres e uma ação pode modificar o contexto, mas não cabe a

nós esperar o agir ético dos demais, fazemos parte da construção do mundo.

Como você está participando dessa construção? Você costuma refletir, pensar

sobre suas atitudes? Pondera suas decisões?

___________________________________________________________________ O pensamento filosófico e a

ética

49

Auto-avaliação 3

1 Faça uma reflexão socrática (de acordo com Sócrates) sobre a sociedade atual.

Que indagações você faria sobre a sociedade atual?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________

2 Que diferença básica existe entre a sociedade tribal e a sociedade capitalista?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________

RESUMINDO

Nesta unidade, você estudou sobre os fundamentos da moral e percebeu que, em

cada período histórico, a moral assume diferentes características. O pensamento

de alguns teóricos e a organização econômica e social ajudam a estruturar e

legitimar modelos de relacionamento entre as pessoas. Também, você percebeu

que a ética fundamenta-se em uma atitude investigativa sobre a moral, por isso a

ética emerge da filosofia que tem como eixo norteador a dúvida.

Na próxima unidade, faremos uma reflexão ética sobre o fenômeno da

globalização.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

50

Un

ida

de

4

Unidade 4

A globalização e a ética

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta unidade, você terá condições de:

compreender a relação entre política, economia e o avanço tecnológico

no processo de globalização;

identificar as conseqüências éticas do capitalismo global;

refletir sobre o modo de ser e de pensar das pessoas diante da

hegemonia da globalização.

Roteiro de estudo

Seção 1: “Querer é poder”: as conseqüências éticas desse modelo de sociedade

Seção 2: O fenômeno da globalização

Seção 3: O fundamentalismo da globalização econômica

Seção 4: O avanço tecnológico e a ética

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

52

PARA INÍCIO DE ESTUDOS

Fazendo uma reflexão filosófica sobre a ética e os valores morais, vamos

percebendo que eles mudam com o decorrer do tempo.

Um conceito que marca a nossa realidade é a globalização. Esse fenômeno está

modificando a configuração cultural e a relação do homem com o outro e com o

meio em que vive. Esse será o tema de discussão desta unidade.

SEÇÃO 1

“Querer é poder”: as conseqüências éticas desse

modelo de sociedade

A sociedade em que vivemos, chamada globalizada, é resultante da hegemonia

capitalista no mundo. Como já vimos, essa sociedade construiu e legitimou uma

moral, uma forma de relação entre as pessoas pautada na máxima: “querer é

poder”. O progresso científico e econômico dos séculos XIX e XX esteve ancorado

nos paradigmas da conquista e dominação.

Na história do progresso econômico da humanidade, o homem buscou gerar

riquezas mediante conquista e domínio da natureza e de outros homens.

Segundo Boff (2003c), conquistar povos e “dilatar a fé e o império” foi o sonho

dos colonizadores. Conquistar os espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a

utopia dos modernos; conquistar o segredo da vida e manipular os genes;

conquistar mercados e altas taxas de crescimento, conquistar mais e mais

clientes e consumidores; conquistar o poder de Estado e outros poderes,

religioso, profético, político; conquistar e controlar os anjos e demônios que nos

habitam. Enfim, a máxima “querer é poder” torna-se ao longo da história um

paradigma (estrutura de pensamento, modo de ver o mundo). Até mesmo o

sonho e a felicidade são vistos como conquistas; insaciável é a vontade de

conquista do ser humano.

Mas, enfim, quais as conseqüências éticas desse paradigma?

Boff (2003c) afirma que, depois de milênios, o paradigma-conquista entrou, em

nossos dias, em grave crise. Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a

devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e

regeneração.

Sofremos, hoje, as conseqüências desse paradigma da conquista. A conquista de

novos espaços, de novos mercados, de sonhos de consumo, de grandes taxas de

lucro, do avanço tecnológico que alcançamos é responsável pelos grandes desafios

éticos que enfrentamos. Na sociedade atual globalizada sofremos as duras

conseqüências de um poder sem limites de conquista, de um consumismo

exagerado que gerou grandes problemas ambientais.

____________________________________________________________________________ A globalização e a

ética

53

A busca desenfreada pelo lucro e pela expansão dos mercados gerou, também, um

alto índice de exclusão social. Pochmann e Amorin (2003) apontam que a

exclusão social no Brasil cresceu 11% entre 1980 e 2000, revertendo a tendência

verificada entre os anos 60 e 80, quando houve queda de 13,6%. No início dos

anos 60, o país tinha 49,3% de excluídos. A taxa caiu para 42,6% em 1980, mas

retornou para 47,3% em 2000.

Muitos acreditam que a razão da miséria é o aumento populacional, mas o

problema está no consumo excessivo, na busca desenfreada por maior poder de

conquista.

Segundo os pesquisadores, entre 1960 e 1980, os excluídos no Brasil eram, em

sua maioria, imigrantes da zona rural, com grandes famílias, pessoas de baixa

escolaridade, baixa renda, mulheres e negros. Entre 1980 e 2000, os excluídos

são aqueles nascidos nos grandes centros urbanos, excluídos do mundo do

trabalho e da cidadania. Após os anos 80, a exclusão passa a atingir, também,

setores da antiga classe média brasileira.

Esses dados nos fazem compreender que a sociedade em que vivemos foi

estruturada a partir de uma dimensão individualista de conquistas e de posses.

Alguns autores apontam como causa fundamental da crise ética o

individualismo, argumentando que a preocupação desenvolvida pelas pessoas

em cuidar de seus interesses permite o descuido com o outro e com as regras

determinadas pela sociedade que garantem um relacionamento saudável, um

comportamento ético.

O individualismo associado ao corporativismo tem constituído uma barreira

limitadora do desenvolvimento ético dentro da sociedade. As pessoas buscam

conquistar melhor qualidade de vida para si ou para seu grupo; surge, com

grande evidência, o problema da corrupção. A cada momento, deparamo-nos com

escândalos envolvendo pessoas cuja tarefa deveria ser a de garantir a ordem ética,

em função da posição que ocupam.

As principais conseqüências éticas do “querer é poder” recaem sobre a exclusão

social e a degradação ambiental. A busca pela conquista acontece numa

perspectiva infinita que não conhece limites, quando se trata de ganhar dinheiro

ou consumir. E, quando se torna um processo global, como isso se agrava? É o

que vamos estudar na próxima seção: o fenômeno da globalização.

SEÇÃO 2

O fenômeno da globalização

Quando falamos em globalização, logo nos vem à mente apenas a questão

econômica, porém a globalização é um processo no qual surgem questões

políticas, sociais e culturais. Nesse processo de interação global, encontramos a

mudança de valores éticos e morais da sociedade.

Vamos, inicialmente, entender como e onde se percebe essa realidade da

globalização. De acordo com Ramos (2004), precisamos compreender que

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

54

existem quatro importantes fatores que têm contribuído de forma diversa para

configurar o processo de globalização nos últimos vinte anos: a globalização nas

comunicações, a econômica, a política e a dos valores presentes no convívio em

todos os níveis: pessoal, social, nacional e mundial.

Mas há alguma relação entre esses fatores?

A ligação entre esses quatro fatores demonstra que a revolução nas comunicações

favorece e permite a integração econômica; o fator econômico, por sua vez, tem

implicações no cenário e no relacionamento político; e o elemento político, em

última instância, está presidido por valores e princípios. A presença ou ausência

de valores éticos e princípios morais nas pessoas que comandam a política, a

cultura, a economia e as comunicações é fundamental para compreender a

evolução da humanidade e o processo de globalização em curso.

É importante perceber que o processo de globalização aparece como uma

continuidade das grandes conquistas realizadas pelas principais potências

mundiais. A aliança entre poder político, econômico e meios de comunicação

possibilitou, com maior facilidade, a formação de monopólios. Isso tudo facilita o

surgimento de um único modelo de sociedade, de grupos financeiros e de mídia.

A globalização, segundo Branco (2003), contribuiu para determinar um modelo

de sociedade que atende aos interesses do individualismo e do consumismo,

portanto não se trata apenas de globalização econômica, mas sim de um processo

social.

Branco (2003) afirma que a globalização vem sendo empregada em diversas

ocasiões, mas nem sempre com o mesmo significado. Poderíamos conceituar esse

termo, de forma básica, como o conjunto de transformações na ordem política e

econômica mundial que vêm acontecendo nas últimas décadas, em que o ponto

central da mudança é a integração dos mercados numa "aldeia-global", explorada

pelas grandes corporações internacionais.

Economicamente, estamos vendo crescer uma política que visa à saída parcial do

Estado da economia, deixando o mercado livre, por isso é que vemos a grande

onda de privatizações existente hoje.

Mas, o que significa essa saída parcial do Estado da

economia?

Significa que o privado começa a ganhar superioridade em relação ao público,

que o interesse financeiro se sobrepõe ao interesse social. Essa lógica do privado

sobre o público se intensifica com o processo de globalização, em que os grandes

investidores procuram países e economias que paguem os melhores juros para o

maior rendimento do dinheiro. O direito à saúde, educação, transporte e

alimentação acaba ficando em segundo plano na ação política dos governantes,

que busca proteger esse capital financeiro com altos juros para que permaneça no

país. Você se lembra do período das eleições, no qual os candidatos não podiam

____________________________________________________________________________ A globalização e a

ética

55

falar nada que afetasse a lógica de mercado, que prejudicasse a lógica do capital

financeiro?

A globalização também ultrapassa os limites da economia e da política, começa a

provocar certa homogeneização cultural, por meio da crescente popularização dos

canais de televisão por assinatura e da internet. Isso se percebe na forte influência

da cultura americana em todo o mundo.

No contexto atual, as preocupações são generalizadas entre todos aqueles que

buscam uma vida melhor. Um ponto de grande importância que vem se

destacando na globalização é a questão do meio ambiente; empresas, cidadãos,

instituições e ONGs dedicam-se cada vez mais a conservá-lo e restaurá-lo. Vemos

isso nos diversos debates de alcance mundial que acontecem em torno desse

assunto.

O que precisamos compreender nessa relação entre ética

e globalização é que todo esse processo de interligação e

interdependência entre os países – que é positivo – deu-se a

partir de uma lógica capitalista, que provocou o aumento da

concentração de renda e da exclusão social. Além dessa questão,

alguns autores apontam que a globalização impôs certo

fundamentalismo; aprofundaremos isso na seção seguinte.

SEÇÃO 3

O fundamentalismo da globalização econômica

A globalização econômica é uma faca de dois gumes: de um lado, descortina

novos horizontes para a economia mundial; de outro, entretanto, pode abrir o

fosso que separa pessoas e países, aumentando o abismo entre os beneficiados

com o processo e os desfavorecidos da fortuna. De acordo com o Relatório do

Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelas Nações Unidas, 20% dos

países mais ricos detêm 86% do PIB mundial, enquanto os 20% mais pobres

participam apenas com 1% da produção mundial.

Há um claro divisor de águas entre aqueles que defendem os aspectos positivos

da integração econômica e aqueles que somente vêem as mazelas do processo,

que são conseqüências, mesmo que por vezes involuntárias, da integração

econômica mundial.

Lembre-se de que a reflexão ética é essencialmente

investigativa: quais os benefícios da globalização, para quem e

como são buscados?

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

56

Para as empresas, a globalização facilitou o acesso às novas tecnologias,

financiamento, trabalho e difusão dos produtos e serviços; ao mesmo tempo,

acelerou o processo de fusão e incorporação de empresas. Além disso,

observamos uma concentração do capital e uma expansão das empresas

multinacionais; novas marcas mundiais, com know-how (conhecimento) e

tecnologia própria, avançam na maioria dos países.

A abertura econômica promovida pela globalização aumentou a competição entre

as empresas, mas também valorizou o mercado de trabalho, o fator educacional,

as habilidades técnicas dos trabalhadores e a experiência profissional, ou seja, o

fator capital humano adquiriu maior importância com a globalização. Em função

desse diagnóstico, a combinação entre abertura econômica e uma força de

trabalho bem treinada e educada produz, em especial, bons resultados para a

redução da pobreza e o bem-estar humano. Portanto, um bom sistema

educacional, que providencie oportunidades para todos, é decisivo para o sucesso

nesse mundo globalizado.

Mas como se caracteriza o fundamentalismo na

globalização?

É preciso entender o fundamentalismo como uma forma de ver o mundo, agir e

pensar em torno de um único fundamento. Boff (2003c) afirma que a

globalização provoca uma primeira manifestação de fundamentalismo: da

ideologia política do neoliberalismo, do modo de produção capitalista e de sua

melhor expressão, o mercado mundialmente integrado, apresentando-se como a

solução única para todos os países e para todas as carências da humanidade

(todos precisam de um necessário choque de capitalismo, dizem

fundamentalisticamente). A lógica interna desse sistema, entretanto, é ser

acumulador de bens e serviços, por isso criador de grandes desigualdades

(injustiças), explorador ou dispensador da força de trabalho e predador da

natureza.

Surge aqui, segundo o autor, a construção de uma cultura capitalista, uma

cosmovisão materialista, individualista e sem qualquer freio ético. Tal cultura

provoca uma certa homogeneização da sociedade: um só pensamento, um só

modo de produção (capitalista), um só tipo de mercado, um só tipo de religião

(cristianismo), um só tipo de música (rock), um só tipo de comida (fast food), um

só tipo de executivo, um só tipo de educação, um só tipo de língua (inglês), etc.

Boff (2003a) apresenta um questionamento ético para a globalização, quando

esta se torna uniforme e quando há a imposição de um único modelo de vida para

o planeta.

Com a negação da heterogeneidade, da diferença, a sociedade-mundo atual se

coloca em contradição com a ética. Essa atitude perversa tem como

____________________________________________________________________________ A globalização e a

ética

57

conseqüência a má qualidade de vida atual em todos os âmbitos sociais,

culturais e ambientais.

Nesse processo de globalização, o desenvolvimento tecnológico assume grande

importância, influenciando o modo de ser e de pensar das pessoas, provocando o

surgimento de grandes questões éticas.

SEÇÃO 4

O avanço tecnológico e a ética

Podemos dizer que o mundo tecnológico contempla dois horizontes contrapostos.

De um lado, a internet e todas as maravilhas trazidas pelo mundo

computadorizado que deram ao homem uma capacidade criativa nunca vista; no

campo da informação, os recursos tecnológicos asseguraram ao homem uma

mobilização sintonizada com tudo o que ocorre em nosso planeta. De outro lado,

percebemos que a mesma ação que coloca todas as pessoas em sintonia escraviza

e cria fundamentos ideológicos também de natureza global; com isso,

homogeneiza, limita a capacidade criativa e desenvolve uma lógica cega que tem

como norte conduzir as pessoas a uma forma de consumo irracional.

Na análise ética da sociedade atual, vemos entrar em cena o conhecimento

científico e tecnológico, que assume vital importância na vida de cada pessoa e

passa a ser um diferencial de grande relevância no embate competitivo provocado

pelo mercado. A capacidade científica do homem, associada ao desenvolvimento

tecnológico, garantiu à humanidade o desenvolvimento de grandes projetos

sociais. Foi com base no conhecimento científico que as distintas sociedades em

nosso planeta passaram a estruturar o trabalho de forma a facilitar o

desenvolvimento.

As mudanças protagonizadas pelo mundo tecnológico passam a:

[...] exercer profundas influências no modo de ser e de pensar de cada um de nós, assim como na forma de organização econômica, política e cultural das sociedades contemporâneas. As máquinas, os robôs, a redução do tempo de execução do trabalho, o aumento do tempo de lazer, já não são mais temas de ficção científica, mas fatos que hoje permitem à humanidade sonhar em libertar-se definitivamente do trabalho monótono e em construir uma civilização baseada no ócio criativo. (CORDI, 2000, p. 228).

Nas últimas décadas, a integração econômica mundial foi

impulsionada pela revolução das comunicações que, por sua

vez, foi favorecida pelos avanços na tecnologia.

Ócio criativo: significa libertar-se da idéia tradicional do trabalho como obrigação e ser capaz de apostar numa atividade em que o trabalho se confundirá com o tempo livre e o estudo, isto é, quando trabalhamos, aprendemos e nos divertimos ao mesmo tempo.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

58

A revolução nas comunicações tem demonstrado que a tecnologia busca a cada

dia encurtar distâncias e apressar a transmissão de informações que determina a

importância dos meios de comunicação para o processo de integração social,

política e cultural.

O avanço das comunicações, na década de 90, foi surpreendente, como mostram

os indicadores de comunicação global divulgados pela International

Telecommunication Unit (ITU). De 1990 a 2000, a receita do mercado de

telecomunicações mais do que duplicou.

Esse crescimento vertiginoso das comunicações, entretanto, não está ocorrendo

de modo simétrico no mundo. O mercado da indústria de tecnologia está

concentrado nos países industrializados. De acordo com o European Information

Technology Observatory (1998), a Europa (30%), os Estados Unidos (35%) e o

Japão (14%) concentram 79% do mercado mundial das tecnologias de

comunicação e informação, restando aos outros países apenas 21% do mercado.

O Relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelo Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento, divulgou dados mostrando que os países

que se encontram no topo da pirâmide da riqueza mundial – os 20% mais ricos –

concentram 93,3% dos usuários da internet. De acordo com o mesmo relatório:

[...] nos últimos anos da década de 90, o quinto da população mundial que vive nos países de renda mais elevada tinha [...] 74% das linhas telefônicas mundiais, meios básicos de comunicação atuais, enquanto que o quinto de menor renda possuía apenas 1,5% das linhas. Alguns observadores previram uma tendência convergente. No entanto, a década passada mostrou uma crescente concentração de renda, recursos e riqueza entre pessoas, empresas e países. (RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO, 1999, p. 5).

Temos testemunhado uma corrida eufórica em busca do saber tecnológico

aplicado ao mundo do mercado. Procuramos freneticamente pelo conhecimento

da última técnica, do mais novo produto, elaborado com a mais sofisticada

tecnologia, porém essa é uma realidade que não se universaliza, pelo contrário,

passa a ser privilégio de alguns.

O geógrafo Milton Santos (2001, p. 22) apresenta-nos uma reflexão sobre a

tecnologia: “A desigual difusão da tecnologia provocou diferenças consideráveis,

algumas vezes extremas, nos preços dos produtos industrializados de diferentes

países.”

Uma das grandes questões éticas levantadas em torno do avanço tecnológico diz

respeito à questão teleológica. Uma reflexão ética sobre o avanço tecnológico

reside, portanto, nas questões: para quem se destina essa invenção tecnológica?

Que tipo de relação humana essa invenção vai proporcionar? Enfim, que modelo

de sociedade o progresso tecnológico buscará construir? São questões que

colocam o progresso científico sob o crivo da ética. No decorrer da história,

percebemos diversos acontecimentos que tiveram fundamentação científica e

tecnológica, porém acarretaram drásticas conseqüências para a humanidade,

Teleologia é a discussão e o estudo das finalidades, dos objetivos de determinada ação.

____________________________________________________________________________ A globalização e a

ética

59

como foi o caso do holocausto (morte de milhares de judeus) na Alemanha, da

bomba atômica no Japão e da guerra no Vietnã.

A reflexão ética nos faz perceber que o progresso tecnológico pode não significar

um avanço para a sociedade, porque a evolução da ciência nem sempre contribui

para a solução dos grandes desafios sociais, como a exclusão social e a degradação

ambiental.

Auto-avaliação 4

Estudo de caso

Leia com atenção o texto Promessa é dívida, de Denys Monteiro, e responda às

questões.

Aspirações individuais e as organizações: realidades

incompatíveis?

Em épocas difíceis, nas empresas, é comum, infelizmente, que os gerentes, para

não perder seus funcionários, façam promessas de dias melhores: “não se

preocupe, assim que aumentarmos as vendas, iremos promover você”, ou então:

“se conseguirmos atingir as metas, distribuiremos um percentual maior de lucro

este ano”. E, lá se vai o gestor desferindo golpes certeiros no bolso e no ego de sua

equipe.

Nesse momento, a reação na empresa é vigorosa. Todos se dão as mãos e vibram

como se fossem a seleção brasileira entrando no Maracanã após a palestra do

treinador, todos confiantes de que o título já está “no papo”. Soa o apito e o jogo

começa, com tudo dando certo: as áreas se falam mais e resolvem suas diferenças

em benefício do cliente, e não mais baseadas nas rixas entre elas; um novo

serviço é implementado, com redução de custos para a empresa; os memorandos

param de circular vagarosamente pela empresa e as decisões são tomadas on-

line; as equipes de venda convertem mais vendas. Algumas faltas cometidas,

pequenos erros e retrabalhos... mas tudo bem, faz parte da tensão e ansiedade

pelo resultado positivo.

Ao apito final, não há mais nada a fazer. O ano acabou, as entregas foram feitas.

Vendas, só no próximo ano. Todos com o sentimento de dever cumprido:

ganharam market share, reduziram gastos em publicidade, contratos de longo

prazo foram estabelecidos com clientes estratégicos. Só o que se vê pela empresa

são pessoas cansadas, mas felizes por terem corrido sem parar durante os 90

minutos do jogo.

Eis que as reuniões de avaliação de desempenho começam. Todos na expectativa

de ganhar a recompensa pelo bom desempenho. Uma grande reunião é

convocada e os números da “partida” são apresentados. O discurso começa com

um agradecimento pelo desempenho de todos e comprometimento de cada um

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

60

nos últimos meses. Em seguida, iniciam-se as surpresas: “como vocês podem ver

neste gráfico, apesar de as vendas na região Sul estarem maiores, em

compensação, as da região Norte ficaram abaixo da expectativa e, com isso, houve

uma pequena queda no resultado global da companhia em relação ao esperado”.

Surgem os primeiros olhares, incrédulos, e o “zumzumzum” percorre a sala. E, o

discurso continua: “graças às reduções de despesas que conseguimos, as margens

por produto aumentaram num primeiro momento, mas, como grande parte dos

componentes são importados, a oscilação do dólar fez com que a margem

operacional diminuísse em aproximadamente 30%.” Alguns já começam a

entender o recado de que o juiz não viu a mesma partida de futebol que os atletas

jogaram.

Mais meia hora de gráficos, tabelas, justificativas, recomendações e surge um

novo desafio para o próximo semestre. Se atingido, pode recuperar os resultados

desse período e aí tudo volta à normalidade, com o crescimento da empresa e da

economia. Mas como essa foi apenas a “coletiva para a imprensa”, os funcionários

aguardam ansiosos as suas avaliações individuais. Afinal, todos tinham metas

bem definidas e a confiança reina nos craques.

Os feedbacks começam. Aqueles que tiveram desempenho ruim recebem pouco

mais do que uma cobrança mais rígida e uma avaliação não muito animadora

para o próximo ano. Chega a hora dos confiantes e... e... lá vem o discurso de

novo: “Pedro, você foi um líder durante todo o processo, sem você não teríamos

conseguido nem este resultado, as pessoas confiam em você e no seu potencial.

Na sua região, você superou os objetivos, inclusive. Agora, com relação à

promoção que eu havia lhe prometido... não vou poder fazer ainda. Veja bem, não

fique preocupado, é só até as coisas melhorarem. Eu não tenho como justificar

para a matriz uma promoção e aumento com este resultado ruim.”

Ainda há uma tentativa de argumentação, um início de discussão, que não leva a

nada, além de outras promessas ainda mais audaciosas: “veja bem, estou te

preparando para o meu lugar, é preciso maturidade nesta hora.” E dá-lhe

blábláblá...

A frustração é imensa. Quantas horas de sono perdidas, viagens constantes, o

tempo que você não ficou com os seus amigos e filhos. Não existe coisa pior no

mundo corporativo do que prometer em vão. O tiro sai pela culatra, o time perde

a confiança em tudo o que vem pela frente. É preciso que os gestores – e o papel

do RH é fundamental na orientação de sua postura – joguem limpo, conhecendo e

esclarecendo a situação e as possibilidades da empresa. Mencionar só ao final

fatores dos quais ninguém tinha conhecimento (como a variação do dólar) é

imperdoável.

Duas são as opções dos funcionários nessa hora: fazer uma nova aposta para a

próxima temporada ou colocar o currículo no mercado e sair em busca de novas

oportunidades. Se a experiência ajuda a refletir, tenho visto a segunda opção com

mais freqüência do que a primeira. Uma vez abalada, a confiança, premissa

indispensável entre funcionário e empregador, jamais será a mesma.

____________________________________________________________________________ A globalização e a

ética

61

Portanto, pense bem na importância de debater esse assunto com a cúpula da

empresa e com os responsáveis por equipes. Ajude sua empresa a evitar surpresas

desagradáveis, como a perda dos seus melhores talentos para a concorrência.

Questões sobre o texto

1 Qual o problema ético percebível na empresa?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________

2 Como a vida dos funcionários teve relação com o fenômeno da globalização?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

62

RESUMINDO

Você percebeu que uma sociedade que foi construída e ancorada no modelo

“querer é poder” produz sérias conseqüências éticas? Ter sucesso, hoje, é ter

dinheiro e, talvez, conhecimento. Os caminhos para obter esse sucesso, até agora,

foram muito centralizados no indivíduo; uma sociedade que busca sempre

acumular dinheiro e conhecimento, de forma ilimitada e individualizada, conduz

as pessoas a olharem sempre para si mesmas, deixando de reconhecer a

importância e a dignidade do outro. Isso representa uma grave conseqüência

ética.

Nesta unidade, refletimos sobre as conseqüências éticas de um modelo

econômico; capitalismo, globalização e progresso tecnológico são faces da mesma

moeda que compõem a estrutura de nossa sociedade. Percebemos que a busca

pela conquista de novas terras, de novos espaços de mercado, de maiores taxas de

lucro foi um eixo norteador da organização da nossa sociedade, que perpassou os

vários séculos de nossa história. A reflexão ética sobre a globalização ajuda-nos a

compreender melhor e de forma interligada as ações no campo da política, da

economia e da ciência; faz-nos entender que as ações estão inseridas em um

processo global que possui uma lógica de funcionamento.

Na próxima unidade, você observará quais são os grandes desafios éticos da

modernidade.

Un

ida

de

5

Unidade 5

Os conflitos éticos da sociedade atual

Objetivos de aprendizagem

Ao concluir a leitura desta unidade, você terá condições de:

caracterizar os desafios éticos da sociedade atual;

compreender a relatividade e a limitação da moral na explicação do

comportamento humano;

compreender a construção da moral brasileira;

analisar eticamente a sociedade brasileira.

Roteiro de estudo

Seção 1: Grandes questões éticas da contemporaneidade

Seção 2: A construção de valores morais na sociedade brasileira

Seção 3: Características da sociedade brasileira capitalista

Seção 4: A legitimação da concentração de renda e da corrupção no Brasil

Seção 5: Esperança ética

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

64

PARA INÍCIO DE ESTUDOS

O processo de globalização trouxe grandes transformações para a sociedade em

que vivemos. Nesta unidade, vamos refletir sobre o impacto das mudanças

globais no campo da ética.

Diante desse avanço tecnológico, da queda e do descrédito das grandes

instituições – família, Igreja e Estado –, surgem algumas conseqüências para o

campo da ética, surgem, novas formas de se compreender o certo e o errado,

novos valores morais, tanto na vida pessoal quanto social, econômica e política.

Esse será o tema da quinta unidade.

SEÇÃO 1

Grandes questões éticas da contemporaneidade

Você já observou como vivemos em um tempo de mudanças?

Que o progresso tecnológico avança quase sem podermos acompanhá-lo?

O que é certo ou errado fazer?

Cada um deve fazer o que é melhor para si? E como fica a sociedade?

Deus irá punir aqueles que agirem errado? Mas, e a certeza sobre a existência de

Deus?

Se não vou ser castigado depois da morte, por que devo respeitar o outro?

A eutanásia, o aborto, a engenharia genética podem ser aprovados legalmente?

Unir-se com uma pessoa do mesmo sexo é certo ou errado? Por que é certo ou

errado? Onde vamos buscar fundamento para condenar ou aprovar o casamento

entre homossexuais? Nos Livros Sagrados? Mas é verdade o que está escrito

neles? E como fica o respeito à liberdade de escolha de cada um?

Você percebe como surgem grandes questionamentos éticos na atualidade? Há

algum tempo esses questionamentos não eram tão intensos, em razão da

autoridade que era conferida a grandes instituições como a Igreja, a família, a

escola. À medida que o pensamento científico substituiu as crenças nas

instituições e as pessoas passaram a perceber a autoridade como algo não-

sagrado, evidenciam-se a racionalidade individual, o questionamento e a crítica.

Assim, sem a crença em uma autoridade que define o que é certo ou errado, as

pessoas começam a se perguntar: mas é certo ou errado? Depende de cada um?

Enfim, surgem dilemas éticos que antes não existiam porque as pessoas seguiam

fielmente os códigos morais que estavam nos Livros Sagrados, na tradição na

família, na cultura.

Iniciaremos a reflexão sobre os grandes desafios éticos da contemporaneidade

refletindo sobre como podemos compreender o período em que vivemos. Uma

das características principais da nossa era é a falta de perspectivas.

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

65

A FALTA DE PERSPECTIVA

A sociedade atual, marcada por um acelerado processo de empobrecimento, de

diminuição das oportunidades, de desemprego, acaba contribuindo para a

construção de um espírito de pessimismo diante do futuro. Surgem, assim,

muitos questionamentos que evidenciam esse espírito.

Vale a pena estudar? Vou fazer um investimento, mas qual será o retorno?

Vivemos na sociedade do conhecimento, então, é imprescindível a busca pela

formação acadêmica; mas como o indivíduo vai conciliar essa formação com uma

vaga no mercado de trabalho?

Você concorda que esses são grandes motivos da falta de perspectivas que toma

conta de muitas pessoas? Que outras coisas você acredita que também

contribuem para que as pessoas não possuam perspectivas?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________

A diminuição de oportunidades de emprego e o conseqüente empobrecimento da

população, a desigualdade de renda...

Em nenhum momento de sua existência, a humanidade contou com tamanha

riqueza. Esta riqueza, como evidenciamos, é produzida pelo avanço tecnológico,

que surgiu com a finalidade de dar ao homem maior comodidade. No entanto, o

monopólio que se estabeleceu sobre as tecnologias serviu para ampliar riquezas e,

conseqüentemente, a distância entre quem possui ou não acesso às tecnologias e

às estruturas que asseguram o ordenamento material da vida de cada pessoa,

indicando que houve uma real limitação na participação de todos os indivíduos

dentro dos mais variados benefícios produzidos pelos avanços tecnológicos.

A crise de perspectivas é mais evidente na súbita retirada dos meios materiais de

subsistência da população desprovida de um capital cultural e econômico que lhe

permita acompanhar o desenvolvimento do mundo tecnológico. Isso provoca

frustração e desinteresse ante a necessidade de uma sociedade de convivência

solidária.

A falta de perspectivas também contribui para a relativização do valor da vida, no

avanço da criminalidade e do uso de drogas. Cada um busca resolver as coisas da

maneira que considerar conveniente, surge o problema da intolerância.

A INTOLERÂNCIA

A intolerância tem sido a grande responsável pelo estado de violência que

acompanha o cotidiano da humanidade. Os avanços tecnológicos e a

aproximação das pessoas, motivados pela globalização, não foram suficientes

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

66

para reduzir o índice de violência; pelo contrário, parecem ter acentuado as

diferenças. Convivemos com diferentes formas de violência: a violência no

campo, em função do problema agrário que vivem os países ditos “periféricos”;

também, nos grandes centros urbanos, provocada pelo estado de miséria vivido

por um considerável contingente populacional, por questões de fundo religioso ou

desentendimentos políticos, etc. Ainda, há outra forma de violência,

institucionalizada: a repressão. A América Latina viveu por um longo tempo essa

realidade; com a instalação dos regimes militarizados, o povo foi vítima de um

franco processo de violência, cujas conseqüências até hoje se fazem sentir.

Entre os perigos da intolerância, podemos ressaltar o seu poder de obstruir o

desenvolvimento democrático de uma sociedade, tornando inviável a convivência,

resultando, assim, uma constante quebra da alteridade.

Evidências da intolerância se percebem no fundamentalismo religioso e também

no fundamentalismo étnico e cultural. Os Estados Unidos, por exemplo,

considerando-se os defensores da liberdade e da democracia, criam políticas

intolerantes contra os árabes, iraquianos, mexicanos. A intolerância contra o

diferente torna-se um agravante também no que se refere à sexualidade humana;

é o caso da homossexualidade.

O CASAMENTO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO

O casamento entre pessoas do mesmo sexo tem sido muito discutido no mundo

contemporâneo. Essa questão surgiu na Europa, nos países de tradição

democrática, intimamente ligada ao respeito à individualidade humana. No

entanto, é de uma realidade polêmica, pois vai de encontro aos pressupostos de

ordem moral que imperam na cultura ocidental. De forma objetiva, vai contra a

moral religiosa, que compõe um dos substratos da visão de mundo do homem

ocidental.

Há, também, a questão da igualdade jurídica, comparada às relações

heterossexuais. É uma questão importante, para a qual muitos países deram

encaminhamento distinto, ou seja, a instância jurídica foi superior aos

ordenamentos de ordem moral, assegurando que as pessoas pudessem constituir

uma união estável, sendo ambas do mesmo sexo.

Muitos argumentos contrários fundamentam-se ou na questão da natureza

humana, ou nos Livros Sagrados, mas por que surge um dilema ético? Por que

um Livro Sagrado deve ser superior à liberdade humana? Será que a natureza

humana é estática, ela não evolui, não muda? Por que o casamento deve ser entre

homem e mulher?

Esse torna-se um grande dilema ético que os códigos morais, as leis, não dão

conta de responder, e a pessoa que se apega a um único código moral pode acabar

sendo fundamentalista, apegando-se a uma única fonte de verdade.

A PENA DE MORTE

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

67

Por muitos anos, alguns países ou estados vêm adotando a pena de morte como

alternativa para a solução dos problemas sociais. Da forca até a cadeira elétrica,

vários instrumentos foram criados para eliminar as pessoas. No Brasil, muito se

discute sobre a adoção da pena de morte. As pessoas que refletem o senso comum

levantam essa bandeira, defendida por alguns parlamentares, como uma medida

redentora da situação caótica que vivemos em função da violência urbana.

Ao trazer essa reflexão para o campo da ética, devemos formular uma nova

argumentação, acompanhada de muitas perguntas: assumir a pena de morte

como forma de coibir a violação das normas elementares de uma convivência

social representa a solução para o problema? Em que proporção ela não

representaria a instituição da própria violência? Tirar a vida do assassino não

contraria a própria lei que condena o assassinato como crime? A pena de morte

inibiria outros assassinatos? O assassino teria medo de ser morto? Quem tem o

direito de tirar a vida de alguém?

Enfim, essas e outras questões contribuem para que a pena de morte se

transforme em um dilema ético.

E a eutanásia? É uma “pena de morte” justificada pela doença?

A EUTANÁSIA E A MORTE ASSISTIDA

Quando o problema da eutanásia aparece na sociedade, é sempre polêmico. Por

diversas vezes em que a eutanásia foi autorizada pela justiça americana,

imediatamente a polêmica instalou-se dentro e fora do país. Isso demostra que as

pessoas estão divididas sobre o direito que temos de interferir no curso da vida do

outro.

Nesse campo, surgem algumas questões referentes à eutanásia e à morte

assistida: podemos decidir por outra pessoa a hora que deve morrer? Como fica o

caso das pessoas dadas como mortas clinicamente que voltaram à vida após uma

década de coma? Esses argumentos são suficientes para deliberarmos por uma

atitude extrema ante a vida de quem não pode decidir nada?

A eutanásia, ao ser liberada, abre um caminho para a discussão sobre a morte

assistida. Muitas pessoas, no afã de abreviar o sofrimento, poderão desejar acabar

com a vida. Como a sociedade deve reagir a essa situação? O que justifica, de fato,

a opção pelo fim da existência de uma pessoa? Podemos decidir sobre a vida e a

morte de uma pessoa?

A ENGENHARIA GENÉTICA

Nossas reflexões sobre a engenharia genética podem ser vistas no plano da

bioética, que “[...] estuda a moralidade da conduta humana na área das ciências

da vida.” (NALINI, 1999, p. 120). Como ramo do saber, associado à filosofia e à

biologia, a bioética procura argumentar em torno dos elementos que configuram

a biomedicina, que, no mundo pós-moderno, avançou de forma espetacular,

protagonizando coisas somente cogitadas na ficção.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

68

As nações, por intermédio de seus representantes científicos, vivem um grande

dilema no sentido de precisar qual deve ser o limite nas buscas humanas para

desvendar o universo da genética, deixando em alerta os pensadores das ciências

humanas e, também, alguns intelectuais das ciências jurídicas.

Não há como negarmos que a engenharia genética tem apresentado grandes

resultados que apontem para a solução de sérios problemas no campo da saúde

humana. Há uma grande euforia por parte dos cientistas que defendem, de forma

irrestrita, a manipulação da genética; cumpre a nós o papel de inquiridores.

Quem serão os grandes beneficiados com essas pesquisas? Elas representarão, de

forma efetiva, um momento de inclusão das pessoas carentes na área da saúde?

Em que proporção e de que modo a clonagem representa ou não a violação da

moral e da ética? Devemos impor limites a quem tem se dedicado a essas

pesquisas? Ao condenar as ações dos cientistas que atuam na área, não

estaríamos reprimindo o processo de evolução da ciência?

Observe que a reflexão ética parte de uma visão mais ampla sobre a questão; não

podemos apenas analisar o tema na ótica da ciência ou da moral religiosa,

precisamos analisar se as decisões podem beneficiar ou prejudicar as pessoas.

O PROBLEMA AMBIENTAL

Os geógrafos que refletem sobre as questões ambientais afirmam que dois terços

dos ecossistemas estudados até agora sofrem de forma implacável as ações

exercidas pelo homem nesses últimos anos; que algumas regiões estão

irremediavelmente comprometidas pela ação irrefletida do homem. Essa situação

nos faz pensar sobre um novo conceito de cidadania, a cidadania ambiental, que

“[...] vai mais longe ao estabelecer uma visão holística sobre o problema da

preservação.” (HUMBERG, 2002, p. 65).

Uma visão holística sobre o meio ambiente ajuda-nos a fazer uma reflexão mais

ampla sobre o problema ambiental, entender que a preservação do meio

ambiente depende, além de uma consciência individual, também de uma nova

concepção de sociedade, de um novo modelo econômico que não tenha o lucro

como eixo central do desenvolvimento. Uma visão holística de cidadania

ambiental ajuda-nos a compreender que fazemos parte do meio ambiente.

O consumo dos recursos ambientais chegou a tal ponto que discutimos a

capacidade dos ecossistemas em garantir recursos para as próximas gerações.

Sem dúvida, o aumento da atividade humana sobre a natureza afetou de forma

nunca vista o contexto biológico de animais e plantas, que foram extintos sem

que tivéssemos a possibilidade de detectar sua verdadeira propriedade ou sua real

função no contexto da biodiversidade.

Os benefícios sociais provenientes da agricultura e da exploração direta de

minérios ajudaram o homem a protagonizar um estado de riqueza e bem-estar

que até então não havíamos visto, entretanto, o custo desse processo deve nos

levar a refletir sobre as ações que desenvolvemos.

Holística: em sentido amplo – ecológico, econômico, social, político.

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

69

Sem dúvida, a forma predatória com que o homem tem explorado os recursos

naturais fere os princípios da ética e nos leva a pensar em um plano global de

ação conjunta voltado a garantir o futuro da humanidade.

Procuramos apresentar algumas questões que causam

grande inquietude às pessoas, que afetam todos os segmentos

da sociedade.

Mas o que fazer para superar esses desafios?

Nenhuma ciência poderá responder individualmente a essas questões, por serem

múltiplas e complexas em suas origens. É necessária a construção de um campo

multidisciplinar que possibilite uma maior aproximação dos problemas sugeridos

pelas indagações. A união dos diferentes campos das ciências permitirá respostas

mais significativas.

Ao falar de conflitos éticos da sociedade atual, é importante refletirmos sobre

esses conflitos na sociedade brasileira.

SEÇÃO 2

A construção de valores morais na sociedade

brasileira

Temos grandes desafios éticos, que possuem particularidades e somente são

compreendidos por meio de uma contextualização histórica da formação étnica e

cultural do país. A forma como o Brasil foi colonizado é responsável pela

construção de valores e concepções de mundo que perpassam a história e chegam

até nossos dias.

Revisando nossa história, observamos que, quando chegaram ao Brasil, os

portugueses encontraram “a terra de muitos bons ares” e tentaram catequizar os

índios para o serviço à Coroa Portuguesa. A catequese dos jesuítas servia para a

cristianização, mas também para o trabalho servil, o qual não fazia parte da

cultura indígena que, por isso, foi vista como preguiçosa e indolente.

O início da colonização ocorreu por meio de três etnias: branca (portugueses),

amarela (índios) e negra (africanos). O domínio e a superioridade eram

reservados ao branco, fidalgo, colonizador, sinônimo de cultura. A subjugação do

índio e do negro marcou todo o período colonial (1500 a 1822), o período

imperial (1822 a 1889) e boa parte do período republicano (1889 em diante).

Os portugueses alimentaram uma visão “capitalista” sobre negros e índios que

perpassa o século XXI. Os índios viviam na selva, em grupos seminômades, não

tinham trabalho regular, não valorizavam os metais preciosos, não tinham

preocupações com o futuro e eram facilmente enganados no escambo (troca de

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

70

mercadorias) e, ainda, analfabetos. Os negros, “acostumados” ao trabalho, eram

tratados como peças, não como pessoas.

A inserção do capitalismo no Brasil assenta-se sobre uma violenta dominação do

branco sobre o índio e o negro. Uma dominação não apenas física, mas também

ideológica, com conseqüências éticas: o índio e o negro vistos como inferiores ao

branco, vistos como objetos.

O problema ético gerado pela formação populacional

brasileira é que o ser humano (principalmente o índio e o

negro), na sua diversidade, passa a ser valorizado apenas como

instrumento de geração de riqueza.

O índio foi subjugado e tratado como “animal selvagem”, tanto é que, em

linguagem corrente da época, os jesuítas “amansavam” os índios, o mesmo

tratamento dado aos animais não acostumados ao trabalho servil. Os negros, por

sua vez, eram tratados pela política dos três “pês” (pau, pano e pão) ou, numa

linguagem mais branda, o escravo era “as mãos e os pés de seu amo”.

O negro “amansou” as terras, produziu o açúcar (o ouro branco da época), cavou

as minas. Quando, não por circunstâncias humanitárias, mas mercantilistas, a

crescente economia inglesa passou a ver no escravo um potencial consumidor dos

seus produtos, a Europa deixou de admitir a escravidão negra e exigiu o fim do

tráfico negreiro.

Veja que até mesmo a Abolição da Escravatura, que nos parece um avanço no

campo da ética, foi uma ação necessária ao sistema econômico. A liberdade não

veio em respeito aos negros, mas para gerar consumidores. Novamente, nesse

estágio da sociedade brasileira, os seres humanos são meios e instrumentos de

um sistema de mercado que beneficia a poucos.

Com a necessidade de operários, o Brasil, novamente, torna-se um espaço de

exploração e de escravidão; é o que acontece com a imigração européia ao Brasil.

Os imigrantes, que se encontravam em condições de pobreza na Europa,

obrigaram-se a partir em busca de sobrevivência.

Perceba como a sociedade brasileira, historicamente, contribuiu para a violência

contra o ser humano. Toda vez que o ser humano é inferiorizado na sua condição

de humano, a ética considera isso uma forma de violência. O Brasil foi uma

colônia de exploração na qual os habitantes se dividiam entre exploradores e

explorados. O Brasil não foi constituído como uma nação que se preocupou com

suas pessoas, que se preocupou em formar um povo, em tratá-lo com dignidade;

foi um país que se caracterizou como um terreno de exploração. E, hoje, como e

onde se percebe isso?

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

71

SEÇÃO 3

Características da sociedade brasileira capitalista

Para fazer uma análise sobre a sociedade brasileira, não podemos esquecer que se

trata de uma sociedade estruturada sobre a lógica capitalista.

O capitalismo adotado pela sociedade brasileira, conforme Nickelle (2005), tem

no pobre a mais obscena prática de obter desse segmento social ganhos, lucros,

vantagens, expropriação jamais imaginada por qualquer teórico desse sistema

social. Procure lembrar, da seção anterior, a questão do ser humano como meio

de geração de riquezas. No Brasil, o processo capitalista concentra de forma

exponencial o capital nas mãos de poucos. A concentração de renda é, hoje, um

dos maiores causadores dos problemas sociais do país. Altos salários para uma

minoria favorecem um consumo sofisticado, que aumenta a importação e o

turismo para fora do país, inibindo a produção de bens e serviços internos pelo

gradativo empobrecimento dos demais trabalhadores.

Uma das conseqüências da sociedade brasileira, capitalista, é o crescimento da

miséria e a busca de soluções imediatas pelos que fazem parte da classe mais

pobre da população. De acordo com Nickelle (2005), os que recorrem aos baús

da “felicidade”, à loteria ou mesmo à fé religiosa, como forma de aceitar tal

esperança, são iludidos por verdadeiras quadrilhas de espertalhões que, em nome

da sorte e de Deus, enriquecem à custa da ignorância e ingenuidade. As

esperanças, de fato, estão comprando redes de televisão, mansões e enviando

milhões de reais, não mais para o céu, mas sim para o paraíso fiscal.

É uma característica dos países mais pobres a busca por uma vida melhor por

meio da religião ou de soluções imediatas, como loterias e premiações

milionárias. Percebemos bem forte a ideologia do capitalismo, do “cada um por si

e Deus por todos”; isso vai dificultando a formação da cidadania, da democracia,

da consciência da coletividade.

Os próprios meios de comunicação contribuem para induzir as pessoas a resolver

sua situação de forma individualizada; basta ver a quantidade de programas de

auditório que premiam pessoas com carros, casas, inclusive cujos apresentadores

são considerados pessoas que colaboram para uma sociedade melhor. A mídia

também legitima o individualismo quando busca criminalizar os movimentos

sociais; toda a forma de organização da sociedade, como povo e classe, é vista de

forma negativa. Comece a perceber a cobertura dos veículos de imprensa sobre as

manifestações e protestos sociais; geralmente, ressaltam os aspectos negativos,

como o congestionamento do trânsito, as depredações, brigas, levam-nos a

concluir que cada um deve trabalhar individualmente, fazer sacrifícios sozinho

para obter o sustento, ou seja, ao assistir à TV, você chega à conclusão de que se

você é pobre a culpa é sua, se quer comprar uma casa ou um carro você deve

trabalhar em dois empregos, e não lutar pelo aumento do seu salário.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

72

A ética torna-se artigo de luxo no Brasil. A sociedade vai

estruturando-se sobre a exclusão de uma grande maioria e o

privilégio de uma pequena elite consumista.

SEÇÃO 4

A legitimação da concentração de renda e da

corrupção no Brasil

“O sucesso não é para todos”, “se fulano é rico, foi por seu próprio mérito”; essas

expressões indicam-nos que a desigualdade de renda e a concentração de riqueza

são vistas como algo natural no Brasil.

Segundo Pochmann (2004 apud FUTEMA, 2004), o Brasil é um dos países mais

desiguais do mundo, o número de ricos no país dobrou de 1980 a 2000. Em

2000, existia 1.162 milhão de famílias ricas no país, o correspondente a 2,4% da

população brasileira. Vinte anos antes, havia 507 mil famílias ricas, 1,8% da

população na época. Esse 1.162 milhão de famílias ricas é dono de 75% do PIB do

país. Desse total, 5.000 famílias detém 45% do PIB. Além disso, a participação

dos ricos sobre a renda nacional subiu de 20% para 33% nesse período.

Mesmo com esses dados alarmantes, ainda vigora entre os brasileiros a idéia de

que a riqueza ou a pobreza é um problema pessoal. Essa idéia não é apenas

brasileira, mas essa concepção não contribui para uma reflexão ética mais

aprofundada sobre a geração de riqueza na sociedade brasileira. Essa

superficialidade e a falta de profundidade reflexiva também colabora para uma

certa tolerância à corrupção e ao famoso “jeitinho brasileiro” – que, na grande

maioria das vezes, corresponde a uma habilidade para trapacear e tirar

vantagens. Essa realidade toma conta da esfera pública e privada, passando por

caixa 2, desvio de dinheiro, propina e compra de votos.

Toda essa realidade de desigualdade social, corrupção e analfabetismo político

acaba esquecida e tolerada sob o argumento de que vivemos num país

maravilhoso e de que “Deus é brasileiro”. A beleza das mulheres, a riqueza

natural, o carnaval e o futebol parecem desempenhar um papel de viseira ética

diante de uma realidade violenta e injusta.

Rega (2004) afirma que “O jeito, ou o jeitinho brasileiro, é a imposição do

conveniente sobre o certo”. É a “filosofia” do: “se dá certo, é certo”; desde, é

claro, que “dar certo” signifique “resolver meu problema”, ainda que não

definitivamente. Assim é o brasileiro: dá jeito em tudo. Sua versatilidade

abrange um sem-número de situações: é o pára-lama do carro amarrado, em

vez de soldar; são os juros embutidos no valor da prestação “fixa”; é matar a avó

pela quinta vez para justificar a ausência a uma prova na escola, mas o jeitinho

é, também, pedir a um médico amigo para atender uma pessoa carente ou para

fazer uma cirurgia pela Previdência; é o revezamento dos vizinhos para socorrer

uma pessoa doente; é conseguir um emprego para um pai desempregado.

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

73

Você viu que o brasileiro foi criando uma cultura própria para

lidar com os seus problemas?

Aí surgem alguns dilemas diante do jeitinho, apresentados por Rega (2004):

que dizer, então, do jeitinho? Podemos fazer uso dele para resolver as questões

do dia-a-dia? Será que todo jeito é desmoralizante, ilegal, burlador,

inconveniente? Será que ele também pode ser criativo, solidário, benevolente?

Segundo o autor, a mídia tornou o “jeitinho” algo negativo, mas ele revela o

desejo do ser humano de não se prender às normas, e sim de superá-las,

subjugá-las. Suspende-se temporariamente a lei, cria-se a exceção e depois tudo

volta ao normal; primeiro dá-se um jeitinho na situação, resolvendo o

problema, e depois vê-se como fica...

Se o jeitinho busca suspender a lei, a regra oficial, o brasileiro seria, então, um

anarquista, um fora-da-lei? Para Rega (2004), “O brasileiro não nega a

existência da lei, o que ele nega é a sua aplicação naquele momento.” Justifica-

se: se podemos pagar menos imposto de renda a um governo que não retribui

adequadamente em benefícios sociais para seus contribuintes, por que fazê-lo?

Por que pagar uma multa de trânsito – altíssima – se podemos dar um jeito de

cancelá-la?

Você percebe que a cultura do jeitinho vai se fundamentando na idéia de que o

país não cuida de seu povo? E podemos perceber que, historicamente, de fato,

foi isso que aconteceu. As pessoas eram um meio de gerar riquezas, tanto para

Portugal quanto às elites nacionais, e sabemos que isso se repete até hoje.

Então o jeitinho busca uma ação que faça protesto a isso.

Mas será que isso não contribui para alimentar a cultura da

corrupção?

De acordo com Rega (2004), a corrupção, tema diariamente discutido na mídia

escrita e falada, está presente naquele jeito de conseguir uma concorrência, ou no

jeito de "ajudar" o fiscal a esquecer determinada lei, ou mesmo no jeito de

apressar um processo numa repartição pública. “O jeito não se contenta apenas

em transgredir a norma. Às vezes, pela própria transgressão da norma, é preciso

dar um jeito para não haver punição. Nesse caso, há a união incestuosa entre o

jeito e a corrupção.”

Claro que não podemos condenar essa cultura do jeitinho, pois nem todo jeito é

negativo. Para o autor, a inventividade e a criatividade são algumas das facetas

mais relevantes do lado positivo do jeito. Inventar e criar são habilidades do

brasileiro na sua capacidade de adaptação a situações inesperadas, como a falta

de dinheiro.

O jeitinho busca encontrar uma solução possível para uma situação que a

princípio seria impossível. Rega (2004) cita o caso do operário que “cobre” o

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

74

outro em seu turno enquanto aquele participa de um curso no supletivo para

ganhar o tempo perdido.

Diante disso, voltamos à especificidade da ética que – como parte da filosofia –

busca sempre fazer uma análise mais global do assunto. Devemos condenar o

jeitinho brasileiro como uma ação antiética? O desemprego não é uma situação

individual, então algumas ações encontradas para superar essa problemática

social precisam ser analisadas de forma global e profunda.

Observe a situação dos vendedores ambulantes; muitos estão em situação ilegal,

deram um jeitinho para sobreviver. O operário que faz curso supletivo e conta

com a ajuda do colega para isso também faz parte de uma situação que deve ser

analisada dentro de uma ótica global.

Segundo Rega (2004), enquanto o lado negativo do jeito gera situações delicadas

e comprometedoras da conduta ética, o lado positivo muitas vezes alivia o

brasileiro da vida oprimida que precisa vencer, e então se estabelecem os dilemas

éticos do jeito.

O dilema ético surge quando analisamos essa realidade do jeitinho numa

perspectiva social, política e econômica. Rega (2004) afirma que a inconsistência

da ação governamental em áreas como a segurança pública, a fiscalização e o

planejamento da política tributária e financeira conduz o cidadão a uma situação

tal que sua única saída no momento é o “jeito”, a “escapada”, sob pena de perder

o emprego ou inviabilizar sua empresa.

Em suma, o descaso generalizado das autoridades públicas quanto às reais

necessidades do povo gera o “salve-se quem puder” que, por sua vez, alimenta o

jeito e incentiva a transgressão das normas. Disso à corrupção é apenas um passo;

tão logo se estabeleça, a corrupção generalizada acolhe a impunidade e assim

fecha-se o círculo.

Em uma ocasião, um adolescente entregou-me sua agenda para que lesse alguns

poemas que ele havia feito. Li-os, cuidadosamente; tratavam da realidade de

nosso país. Ao final de um deles, havia uma frase, cuja autoria o adolescente

ignorava: “Em Roma, ela se chama bustarela; em Moscou, vzyatha; em Berlim,

tink gel; e, em Brasília, pode ser „jeitinho‟, mas em qualquer lugar do mundo e a

qualquer época será sempre corrupção, uma prática tão antiga quanto à

existência do homem. Sua arma predileta é a dissimulação, e seu instrumento

mais eficaz, o suborno, desde o mais célebre da História, o de Judas Escariotes,

ao do empreiteiro que paga comissão ao homem público.” Copiei a frase e tenho

buscado identificar seu autor. Ela produziu bons efeitos; foi capaz de sensibilizar

aquele adolescente, mostrando que em todos os espaços da vida social impera a

preocupação com procedimentos que fluam isentos de mazelas humanas como a

corrupção.

De acordo com Rega (2004), percebemos que o jeitinho brasileiro possui contexto

dentro de um círculo vicioso que envolve o cidadão brasileiro. Torna-se negativo

quando usa de justificativas para o ato corrupto, para a negligência.

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

75

O jeitinho é também o hábito de simplificar a realidade

com afirmações reducionistas, como: “Ah!, todo mundo faz,

então farei também.”

Essas expressões são as responsáveis pela corrupção crônica que assola o país e o

impede de encontrar saídas sustentáveis. O jeitinho brasileiro aliado à lógica do

capitalismo individualista dificulta a construção de uma sociedade mais justa e

ética.

SEÇÃO 5

Esperança ética

A reflexão ética na universidade não tem outra função senão a de provocar em

nós a necessidade de construção de um novo projeto de vida. O século XXI exige

que mudemos as concepções de felicidade e realização pessoal, até então

assentadas num plano individual, para um plano social e comunitário. Em nossa

sociedade, não cabe mais o desejo de escolher uma profissão para ficarmos ricos

e desfrutarmos individualmente de todos os prazeres oferecidos pelo progresso

econômico e tecnológico.

Os desafios éticos deste século exigem de nós o despertar de uma nova

inteligência, a inteligência social. A modernidade, como já vimos, legou-nos uma

racionalidade egocêntrica, centrada na ideologia em que “querer é poder”.

Precisamos, urgentemente, substituir essa racionalidade pela lógica da

sensibilidade, da alteridade e da solidariedade. A sociedade em que vivemos

precisa fazer parte de nossas vidas, e não mais ser somente o lugar no qual

buscamos realizar nossos sonhos individuais. O outro precisa ocupar maior

espaço nas nossas decisões e nas nossas escolhas.

No entanto, isso precisa acontecer depois de nos formarmos, quando estivermos

no mercado de trabalho?

Não! Precisa começar agora, na nossa vida acadêmica. Precisamos compreender

que o conhecimento que buscamos na universidade deve contribuir para a

resolução dos problemas sociais e para a melhoria da qualidade de vida no lugar

onde vivemos.

Essa inteligência ética pressupõe, necessariamente, uma mudança de crenças e de

concepções, um olhar mais profundo sobre a realidade em que vivemos, que não

se limite ao senso comum, legitimado pelas instituições, pela cultura e pela

grande mídia. Por isso, a inteligência ética é um saber que ultrapassa o

conhecimento específico que adquirimos em nossos cursos. Além de sermos bons

em nossa função, em nossa área, precisamos ser sábios.

O que é ser sábio? A palavra sabedoria origina-se do grego, sophos, que significa

totalidade. Uma pessoa sábia é, portanto, alguém que olha o mundo na sua

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

76

totalidade, além de sua realidade individual, ou poderíamos dizer além de seu

“próprio umbigo”.

A esperança ética na sociedade atual concretiza-se à medida

que mudamos nossas concepções e atitudes sobre a realidade

em que vivemos.

Mas como fazer isso?

Teremos um progresso ético à medida que nos abrimos a novas idéias, a novas

áreas do conhecimento, a novas pessoas dispostas a vivenciar experiências

diferentes. Portanto, para sermos mais éticos, antes de mais nada, precisamos

abandonar a auto-suficiência e a intolerância. Uma sociedade ética precisa partir

do pressuposto de que nenhuma área do conhecimento, nenhuma ideologia

consegue, sozinha, resolver problema algum. Assim, você estará buscando

construir uma inteligência ética, aberta ao novo, ao diferente, ao diálogo.

Uma sociedade mais ética não é uma utopia, mas uma

construção humana e social, necessária e viável!

Auto-avaliação 5

1 A partir dos casos apresentados, procure escrever sua opinião, fundamentada

numa reflexão ética.

Eutanásia/Morte assistida

Uma pessoa querida, com uma doença terminal, está viva apenas porque seu

corpo está ligado a máquinas que o conservam. Suas dores são intoleráveis.

Inconsciente, geme no sofrimento. Não seria melhor que descansasse em paz?

Não seria preferível deixá-la morrer? Podemos desligar os aparelhos, ou não

temos o direito de fazê-lo? Que fazer? Qual a ação correta?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________________________ Os conflitos éticos da sociedade

atual

77

Aborto

Uma jovem descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda

não estão preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje

apoiá-la, é tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como se

responsabilizar plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um filho.

Estão desorientados e não sabem se poderão contar com o auxílio de suas

famílias (se as tiverem).

Se ela for apenas estudante, terá de deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar

o parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para

sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade

em que os patrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras.

Receia não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, deseja a criança, sonha com

ela, mas teme dar-lhe uma vida de miséria e ser injusta com quem não pediu para

nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo?

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________

RESUMINDO

Nesta unidade, refletimos sobre grandes questões éticas da nossa atualidade que

perpassam todas as profissões e áreas do conhecimento. Na sociedade brasileira,

algumas questões éticas assumem maior evidência; são exemplos disso a

corrupção e a concentração de renda.

Como a ética é uma reflexão sobre o costume e a cultura, percebemos que esses

grandes desafios éticos de nosso país precisam de uma mudança cultural, que

implica em atitudes e posturas profissionais comprometidas com o bem comum.

Ética e Sociedade

__________________________________________________________________________________

78

Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1992. BOFF, Leonardo. Como nasce a ética? LeonardoBOFF.com. [Rio de Janeiro]: 2003a. Disponível em: <http://www.leonardoboff.com.br>. Acesso em: 5 jul. 2006. ______. Ética e Moral. LeonardoBOFF.com. [Rio de Janeiro]: 2003b. Disponível em: <http://www.leonardoboff.com.br>. Acesso em: 5 jul. 2006. ______. Paradigma-conquista. LeonardoBOFF.com. [Rio de Janeiro]: 2003c. Disponível em: <http://www.leonardoboff.com.br>. Acesso em: 5 jul. 2006.

______. Ethos Mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Brasília, DF: Letraviva, 2000. BRANCO, Eustáquio Lagoeiro Castelo. O que é Globalização? EduqueNet, 2003. Disponível em: <http://www.eduquenet.net/textglobalizacao.htm>. Acesso em: 14 fev. 2006. CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2003. COMPARATO, Fábio Konder. O divórcio recorrente entre técnica e ética no curso histórico. Conferência pronunciada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Portugal: 16 fev. 2000. Disponível em: <http://www.hottopos.com/convenit2/compara.htm>. Acesso em: 25 jul. 2006. CORDI, Cassiano. Para filosofar. 4. ed. São Paulo: Scipione, 2000. COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. São Paulo: Saraiva, 1993. FUTEMA, F. Carga tributária achata salário de trabalhador e favorece ricos. Folhaonline, São Paulo: 1º abr. 2004. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u82709.shtml>. Acesso em: 10 jan. 2005. HUMBERG, Mário Ernesto. Ética na política e na empresa: 12 anos de reflexão. São Paulo: CLA, 2002. MONTEIRO, Denys. Promessa é dívida. Comunidade RH. [São Paulo]. Disponível em: <http://carreiras.empregos.com.br/comunidades/rh/artigos/221101-promessa_denys.shtm>. Acesso em: 13 jul. 2006. NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. NICKELLE, S. Clair. Ética capitalista da sociedade brasileira. Tribuna Catarinense, n. 906, 24 nov. 2005. Disponível em: <http://www.jornaltribuna.com.br/opiniao.php?state=select&id_materia=8697>. Acesso em: 10 jan. 2006.

________________________________________________________________________________________

Referências

79

NIETZSCHE, F. W. A genealogia da Moral. São Paulo: Brasil, 1934. POCHMANN, Márcio. Atlas da Riqueza no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004. v. 2. POCHMANN, Márcio; AMORIN, Ricardo (Org.). Atlas da Exclusão Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003. RELATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Brasília, DF, 1999. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/rdh/rdh99/index.php>. Acesso em: 6 jul. 2006. RAMOS, José Maria Rodriguez . Dimensões da globalização: comunicações, economia, política e ética. Revista FAAP, São Paulo, 2004. Disponível em: <http://www.faap.br/revista_faap/rel_internacionais/rel_01/dimensoes.ht>. Acesso em: 3 dez. 2005. REGA, Lourenço S. Como dar um jeito no jeitinho brasileiro. Teologia Brasileira. São Paulo: 22 jul. 2004. Disponível em: <http://www.teologiabrasileira.com.br/Materia.asp?MateriaID=65>. Acesso em: 25 jul. 2006. RODRIGUES, Carla; SOUZA, Herbert de. Ética e cidadania. São Paulo: Moderna, 1994. 72 p. RULLI, Jorge. La Pobreza de los Argentinos. Eco Portal.net, [2005]. Disponível em: <http://www.ecoportal.net/content/view/full/53439>. Acesso em: 14 dez. 2006. SANTOS, Mario Ferreira dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. São Paulo: Record, 2001. 174 p. UM MUNDO MÁGICO. 27 maio 2005. Disponível em: <http://ummundomagico.blogs.sapo.pt/arquivo/2005_05.html>. Acesso em: 14 dez. 2006. VALLS, Álvaro L. M. O que é Ética. São Paulo: Brasiliense, 2003. VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 12. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. 267 p.

80

Gabarito

Auto-avaliação 1

1. Nesta questão, espera-se que o aluno possa perceber a ética no meio onde

vive. Ele deve citar exemplos sobre a relação da ética com o meio social,

focados à sua comunidade local.

2. F, V, F, V

Auto-avaliação 2

1 Aqui, o aluno deverá citar outros exemplos de violência (que não sejam

violência física) percebíveis no seu cotidiano, como a prática da coação, da

inferiorização de pessoas, de opressão silenciosa.

2 A cultura é o espaço onde se formam e se legitimam valores morais e,

assim, um indivíduo que se fecha nos valores morais de sua cultura pode

se tornar fundamentalista, ou seja, analisar a realidade fundamentada

somente no seu ponto de vista.

Auto-avaliação 3

1 Aqui, o aluno deverá levantar questionamentos sobre a moral da

sociedade em que vivemos, por exemplo, será que a riqueza provém

somente do trabalho? Será que quem não trabalha é porque não tem

vontade? Existe uma religião verdadeira?

2 Na sociedade tribal, as atitudes são pautadas por valores coletivos e, na

sociedade capitalista, as atitudes se pautam em valores individuais.

Auto-avaliação 4

1 O problema ético é que os funcionários foram elementos essenciais para a

rentabilidade da empresa e, no final do ano, não foram reconhecidos pelo

trabalho. As expectativas deles não foram reconhecidas.

2 A relação acontece na dependência da empresa à oscilação do dólar. As

expectativas e sonhos dos funcionários estão depositados na empresa, mas a

frustração dessa expectativa parece vir de fora da empresa.

Auto-avaliação 5

____________________________________________________________________________Atividades Avaliativas

G1

81

1 Aqui, o aluno deverá manifestar sua opinião fazendo uma reflexão sobre os

dilemas éticos na decisão, por exemplo, se desligar, estaríamos respeitando a

liberdade de escolha da pessoa?

2 No caso do aborto, quem tem mais direito à felicidade, a mãe ou o filho?

Quais os critérios que sustentam uma decisão?