APOSTILA COM OS DOCUMENTOS PARA ESTUDO ASSEMBLEIA PASTORAL_Impressao.pdf
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ARQUIDIOCESE DE NATAL PARÓQUIA DE SÃO PEDRO APÓSTOLO
ASSEMBLEIA PASTORAL PAROQUIAL
DOCUMENTOS PARA ESTUDOS
ESTUDOS DA CNBB Nº 107 (SÍNTESE) DOCUMENTO Nº 100 DA CNBB (TÓPICOS)
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA CHRISTIFIDELIS LAICI (CAP. II) CONSITUIÇÃO CONCILIAR LUMEN GENTIUM (CAP. II)
ESTUDO 107 – CNBB
CRISTÃO LEIGO E LEIGA NA IGREJA E NA SOCIEDADE – SAL DA TERRA E LUZ DO MUNDO
SÍNTESE
INTRODUÇÃO
1. Por que falar dos leigos: marco histórico-eclesial Encontramo-nos às portas da celebração dos 50 anos de
encerramento do Concílio Ecumênico Vaticano II. Esse “novo
pentecostes” da Igreja continua vivo e impulsiona os discípulos
e discípulas de Jesus Cristo na busca de seus lugares de
servidores e servidoras do outro, particularmente do mais
necessitado. Dentre essas diretrizes nos é oportuno revisitar e
celebrar os 25 anos da Exortação Pós-sinodal Christifideles
Laici. As orientações sobre o laicato aí presentes, além de
oferecer uma leitura sobre as orientações do Vaticano II a
respeito do laicato naquele contexto, retoma e afirma o
significado positivo dos fiéis leigos como Povo de Deus:
sujeitos ativos na Igreja e no mundo (cf. ChL, n. 42 e 59).
Devemos acrescentar também nessa retomada histórica o
Documento 62 da CNBB que completa 15 anos.
2. O mundo na Igreja e a Igreja no mundo O mundo e também a Igreja modificaram suas fisionomias e
dinâmicas no decorrer dos anos que sucederam ao grande
evento conciliar. O mundo com o qual dialogou o Concílio,
configurado pela chamada modernidade, mostra hoje os frutos
dessa época, nos aspectos positivos e negativos. A produção e o
consumo, as tecnologias e a comunicação, a cultura e as
relações sociais estão planetariamente conectadas. As vidas
individual e familiar, assim como a vida das comunidades
locais reproduzem cada vez mais em seus valores e práticas os
padrões mundiais. A Igreja está inserida nessa realidade como
sinal de salvação no mundo (Lumen Gentium) e como
servidora da humanidade (Gaudium et Spes). Persiste a
dicotomia Igreja-mundo como posicionamento tanto daqueles
que dispensam a Igreja na hora de viver como sujeito social e
político, quanto dos que dispensam o mundo nas vivências e
atuações no interior da Igreja. Assim sendo o leigo já não
constitui um segmento ou um mero braço da hierarquia no
mundo, como era visto anteriormente, mas um sujeito eclesial
que realiza, em sua condição e missão próprias, o tríplice
múnus de Jesus Cristo sacerdote, rei e pastor (cf. LG, n. 31.34-
36).
3. Povo de Deus em missão: diálogo e serviço A leitura da realidade a partir da fé permanece como um legado
fundamental do Concílio. Toda a Igreja é chamada a ler os
sinais dos tempos. Esse espírito e “método” conciliares fazem
que a Igreja pensada e sugerida pelos padres conciliares
permaneça sempre atual, não obstante as mudanças históricas.
Com essa regra a Igreja concretiza sua missão na medida em
que é empática, acolhedora e solidária com a humanidade, ou
seja, com as pessoas e as sociedades concretas. No mundo em
transformação, marcado sempre por ambiguidades, a Igreja
deve ler permanentemente os sinais dos tempos para poder
exercer sua missão como discípula fiel do Senhor da História.
Ser discípulo é estar em saída de si mesmo na busca do outro,
ensina-nos o Papa Francisco. Tal saída não dissocia o encontro
com Cristo e com o outro. Trata-se de uma mesma empatia e de
um mesmo encontro que realiza a missão encarnatória da Igreja
na história (cf. EG, n. 115). Essa cultura do encontro e da
solidariedade constitui o antídoto à cultura individualista hoje
reinante, assim como o caminho para a renovação missionária
da Igreja com todos os seus sujeitos e estruturas. Com toda a
Igreja, o laicato está em saída para a missão evangelizadora.
Essa convocação implica conversão e aprendizado; conversão
que significa romper com as estruturas que impedem o
dinamismo do anúncio, sejam as estruturas internas que nos
fecham nos mundanismos da vaidade e da prepotência ou do
comodismo e do hedonismo religioso, sejam as estruturas
organizacionais que nos consomem em suas regras e nos
fecham em grupos de afinidades pouco operantes.
4. O cristão leigo numa Igreja “em saída” O “sujeito eclesial” (DAp, n. 497) se define pela consciência de
ser Igreja e não somente de pertencer à Igreja, pela experiência
de autonomia e corresponsabilidade na comunidade de fé e
pela ação na Igreja e no mundo, independente do ministério
que exerce na comunidade e da diversidade de carismas. O(s)
cristão(as) leigos (as) vivem inseridos de modo direto na
construção da vida social, ainda que essa seja uma tarefa
complexa. A busca do mundo novo é um horizonte inesgotável,
uma reserva para a qual todo cristão dirige seu olhar e submete
suas ações. Não pode haver para o cristão nenhum “bem-estar”
– como o comodismo perante os prazeres individuais efêmeros
– assim como nenhum “mal estar” que conclua o fim da
história. O mundo “deve ser transformado segundo o plano de
Deus em ordem ao advento do Reino de Deus” (ChL, n. 1) A
esperança nos move e o amor nos faz semelhantes a Deus em
cada gesto que acolhe e inclui o outro em nossa vida,
particularmente o outro excluído que clama por nossa
solidariedade. A ação do leigo no mundo, movida pelo Espírito,
é uma ação que santifica a Igreja e o próprio mundo, na medida
em que constrói, ainda que, muitas vezes, de forma quase
imperceptível, o Reino de Deus que é semelhante a um grão de
mostarda (Mc 4,30-32).
5. Perspectiva do documento: cristão leigo como sujeito
eclesial O presente documento pretende animar leigos e leigas a se
compreenderem e atuarem como sujeitos eclesiais nas diversas
realidades em que se encontram inseridos. Dá especial ênfase a
uma necessária superação do clericalismo, do individualismo
(fechamento em si mesmo) e do comunitarismo (fechamento
em grupos).
PARTE I - O MUNDO ATUAL: ESPERANÇAS E
ANGÚSTIAS . O mundo é o lugar da ação consciente, autônoma e criativa do
cristão. A negação dessa realidade constitui umaalienação da
condição fundamental e histórica do ser humano (ser
necessariamente constituído, situado e afetado pelo mundo
material e social em que vive) e, ao mesmo tempo, uma fuga da
condição de discípulos missionários de Jesus Cristo: enviados a
anunciar a Boa Notícia da salvação a todos os povos de todos
os tempos. É necessário “conhecer e compreender o mundo no
qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole
frequentemente dramática” (GS, n. 4). Esse discernimento que
deve ser feito por todo o Povo de Deus, significa encontrar na
trama concreta da história vivenciada por toda a humanidade o
desígnio de Deus e, dentro dessa condição concreta, buscar a
realização da vocação integral do ser humano, as soluções
plenamente humanas (cf. GS, n.11). Entender esse mundo em
que vivemos é algo complexo:
ADVENTO DAS NOVAS TECNOLOGIAS – NOVAS
LINGUAGENS; RÁPIDAS TRANSFORMAÇÕES;
AUGE DO CAPITALISMO FINANCEIRO – LEIS DE
MERCADO E O LUCRO DETERMINAM OS DESTINOS
DE POVOS E NAÇÕES;
CULTURA URBANA – CULTURA DE CONSUMO;
TRANSITORIEDADE DAS RELAÇÕES HUMANAS –
AMOR LÍQUIDO
PARTE II - O SUJEITO ECLESIAL: CIDADÃOS,
DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS.
O CRISTÃO COMO SUJEITO
A noção de sujeito possui uma raiz genuinamente judaico-
cristã. Ela remete para a própria noção de criatura, distinta do
Criador e chamada a dialogar com Ele como pessoa livre (Gl.
5,1) e eticamente responsável pelo destino de si mesma e da
história, como membro de um Povo e na perspectiva do futuro
prometido por Deus. O cristianismo herda e radicaliza essa
convicção universalizando a noção de sujeito dentro da
comunidade (cf. Gl 3,28) e oferecendo a salvação para todos os
povos. (cf. At 10, 34-35). O leigo sujeito na Igreja e no mundo
é o cristão maduro na fé, que fez o encontro pessoal com Jesus
Cristo e se dispôs a segui-lo com todas as consequências dessa
escolha; é o cristão que adere ao projeto do Mestre e busca
identificar-se sempre mais com sua pessoa; é o cristão que se
coloca na escuta do Espírito que envia à edificação da
comunidade e à transformação do mundo na direção do Reino
de Deus. Tornar-se sujeito eclesial é um projeto de construção
que supera todas as formas de infantilismo eclesial que possam
manter cristãos dependentes de outrem na consciência de si
mesmo e de sua missão. O sujeito cristão se realiza como
pessoa dentro da comunidade cristã. A pessoa é uma unidade
de consciência e de relação, cujo modelo é a própria pessoa de
Jesus Cristo.
O SUJEITO ECLESIAL E A CIDADANIA A cidadania plena é um dos rostos da caridade em nosso tempo,
em nosso país e em nossa América Latina e Caribe (cf.
DAp, n. 384-385). É urgente o esforço de trazer cada pessoa ao
mundo dos direitos plenos – direitos humanos, civis, sociais,
como a moradia, educação e saúde, de participação política e
outros. A promoção do bem comum e a construção de uma
democracia participativa são tarefas que ultrapassam o círculo
dos cristãos.
O CRISTÃO É UM CIDADÃO DO REINO DE DEUS O cristão, permanecendo Igreja, constrói cidadania no mundo,
ou seja, assume sua missão sem limites e fronteiras, através de
sua presença nas macro e micro estruturas que compõem o
conjunto da sociedade. Afinal, a Igreja existe unicamente para
servir como Jesus Cristo serviu. “É a pessoa humana que deve
ser salva. É a sociedade humana que deve ser renovada” (GS,
n. 3). A situação de nossa sociedade urge uma conversão
radical: recolocar o ser humano como o fim destas mediações,
e não o meio delas. Hoje vemos o ser humano
instrumentalizado pelas ideologias do consumo e da
indiferença, uma mera engrenagem de poderosos mecanismos
de exclusão que alimentam uma verdadeira idolatria do
dinheiro (cf. EG, n. 55). No Reino de Deus, ao contrário,
encontramos outra lógica: tudo a serviço da vida plena para
todos.
RUMO A UMA NOÇÃO INTEGRAL DE SUJEITO
CRISTÃO Para vivenciar uma noção integral do sujeito cristão, faz-se
necessário dar passos no sentido de superar antagonismosque
estão enraizados em muitas mentalidades. O primeiro é o
antagonismo entre a fé e a vida. Segundo esta noção, o mundo
da fé é superior e, até mesmo, oposto ao mundo da vida. Por fé,
entende-se, segundo esta concepção, tudo o que se relaciona ao
mundo espiritual, ao culto e aos sacramentos. No outro lado,
estaria a vida comum de todos: o trabalho, as funções e os
compromissos familiares, a educação dos filhos, o mundo da
política, etc. (cf. GS, n. 43). Outro é o antagonismo Igreja-
mundo. Segundo esta perspectiva, a Igreja seria uma instância
superior e, até mesmo, oposta ao mundo. Esta relação de
oposição e exclusão não pertence ao núcleo do Evangelho nem
à perspectiva do Concílio Vaticano II. Ao contrário, reconhecer
o fato da Encarnação – o mistério de Deus conosco,
comprometido com nossa história a tal ponto de dar-nos o
Filho, fazendo-se um de nós e assumindo em tudo a
humanidade, menos o pecado – faz-nos valorizar este único
mundo e esta única história que nos compete viver, unidos a
todo o gênero humano. A Igreja está comprometida com este
mundo, como sacramento e sinal do amor e da misericórdia de
Deus para com todos (cf. LG, n. 1), e nesta missão peregrina
até que o Reino de Deus se manifeste plenamente em novo céu
e nova terra.
NATUREZA E MISSÃO DOS CRISTÃOS LEIGOS E
LEIGAS O Concilio Vaticano II definiu o leigo de maneira positiva e
afirmou a plena incorporação dos fiéis leigos à Igreja e ao seu
mistério. Durante séculos, o triplo múnus (sacerdotal, profético
e régio de Cristo) foi aplicado ao ministério dos ordenados,
mas o Concílio fundamentou toda a Igreja, e não só o clero, nas
missões de Cristo e do Espírito Santo. Logo, o leigo é Igreja,
não apenas pertence à Igreja, assim como “somos um só corpo
em Cristo, e cada um de nós, membros uns dos outros” (Rm
12,5). Não se deve falar em superioridade de dignidade de
pertença à Igreja quando são comparados os membros da
hierarquia e os cristãos leigos – segundo esta mentalidade, os
primeiros seriam “mais” Igreja do que os leigos e, portanto,
mais dignos. Esta mentalidade, errônea em seu princípio,
esquece que a dignidade não advém dos serviços e ministérios
no interior da Igreja, mas da própria iniciativa divina, sempre
gratuita, da incorporação a Cristo pelo batismo.
A NECESSÁRIA EXPERIÊNCIA DE DEUS: SABOREAR
A AMIZADE E A MENSAGEM DE JESUS Os leigos são instados a descobrir e alimentar uma
espiritualidade apropriada à sua vocação. Não se trata de fugir
das realidades temporais para encontrar a Deus, mas de
encontrá-lo ali, em seu trabalho perseverante e ativo,
iluminados pela fé. É preciso discernir e rejeitar a “tentação de
uma espiritualidade intimista e individualista, que dificilmente
se coaduna com as exigências da caridade, com a lógica da
encarnação [...]” (NMI, n. 52). A espiritualidade cristã sempre
será uma espiritualidade de encarnação. Este enfoque deve
permear a formação laical desde o processo de iniciação cristã.
AS TENTAÇÕES DO CLERICALISMO E DO
LAICISMO O clericalismo e o laicismo são duas tentações que afetam o
conjunto da Igreja, especialmente o laicato em sua
autopercepção, responsabilidade e missão. Ambas dicotomizam
a relação entre a Igreja e o mundo e deformam a atuação do
cristão leigo tanto na Igreja como no mundo. É preciso
distinguir clero de clericalismo: o primeiro são os que exercem
na Igreja o ministério ordenado na condição de servidores do
Povo de Deus, investidos de funções de coordenação na
comunidade eclesial. O segundo, clericalismo, é o exercício da
função como poder de mando de uns sobre os outros, em nome
de uma pretensa dignidade sagrada superior (EG, n. 104).
Também é preciso distinguir laicidade de laicismo. A laicidade
diz respeito à legitima autonomia da ordem secular em relação
às instituições religiosas, enquanto o laicismo constitui a
negação da religião como dimensão do ser humano e, em
muitos casos, a negação do direito de elas se manifestarem na
ordem pública. O clericalismo infantiliza os leigos ou os deixa
falsamente protegidos sob estruturas que os mantêm
subservientes e manipuláveis, impedindo-os de se
desenvolverem e se realizarem como verdadeiros sujeitos
eclesiais, que assumem o dom de sua vocação laical para o
serviço na Igreja e no mundo.
UMA IGREJA “EM SAÍDA” A Igreja e o mundo não são duas realidades separadas, a
relação entre elas não é excludente. Ao contrário, estão
interrelacionadas e inter-orientadas. A Igreja é chamada a ser
sacramento, sinal e instrumento do amor e da salvação de Deus
(cf. LG, nn. 1 e 48). Ela peregrina na história, como povo de
Deus, “até que todas as famílias dos povos, tanto as que estão
ornadas com o nome de cristão, como as que ainda ignoram o
seu Salvador, sejam felizmente congregadas na paz e
concórdia, no único Povo de Deus [...]” (LG, n. 69) Portanto, a
Igreja não é um clube de eleitos nem é uma “alfândega”
controladora da graça de Deus (cf. EG, n. 47). Há, no núcleo da
noção de Igreja uma abertura radical que se “estende a todos os
povos da terra” (LG, n. 13). O caráter universal – católico – é
dom de Deus e permite a comunicação de bens na diversidade,
mantendo-se esta unidade fundamental.
UMA IGREJA POBRE, PARA OS POBRES E COM OS
POBRES A Igreja que queremos é uma Igreja pobre, para os pobres e
com os pobres. “Hoje e sempre, ‘os pobres são os destinatários
privilegiados do Evangelho’, e a evangelização dirigida
gratuitamente a eles é sinal do Reino” (EG, n. 48, em que o
Papa Francisco cita Bento XVI). Evangelizar é “tornar o Reino
de Deus presente neste mundo” (EG, n. 176). A Igreja latino-
americana em Medellín assume a opção pelos pobres (14, I, 1-
2; III, 8-11), em Puebla proclama solenemente a profética
opção preferencial e solidária pelos pobres (cf. DP, n. 1.134).
Reiterada nas subsequentes Conferências do Episcopado
Latino-americano (SD, n. 1178 e DAp, n. 392). A Exortação
Apostólica Evangelii Gaudium (cf. nn. 198-199) a reafirma
como categoria teológica, inspirada na preferência divina, com
consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a
terem “o mesmo sentir e pensar que Cristo Jesus” (Fl 2,5). Os
pobres, descreve o Papa Francisco, ocupam lugar preferencial
no coração de Deus, que se fez pobre (cf. EG, n. 197).
PARTE III - A AÇÃO TRANFORMADORA NA IGREJA
E NO MUNDO Todo cristão é chamado a ser um autêntico sujeito eclesial (cf.
DA, n. 497). A ação é uma das notas que caracterizam a noção
de sujeito. O cristão é sujeito na medida em que, consciente de
sua condição, exerce com discernimento e autonomia sua
missão na Igreja e no mundo. A ação não pode ter um
significado meramente técnico como algo que, mediante planos
bem traçados, visa a resultados, sobretudo resultados
quantitativos e controlados. A ação transformadora do sujeito
eclesial na Igreja e no mundo pode ter diferentes significados
ou modos de realização:
a. Primeiramente um significado testemunhal como presença
que anuncia Jesus Cristo por meio das ações quotidianas de
cada cristão ali onde se encontra, na sua condição de cidadão
comum. Essas ações podem não produzir resultados visíveis,
mas contribuem de modo silencioso com a semeadura do Reino
no mundo e na Igreja (cf. Mt 13,31-32) . Delas, todos os
cristãos devem participar como pessoas que se identificam com
Jesus Cristo.
b. Outro modo de agir acentua o aspecto da ética e da
competência cidadã, quando cada cristão vive sua fé exercendo
da melhor forma possível sua própria atividade profissional,
contribuindo, assim, para a construção de um mundo justo e
solidário.
c. A ação do sujeito eclesial pode também ser uma ação
reconhecida e organizada na forma de serviços, pastorais,
ministérios e outros grupos organizados pela própria Igreja.
Sua operatividade e visibilidade são notadas dentro e fora dela.
d. Outro modo é a inserção na vida social. Este exige
discernimento das conjunturas, organização grupal,
planejamento e militância. Nesse campo de ação, as chamadas
pastorais sociais se dedicam às mais várias atividades visando
não só a assistência imediata, mas também a conscientização,
meios de organização e atuação na vida política, em vista de
contribuir para a transformação da sociedade.
DOCUMENTO 100 – CNBB
COMUNIDADE DE COMUNIDADES: UMA NOVA PARÓQUIA
CAP IV – Comunidade paroquial O fundamento da comunidade-Igreja está na Santíssima
Trindade.
Pelo Espírito recebe o dom da unidade, que se expressa na
paróquia.
A paróquia é a extensão da Igreja Particular e da Eucaristia
episcopal.
O Vaticano II define a paróquia como sendo “célula da
diocese”.
4.1. Trindade: fonte e meta da comunidade Igreja, projeto do Pai, criatura do Filho e vivificada pelo
Espírito Santo.
Ela tem sua origem na Trindade e por isto é comunidade de
amor.
Vive o amor que permite acolhida e doação, capaz de unir
diferenças.
A comunhão e a missão trinitária inspiram missão da
comunidade.
Uma comunidade só pode ser chamada de cristã se ela vive a
missão.
Assim temos a diocese, as paróquias e as comunidades na
diversidade.
4.2. Diocese e paróquia A criação de uma nova paróquia significa nova presença da
Igreja.
A comunhão da Igreja é mistério, além das aparências
externas.
Por isto, ela supera a unidade sociológica e harmonia
psicológica.
Reflete comunhão dos santos e em comunhão com a Igreja
no céu.
Visa a salvação que considera e transcende o mundo visível.
4.3. Definição de paróquia Ela é caminho de passagem para os cristãos em direção à
Salvação.
Mas também tem uma estabilidade no sentido de vida
comunitária.
Catecismo da Igreja Católica, Código 1983 e Vaticano II em
sintonia.
Dizem: Comunidade de fieis, estável, com o pároco, pastor
próprio.
Importantes: comunidade de comunidades e comunhão com
a diocese.
Isto se faz através da ação do pároco em comunhão com o
bispo.
Na paróquia deve acontecer o modelo de comunidade dos
1ºs cristãos.
Quatro: fração do pão, comunhão fraterna, orações e
ensinamento.
Da paróquia derivam 3 tarefas: comunhão de fé, de culto, de
caridade.
O Catecismo destaca a oração comunitária acima da oração
privada.
4.4. Comunidade de fieis Entende-se comunidade agrupamento humano com algo em
comum.
Em nível de Igreja, o que forma comunidade é o batismo e a
eucaristia.
É comunidade que partilha, que professa a fé e testemunha a
caridade.
A paróquia deve ser casa-comum, onde todos partilham a
vida divina.
O Concílio Vaticano II concebe a paróquia como
comunidade de fieis.
O sentido comunitário faz com que o cristão seja realizado
na vida.
4.5. Território paroquial O Código define paróquia territorial e também paróquias
pessoais.
A territorial define os paroquianos moradores dentro do
espaço.
O cuidado pastoral cabe ao pároco, estando unido ao seu
bispo.
É o espaço onde se ouve a Palavra de Deus e participa da
Eucaristia.
4.6. Comunidade: casa de cristãos A comunidade cristã é a experiência de Igreja ao redor da
casa.
A paróquia é a própria Igreja que vive no meio das casas dos
cristãos.
Comunidade é ideia de casa, ambiente de vida, referência e
aconchego.
No NT a palavra casa pode ser comunidade-Igreja sobre
pedras vivas.
4.6.1. Casa da Palavra A comunidade cristã é onde se escuta, acolhe e pratica a
Palavra.
É como Deus tendo armado sua tenda entre nós, morada de
Deus.
A Igreja é casa da Palavra, onde o cristão escuta e responde a
Deus.
Então é casa de iniciação à vida cristã na perspectiva da ação
bíblica.
4.6.2. Casa do pão O cristão se alimenta e vive da eucaristia na vida da
comunidade.
Na eucaristia há o encontro de Deus com os cristãos e deles
ente si.
Ela é fonte inesgotável de vocação cristã e de impulso
missionário.
Motivados na celebração eucarística, o cristão pratica a
caridade.
4.6.3. Casa da caridade – ágape A Palavra e a Eucaristia dão ao cristão uma nova dimensão
de vida.
A presença de Deus em sua vida lhe dá a dimensão do amor-
ágape.
Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelo
amigo”
A amizade-ágape se traduz em compaixão e opção pelos
pobres.
A comunidade deve ser também presença pública da Igreja
no mundo.
4.7. Comunidades para a missão A comunidade cristã é missionária quando age em favor da
dignidade.
Supõe um testemunho que vem antes das palavras e gera
missão.
A missão supõe testemunho de proximidade afetuosa como
fez Jesus.
Supõe anúncio explícito da Boa Nova de Jesus, anúncio do
querigma.
Há pessoas que perderam o brilho da fé e vivem testemunho
opaco.
O querigma inclui o testemunho, que desmascara as
mentiras.
Uma fé sem testemunho e sem carisma não consegue mudar
nada.
Uma paróquia, para ser missionária, deve ir ao encontro das
pessoas.
4.8. Breve conclusão
A Igreja ajuda o encontro da ação de Deus com a resposta
humana.
Apesar de viver no mundo, no tempo, destina-se para a
eternidade.
A descentralização da paróquia ajuda na proximidade e no
encontro.
O que derruba estruturas caducas e leva a mudar é a
missionariedade.
CAP V – Sujeitos e tarefas da conversão pastoral
Fieis leigos e ordenados participam da conversão pastoral.
Os sujeitos e as tarefas dependem de encontro pessoal com
Jesus.
Jesus apresenta um novo jeito de agir e cuidar das pessoas.
A conversão paroquial depende de um renovado amor à
pastoral.
A fonte primeira para isto está no Batismo e na Ordem.
O missionário tem que ser presença evangelizadora nas
periferias.
Há medo de sair do centro, de descentralizar e prejudica a
conversão.
O centro é Jesus, que convoca e envia com coragem
apostólica.
Missão é corresponsabilidade desprendida, responsabilidade
apostólica.
5.1. Os bispos São os primeiros responsáveis a fomentar a conversão
paroquial.
Fazer da Igreja casa e escola de comunhão desencadeando
conversão.
Papa Francisco os estimula serem pacientes, misericordiosos
e simples.
Os bispos devem ser os animadores de uma nova
mentalidade.
Devem fortalecer o clero na sua missão e na sua
espiritualidade.
Sem isto, será difícil uma paróquia ser comunidade de
comunidades.
5.2. Os presbíteros Sejam padres-pastores, dedicados, generosos, acolhedores e
abertos.
Um sinal preocupante é a sobrecarga, prejudicando o seu
equilíbrio.
Há padres desencantados, cansados, apáticos, insensíveis,
rudes etc.
Preocupação com a formação do padre para acompanhar as
mudanças.
O padre pode ficar atrasado no tempo e afastado da
realidade.
A renovação paroquial depende de vivência mais
comunitária do padre.
Para haver mudança é fundamental a postura pessoal do
presbítero.
Ele não é mero delegado ou representante da comunidade, é
um dom.
Deve ser acolhedor, ter paternidade espiritual sem distinção.
Há uma exigência: que o padre seja autêntico discípulo de
Jesus Cristo.
Somente um sacerdote apaixonado por Cristo transforma a
paróquia.
Ele tem que ser homem de Deus com profunda intimidade
com Cristo.
É importante a formação permanente do padre e nos
Seminários.
5.3. Os diáconos permanentes Devem ser formadores de novas comunidades eclesiais nas
periferias.
A conversão paroquial depende também da atuação dos
diáconos.
Com a dupla sacramentalidade, explicitam a unidade
eclesial.
Podem assumir comunidades não territoriais: dependentes
químicos.
Em caso de necessidade, podem administrar uma paróquia.
5.4. Os consagrados Todos os religiosos na pastoral devem ajudar na renovação
paroquial.
As religiosas ajudam as paróquias com sua presença junto às
famílias.
Apostolado estar em comunhão com a diocese e o plano de
pastoral.
Estejam em sintonia com a caminhada, evitando ação
paralela.
Seu vínculo com a diocese seja jurídico, pastoral e
missionário.
5.5. Os leigos Sua missão tem origem nos sacramentos, Batismo e
Confirmação.
A atuação seja de testemunho de Cristo na ajuda aos
pastores.
O leigo precisa superar o clericalismo e participar das
pastorais.
Reconhecer a diversidade de carismas, serviços e
ministérios.
O Código prevê a possibilidade de o leigo administrar uma
paróquia.
Para isto é necessário um processo integral de formação
laical.
Processo programado, sistemático, que inclua a Doutrina
Social.
Leigo clericalizado é ser mais cômodo e sem compromisso
social.
O clericalismo do leigo é falta de maturidade e de liberdade
cristã.
O leigo cristão deve ter consciência de vocacionado para
“ser Igreja”.
5.5.1. A família Ela tem sido confrontada com outras formas de convivência.
Encontros de famílias são exemplos de iniciativas de vida
comunitária.
Há políticas públicas que não respeitam a família como
célula social.
Propaga-se o ser feliz sem levar em conta o amor com
compromisso.
Namoro e casamento vivem crise de afeto e não criam
vínculos.
Na paróquia participam pessoas de variadas formas de vida.
Sem vínculo sacramental, segunda união, sozinhos com
filhos, avós.
Usar sempre de misericórdia com a família, acolher, orientar
e incluir.
5.5.2. As mulheres Há intensa participação das mulheres nas comunidades
paroquiais.
Participam na catequese, liturgia, ministras, enfermos,
acolhida etc.
Francisco: “Igreja sem as mulheres é Colégio Apostólico
sem Maria”.
Elas são a maioria nas diversas comunidades paroquiais.
Precisam ser valorizadas, porque ajudam na renovação
paroquial.
5.5.3. Os jovens Ter abertura para os jovens porque eles moram no coração
da Igreja.
Opção afetiva e efetiva pelos jovens anunciando-lhes o amor
de Cristo.
Eles devem ter espaços adequados para seu engajamento
comunitário.
Dar atenção aos jovens que vivem em situação de risco e
exclusão.
Os jovens são riqueza de uma comunidade, com seu jeito
próprio.
Eles têm ousadia e destemor para vencer a comodidade de
hoje.
Sem o rosto jovem a Igreja acaba se apresentando
desfigurada.
Usar as redes sociais para cativar os jovens, onde eles
interagem.
O papa Francisco lhes sugere vencer as tentações do
provisório.
5.5.4. Os idosos Há muitos idosos nas comunidades e nem sempre são
escutados.
Testemunhas da história, com valores que precisam ser
resgatados.
Devem participar de encontros para evitar situações de
isolamento.
Criar entre eles laços de amizade para evitar situação de
abandono.
Para muitos idosos a comunidade paroquial é uma nova
família.
Criar espaços para eles e relacionamento com jovens e
crianças.
5.6. Comunidades Eclesiais de Base A CEB é instrumento para o povo ter encontro com a Palavra
de Deus.
É espaço onde se cria compromisso social em nome do
Evangelho.
Espaço também de educação da fé e de surgimento de
serviços leigos.
Provocam nos cristãos um novo ardor missionário e
evangelizador.
Através das CEBs os leigos conseguem melhor dialogar com
o mundo.
Em contato com a Igreja local, tornam-se sinal de vitalidade
da Igreja.
Elas constituem um dos traços mais dinâmicos da vida da
Igreja.
São a presença de Igreja junto aos mais simples de forma
corajosa.
Formam comunidades com acento missionário e sócio-
transformador.
Centralidade na Palavra de Deus, na Eucaristia e nos
pequenos grupos.
As CEBs contribuem com a conversão pastoral da paróquia.
5.7. Movimentos e associações de fieis São sinais da Providência de Deus para a Igreja de hoje.
Existem no Brasil novas experiências que enriquecem a
todos.
Muitos movimentos leigos são engajados nas comunidades.
É preciso interrogar os que fazem um caminho mais
autônomo.
São escolas ou linhas de espiritualidade e reúnem muitas
pessoas.
Têm um aspecto transterritorial com carismas específicos.
O desafio é ter vivência de comunhão e de pastoral de
conjunto.
Como são supradiocesanos, têm dificuldade com as
dioceses.
Às vezes há desconforto e preconceito nas relações na
comunidade.
De ambas as partes deve haver abertura para um diálogo
sadio.
Haja fidelidade, participação, comunhão e colaboração de
todos.
Não podem colocar-se no mesmo plano das comunidades
paroquiais.
Também não podem alimentar pretensões de ser totalidade.
As paróquias não têm direito de excluir ou negar sua
existência.
Não podem ser nômades sem raiz, mas integrados na
pastoral.
5.8. Comunidades ambientais e transterritoriais Há grupos de moradores de rua, universitários, empresários,
artistas.
Nos hospitais pode haver verdadeira comunidade e deve ser
assistida.
Pensar e planejar ação evangelizadora também nesses
ambientes.
As escolas também podem ser comunidades e devem ser
atendidas.
As universidades como grande areópago, devem ter presença
cristã.
É importante ter a Pastoral Universitária para anúncio da
Boa Nova.
5.9. Breve conclusão A renovação supõe estímulo de organização nesta
diversidade.
Criar vínculo e partilha de caminhada com uma pastoral
planejada.
A paróquia é importante, mas insuficiente na tarefa de
evangelização.
Diante da complexidade de hoje, é preciso encontrar meios e
recursos.
EXOTAÇÃO APOSTÓLICA CHRISTIFIDELES LAICI
CAPÍTULO II
TODOS RAMOS DA ÚNICA VIDEIRA
A participação dos fiéis leigos na vida da Igreja-Comunhão
O Mistério da Igreja-Comunhão
18. Ouçamos de novo as palavras de Jesus: « Eu sou a
verdadeira videira e o meu Pai é o agricultor ... Permanecei em
Mim e Eu em vós » (Jo 15, 1-4).
Nestas simples palavras é-nos revelada a misteriosa comunhão
que vincula em unidade o Senhor e os discípulos, Cristo e os
baptizados: uma comunhão viva e vivificante, pela qual os
cristãos deixam de pertencer a si mesmos, tornando-se
propriedade de Cristo, como as vides ligadas à videira.
A comunhão dos cristãos com Jesus tem por modelo, fonte e
meta a mesma comunhão do Filho com o Pai no dom do
Espírito Santo: unidos ao Filho no vínculo amoroso do
Espírito, os cristãos estão unidos ao Pai.
Jesus prossegue: « Eu sou a videira e vós os ramos » (Jo 15, 5).
Da comunhão dos cristãos com Cristo brota a comunhão dos
cristãos entre si: todos são ramos da única Videira, que é
Cristo. Para o Senhor Jesus esta comunhão fraterna é o
maravilhoso reflexo e a misteriosa participação na vida íntima
de amor do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Jesus reza por
esta comunhão: « Que todos sejam um só, como Tu, ó Pai,
estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em nós,
para que o mundo creia que Tu me enviaste » (Jo 17, 21).
Esta comunhão é o próprio mistério da Igreja, como nos
recorda o Concílio Vaticano II na célebre frase de São
Cipriano: « A Igreja universal aparece como "um povo unido
pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo" ».(52) Para
esse mistério da Igreja-Comunhão somos habitualmente
chamados, quando, no início da celebração eucarística, o
sacerdote nos recebe com a saudação do apóstolo Paulo: « A
graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do
Espírito Santo estejam com todos vós » (2 Cor 13, 13).
Depois de ter esboçado a « figura » dos fiéis leigos na sua
dignidade, devemos agora reflectir sobre a sua missão e
responsabilidade na Igreja e no mundo: mas estas só podem ser
compreendidas de forma adequada no contexto vivo da Igreja-
Comunhão.
O Concílio e a eclesiologia de comunhão
19. Esta é a idéia central que a Igreja deu de si no Concílio
Vaticano II, como no-lo recorda o Sínodo extraordinário de
1985, celebrado a vinte anos do acontecimento conciliar: « A
eclesiologia da comunhão é a idéia central e fundamental nos
documentos do Concílio. A Koinonia-comunhão, fundada na
Sagrada Escritura, é tida em grande honra na Igreja antiga e nas
Igrejas orientais até aos nossos dias. Por isso, muito se tem
feito desde o Concílio Vaticano II para que a Igreja como
comunhão seja entendida de maneira mais clara e traduzida de
modo mais concreto na vida. Que significa a complexa palavra
"comunhão"? Trata-se fundamentalmente de comunhão com
Deus por Jesus Cristo no Espírito Santo. Tem-se esta
comunhão na Palavra de Deus e nos Sacramentos. O Baptismo
é a porta e o fundamento da comunhão na Igreja. A Eucaristia é
a fonte e o ápice de toda a vida cristã (cf. LG 11). A comunhão
do corpo de Cristo eucarístico significa e produz, isto é, edifica
a íntima comunhão de todos os fiéis no Corpo de Cristo que é a
Igreja (1 Cor 10, 16) ».(53)
Logo a seguir ao Concílio, Paulo VI assim se dirigia aos fiéis: «
A Igreja é uma comunhão. Que significa neste caso comunhão?
Vamos ao parágrafo do catecismo que fala da sanctorum
communionem, a comunhão dos santos. Igreja significa
comunhão dos santos. E comunhão dos santos quer dizer uma
dupla participação vital: a incorporação dos cristãos na vida de
Cristo e a circulação dessa mesma caridade em todo o tecido
dos fiéis, neste mundo e no outro. União a Cristo e em Cristo; e
união entre os cristãos, na Igreja ». (54)
As imagens bíblicas com que o Concílio se propôs introduzir-
nos na contemplação do mistério da Igreja, realçam a realidade
da Igreja-comunhão na sua inseparável dimensão de comunhão
dos cristãos com Cristo e de comunhão dos cristãos entre si.
São as imagens do redil, do rebanho, da videira, do edifício
espiritual, da cidade santa.(55) é sobretudo a imagem do corpo
apresentada pelo apóstolo Paulo, cuja doutrina brota fresca e
atraente em tantas páginas do Concílio.(56) Por sua vez, o
Concílio reportando-se à história inteira da salvação, volta a
propor a imagem da Igreja como Povo de Deus: « Aprouve a
Deus salvar e santificar os homens, não individualmente,
excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em
povo que O reconhecesse na verdade e O servisse santamente
».(57) Já nas suas primeiras linhas, a Constituição Lumen
gentium compendia de forma admirável essa doutrina, ao
escrever: « A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou
seja, o sinal e o instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o género humano ».(58)
A realidade da Igreja-Comunhão é, pois, parte integrante,
representa mesmo o conteúdo central do « mistério », ou seja,
do plano divino da salvação da humanidade. Por isso, a
comunhão eclesial não pode ser adequadamente interpretada,
se é entendida como uma realidade simplesmente sociológica e
psicológica. A Igreja-Comunhão é o povo « novo », o povo «
messiânico », o povo que « tem por cabeça Cristo ... por
condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus... por lei
o novo mandamento de amar como o próprio Cristo nos
amou... por fim o Reino de Deus... (e é) constituído por Cristo
numa comunhão de vida, de caridade e de verdade ».(59) Os
laços que unem os membros do novo Povo entre si — e antes
de mais com Cristo — não são os da « carne » e do « sangue »,
mas os do espírito, mais precisamente, os do Espírito Santo,
que todos os baptizados recebem (cf. Jl 3, 1).
Com efeito, aquele Espírito que desde a eternidade vincula a
única e indivisa Trindade, aquele Espírito que « na plenitude do
tempo » (Gal 4, 4) une indissoluvelmente a carne humana ao
Filho de Deus, esse mesmo e idêntico Espírito torna-se, ao
longo das gerações cristãs, a fonte ininterrupta e inesgotável da
comunhão na Igreja e da Igreja.
Uma comunhão orgânica: diversidade e complementariedade
20. A comunhão eclesial configura-se, mais precisamente,
como uma comunhão « orgânica », análoga à de um corpo vivo
e operante: ela, de facto, caracteriza-se pela presença
simultânea da diversidade e da complementariedade das
vocações e condições de vida, dos ministérios, carismas e
responsabilidades. Graças a essa diversidade e
complementariedade, cada fiel leigo encontra-se em relação
com todo o corpo e dá-lhe o seu próprio contributo.
Sobre a comunhão orgânica do Corpo místico de Cristo insiste
com muita ênfase o apóstolo Paulo, cuja doutrina tão rica
podemos reencontrar na síntese que o Concílio esboçou: Jesus
Cristo — lemos na Constituição Lumen gentium —, «
comunicando o Seu Espírito, fez dos Seus irmãos, chamados de
entre todos os povos, como que o Seu Corpo místico. Nesse
corpo a vida de Cristo difunde-se nos crentes... Como todos os
membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam
no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cf. 1
Cor 12, 12). Também na edificação do Corpo de Cristo existe
diversidade de membros e de funções.
é um mesmo Espírito que distribui os Seus vários dons segundo
a Sua riqueza da Igreja (cf. 1 Cor 12, 1-11). Entre estes dons,
sobressai a graça dos Apóstolos, a cuja autoridade o mesmo
Espírito submete também os carismáticos (cf. 1 Cor 14). O
mesmo Espírito, unificando o corpo por Si e pela Sua força e
pela conexão interna dos membros, produz e promove a
caridade entre os fiéis. Daí que, se algum membro padece,
todos os membros sofrem juntamente (cf. 1 Cor 12, 26) ».(60)
é sempre o único e idêntico Espírito o princípio dinâmico da
variedade e da unicidade na e da Igreja. Lemos de novo na
Constituição Lumen gentium: « E para que sem cessar nos
renovemos n'Ele (Cristo) (cf. Ef 4, 23), deu-nos do Seu
Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos
membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os Santos
Padres compararem a Sua acção à que o princípio vital, ou
alma, desempenha no corpo humano ».(61) E numa outra
passagem, particularmente densa e preciosa para podermos
compreender a « organicidade » própria da comunhão eclesial,
também no seu aspecto de constante crescimento para a
comunhão perfeita, o Concílio escreve: « O Espírito habita na
Igreja e nos corações dos fiéis, como num templo (cf. 1 Cor 3,
16; 6, 19) e dentro deles ora e dá testemunho da adopção de
filhos (cf. Gal 4, 6; Rom 8, 15-16. 26). A Igreja, que Ele
conduz à verdade total (cfr. Jo 16, 13) e unifica na comunhão e
no ministério, enriquece-a Ele e guia-a com diversos dons
hierárquicos e carismáticos e adorna-a com os Seus frutos (cf.
Ef 4, 11-12; 1 Cor 12, 4; Gal 5, 22). Pela força do Evangelho
rejuvenesce a Igreja e renova-a continuamente e leva-a à união
perfeita com o seu Esposo. Porque o Espírito e a Esposa dizem
ao Senhor Jesus: "Vem!" (cf. Ap 22, 17) ».(62)
A comunhão eclesial é, portanto, um dom, um grande dom do
Espírito Santo, que os fiéis leigos são chamados a acolher com
gratidão e, ao mesmo tempo, a viver com profundo sentido de
responsabilidade. Isso é concretamente realizado através da sua
participação na vida e na missão da Igreja, a cujo serviço os
fiéis leigos colocam os seus variados e complementares
ministérios e carismas.
O fiel leigo « não pode nunca fechar-se em si mesmo, isolando-
se espiritualmente da comunidade, mas deve viver num
contínuo intercâmbio com os outros, com um vivo sentido de
fraternidade, na alegria de uma igual dignidade e no empenho
em fazer frutificar ao mesmo tempo o imenso tesouro recebido
em herança. O Espírito do Senhor dá-lhe, como aos outros,
múltiplos carismas, convida-o a diferentes ministérios e
funções, recorda-lhe, como também recorda aos outros em
relação a ele, que tudo o que o distingue não é um suplemento
de dignidade, mas uma especial e complementar habilitação
para o serviço... Deste modo os carismas, os ministérios, as
funções e os serviços do fiel leigo existem na comunhão e para
a comunhão. São riquezas complementares em favor de todos,
sob a sábia orientação dos Pastores ».(63)
Os Ministérios e os carismas, dons do Espírito à Igreja
21. O Concílio Vaticano II apresenta os ministérios e os
carismas como dons do Espírito Santo em ordem à edificação
do Corpo de Cristo e à Sua missão de salvação no mundo.(64)
A Igreja, com efeito, é dirigida e guiada pelo Espírito que
distribui diversos dons hierárquicos e carismáticos a todos os
baptizados, chamando-os a ser, cada qual a seu modo, activos e
corresponsáveis.
Vamos agora considerar os ministérios e os carismas em
referência directa aos fiéis leigos e à sua participação na vida
da Igreja-Comunhão.
Ministérios, ofícios e funções
Os ministérios presentes e operantes na Igreja são todos,
embora de diferentes modalidades, uma participação no mesmo
ministério de Jesus Cristo, o bom Pastor que dá a vida pelas
Suas ovelhas (cf. Jo 10, 11), o servo humilde e totalmente
sacrificado para a salvação de todos (cf. Mc 10, 45). Paulo é
sobremaneira explícito sobre a constituição ministerial das
Igrejas apostólicas. Na Primeira Carta aos Coríntios escreve: «
Alguns, Deus estabeleceu na Igreja em primeiro lugar como
apóstolos, em segundo lugar como profetas, em terceiro lugar
como mestres ... » (1 Cor 12, 28). Na Carta aos Efésios lemos:
« A cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom
de Cristo ... A uns, Ele constituiu apóstolos; a outros, profetas;
a outros evangelistas, pastores, doutores, para o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a
edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos à
unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado
de homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo »
(Ef 4, 7.11-13; cf. Rom 12, 4 8). Como resulta destes e de
outros textos do Novo Testamento, os ministérios, bem como
os dons e as funções eclesiais, são variados.
Os ministérios derivados da Ordem
22. Na Igreja encontramos, em primeiro lugar, os ministérios
ordenados, isto é, os ministérios que derivam do sacramento
da Ordem. O Senhor Jesus, com efeito, escolheu e instituiu os
Apóstolos — semente do Povo da nova Aliança e origem da
sagrada Hierarquia,(65) com o mandato de fazer discípulos de
todas as gentes (cf. Mt 28, 19), de formar e de guiar o povo
sacerdotal. A missão dos Apóstolos, que o Senhor Jesus
continua a confiar aos pastores (Bispos, Presbíteros, Diáconos)
do Seu povo, é um verdadeiro serviço, a que a Sagrada
Escritura significativamente denomina « diakonia », isto é,
serviço, ministério. Os ministros recebem de Cristo
Ressuscitado o carisma do Espírito Santo, na ininterrupta
sucessão apostólica, através do sacramento da Ordem: d'Ele
recebem a autoridade e o poder sagrado para servirem a Igreja,
agindo « in persona Christi Capitis » (66) (na pessoa de Cristo
Cabeça) e reuni-la no Espírito Santo por meio do Evangelho e
dos Sacramentos. Os ministérios ordenados, antes de o serem
para aqueles que os recebem, são uma imensa graça para a vida
e para a missão da Igreja inteira. Exprimem e realizam uma
participação no sacerdócio de Jesus Cristo que se diferencia,
não só em grau mas também em essência, da participação dada
no Baptismo a todos os fiéis. Por outro lado, o sacerdócio
ministerial, como recordou o Concílio Vaticano II, é
essencialmente finalizado no sacerdócio real de todos os fiéis e
para ele ordenado.(67)
Por isso, a fim de assegurar e de aumentar a comunhão na
Igreja, em especial no âmbito dos diversos e complementares
ministérios, os pastores devem reconhecer que o seu ministério
é radicalmente ordenado para o serviço de todo o Povo de Deus
(cf. Heb 5, 1),e os fiéis leigos, pela sua parte, devem
reconhecer que o sacerdócio ministerial é absolutamente
necessário para a sua vida e para a sua participação na missão
da Igreja.(68)
Ministérios ofícios e funções dos leigos
23. A missão salvífica da Igreja no mundo realiza-se, não só
pelos ministros, que o são em virtude do sacramento da Ordem,
mas também por todos os fiéis leigos: estes, com efeito, por
força da sua condição baptismal e da sua vocação específica,
na medida própria e cada um, participam no múnus sacerdotal,
profético e real de Cristo.
Por isso, os pastores devem reconhecer e promover os ofícios e
as funções dos fiéis leigos, que têm o seu fundamento
sacramental no Baptismo e na Confirmação, bem como, para
muitos deles, no Matrimónio.
E, quando a necessidade ou a utilidade da Igreja o pedir, os
pastores podem, segundo as normas estabelecidas pelo direito
universal, confiar aos fiéis leigos certos ofícios e certas funções
que, embora ligadas ao seu próprio ministério de pastores, não
exigem, contudo, o carácter da Ordem. O Código de Direito
Canónico escreve: « Onde as necessidades da Igreja o
aconselharem, por falta de ministros, os leigos, mesmo que não
sejam leitores ou acólitos, podem suprir alguns ofícios, como
os de exercer o ministério da palavra, presidir às orações
litúrgicas, conferir o Baptismo e distribuir a Sagrada
Comunhão, segundo as prescrições do direito ».(69) Todavia, o
exercício de semelhante tarefa não transforma o fiel leigo em
pastor: na realidade, o que constitui o ministério não é a tarefa,
mas a ordenação sacramental. Só o sacramento da Ordem
confere ao ministro ordenado uma peculiar participação no
ofício de Cristo, Chefe e Pastor, e no Seu sacerdócio
eterno.(70) A tarefa que se exerce como suplente recebe a sua
legitimidade, formalmente e imediatamente, da delegação
oficial que lhe dão os pastores e, no seu exercício concreto,
submete-se à direcção da autoridade eclesiástica.(71)
A recente Assembleia sinodal perspectivou um vasto e
significativo panorama da situação eclesial acerca dos
ministérios, ofícios e funções dos baptizados. Os Padres
manifestaram vivo apreço pelo notável contributo apostólico
dos fiéis leigos, homens e mulheres, pelos seus carismas e por
toda a sua acção em favor da evangelização, da santificação e
da animação cristã das realidades temporais. Ao mesmo tempo,
foi muito apreciado o seu serviço ordinário nas comunidades
eclesiais e a sua generosa disponibilidade para a suplência em
situações de emergência e de necessidades crónicas.(72)
Na sequência da renovação litúrgica promovida pelo Concílio,
os próprios fiéis leigos, tomando mais viva consciência das
tarefas que lhes pertencem na assembleia litúrgica e na sua
preparação, tornaram-se largamente disponíveis no seu
desempenho: a celebração litúrgica, com efeito, é uma acção
sagrada, não só do clero, mas de toda a assembleia. É, portanto,
natural que as tarefas que não são exclusivas dos ministros
ordenados, sejam desempenhadas pelos fiéis leigos.(73) Torna-
se assim espontânea a passagem de um efectivo envolvimento
dos fiéis leigos na acção litúrgica para o anúncio da Palavra de
Deus e para a cura pastoral.(74)
Na mesma Assembleia sinodal, porém, não faltaram, ao lado
dos positivos, pareceres críticos sobre o uso indiscriminado do
termo « ministério », a confusão e o nivelamento entre
sacerdócio comum e sacerdócio ministerial, a pouca
observância de leis e normas eclesiásticas, a interpretação
arbitrária do conceito de « suplência », uma certa tolerância por
parte da própria autoridade legítima, a « clericalização » dos
fiéis leigos e o risco de se criar de facto uma estrutura eclesial
de serviço, paralela à fundada no sacramento da Ordem.
Precisamente para obviar tais perigos, os Padres sinodais
insistiram na necessidade de serem expressas com clareza, até
na própria terminologia,(75) quer a unidade de missão da
Igreja, em que participam todos os baptizados, quer a
diversidade substancial do ministério dos pastores, radicado no
sacramento da Ordem, em relação com os outros ofícios e as
outras funções eclesiais, radicados nos sacramentos do
Baptismo e da Confirmação.
é, pois, necessário, em primeiro lugar, que os pastores, ao
reconhecer e ao conferir aos fiéis leigos os vários ministérios,
ofícios e funções, tenham o máximo cuidado em instruí-los
sobre a raiz baptismal destas tarefas. Igualmente, os pastores
deverão zelar para que se evite um recurso fácil e abusivo a
presumíveis « situações de emergência » ou de « necessária
suplência », onde objectivamente não existam ou onde é
possível remediar com uma programação pastoral mais
racional.
Os vários ofícios e funções que os fiéis leigos podem
legitimamente desempenhar na liturgia, na transmissão da fé e
nas estruturas pastorais da Igreja, deverão ser exercidos em
conformidade com a sua específica vocação laical, diferente da
dos ministros sagrados. Nesse sentido, a Exortação Evangelii
nuntiandi, que teve tanto e tão benéfico mérito em estimular a
diversificada colaboração dos fiéis leigos na vida e na missão
evangelizadora da Igreja, lembra que « o campo próprio da sua
actividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e
complicado da política, da realidade social e da economia,
como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida
internacional, dos "mass-media" e, ainda, outras realidades
abertas para a evangelização, como sejam, o amor, a família, a
educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho
profissional e o sofrimento. Quantos mais leigos houver
impregnados do Evangelho, responsáveis em relação a tais
realidades e comprometidos claramente nas mesmas,
competentes para as promover e conscientes de que é
necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã, muitas
vezes escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem
nada perderem ou sacrificarem do próprio coeficiente humano,
mas patenteando uma dimensão transcendente para o além, não
raro desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação
do Reino de Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus
Cristo ».(76)
Durante os trabalhos do Sínodo, os Padres dedicaram bastante
atenção ao Leitorado e ao Acolitado. Enquanto, no passado,
eles existiam na Igreja Latina apenas como etapas espirituais
do itinerário para os ministérios ordenados, com o Motu
Próprio de Paulo VI, Ministeria quaedam (15 de Agosto de
1972) eles adquiriram uma própria autonomia e estabilidade,
bem como uma sua possível destinação aos próprios fiéis
leigos, se bem que exclusivamente para os homens. No mesmo
sentido se expressou o novo Código de Direito Canónico.(77)
Agora, os Padres sinodais manifestaram o desejo de que « o
Motu Próprio " Ministeria quaedam " fosse revisto, tendo em
conta o uso das Igrejas locais e sobretudo indicando os critérios
segundo os quais se devam escolher os destinatários de cada
ministério ».(78)
Em tal sentido foi constituída expressamente uma comissão,
não só para responder a este desejo manifestado pelos Padres
sinodais, mas também e ainda mais para estudar de modo
aprofundado os diversos problemas teológicos, litúrgicos,
jurídicos e pastorais levantados pelo actual grande
florescimento de ministérios confiados aos fiéis leigos.
Esperando que a Comissão conclua o seu estudo, para que a
praxe eclesial dos ministérios confiados aos fiéis leigos resulte
ordenada e frutuosa, deverão ser fielmente respeitados por
todas as Igrejas particulares os princípios teológicos atrás
recordados, em particular a diversidade essencial entre o
sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum e,
consequentemente, a diversidade entre os ministérios derivados
do Sacramento da Ordem e os ministérios derivados dos
sacramentos do Baptismo e da Confirmação.
Os carismas
24. O Espírito Santo, ao confiar à Igreja-Comunhão os diversos
ministérios, enriquece-a com outros dons e impulsos especiais,
chamados carismas. Podem assumir as mais variadas formas,
tanto como expressão da liberdade absoluta do Espírito que os
distribui, como em resposta às múltiplas exigências da história
da Igreja. A descrição e a classificação que os textos do Novo
Testamento fazem desses dons são um sinal da sua grande
variedade: « A manifestação do Espírito é dada a cada um para
proveito comum. A um, o Espírito dá uma palavra de
sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, segundo o mesmo
Espírito; a outro, a fé, no mesmo Espírito; a outro, o dom das
curas, nesse único Espírito; a outro, o operar milagres; a outro,
a profecia; a outro, o descernimento dos espíritos; a outro, o
falar diversas línguas e a outro ainda o interpretar essas línguas
» (1 Cor 12, 7-10; cfr. 1 Cor 12, 4-6.28-31; Rom 12, 6-8; 1 Ped
4, 10-11).
Os carismas, sejam extraordinários ou simples e humildes, são
graças do Espírito Santo que têm, directa ou indirectamente,
uma utilidade eclesial, ordenados como são à edificação da
Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo.
Também aos nossos dias não falta o florescer de diversos
carismas entre os fiéis leigos, homens e mulheres. São dados ao
indivíduo, mas também podem ser partilhados por outros e de
tal modo perseveram no tempo como uma herança preciosa e
viva, que gera uma afinidade espiritual entre as pessoas.
Precisamente em referência ao apostolado dos leigos, o
Concílio Vaticano II escreve: « Para exercerem este apostolado,
o Espírito Santo, que opera a santificação do Povo de Deus por
meio do ministério e dos sacramentos, concede também aos
fiéis dons particulares (cfr. 1 Cor 12, 7), «distribuindo-os por
cada um conforme Lhe apraz» (cfr. 1 Cor 12, 7-11), a fim de
que "cada um ponha ao serviço dos outros a graça que
recebeu", e todos actuem "como bons administradores da
multiforme graça de Deus" (1 Ped 4, 10), para a edificação, no
amor, do corpo todo (cfr. Ef 4, 6)».(79)
Na lógica da originária doação donde derivam, os dons do
Espírito Santo exigem que todos aqueles que os receberam os
exerçam para o crescimento de toda a Igreja, como no-lo
recorda o Concílio.(80)
Os carismas devem ser recebidos com gratidão: tanto da parte
de quem os recebe, como da parte de todos na Igreja. Com
efeito, eles são uma especial riqueza de graça para a vitalidade
apostólica e para a santidade de todo o Corpo de Cristo: uma
vez que sejam dons verdadeiramente provenientes do Espírito e
se exerçam em plena conformidade com os autênticos impulsos
do Espírito. Nesse sentido, torna-se sempre necessário o
discernimento dos carismas. Na verdade, como disseram os
Padres sinodais, « a acção do Espírito Santo, que sopra onde
quer, nem sempre é fácil de se descobrir e de se aceitar.
Sabemos que Deus actua em todos os fiéis cristãos e estamos
conscientes dos benefícios que provêm dos carismas, tanto para
os indivíduos como para toda a comunidade cristã. Todavia,
também temos consciência da força do pecado e dos seus
esforços para perturbar e confundir a vida dos fiéis e da
comunidade.(81)
Por isso, nenhum carisma está dispensado da sua referência e
dependência dos Pastores da Igreja. O Concílio escreve com
palavras claras: « O juízo acerca da sua (dos carismas)
autenticidade e recto uso, pertence àqueles que presidem na
Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o
Espírito, mas julgar tudo e conservar o que é bom (cfr. 1 Tes 5,
12 e 19-21),(82) de modo que todos os carismas concorram, na
sua diversidade e complementariedade, para o bem
comum.(83)
A participação dos fiéis leigos na vida da Igreja
25. Os fiéis leigos participam na vida da Igreja, não só pondo
em acção os seus ministérios e carismas, mas também de
muitas outras formas.
Essa participação encontra a sua primeira e necessária
expressão na vida e missão das Igrejas particulares, das
Dioceses, nas quais « está verdadeiramente presente e actua a
Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica ».(84)
Igrejas particulares e Igreja Universal
Com vista a uma adequada participação na vida da Igreja, é
absolutamente urgente que os fiéis leigos tenham uma ideia
clara e precisa da Igreja particular na sua originária ligação
com a Igreja universal. A Igreja particular não é o produto de
uma espécie de fragmentação da Igreja universal, nem a Igreja
universal resulta do simples somatório das Igrejas particulares;
mas um laço vivo, essencial e perene as une entre si, enquanto
a Igreja universal existe e se manifesta nas Igrejas particulares.
Por isso, o Concílio afirma que as Igrejas particulares « são
formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais
existe a Igreja católica, una e única ».(85)
O mesmo Concílio incita fortemente os fiéis leigos a viver
operosamente a sua pertença à Igreja particular, assumindo
simultaneamente um respiro cada vez mais « católico »: «
Cultivem constantemente — lemos no Decreto sobre o
apostolado dos leigos — o sentido da Diocese, de que a
Paróquia é como que uma célula, e estejam sempre prontos, à
voz do seu pastor, a juntar as suas forças às iniciativas
diocesanas. Mas, para responder às necessidade das cidades e
das regiões rurais, não confinem a sua cooperação aos limites
da Paróquia ou da Diocese, mas esforcem-se por estendê-la ao
âmbito interparoquial, interdiocesano, nacional ou
internacional. Tanto mais que a crescente migração dos povos,
o incremento de relações mútuas e a facilidade de
comunicações já não permitem que parte alguma da sociedade
permaneça fechada em si. Assim, devem interessar-se pelas
necessidades do Povo de Deus disperso por toda a Terra ».(86)
O recente Sínodo pediu, nesse sentido, que se favorecesse a
criação dos Conselhos Pastorais diocesanos, a que se deveria
recorrer conforme as oportunidades. Trata-se, na verdade, da
principal forma de colaboração e de diálogo, bem como de
discernimento, a nível diocesano. A participação dos fiéis
leigos nestes Conselhos poderá aumentar o recurso à consulta,
e o princípio da colaboração — que em determinados casos
também é de decisão — e encontrará uma aplicação mais vasta
e mais incisiva.(87)
A participação dos fiéis leigos nos Sínodos diocesanos e nos
Concílios particulares, provinciais ou plenários, está
contemplada no Código de Direito Canónico; (88) poderá
contribuir para a comunhão e para a missão eclesial da Igreja
particular, tanto no seu próprio âmbito, como em relação com
as demais Igrejas particulares da Província eclesiástica ou da
Conferência Episcopal.
As Conferências Episcopais são chamadas a descobrir a forma
mais oportuna de desenvolver, a nível nacional ou regional, a
consulta e a colaboração dos fiéis leigos, homens e mulheres:
assim se poderão examinar bem os problemas comuns e melhor
se manifestará a comunhão eclesial de todos.(89)
A paróquia
26. A comunhão eclesial, embora possua sempre uma dimensão
universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na
Paróquia: esta é a última localização da Igreja; é, em certo
sentido, a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus
filhos e das suas filhas.(90)
é necessário que todos redescubramos, na fé, a verdadeira face
da Paróquia, ou seja, o próprio « mistério » da Igreja presente e
operante nela: embora, por vezes, pobre em pessoas e em
meios, e outras vezes dispersa em territórios vastíssimos ou
quase desaparecida no meio de bairros modernos populosos e
caóticos, a Paróquia não é principalmente uma estrutura, um
território, um edifício, mas é sobretudo « a família de Deus,
como uma fraternidade animada pelo espírito de unidade
»,(91) é « uma casa de família, fraterna e acolhedora »,(92) é a
« comunidade de fiéis ».(93) Em definitivo, a Paróquia está
fundada sobre uma realidade teológica, pois ela é uma
comunidade eucarística.(94) Isso significa que ela é uma
comunidade idónea para celebrar a Eucaristia, na qual se
situam a raiz viva do seu edificar-se e o vínculo sacramental do
seu estar em plena comunhão com toda a Igreja. Essa
idoneidade mergulha no facto de a Paróquia ser uma
comunidade de fé e uma comunidade orgânica, isto é,
constituída pelos ministros ordenados e pelos outros cristãos,
na qual o pároco — que representa o Bispo diocesano — (95)
é o vínculo hierárquico com toda a Igreja particular.
é deveras imenso o trabalho da Igreja nos nossos dias e, para
realizá-lo, a Paróquia sozinha não pode bastar. Por isso, o
Código de Direito Canónico prevê formas de colaboração entre
paróquias no âmbito do território (96) e recomenda ao Bispo o
cuidado de todas as categorias de fiéis, até das que não são
atingidas pelo cuidado pastoral ordinário.(97)
De facto, muitos lugares e formas de presença e de acção são
absolutamente necessários para levar a palavra e a graça do
Evangelho às variadas condições de vida dos homens de hoje, e
muitas outras funções de irradiação religiosa e de apostolado
do ambiente, no campo cultural, social, educativo, profissional,
etc., não podem ter como centro ou ponto de partida a
Paróquia. Todavia, a Paróquia ainda hoje vive uma fase nova e
prometedora. Como dizia Paulo VI, no início do seu
Pontificado, dirigindo-se ao Clero romano: « Acreditamos
simplemente que esta antiga a venerada estrutura da Paróquia
tem uma missão indispensável de grande actualidade: pertence-
lhe criar a primeira comunidade do povo cristão, iniciar e
reunir o povo na expressão normal da vida litúrgica, conservar
e reanimar a fé nas pessoas de hoje, dar-lhes a escola da
doutrina salvadora de Cristo, praticar no sentir e na acção a
humilde caridade das obras boas e fraternas ».(98)
Os Padres sinodais, por sua vez, debruçaram-se
cuidadosamente sobre a situação actual de muitas paróquias,
pedindo para elas uma mais decidida renovação: « Muitas
Paróquias, tanto nas zonas urbanas como em terras de missão,
não conseguem funcionar plena e efectivamente por falta de
meios materiais ou de homens ordenados, ou também pela
excessiva extensão geográfica e pela especial condição de
alguns cristãos (como, por exemplo, os refugiados e os
emigrantes). Para que tais Paróquias sejam verdadeiramente
comunidades cristãs, as autoridades locais devem favorecer: a)
a adaptação das estruturas paroquiais à ampla flexibilidade
concedida pelo Direito Canónico, sobretudo ao promover a
participação dos leigos nas responsabilidades pastorais; b) as
pequenas comunidades eclesiais de base, também chamadas
comunidades vivas, onde os fiéis possam comunicar entre si a
Palavra de Deus e exprimir-se no serviço e no amor; estas
comunidades são autênticas expressões da comunhão eclesial e
centros de evangelização, em comunhão com os seus Pastores
... ».(99) Para a renovação das paróquias e para melhor
assegurar a sua eficácia operativa devem favorecer-se também
formas institucionais de cooperação entre as diversas paróquias
de um mesmo território.
O empenhamento apostólico na paróquia
27. Necessário se torna agora considerar mais de perto a
comunhão e a participação dos fiéis leigos na vida da Paróquia.
Nesse sentido deve chamar-se a atenção de todos os fiéis
leigos, homens e mulheres, para uma observação tão
verdadeira, significativa e estimulante, feita pelo Concílio: «
No seio das comunidades da Igreja — lemos no Decreto sobre
o apostolado dos leigos — a sua acção é tão necessária que,
sem ela, o próprio apostolado dos pastores não pode conseguir,
na maior parte das vezes, todo o seu efeito ».(100) Esta é uma
afirmação radical que, evidentemente, deve ser vista à luz da «
eclesiologia de comunhão »: sendo diferentes e
complementares, os ministérios e os carismas são todos
necessários para o crescimento da Igreja, cada um segundo a
própria modalidade.
Os fiéis leigos devem convencer-se cada vez mais do particular
significado que tem o empenhamento apostólico na sua
Paróquia. É ainda o Concílio que com autoridade o sublinha: «
A Paróquia dá-nos um exemplo claro de apostolado
comunitário porque congrega numa unidade toda a diversidade
humana que aí se encontra e insere essa diversidade na
universalidade da Igreja. Habituem-se os leigos a trabalhar na
Paróquia intimamente unidos aos seus sacerdotes, a trazer para
a comunidade eclesial os próprios problemas e os do mundo e
as questões que dizem respeito à salvação dos homens, para
que se examinem e resolvam com o concurso de todos.
Habituem-se a prestar auxílio a toda a iniciativa apostólica e
missionária da sua comunidade eclesial na medida das próprias
forças ».(101)
O acento posto pelo Concílio na análise e na solução dos
problemas pastorais « com o contributo de todos » deve
encontrar o seu progresso adequado e estruturado na
valorização cada vez mais convicta, ampla e decidida, dos
Conselhos pastorais paroquiais, nos quais justamente
insistiram os Padres sinodais.(102)
Nas actuais circunstâncias, os fiéis leigos podem e devem fazer
muitíssimo para o crescimento de uma autêntica comunhão
eclesial no seio das suas paróquias e para o despertar do
impulso missionário em ordem aos não crentes e, mesmo, aos
crentes que tenham abandonado ou arrefecido a prática da vida
cristã.
A Paróquia, sendo a Igreja colocada no meio das casas dos
homens, vive e actua profundamente integrada na sociedade
humana e intimamente solidária com as suas aspirações e os
seus dramas. Frequentemente, o contexto social, sobretudo em
certos países e ambientes, é violentemente sacudido por forças
de desagregação e de desumanização: o homem pode
encontrar-se perdido e desorientado, mas no seu coração
permanece o desejo, cada vez maior, de poder sentir e cultivar
relações mais fraternas e humanas. A resposta a esse desejo
pode ser dada pela Paróquia, quando esta, graças à participação
viva dos fiéis leigos, se mantém coerente com a sua originária
vocação e missão: ser no mundo « lugar » da comunhão dos
crentes e, ao mesmo tempo, « sinal » e « instrumento » da
vocação de todos para a comunhão; numa palavra, ser a casa
que se abre para todos e que está ao serviço de todos, ou, como
gostava de dizer o Papa João XXIII, o fontanário da aldeia a
que todos acorrem na sua sede.
Formas de participação na vida da Igreja
28. Os fiéis leigos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos
e as religiosas, formam o único Povo de Deus e Corpo de
Cristo.
Ser « membros » da Igreja nada tira ao facto de cada cristão ser
um ser « único e irrepetível », antes, garante e promove o
sentido mais profundo da sua unicidade e irrepetibilidade,
enquanto é fonte de verdade e de riqueza para a Igreja inteira.
Nesse sentido, Deus, em Jesus Cristo, chama cada qual pelo
próprio e inconfundível nome. O convite do Senhor: « Ide vós
também para a minha vinha » dirige-se a cada um
pessoalmente e soa: « Vem também tu para a minha vinha »!
Assim, cada um na sua unicidade e irrepetibilidade, com o seu
ser e o seu agir, põe-se ao serviço do crescimento da comunhão
eclesial, como, por sua vez, recebe singularmente e faz sua a
riqueza comum de toda a Igreja. Esta é a « Comunhão dos
Santos », que nós professamos no Credo: o bem de todos torna-
se o bem de cada um e o bem de cada um torna-se o bem de
todos. « Na santa Igreja — escreve São Gregório Magno —
cada um é apoio dos outros e os outros são seu apoio ».(103)
Formas pessoais de participação
é absolutamente necessário que cada fiel leigo tenha sempre
viva consciência de ser um « membro da Igreja », a quem se
confia um encargo original insubstituível e indelegável, que
deverá desempenhar para o bem de todos. Numa tal
perspectiva, assume todo o seu significado a afirmação
conciliar sobre a necessidade absoluta do apostolado de cada
pessoa: « O apostolado individual que deriva com abundância
da fonte de uma vida verdadeiramente cristã (cf. Jo 4, 14), é
origem e condição de todo o apostolado dos leigos, mesmo do
associado, e nada o pode substituir. A este apostolado, sempre e
em toda a parte proveitoso e em certas circunstâncias o único
conveniente e possível, são chamados e, por isso, obrigados
todos os leigos, de qualquer condição, ainda que não se lhes
proporcione ocasião ou possibilidade de cooperar nas
associações ».(104)
No apostolado individual existem grandes riquezas que
precisam de ser descobertas em ordem a uma intensificação do
dinamismo missionário de cada fiel leigo. Com essa forma de
apostolado, a irradiação do Evangelho pode tornar-se mais
capilar, chegando a tantos lugares e ambientes quanto os que
estão ligados à vida quotidiana e concreta dos leigos. Trata-se,
além disso, de uma irradiação constante, estando ligada à
contínua coerência da vida pessoal com a fé; e também de uma
irradiação particularmente incisiva, porque, na total partilha
das condições de vida, do trabalho, das dificuldades e
esperanças dos irmãos, os fiéis leigos podem atingir o coração
dos seus vizinhos, amigos ou colegas, abrindo-o ao horizonte
total, ao sentido pleno da existência: a comunhão com Deus e
entre os homens.
Formas agregativas de participação
29. A comunhão eclesial, já presente e operante na acção do
indivíduo, encontra uma expressão específica no operar
associado dos fiéis leigos, isto é, na acção solidária que eles
desenvolvem ao participar responsavelmente na vida e na
missão da Igreja.
Nestes tempos mais recentes, o fenómeno da agregação dos
leigos entre si assumiu formas de particular variedade e
vivacidade. Se na história da Igreja tal fenómeno representou
sempre uma linha constante, como o provam até aos nossos
dias as várias confrarias, as ordens terceiras e os diversos
sodalícios, ele recebeu, todavia, um notável impulso nos
tempos modernos que têm visto o nascer e o irradiar de
múltiplas formas agregativas: associações, grupos,
comunidades, movimentos. Pode falar-se de uma nova era
agregativa dos fiéis leigos. Com efeito, « ao lado do
associativismo tradicional e, por vezes, nas suas próprias
raízes, brotaram movimentos e sodalícios novos, com
fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a riqueza e a
versatilidade de recursos que o Espírito infunde no tecido
eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a generosidade
do nosso laicado ».(105)
Estas agregações de leigos aparecem muitas vezes bastante
diferentes umas das outras em vários aspectos, como a
configuração exterior, os caminhos e métodos educativos e os
campos operativos. Encontram, porém, as linhas de uma vasta
e profunda convergência na finalidade que as anima: a de
participar responsavelmente na missão da Igreja de levar o
Evangelho de Cristo, qual fonte de esperança para o homem e
de renovação para a sociedade.
A agregação dos fiéis leigos por motivos espirituais e
apostólicos brota de várias fontes e vai ao encontro de diversas
exigências: exprime, de facto, a natureza social da pessoa e
obedece ao imperativo de uma mais vasta e incisiva eficácia
operativa. Na verdade, a incidência « cultural » fonte e
estímulo e, simultaneamente, fruto e sinal de todas as demais
transformações do ambiente e da sociedade, só se pode
alcançar com a acção, não tanto dos indivíduos, mas de um «
sujeito social », isto é, com a acção de um grupo, de uma
comunidade, de uma associação, de um movimento. E isso é
particularmente verdade no contexto de um a sociedade
pluralista e fragmentada — como é, em tantas partes do
mundo, a actual — e perante os problemas tornados
enormemente complexos e difíceis. Por outro lado, sobretudo
num mundo secularizado, as várias formas agregativas podem
representar para muitos uma ajuda preciosa em favor de uma
vida cristã coerente, com as exigências do Evangelho e de um
empenhamento missionário e apostólico.
Para além destes motivos, a razão profunda que justifica e
exige o agregar-se dos fiéis leigos é de ordem teológica: uma
razão eclesiológica, como abertamente reconhece o Concílio
Vaticano II, ao apontar o apostolado associado como um «
sinal da comunhão e da unidade da Igreja em Cristo ».(106)
é um « sinal » que deve manifestar-se nas relações de «
comunhão », tanto no interior como no exterior das várias
formas agregativas, no mais vasto contexto da comunidade
cristã. É a própria razão eclesiológica apontada que explica,
por um lado o « direito » de agregação próprio dos fiéis leigos
e, por outro, a necessidade de « critérios » de discernimento
sobre a autenticidade eclesial das suas formas agregativas.
Antes de mais, é necessário reconhecer-se a liberdade
associativa dos fiéis leigos na Igreja. Essa liberdade constitui
um verdadeiro e próprio direito que não deriva de uma espécie
de « concessão » da autoridade, mas que promana do
Baptismo, qual sacramento que chama os fiéis leigos para
participarem activamente na comunhão e na missão da Igreja.
O Concílio é muito explícito a este propósito: « Respeitada a
devida relação com a autoridade eclesiástica, os leigos têm o
direito de fundar associações, dirigi-las e dar nome às já
existentes ».(107) E o recente Código textualmente diz: « Os
fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de
caridade ou de piedade, ou para fomentar a vocação cristã no
mundo, e reunir-se para alcançar em comum esses mesmos fins
».(108)
Trata-se de uma liberdade reconhecida e garantida pela
autoridade eclesiástica e que deve ser exercida sempre e só na
comunhão da Igreja: nesse sentido o direito dos fiéis leigos em
agregar-se é essencialmente relativo à vida de comunhão e
missão e à própria Igreja.
Critérios de eclesialidade para as agregações laicais
30. É sempre na perspectiva da comunhão e da missão da
Igreja e não, portanto, em contraste com a liberdade
associativa, que se compreende a necessidade de claros e
precisos critérios de discernimento e de reconhecimento das
agregações laicais, também chamados « critérios de
eclesialidade ».
Como critérios fundamentais para o discernimento de toda e
qualquer agregação dos fiéis leigos na Igreja, podem
considerar-se de forma unitária, os seguintes:
— O primado dado à vocação de cada cristão à santidade,
manifestado « nos frutos da graça que o Espírito produz nos
fiéis »(109) como crescimento para a plenitude da vida cristã e
para a perfeição da caridade.(110)
Nesse sentido, toda e qualquer agregação de fiéis leigos é
chamada a ser sempre e cada vez mais instrumento de
santidade na Igreja, favorecendo e encorajando « uma unidade
mais íntima entre a vida prática dos membros e a própria fé
».(111)
— A responsabilidade em professar a fé católica, acolhendo e
proclamando a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o
homem, em obediência ao Magistério da Igreja, que
autenticamente a interpreta. Por isso, toda a agregação de fiéis
leigos deve ser lugar de anúncio e de proposta da fé e de
educação na mesma, no respeito pelo seu conteúdo integral.
— O testemunho de uma comunhão sólida e convicta, em
relação filial com o Papa, centro perpétuo e visivel da unidade
da Igreja universal,(112) e com o Bispo « princípio visível e
fundamento da unidade » da Igreja particular,(113) e na «
estima recíproca entre todas as formas de apostolado na Igreja
».(114)
A comunhão com o Papa e com o Bispo é chamada a exprimir-
se na disponibilidade leal em aceitar os seus ensinamentos
doutrinais e orientações pastorais. A comunhão eclesial exige,
além disso, que se reconheça a legítima pluralidade das formas
agregativas dos fiéis leigos na Igreja e, simultaneamente, a
disponibilidade para a sua recíproca colaboração.
— A conformidade e a participação na finalidade apostólica
da Igreja, que é a evangelização e a santificação dos homens e
a formação cristã das suas consciências, de modo a conseguir
permear de espírito evangélico as várias comunidades e os
vários ambientes ».(115)
Nesta linha, exige-se de todas as formas agregativas de fiéis
leigos, e de cada uma deles, um entusiasmo missionário que as
torne, sempre e cada vez mais, sujeitos de uma nova
evangelização.
— O empenho de uma presença na sociedade humana que, à
luz da doutrina social da Igreja, se coloque ao serviço da
dignidade integral do homem.
Assim, as agregações dos fiéis leigos devem converter-se em
correntes vivas de participação e de solidariedade para
construir condições mais justas e fraternas no seio da
sociedade.
Os critérios fundamentais acima expostos encontram a sua
verificação nos frutos concretos que acompanham a vida e as
obras das diversas formas associativas, tais como: o gosto
renovado pela oração, a contemplação, a vida litúrgica e
sacramental; a animação pelo florescimento de vocações ao
matrimónio cristão, ao sacerdócio ministerial, à vida
consagrada; a disponibilidade em participar nos programas e
nas atividades da Igreja, tanto a nível local como nacional ou
internacional; o empenhamento catequético e a capacidade
pedagógica de formar os cristãos; o impulso em ordem a uma
presença cristã nos vários ambientes da vida social e a criação
e animação de obras caritativas, culturais e espirituais; o
espírito de desapego e de pobreza evangélica em ordem a uma
caridade mais generosa para com todos; as conversões à vida
cristã ou o regresso à comunhão por parte de baptizados «
afastados ».
O serviço dos Pastores para a comunhão
31. Os Pastores na Igreja, mesmo perante possíveis e
compreensíveis dificuldades de algumas formas agregativas e
perante novas formas, que se vão impondo, não podem abdicar
do serviço da sua autoridade, não apenas pelo bem da Igreja,
mas até pelo bem dessas mesmas agregações laicais. Nesse
sentido, eles devem acompanhar a sua acção de discernimento
com a orientação e, sobretudo, com o encorajamento em ordem
a um crescimento das agregações dos fiéis leigos na comunhão
e na missão da Igreja.
é sem dúvida oportuno que algumas novas associações e alguns
novos movimentos, pela sua difusão, muitas vezes, nacional e
até internacional, venham a receber um reconhecimento oficial,
uma aprovação explícita da competente autoridade eclesiástica.
Nesse sentido, já dizia o Concílio: « O apostolado dos leigos
admite diversos modos de relação com a Hierarquia, segundo
as suas várias formas e seus objectivos... Certas formas de
apostolado dos leigos são, de diversos modos, expressamente
reconhecidas pela Hierarquia. Além disso, a autoridade
eclesiástica, tendo em conta as exigências do bem da Igreja,
pode escolher de entre as várias associações e iniciativas
apostólicas com um fim directamente espiritual, algumas em
particular, e promovê-las de um modo especial, assumindo
sobre elas uma maior responsabilidade ».(116)
Entre as várias formas de apostolado dos leigos, que têm uma
particular relação com a Hierarquia, os Padres sinodais
expressamente mencionaram vários movimentos e associações
de Acção Católica, onde « os leigos se associam livremente de
forma orgânica e estável, sob o impulso do Espírito Santo, na
comunhão com o Bispo e com os sacerdotes, de forma a
poderem servir, no estilo próprio da sua vocação, com um
método particular, o crescimento de toda a comunidade cristã,
os projectos pastorais e a animação evangélica de todos os
âmbitos da vida, com fidelidade e operosidade ».(117)
Foi confiado ao Pontifício Conselho dos Leigos o encargo de
elaborar um elenco das associações que recebem a aprovação
oficial da Santa Sé e de definir, em colaboração com o
Secretariado da Unidade dos Cristãos, as condições segundo as
quais se pode aprovar uma associação ecuménica, onde a
maioria seja católica ao lado de uma minoria não católica,
estabelecendo também em que casos se não pode dar parecer
positivo.(118)
Todos, Pastores e fiéis, temos a obrigação de favorecer e de
alimentar constantemente os vínculos e as relações fraternas de
estima, cordialidade e colaboração entre as várias formas
agregativas de leigos. Só assim, a riqueza dos dons e dos
carismas que o Senhor nos dá pode dar o seu contributo
fecundo e ordenado para a edificação da casa comum: « Para se
edificar solidariamente a casa comum, é preciso, além do mais,
depor todo o espírito de antagonismo e de disputa, e que a
competição se faça, antes, na estima mútua (cf. Rom 12, 10), na
recíproca antecipação do afecto e na vontade de colaboração,
com a paciência, a abertura de visão, a disponibilidade para o
sacrifício, que isso, por vezes, pode comportar ».(119)
Voltamos de novo às palavras de Jesus: « Eu sou a videira e vós
as vides » (Jo 15, 5), para darmos graças a Deus pelo grande
dom da comunhão eclesial, que reflecte no tempo a comunhão
eterna e inefável do amor de Deus Uno e Trino. A consciência
do dom deve ser acompanhada de um grande sentido de
responsabilidade: trata-se, com efeito, de um dom que, à
semelhança do talento evangélico, deve ser posto a render
numa vida de crescente comunhão.
Ser responsáveis do dom da comunhão significa, antes de mais,
empenharmo-nos na vitória sobre toda a tentação de divisão e
de contraposição que ameaça a vida e o empenhamento
apostólico dos cristãos. O grito de dor e de estranheza do
apóstolo Paulo: « Refiro-me ao facto de cada um de vós dizer:
"Eu sou de Paulo", "Eu, porém, sou de Apolo», «E eu sou de
Cefas", «E eu de Cristo»! Foi Cristo por ventura dividido? » (1
Cor 1, 12, 13) continua a ecoar como repreensão pelas «
feridas feitas ao Corpo de Cristo ». Ressoem, antes, como
apelo persuasivo estas outras palavras do apóstolo: « Exorto-
vos, irmãos, no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a serdes
unânimes no falar, para que não haja divisões entre vós, mas
vivais em perfeita união de pensamento e de propósitos » (1
Cor 1, 10).
Assim, a vida de comunhão, eclesial torna-se um sinal para o
mundo e uma força de atracção que leva à fé em Cristo: «
Como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles
estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste »
(Jo 17, 21). Dessa maneira, a comunhão abre-se para a missão
e converte-se ela própria em missão.
CONSTITUIÇÃO CONCILIAR LUMEN GENTIUM
CAPÍTULO II
O POVO DE DEUS
A Nova Aliança com o novo Povo de Deus
9. Em todos os tempos e em todas as nações foi agradável a
Deus aquele que O teme e obra justamente (cfr. Act. 10,35).
Contudo, aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não
individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas
constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O
servisse santamente. Escolheu, por isso, a nação israelita para
Seu povo. Com ele estabeleceu uma aliança; a ele instruiu
gradualmente, manifestando-Se a Si mesmo e ao desígnio da
própria vontade na sua história, e santificando-o para Si. Mas
todas estas coisas aconteceram como preparação e figura da
nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida
e da revelação mais completa que seria transmitida pelo
próprio Verbo de Deus feito carne. Eis que virão dias, diz o
Senhor, em que estabelecerei com a casa de Israel e a casa de
Judá uma nova aliança... Porei a minha lei nas suas entranhas e
a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o
meu povo... Todos me conhecerão desde o mais pequeno ao
maior, diz o Senhor (Jer. 31, 31-34). Esta nova aliança
instituiu-a Cristo, o novo testamento no Seu sangue (cfr. 1 Cor.
11,25), chamando o Seu povo de entre os judeus e os gentios,
para formar um todo, não segundo a carne mas no Espírito e
tornar-se o Povo de Deus. Com efeito, os que crêem em Cristo,
regenerados não pela força de germe corruptível mas
incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1 Ped.
1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito
Santo (cfr. Jo. 3, 5-6), são finalmente constituídos em «raça
escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado... que
outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2, 9-
10).
Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, «o qual foi
entregue por causa das nossas faltas e ressuscitado por causa da
nossa justificação» (Rom. 4,25) e, tendo agora alcançado um
nome superior a todo o nome, reina glorioso nos céus. E
condição deste povo a dignidade e a liberdade dos filhos de
Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como num
templo. A sua lei é o novo mandamento, o de amar assim como
o próprio Cristo nos amou (cfr. Jo. 13,34). Por último, tem por
fim o Reino de Deus, o qual, começado na terra pelo próprio
Deus, se deve desenvolver até ser também por ele consumado
no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer (cfr.
Col. 3,4) e «a própria criação for liberta do domínio da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus»
(Rom. 8,21). Por isso é que este povo messiânico, ainda que
não abranja de facto todos os homens, e não poucas vezes
apareça como um pequeno rebanho, é, contudo, para todo o
género humano o mais firme germe de unidade, de esperança e
de salvação. Estabelecido por Cristo como comunhão de vida,
de caridade e de verdade, é também por Ele assumido como
instrumento de redenção universal e enviado a toda a parte
como luz do mundo e sal da terra (cfr. Mt. 5, 13-16).
Mas, assim como Israel segundo a carne, que peregrinava no
deserto, é já chamado Igreja de Deus (cfr. 2 Esdr. 13,1; Num.
20,4; Deut. 23,1 ss.), assim o novo Israel, que ainda caminha
no tempo presente e se dirige para a futura e perene cidade (cfr.
Hebr. 13-14), se chama também Igreja de Cristo (cfr. Mt.
16,18), pois que Ele a adquiriu com o Seu próprio sangue (cfr.
Act. 20,28), encheu-a com o Seu espírito e dotou-a dos meios
convenientes para a unidade visível e social. Aos que se voltam
com fé para Cristo, autor de salvação e princípio de unidade e
de paz, Deus chamou-os e constituiu-os em Igreja, a fim de que
ela seja para todos e cada um sacramento visível desta unidade
salutar (15). Destinada a estender-se a todas as regiões, ela
entra na história dos homens, ao mesmo tempo que transcende
os tempos e as fronteiras dos povos. Caminhando por meio de
tentações e tribulações, a Igreja é confortada pela força da
graça de Deus que lhe foi prometida pelo Senhor para que não
se afaste da perfeita fidelidade por causa da fraqueza da carne,
mas permaneça digna esposa do seu Senhor, e, sob a acção do
Espírito Santo, não cesse de se renovar até, pela cruz, chegar à
luz que não conhece ocaso.
O sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial
10. Cristo Nosso Senhor, Pontífice escolhido de entre os
homens (cfr. Hebr. 5, 1-5), fez do novo povo um «reino
sacerdotal para seu Deus e Pai» (Apor. 1,6; cfr. 5, 9-10). Na
verdade, os baptizados, pela regeneração e pela unção do
Espírito Santo, são consagrados para serem casa espiritual,
sacerdócio santo, para que, por meio de todas as obras próprias
do cristão, ofereçam oblações espirituais e anunciem os
louvores daquele que das trevas os chamou à sua admirável luz
(cfr. 1 Ped. 2, 4-10). Por isso, todos os discípulos de Cristo,
perseverando na oração e louvando a Deus (cfr. Act., 2, 42-47),
ofereçam-se a si mesmos como hóstias vivas, santas,
agradáveis a Deus (cfr. Roma 12,1), dêem. testemunho de
Cristo em toda a parte e àqueles que lha pedirem dêem razão da
esperança da vida eterna que neles habita (cfr. 1 Ped. 3,15). .O
sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou
hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não
apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um
e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo
(16). Com efeito, o sacerdote ministerial, pelo seu poder
sagrado, forma e conduz o povo sacerdotal, realiza o sacrifício
eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em
nome de todo o povo; os fiéis, por sua parte, concorrem para a
oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real (17),
que eles exercem na recepção dos sacramentos, na oração e
acção de graças, no testemunho da santidade de vida, na
abnegação e na caridade operosa.
O exercício do sacerdócio comum nos sacramentos
11. A índole sagrada e, orgânica da comunidade sacerdotal
efectiva-se pelos sacramentos e pelas virtudes. Os fiéis,
incorporados na Igreja pelo Baptismo, são destinados pelo
carácter baptismal ao culto da religião cristã e, regenerados
para filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé
que de Deus receberam por meio da Igreja (18). Pelo
sacramento da Confirmação, são mais perfeitamente
vinculados à Igreja, enriquecidos com uma força especial do
Espírito Santo e deste modo ficam obrigados a difundir e
defender a fé por palavras e obras como verdadeiras
testemunhas de Cristo (19). Pela participação no sacrifício
eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã,
oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com
ela (20); assim, quer pela oblação quer pela sagrada comunhão,
não indiscriminadamente mas cada um a seu modo, todos
tomam parte na acção litúrgica. Além disso, alimentados pelo
corpo de Cristo na Eucaristia, manifestam visivelmente a
unidade do Povo de Deus, que neste augustíssimo sacramento é
perfeitamente significada e admiravelmente realizada.
Aqueles que se aproximam do sacramento da Penitência,
obtêm da misericórdia de Deus o perdão da ofensa a Ele feita e
ao mesmo tempo reconciliam-se com a Igreja, que tinham
ferido com o seu pecado, a qual, pela caridade, exemplo e
oração, trabalha pela sua conversão. Pela santa Unção dos
enfermos e pela oração dos presbíteros, toda a Igreja
encomenda os doentes ao Senhor padecente e glorificado para
que os salve (cfr. Tg. 5, 14-16); mais ainda, exorta-os a que,
associando-se livremente à Paixão e morte de Cristo (cfr. Rom.
8,17; Col. 1,24; 2 Tim. 11,12; 1 Ped. 4,13), concorram para o
bem do Povo de Deus. Por sua vez, aqueles de entre os fiéis
que são assinalados com a sagrada Ordem, ficam constituídos
em nome de Cristo para apascentar a Igreja com a palavra e
graça de Deus. Finalmente, os cônjuges cristãos, em virtude do
sacramento do Matrimónio, com que significam e. participam o
mistério da unidade do amor fecundo entre Cristo e a Igreja
(cfr. Ef. 5,32), auxiliam-se mutuamente para a santidade, pela
vida conjugal e pela procriação e educação dos filhos, e têm
assim, no seu estado de vida e na sua ordem, um dom próprio
no Povo de Deus (cfr. 1 Cor. 7,7) (21) Desta união origina-se a
família, na qual nascem novos cidadãos da sociedade humana
os quais, para perpetuar o Povo de Deus através dos tempos, se
tornam filhos de Deus pela graça do Espírito Santo, no
Baptismo. Na família, como numa igreja doméstica, devem os
pais, pela palavra e pelo exemplo, ser para os filhos os
primeiros arautos da fé e favorecer a vocação própria de cada
um, especialmente a vocação sagrada.
Munidos de tantos e tão grandes meios de salvação, todos os
fiéis, seja qual for a sua condição ou estado, são chamados pelo
Senhor à perfeição do Pai, cada um por seu caminho.
O sentido da fé e dos carismas no povo cristão
12. O Povo santo de Deus participa também da função
profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo,
sobretudo pela vida de fé e de caridade oferecendo a Deus o
sacrifício de louvor, fruto dos lábios que confessam o Seu
nome (cfr. Hebr. 13,15). A totalidade dos fiéis que receberam a
unção do Santo (cfr. Jo. 2, 20 e 27), não pode enganar-se na fé;
e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir
sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos
até ao último dos leigos fiéis» (22), manifesta consenso
universal em matéria de fé e costumes. Com este sentido da fé,
que se desperta e sustenta pela acção do Espírito de verdade, o
Povo de Deus, sob a direcção do sagrado magistério que
fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a
verdadeira palavra de Deus (cfr. 1 Tess. 2,13), adere
indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cfr. Jud.
3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a
mais totalmente na vida.
Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e
conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios
e o adorna com virtudes, mas «distribuindo a cada um os seus
dons como lhe apraz» (1 Cor. 12,11), distribui também graças
especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam
aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos,
proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação
da Igreja, segundo aquelas palavras: ; «a cada qual se concede
a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum» (1 Cor.
12,7). Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer
também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com
acção de graças e consolação, por serem muito acomodados e
úteis às necessidades da Igreja. Não se devem porém, pedir
temerariamente, os dons extraordinários nem deles se devem
esperar com presunção os frutos das obras apostólicas; e o
juízo acerca da sua autenticidade e recto uso, pertence àqueles
que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial
não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é
bom (cfr. 1 Tess. 5, 12. 19-21).
Universalidade e catolicidade do único Povo de Deus
13. Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados. Por
isso, este Povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a
todo o mundo e por todos os séculos, para se cumprir o
desígnio da vontade de Deus que, no princípio, criou uma só
natureza humana e resolveu juntar em unidade todos os seus
filhos que estavam dispersos (cfr. Jo. 11,52). Foi para isto que
Deus enviou o Seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas
as coisas (cfr. Hebr. 1,2), para ser mestre, rei e sacerdote
universal, cabeça do novo e universal Povo dos filhos de Deus.
Para isto Deus enviou finalmente também o Espírito de Seu
Filho, Senhor e fonte de vida, o qual é para toda a Igreja e para
cada um dos crentes princípio de agregação e de unidade na
doutrina e na comunhão dos Apóstolos, na fracção do pão e na
oração (cfr. Act. 2,42 gr.).
E assim, o Povo de Deus encontra-se entre todos os povos da
terra, já que de todos recebe os cidadãos, que o são dum reino
não terrestre mas celeste. Pois todos os fiéis espalhados pelo
orbe comunicam com os restantes por meio do Espírito Santo,
de maneira que «aquele que vive em Roma, sabe que os
indianos são membros seus»(23),. Mas porque o reino de
Cristo não é deste mundo (cfr. Jo. 18,36), a Igreja, ou seja o
Povo de Deus, ao implantar este reino, não subtrai coisa
alguma ao bem temporal de nenhum povo, mas, pelo contrário,
fomenta e assume as qualidades, as riquezas, os costumes e o
modo de ser dos povos, na medida em que são bons; e
assumindo-os, purifica-os, fortalece-os e eleva-os. Pois lembra-
se que lhe cumpre ajuntar-se com aquele rei a quem os povos
foram dados em herança (cfr. Salm. 2,8), e para a cidade à qual
levam dons e ofertas (cfr. Salm. 71 [72], 10; Is. 60, 47; Apoc.
21,24). Este carácter de universalidade que distingue o Povo de
Deus é dom do Senhor; por Ele a Igreja católica tende eficaz e
constantemente à recapitulação total da humanidade com todos
os seus bens sob a cabeça, Cristo, na unidade do Seu Espírito
(24).
Em virtude desta mesma catolicidade, cada uma das partes traz
às outras e a toda a Igreja os seus dons particulares, de maneira
que o todo e cada uma das partes aumentem pela comunicação
mútua entre todos e pela aspiração comum à plenitude na
unidade. Daí vem que o Povo de Deus não só se forma de
elementos oriundos de diversos povos mas também se compõe
ele mesmo de várias ordens. Existe de facto entre os seus
membros diversidade, quer segundo as funções, enquanto
alguns desempenham o sagrado ministério a favor de seus
irmãos, quer segundo a condição e estado de vida, enquanto
muitos, no estado religioso, buscando a santidade por um
caminho mais estreito, estimulam os irmãos com o seu
exemplo. É também por isso que na comunhão eclesial existem
legitimamente igrejas particulares com tradições próprias, sem
detrimento do primado da cátedra de Pedro, que preside à
universal assembleia da caridade (25), protege as legítimas
diversidades e vigia para que as particularidades ajudem a
unidade e de forma alguma a prejudiquem. Daí, finalmente, os
laços de íntima união entre as diversas partes da Igreja, quanto
às riquezas espirituais, obreiros apostólicos e ajudas materiais.
Pois os membros do Povo de Deus são chamados a repartir
entre si os bens, valendo para cada igreja as palavras do
Apóstolo: «cada um ponha ao serviço dos outros o dom que
recebeu, como bons administradores da multiforme graça de
Deus» (1 Ped. 4,10).
Todos os homens são chamados a esta unidade católica do
Povo de Deus, a qual anuncia e promove a paz universal; a ela
pertencem, de vários modos, ou a ela se ordenam, quer os
católicos quer os outros que acreditam em Cristo quer,
finalmente, todos os homens em geral, pela graça de Deus
chamados à salvação.
Os fiéis católicos; a necessidade da Igreja
14. O sagrado Concílio volta-se primeiramente para os fiéis
católicos. Fundado na Escritura e Tradição, ensina que esta
Igreja, peregrina sobre a terra, é necessária para a salvação.
Com efeito, só Cristo é mediador e caminho de salvação e Ele
torna-Se-nos presente no Seu corpo, que é a Igreja; ao inculcar
expressamente a necessidade da fé e do Baptismo (cfr. Mc.
16,16; Jo. 3,15), confirmou simultaneamente a necessidade da
Igreja, para a qual os homens entram pela porta do Baptismo.
Pelo que, não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando
ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus
Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou
nela não querem perseverar.
São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja
aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam toda a sua
organização e os meios de salvação nela instituídos, e que,
pelos laços da profissão da fé, dós sacramentos, do governo
eclesiástico e da comunhão, se unem, na sua estrutura visível,
com Cristo, que a governa por meio do Sumo Pontífice e dos
Bispos. Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja,
quem não persevera na caridade: permanecendo na Igreja pelo
«corpo», não está nela com o coração (26). Lembrem-se,
porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição
não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de
Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos,
palavras e acções, bem longe de se salvarem, serão antes mais
severamente julgados (27).
Os catecúmenos que, movidos pelo Espírito Santo, pedem
explicitamente para serem incorporados na Igreja, já lhe estão
unidos por esse desejo, e a mãe Igreja já os abraça com amor e
solicitude.
Vínculos da Igreja com os cristãos não-católicos
15. A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os
baptizados que têm o nome de cristãos, embora não professem
integralmente a fé ou não guardem a unidade de comunhão
com o sucessor de Pedro (28). Muitos há, com efeito, que têm e
prezam a Sagrada Escritura como norma de fé e de vida,
manifestam sincero zelo religioso, crêem de coração em Deus
Pai omnipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador (29), são
marcados pelo Baptismo que os une a Cristo e reconhecem e
recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas
ou comunidades eclesiásticas. Muitos de entre eles têm mesmo
um episcopado, celebram a sagrada Eucaristia e cultivam a
devoção para com a Virgem Mãe de Deus (30). Acrescenta-se a
isto a comunhão de orações e outros bens espirituais; mais
ainda, existe uma certa união verdadeira no Espírito Santo, o
qual neles actua com os dons e graças do Seu poder
santificador, chegando a fortalecer alguns deles até ao martírio.
Deste modo, o Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo
o desejo e a prática efectiva em vista de que todos, segundo o
modo estabelecido por Cristo, se unam pacificamente num só
rebanho sob um só pastor (31). Para alcançar este fim, não
deixa nossa mãe a Igreja de orar, esperar e agir, e exorta os seus
filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de
Cristo brilhe mais claramente no seu rosto.
Relação da Igreja com os não-cristãos
16. Finalmente, aqueles que ainda não receberam o Evangelho,
estão de uma forma ou outra orientados para o Povo de Deus
(32). Em primeiro lugar, aquele povo que recebeu a aliança e as
promessas, e do qual nasceu Cristo segundo a carne (cfr. Rom.
9, 4-5), povo que segundo a eleição é muito amado, por causa
dos Patriarcas, já que os dons e o chamamento de Deus são
irrevogáveis (cfr. Rom. 11, 28-29). Mas o desígnio da salvação
estende-se também àqueles que reconhecem o Criador, entre os
quais vêm em primeiro lugar os muçulmanos, que professam
seguir a fé de Abraão, e connosco adoram o Deus único e
misericordioso, que há-de julgar os homens no último dia. E o
mesmo Senhor nem sequer está longe daqueles que buscam, na
sombra e em imagens, o Deus que ainda desconhecem; já que é
Ele quem a todos dá vida, respiração e tudo o mais (cfr. Act.
17, 25-28) e, como Salvador, quer que todos os homens se
salvem (cfr. 1 Tim. 2,4). Com efeito, aqueles que, ignorando
sem culpa o Evangelho de Cristo, e a Sua Igreja, procuram,
contudo, a Deus com coração sincero, e se esforçam, sob o
influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo
ditame da consciência, também eles podem alcançar a salvação
eterna (33). Nem a divina Providência nega os auxílios
necessários à salvação àqueles que, sem culpa, não chegaram
ainda ao conhecimento explícito de Deus e se esforçam, não
sem o auxílio da graça, por levar uma vida recta. Tudo o que de
bom e verdadeiro neles há, é considerado pela Igreja como
preparação para receberem o Evangelho (34), dado por Aquele
que ilumina todos os homens, para que possuam finalmente a
vida. Mas, muitas vezes, os homens, enganados pelo demónio,
desorientam-se em seus pensamentos e trocam a verdade de
Deus pela mentira, servindo a criatura de preferência ao
Criador (cfr. Rom. 1,21 e 25), ou então, vivendo e morrendo
sem Deus neste mundo, se expõem à desesperação final. Por
isso, para promover a glória de Deus e a salvação de todos
estes, a Igreja, lembrada do mandato do Senhor: «pregai o
Evangelho a toda a criatura» (Mc. 16,16), procura zelosamente
impulsionar as missões.
Carácter missionário da Igreja
17. Assim como o Filho foi enviado pelo Pai, assim também
Ele enviou os Apóstolos (cfr. Jo. 20,21) dizendo: «ide, pois,
ensinai todas as gentes, baptizai-as em nome do Pai e do Filho
e do Espírito Santo, ensinai-as a observar tudo aquilo que vos
mandei. Eis que estou convosco todos os dias até à
consumação dos séculos» (Mt. 28, 19-20). A Igreja recebeu dos
Apóstolos este mandato solene de Cristo, de anunciar a verdade
da salvação e de a levar até aos confins da terra (cfr. Act. 1,8).
Faz, portanto, suas as palavras do Apóstolo: «ai de mim, se não
prego o Evangelho» (1 Cor. 9,16), e por isso continua a mandar
incessantemente os seus arautos, até que as novas igrejas se
formem plenamente e prossigam, por sua vez, a obra da
evangelização. Pois é impelida pelo Espírito Santo a cooperar
para que o desígnio de Deus, que fez de Cristo o princípio de
salvação para todo o mundo, se realize totalmente. Pregando o
Evangelho, a Igreja atrai os ouvintes a crer e confessar a fé,
dispõe para o Baptismo, liberta da escravidão do erro e
incorpora-os a Cristo, a fim de que n'Ele cresçam pela caridade,
até à plenitude. E a sua acção faz com que tudo quanto de bom
encontra no coração e no espírito dos homens ou nos ritos e
cultura próprios de cada povo, não só não pereça mas antes seja
sanado, elevado e aperfeiçoado, para glória de Deus, confusão
do demónio e felicidade do homem. A todo. o discípulo de
Cristo incumbe o encargo de difundir a fé, segundo a própria
medida (35). Mas se todos podem baptizar os que acreditam,
contudo, é próprio do sacerdote aperfeiçoar, com o sacrifício
eucarístico, a edificação do corpo, cumprindo assim a palavra
de Deus, anunciada pelo profeta: «do Oriente até ao Ocidente
grande é o meu nome entre as gentes, e em todos os lugares é
sacrificada e oferecida ao meu nome uma oblação pura» (Mal.
1,11) (36). É assim que a Igreja simultâneamente ora e trabalha
para que toda a humanidade se transforme em Povo de Deus,
corpo do Senhor e templo do Espírito Santo, e em Cristo,
cabeça de todos, se dê ao Pai e Criador de todas as coisas toda
a honra e toda a glória.
CAPÍTULO IV
OS LEIGOS
Proémio: Carácter peculiar dos leigos
30. Declaradas as diversas funções da Hierarquia, o sagrado
Concílio volta de bom grado a sua atenção para o estado
daqueles fiéis cristãos que se chamam leigos. Com efeito, se é
verdade que todas as coisas que se disseram a respeito do Povo
de Deus se dirigem igualmente aos leigos, aos religiosos e aos
clérigos, algumas, contudo, pertencem de modo particular aos
leigos, homens e mulheres, em razão do seu estado e missão; e
os seus fundamentos, devido às circunstâncias especiais do
nosso tempo, devem ser mais cuidadosamente expostos. Os
sagrados pastores conhecem, com efeito, perfeitamente quanto
os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Pois eles
próprios sabem que não foram instituídos por Cristo para se
encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja
para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em
pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus
serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo
próprio, cooperem na obra comum. Pois é necessário que
todos, «praticando a verdade na caridade, cresçamos de todas
as maneiras para aquele que é a cabeça, Cristo; pelo influxo do
qual o corpo inteiro, bem ajustado e coeso por toda a espécie
de junturas que o alimentam, com a acção proporcionada a
cada membro, realiza o seu crescimento em ordem à própria
edificação na caridade (Ef. 4, 15-16).
Conceito e vocação do leigo na Igreja
31. Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são
membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido
pela Igreja, isto é, os fiéis que, incorporados em Cristo pelo
Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados
participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real
de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o
Povo cristão na Igreja se no mundo.
É própria e peculiar dos leigos a característica secular. Com
efeito, os membros da sagrada Ordem, ainda que algumas
vezes possam tratar de assuntos seculares, exercendo mesmo
uma profissão profana, contudo, em razão da sua vocação
específica, destinam-se sobretudo e expressamente ao sagrado
ministério; enquanto que os religiosos, no seu estado, dão
magnífico e privilegiado testemunho de que se não pode
transfigurar o mundo e oferecê-lo a Deus sem o espírito das
bem-aventuranças. Por vocação própria, compete aos leigos
procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e
ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda
e qualquer ocupação e actividade terrena, e nas condições
ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que
tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí,
exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito
evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de
dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos
outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela
irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles
compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as
realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que
elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e
glorifiquem o Criador e Redentor.
Unidade na diversidade
32. A santa Igreja, por instituição divina, é organizada e
governada com uma variedade admirável. «Assim como num
mesmo corpo temos muitos membros, e nem todos têm a
mesma função, assim, sendo muitos, formamos um só corpo
em Cristo, sendo membros uns dos outros» (Rom. 12, 4-5).
Um só é, pois, o Povo de Deus: «um só Senhor, uma só fé, um
só Baptismo (Ef. 4,5); comum é a dignidade dos membros, pela
regeneração em Cristo; comum a graça de filhos, comum a
vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e uma
caridade indivisa. Nenhuma desigualdade, portanto, em Cristo
e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social
ou de sexo, porque «não há judeu nem grego, escravo nem
homem livre, homem nem mulher: com efeito, em Cristo Jesus,
todos vós sois um» (Gál. 3,28 gr.; cfr. Col. 3,11).
Portanto, ainda que, na Igreja, nem todos sigam pelo mesmo
caminho, todos são, contudo, chamados à santidade, e a todos
coube a mesma fé pela justiça de Deus (cfr. 2 Ped. 1,1). Ainda
que, por vontade de Cristo, alguns são constituídos doutores,
dispensadores dos mistérios e pastores em favor dos demais,
reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e
quanto à actuação, comum a todos os fiéis, em favor da
edificação do corpo de Cristo. A distinção que o Senhor
estabeleceu entre os ministros sagrados e o restante Povo de
Deus, contribui para a união, já que os pastores e os demais
fiéis estão ligados uns aos outros por uma vinculação comum:
os pastores da Igreja, imitando o exemplo do Senhor, prestem
serviço uns aos outros e aos fiéis: e estes dêem alegremente a
sua colaboração aos pastores e doutores. Deste modo, todos
testemunham, na variedade, a admirável unidade do Corpo
místico de Cristo: a própria diversidade de graças, ministérios e
actividades, consagra em unidade os filhos de Deus, porque
«um só e o mesmo é o Espírito que opera todas estas coisas» (1
Cor. 12,11).
Os leigos, portanto, do mesmo modo que, por divina
condescendência, têm por irmão a Cristo, o qual, apesar de ser
Senhor de todos, não veio para ser servido mas para servir (cfr.
Mt. 20,28), de igual modo têm por irmãos aqueles que, uma
vez estabelecidos no sagrado ministério, apascentam a família
de Deus ensinando, santificando e governando com a
autoridade de Cristo, de modo que o mandamento da caridade
seja por todos observado. A este respeito diz belissimamente S.
Agostinho: «aterra-me o ser para vós, mas consola-me o estar
convosco. Sou para vós, como Bispo; estou convosco, como
cristão. Nome de ofício, o primeiro; de graça, o segundo;
aquele, de risco; este, de salvação»(111).
O Apostolado dos leigos
33. Unidos no Povo de Deus, e constituídos no corpo único de
Cristo sob uma só cabeça, os leigos, sejam quais forem, todos
são chamados a concorrer como membros vivos, com todas as
forças que receberam da bondade do Criador e por graça do
Redentor, para o crescimento da Igreja e sua contínua
santificação.
O apostolado dos leigos é participação na própria missão
salvadora da Igreja, e para ele todos são destinados pelo
Senhor, por meio do Baptismo e da Confirmação. E os
sacramentos, sobretudo a sagrada Eucaristia, comunicam e
alimentam aquele amor para com Deus e para com os homens,
que é a alma de todo o apostolado.
Mas os leigos são especialmente chamados a tornarem a Igreja
presente e activa naqueles locais e circunstâncias em que só por
meio deles ela pode ser o sal da terra (112). Deste modo, todo e
qualquer leigo, pelos dons que lhe foram concedidos, é ao
mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da
própria Igreja, «segundo a medida concedida por Cristo» (Ef.
4,7).
Além deste apostolado, que diz respeito a todos os fiéis, os
leigos podem ainda ser chamados, por diversos modos, a uma
colaboração mais imediata no apostolado da Hierarquia 3, à
semelhança daqueles homens e mulheres que ajudavam o
apóstolo Paulo no Evangelho, trabalhando muito no Senhor
(cfr. Fil. 4,3; Rom. 16,3 ss.). Têm ainda a capacidade de ser
chamados pela Hierarquia a exercer certos cargos eclesiásticos,
com finalidade espiritual.
Incumbe, portanto, a todos os leigos a magnífica tarefa de
trabalhar para que o desígnio de salvação atinja cada vez mais
os homens de todos os tempos e lugares. Esteja-lhes, pois,
amplamente aberto o caminho, a fim de que, segundo as
próprias forças e as necessidades dos tempos, também eles
participem com ardor na acção salvadora da Igreja.
A consagração do mundo pelo apostolado dos leigos
34. O supremo e eterno sacerdote Cristo Jesus, querendo
também por meio dos leigos continuar o Seu testemunho e
serviço, vivifica-o pelo Seu Espírito e sem cessar os incita a
toda a obra boa e perfeita. E assim, àqueles que Intimamente
associou à própria vida e missão, concedeu também
participação no seu múnus sacerdotal, a fim de que exerçam
um culto espiritual, para glória de Deus e salvação dos homens.
Por esta razão, os leigos, enquanto consagrados a Cristo e
ungidos no Espírito Santo, têm uma vocação admirável e são
instruídos para que os frutos do Espírito se multipliquem neles
cada vez mais abundantemente. Pois todos os seus trabalhos,
orações e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e
familiar, o trabalho de cada dia, o descanso do espírito e do
corpo, se forem feitos no Espírito, e as próprias incomodidades
da vida, suportadas com paciência, se tornam em outros tantos
sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo (cfr.
1 Ped. 2,5); sacrifícios estes que são piedosamente oferecidos
ao Pai, juntamente com a oblação do corpo do Senhor, na
celebração da Eucaristia. E deste modo, os leigos, agindo em
toda a parte santamente, como adoradores, consagram a Deus o
próprio mundo.
O testemunho de vida pelo apostolado dos leigos
35. Cristo, o grande profeta, que pelo testemunho da vida e a
força da palavra proclamou o reino do Pai, realiza a sua missão
profética, até à total revelação da glória, não só por meio da
Hierarquia, que em Seu nome e com a Sua autoridade ensina,
mas também por meio dos leigos; para isso os constituiu
testemunhas, e lhes concedeu o sentido da fé e o dom da
palavra (cfr. Act. 2, 17-18; Apoc. 19,10) a fim de que a força do
Evangelho resplandeça na vida quotidiana, familiar e social. Os
leigos mostrar-se-ão filhos da promessa se, firmes na fé e na
esperança, aproveitarem bem o tempo presente (cfr. Ef. 5,16;
Col. 4,5) e com paciência esperarem a glória futura (cfr. Rom.
8,25). Mas não devem esconder esta esperança no seu íntimo,
antes, pela contínua conversão e pela luta «contra os
dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos do
mal» (Ef. 6,12), manifestem-na também nas estruturas da vida
secular.
Do mesmo modo que os sacramentos da nova lei, que
alimentam a vida e o apostolado dos fiéis, prefiguram um novo
céu e uma nova terra (cfr. Apoc. 21,1), assim os leigos tornam-
se valorosos arautos da fé naquelas realidades que esperamos
(cfr. Hebr. 11,1), se juntarem sem hesitação, a uma vida de fé, a
profissão da mesma fé. Este modo de evangelizar, proclamando
a mensagem de Cristo com o testemunho da vida e com a
palavra, adquire um certo carácter específico e uma particular
eficácia por se realizar nas condições ordinárias da vida no
mundo.
Nesta obra, desempenha grande papel aquele estado de vida
que é santificado por um sacramento próprio: a vida
matrimonial e familiar. Aí se encontra um exercício e uma
admirável escola de apostolado dos leigos, se a religião
penetrar toda a vida e a transformar cada vez mais. Aí
encontram os esposos a sua vocação própria, de serem um para
o outro e para os filhos as testemunhas da fé e do amor de
Cristo. A família cristã proclama em alta voz as virtudes
presentes do reino de Deus e a esperança na vida bem-
aventurada. E deste modo, pelo exemplo e pelo testemunho,
argui o mundo do pecado e ilumina aqueles que buscam a
verdade.
Por isso, ainda mesmo quando ocupados com os cuidados
temporais, podem e devem os leigos exercer valiosa acção para
a evangelização do mundo. E se há alguns que, na medida do
possível, suprem nas funções religiosas os ministros sagrados
que faltam ou estão impedidos em tempo de perseguição, a
todos, porém, incumbe a obrigação de cooperar para a
dilatação e crescimento do Reino de Cristo no mundo.
Dediquem-se, por isso, os leigos com diligência a conseguir
um conhecimento mais profundo da verdade revelada, e peçam
insistentemente a Deus o dom da sabedoria.
A santificação das estruturas humanas pelo apostolado dos
leigos
36. Tendo-se feito obediente até à morte e tendo sido, por este
motivo, exaltado pelo Pai (cfr. Fil. 2, 8-9), entrou Cristo na
glória do Seu reino. Todas as coisas Lhe estão sujeitas, até que
Ele se submeta, e a todas as criaturas, ao Pai, para que Deus
seja tudo em todos (cfr. 1 Cor. 15, 27-28). Comunicou este
poder aos discípulos, para que também eles sejam constituídos
em régia liberdade e, com a abnegação de si mesmos e a
santidade da vida, vençam em si próprios o reino do pecado
(cfr. Rom. 6,12); mais ainda, para que, servindo a Cristo
também nos outros, conduzam os seus irmãos, com humildade
e paciência, àquele Rei, a quem servir é reinar. Pois o Senhor
deseja dilatar também por meio dos leigos o Seu reino, reino de
verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de
justiça, de amor e de paz (114), no qual a própria criação será
liberta da servidão da corrupção, alcançando a liberdade da
glória dos filhos de Deus (cfr. Rom. 8,21). Grande é a
promessa, grande o mandamento que é dado aos discípulos:
«tudo é vosso; vós sois de Cristo; e Cristo é de Deus» (1 Cor.
3,23).
Por consequência, devem os fiéis conhecer a natureza íntima e
o valor de todas as criaturas, e a sua ordenação para a glória de
Deus, ajudando-se uns aos outros, mesmo através das
actividades propriamente temporais, a levar uma vida mais
santa, para que assim o mundo seja penetrado do espírito de
Cristo e, na justiça, na caridade e na paz, atinja mais
eficazmente o seu fim. Na realização plena deste dever, os
leigos ocupam o lugar mais importante. Por conseguinte, com a
sua competência nas matérias profanas, e a sua actuação
interiormente elevada pela graça de Cristo, contribuam
eficazmente para que os bens criados sejam valorizados pelo
trabalho humano, pela técnica e pela cultura para utilidade de
todos os homens, sejam melhor distribuídos entre eles e
contribuam a seu modo para o progresso de todos na liberdade
humana e cristã, em harmonia com o destino que lhes deu o
Criador e segundo a iluminação do Verbo. Deste modo, por
meio dos membros da Igreja, Cristo iluminará cada vez mais a
humanidade inteira com a Sua luz salvadora.
Além disso, também pela união das próprias forças, devem os
leigos sanear as estruturas e condições do mundo, se elas
porventura propendem a levar ao pecado, de tal modo que
todas se conformem às normas da justiça e antes ajudem ao
exercício das virtudes do que o estorvem. Agindo assim,
informarão de valor moral a cultura e as obras humanas. E, por
este modo, o campo, isto é, o mundo ficará mais preparado
para a semente da palavra divina e abrir-se-ão à Igreja mais
amplamente as portas para introduzir no mundo a mensagem
da paz.
Devido à própria economia da salvação, devem os fiéis
aprender a distinguir cuidadosamente entre os direitos e
deveres que lhes competem como membros da Igreja e os que
lhes dizem respeito enquanto fazem parte da sociedade
humana. Procurem harmonizar entre si uns e outros,
lembrando-se que se devem guiar em todas as coisas temporais
pela consciência cristã, já que nenhuma actividade humana,
nem mesmo em assuntos temporais, se pode subtrair ao
domínio de Deus. É muito necessário em nossos dias que esta
distinção e harmonia se manifestem claramente nas atitudes
dos fiéis, que a missão da Igreja possa corresponder mais
plenamente às condições particulares do mundo actual. Assim
como se deve reconhecer que a cidade terrena se consagra a
justo título aos assuntos temporais e se rege por princípios
próprios, assim com razão se deve rejeitar a nefasta doutrina
que pretende construir a sociedade sem ter para nada em conta
a religião, atacando e destruindo a liberdade religiosa dos
cidadãos (115)
Relações dos leigos com a Hierarquia
37. Como todos os fiéis, também os leigos têm o direito de
receber com abundância, dos sagrados pastores, os bens
espirituais da Igreja, principalmente os auxílios da palavra de
Deus e dos sacramentos (116); e com aquela liberdade e
confiança que convém a filhos de Deus e a irmãos em Cristo,
manifestem-lhes as suas necessidades e aspirações. Segundo o
grau de ciência, competência e autoridade que possuam, têm o
direito, e por vezes mesmo o dever, de expor o seu parecer
sobre os assuntos que dizem respeito ao bem da Igreja (117).
Se o caso o pedir, utilizem os órgãos para isso instituídos na
Igreja, e procedam sempre em verdade, fortaleza e prudência,
com reverência e amor para com aqueles que, em razão do seu
cargo, representam a pessoa de Cristo.
Como todos os cristãos, devem os leigos abraçar prontamente,
com obediência cristã, todas as coisas que os sagrados pastores,
representantes de Cristo, determinarem na sua qualidade de
mestres e guias na Igreja, a exemplo de Cristo, o qual com a
Sua obediência, levada até à morte, abriu para todos o feliz
caminho da liberdade dos filhos de Deus. Nem deixem de
encomendar ao Senhor nas suas orações os seus prelados, já
que eles olham pelas nossas almas, como devendo dar contas
delas, a fim de que o façam com alegria e não gemendo (cfr.
Hebr. 13,17).
Por seu lado, os sagrados pastores devem reconhecer e
fomentar a dignidade e responsabilidade dos leigos na Igreja;
recorram espontaneamente ao seu conselho prudente,
entreguem-lhes confiadamente cargos em serviço da Igreja e
dêem-lhes margem e liberdade de acção, animando-os até a
tomarem a iniciativa de empreendimentos. Considerem
atentamente e com amor paterno, em Cristo, as iniciativas,
pedidos e desejos propostos pelos leigos (118). E reconheçam a
justa liberdade que a todos compete na cidade terrestre.
Muitos bens se devem esperar destas relações confiantes entre
leigos e pastores: é que assim se fortalece nos leigos o sentido
da própria responsabilidade, fomenta-se o seu empenho é mais
facilmente se associam nas suas energias à obra dos pastores.
Estes, por sua vez, ajudados pela experiência dos leigos, tanto
nas coisas espirituais como nas temporais, mais facilmente
julgarão com acerto, a fim de que a Igreja inteira, com a
energia de todos os seus membros, cumpra mais eficazmente a
sua missão para a vida do mundo.
Conclusões: os leigos vivificadores do mundo
38. Cada leigo deve ser, perante o mundo, uma testemunha da
ressurreição e da vida do Senhor Jesus e um sinal do Deus
vivo. Todos em conjunto, e cada um por sua parte, devem
alimentar o mundo com frutos espirituais (cfr. Gál. 5,22) e nele
difundir aquele espírito que anima os pobres, mansos e
pacíficos, que o Senhor no Evangelho proclamou bem-
aventurados (cfr. Mt. 5, 3-9). Numa palavra, «sejam os cristãos
no mundo aquilo que a alma é no corpo» (119)