Apologia+Da+Deriva
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5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/apologiadaderiva 1/48
Internacional Si cionista
ras.
CASA DA 6PALA
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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C ; . . I.ydgbt©2003 desta edil5.o, Paola Borenstein Jacques e Casa da Palavra.
Copyright©2003 da tradurao. Estela des Santos Abreu.
Copyright©2003 do prefacio, Carlos Roberto Monteiro de Andrade.
Este livre , publicado no ambito do Programa deApoio a Publicacao. contou coma ajuda do Ministerio
Fr,ll1e~sdas RelaccesExteriores, daEmbaixada da Franca no Brasil e da Maison deFrance no RlOde Janeiro.
c ( ; ~ · ( . l ( 1 r a g e , pllblie d an s I e c ad re d u P ro gr am m e d 'A id e. a I a P u bl ic at io n, h en ef id e d u s c u t i e n du Ministere des
A ff ai re s E tr an ge re s; d e I ' Am ha ss ad e d e F r an ce a u B r es il e t d e l a M qi so n d e F ra nc e d e R i o d e J a ne ir o.
. b ~C~r \ -
~~~"()rrt';l/
~ ~ . ~ ' : . . J L o h l ~ \; . " W 5 , ,~ ~ , Ir~'
~;Tiago Rodrigues de Castro
Or g a n iz a ~ ao e a p re s e nt a ~ ii o
Paola Berenstein Jacques
Traduo io
Estela dos Santos Abreu
Pro je to g r a f ico ( b a s e ado no s boletins o r i g i n a i s )
Ca p a
Tiago Rodrigues de Castro e Paola Berenstein Jacques
Prod l l r ii o ed i t o r ia l
Rua Joaquim Silva,98, 40 andar, Lapa- Rio deJaneiro
CEP 20241~110 [email protected]
www.casadapa lavra .com.br
G A. .- ;A o N A F ON TE ( )O S lN D IC AT O ~ jA Cl ON AL D OS E Dl 'f OR ES n n L IV RO S, n r,
-:-10JI±- -ApoIogla a eriva: escritos situacionistas sobre a cidade I Internacional Situacionisra:
PaolaBerenstein Jacques, orgenizacxo: Estela dos Santos Abreu, traducao. - Riode Janei-
ro:Casa da Palavra, 2003.
160 p" il.; 16 x 23 em.
Inclui bibhografia
ISBN 85-87220-60-8
1. Interriaticnale Situationniste. 2.Arquitetura moderna - Europa - Histcria - SeculoXX.
3. Urbanismo ~Europa - Historic - SeculoXX.4.Radicaiismc - Europa - Historia - Seculo
X X. S . Vanguarda (este tica) - Europa - Historia - Seculo XX .
LJacques, Paola Berenstein, 1968-. II,Internationale Sttuationrriste.
CO D 724.91
(111172.036
SUMARIO
Prefacio Carlos R ob er to M o nt ei ro d e A nd ra de 11
Apresentacao P ao la B er en st ei n J ac qu es 13
ln tr cd uc ao a u rn a crltica d a g eo gr af ia u rb an a Guy -Er n e st D eb o rd , 1955 39
R ela l6 rio s obre a c ons tru cs o de s itu ac oes e so br e as c on dico es d e
o rg an iz ar ;a o e d e a ~a o d a I en de nc ia s it ua ci on is la i nl er na ci on al Guy-Ernes t
Debo r d , 1957 43
C on tr ib uic ao p ar a u ma d ef in i~ ao s il ua ci on is la d e j og o IS, 1958 60
Ques t6e s p re lim ina re s a c on st ru ca o d e u m a s it ua ca o IS, 1958 62
Definir;6es IS, 1958 65
Forrnula rio p ar a u m n ov o u rb an is mo G i l le s I v ai n , 1958 [1953J 67
T ese s so bre a revotucao cultural G u y- E rn e st D e b or d, 1958 72
as s it ua ci on is ta s e a au to rn a t iz a c ao Asger J a m , 1958 74
V en ez a v en ce u R alp h R um ne y IS , 1958 78
Esboco de descricao p si co ge og rM ic a d o L es Halles d e P a ri s
A b d el h af id K h a ti b , 1958 79
Ouesticnario 15 ,1958 85
T eo ri a d a d er iv a G u y- E rn e st D e b or d , 1958 [1956J 87
A p ro po sit o d e n os so s m ei os d e a t; ao e p er sp ec tiv as Cons tant, 1958 92
A de c la r a c ao de Arns te rda C on st an t e G u y- Er ne st D e bo rd , 1958 95
C or re co es p ar a a a do ~a o d os o nz e p on te s d e A ms te rd a 15 ,.1959 97
o g ra nd e jo go d o p or vir Cons tant, 1959 98
o u rb an is mo un ita rio n o tim d os an o s 19 50 15 ,1959 100
R ela to rio d e a be rt ur a d e c o nfe rll nc ia d e M un iq ue Cons tan t,1959 106
P r im e ir a p rc c la r na c 0 d, Il~ 0 I ,o l(m d 0 d · l nt er n ac io n al S i fu a ci on is la
A . Ajhcr t~ . I I , P l I 1 r l l l r l r l , ('/IIINWII! II 1 1 m rlllrll'jrm,'/, 1959 109
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Pos i~ 6ess i t ua c io n is t as a r e spe it o do t ra n s it e G u y- Er ne st D eb o rd , 1 95 9
Du t ra c i dade pa ra ou tr a v id a Cons tan t , 1959 11 4
D i eWe l t a l s L a by ri nt h [ 0 m u nd o c omo L a bi ri nt o] I S, 1 96 0 11B
Teo ri a do s momen to s e const ru cao dass l t u ac ce s IS,1960 121
Dasc ri c ao da zona ama re l a Cons tan t , 1960 123
11 2
Manifesto IS,1960 126
A f ronte i ra s i tuac ion is ta IS, 1960 129
C r ft ic a ao u r ban ismo IS, 1961 13 2
P r og ram a e lem en ta r d o b u re a u d e u rb a ni sm o u n it ar io
A tt il a K ot dn yi e R a ou l V an ei ge m , 1961 13 9
Pe r spe c ti v as de r n cd i ti ca coes consc i en l es na v i da co li d i a na G u y- E rn e st D e b or d ,
1961 14 3
Cornen ta rios con t ra 0 urbanismo R a o ul V a ne ig e m , 1961 15 3
S e le ~ ao b ib li og ra fi ca 1 5 9
PREFAclO
Cidadaos de todos os paises, der ivem! Dissolvam as fronteiras e destruam os
muros de todos os tipos, das prisoes e asilos aos condominios residcnciais fe-
chados, dos shopping centers aos conjuntos habitacionais modernosl
Essas sao as palavras de ordem s itus ainda atuais, para aomenos justificar a
publicacao desta antologia de textos situacionistas sobre a cidadc, mas tam-
bern sobre a arquitetura, a vida cotidiana, a pratica coletiva da criacao artistica,
o exercicio de novos modos de fruicao dos espa~os urbanos, visando deforrna-
los (uso aqui um dos sent idos que c re io ser possive l a tribu ir ao termo s itu
" de tournemen t" , alern de desvio, que e sua r.raducao literal).
A Internacional Situacionista (IS) buscava a constituicao de novas
territorialidades que resgatassem as multiplas farmas de nomadismo que as
cidades modemas foram progressivamente esquadrinhando, restringindo, fi-
xando e confinando, com 0 fim de aniquila-las por completo.
"Ancestrais desejos n6mades irrompem", nos lembra Jack London, e os par-
tic ipantes da ISencarnavam tais desejos e proclamavam a deriva como modo
de subversao da cidade, de seus direitos e de suas ideologias, dentre elas0ur-
banismo. Que tambem e pratica etanto molda asformas de sociabilidade quanta
configura a paisagem das cidades, regioes e paises.
Radicalmente contraria ao funcionalismo abstrato da urbanistica da "Carta
deArenas", a ISpretendia novos meios deapropriacao da cidade, conformando 0
territorio atraves da participacao ativa dos seus habitantes. Aolade de suadi -
men sao revolucionaria, as textos da ISsobre a cidade, lidos hoje, nolimiar deurn
novo seculo, sequer nos parecern utopicos, mas sim anunciadores da cidade-
espetaculo. Alem decidade-maquina, como queriam LeCorbusier eseus epigonos,
cidade-midia, cujo controle dos fluxos e cada vez mais determinado pelas redes
eletr6nicas eo territorio urbano transforma-se em pura virtualidade.
A deriva situacionista e tambern uma viagem alucinogena, it maneira da-
quela realizada par ianornamis sorvendo cipos e raizes em plena selvatiqueza,
que nao e euclidiana e tampouco ruskiniana, mas muito mais primeva ... em
busca da terra sem mal, construindo situacoes,
Assim, derivemos por esses textos etambem por nossas cidades. Quem sabe
descubramos e forjemos outros territories, sem a segregacao que conforma os
atuais, sob 0 signo da urbs .
C a rl os R o be rt o M o nt ei ro d e A n dr ad eArqu l t 10 I Ic l6 lo go , d il ut or a m a rq ui te tu ra e u rb an ls mo p el a U nl ve rs ld ad e d e Sao
Pou lo , i 1 " o r O ~ o g r d o I ~ o ol ~ d o E ng on ll or lo d e 5 50 C ar lo d a U nl vo rs ld ad c d o S il o P au lo ,
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1 . 1 : 1 : "0 T AM s ab qu a t i r an ia do consenso car tesi ano chegou a sua ult ima
fnsr.";bf le tambem pels propria localizacao do coloquio de 1949, Bergamo, um a
ldade histor ie s i ta li ana, que inf luenciou na escolha do tema do coloquio se-
guinte, The H ea rt o f t he Ci ty , organizado pelos ingleses em Hoddeson em 1951
(ClAM VIII). 0 oitavo encontro marcou 0 inicio de uma nova fase no CIAM:600
p redomin io da nova geracao dearquit etos modemos no lugar da "ve lha guar-
da", Esse coloquio inovou exatamente pela escolha do tema a ser debatido, 0
entro das cidades, em grande parte destruidos durante a guerra, 0que impos
um quest ionamento sabre a que fazer com 0que restou desses centres histori-
cos, au seja, sobre a questao do patrimonio urbano, das preexis tencias, temas
que as arquitetos modemos nao costumavam discutir. A questao do pedestre
tambern foi levantada, demonstrando um pequeno interesse pelo usuario das
cidades, 0 que tambern nao e ra tema de debates uma vez que a te entao se bus-
cava urn ideal de homem modemo (Modu lo r ) e se menosprezava 0 habitante
real.
Mas foi sono coloquio seguinte, emAix-en-Provence em 1953 (ClAM IX),61
que 0Team X seIorrnou e apareceu de forma mais abertamente cri tica, sobre-
tudo atraves da apresentacao das ideias do casal Ingles Alison e Peter Smithson:
Urban Reidenriiionion. Nesse projeto ernblematico osingleses atacaram a sepa-
racao defuncocs da Car ta deAtenas epropuse ram a sua subst itui cao por uma
hierarquia de associacoes humanas e uma nova reidentificacao urbana. 0 inte-
ressante a notar nesse projeto e que pela primeira vez no ClAMapareceram, de
forma explici ta, fotografias de pessoas reais , no caso habitantes de s l ums (cor-
t icos e favelas) de Londres , fotografados por Nigel Henderson, colega do casal
Smithson do T he I nd ep en de nt G ro up londrino, ligado ao ICAeaos situaciomstas.
Os Smithsons costumavam dizer que na Car ta deAtenas "0que faltava era 0
homem" .
Foi a par ti r desse momenta que 0 Team X surgiu de fato, colocando 0 ho-
mem real no lugar dohomem ideal (Modulor) , de LeCorbusier e da" velha guar-
da ",e asquestoes das diferencas individuais passaram a ser estudadas em prol
do coletivo ideal modemo. 0grupo, heterogeneo e eclet ico mas com a convic-
yao comum de ir contra a Carta de Atenas, era formado por ingleses, holande-
ses e tarnbem por um grupo de arquiteto s que tr abalhou no Marr ocos e na
Argelia, estudando a arquitetura vernacula da Cas bah .
Em seguida, a dominacao da nova gera~ao foi to ta l, e 0 ClAMX, de 1956,
tentou, scm sucesso, redigir uma Carta do Habitat , para subst ituir ou comple-
menta r a Carta de Atenas: "es ta c la ro que 0 conteudo da Carta deAtenas nao
s rvc mais como inst rurnento para 0 desenvolvimento criativo", Le Corbusier,
npCA~ de t r hamado Sill mbros do TeamX de L e s e m m e rd e ur s [Os chatos],
' m c nr rn . ( Hz :" In novn g t 'r r I\ ~ .o l C a u ni a c apa z de s ntir OH prob lemas a t u a i s . ;
eles estao por dentro. Seus predecessores nao; estao por fora".A partir do mo-
mento em que secomecou a tratar de questoes de singularidade e diversidade,
ficou cada vez mais dificil criar novas doutrinas genericas e intemacionalmen-
te operacionais como a Car ta deAtenas e os proprios ClAMs. Assim, na ultima
reuniao dos modemos em Otter loo, em 1959, foi dec re tado 0 fim ofidal do
movimento rnoderno em arquitetura.
Em termos bern ger ais, o s dois grupos - Team Xe Situacion istas - cada
qual it sua maneira, propunham ideias semelhantes: a ideia decolagem, demis-
tura e de diversidade contra 0 excesso de racionalidade e funcionalidade mo-
demas, e contra a separacao de funcoes (zoning) . Contra a general idade, a
impessoalidade, simbolizadas pelo Modu lo r corbusiano e pela ideia de Tabula
Rasa, eles propunham a busca de identidades , da individualidade e da divers i-
dade, sobretudo das pessoas comuns e reais das ruas das cidades existentes.
Cont ra a homogeneidade e s impl ic idade ideai s modemas, el es propunham a
hete rogene idade e a complexidade l igadas a vida cot id iana . Contra a grande
escala e a autoridade doEstado e dos proprios urbanis tas l igadas aspretensoes
modernas, propunham uma volta it pequena escala, it escala humana, e apart i-
cipacao dos habitantes.
Mais do que simples roincidencia ou questao de Zeitgeis t , existiram de fato
contatos e trocas entre os dois grupos, principalmente atraves dos seus mem-
bros holandeses e ingleses. 0 casal Smithson, por exemplo, tarnbern fazia par-
te de um grupo londrino, T he I nd ep en de nt G ro up , grupo de debates na origem
do Pop Art ingles, que tinha liga~oes diretas com 0 IAC, Institute of
Contemporary Arts. 0grupo psicogeogrMico londrino e a propria IStambern
est iveram ligados aoICAdurante a 4· conferencia da ISem Londres , em 1960.
Aldo Van Eyckeo caso mais explici to desse intercambio. Era amigo pessoal
de Constant e ambos, ass im como Asger Jom,52 fizeram parte do grupo Cobra,
urn dos grupos formadores da IS, Van Eycke Constant chegaram a redigir jun-
tos um manifes to em 1952: V a or e e n s pa ti aa l c o lo ri sm e (Por urn colorismo espa-
cial), apelo para uma evolucao conjunta da arquitetura e da pintura. Urn outre
membro holandes doTeam X,Jacob Bakema, passou a ser responsavel em 1959,
junto com Van Eyck, pela nova linha editorial darevista For um ,63 que publicou,
e assim difundiu no campo do urbanismo, textos situacionis tas e,sobretudo,
imagens de maquetes e desenhos da cidade utopica idealizada por Constant:
Nova Babilonia.
N ov a B ah ilt mia n do Ii u m p ro je to d e u rb an is mo . T am be m r uio e u ma o bra
de a rte n o se ntid o trad icio na l d o te rm o, n em u m exe mplo de e stru tu ra
a r q ui 't :e l 'l ln i a . Pode -s e apre ende -la na f or ma a tu al , c om o u m a p ro po st a,
'urnf ' I tl il la il lm t lr ' m ate ria liza r a te or ia d o u rb an is mo Imitdr io , para se
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APRESENTAr;AO
A economia poli t ico , 0 amor e 0 u rb an ism o s iu : o s m ei os q ue se ria p re cis e d om i-
n ar pa ra se re so lver u m pro ble ma q ue Iian te s d e tu do de o rd em e tica . Nada pode
o br ig ar q ue a v id a n ii o se ja a hs olu ta mc nt e a pa ix on an te . N 6s s ab em os c om o [ aze r,'
Qual seria 0 interesse hoje - quase meio seculo" apos a puolicacao dos primei-
ros textos - de se re sga ta r 0pensamento situacionista sobre a cidade? Talvez
simplesmente como provocacao diante deuma triste constatarao: a quase com-
pleta ausencia de ssa pa ixao - proposta e vivida pelos situacionistas - na
vida e no pensamento urbanos conternporaneos. Apesar dos recentes protes-
tos antiglobalizacao que ganharam as ruas degrandes cidades do mundo e po-
deriam nos fazer pensar em urn retorno ao ambiente de inquietacao e
reivindicacao dos anos 1960,30 pensamento urbano difundido neste periodo,
que ficou conhecido como participacionista - pois pregava a partidpacao dos
habitantes - parece estar cada vez rnais "burorratizado" ern prol de uma
"espstacularizacao" urbana generalizada.
AInternacional Situacionista (IS)- grupo deartistas, pensadores e ativistas 13
- lutava contra 0 espetaculo, a cultura espetacular e a espetaculanzacao em
geral, ou seja, contra a nao-participacao, a alienacao e a passividade da socieda-
de. 0principal antidoto contra 0 espetaculo seria 0 seu oposto: a participacao
ativa do s individuos em todos os campos da vida socia l, principalmente no da
cultura. 0 interesse dos situacionistas pelas questoes urbanas foi uma conse-
quencia da importancia dada par estes ao meio urbano como terrene de ac;:ao,
de producao denovas formas de intervencao e de luta contra a monotonia , ou
ausenria de paixao, da vida cotidiana moderna. A critica urbana situacionista
permanece assim, em sua essenda, pertinente.
Em urn momenta a tual de c ri se da propr ia nocao de c idade , que se torna
visivel principalmente atraves das ideias de nao-cidade, seja por congelamento
- c idade -museu epat rimonial iz acao desenfr eada -, sejapor di fusao - c ida-
de gcnerica e urbanizacao generalizada. Essas duas correntes do pensamento
urbane conte rnporaneo - em voga na teoria mas princ ipalmente na pra tica
dourbanismo - apesar deaparentemente antagonicas, tenderiam a urn resul-
t.adosernelhante: a espetacularizacao das cidades rontemporaneas.
A corrente mala conservadora, pos-rnodernista tardia, neoculturalista ,
radicaliza a prCOCLI~l<I~ a p 6 1 l · moderna com as culturas preexistentes, e preco~
u iz a a p Cl rl fi ('( \~ ~n o u ( ) P ,1 H[ I( l n - f lo ('Spf1<;:Ourbane, principalmente de centros
llii< I (>I'ilO H , 1 1 1· ( lV i ll ,Inilll 1 1 1 1 1 1 1 f "1illldflrI1~.I[II' 1 1 . 1 1 rhnonla l iaa rf io prin ip a lmcn t e
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II,
nas idades europeias, e 0 surg imento da cidade-par que-ternattco e da
dl sneyl andizacao urbana em particular nos Estados Unidos, que seriarn exem-
plos tipicos da cidade-espetaculo." A corrente dita progressista, neo-modernis-
ta, retoma alguns principios modemistas - sem a mesrna preocupacao social
ou a utop ia do s p rimeiro s moderno s - prindpalmente a ideia de T a bu l a R a sa ,
e faz a apologia da grande escala (XL)5 e dos espacos urbanos caoticos, geral-
mente perifericos au de cidades da periferia mundial: junkspaces, cidades gene-
ricas , cidades-shoppings au espayos terminais do capital isrno selvagem, que
tern como paradigma as novas c idades asi at icas au afr icanas , e que tarnbern
sao mostradas de uma forma totalmente espetacular."
Essa quase esquizofrenia dos discursos contemporaneos sobre a cidade? -
preservar 0 antigo ou construir 0novo - vern ocorrendo muitas vezes sirnulta-
neamente e em uma mesma cidade, com propostas preservacionistas para oscen-
t ros histor icos , que se tornam receptaculos de tur is ta s, e com a const rucao de
novos bairros ex-nihilo nas areas de expansao perifericas , que se tornam fontes
para a especulacao imobiliaria, Muitas vezes os atores e patrocinadores destas
propostas tambern sao os mesmos, ass im como e semelhante a nao-participacao
da populacao em suas forrnulacoes, e a gentnficacao" das areas como resultado,
demonstrando queas duas correntes antagonicas podem ser faces deuma mesma
moeda, que visaria tao-somente a uma espetacularizacao mercantil das cidades.?
Aironica cri tica urbana situacionis ta pareee ainda tao atual exatamente por
t er a tacado, dentro do contexte europeu dos anos 1950-1960, os primordios
dessa nova espetacularizacao urbana conternporan ea Por urn lado, os
si tuac ioni st as foram urn dos primeiros grupos" a c ri ti ca r de forma radical 0
movimento moderno em arquitetura e urbanismo, principalmente seus maio-
res simbolos, 0 funcionalismo separat is ta da Carta deArenas" e a racionalida-
de cartesiana de seu maior defensor, LeCorbusier."
Os [ un ci on al is ta s i gn or am a [ un du ; p si co l6 gi ca d a a m bi en ci a [ . .. ] a a s pe c-
t o d as c on st ru ~6 es e d os o bj et os q ue n os c er ca m e q ue u ti li za m os p os su em
u m a [ ur ui io i nd ep en d en te d e s eu u sa p rd ti co [ .. .J OS r a c io n o l is t as [ u n ci a -
n ali sta s, p ar c au sa d e s ua h om og en eiz ac do , i ma gin ar am q ue s6 s e p od e
a lc an ca r f or ma s d ef in it iv as , i de ai s, d e d if er en te s o bj et os q ue i nt er es sa m
a o h om em . A e vo lu ci io h oj e m o st ra q ue e st a c on ce pc ii o e st dt ic a e st av a e r-
r ad a. P od e- se c he ga r a u rn a c on ce pc ao d in am ic a d as [ or ma s, p od e- se v er
e ss a v erd ad e: to da fo rm a h um an a es ta e m t ra ns fo rm ac ao c on tin ua . N ao
p od em o s r na is , c om o a s r ac io na li st as , e vi ta r e ss a t ra ns fo rm a ci io . A [ al ha
d os r ac io na li sta s [o i n a o t er c om pr ee nd id o q ue a u nic a m an ei ra d e s e e vi -
t ar a a na rq ui a d a tr an sf or ma di o c on si st e e m e n te nd er a s s ua s l eis in te r-
n o s, e u t il iz a r- se d e la s . 13
E,por outro lado, por meio dessa negacao de uma concepcao estat ica da cida-
de,os situacionistas anteciparam tambern uma critica a museificacao das cidades,
principalmente aopar em duvida atransformacao dessas cidades em espetaculos
urbanos estaticos enao-participativos atraves daideia do urbanismo unitario (UU).
[ 0 u rb an is mo u ni ta no ] o po e- se a o e sp et ac ui o p as si vo , t fp ic o d e n os sa c ul -
t ur a, n a q ua l a o rg an iza ca o d o e sp et ac ulo s e e s te nd e d e f o rm a t an to m ais
e sc an do lo sa v ist o q ue a h om em p od e c ad a v ez m ai s i nte rf eri r d e n ov as m a-
n e ir as . E n qu a nt o h o je a s p r6 pr ia s c id a de s s e o f er e c er n c o m o u m l a me n ta v el
e sp et ac ul o, u m a ne xo d e m u se u p ar a t ur is ta s q ue p as se ia m e m o ni bu s e nv i-
d rac adoe , 0 UU v e 0 m ei o u rb an o c om o t er re no d e u rn j o go d o q ua l s e p a rt i-
c ipa. 0 u rb a ni sm o u ni td ri o n ii o e st d i de ol m en te s ep ar ad o d o a tu al t er re no
d a s c i d ad e s. E [o rm ad o a p ar tir d a e xp er ien da d es se t er re ne e a p ar tir d as
c on st ru ib es e xi st en te s. D ev e t an to e xp lo ra r a s c en d ri os a tu ai s, p el a a fi r-
m aa io d e u rn e sp a~ o u rb an e lu di co t al c om o a d er iv a a r ec on he ce , q ua nt o
c on st ru ir o ut ro s, t ot ol me nt e i ne di to s. E ss a i nt er pr et ac ao (u so d a c id ad e
a tu a l, c o ns tr u ci io d a c id a de [ u tu r a) i m pl ic a 0 man e J o d o d e sv i o a r q u it e to n i -
co . 0u rb an is mo u ni ta ri o n ii o a c ei ta a f ix ar ao d as c id a de s n o temno.r'
o urbanismo unitario - unitario por ser contra a separacao moderna defun-
~6es(base da Carta deAtenas) - nao propos novos modelos ou formas urbanas,
rnais sim experiencias efemeras de apreensao do espa(:o urbano atraves da pro-
posta denovos procedirnentos como a psicogeografia e de novas praticas como a
deriva. Como ospr6prios situacionistas insistiam em dizer: "Primeiro, 0urbanis-
rnounitario nao e uma doutrina de urbanismo, mas uma critica ao urbanismo"."
Aimportancia atual dopensamento situacionis ta sobre a cidade esta exata-
mente na enorme forca c ri ti ca que a inda emana des sas ide ias. Como par te in-
tegrante, importante e central , de uma cri tica situacionis ta bern mais vasta -
art is tica, social, cul tural e,sobretudo, polit ica - esta a problsmatica urbana e,
principalmente, a critica a propria discipl ina que surge da modernizacao das
cidades: 0urbanismo. Asdoutrinas, teorias e fundamentos basicos do urbanis-
rno foram questionados e cri ticados de forma radical pelos situacionis tas des-
de os anos 1950.16 Esse pen samen to cr itico situ acion ista ainda nao fo i
devidamente estudado, e nem mesmo teve sua impor tanc ia c la ramente reco-
nhecida dentro do campo do u rban isr no, embor a 0 resgate dessas ideias
situacionistas possa ser uti! para alimentar 0ainda timido, e nada apaixonante,
debate urbano conternporaneo. Uma cri tica pertinente - hoje claramente au-
sente da grande rnaioria dO H discursos sobre a c idade - se ria t alvez mais ur-
g nte no cenar io a runl do ["III' nov 6 mod los, paradigmas ou mesmo propostas
urh [ . 1 • • s."
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B rev e h is t6 ri co da I nt er n ac io n al S it ua c io n is ta ( IS )
"Doutor em nada"," avesso asinst ituicces , sem ser apenas urn art is ta, urn
intelectual ou urn ativista politico, Guy-Ernest Debord (1931-1994), 0 funda-
do r da IS , e quase inclass ificavel , Muito influenciado pelo movimento Dada e
tarnbern pelo surreal ismo (que depois sera urn dos maiores alvos de suas cri ti -
cas), 0 j ovem Debord encontrou , em 1951, no fes tiva l de c inema de Cannes ,
urn grupo com influencias e interesses parecidos, os letristas de Isidore Isou."
Ja em seu primeiro f ilme em 1952, H urle me nts e n [a ve ur d e S ad e, Debord en-
t rou em confl ito com Isou" e deixou os "ve lhos le tr is ta s" para fundar nes se
mesmo ano, com alguns amigos, a Internacional Letrista (IL). De1952 a 1954
o novo grupo letrista publicou 0 peri6dico I n tema t iona le Lettriste, e de 1954 a1957,29 numeros de Potlatch,"
As quest6es tratadas em Potla tch , inicialmente mais l igadas a arte, a supe-
racao do surreal ismo e principalmente as ideias deir alern da arte, passaram a
tratar da vida cotidiana em geral , da relacao entre arte e vida, e,em particular,
da arquitetura e do urbanismo, sobretudo da cri tica ao funcionalismo moder-
no. Dos textos mai s radical s publi cados em Potla tch contra a a rqui te tura e 0
urbanismo funcionalistas modernos, podem ser citados: C o ns tr uc ti on d e taudis, 22
L e g ra tt e- ci el p ar l a rac ine ." U n e a rc hi te ct ur e d e l a v ie ,2 4 L ar ch it ec tu re et I e j e u2S
e
P ro je t d 'e mb el li ss em e nt s r at io nn el s d e l a v il le d e P ar is ."
Osletristas , reunidos em torno deDebord - entre osmais influentes mem-
bros, editores de Potla tch , estavam Michele Bernstein, Franck Conord, Mohamed
Dahou, Gil Wolman e Jacques Fil ion -, ja anunciavam algumas ideias, prati-
cas eprocedimentos que depoi s formaram a base de todo 0pensamento urba-
no situacionis ta: a psicogeografia, a deriva e, principalmente, a ideia-rhave,
inspiradora doproprio nome do futuro grupo, a ccnstrucao desi tuacoes, Ja no
p rimeiro numero de Potla tch (junho de 1954) ha uma proposta de psico-
geografia, Le j eu p sy ch og eo gr ap hi qu e d e la semaine:
Em [undio d o q ue v oc e p ro cu ra , e sc ol ha u ma r eg ii io , u ma c id ad e d e r az od -
ve l d en sid ad e d em og ra iic a, u ma ru a c om c erta animadio. C on st ru a u m a
m sa . A rr um e a m ob il ia . Capriche na d e c or a ca o e e m t ud o q ue a camp/eta .
E s co lh a a e st ac ii o e a hom . R eun a a s p essoas m ais aptas, os discos e a
b eb id a c on ve ni en te s. A i luminac iio e a c onversa devem ser apropr iadas ,
a ss im c om o 0 q ue e su i e m t or no o u s ua s r ec or da ci ie s. S e n ao h ou ve r [ al ha s
1 ' 1 0 q u e v o ce p re p ar o u, 0 r e su l ta d o s e rd s a ti si a to r io .
V:l.rios I ) (1 :05 J tristas sobre a psicogeografia tambem fOYnI11 publicados na
n 'vl fl l. 1 111 '1 ) ". 1, ( ' . < . ' II\II/'I'.~ nurs" ('nl 1( '1 8S .5 c 1n S f ) ; a eX I) ! '! h ~ ll ( 1 .1 pili! nH,'ogrtif ica
estava diretamente l igada a pratica da deriva, varies textos letristas comenta-
yam e propunham diferentes derivas , entre eles 0 Res ume 1954, assinado por
Debord e Filion (Potla tch n? 14, novembro de 1954):
A s g ra nd es c id ad es s ao [ av or av ei s a d is tr ac ao q ue c ha ma m os d e d er iv a.
A deriva e um a tecnica do andar se m ru mo . E la se m istu m a in f l1 l1~ncia do
c enar io . To da s a s c as as sa o b e/a s. A a rq uite tu ra d eve se tornar apaixo-
n an te . N os n ii o s a be ri am os c on si de ra r t ip os d e c on st ru cd o m en o re s. 0novo
urban ismo Ii i n se p ar a ve l d a s t r ans iormacoe s e co no mi ca s e sccia is [e liz-
m e nt e i ne vi td ve is . 1 3 possive l pensar qu e a s re ivindicacoes revolucio-
n d ri as d e u m a e po ca c or re sp on de m a i de ia q ue e ss a e po c a t em d a f e li ci da de .
A v al or iz ac ao d os l az er es n ii o Iiu ma b rin ca de ira . N os in sistim os e m q ue Iip re c is o i nv en ta r n ov os j og o s.
A ideia de construcao de situacoes tambem surge inicialmente em Potla tch ,
como no texto colet ivo, onde eles citam Charles Pourier.i" U ne id ee rre uve e n
Europe (n" 7, agosto de 1954):
A construtiio de s iiuacoes se ra a re aliza ciio c on tin ua d e u m g ra nd e j og o
d elib era da me nte e sc olh id o: a pa ssa ge m d e u m a out r e d e ss e s c e nd r io s e
desses corflitos e m q ue o s p erso na ge ns d e u ma tragedia m orre m e m vinte
e q u a tr o h o ra s . Ma s 0 te mpo d e vive r niio fa lta rd m ais. U ma aitica do
c ompor tamen to , um urban ismo i nf lu en ci dv el , u m a t ec n ic a d e a m bi en c ia s
d ev em s e u ni r a e ss a s fn te se , d a q ua l c on he ce mo s o s p r im e ir os p ri nc ip io s.
E p re ci so r ei nv en ta r e m p er ma ne nc ia a a trao io s ob er an a q u e C ha rl es F o u-
r ie r c ha m av a d e l iv re j og o da s paixoes .
Os Ietristas, ainda sediados em Paris, passaram a colaborar com alguns gru-
pos de artistas europeus de teridencias semelhantes, como 0 London
Psychogeographical Association (LPA), dirigido por Ralph Rumney, e princi-palmente 0 grupo Cobra (Copenhague, Bruxelas, Amsterda -1948-1951, re-
vista hornonima), animado, entre outros, pelo dinamarques Asger Jorn (Arger
Jorgensen), pelo belga Christian Dotremont epeloholandes Constant (Constant
Nieuwenhuys) , Cons tant e Jorn foram os responsave is , com Debord e Raoul
Vaneigem, pela elaboracao do pensamento urbano situacionis ta. Jorn fundou,
.11J65 a disso l ucao do Cobra, 0 MIBI(Movimento Internacional poruma Bauhaus
lm ag in ista - 1954-1957, revista Eristica): uma cri tica a abertura da nova
lIa u h, u s m U lm - Jll lch .~(hli l" flir ,estaltung- p or M a x B ill" em 1955.
o M 1 11 1or~ \ ,1n iz ;Oll ern A lb n ( II , l la), e m (1I'rt:mbm d 1 9 56 , l im a r eu n ia o de s s c s
p.rlllriPIIIIl fll'lIprJilllliloplllHI ((11(' vlnhnm u ub nl ha nd « u ob r ORn'1f'Sl'no~tall'!nfl d
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forma independente, com a partidpacao de mernbros de oito paises, No ana se-
guinte em Cosio d'Arroscia," Debord fundou, com os integrantes dos outras gru-
pos ta rnbem presentes em Alba, a Internacional S ituacionis ta . A IS passou
rapidamente a ter adeptos em varies paises, entre eles: Italia, Franca, Inglaterra,
Alemanha, Belgica,Holanda, Dinamarca eArgelia , Entre 1958 e1969, 12 nume r o s
darevista ISforam publicados e,senos primeiros seisnumeros (ate 1961) asques-
toes tratavam basicamente da arte passando para uma preocupacso mais centrada
nourbanismo, estas sedeslocaram "naturalmente" em seguida para asesferas pro-
priamente politicas, e sobretudo revolucionarias, cuIminando na determinante e
ativa par tic ipacao situacionista nos eventos de Maio de 1968 em Paris.
Alem dos numeros daIS, dos inumeros panfletos e das acocs publicas reali-
zadas pelos situacionis tas, t res publicacoes de seus membros foram determi-nantes na formacao do espir ito revclucionar io pre -68: 0 folheto coletivo
publicado em 1966 D e la m is er e e n m il ie u e tu di an t, c on sid er ee s ou s s es a sp ec ts
e c on o m iq u e, p o li ti qu e , p sy c ho l og iq u e , s ex u el e t n o ta m m e n t in te l leaue l , e t q u e lq u es
m o ye ns p ou r y remedieri" 0 livro do situacionista Raoul Vaneigem, publicado
em 1967, T r a it e d e s a v oi r -v i vr e a l ' us a g e d e s j e u n e s g e n e ra t i on s ;3 2 e 0 hoje classico
deGuyDebord, tambem publicado em 1967, L a s o ci e te d u s pe c ta c le33 Apesar da
visibilidade conquistada nas diversas a~6es situacionis tas que marcaram os
acontecimentos de Maio de 68, a IS, depoi s de urn for tal ec imento fugaz , en-
t rou em cr is e. 0 seu subito reconhecimento a traiu mui tos novos membros de
varios paises, tornando a organizacao cada vez mais complexa e praticamente
incontrolavel . Assim, a ISse dissolveu em 1972, urn fim que para 0 seu fund a-
dor, Debord, seria 0verdadeiro comeo;:o:
o m ovim en to d as o cu pa cse s [M aio d e 1 968J [o: 0 i ni c io d a r ev o lu ~ ao
s it ua c io ni st a, m a s f oi so 0 c om e ~o , c om o p ra ti ca d a r ev ol uc ao e c o m o c on s-
c ie n da s it ua c io n is ta d a h is io r ia . E so a go ra q ue t od a u m a g er af ao , i nt er -
n a ci cn a lm e n te , c o m e ~o u a s e r s it u ac io n is ta . 34
Os s it ua ci on is ta s e a c id ad e
S ab e-s e q ue n o p rin ci pi o o s si tu ac io nis ta s p re te nd ia m , n o m in im o , c on s-
t ru ir a d ad e s, 0 a m bi en te a pr op ri ad o p ar a 0 d es pe rt ar i li m it ad o d e n ov as
p ai xo es . P or em , c om o is so e vi de nt em en te n ao e ra t ao f ac il, v im o -n os f or -
i adoe a [ az er m ui to m a is.35
Pod -se notar uma sequenc ia clara demudanca deescala depreocupacao e
ri P :\f('[1 e l l ' r t tu r H ; . 0 do p e n s a m e n t o situacionista. Se Inidalm r it e e le s estavam
Jolunl B. d()III'1lI lr .1 11m do ~ padr 'N \ fig r ites da art IlIorl,'ru pa s s ando a
propor uma arte diretamente l igada a vida, uma art e integra l- logo emsegui-
da e les perceberam que esta a rt e total s er ia basicamente urbana e es ta ri a em
re lacao direta com a cidade e com a vida urbana em gera!. '11 a rt e i nt eg ra l, d e q ue
tanto se [ a lo u , s o se p od e ra r ea li za r n o a m bi to d o u rb an is m o" ," : Em urn primeiro
momento, essas investigaross propriamente urbanas se referiam a experiencia
da cidade existente - atraves denovos procedimentos e praticas: psicogeografia
e der iv as - mas tambem a utilizarao dessas experiencias Como base para uma
proposta de cidade situacionista.
A p es ou is a p ei co ge og ra fi ca [ . .. ] a ss um e a ss im s eu d up lo s en ti do d e o bs er -
v a~ ao a ti va d as a gl om e ra fo es u rh a na s d e h oj e, e d e [ or m ul ac ao d e h ip ot e-
s es s ob re a e st ru tu ra d e u m a c id ad e s it ua ci on is ta F
A medida que os situacionis tas afinavam as suas experiencias urbanas, eles
abandonaram a ideia depropor cidades reais epassaram a critica feroz contra 0
urbanismo e 0 planejamento em geral . Seeles se posicionavam cada vez mais
contra 0urbanismo, ficaram sempre a favor das cidades, ou seja, eram contra 0
monopol io urbano dos urbanist as e plane jadores em geral , e a favor de uma
constru~iio realmente coletiva das cidades.
Se 0 p la ne ja do r n ao p od e c on he ce r a s m o ti va co es c om po rt am e nta is
d aq ue le s a q ue m e le v ai p ro po rc io na r m o ra dia n as m e lh or es c on di co es
d e e qu ii ib ri o n er vo so , m a is v al e i nt eg ra r d es de ja a u rh an is mo n o c en tr o d e
p e s qu i sa s c r im i n o l 6g i c as .38
Ossituacionistas perceberam entao que nao seria possivel prop~r uma forma
de cidade pre-definida" pois, segundo suas proprias ideias, esta forma dependia
davontade de cada urn e detodos, e esta niiopoderia ser ditada por urn planeja-
dor, Qualquer construcao dependeria da participacao ativa dos cidadiios, 0 que
so seria possivel por meio de uma verdadeira revolucao da vida cotidiana.
I n ve n ta m o s a a r qu i te tu r a e 0 u rb a ni sm o q ue s ao i rr ea li za ve is s em a r ev o-
luoio d a v id a c o ti di a na , isto e , s e m a a pr op ri aa io d o c o nd ic io na m en to p or
to do s o s h o m en s, p ara q ue m e lh ore m i nd ef in id am e nte e s e re ali ze m. t?
Os situacionis tas chegaram a uma convlccao exatamente contraria ados
arquitetos modernos, Enquanto os modernos acreditaram, num determinado
m em ento , qu n n n J . 1 l l t t u r a eo urbanismo poder iam mudar a sociedade, os
sltua inist' n P It V 11 I1 onvt los d qu e a propria sociedade deveria mudar a
: ) cclu i t :( ' tu r . 1 •o IIrlh\IlIIlIl.l!1 I(ufiu,lul no s modernos chega ra m a a ha r , como I.e
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, rbusier , que a a rqui te tura pcder ia evi ta r a revolucao - "Arquite tura ou re-
volucao. Podemos evi ta r a revolucao"" - , os s ituac ionis ta s, ao contrar io ,
queri am provocar a revolucao e pre tendiam usar a a rqui te tura e 0 ambiente
urbano em geral para induzir a participacao, para contribuir nessa revolucao
do.vida cotidiana contra a alienacao e a passividade da sociedade. Eles passa-
ram diret amente da ide ia da revolucao da vida cot id iana para a questao da re-
volucao pol it ica propr iamente dit a, e a par ti r des se momenta - 1961, apes a
publicacao da IS n06 - os textos s ituacionis ta s abandonaram as ideias sobre a
cidade em particular, para se dedicar a questoes exclusivamente politicas: ideo-
logicas, revolucionarias, anticapitalistas, antialienantes e antiespetaculares (0
que nao deixou de estar relacionado a questao urbana).
20
o u rb a ni sm o n a o e xi st e: n ao p as sa d e u m a "ideologia", n o s e nt id o d e M a r x.
A a rq uit et ur a e xi st e r ea lm en te t an to q ua nt a a C oc a- Co la : e u m a p ro d u-
~ ao e n v ol ta e m i de ol og ia , m a s r ea l, s at is fa ze nd o [ al sa m en te u m a n ec es si -
dade i or jada; ao passo que 0 urban ismo e c om pa ra ve l a o a la rid o
p u bl ic ii a ri o e m t o rn o da Coc a -Co l a , p u r a i d e ol o g ia e s pe t a cu l a r. 0c ap i ta -
l is mo m od er no , o rg an iz ad o d e m o d o a r ed uz ir to da a v id a so ci al a e sp eu i-
c ul o, e i nc ap az d e o fe re ce r u m e sp eta cu lo q ue n ao s ei a 0 d e n o ss a p ro p ri a
alienauio. S eu s on h o d e u rb an is m o e su a ohm-prima,"
Pensamento urbano -s ituacion is t a
Talvez seja exagerado falar deuma verdadeira teoria urbana situacionis ta, a
nao ser que seja considerada a etimologia grega do termo thebrien: observar.
Mas a cri tica urbana situacionis ta teve efetivamente uma base teorica, sobre-
tudo de observacao e experiencia da cidade existente. Pode-se considerar a reu-
niao das ideias, procedimentos e praticas urbanas s ituacionist as como urn
pensamento singular e inovador, que poderia ainda hoje inspirar novas expe-riencias, interessantes e o rigin ais, de apreen sao do espaco u rbano. Mas e
importante repetir: nao exi st iu de fato um modele de espa~o urbano s itua -
cionista, apesar do. tentativa renegada de Constant com a Nova Babil6nia; 0
que exi st iu foi urn usc , ou apropri acao , si tuac ioni st a do espaco urbano. As-
si rn como nao exi st iu uma forma si tuac ioni st a mater ia l de c idade mas sim
uma forma s ituacionist a de viver , ou de exper imenta r, a c idade. Quando os
habitantes passassern de simples espectadores a construtores, t ransforma-
dor s C! "vivcndadores" de seus proprios espa~os, iS50sim irnpediria qualquer
Ilpn de c~pet.lcuhrizflt;i'to urbana,
A construiiio d e s it ua ~ oe s c om e ~a a po « 0 d es mo ro na me nt o m od er no d a
n o et ic d e e sn e ta c ul o . E [a ci! ver a q ue po nto esta lig ad o a . a li en ao io d o
v el h o m u n d o 0 p ri n ci pi o c a ra c te ri st ic o d o e sp e tt ic u lo : a n a o -p a ni ci pa i ao .
A o c on tr ar io , p er ce be -s e c om o a s m el ho re s p es qu is as r ev ol uc io na ri as n a
c ul tu ra t en ta ra m r om pe r a idenuficaoio p si co l og i ca d o espeaador co m 0
h er oi, a t im d e e st im ul ar e ss e e sp ec ta do r a a gi r, i ns ti ga nd o s ua s c ap ac i-
d ad es p ar a m u da r a p ro pr ia v id a. A situactio e fe it a d e m od o a s er v iv id a
p o r s e u s c o n s tr u t or e s. 0p ap el d o "p ub li co ", s e n ao p as si vo p elo m en os d e
m e ro f ig u ra nt e, d ev e ir d im in ui nd o, e no ua nto a um en ta a n um er o d os q ue
ja n iio seriio ch am ad os a to res m as, n um sen tid o n ovo d o term o, viven -
c iadores+'
a pensamento urbano situacionis ta estaria entao baseado na ideia de cons-
trucao de situacoes, Era situacionis ta "0que se refere a teoria ou it atividade
pratica de uma construcao de situacoes. Individuo que se dedica a construir
s ituacces"." Uma situacao construida seria entao urn "memento da vida, con-
creto.e deliberadamente construido pela organizacao coletiva de uma ambiencia
unitaria e de um jogo de acontecimentos",
N o ss a i de ia c en tr al e a c on st ru di o d e s it ua co es , i st o e, a c on st ru ii io c on -
c re ta d e a mb ie nc ia s m om en ta ne as d a v id a, e s ua t ra ns io rm ac ao e m u ma
q u al id a de p as si on a l s up er io r. D ev em o s e la ho ra r urna i n t er l 1e n ~ ii o o r d e -
n ad a s ob re o s f a to re s c om pl ex os d os d ai s g r an de s c om po ne nt es q ue i nt e-
r a g e m c o n t in u am e n te : 0 c en a ri o m a te ri al d a v id a ; e a s c om p or ta m en to s
q ue e le p ro vo ca e q ue 0 al t eram."
A t es e central si tuac ioni st a e ra a de que , par meio da const rucao de s itua-
~6es, se chegaria it t ransforrnacao revolucionaria da vida cotidiana, 0 que se
assemelhava muito a t es e defendida por Henri Lefebvre - nao por acaso mui -
to pr6ximo dos situacionis tas no inicio domovimento" - de uma construcaode momentos, em sua tri logia C r it iq u e d e l a v ie q u ot id i en n e" A situacao cons-
truida se assemelha a ideia demomenta e poderia ser efetivamente vis ta como
urn desenvolvimento do pensamento lefebvriano:
o q u e v oc e c h a m a m o m en to s, n o s c h am a m os s it ua ci e« , m a s e st am o s l ev an -
d o i S5 0 m ai s l an g e q u e v oc e. V oc e a ce it a c om o m o m en ta t ud o q u e o co rr eu n a
h i st o na : a m o r, p o es ia ., p e n sa m e nt o . N 6 s q u er e mo s c r ia r m o m e nt o s novos:"
As diu s i(I'lnN lilllih 'iii llnhn1, l1lir ,n~, 0 dir ta corn a qu st'1I0 d.o cotidiano,
Hille sri, n f ro n lt ,l ll ll )l li I" 1 1 .1 1 .' ,I Ilt!'11 I' o I'MIl end r a m b m pede r seer a
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[ l n r U c i p : > w 0; a s s i m como a lazer seria 0 tempo livre para 0 prazer e nao para a
ali nacao, 0 lazer poderia tornar-se ativo e criat ivo atraves da participacao po-
pular. 0 objet ivo f inal de ambos - apesa r de os s ituacionist as t erem acusado
Lefebvre de fazer uma "fi ccao c ient if ica da revolucao" - e ra uma revolucao
cultural que se daria pela ideia de criacao global da existencia contra a banali-
dade do cotidiano. Essa teoria cri tica que fundamenta a idela central de cons-
trucao de situacoes seria 0 proprio urbanismo unitario (UU) - que , como ja
v imos, nao era uma dou trina ou uma proposta de u rban ismo mas sim uma
critica ao urbanismo, nao e ra urn t ipo deurbani smo mas s im uma teor ia urba-
na critica - , d efinido como : "teo r ia do emprego conjun to de artes e tecnicas
que concorrem para a construcao integral de urn ambiente em liga<;:aodinami-
ca com experiencias de comportamento",
Para ten tar chegar a essa construcao total deurn ambiente, ossituacionistas
criaram urn procedimento oumetodo, apsicogeografia, e uma pratica ou tecni-
ea, a deriva, que estavam diretamente relacionados. A psicogeografia foi defi-
nida como urn "estudo dos efeitos exatos do meio geografico, conscientemente
plane jado au nao, que agem diret amente sobre 0 comportamento afetivo dos
individuos". E a der iva e ra vis ta como urn "modo de cornpor tamento exper i-
mentall igado as condicoes da sociedade urbana: tecnica da passagem rapida
por ambiencias variadas. Diz-se tambem, mais particularmente, para designar
a duracao de urn exercicio continuo dessa experiencia", Ficava claro que a deri-
va era 0 exercicio pratico da psicogeografia e, alern de ser tambern uma nova
forma de apreensao do espaco urbano, ela seguia uma tradicao art is tica desse
t ipo de experiencia." A deriva situacionista nao pretendia ser vis ta como uma
atividade propriamente artistica." mas sim como uma tecnica urbana situa-
cionista para tentar desenvolver na pratica a ideia de ccnstrucao de situacoes
atravcs da psicogeografia. A deriva seria uma apropriacao do espa<;:ourbano
pelo pedestre atraves da a~ao do andar sem rumo. A psicogeografia estudava 0
ambiente urbane, sobretudo os espacos publicos, atraves das derivas e tentava
mapear os diversos comportamentos afetivos diante dessa acao basica do ca-
m inhar na cidade. Aquele "que pesquisa e tr ansmite as realidades psico-
gecgraficas" era considerado urn psicoge6grafo. E psicogeografico seria "0 que
manifesta a acao direta do meio geografico sabre a afetividade".
A b ru sc a m u da nc a de ambie nc ia num a rua , num a dis tanc ia d e p OU LO S
m etro s; a d iv is iio paten te de u ma cidade em zon as d e d im as psiqu ic os
d efin id os ; a lin ha de m aior d ec live - sem relac do c om 0 desnfve l- q ue
de vem . ~e g ui r o s p as se io s a e sm o ; 0 a s p e ci o a t r a en t e o u r ep ul si vo d e c e r io s
l u gar e «; t udo i ss o pa re ce d ei xa do d e l ad o. P elo m en o s , nunca e percebido
como rlcp/ 'f ldenl:e rI a u sa s q u e p o dem s e r e s c la rec i r Ja s pOl' um n arui l ise ma i s
pr of un da , e d as q ua is s e p od e tir ar p ar ti do . A s p esso as sa be m q ue e xis te m
b a ir ro s t ri st es e b a ir ro s a g ra d r. iv ei s. M a s e st ii o e m g e ra l c o nv en c id a s d e q u e
a s r u as e le g an te s diio u m se nt im en to d e s atis fa ~ii o e q ue a s ruas p o br e s s ii o
d ep ri me nt es , s em l ev ar e m conta nenhum outro fa tor .51
A psicogeografia seria entao uma geografia afetiva, subjetiva, que buscava
artografar as diferentes ambisncias psiquicas provocadas basicamente pelas
deambulacoes urbanas que eram as derivas situacionis tas. Algumas dessas de-
r ivas forarn fotogra fadas ~ a lgumas de suas fotocolagens e ram vist as como
mapas, como 0M a p o fV e ni se de Ralph Rumney sobre suas derivas em Veneza
- oufi lmadas, chegando a aparecer em alguns filmes deDebord, sobretudo no
segundo, de 1959: Su r Ie p as sa g e d e q u el qu e s personnes a t ra ve rs u n e assez cour te
u ni te d e t em ps . Cartografias subjetivas, ou mapas afetivos, chegaram a ser efe-
t ivamente realizados, e urn deles ficou quase como urn simbolo situacionis ta:
T he N ak ed C ity, i llu st ra tio n d e Thypotheee d e s p la q ue s t ournante s , assinado por
Debord em 1957.52
T he N ak ed Ci ty talvez se ja a melhor i lust racao do pensamento urbano
situacionis ta, a melhor representacao grMica da psicogeografia e da deriva,
t ambern urn icone da propr ia ide ia de urbanismo uni ta rio. E le e composto
por varios recort es do mapa de Par is empreto e branco, que sao asunidades
de ambienc ia , e se tas vermelhas que indicam as l igacces pos sivei s ent re es-
s as diferentes unidades. Asunidades est ao colocadas no mapa deforma apa-
rentemente aleatoria, pois nao correspondem it sua local izacao no mapa da
c idade rea l, mas demons t ram uma organizacao afet iva des ses espa~os dit a-
ciapela experiencia da der iva. As se tas representam essas poss ib il idades de
deriva e como estava ind icado no verso do mapa: "the spo ntan eou s turns o f
dire ction tak en by a s ub je ct m o vi ng t hr ou gh t he se s ur ro un di ng s in d is re ga rd o f
th e u se fu l c on ne ctio ns t ha t o rd in ary g ove rn h is c on du ct" .5 3 0 t it ulo do mapa,
The N ak ed C ity (cf . p . 4 e 5), t ambern esc ri to em let ras vermelhas , foi t irado
de urn f il m n ai r americana homonimo." 0 subti tulo, i ll us tr at io n d e l ' hvpo the s e
d e s p l aq u e s tournan te s , fazia alusao as placas giratorias ( pl a qu e s t o ur n a nt e s) e
manivelas ferroviarias responsaveis pela rnudanca de direcso dos trens , que
representavam as diferentes opcoes de caminhos a se rem tornados nas der i-
va s .
T he N a ke d City tern nit ida influencia de alguns mapas dolivro dosociologo
urbane Paul-Henry Chombart de Lauwe P a ri s e t l 'a g gl om e ra ti on p ar is ie n ne , de
1952, que tambem foi c it ado nas paginas da IS (cf. p. 78), principalrnente na
Th eo rte d e la der ive. Urn diagrama des se l ivro de Lauwe tambern f igura na IS,
ilustrandc am ntr i r i sobr a dcriva de Rumney em Veneza: urn interessan-
tc m apr d e fJ~rlll ron: 0 I f.l\ndo do redo s t rn j tos r a lisados m um ano per
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uma estudante, que Sf concentrarn no bairro em que ela morava, nos percursos
basicos entre a sua casa, a universidade e0 local de suas aulas de p iano .
Chombart de Lauwe, muito inf luenciado pela EscoIa de Chicago e sobretudo
por Ernest Burgess, fo i da ramente uma re fe renda forte, como Lefebvre, no
pensamento urbano situacionista. Talvez, ao contrario de Lefebvre, a influen-
c ia de Chombart de Lauwe nao tenha s ido propriamente teorica , e s im ma is
ligada as questoes dernetodo - que sao completamente desviados,detournes,
pelos situacionistas - e sobretudo a uma fascinarao comum, mesmo que com
uses totaImente distintos, por mapas e fotografias urbanas aereas.55
Numa das paginas da IS , ilustrando 0 texto I .urbani sme uniiaire Ii la f in d es
annee s 50, estao colocadas, lado a lado, uma C ar te d u p ays du Tendre de 1656
(Mapa do Pais doAfetuoso) e uma foto aerea deArnsterda, com0 titulo "Urna
zona experimental para a deriva. 0 centro de Amsterda, que sera explorado
sistematicamente por equipes situacionistas em abril-maio de 1960" (p. 102 e
103). Esse mapa de Madeleine Scudsry e uma metafora de uma viagem no es-
pa~ogeografico imaginario que tracaria diversas possibilidades dehistorias de
amor e romances variados. Osnomes dos lugares estavam relacionados adifc
rsntes sentimentos e marcavam momentos significativos eemocionantes. Este
foi 0 mapa insp irador do G uid e p syc ho ge og ra ph iq ue d e P ari s, d isc ou rs s ur l cs
p as si on s d e Tamour . .Os mapas situacionistas, psicogeograficos, realizados em
funcao de derivas reais, eram tao imaginaries e subjetivos quanto aC ar te d u
pays du Tend r e ; €les apenas ilustravam uma nova maneira de apreender 0 espa-
courbano atraves da experiencia afetiva desses espacos. Tais rnapas, experimen-
tais e rudimentares, desprezavam os parametres tecnicos habituais pois estes
na o levam em consideracao aspectos sentimentais, psicologicos ou intuitivos, e
que muitas vezes caracterizam muito mais urn determinado espa<;odo que os
simples aspectos meramente fisicos, formais, topograficos ou geograficos.
A c on te cc da d e m a pa s p sic og eo gr afi co s e a te s im ula cse s, c om o a e qu ap 'lo
- m al fu ndada 0 1 . 1 c om pl et am en te a rb it ra ri a - e sta be le cid a e ntr e d ua s
representuiiies t o po g rd ii ca s , p o de m a iu d ar a e sd a rc c er c e rt os d e sl o ca m e n-
t os d e a sp ec to niio g ra tu ito m as to ta /m en te in su bm is so a s s oli ci ta co es
h ab it ua is . A s s ol ic it ac oe s d es sa s er ie c os tu m am s er c at al og ad as s ob 0 ter -
m o d e tu ris mo , d ro ga p op ula r ta o re pu gn an te q ua nt a 0 e sp or te o u a s v e n -
d as a c re di t» . H a p ou co t em p o, u rn a m ig o m e u p er co rr eu a r eg ia o d e H a r tz ,
n a A lem anh a, u sa ndo u rn m apa d a c id ad e d e L on dres e se guin do -Ihe c e-
g am en te t od as a s i n di ca co es. E ss a e sp ec ie d e j og o e u m m era c am ero d ia n-
te do que se ra a constnuiio in te gr al d a a rq ui te tu ra e d o u rb an is mo ,
c on st ru ~l Io c uj o p od er s er a u rn d ia c on te ri do a todOS.56
Ci rcu lac;ao de ideias s it ua ci on is ta s n o c ampo d o u rb an ismo
o u rb an is mo p re te ns am en te m od er no q ue o s s en ho re s p re co niz am , n 6s 0
c o ns id e ra m o s p a ss a ge ir o e retr6grado. 0 unico p a pe l d a a r qu i te tu r a Ii
s er vi r a s p ai xo es d os homen s : "
A critica ironica, marginal e radical dos situacionistas contra a arquitetura
moderna e, principalmente, contra a urbanismo - pa ra os si tuac ion is ta s e ra
no espaco urbano que sedava a repressao socia l e0urbanismo estava a service
dessa rcpressao - ocorreu no mesmo momento em que uma critica aoexcesso
de racionalismo e funcionalismo do urbanismo" comecava a ser esbocada den-
tro dos proprios CLAMs(Congressos Intemacionais de Arquitetura Moderna)
por uma nova geracao dearquitetos modernos que ficou conhecida como0Team
X, organizadores do ClAMX.
Apesar de estarem lutando, em urn mesmo momenta historico, contra urn
"inimigo" comum, as dais grupos - 0Team X e ossituacionistas - mantiveram
umadiferenca depostura fundamental. Enquanto os situacionistas eram margi-
nais, nao faziam parte denenhuma instituicao e nem docampo "oficial"da arqui-
tetura e urbanismo, 0 Team X fazia parte do proprio ClAM, estava dentro da
organizacao moderna por excelencia, e os seus membros faziam projetos e cons-
truiarn obras. Enquanto os situacionistas defendiam uma revolucao, os arquite-
tos doTeamX buscavam, em principio, uma reforma, dedentro doproprio CLAM,
o que re sul tou em uma ruptura interna e levou a dissolucao da organizacao em
1959. E interessante notar que, ao criticar a doutr ina urbana moderna, os dois
grupos discutirarn ideias semelhantes, e essas novas ideias antecipavam parte do
debate posterior, dito "pos-modemo",
Nopas-guerra, com amassificatao daconstrucao de conjuntos habitacionais
modemistas - pois as cidades europeias precisavam ser reconstruidas rapida-
mente e a demanda habi ta ciona l e ra enorme -, a s c rit ic as a e sse modelo co-
mecaram a surgir. Adevastacao provocada pela guerra - a tao sonhada tabula
rasa moderna se tern a efetiva em a lgumas c idades - e a urgenc ia da recons-t rucao das c idades europeias fize ram da Carta de Atenas uma doutrina a ser
seguida em larga escala. No s primeiros CLAMsdo pas-guerra, de Bridgewater
em 1947 (ClAM VI) e de Bergamo em 1949 (ClAM VII), a inda dominados por
LeCorbusier, a tonica dos debates era precisamente reorganizar 0movimento
que, por conta da guerra, f icara desestruturado por uma decada, desde0ulti-
mo coloquio em Paris m 1937, e levar a Carta de Atenas a pratica na recons-
t ru c ao d a s e id a do s !"ltI'OP( in s ,
Embora de form I '1 lmld I, Ult) prlmelrc questicnamento cornecava a surgir,
e m p ar ti cu ln r p ,'l n 1 1 1 ' l i 1 1l11[''1lllilli II hol,.mri . R A Jd o V an Byde, em 1947 , que di -
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1 0
nlngu m, de percebe - no meio das
JAI'as de lixo onde, pela proibicao de
habitat, esta obrigado a viver - 0
quanto const ru ir avida e const ru ir a
morada se confundem no unico pla -
no da verdade que existe: na pratica.
Mas 0exilic ao qual 0 condena nosso
mundo policiado torna sua experien-
c ia t ao ir risor ia e infel iz que a cons-
trutor patenteado encontraria ainda
nisso urn pretexto para se justificar
- supondo-se, hipotese absurda, queo poder deixasse de caucionar sua
existencia.
Parece que a ciasse operaria janao
existe, Grandes contingentes de an-
t igos proletarios podem hoje aceder
ao conforto que era ant igamente re-
se rvado auma minori a - j a seconhe-
ce toda a lenga lenga. Mas nao se ra ,
ao cont ra rio , uma quant idade cres -
cente deconforta que acede a suas ne-
cessidades e lhes da a prurida da
demanda? Demodo que uma certa 0[-
ganiza lIod conforto, ao que parece,
proletariza de forma epidernica todos
as que e la contamina pela forca das
coisas. Ora, a forca das coisas se exer-
cepor meio de dirigentes, sacerdotes
de uma ordem abstrata cujos unicos
privi legios seresumem mais cedo ou
mais tarde em reinar sabre urn centro
adminis trat ivo cercado de guetos. 0
ultimo homem vai morrer de ted io
como a aranha morre de inanicao no
meio da teia.E precise construir depressa, ha
tanta gen te sem moradia, d izem as
humanistas do concreto armado. E
preciso cavartrincheiras sern tardan-
capara salva r a pat ri a, d izem os ge-
nerais. Nao e uma injustica aplaudir
osprimeiros e ridicularizar ossegun-
dos? Naera dos misseis edo condicio-
namento, a brincadeira dos generais
ainda e uma brincadeira deborn gos-
to. Mas construir trincheiras aereas
sob esse mesmo pretexto!. . .
Raou l V ane ig em
I S n " 6 , a g os to d e 1 96 1
SELE< ;AO B IBL IOGRAF ICA
T ex los pub li cados no Brasi l
A prime ir a sel e< ;ao e t raducao de t ex to s s it uaci on is ta s no Brasi l f oi r ea li zada por Car lo s Rober to
Mon te ir o de And rade par a 0 n'' 4 da revista Owlum (PUC-Campmas, edi tada no e po ca p a r A I~ t 1l o
Guerr a) em 1993. Hoj e ja podemos con ta r com a lguns l iv ro s t raduzidos ( em ordem crono logi cn ):
Debord, G u y . A s o ei e da d e d o e s pe t dc u lo . Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, Fundam€'1tall'cxl'O
s it uaci on is ta , d e 1967, com traducao cuidadosa de Est el a dos San to s Abr eu .
Jappe, Anselm. Gu y Debord. Petropolis: Vozes, 1999. Ensaio i ta li ano_de ~~95 sob re Debor d C 0
conceito de espet aculo. Jappe int eg ra 0 col et ivo da r ev is ta a lema KnS1S ,
IS. S i tu a c io n is t a, t e or i a e p rd ti ca d a revo lucso . Sa o P au lo : Con ra d, 2 00 2. Col et an ea d e t ex te s
s it uaci on is ta s, epoca do Maio de 68 f rances , ent re e le s 0celebre A m i s er i a d o me w eswdantl l .Debord, Guy, Panegir ico. Sao Pau lo : Con rad, 2002, Tex to t ar di o, aut ob iogr af ico, o ri gi na l de 1989.
V · Raoul A a rt e d e v i ve r p or a a s n o va s gem ,oes . Sao Paulo: Conrad, 20 0 2 , Texto " c l a s s l c o "anelgem, . __
s it uaci on is ta , d e 1967, t ao impor tant e quant a A s oc ie da d e d o espetacu lo ,
T ex tos s ituacian is tas o rigina is . em per i6dicos ( fontes para esta sele~ao )
L e s l e vr e s n u es numeros 1 a 10, 1954-1958.
Potlatch numeros La 30, 1954- 1959 .
I n t emu t i o no le S i t u at i o nn is t e numeros 1 a 12,1958-1969.
O br as d e G u y Debo rd (1931- 1994)
Varies art igos na revista I n t e rna t i o nal e Le t t ri s t e ( 19 52 -1 95 4) r ep ro du zi do s emGe ra rd B rr 'by,
D o c um e n ts r e la t if s ii 10 [ o nd a ti o n d e I 'I n te r n at io n a le S i tu a ti o nm s t e. Pans: All ia, 1985.
v, " . t P t la tc h ( 1954 ·1959) r ep roduzidos em G u y D e b or d p r es e nt e P o t /a l th ,a nas artigos na revis a 0 .
Par is: Editions Gerard Lebovici, 1985.
Varie s a rt igos na r ev is ta L e s l e vr e s nues ( 1955 -1958) r ep roduzidos em L e s l e vr e s 71ues, Potitl:
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11i'iI)
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1 . 1 : 1 : "0 T AM s ab qu a t i r an ia do consenso car tesi ano chegou a sua ult ima
fnsr.";bf le tambem pels propria localizacao do coloquio de 1949, Bergamo, um a
ldade histor ie s i ta li ana, que inf luenciou na escolha do tema do coloquio se-
guinte, The H ea rt o f t he Ci ty , organizado pelos ingleses em Hoddeson em 1951
(ClAM VIII). 0 oitavo encontro marcou 0 inicio de uma nova fase no CIAM:600
p redomin io da nova geracao dearquit etos modemos no lugar da "ve lha guar-
da", Esse coloquio inovou exatamente pela escolha do tema a ser debatido, 0
entro das cidades, em grande parte destruidos durante a guerra, 0que impos
um quest ionamento sabre a que fazer com 0que restou desses centres histori-
cos, au seja, sobre a questao do patrimonio urbano, das preexis tencias, temas
que as arquitetos modemos nao costumavam discutir. A questao do pedestre
tambern foi levantada, demonstrando um pequeno interesse pelo usuario das
cidades, 0 que tambern nao e ra tema de debates uma vez que a te entao se bus-
cava urn ideal de homem modemo (Modu lo r ) e se menosprezava 0 habitante
real.
Mas foi sono coloquio seguinte, emAix-en-Provence em 1953 (ClAM IX),61
que 0Team X seIorrnou e apareceu de forma mais abertamente cri tica, sobre-
tudo atraves da apresentacao das ideias do casal Ingles Alison e Peter Smithson:
Urban Reidenriiionion. Nesse projeto ernblematico osingleses atacaram a sepa-
racao defuncocs da Car ta deAtenas epropuse ram a sua subst itui cao por uma
hierarquia de associacoes humanas e uma nova reidentificacao urbana. 0 inte-
ressante a notar nesse projeto e que pela primeira vez no ClAMapareceram, de
forma explici ta, fotografias de pessoas reais , no caso habitantes de s l ums (cor-
t icos e favelas) de Londres , fotografados por Nigel Henderson, colega do casal
Smithson do T he I nd ep en de nt G ro up londrino, ligado ao ICAeaos situaciomstas.
Os Smithsons costumavam dizer que na Car ta deAtenas "0que faltava era 0
homem" .
Foi a par ti r desse momenta que 0 Team X surgiu de fato, colocando 0 ho-
mem real no lugar dohomem ideal (Modulor) , de LeCorbusier e da" velha guar-
da ",e asquestoes das diferencas individuais passaram a ser estudadas em prol
do coletivo ideal modemo. 0grupo, heterogeneo e eclet ico mas com a convic-
yao comum de ir contra a Carta de Atenas, era formado por ingleses, holande-
ses e tarnbem por um grupo de arquiteto s que tr abalhou no Marr ocos e na
Argelia, estudando a arquitetura vernacula da Cas bah .
Em seguida, a dominacao da nova gera~ao foi to ta l, e 0 ClAMX, de 1956,
tentou, scm sucesso, redigir uma Carta do Habitat , para subst ituir ou comple-
menta r a Carta de Atenas: "es ta c la ro que 0 conteudo da Carta deAtenas nao
s rvc mais como inst rurnento para 0 desenvolvimento criativo", Le Corbusier,
npCA~ de t r hamado Sill mbros do TeamX de L e s e m m e rd e ur s [Os chatos],
' m c nr rn . ( Hz :" In novn g t 'r r I\ ~ .o l C a u ni a c apa z de s ntir OH prob lemas a t u a i s . ;
eles estao por dentro. Seus predecessores nao; estao por fora".A partir do mo-
mento em que secomecou a tratar de questoes de singularidade e diversidade,
ficou cada vez mais dificil criar novas doutrinas genericas e intemacionalmen-
te operacionais como a Car ta deAtenas e os proprios ClAMs. Assim, na ultima
reuniao dos modemos em Otter loo, em 1959, foi dec re tado 0 fim ofidal do
movimento rnoderno em arquitetura.
Em termos bern ger ais, o s dois grupos - Team Xe Situacion istas - cada
qual it sua maneira, propunham ideias semelhantes: a ideia decolagem, demis-
tura e de diversidade contra 0 excesso de racionalidade e funcionalidade mo-
demas, e contra a separacao de funcoes (zoning) . Contra a general idade, a
impessoalidade, simbolizadas pelo Modu lo r corbusiano e pela ideia de Tabula
Rasa, eles propunham a busca de identidades , da individualidade e da divers i-
dade, sobretudo das pessoas comuns e reais das ruas das cidades existentes.
Cont ra a homogeneidade e s impl ic idade ideai s modemas, el es propunham a
hete rogene idade e a complexidade l igadas a vida cot id iana . Contra a grande
escala e a autoridade doEstado e dos proprios urbanis tas l igadas aspretensoes
modernas, propunham uma volta it pequena escala, it escala humana, e apart i-
cipacao dos habitantes.
Mais do que simples roincidencia ou questao de Zeitgeis t , existiram de fato
contatos e trocas entre os dois grupos, principalmente atraves dos seus mem-
bros holandeses e ingleses. 0 casal Smithson, por exemplo, tarnbern fazia par-
te de um grupo londrino, T he I nd ep en de nt G ro up , grupo de debates na origem
do Pop Art ingles, que tinha liga~oes diretas com 0 IAC, Institute of
Contemporary Arts. 0grupo psicogeogrMico londrino e a propria IStambern
est iveram ligados aoICAdurante a 4· conferencia da ISem Londres , em 1960.
Aldo Van Eyckeo caso mais explici to desse intercambio. Era amigo pessoal
de Constant e ambos, ass im como Asger Jom,52 fizeram parte do grupo Cobra,
urn dos grupos formadores da IS, Van Eycke Constant chegaram a redigir jun-
tos um manifes to em 1952: V a or e e n s pa ti aa l c o lo ri sm e (Por urn colorismo espa-
cial), apelo para uma evolucao conjunta da arquitetura e da pintura. Urn outre
membro holandes doTeam X,Jacob Bakema, passou a ser responsavel em 1959,
junto com Van Eyck, pela nova linha editorial darevista For um ,63 que publicou,
e assim difundiu no campo do urbanismo, textos situacionis tas e,sobretudo,
imagens de maquetes e desenhos da cidade utopica idealizada por Constant:
Nova Babilonia.
N ov a B ah ilt mia n do Ii u m p ro je to d e u rb an is mo . T am be m r uio e u ma o bra
de a rte n o se ntid o trad icio na l d o te rm o, n em u m exe mplo de e stru tu ra
a r q ui 't :e l 'l ln i a . Pode -s e apre ende -la na f or ma a tu al , c om o u m a p ro po st a,
'urnf ' I tl il la il lm t lr ' m ate ria liza r a te or ia d o u rb an is mo Imitdr io , para se
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o u t : c r wt! l o g o native om um ambien ts i m ag in ar io , q ue esta aip a ra s u bs -
tituir 0 a m bi en te i ns ui ic ie nt e, p ou co s at is fa to ri o, d a v id a a tu al . A c id ad e
eeta m a rt a, v it im a d a u ti li da de . N o va B a bi l6 ni a e u m p ro je to d e c i da de o nd e
se p o de v iv e r. E v iv er q ue r d i ze r c r ia r . 6;
Nova Babi lo n i a foi uma tentativa deConstant dematerializar 0pensamento
urbane situacionis ta. 0 que por principio basico ja era contraditorio, uma vez
que esta seria uma forma, urn modele para uma cidade que deveria ser 0 result a-
do aleatoric, impcssivel de ser planejado, de uma construcao colet iva e l ivre.
Esta contradicao - 0motivo maior dabriga entre Debord e Constant que resul-
tou no desl igamento deste da IS- f ica evidente em uma s imples compar ac ao
entre 0discurso de Constant e 0modelo proposto, 0modele acaba congelando,restringindo e aprisionando 0 proprio discurso que pregava a mobil idade, a l i-
berdade total e a c r i ac ao da cidade pelos seus habitantes.
Constant inspirou-se nos acampamentos de c iganos, e Nova Babi lonla
dever ia se r uma c idade nornadc em escala mundial , ou melhor , uma cidade
m6vel para uma populacao nomade sem fronteiras, que seiria construindo de
acordo com os deslocamentos desta p op ul ac ao . E le citava Vaida Voivod III , pre-
s idente da comunidade mundial dos ciganos ern 1963:
2 0
N 6s s om o s 0 simbolo vivo de u m mundo sem [ronteiras, d e u rn mundo de
lib erd ad e, s em a rm as, o nd e c ad a u m po de via ja r se m pro ble ma s d as e ste -
p es d aA si a c en tr al a te 0 l it or al d o o c e an o A tl ii nt ic o, d os planaltos da A f r ica
d o S ui a f lores ta da F i n ltm d ia .
A d e fi n ic a o de Nova Babilonia seria e n ta o : " on d e s e c o ns tr o i sobuma cobertu-
ra, com ajuda de elementos movers, uma casa coletiva; uma habitacao tempera-
ria, constantemente remodelada; um campo de nomades em escala planetaria"."
Os desenhos emaquetes de Nova Bab i l on ia detalhavam essa megaestrutura
que iria se desenvolver quase organicamente sobre as cidades existentes, quese l igar iam entre si a te envolver todo 0 plane ta em uma enorme rede. "Nova
B a bi lo ni a n ao para emlugar algum (ja que a Terra e redonda); ela na o conhece
[ront iras, todos os lugares sao acessiveis a todos". Constant falava ern rede e
cspaco dinamico, termos que os mernbros do TeamX tam bern usavam na mes-
rna epo a - mas para propostas bern reais , formalmente muito semelhantes , e
' . 1 1 1 sc Iabern mais reduz ida - princ ipalmente Web , por Shandrack Woods,
M()bility e Cluster, pelo casal Smithson.
!\. o nt ra rt o d os m em br os do Team X que pensavam ern alternativas con-
r e i nR , I I p r cpo s tr de Constant ra aber tamente ut6pica e s e b as ca va e m uma
nov. . All le d d i' (jll( ' il.'fl.., ormadn 1 ' ( ' 1 0 h omo l u d e n s -« t r mo c rl de p lillizinga
no livro E ss ai su r l a f on cti on so cia le d u j eu - , que substituiria 0 h o mo f ab er . "Ate
agora a principal atividade dohornern foi a exploracao domeio natural . 0 homo
ludens vai transformar, recriar esse meio, segundo suas novas necessidades."
Constant tarnbem desenvolveu em Nova Babilonia a ideia de labirinto, ja pre-
sente desde osletris tas, como no texto A ria ne a u ch o m age, 66criando a ideia de
labirinto dinamico:
E nq ua nt o n a s oc ie da de utiliuuia s e pe rse gu e a o ti miza ~i io d o espaco,
gara ntia de eficdaa e ec onom ia de te mpo , em N ova Bobt ionia s e p r iv i-
le gi a a desorientaciio q ue p ro m ov e a a ve nt ur a, 0 jo go , a mudanca cria-
dora. 0 espaco de Nova Bab ilbn ia tem todas a s carac ter is ticas de um
e s p ac o l a b ir i n ti c o o nd e o s m ovim en to s po de m o co rre r se m im pe dim en -
to s d e o rd em especial ou temporal."
E interessante notar que Aldo Van Eycktarnbem desenvolveu uma ideia de
claridade labirintica em seus escri tos e projetos, inspirada principalmente no
estudo da arquitetura vsmacula dos Dogons.
A semelhanca formal da cidade utopica de Constant com os projetos reais
dos integrantes do Team X,part icularmente Van Eyck e os Smithsons, e niti-
da.68Assim como tambern e clara a influencia dessa proposta, em particular do
ponto de vist a formal, nos var ies grupos utopicos e i ronicos dos anos 1960, e
todos aqueles que passam apropor novas megaestruturas (base da arquitetura
High Tech) e arquiteturas m6veis neste periodo, como GEAM,690 grupo ingles
Archigram e Cedric Price," 0grupo frances Utopie'" e varies outros grupos-
Metabolistas japoneses, Archizoom e Superstudio italianos etc.
Infel izmente, depois do desaparecimento, no campo do urbanismo, dos ul-
t imos grupos utopicos, a questao formal deNova Babilcnia foi a unica que con-
tinuou mais fortemente p resente para as novas gera<;:o es de arquiteto s e
urbanist as - em sua maior ia avidos somente por imagens e formas inovado-
ras - e rn det rimento dopr6prio pensamento urbano s ituac ionis ta , que cons-
t ituiu a sua base te6rica. Nova Babil6nia, antes de urn modelo formal, seria urn
modelo de rcflexao e por isso mesmo ut6pico em seu sentido original, de cri ti -
caao presente atraves da visao futura.
r er u m a v id a s ig ni fi ca cria- la e recria- la sem parar. 0 homem niio pode
ter vida se niio a c riou pa r si m esm o. Q ua ndo a luta pela existencia fo r
a pe na s u rn a l em br an ca , e le p od er a, p el a p ri me ir a v ez n a h is to ri a, d is po r
IiVrl'II/I'IIII' nl ' Indn a d ur ar ii o d e s ua v id a. C on se gu ir a, c om p le na l ib er da -
dl', 1I11l'( / tll 'lI ( / ~tltl ('x iM §n cia a f orm a d e s eu s d es ejo s. E m ve z d e f ie ar p as-
NI II dill/rll'''~ 1 1 1 1 / 1 I 1 1 11 1 r / O qu « l1 ao 0 s a tu i a« , e le val rial ' I m 1 o u i ro , onde
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po de ra s er li vre . P ara po de r c ria r a s ua vid a, pr ec isa c ria r e ss e m un do . E
e ss a c ri ac ao , c om o a o ut ra , s ao p ar te d e u m a m e sm a s uc es si io i ni nt er ru p-
t a d e r ec ru ui ie s. N ov a Babi lonia s o p od er a s er o br a d os s eu s h ab it an te s,
unicamente 0 produ to d e sua cultura . P ara n os, e la s6 Ii urn m od elo d e
r e f/ e xi i o e j o g o . 72
o pensamento urbano situacionis ta, e principalmente sua cri tica ao urba-
nismo enquanto discipl ina, poderia ser vis to hoje, pelo proprio campo do ur-
banismo, como urn convite a reflexao, it auto-cnt ica e ao debate. Urn ape lo
contra a espetacularizacao das cidades e urn manifesto pela participacao efeti-
va- nao apenas para parecer "poli ticamente correto" como vern ocorrendo -,
da populacao nas decisoes urbanas. Ostextos a seguir ainda podem ser vis tos,dentro da inercia teoricoespeculativa atual , como uma proposta para se pen-
sar agora, junto com todos os atores sociais urbanos conternporancos, sobre
o futuro das cidades exist entes e a const rucao das novas c idades do futuro.
Pao la Be rens te i n J a cque sArqui te ta e u rban is ts , dou to ra em h is to ri a da a rt e pel a Unive rs idade de Par is I.
professor. da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.
NOTAS
Potlatch n" 2, 2 9 dejunho de 1954, texto coletivo dogrupo Internacional Letrista.
Exatos cinqiienta anosda projecao do primeiro filme de GuyDebord H u rl em e nt s e n [ av eu r
d e S a de (30 dejunho de1952).
Os anos 1960 foram marcados mundialmente pel. organizacao dasminorias culturais, pe-
losmovimentos de contracultura au de culturas alternativas au marginais, pelas manifes-
tacoes revolucionarias e pelas reivindicacoes socials e culturais mais diversas, Urndos
maiores simbolos da epoca, a manifestacao estudanti! de maio de 1968 em Paris, reurriu
varies grupos, ditos revolucionarios ou eontraculturais, e, entre eles, aqueles que forma-
ram a base te6riea domovimento: as situacionistas.
Sabre a disneylandizacao urbana norte-americana ver SORKIN, M. (ed.), V a ri a ti on s o n a
t he m e p ar k ; t he n e w a m e r ic a n c it y a n d t he e nd o f p u b li c s p a ce , NovaYork,Hilland Wang, 1992,e sabre a patrirnonializacao das cidades europeias ver JEUDY,H.-P.(org.), P a tr im o in e s e n
fol ie , Paris, Maison des Sciences de I'Homme, 1998 e L a m a c h in e ri e p a tr i m on i a le , Paris,
Sens&Tonka, 2001.
Alusao a "biblia" neo-moderna, 0 livro S,M,L,XL, NovaYork,The Monacelli Press, 1995, de
urndos maiores representantes desta corrente, 0 arquiteto holandes RemKoolhaas.
Urnborn exemplo recente dessa espetacularizacao foia exposicao M u t a ti o n s ( 2 00 0 /2 0 0 1) ,
em Bordeaux; ver catalogo publicado par ACTAReArc en Reve,Barcelona/Bordeaux, 2001.
Que separece muito com asdiscussoes travadas durante a crise urbana dofinal do seculo
XIX,causada pela primeira rnodernizacao dascidadeseuropeias (iniciodo urbanismo como
disciplina), e em particular 0 debate emVienaentre Camillo Sitte e Otto Wagner, com in-
flusncia deAloisRiegl,e queeontinuou, logo em seguida, comAdolfLoos.
Ou elitizacao, expulsao dapopulacao mais pobre deuma area da cidadepara sua "requali-
ficacao",
"0 centro deParisfoiradicalmente rernodelado emfuncao do autom6vel, 0quenao excluia
tendsncia complementar derestaurar, aqui eali,alguns redutas urbanos isolados,transfor-
mados em objetos deespetaculo turistico, simples extensao domuseu tradicional, tendcn-
ciasegundo a qual urnbairro inteiro pode tornar-se monumento", IS n" 9 (1964).
10 Emseguida mostraremos queurngrupo dejovens quefazia parte domovirnento moderno,
dos ClAMs (CongressosInternacionais deArquitetura Moderna), e ficou conheeido como
Team X(organizadores doClAMX),tinha cantata comas situacionistas etambern jaestava
fazendo, de dentro des ClAMs,uma critica it antiga geracao de arquitetos modernos e aCarta deAtenas.
II ACarta deAtenas se refere asdiscuss6es acereada Cidade Funcional travadas durante a
ClAMIVa bordo doPatris II emuma travessia Marselha-Atenas em1933. A Carta s6 foi
publicada dez anos depois, durante a ocupacao alerna de Paris, pelo proprio LeCorbusier
(sem a sua assinatura), Outra versao dos debates e publicada par J.-L. Sert, exilado nos
Estados Unidos; 0 texto referente aoClAMIVe muito semelhante mas 0 livre deSert, Ca n
ou r cities s u r vi v e? , • ilustrado e mostra fotografias dascidades norte-americanas na decada
de 1940, que ja ante lpnmde certa forma asprincipios propostos pela Carta. Vistas hoje,
essas fCltailraflnaPOOf'1l1 nt~ parccer 0 anuncic do esgotamento dasideias urbanas moder-
! lOR a do In!d'J do n ll l 01. pl l lpr in movhncnto (dos ClAMs).Algumasversoes da Carta foram
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recentemente pub licada s em ( o ut r as ) C a r ta s d e A t e na s , c o n te x to s o r ig i na i s, organizado par
Antonio Heliodoro Lima Sampaio, Salvador, Quarteto I PPG-AU I FAUFBA, 2001.
12 Ap ro po st a u rb an a d e LeCorb us ie r, e xp os ta c omo uma d ou tri na n a Car ta d eA te na s, v in ha
sendo massi fi cada rnen te const ru ida na Europa do pas-gue rr a, p ri nc ipalment e sob a f orma
de enorrnes conjuntos habitadonais modernistas. Para os letristas ( futuros situacicnistas),
e ss es c on ju nt os mo no to ne s e r e pe ti ti vo s, e s ob re tu do a s epa ra ca o d e f u nc oe s p ro pos ta p ar
L eCor bu si er, q ue v iro u p on to d e d o ut ri na na Cart a, p ro vo ca vam ap a ss iv ida de e a a li en a-
, ao d a s oc ie da de d ia nt e d a mo no ton ia da v id a c ot id ia na mod er na . D es de o s p rime ir os n u-
mer es de Pot la tch ( in fo rmat ivo da I nt er naci onal Let ri st a) de 1954, LeCorbus ie r passa a ser
urn dos maiores alvos de cri ticas ironicas. Ele e citado como "l e p r o te s ta n t m o d u lo r , Ie Corbus ier -
S ing -S ing" [0 p ro te st an te homem ideal , 0 Corbusi er -a rqui te to da p ri sao] , suas obr as sao
vistas como "Ie s t y le c a s e r n e " [ no est il o qua rt el ], a u rban ismo moder no ser ia " se rnpr e i ns p i-
ra do p or o rd ens p ol ic ia is , q ue , n o f und o, Ha us smann s o a b ri u c s b u le va re s p ara fa ci li ta r a
pa ss ag em d os c an ho es " e qu e "0 a tu al p ad ra o d emora di a i ns pir a- se n o d os p re si di os " Eo s
l et ri st as per gunt avam: "Se ra que 0 S r. Le Corbusi er t er n a lguma ide ia das necessi dades do
homem?" . Ver G u y D e b o rd p r e se n t e P o tl a tc h (1954-1957), Par is , Gallimard, 1996.
Pot la tch n? 1 5, 22 d e d ez ern br o d e 1 95 4, d o t e xto "Un e a rc hi te ctu re d e l a v ie ", a ss in ad o p or
Asger Jorn.
13
" IS n '' 3 , d ez ern br o d e 1 95 9, t ex to c ol eti vo " 0 u rba ni sm o u ni ta ri o n o fim d os a nos 1 95 0"
(p.100).
J.5 Idem.
3 2
E evidente que 0 con texto h is to ri co dessa c ri ti ca s it uaci on is ta deve ser l evado e rn cons i de-
r ac ao , m as a p a rti r do moment a em qu e 0 d iscu rso s it uaci on is ta , sempr e margina l e avesso
a qua lque r c la ss if icacao , e st iv er dev idamen te h is to ri ci zado - mesmo que i sso possa exigi r
o a lt o p re ,o d e p erd a d e a ute nt ic ida de (d o l ado m iti co , e t al ve z d e u rn pa uc o d o p r6 pr io
esp ir it o apa ixonado e r evoluc iona ri o) e cor ra 0 r isco de Sf t orn ar um " ef ei to d emod i', t al -
v ez a te m es rn o " e s pe ta cu la r " ( 0 q ue ja v er n o co rr en do n a Eur opa e no s EUAh a a no s e , e rn
particular, e rnais recentemente, no ca mpo da arquitetura e do urbanisrno) - a critica
situacionista podera de fato servir como base inspiradora para a construcao de uma teoria
cri tica da situacao urbana conternpcranea.
A te mesmo porque 0 p ro pr io s ur gime nto de st es n ov os mode lo s e p ro po st as d ep end s d e
uma desrons tr ucao e fi caz dos modelos e p ropost as ja e xi st en te s, 0 q ue s o p cd er a s er i ni -
d ad o p or uma c ri ti ca consequents do momento presente.
17
18 In DEBORD, G . , P a n eg y ri q ue , Par is , Edi ti on s Ger ar d Lebov ic i, 1989 ( au tobiog ra fi a) .
recenternente traduzido para 0por tugues em Paneg ir ico , Sao Pau lo , Con rad, 2002. Par a u rn
b is t6 ri co mai s compl et o da ISver : MARTOS, J. E, Hi s t o ir e d e I ' I n t e r na t i o n al e S i t u at i o n n is t e ,
Par is, Editions Gerard Lebovici , 1989.
[ sou cos tumava d izer que da mesma forma que Baude la ir e des f ez a poesi a, Ver la ine 0 poe-
r n a , R i r n ba u d 0 verso, e i e, I s ou , re du zi u t ud o a le t r a s , e da i a origem do s letristas.
o filme de Debord - a base da disputa entre velhos e n ovos le tristas - era bas icamente
fo rma do p or s eq ue nc ia s d e t el as b ra nc as e n e gr as , e a ss im e le p re te nd ia d ec la ra r amor te d o
c in em a pr op un ha ir a le rn d o p ri nc ip ia d e p as siv id ad e d o e s pe ct ad or ( 0 q ue c on se gu iu p ai s
npo" vinte rnlnutos de projscao 0pub li co , i nd ignado , dei xou a sal a) .
a iIl'l i rn o n u rn cr o d e Pot la tch , de n030, ja f oi p u bl ic ad o d ep ot s d o f im c ia [I,e n o i nt ci o da IS.
" In I'lltirilch n" : ', r rl ticn IIVille T l n c i ' i C I L ' : C lc L~ Corbusier.
J\I
"
' 1, 1 In Pot la tch n? 5 , c r it ica ao u rban ismo em ger al e aLe Corbusi er e rn par ti cu la r.
1'1 In Pot la tch n '' 15, c ri ti ca aos f uncional is ta s e r ac iona li st as em ger al .
ib In Pot la tch n? 2 0, a po lo gi a d a c id ad e c omo t er re ne p ar a 0 j ogo ; a t eo ria de Hui zi ng a e ma is
uma vez , Le Corbusier, sao citados.
1<1 In Pot la tch n ? 2 3, i de ia s e p ro pos ta s i ron ic as d os l et ri sta s p ar a t ra ns fo rr na r Pa ri s em um
t err en e de j og o, o u c omo e le s d iz iam, o fe re ce r s olu co es p ar a d iv ers os pr ob lema s d e u rb a-
uismo desta cidade.
rt Conside rada " su rr ea li st a" e edi tada per M.Mari en , e ssa r ev is ta pub li cou em 1955 u rn t ex to
de Debor dimpor tant e par a a compr eensac do pensamento u rbane s it uaci on is ta : " In tr cdu-
~ao a uma cri ti ca dageog ra fi a u rbana" (d.p. 39).
,I I Cha r les Fourier (1772-1837), f i lcsofo e economista franc es, fundou a revis ta Le
Pha lans tere: cri tica feroz a s oc ie da de i nd us tri al bu rg ue sa e p ro po st a d e uma n ov a s oc ie -
clade e de uma nova c idade- ed if ic io (Pha lange ou Phnianstere) utopica, socialists e
hedonista. 0 prazer l ibidinoso, as o rg ia s e os costumes libertinos estariarn na base dessa
nova comun idade, Fou ri er descr eve com preci sao 0 novo edi fi ci o, u rn eno rme complexo
arquitetonico. 0 fourierismo i nfl ue nc io u mui to a s surrealistas, principalmente Andre
B re ton , m as t amb er n Marx e Enge ls .
E impor tant e r essa lt ar que 0 e sc ul to r e a rq ui te to s uic o Max B ill f oi a g ra nde a tr ac ao d a
Pr ime ir a B ie na l de S ao Pa ul o em 1 951 e i nfl ue nc iou t oda um a g era ca o d e a rti st as br as il ei -
ros de tendencia concret ista, principalmente 0 grupo paulista,
,I I
Ver 0 t ex to p ronunc iado nes ta ocasi ao : "Re la to ri o sab re a const rucao de s it uacoes e sab re
as condi coes de o rgan iza~ao e de a~50 da t endenc ia s it uaci on is ta i nt er naci onai "( p. 43) .
Pub li cado em por tugues : I S, S i tu a c io n is t a, t e or i a e p r d ti c a d a r e vo l u~ i i. o ,Sao Paulo, Conrad,
2002 .
" VANEIGEM, R., A a rt e d e v iv er p a ra a s n o v as g e ra ~6 e s, Sao Paulo, Conrad, 2002.
, . A s oa ed ad e d o e s pe td cu lo , Rio de Janei ro , Con tr apon to , 1997. Est e l iv re e urn claro desvio
(detournemmen t) de var ie s t ex to s, p ri nc ipalment e deMarx e Hegel , e dea l guns man if es to s,
0[1100 comun is ta . A cri ti ca ao espet aculo, que ja est ava p resent e nos numerus da IS , passa
~se r u rn dos t emas p ri nc ipai s de Debor d; e st a c ri ti ca e ra na ver dade u rn a le rt a i ncessant e it
"Iiena<;ao da sociedade gerada pelo fet ichismo da mercadoria.
1 EBORD, G., "Theses sur l 'I nt emat iona le S it ua ti onni st e e tson t emps". I n: La v e r i ta b l e scission
d a n s I' l n t e rn a t i on o l e S i t u a ti o n n is t e , corn Gianfranco Sanguinet ti , Par is, Champ Libre , 1972.
" DEBORD, G., "De l 'a rchi tect ur e sauvage". I n JORN,A., Le j a r d in d 'A l b is o l a (1974), republicado
em O n t he p as sa ge o f a f ew p eo pl e t hr ou gh a r at he r b ri ef m om e nt i n t i me : t he S it ua ti on is t
uusmotiona), Cambridge Mass. , MIT, 1989.
'h I )EI30RD G., "Re la to ri o sob re a const rucao de s it uacdes e sob re as condi coes de o rgan iza-
\ ,10 e de a ,ao da t endenc ia s it uaci on is ta i nr er naci onal " (p, 43).
Idem.
VANEIGEM, 11 . . , "Cornentarios contra a urbanisrno", IS n? 6 (p.153) .
'" I I, tr lo Con st an t, q ue i ns is ti u na p ro po sta d e uma c id ad e ut op ic a, No va Babi lo nia , p ro du -
v,lndo Inulllcro8 mnpns p maquct es, forll1alizanclo um v e rd a de i ro projeto, a que provocou
um d ' u un l :( ,t 1 rl lm "I ' ll o W i n D ( '\ J or l l ( ' "UU d es ll gn me nt o d a I S em 1960. "C on st an t e nt ro u e rn
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J l , .
ch eque co rn a I Spor que s e p reo cupa va em p rimei ro luga r, e quase exdu si vame nt e, c om a s
qllcst8es de estrutura de cer to s conj un to s d e u rb an ismo unit ari o, ao p as so que out ro s
s it uaci on ist as as si nal av am que, no est ado em que se en cont rav a t al p ro je to , er a p reci se
.nfatizar 0 contsudo (de jogo, de c r ia cao l ivre davida cot id iana ). Logo, a s te se s deCons tant
v al ori za vam mai s a s t ecn ico s d as f or rn as ar qu it et6 nie as do que a bus ca por uma cu lt ura
global." (I S n" 5). Ass im Constant abandonou a IS, foi subst ituido por A tt il a Kotanyi , mas
continuou desenvolvendo 0 p ro jet o d e Nova Bab il 6n ia p ar uma decada. Ver LAMBERT, J
C " N ew B a by lo n - C o ns ta n t, Art et utop ie , Paris , Cercle d'Art, 1997.
,0 VANEUGEM, R,e KOTANYI, A" "Programa elementar do bureau de urbanismo unitario", IS
nO 6 ( c f . p. 139),
. .. LECORBUSIER, Po ruma a rqu i te t u r a , Sao Paulo, Perspectiva , 1989 (orig. Ve r sun e a r c h i te c t u re ,
1923),
, ,. , VANElGEM, R, e KOTANYI , A., "Program. e lemental ' do bureau de urbanismo unitario".
IS n? 6 (cf. p. 139)
" DEBORD, G" "Rel at or io s ob re a const ru ca o de s it ua co es e sobr e a s ccndi co es d e o rg an iza-
,a D e de a ,ao da tendenc ia s itua cionis ta interna cional " ( cf .p , 43) .
' " T od .s as d ef in ico es si tu adon is tas f or am pub li cad as n a IS n? 1 (d.p, 65),
'5 DEBORD, G" "Re la torio sabre a const ru ,ao de s itua coes e sobre a s condicoes de organiz a-
,a D e d e a ,a o d . t sndenda s it uaci on ist a i nt er nadonal " (cf , p , 4 3) ,
>c , 0 c on tat o en tr e os situacionistas e 0 sociologo e fil6sofo Henri Lefebvre (190111991) foi
emum prime iro momenta ext remamente cordial mas depoi s t rouxe var ie s desentendimen-
tos, principalmente com Debord, que nao aceitava as implicacoes institucionais de Lefebvre
( ta nto com a par tido comunis ta quanto com auniver sidade ), e adi ssoc ia cao ent re sua vida
e seu pensamento teodco. Lefebvre, impor tante e conce ituado pensador marxi st a, publi -
cou inurnercs l ivros sobre a que stao urbana, e talve z 0 mai s impor tan te d el es , n o auge de
Maio de 68, L e d r o it a l a v i l le
,I 0prirneiro livro, Introduc t ion a 1a critique de la vie quot idienne , e publicado em 1946; 0 se-
gundo, C r it i qu e d e 1 0 v i e quo t i d i e nn e , em 1963, e a ultimo e m a is conhecido em 1968: La vi e
q u o ti d ie n n e d a n s I,m o n d e m o d e rn e .
'IH "Le febvre on the Situa tionni st s: a nin te rv iew", in October n'' 79, inverno de1997, MIT Pre ss ,
. . Outros t ipos semelhantes de exper ienc ia s au s imples r ef le xces sabre 0 e spa,o urbano pro-
vocavam ou conside ravam a propr ia exper ienda s stet ic a ou a apreensao a fe tiva des se s e s-
pa~os , Podemos ten tar t ra ca r uma hnha dea rt is ta s e teor icos que vir ia des deBaude la ir e, daide ia de [ l imeur ( em 1863, no texto Le p e in t re d e la v i e mode rn e ), passando pelos dadaistas
com as excur soes urbanas por lugares banai s, a s deambulacoe s a le atcr ia s organiz adas por
Aragon, Bre ton, P ic abia e Tza ra , ent re out ros, que continuaram com as sur re al is t a s l idera-
dos per Bre ton, pela exper ienc ia f is ic a da e rr imcia no e spaco rea l urbano que foi aba se dos
manifestos surrealis tas (edos livros L e p ay son d e P a r is de 1926 de Aragon e N ad ja de 1928
e C umou r [ou de 1937 , ambos deB re ton) , q ue desenvo lv em a i de ia d e ha sa rd ob j e c ti f ; depots
disso, Walter Benjamin retomou 0 conre ito de { laneur de Baude la ir e eAragon, e comecou a
t rab al b ar c om a i dei a d e ( l imerie , au seja, de f la nanc ia s urbanas , a tnves tiga cao do e spaco
urbane pclo (lane!.!r ( pr in ci palmen te d e Par is e d e s uas p assa gen s c ober ta s no L e livre de s
/JflNSajlos), A p es nr d e 0{ lane" , se r para os situacionistas 0p ro t6 ti po doburgues e nte di ado e
Ill'lll propcstas. ~ ci, t ntativa dcstes de se distandarem das, SCI\undo eles, promenades
/m/)lli / / i w IIlll ru. i llstn ,nI' ~LtuarilllliHI'"8 onlr lbu i r am p a ra r l on n nv o lv r r {'IIIIII,~"~madeia ao
propor a nocao de der iva urbana, da e rr ancia volunta ri a pelas rua s, Sem duvida houve uma
grande inf luencia dadai st a, por exe rnplo da famosa excur sao dadai st a - s empre propostas
emluga re s e scolhidos pre ci samente par sua banal idade e fa lt a de in te re ss e - a igreja Saint-
Jul ie n- le -Pauvre em Par is , que f icou conhecida como Le r e V i s it e e ocarreu na quinta-feira ,
1 4de ab ri l d e 1921 as 15ho ras , q uando B ret on l eu um man if es to p ar a e p at e r l e s b o u r g eo i s,
Es sas i de ia s se d esenvo lv er ar n t ambem no mei o a rt is ti co ap es o s s it uaci on ist as , Logo em
seguida a grupo neodada is ta Pluxus (Maciunas , Pat te rson, F iJ liou , Ono e tc .) t arnbem pro-
pos exper ienc ia s s emelhantes ; foi a epoca dos happenings no esp a, o pub li co . No Br asi l o s
tropicalistas tambem 'tiveram algumas ideias semelhantes, principalmente 0 Delirio
Ambulatorium de Helie Oitic ica (outros artis tas brasile iros ja tinharn proposto experiencias
no e spal 'o urbano bern antes , c omo, par e x em pl o , I 'l a vi o de Carva lho) . Dentro do contexto
da a rte conte rnporanea, var ie s a rt is ta s t raba lharam no e spaco publico deuma forma c ri ti ca
au com um que st io namen to t eo ri co , e, en tr e v ari os out ro s, p odemos ci tar : K rzys zt of
Wodic zko, Danie l Buren , Gordon Mat ta -C la rk ou Dan Graham, 0 denominador comum en-
t re ess es a rt is ta s e s uas aco es u rb an as ser ia 0 f at o d e e les v er em a c id ad e como campo deinvestigacoes artis ticas e novas possibilidades sensitivas: e les acabavam assirn mostrando
out ra s manei ra s de se ana li sa r e e studar 0 espa,o urbane atraves de suas obras/experien-
cias.
DEBORD, G., " In trodudio a urna c ri ti ca da geograf ia urbana" (cf. p. 39).
Debor d e Jam re al izar am j un to s doi s li vr os i lu st rados , fei to s b asi camen te d e co la gen s e
outros "mapas" F i n d e C o p en h a g ue , Copenhague, MIBI, 1957, e Memo i r e s , Copenhague, IS,
1959, a le rn do mapa G u id e p s yc h og e og r ap hi qu e d e P a r is - D i sc ou r s s u r l e s p a ss io n s de I ' amour
(1956).
'I~ Os desvios de dir ec ao e spontaneos fei tos par a lguem que c ir cula nes se s ambientes , a lheio
as conexoes uteis qu e usualmente direcionam seu caminho.
T he N a ke d C it y, de 1948, d eA lb er t Mal tz e Mal vi n Wadd, e urna his t6ri a de detet ives que
inves tigam casos em Nova York. 0 fi lme se p ass a em Manha tta n, n as ru as enos esp aco s
publiccs dessa parte da cidade. 0 titulo d o filme, por sua vez, foi retirado de um livro de
fotos de c rimes publicado em 1945.
Chornba rt de Lauwe e sc reveu, antes do sel l. c la ss ico sobre Par is , dai s l ivros sobre fotogra -
Has aereas: L a d ec ou v er te a er ie n ne d u m o nd e em 1948 e P h o to g r ap h ie s a e ri e nn e s. L ' et u d e d e
I 'h o mm e s u r t er re em 1949.
' , . ,DEBORD, G" "Introducao a urna critica da geografia urbana" (d. p. 39).
Potlatch n " 23, out ub ro de 1955, do t ex to co le tiv o "Pr ot es tat io n a up res d e l a r ed act io n du
Times"
'" Simbolizados poruma doutr ina, a Car ta deAtenas , par s eu princ ipal defensor, LeCorbusier ,
e pelo icone do pas -gue rr a, c s ronjuntos habit ac iona is moderni st as .
1n MUMFORD, E" Th e Ciam d i sc o u rs e o n u r b an i sm , 1928-1960, Cambridge Mass" MIT, 2000
( toda s a s c it acoe s de origina ls dos ClAMs sao des se l ivro). A ldo Van Eyck fez e studos e tno-
l6gicos, principalmente dos D ogon s e Pueblos , e sempre se in te re ssou pelo que foi chamado
d e a r q u it e tu r a ventacula ou popular.
Pod cmo s divid ir a s do z ClAMs em I'rils f a se s d i st in r as : ClAMs I a I ll , d om in ic da lingua
o le ma ( su lc us c n l, 'r ll , n il , 1 1 1 1 ill do rnovlrnen: ° pr o c u pa c o es s o c ia l s e t e c n ic a s ( r a ci o n a li -
'0 1' o I n r ol1 lol r ill' o): C fI \M ~ IV " V II, rlllllll,'lo da l lngua fran esa (em par ti cu lar , Le
CIlI'hlinir'), . " " ,11 '" \ ' II t i" " ', ,, , ,(11111"110' i li llri lJlI, \i ista e urhnna, Cn,l,1 dl' I\IT."os; r l l lMR
35
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VIII (IX, JOnlfllln rI l tn gu n 1 11 8 1S~ (lngleses c holandes ,), T om X I' d lm' !l ] u, i' lo d o r n o vi -
1 1 1 0 1 1 t o, U m ,n i 1 . 1 1 1 0 co loqu io , fim o f i da 1do m ov im en to , e q u e ja na o u tt ll e v a 0 terrno ClAM,
I ol r cn ll xado em 1959 em Ott er loo, Hol anda .
III A 'festa de s ncerramento deste evento se deu no terraco-jardirn da noviss irna Unite
d 'Hab it at lon de LeCorbus ie r ( conjun to hab it ac iona l- ti po em Mar se lha) e r ep re sentou uma
despedida de LeCorbus ie r, que nao par ti ci pou mai s des coloquios seguint es , ja completa-
m en te do rn in ad os p el a n ova g era ca o mod ern a (T eam X ).
J am apa re nt em ent e s o c ul tiv av a c an ta ta s c om s eu s i nimi go s d e d en tro d os C lAMs. Is so
a pe sa r do pr op ri o J am t er t ra ba lh ad o c om Le Corb us ie r, a ss im c omo s eu a rq ui -i nimi go
Max Bil l, que f az ia par te da a la u lt ra -r ac iona li st a do ClAM.
A revista e f und ad a em 1 946 e , e nt re 1 959 e 1 963 , B ak er na eV a n Eyc k n e la c ol abo ra ram; a
par ti r d ess. dat a Nikol aas Hab raken passou apa rt ie ipar da l i nha edi to ri al . Hab raken t raba -
lh ou c om a q ue st ao d e h a bi ta ca o e p ar tic ip ac ao p op ula r e f un do u a g ru po SAR ( St ic ht in g
Archi tect en Resea rch) , s imbo lo do u rban ismo par ti ci pa ti vo hol andes. 0 a rqui te to membr ado Team X mai s v al ta do p ara q ue st os s p art ic ipa ti va s f ai u rn i ta li an o: G ia nc ar lo d i C arl o,
que pos te ri orment e r ea li zou uma exper ienc ia i nt er essant e em Trevi ( 1970 /1975) .
Constant, N ouve l le Baby l o n e (1960), in Conrads U, P r o g ra m m e s e t m a n i fe s te s d e V a r c h i te c tu r e
duXXeme s i e c l e , Par is, La Vil lette, 1991.
Constant, N e w B a b y lo n , in LAMBERT J.-C, N ew B ab yl on - C on st an t, A rt e t a to p; e, Paris,
Cerele d 'Art , 1997.
G5
4iG In Potlatch n? 9, 1954: "Percebe-se imediatamente 0 o rdenamen to car te si ano do p re tense
l ab iri nt o d o J ar di n d es Pl an te s e rn P ar is e 0 r espect iv a avi so : E PROIBIDO BRINCAR NO
LABIRINTO. E a mai s c la ra s in te se do esp ir it o de t oda uma c iv il izncao . E essa c iv il izacao
que queremos derrubar",
Constant, N e w B a b y lo n , in LAMBERT, J.-C. , N ew B ab yl on - C on sta nt, A rt et uiopie, Paris,
Cerele d 'Art , 1997.
us
Ve r c orn pa ra co es fo rma is d os p ro je to s em: SADLER S ., The S i t u a ti o n ; s t City, Cambridge
Mass. , MIT P ress , 1998.
Groupe d 'Etudes d 'Archi tect ur e Mob il e, coo rdenado par Yona F ri edman.
Que t ambem par ti ci pa ra rn do T h e I n d ep e nd e n t G r o u p e p ropuse ram c idades u topi cas como
W a l k in g C i ty au Instant City.
Po rrn ad o, e nt re ou tr os , p ar J ea n Bau dri ll ard e Hube rt Ton ka , q ue t in ham s ido a nt er ior -
men te ass is tent es de Lef ebvr e
Constant, N e w B a b y lo n , in LAMBERT, J.-c., N ew B ab yl on - C on st an t, A rt e t u to pi e, Paris,
Cercle d 'Art , 1997.
internationale
situationniste
bul le tin centra' edit . por 1tU seetiQl'\s de I'j"ternat~onllie situaticnnilte
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QUE S TOE S P R E L IM IN A R E S A CONSTRUCAO
D E U MA S IT UA CA O
"Ano a const ru~~o de si tuacoes come~a apos 0 desmoronamento moderno da
~ 0 de espe taculo . E fac il ver a que ponto esta ligad 'r .mundo 0principio caracteristico do espetaculo- a nao_paor~a len~~aAodo velhorio b . L1Clpa~ao, 0 contra-
,perce e-se.com~ ~smelhores pesquisas revolucionarias na cultura tenta-
raJ; romper a ldentlfrca~ao psicol6gica do espectador com 0 her6i a f d
estimular esse espectador a agir...A situa~ao e feita de modo a ' .. irn e
s eu s construtores, 0 papel do "pu blico" '. ser vivida par
fig~r an te, deve ir diminuindo, enqu:~t~ :::~~:S;l::~:;O ~:~os de ~e~oserao chamados atores mas num s tid d que ja nao
, en I a novo 0 termo, "vivenciadores".
o 110S50conceito de "situa~ao cons-
trulda," nao selimita a um uso unita-
r io de meios a rt ist icos que formem
u m a a r nb ie n ci a , por maiores que se -
lam a extensao espaciotemporal e 0
dinamismo dessa ambiencia. Asitua-
~~o e, concomitantemente, uma uni-
clade de comportamento temporal.
~ fei ta de gestos contidos no cenario
de urn momenta, Gestos que sao a
produto do cenario e de s i mesmos.
P roduzem out ras formas de cenarin
e outros gestos. Como orientar essas
forcas? Nao e 0 caso de nos conten-
taFmos com ensaio s empiricos de
ambientes dos qua is , par provoca-
~ao maquinal, se esperam surpresas.
A orienta<;:iiorealmente experimental
c ia atividade situacionista consiste
em estabelecer, a partir de desejos
r conhecidos COm maier ou menor
clareza, Urncampo de atividade tern-
poniria favoni.vel. a Esses desejos. S o
R e la t 6r ia s a br e a c o ns tr u ~a o d e s it u ai ;o e s,
o seu estabelecimento pode esclare-
cer os desejos primitivos e 0 apareci-
m~nto confuso de novos desejos cuja
r aiz material sera a n o va r e al id a d e
constituida pelas constru~6es situa-
cionistas.
Logo, e preciso visar a urn tipo de
psicanalise com objetivos situacio-
nistas, e cada participante desta aven-
tura deve encontrar desejos precisos
de ambiencias para r e a l i zd -lo s , ao con-
trario dos objet ivos buscados pelas
correntes freudianas. Cada Urn deve
procurar 0 que arna, a que 0 atrai (e
mais uma vez, ao contrano de certas
tentativas da escrita moderna _
Lei ri s, par exemplo - , 0 que impor-
ta nao ea estrutura individual denos-
so espiriro, nem a explica~ao de sua
forma~ao, mas sua apJica<;:iioossivel
nas situa~6es construidas). Por esse
metodo e possive! fazer 0 levanta-
mento dos elementos constitutivos
das situacoes a construir: proje tos
para 0 m o v im e n to d e ss e s e le m en t os ,
Tal pesquisa s6 tern sentido para
individuos que trabalhem pratica-
mente no intui to de construir s itua-
~6es. Todos eles sao, de modo
espontaneo ou consciente e organi-
zado, pre-s ituac ionis tas , isto e, indivi-
duos que perceberam a necessidade
objet iva dessa construcao atraves de
uma mesma sensacao de carencia da
cultura e das mesrnas express6es dasensibilidade experimental imediata-
men te anterior, Estao lig ados por
uma especializacsc e por pertence-
rem a uma vanguarda his t6rica dessa
especializacao. Logo, e provavel que
em todos haja muitos temas comuns
do desejo situacionista, que se diver-
sificarao quando passarem a fase de
atividade real.
A situacao constr uida, p ar sua
preparacao e seu desenrolar, e force-
samente colet iva. Pode porem ocor-
rer que, pelo menos no periodo das
experiencias iniciais, um individuo
exerca, em dada situacao, uma certa
pre dom inanci a, far a 0 papel de
roteirista. A par ti r deurn proje to de
situacao, elaborado por uma equipede pesquisadores, que marque, por
exemplo, uma r e u ni i io e m o c io n a n t e de
algumas pessoas , sera necessario fa-
zer uma dis tincao entre 0 diretor ou
rotei ri sta - encarregado de coorde-
nar os elementos previos de constru-
~ao do cenario, bern como de preyer
algumas irlterVlm~oes nos aconteci-
m entos (s t u lt im o pro c dim nto
p de 8 'r r l 'p u r 'l l do p e r v. r los ~I [lPOI)-
saveis mais oumenos dentes dos pla-
nos de intervencao dos outros) - e
agentes diretos que vivam a situacao,
depois de ter participado da criacao
do projeto eolet ivo e trabalhado para
a composicao pratica da ambiencia,
bern como de alguns espectadores
pass ivos, est ranhos ao trabalho de
construcao, que deverao ser r eduz idos
a aciio .
Naturalmente a rel acao ent re 0
diretor e os "vivenciadores" da situa-
~aonao sera uma relacao entre espe-
cialistas, E apenas uma subordinacao
momentanea da equipe de situacio-
nistas ao rcsponsavcl de uma expe-
riencia isolada. Essas perspectivas,
ou seu vocabular ro provi sorio , nao
devem levar a crer que se trata de
uma extensao do teatro, Pirandello e
Brech t mostraram a destruicao do
espetaculo teatral, e algumas reivin-
dicacocs que van mais alern. E pos-
sivel dizer que a coristrucao de
situacoes so substituira 0 teat ro no
mesmo sentido em que a construcao
real da vida subst ituiu cada vez mais
a religiao. Visivelmente 0 principal
dominio que vamos subst itui r e rea-
lizar e a poesia, que se consumiu navanguarda denosso tempo e desapa-
receu completarnente.
A realjzacao comple ta do indi-
v iduo, ass im como na exper ienc ia
artistica que os situacionistas desco-
brem, passa forcosamente pela domi-
nacao colet iva domundo; antes dela,
ainda na o ha indiv iduos, e sim fan-
t asmas assornbrando as coi sas que
lhcs Hi' lO confusam I1t of r cldas pe r
63
II
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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outros, Encontramos, em situacoes
ssporadicas, individuos isolados que
s guern ao acaso. Suas emocoes diver-
gentes se neutral izam e man tern 0
solido ambiente enfadonho que os
cerca. Destruiremos essas condicoes
,,\.0 faze r surgir em alguns pontos 0
sinal incendiario de urn j o go s up e ri o r .
Em nossa epoca 0 funcionalismo,
que e uma expressao necessar ia do
avanco tecnico, procura e liminar
completamente 0 jogo, e os adeptos
do i nd u st ri al d es ig n queixam-se da
deterioracio de sua a~aopela tenden-
ia aojogo demonstrada pelo homem.
Bssa tendencia, baixamente explora-
da pelo cornercio industrial, logo poe
m xeque os result ados mais ute is,
cxigindo sempre novas apresenta-
coes, Estamos cer to s de que nao e
preciso estimular a continua renova-
~ao artistica das geladeiras. Mas 0
funcionalismo moralizador nao con-
segue mudar essa s ituacao. A unica
saida progressiva e liberar noutro ni-
vel ,e demodo mais amplo, a tenden-
ciapara 0jogo. Sem iS50,as ingenuas
invectivas da teoria pura do desenho
industrial nao modificarao 0 grave
fato de, por exemplo , 0 autom6vel
ind ividual ser sobretudo urn jogo
idiota e,acessoriamente, urn meio de
t ranspor te. Cont ra todas as formas
regressivas do jogo, que sao 0 sell.re-
t rocesso a estagios infant is - sem-
pre Iigados as polit icas de reacao -,
e preciso apoiar as formas experimen-
tais de urn jogo revolucionario.
InternacionalSituacionista
IS n" 1. ju nh o d e 1 95 8
s i tua< ;ao cons trufda
situacionista
situacionismo
psicogeografia
ps icoqeoqrafico
psicoge6grafo
deriva
urbanismo unitario
DEFIN I< ;OES
Momento davida, concreta e deliberadamente cons-
truido pela organizacao coletiva de uma ambiencia
unitaria e de urn jogo de acontecimentos.
o que se refere a teor ia ou a atividade p ratica de
uma construcao de situacoes. Individuo que se de-
dica a construir situacoes. Membra da Internacio-
nal Situacionista.
Vocabulo sem sentido, abusivamente forjado por
derivacao do termo anterior. Nao existe s ituacio-
nismo, 0 que significaria uma doutrina deinterpre-
tacao dos fatos existentes.A nocao de situacionismo
foi evidentemente elaborada por anti-si tuacio-
nistas.
Estudo dos e fe itos exa tos do meio geograf ico,
conscientemente planejado ou nao, que agem di -
retamente sobre 0 comportamento afetivo dos in-
dividuos.
Relativo a psicogeografia. 0 que manifest a a acao
direta do meio geografico sobre a afetividade.
Individuo que pesquisa e transmite as realidades
psicogeograficas.
Modo de comportamento experimenta ll igado as
condicoes da sociedade urbana: ternica da passa-
gem rapida por ambiencias variadas. Diz-se tam-
bern, mais particularmente, para designar a duracao
de urn exercicio continuo dessa experiencia.
Teoria do emprego conjunto deartes e tecnicas que
conco r rem para a co n st r uc a o i nt egra l de urn am-
blonte '!D l ig~(, 0 di l 1 i1mka om experiencias de
f1l1l1j10 1 , . 1 T I ( · I 1 I " ( J .
65
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desvio
cultura
decompos ic ;ao
Abreviacao da expressao: desvio de elementos este-
ticos pre-Iabricados. Integracao de produ~6es artis-
ticas, atuais ou passadas, em uma construcao
superior do ambiente . Neste sentido , nao pode ha-
ver pin tura au rnusica si tuac ioni st a, mas urn usa
situacionis ta desses recursos. Num primeiro senti-
do, a desvio no interior das antigas esferas culturais
e urn metoda de propaganda, que comprova a des -
gaste e a perda de irnportsnria dessas esferas.
Reflexo e prefigura~ao, em cada momento histori-
co, das possibi lidades de organizacdo da vida coti-diana; complexo da estet ica, dos sentimentos e dos
costumes, pelo qual uma colet ividade reage sobre a
vida que lhe e objetivamente dada pela economia.
(Definimos esse termo apenas na perspectiva da cria-
~ao de valores , e nao na do seu ensino.)
Processo pelo qual as formas culturais tradicionais
se autodestruiram, sob 0 efeito do aparecimento de
meios superiores de dorninio da natureza, permitin-
do e exigindo construroe , culturais superiores. Faz-
sea distincao entre uma fase ativa da decomposicao,
dernol icao efetiva das velhas superestruturas - que
cessa par vo lta de 1930 - e uma fase de r epeticao ,
que prevalece desde entao, 0atraso na passagem da
decornposicao para as construcoss novas esta ligado
ao atraso existente na hquidacao revolucionaria do
capitalismo.
Internacional Situacionista
ISn° 1. j unho de 1958
FORMULARIO PARA UM NOVO URBANISMO
Majestade, sou do outro pais.
Andar pela cidade nao tern gra~a, ja nao existe templo do sol . Por entre asper-
nas das passantes, os dadai st as queri am encontrar uma chave inglesa, e os
surreal is tas uma taca decris tal. Nao deu certo. Sabemos ler nos rostos todas as
promessas, derradeiro estagio da morfologia. A poesia dos cartazes durou vin-
te anos. Andar pela cidade nao tern gra~a, e preciso fazer urn tremendo esforco
para ainda encontrar algo demisterioso nas tabuletas de rua, ult ima expressao
do humor e da poesia:B a in s- D ou c he s d e s P a tr ia rc h es [Banhos-Duchas dos Patriarcas]
Mach in e s a trencher l e s v i an d e s [Maquinas de cortar carries]
Zo o N o tr e -D a me [Zool6gico Nossa Senhora]
P ha rm a ci e d es S po rt s [Farmacia dos Esportes]
A li me nt at io n d es M a rt yr s [Mercearia dos Martires]
B e t on t ra n s lu c i de [Cimento translucido]
S c i e r i e M a i n -d ' or [Serraria Mao-de-Ouro]
C e nt re d e r ec u pe ra ti on [ on c ti on n el le [Centro de recuperacao funcional]
A m b ul an c e S a in te -A n ne [Ambulancia Santa Ana]
C in qu ie me A ve nu e C are [Cafe Quinta Aven id a ]
R u e d e s V o lo n ta ir es Prolongee [Rua dos Voluntaries Ampliada]
P en sio n d e fa mi /le d an s I e jardin [Pensao de familia no quintal]
HOtel de s Strangers [Hotel dos Estrangeirosl
R u e S a uv ag e [Rua Selvagem]
E a piscina da Rua das Mocinhas. Ea delegacia de policia da Rua do Encon-
tro. A clinica medico-cirurgica e a agenda de emprego do Quai des Orfevres, As
flores art ificiais da Rua doSol. 0Hotel dos Poroes do Castelo, 0 Bar do Oceanoe 0Cafe do Vai-e-vem. 0 Hotel da Epoca.
E a estranha estatua do Dr. Philippe Pinel , benfeitor dos debeis mentais,
nas derradeiras noites de verao, Explorar Paris .
Etu, esquecida, tuas lernbrancas destruidas por todos oslamentos domapa-
mundi, abandonada no Caves Rouges de Pali-Kao, sem musica e sem geografia,
ja nao par tindo para a h ac ie nd a o nd e a s r ai ze s p en sa m n a c ria nc a e o nd e 0 vinho
t er m in a e m f db u la .~ e le c a l en d ar to . Agora, acabou. Nao veras rnaisa hacienda. Ela
nao existe .
.E p re I s o C(lI'W r ut r n hadllllt/(lo
67
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VE NE ZA VE NCE U R ALPH R UMN EY
7 !J
o situ acionista b ritanico Ralph
Rumney, que desde a primavera de
1957 efetuava reconhecimentos
psicogeogr<iflcos em Veneza, decidiu
ulteriormente explorar de modo sis-
tematico essa aglomeracao e preten-
dia apresentarum relatorio exaustivo
a esse respeito emjunho de 1958 (cf.
urn anl lll cio do n" 29 de Potlatch). 0
trabalho cornecou bern. Rumney, que
conseguira estabelecer os primeiros
elementos para urn mapa de Veneza
cuja t ecnica de notacao era nit ida-
mente superior a toda a cartografia
psicogeogr<ifica anterior, comunicava
suas descobertas aos colegas, passa-
va-lhes as primeiras condusoes e ex-
p ctativas. Em janeiro de 1958, as
not ic ia s comecaram a piora r, Rum-
ney, diante de inumeras dificuldades,
cada vez mais enleado pelo meio que
ele tentara atravessar, teve de aban-
donar uma a uma suas l inhas depes -
qu isa e, afinal, como dizia em sua
comovente mensagem de 20 de mar-
co, ficou reduzido a imobilidade.
Os exploradores antigos sofreram
muitas perdas a custa das quais che-
gou-se ao conhecimento de uma geo-
grafia objet iva. Nao e de estranhar
que tam bern haja v iti mas entre o snovos pesquisadores, exploradores
do espaco social e das maneiras como
ele e usado.
As armadilhas sao out ras, mas 0
objetivo tarnbem e de outra nature-
za: procura-se chegar a urn usa
apaixonante da vida. E compreensi-
vel que se esbarre nas defesas do
mundo do tedio. 0fato e que Rumney
acaba de desaparecer, e seu pai ainda
nao foiprocura-ln, A selva de Veneza
foi mais f orte e se fechou sobr e urn
jovem promissor e cheio devida, que
se perde , que se dissolve , ent re nos -
sas multipias lembran~as.
InternacionalSituacionista
IS n° 1, j unho de 1958
Levantamenlo delodos astrajetos efe-
tuados durante um ana par uma estu-dante que mora noX V I ' m .
arrondissemont do Paris. Publicado par
Chombart d 1IIIW m Paris et
( 'a gg l m f , l ion I " '" It I lll •
E SBOC ;O DE DE SC R IC ;AO P SIC O GEOGRA F IC A
DO LES HA LLES' DE PA RIS
"De fato, para obter uma infima melhora nas relacoes sociais e preciso mo-
bil izar tanta energia colet iva que, sea grandeza real dessa desproporcao apare-
cesse inteiramente a consciencia publica, constituiria urn fator de desestimulo ...
o que minimiza, para a consciencia humana, essa horrivel desproporcao e a
ampliacao artificial e mitologica dos resultados esperados, levada a proporcoes
que correspondem mais a soma dos esforcos empregados e dos quais nao sepode
esconder a importancia, jaque ela e diretamente sentida. Essas deformacoes que,observadas de fora, tern urn aspecto fantasista, sao produzidas pelas ideologias
que, por tal motivo, constituem a condicao indispensavel do progresso social."
Leszek Kolakowski i R es po n so h tt iu : e t H i st oi re ).
o mundo em que vivemos pare-
ce, sobretudo sob 0aspecto material,
cada dia mai s est re ito. Chega a nos
abafar. Sofrernos profundamente sua
influencia; reagimos-lhe de acordo
com nossos inst in tos em vez de rea -
gir de acordo com nossas aspiracoes.
Em suma, esse mundo comanda nos-
so modo deser e ,par i sso , nos esma-
gaoSe ele nao for rearrumado - ou
melhor, estilhacado - nao havera
possibilidade de organizar, num nivel
superior, 0modo de vida.Os situacionistas sentem-se capa-
zes , gra~as a seus metodos atuais eao
que neles ainda vai ser desenvolvido,
nao so de rearrumar 0meio urbano,
mas tarnbem de modifica-lo substan-
cialmente. A te 0 momento a fal ta de
recur so s - a p recaria ajuda que nos
deram pessoas que se dizem interes-
sadas por tudo 0 que se refere aour -
banismo, a cul tura e seu impac to
sobre a vida - s6 nos perrnitiu p ro-
ceder a uma reduzida experimenta-
~ao, que permanece no ambito da
a~ao pessoal. Mas 0 que desejamos e
uma intervencao direta, efetiva, que
leve, apos os indispensaveis estudospreliminares - e nesse ponto a
psicogeografia sera de grande impor-
t ancia - , a inst aurar novas ambien-
.Le sHa lles , a mercado centr al de Par is , c ornpunha -s e de imponentes pavilhoes de fe rro evidro
construidos em 1851 por Vi ct or B al tard . S it uado em p leno c en tro d a ci dad e, ess e mercado,
alern de concentrar 0 aba stec imento de viveres par a ta cado, confe rt a ao bai rro, que ado tau 0
mesmo nome, uma grande e fe rvescenc ia corne rc ia l e tur is ti ca . Nos anos 1960, apos for te r es is -
tenda nao 56 dos moradores, a rnercado fai t ra ns fe rido para Rungis, na per if er ia par is ie nse, e
o s p av il he es d cm cl ld oa , N o " Rp n~ o '1Lle ficou, conhecido como 0 " t ro t ! d e s Ha i le s " ( 0 b ur ac o d as
H o li es ], f nl ron l l l rn 1d " i' ~ " \ 'I ' II I r O I 1 1 ~ r lnl Forum d es Halle s e u rn a es ta ,Ao de metrO e 1 1 rm ,
' O c i O I ' 9f.b , '1 1 1 1 ' , 1 " "1 1 1 1 1 1 11 ) \ \ " Nil I I l I u u , 1 1 0 , os p l \ v i lM c ~ do mnrrnrlo ( I r a n ' e m C O Il iO LeI! rl.dh",
( 1 1 1 1 1 1 1 1 1 I I I {I I l l l l \ > i I I , r l h r J , l l i l l JI I I r 1 ' J" I j ' . 1 1 I1 I I I i J l l l n u ( 0 !'t·~1I~lhlfl).IN'I'1
79
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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Mapan' 1- A unidade dearnbiencia do
Les HaIles.
das, situacionistas, cujas caracteris-
t icas essenciais sao a curta duracao e
a mudanca constante.
A psicogeografia - estudo das
leis e efeitos exatos do meio gcogra
nco, conscientemente planejado ou
nao, que agem diret amente sabre 0
comportamento afetivo dos indivi-
duos - ap resenta-se, segundo a de-
f tn icao deAsger Jam, como a f iccao
ientifica do urbanismo.
as recursos da psicogeografia sao
nurnerosos e variados. 0 primei ro e
mais solido e a deriva experimental.
A deriva e urn modo de comporta-
m nto experimental numa sociedade
urbana. Alern de modo de acao , e urn
m io de conhecimento, especialmen-
re no que se refere a psicogeografia e
tt t eori a do urbanismo uni ta rio , Os
outros meios, como aleitura de fotos
nc r eSC d mapas, 0 es tudo de esta-
Irlltlrn~, c1 " grMi os u de resultados
d l ' 1 1 ( 'I J ( ll dNI lI I no loll l li r: lf I, B ~ I Oi 1 -
cos e nao possuern esse lado ativo e
direto que pertence a deriva experi-
mental. No entanto, e gracas a e les
que podemos ter uma p rimeira re-
presentacao do meio a estudar. E 0
resul tado desse estudo pode, e rn re-
torno, modificar essas representa-
coes cartograficas e intelectuais no
sentido de uma maier complexidade,
de urn enriquecimento.
Escolhemos como assunto de estu-do psicogeografico 0bairro parisiense
Les Hallesque, aocontrario das outras
zonas que foram ate entao objeto de
certas descricoes psicogeograficas
(Continent Contrescarpe, zona das
Miss6es Estrangeiras), e muitissimo
an imado e conhecido, tan to pelos
parisienses quanto pelos estrangeiros
que passam a l g u m tempo na Franca,
Primeiro, vamos dar os!imites do
bairro tal como 0concebemos; as di-
visiies caracterizadas do ponto de vis-
t a das ambienc ias; as dire~ ii es que
somos levados a tomar dentro e fora
desse terreno. Depois, faremos algu-
mas propostas eonstrutivas.
o bairro Les Hailes, em termos de
divisao administrativa, e 0 segundobairro do primeiro arrondissement.
Situado no centro de Paris , tern con-
tato com zonas bern diferentes entre
s i. Sob 0 ponto de vist a da unidade
de ambiencia, 0 bairro pouco difere
de seus !imites oficiais e praticamen-
te se confunde, ao no rte, com 0 se-
gundo arrond issemen t . Consideramos
como frontetrns: n ·It·/llc, .1 ru a Saint-
Den is; ao 1 101 'I ', II I 11 1,1 ~1 S.1int-
SnllvI 1111'. , 1 1 , , 1 1 , , 1 1 , ( 110 ) 111"11 . , , ,1/1 run.
Herold e d 'Argou t; a oeste, a r ua da
Croix-des-Petits-Champs; e, ao suI, a
rua de R ivol i, que e preciso atraves-
sar, a partir da rua deArbre-Sec, pela
rua SaintHonore (ve r mapa n? 1).
Aarquit etura das ruas e 0 cenario
moven te que as complica du rante a
noi te podem dar a impressao de que
o LesHalles e urnbairro diffdl de per-correr, E ve rdade que, nas ho ras de
atividade noturna, 0 engarrafamen-
to de caminhoes, 0 amon toado de
engradados, 0 vaivern dos feirantes
com seus car rinhos motor izados ou
manuais impedem 0 fluxo do transi-
toe obr igam ospedes tres amudar de
percurso (0 que e muito tavoravel a
antideriva circular). Mas, a despeito
das aparencias, 0 bairro Les HaIles,
gra~as asvias de acesso que 0 circun-
dam ou cortam em todas as direcoes,
e urn dos mais faceis de explorar.
Quatro grandes vias atravessam 0
Les HaIles deponta a ponta e favore-
cer n sua distribu icao em zonas de
ambienc ia dis tint as , mas que se co-
municam: a mais importante das qua-
tro, no sentido leste-oeste, e a rua
Rambuteau que, por diversos prolon-
gamentos chega a regiao do Banque
de France ; a rua Berger, t ambern no
sent ido les te -oes te , a a travessa na
par te sul ; a rua do Louvre, no senti -
do norte-suI; a rua Les HaIles, no
sentido sul-leste-norte-oeste.
Existem muitas outras vias secunda-
rias de penetracao, como, por exem-
plo, asruas do Pont-N suf/Bal tard, em
on ta to om n mr"W'1 I l l'IIr]H('tdn do
S en , a trav s 101 '11111Ni l l I l ." 10111 tli
versos setores do nor te a traves das
ruas Montmartre, de Montorgueil e,
urn pouco menos, pela rua de Turbi -
go. Esta via deve ser considerada se-
cundari a par causa dos dois cor tes
relativos representados pela travessia
da rua de Rivoli e dos grandes predi-
os de Les Halles centrais.
A caracterist ica essencial do ur-
banismo do Les Hanes e 0 aspecto
ins tave l do tracado das l inhas de co-
municacao, decorrente das diversas
barreiras e das construcoes eferneras
que interferem de hora em hora na
via publica. Aszonas de ambiencia se-
paradas, que sao muito paree idas ,
acabam interferindo no mesmo lugar:
no complexo dapra~a dosDeux-Ecus /
Bourse du Commerce (rua deViarme).
Aprimeira zona, aleste, esta com-
preendida entre as ruas Saint-Denis,
de Turbigo, P ie rre-Lescot e a pra~a
Sainte-Opportune. E a zona depros -
tituicao, com uma infinidade debare-
zinhos. No fim de semana uma
multidao masculina muito pobre, vin-
da de outros bairros, procura-a como
lugar de laze r. Aoredor dapra~a dos
Innocents as mendigos fazem ponto.
o aspecto geral dessa zona e depri-mente (...).
Arua Saint-Denis marea urn corte
bern nit ido ent re essa zona e osba ir -
ros , a les te, de Saint-Merri /Saint-
Avoye, corte esse que permanece ate
a a rnbiencia do Les Hai les. Como 0
corte setorna mais pronunciado com
o bulevar de Sebastopol, 0 Plateau
S ni nt -M c rr i r e eb c m nos influ l1ei,
do r. N r [11111'11,1'lllp(Jr 1fill., IHfl II Ipn(.lll
81
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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l1J atlvidade economica do bairro (es-
In ionamento de caminhoes) pareca
ur n fator de integracao.
A segunda zona, ao su l, estende-
se entre as mas de Rivo l i / Arbre-Sec-
Saint-Honors e a rua Berger. Pelo
contato, diurno, com a efervescencia
comercial da r ua de Rivoli e com 0
mercado das flo res situado em Les
Hailes centrais, essa zona e, a noite,
animada e alegre. Nela se encontra amaioria dos restaurantes ebares fre-
quentados pelos t raba lhadores do
bairro.
A t erce ira zona, que f ica a les te
(entre a rua do Louvre e a rua da
Croix-des-Petits-Champs), e calma
tan to de dia quan to de no ite. Tudo
denota ordem, e a ativ idade de Les
Hai les vai diminuindo, ass im como a
ambiencia, de leste a oeste, para ees-
sa r tot almente diante do Banque de
France e na pra<;:ade Valois. Esta li-
nha fronteirica ja anuncia a proximi-
dade dos bairros ricos (Palais-Royal,
Opera). Aimpressao e deseestar num
bai rro residenc ia l qua lquer, e nao
num t recho do Les HaI les. Embora
passagens como a Galerie Vero -Doda tou a Cour des Fermes ap resentem a
ambiencia rnoven te e deem a essa
zona urn aspec to est ranho e indef i-
nido (...).
Arua da Croix-des-Petits-Champs
e um a tangente a unidade de
ambienda do Les Hailes. Seu interes-
s sta na s possibilidades de contato
( J1W o~-Y'c .s ob r tu do nas rmed iacoes
do rllzllrn n to d , p .ra ~a d os D eu x-
f ! rl lH ( (J I ll / 1 ru n til' Vlnmic. u anto ~
p r ac a das Victoires, onde ela desem-
boca ao norte, e um ponto fronteirico,
estranho ao Les Halles e que desen-
coraja 0acesso aomercado. A pra~a das
Vietoires e urn baluarte dos bairros
burgueses (no mesmo espirito da luta
de classes transposta para 0 urbanis-
r n o, c o nv e m citar 0 opressivo Palacio
de . Just ica de Bruxe l a s , limitrofe com
os bairros pobres),
Com a quarta zona, que constituio nor te do Les HaI les, chegamos it
parte mais extensa e sobretudo mais
celebre desse vasto eomplexo urbano.
Vejamos seus l imites . Primeiro a rua
Rambuteau, prolongada a oeste da
igreja Saint-Eustache pela rua
Coquil l iere , constitui a principal fa-
chada (0lado oposto dessa rua e 0ali-
nhamento dos pavilhoes de Les
HaIles centrals). A fronteira leste se-
gue a rua Pierre-Lescot, a rua de
Turbigo e vai ate a rua Saint-Denis. A
oeste, a zona acaba nas mas Herold-
d'Argout. Na parte setentrional,
alem da rua Etienne-Marcel, ha uma
linha fronteirica onde a influencia de
LesHalles, que diminui a medida que
se avanca para 0 norte, aparece atra-
ves das vias secundarias , em geral no
sentido sul-oeste-norte-leste,
como as mas Rousseau- Tiquetonne,
a rua do Jour con tinuada pela pas-
s agem da Reine de Hongr ie , a s ruas
Mauconseit-Erancaise. Esta zona
compreende ao mesmo tempo uma
regiao residencial paupe r r ima e os
restaurantes 1 1 ) , 1 ' 1 1 1(lIIIIIN" , a t r a c a o
do tur ism ! " I I I I I III 1 , 1 1 " 1 1 1 1 1 . "n : ur n in-
t(JI1DO ( 1 1 1 1 1 1 1 1 , 1 Vlillll.lt Ii" IIIIm 11-
Mapan" 2 - Fluxos internos e cornunicacoes externas doLes Hailes.
tos e uma impor tante i rnplantacao
administrativa (Hotel des Postes, Cen-
tro da EDF,rua Mauconseil, varias es-
colas). Taiselementos provocam uma
consideravel diferenciacao entre as
ambiencias diurna e noturna. Duran-
te a noite, e a zona que concent ra
quase todas as caracterist icas de di-
vertimento do Les Hanes, no sentido
burguss e tradicional do termo (.. .) .
A zona de interferencia central, a
plaque tournantc' das diversas dire-
yoes de ambienc ias do Les Hanes , e ,como ja indicamos, 0 complexo
Bourse du Commerce/Praca dos
Deux-Ems. Essa zona se encontra na
extremidade oeste do bloco constitui-
do pela justaposicao dos grandes pa-
vilhoes de Les Hanes centrai s. Mas
essas edificacoes nao agem como li -
ga~ao e sim como corte; a rua Careme
que as atravessa no sentido longitu-
dinal nao participa dessa relacao,
As diversas dlrecoes que se c ru-
zam nessa plaque tournante afetam
muito 0 itinerarlo que urn individuo
au gmpo deseje efetuar, com aparen-
te espontaneidade, dentro oufora do
Les Hanes (ver mapa n? 2).
Segundo a teori a das zonas con-
centricas urbanas, 0 Les HaIles faz
parte da zona de transicao de Paris
(degradacao social, aculturacao, rnis-tura depopulacoes , que Eo 0meio pro-
pieio a s trocas culturais). Sabe-se que,
no caso de Paris, essa divisao eon-
centrica se complica com a oposicao
leste-oeste entre asbairros mais po-
pulares e os bair ros burgueses, co-
merciais au residenciais. A l inha de
. A exp r G il u r,nn, I' n dU ll ll ll in u m mecanisme q u p er mit e d esviar a ro ta de um trem [lela
mudnneu QlI tllwl I' d "N I . Ilholi. p or n ll ft lo g in , ( 0 1 na o en d" p o lo s s it u nc lo ni st nu c om o f cr r III ·"I·n
VI'I~.,~11~ r l . V f t l i , I N ' I ' 1
83
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ruptura esta , no sul do Sena, no
bu l var Sain t-Michel, No norte do
Sena, ela se desvia l igeiramente para
oeste e passa pela rua da Croix-des-
Pe t it s-Champs, rua N o t re - Dame-
des-Victoires e seus prolongamentos.
No limite oeste do Les Hailes, 0
Ministers des F inances, a Bourse e a
Bourse du Commerce formam astres
pontas do triangulo do qual 0Barique
de France e 0 centro. As instituicoes
concentradas nesse espa~o restrito
fazem dele, pratica e simbolicamen-
te, urn perimetro defensive dos mag-
nificos bairros capitalistas. 0 projeto
CJ lLe visa a deslocar 0 mercado Les
Hailes para fora da cidade e mais uma
p rd a do setor popular de Par is que ,
hu cern anos, urn movimento conti-
I1U t en ta expul sa r para a periferia.
Ao contrario, urn novo espirito
social imp6e que esse espa~o seja con-
servado no centro de Paris para as
rnanifestacces de uma vida colet iva
liberta. Em lugar do comercio degerie-
ro s alimenticios, deveriam ser desen-
volvidas em larga escala tendencias
para 0jogo deconstrucao epara 0urba-
nismo movente, surgidas "das aguas
glaciais do calcu lo egoista". A primeira
medida arquitet6nica seria a subst i-
tuicao dos pavilhoes atuais por series
aut6nomas de pequenos complexos
arquitet6nicos situacionistas. Por
ent re essas novas a rqui te turas e em
seu entorno, correspondente as qua-
tro zonas que aqui descrevemos, de-
veriam ser construidos labirintos em
perpe tuo movimento com a a juda de
objetos mais apropriados que os en-
gradados de frutas e legumes que
constituem as {micas barricadas de
hoje.
Levado em conta 0 embruteci-
mento que 0 radio, a televisao, 0 ci-
nema e 0 resto man tern atualmente,
a expansao dos lazeres sob out ro reo
gime ha de suscitar iniciat ivas mais
ousadas. Se Les Halles subsistirern
ate 0 momento em que Esses proble-
mas forem evocados por todos , con-
vern propor que esse mercado se
torne urn parque de divers5es para a
educacao ludica dos trabalhadores.
Abdelhafid Khatib
I S n°2 . dezembro de 1958
E st e e st udo e sl a i na ca ba do e m va ri es po nt es f un da men ta is . e pr in ci pa ir ne nt e n o q ue
sa refere a caracterizacao das arnbiencias nas zonas sumar iamente def in idas. 1550
p or que no sso col ab or ad or fo i a ti ng id o p el os d ec re tos po li ci ai s q ue . d esde o me s d e
set ern br o. pr oi be m a os no rt e-a fr ican os a p er rn an sn ci a n as r uss a pe s a s 2 L30 h_
a essencia l do t rab al ho d e A. Khatib releria-se. e cla r e . a a rn bi en c ia n o tu r na do Les
Ho li es . D ep ol s d e t e r s ide d et id o e e nvi ad o d ua s vezes p ara " Ce ntr os d e ' Ir ia qer n", e le
v lu-se obr igado a dasisti r da exper iencia_ Par isso, tanto 0 pr nt quanto 0 futuro
politico nao podem ser abstraldos das con id r /I ro plio d pr6pria
J I ogoogrof lg.
QUEST IONAR IO
Voce tern algum conhecimento te6rico em ecologia humana? E em
psicogeografia? Quais sao esses conhecimentos?
2
Fez alguma experiencia de deriva? 0que pensa a respeito disso?
3
Qual e a natureza exata de seu conhecimento do bairro Les Halles (visi tas rapi-
das, frequencia assidua, residencia permanente)?
4
Concorda com oslimites da unidade de ambiencia tal como aparecem emnos-
so mapa? Que correcoes the devem ser fei tas?
5
A divis ao do Les Hal les em zonas dis tin tas parece- lhe deacordo com a sua ex-
psriencia no terreno? Que outras divisoes the parecem mais proximas dareal i-
dade?
6
Admite a existencia de p l a q ue s t o u rn a n t es psieogeograficas no meio urbano em
geral? E no Les Halles , em particular? Neste caso, onde as colocaria?
7
Consegue atribuir urn centro a unidade de ambiencia estudada? Emque pon-
to?
8
Como costuma entrar no Les Halles? E sair? (Desenhe eixos de progressao do-
minantes, exduindo 0 uso de quaisquer meios de transporte mecanicosl
9
Que direcoes costuma tomar quando anda dentro do Les Hail es?
10
Que s ntimrnt(), 0 ! .c:sHalles provoca em voce (setor por setor)? Por que?
85
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11
Que rnudancas na ambiencia notou voce em funcao ciahora?
12
Que t ipo de encontros teve no Le s Halles? E em outros lugares?
1 3
Que rnudancas arquitet6nicas the parecem necessarias no Les Halles? Para que
zona e em que direcoes, ve voce uma extensao dessa unidade de ambiencia?
Ou , ao contrario, a destruicao?
14
Sea atividade econ6mica do Les Halles for transferida para outro lugar, que
destino acha voce deveria ser dado a este bairro?
1 5
Tern voce as qualidades exigidas para ser psicogeografo?
II"
16
Se voce na o e situacionista, diga sucintamente 0 que 0 impede de se-lo,
Env ia r as respostas para A. Khatib, 32 , rua da Montagne-Sainte-Genevieve,P a r i s, s , m , ar rond i s s emen t .
InternacionalSituacionista
ISn °2 . d ez embro d e 1 95 8
T EO R IA D A D E RIV A
entre os diversos procedimentos si-
ruacionis tas, a deriva se apresenta
como uma tecnica depassagem rapi-
dapor ambiencias variadas. 0 concei-
to de deriva esta indissoluvelmente
l igado ao reconhecimento de efeitos
denatureza psicogeografica e a afir-
macae de urn comportamen to
ludico-construtivo,o que 0 torna ab-
solutamente oposto as tradicionais
nocoes de viagem e de passeio.
Uma ou var ias pessoas que sede-
diquem a deriva estao rejeitando, por
urn periodo mais ou menos longo, os
motivos dese deslocar e agir que C05-
t umam ter com osamigos, no t raba-
lho e no lazer, para entregar-se as
solicitacoes do terre no e das pessoas
que nele venham a encontrar. A parte
a leat6ri a nao e tao determinante
quanto seimagina: na perspectiva da
deriva, existe urn relevo psicogeo-
grafico das cidades, com correntes
constantes, pontos fixos e turbilhoes
que tornam muito in6spitas a entra-
da ou a sa ida de cer tas zonas .
Mas, em sua unidade, a deriva
contern ao rnesmo tempo esse dei-
xar-se levar e sua ccntradicao neces-
saria: 0 dorninio das var iacue s
psicogeograficas exercido por meio
do conhecimento e do ca l cu lo de
suas possibilidades. Sob este ultimo
aspec to , as dados res sa lt ados pela
ecologia - po r m ais l imitado que
seja a priori 0 lSlm~o social que esta
ci@nciaprct(J(ltil1 Iltll udnr 8,0 urn
apoio para 0 pensamento psicogeo-
graf ico,
A analise ecol6gica do carater ab-
so lu to ou relativ e dos recortes do
tecido urbano, do papel dos mic ro-
dimas, das unidades elementares in-
te iramente diferentes dos bai rros
ofi cia is, e sobretudo da acao domi-
nante de centres de atracao, deve ser
uti lizada e completada pelo metodo
psicogeografico. 0 terreno passional
objet ivo onde se move a deriva deve
ser def in ido de acordo com seu pro-
prio dete rminismo e com suas rel a-
c;:6escom a morfologia social.
Chombart de Lauwe em seu es-
tudo sobre P ar is e t l'agglomeration
par i s i e nne (Paris: PUF, 1952, col.
Bibliotheque de Sociologie Contem-
poraine) observa que "urn bairro ur-
bano nao e determinado apenas
pelos fatores geograficos e econ6mi-
cos mas pela representacao que seus
maradores e os de OUtIOSbai rros
tern dele"; e apresenta no mesmo li-
vro - para most ra r "aestreiteza da
Paris real onde vive cada individuo ...
geograficamente num perimetro de
ambito muito exiguo" - 0 tracado
de todos ospercursos e fe tuados em
urn ana por uma aluna do XV]em,
ar rond i s s emen t ; Esses percursos for-
mam urn t riangulo de dimensao re-
duzida, sem altemancias , cujos tres
apices sao a Ecole des Sciences
Politiques, 0 d or ni ci li o d a jovem e a
c as a d e sell professor de piano [ v er
87
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/apologiadaderiva 27/48
110
p.78, "Veneza veneeu Ralph Rum-
n y"],
Sem duvida tais esquemas -
exemplos de uma poesia moderna
apaz de produzir vivas reacoes afe-
t ivas (no caso, a indignacao de cons-
tatar que alguem pode viver desse
modo) , ou mesmo a teoria, proposta
por Burgess a respeito deChicago, da
divisao das atividades sociais em zo-
nas concentricas definidas - nao
contribuem para 0 progres so da de-
riva.
o acaso ainda tern importante
pape l na der iva porque a observacao
p si co ge og ra fi ca n ao e st a detodo con-
solidada. Mas a acao doacaso e natu-
ralmente conservadora e tende, num
novo contexto, a reduzir tudo a alter-
nancia de urn numero limitado de
varian tes e ao habito. Como a pro -
gresso consist ira, pela criacao de no-
vas cond icoe s mais favoraveis a nosso
d s lgnio, na ruptura deurn dos cam-
pos onde ocorre a acaso , e possivel
a fi rmar que os aeasos da der iva sao
fundamentalmente diferentes dos do
passe io , e que os primeiros atrativos
psic geograficos descobertos correm
o risco de fixar 0 suje ito ou a grupo
derivan te em tomo de novos eixos
habituai s, para osquai s tudo os leva
eonstan temente.
Por pouco desconfi ar do aeaso e
d ' se u uso ideologico sempre r e ac io -
n r ir l o, f r a ca s s ou a celebre de a r nbu -
ln lNo t ntada em 19 23 por quatro
surrc lisms a p, rti de uma c idade
qUI' 1'1( , 80r l( ', 1 ~ .111: ram inhar P r
IIIII! ,1Wp,lIloll Ill'lII d l W l d l l c1llpl'l
mente, e as possiveis intervencoss do
acaso , em tai s circunstancias, sao
rar is simas. Mas a fal ta de ref lexao e
levada bern mais longe em Med ium
(maio de 1954) , por urn certo Pierre
Vendryes que acha possivel comparar
esse episodic - porque tudo Faria
parte de uma mesma liher tacao
ant ideterminist a - com algumas ex-
periencias probabilistas , por exem-
plo, a reparticao aleatoria de girinos
de ra num cristalizador circular, a que
ele acrescenta a e s d ru x u la e x p li c a ca o :
"e precise, evidentemente, que esta
populacao nao receba de fora nenhu-
rna influencia diretriz", Em tais con-
dicoes, a vitoria sera dos girinos que
tern a vantagem de ser "inteiramente
desprovidos de intel igencia , de so-
ciabilidade e de sexualidade" e, por
conseguinte, "verdadeiramente inde-
pendentes uns dos outros".
No polo oposto a tais aberracoes,
o carate r princ ipalmente urbano da
deriva, no con tato com centr os de
possibilidades e de signiflcacoss que
sao asgrandes cidades transformadas
pela industria, procura responder a
frase de Marx: "O s homens n ao v ee mnada em tome de si que nao seja 0
pr6pr io r osto , tudo Ihes fala deles
mesmos. Ate a paisagem e algo vivo."
Pode - s e derivar sozinho, mastudo
indica quea distribuicao mais provei-
to sa ser a a que consiste em vario s
grup inhos de duas ou tres pessoas
com identi co ntvel de onsciencia,
c uj as o bs er va r < '!s r 0 onfron.t:adas
e lcvar , o t on! lUll "/1 ObJ('I'iv~.~, P .
d('~I'j v" l q\ll' .1 1 11 11 1110!I I 111 dl'1181'S
grupos mude de um a deriva para ou -
t ra . Acima de qu a t r o ou cinco parti-
cipantes, 0 cunho especificoda deriva
decai rapidamente e,se 0 grupo che-
gar adez ou mais, aderiva sefradona
em varias derivas efetuadas simulta-
neamente. Alias, a pratica deste ulti-
mo movirnento ede grande interesse,
mas as dificuldades que acarreta nao
permi ti ram ate agora que seja orga-
nizado na dimensao desejavel,
A duracso media deuma der iva e
a jornada, considerada como 0 inter-
valo de tempo compreendido ent re
doi s per iodos desono. Ospontos de
par tid a e de chegada, no tempo, em
relacao ao dia solar, sao indiferentes,
mas convern lernbrar que ashoras da
madrugada sao em geral improprias
a deriva.E s sa d u ra c ao media da deriva tern
valor apenas estatistico. Primeiro, eia
nao ocorre tao integralmente, pois os
interessados acabam destinando, no
in icio au no fim da jo rnada, uma ou
duas horas a o c u pa c o es banais; no fi m
de jomada, 0cansaco e a maior causa
desse abandono. Mas a deriva costu-
rna desenrolar-se em algumas horasdel iberadamente marcadas, ou a te
fortuitamente por breves instantes,
ou ainda durante varios dias sem in-
terrupcao. Apesar (las paradas impos-
tas pela necessidade de dormir, certas
derivas deintensidade suficiente pro-
longaram-se par d .o is ou t res dias, e
at mais. E verdad. e que , no caso de
uma s qu ncia d dle:rivasdurante urn
longo lw r(o rlo , ' _I'HW(, lmpossivel
c ll'II 'r t!lifl , nrn P I'I'! II. f1 () (1)011 ' ) '11-
to em que 0 estado de espirito ade-
quado a determinada deriva e subs-
tituido pm out ro . Uma sequenc ia de
derivas foi efetuada sem interrupcao
notoria por cerca de dois meses, 0que
nao deixou de trazer novas condicoes
objetivas de comportamento que pro-
vocaram 0 desaparecimento de mui-
tas das precedentes.
Embora real, a influencia devaria-
~oesdimaticas na deriva soe determi-
nante no caso de chuvas prolongadas,
que a tornam quase impossivel. Mas
astrovoadas ou outros t ipos defeno-
mcnos podem ate ser-Ihe propicios.
Ocampo espadal daderiva e mais
exa to ou vago de acordo com 0 obje-
t ivo dessa atividade, au seja,o estu-
do do terreno au resultados afetivos
desnorteantes. Nao convem esquecer
que Esses dais aspectos da deriv a
apresentam multiplas interferencias
e que e impossivel isolar urn deles
per fe it amente . Mas , a usa de taxis ,
por exemplo, oferece uma linha divi-
soria bern clara: sedurante uma deri-
va torna-se urn taxi, seja para urn
destino certo, sejapara urn trajeto de
vinte minutos na direcao oeste, e si-
n al de que a busca e de uma desam-
bientacao pessoaL Se 0 que importa
e a sxploracao direta de urn terreno,
aciona-se a pesquisa de urbanismo
psicogeografico.
Em qualquer caso, 0 campo espa-
cial e antes de tudo funcao das bases
de par tida const ituidas, para os su-
jei tos isolados, por seu domicil io, e,
para os gnlpos, p los pontes dereu-
n i, ( ) a c o lh td o s . A !X I ('118,,0 l i 1 6 . x i r n n
B 9
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'10
Ii. UI 1 1 11 11 " I' I),l( l.rl uflo ultrapassa
II IIIIIJIIIIIII t i l ' ur n grande cidade e
. ' H ( r 1 Nl lhu~bj ( )B .Sua extensao minima
IlIldl' f ( 11 ' llmirada a uma pequena uni-
rind· de arnbiencia: urn unico bairro,
eu urn unico quarteirao se valer a
pena (no limite extremo, a deriva-es-
t at ica deuma iornada sem sai r daes-
ta~ao parisiense de Saint-Lazare).
A ex pl o ra c a o de urn campo espa-
cial marcado sup6e portanto0
esta-belecimento de bases, e 0 calcu lo das
direcoes de penetracao, Aqui intervem
o estudo dos mapas, sejam oficiais,
sejam ecol6gicos ou psicogeograficos,
e a o r r e c ao e melhoria desses mapas.
Sera necessario dizer quea nao-fami-
liaridade com 0 bairro desconhecido,
iamais percorrido, nao interfere em
nada? Este aspec to do problema,
al m de insignificante, e totalmente
subjet ivo e na o persists por muito
tempo.
A parte de exploracao e minima,
s comparada a par te do comporta
mente inopinado, no "encontro pos-
sfvel", 0 individuo e solicitado a se
apresentar sozinho em determinada
hora e lugar que the sao marcados. Eleesta liberado doonus desagradavel do
.ncontro corriqueiro, ja que nao tern
c I. esperar por ninguem. No entanto,
como este "encontro possivel" 0 leva
inesperadamente a urn lugar que ele
conhece ou nao, ele observa as
ad j acenc ia s do entomo. Pode ocorrer
que t en ham marcado no mesmo lu -
g ar u rn o utr e "e nc on tr o p os si ve l" a al-
~u '1 '\1 u iaid ntidade ele nE W pode
pr v r , ' I' n lvoz . 11 W lr m C J L ICcl In u n .
tenha visto, 0que 0 leva a sedirigir a
varios passantes. Pode nao encontrar
ninguem, ou encontrar por aeaso
aquele que marcou 0 "encontro possi-
vel" . Seja como for, se 0 lugar e a hora
foram bern escolhidos, 0 tempo que 0
sujei to ai passar tera urn desenrolar
imprevisto. Pode ate pedir por telefo-
ne urn outro "encontro possivel" a al-
guem que ignore onde 0primeiro 0fez
chegar. Percebem-se os recursos qua-se infinitos deste passatempo.
Ass im , 0modo devida poueo coe-
rente, e ate certas brincadeiras con-
s ideradas duvidosas, que sempre
foram muito aprec iadas por nosso
grupo - como, por exemplo , ent ra r
de noi te em predios em dcmol lcao ,
zanzar decaron apor Pari s em dia de
greve dos transportes , pedindo para
i ra urn ponto qualquer no intui to de
aumentar a contusao, perambular
pelos subterraneos das catacumbas
cuja entrada e proibida ao publico -
sao decorrentes de urn sentimento
mais geral que cor responde exa ta -
mente aosentimento da deriva. 0 que
e possivel par por escri to sao apenas
algumas senhas desse grande jogo.As licoes c1.aderiva permitem es-
tabelecer os primeiros levantamen-
tos das articulacoes psicogeograficas
de uma eidade moderna. Alern do
reconhecimento de unidades de am-
bienda, de seus componentes funda-
mentais e de sua localizacao espacial,
percebem-se os princ ipal s e ixos de
passagem, as saidas e d f sas, Che-
ga-se a hipotcse ( ' 1 ' 111 rnl d(' plaques
t Ol Ar m m t m ; plli( IIH,'olli tlIIHI. MI'ci un
"_ Quem devoanunciar aosenhor duque?
_ 0 jovem que,certa noi te .a provocou no
Pont-Neuf. defronle a LaSamaritaine.
_ Estranha recomenda~ao!
_ Veraqueelavai ter s fa lto."
A. Dumas (OsIres mosqueteiros)
se as dis tancias que separam de fatoduas regi5es de uma cidade, dis tan-
cias bern diferentes da visao aproxi-
mativa que urn mapa pode oferecer.
E possivel estabelecer - com a ajuda
develhos mapas, fotos aereas e deri-
vas experimentais - uma cartografia
influencial quefalta ate 0mom ento, e
cujaincerteza atual, inevitavel ate que
se efetue urn imenso trabalho, nao e
pior que ados primeiros portulanos,
e com uma diferenca : nao se t ra ta de
delimitar exatamente continentes du-
ravel s, mas demudar a a rqui te tura e
o urbanismo.
As diferentes unidades de atmos-
fera e de moracl.ianao sao hoje muito
nitidas, e s im cercadas de margens
fronteiri~as mais ou menos extensas.A mudanca mais geral , que a der iva
leva apropor, e a diminuicao eonstan-
te dessas margens fronteiricas, ate
sua completa supressao.
Ate na arquitetura, 0 gosto pela
deriva leva a preconizar todo 0 tipo
de novas formas dolabir in to , que as
modernas possibilidades de constru-
~ao favorecem. Assim, a imprensa
assinalava ern marco de 1955 a cons-
trucao em Nova York de urn im6ve l
onde se podem no tar os p rimeiro s
sinais de uma oportunidade de deri-
va dentro de urn apartamento:
"Os apartamentos dacasa helicoi-
dal terao a forma de uma fatia de
bolo, Poderao ser aumentados ou di-
minuidos a vontade pelo deslocamen-
to de divis6rias moveis. A grada~ao
por meio-andar evita que se l imite 0
nurnero de aposentos: 0 morador
pode escolher 0uso da fatia seguinte
em nive! superior ou inferior. Tal sis-
t ema permite que se transforme ern
seishoras tres apartamentos de qua-
t ro eomodos ern urn apart amento de
doze comodos ou mais."
91
(Continua.)
Guy-Ernest Debord
IS n°2. dezembro de 1958 [1956]
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A PR OPOSITO DE N OSSOS ME IOS DE A C;AO E
PERSPECT IVAS
Ost res documentos que se seguem sao anotacoes do debate proposto por
Constant na Internacional Situacionis ta, no mes desetembro de 1958. 0 pon-
to 2 t raz a respos ta da posicao do comit s de redacao desta revis ta , apos uma
discussao com Asger Jorn.
"
Aoreler os textos de Jom ("Cont ra 0 funcionalismo", "Estrutura e mudanca"etc.) , parece-me evidente que algumas de suas ideias precisam ser rebatidas
d ir etamen te. Tais id eias, ber n como a ativid ade pictural, pare cern -me
indefensaveis diante da nocao do que pode ser 0 urbanismo unitario. Quanto
a historia da arte moderna, Jorn subestima a importancia pos it iva do dadaismo
C superestima 0 papel dos rornanticos (Klee) na antiga Bauhaus. Sua aborda-
gem da cultura industrial e ingenua e,segundo ele, a imagina~ao pertence ao
individuo isolado.
Nao aprecio 0primitivismo individualista na pintura como tarnbem nao
gos to da abs tracao e da arquit etura chamadas f ri as , embora se ja cos tume
ass inalar ent re essas duas tendenc ias uma controversia , que e fal sa e a rt i-
ficial.
A cultura industrial e maquinal e urn fato incontestavel e os procedimen-
tOB artesanais, inclusive a pintura das duas tendencias (anocao de arte "livre"
e um errol, estao condenados.
Arnaquina e urn mal indispensavsl para todo 0mundo, ate para os artistas,
e a industria e 0 unico meio de prover as necessidades, mesmo estet icas , da
humanidade na escala do mundo atual .
Ja nao sao "problemas" para os art is tas, e a realidade que eles nao podemig:norar impunemente.
Tanto os que desconf iam da maquina como os que a endeusam demons-
tram a mesma incapacidade de utiliza-la,
o trabalho maquinal e a producao em serie oferecern possibilidades inedi-
"as de cri acao , e quem souber colocar essas poss ib il idades a service de uma
imagina~ao ousada sera 0 criador de arnanha.
Os art ist as t ern a tarefa de inventa r novas tecnicas e de uti li zar a luz , 0
sorn, 0 rnovi rnento , e todas as invencoes em geral que possam inf lu ir nas
nmbi ncias.
.)"111 iS80, a integracao da arte na construcao do hAbil 'n,I 'humane ontinua
1111(1' l im , qutrncrn, om o [IS propos tas d. Gilles T V . 1 1 ) l ,
Dez anos se pas sa ram desde Cobra, e a hist6r ia da a rte chamada exper i-
mental mostra-nos osequivocos desse grupo.
Quando percebi i sso ha seis anos, abandonei a pin tura e Iance i-me numa
sxperienda mais eficaz, l igada a ideia do habitat unitario.
Acho que as dis cuss6es devern dir ig ir -se para esse ponto , que me parece
decisivo para 0 desenvolvimento da IS.
2
Nenhuma pintura e defensave l do ponto de vis ta s ituac ioni st a. Esse t ipo de
roblema j ii nao ent ra em pauta . No maximo pode-se dizer qu e determinada
pintura e aplicavel a tal construcao, Devemos bus car bern alem das express6esdivididas , alem mesmo de qualquer espetaculo (por mais complexo que este se
possa tornar). .
E c la ro que , so podendo agi r a par ti r da cul tura a tual , cor remos 0 risco de
confundir, compactuar e errar. Sea atualidade art is tica conseguisse impor al-
guns de s eu s valores a IS, asverdadeiras oxperiencias culturais da epoca seriam
tentadas noutro lugar.
Toda arte qu e se apega a uma liberdade artesanal ultrapassada ja esta veri-
c ida (Jorn assina lou esse aspec to reacionar io na Bauhaus) . No futuro, a a rt e
livre sera a que dominar e utilizar todas as novas tecnicas de condicionamento.
Fora des sa perspec tiva , 56 existe a escravidao do passado art ificialmente
reavivado, e a do comercio.
Estamos todos aparentemente de acordo quanta ao papel posi tivo da in-
dustria. E 0desenvolvimento material da ep o ca que criou a crise geral da cultu-
ra, e a possibi lidade detransforma-la na construcao unitaria davida pratica,
Aprovamos a formulacao: " tanto as que desconf iam da maquina como os
que a endeusam demonstram a mesma incapacidade de uti liza-la", mas acres-
centamos: "ede transforma-la". Nao sepode esquecer que setrata deuma rela-
~ao dialetica, Aconstrucao dos ambientes nao e apenas a apli,ca~.aoa ~xisten~iacotidiana de urn nivel art is tico permitido pelo progresso tecmco. E tambem
uma mudanca qua li ta tiva da vida, suscet ivel de t raze r uma reconversao per -
manente dos meios tecnicos.
Aspropostas de Gil lesIvain nao seop6em em nenhum ponto a essas co.nsi-
deracoes sobre a producao industrial moderna. Ao contrario, sao estabeleCldas
sabre essa base hist6rica. Sesao quimericas, e porque ainda nao dispomos con-
c re tamente dos meios tecnicos de hoje (ou se ja , na medida em que nenhuma
forca d organizacao social e capaz de fazer urn uso experimental "artist ico"
desses 1 l 1 t " I O I l ): ( ' n~o porque Esses meios nao existam ou porque os desconheca-
mos . Nil ", (lilj till, (r,'''n 8 n valor revolu inario d .sas reivindica. ,oes par
cnqlhl),11 II lilliI'" ,IN
93
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'Eraasso do movimento Cobra, assim como sua aceitacao postuma por urn
rt publico, se explicam pela expressao "arte chamada experimental". Cobra
pellsava que bastava ter boas intencoes, 0 s logan deuma arte experimental. Mas,
defate, e na hora em que seencontra esse s logan que as dificuldades comecam: 0
que pode ser, e como realizar, a arte experimental denossa epoca?
Asexperimentacoes mais eficazes tendem para urn habitat unitario, nao iso-
Jado e estatico, mas ern Iigacao corn unidades transitorias de comportamento.
A D EC L A RA < ;A O D E AM ST E R DA
Os onze pon to s abaixo, que propoem uma definicao min im~ da acao
situacionista, precisam ser discutidos como preparao;:aopara a tercelra confe-
rencia da Internacional Situacionista.
3
o ponto culminante denossa discussao parece-me situar-se no uso que propo-
mos da cultura presente.
Por minha par te , creio que 0 carater chocante exigido pela construcao de
arnbiencias exc lu i as ar te s t radicionai s como a pintura e a l it eratura, muito
desgastadas e incapazes detrazer alguma nova revelacao. Essas artes l igadas a
urna atitude mistica e individualista sao para nos inutilizaveis,
Logo, devemos inventarnovas tecnicas em todos os dominies, visuais, orais,
psico16gicos, para reuni-las mais tarde na atividade complexa que dara origem
ao urbanismo unitario,
A ide ia desubs ti tu ir asa r te s t radic iona is por uma a tiv idade mais ampla e
livre marcou todos osmovimentos art is ticos deste seculo, Desde os r ea d y m a d e
de Duchamp (apar ti r de 1913) , uma seri e de obje tos gra tu itos, cuja c ri acao
stava int imamente l igada a urn cornportamento experimental, entrecortou
a histor ia das escolas ar ti st icas . 0 dadai srno , 0 surreal ismo, De Sti j l , 0
construtivismo, Cobra, a Internacional Letrista procuraram tecnicas que su-
p rem a obra de arte . Para a lem das aparentes oposicoes dos diversos movi-
mentes deste secu lo, e isso que eles tern ern comum. E esse 0 verdadeiro
desenvolvimento da cultura atual , abafada pelo ruldo das quase vitorias nos
dorntnios da pintura e da literatura, que arrastarn sua agonia ate nossos dias.
Por interesses comerciais, a his t6ria da arte moderna foi incrivelmente de-
turpada, .J anao sepode se r tolerante . Quanto a cultura atua l, mesmo que te-
nha de ser rejeitada no conjunto, convem distinguir com severidade 0verdadeiro
do falso, 0 que e uti lizavel no momenta do que e comprometedor.
Acho que aspesquisas puramente formais , setransformadas deacordo com
nossos objetivos, serao muito uteis,
Deixemos aos coveiros oficiais a triste tarefa de enterrar as cadaveres da
xpressao pictural el i teraria. Adesvalonzacao doque janao nos serve nao e de
n ssa cornpetencia: deixemos que outros a facam.
Os situacionis tas devem opor-se em qualquer circunstancia asideologias e as
forcas ret r6gradas , na cul tura e em toda a par te onde se dis cute a questao do
sentido da vida.
2
Ninguem deve considerar sua adesao a Internacional Situaci~~ista como urn
simples acordo de principio: isso implica que 0 essencial da atividade de tod~s
os participantes deve corresponder asperspectivas elaboradas em,comum, as
necessidades deuma a<;:aoisciplinada, tanto doponto devista da pratica quanta
das tomadas de posicao publicas.
3
Apossibil idade de uma criacao unitaria e colet iva ja e anunciada pela decem-
posicao das artes individuais.
A IS nao pode apolar nenhuma tentativa de renova<;:iiodessas artes.
9 5
4
o programa minima da IS e a experiencia de cenarios completos , extensivel a
urn urbanismo unitario, e a busca denovos comportamentos condizentes corn
esses cenarios.
5o urbanismo unitario sedefine na atividade cornplexa epermanente que, cons-
cientemente, recria 0meio ambiente dohomem, segundo asnocoes mais evo-
luidas em todos os dominios.
6
A solucao dos problemas de moradia, detransi te, de divertimento s6pode ser
pensada ern correlacao com perspectivas sociais, psico16gicas e artfsticas con-
vergindo para uma mesma sintese, no ambito do est ilo de vida.
Constant
IS n O 2, rt 'I m bro (( 1958
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DUT RA C IDA DE PA RA DUTR A V IDA
Acrise dourbanismo se agrava. A
construcao debairros, antigos e mo-
demos, esta em evidente desacordo
com osmodos decomportamento es-
tabelecidos e,mais ainda, corn os no-
vos modos de vida que buscamos. 0
resultado e a a rnbiencia morna e es-
teril que nos cerea.Nosbairros antigos, asruas trans-
for rnaram-se em auto-es tradas, os
lazeres sao comercializados e dctur-
pados pelo turismo. 0relacionamen-
to social torna-se impossive !. Os
bairros recem-construidos apresen-
tam dois temas dominantes: 0 tran-
s ito decarros e 0conforto residencial.
Sao a minguada expressao da fel id-
dade burguesa, esvaziada de qualquer
preocupacao ludica,
Diante da necessidade de construir
rapidamente cidades inteiras, erguem-
se cerni te ri cs de c imento armado
cnde grande par te da popu l ac ao esta
condenada alevaruma vida muito en-
fadonha. Ora, para que servem as in-
criveis invencoes tecnicas do mundoatual se fal tam condicoes para delas
tirar proveito, senao conduzem aola-
zer, se ha carencia de imaginacao?
Desejamos a aventura. Como e
dificil encontra-la na Terra, ha quem
a procure na Lua . Apostamos antes
detudo esempre numa mudanca aqui
na Terra. Nossa proposta e de nela
eriar situacoes, situacoes novas. Que-
remos derrubar leis que impedem 0
desenvolvimento de atividades efica-zes para a vida e a cul tura . Estamos
no ! imia r de uma nova era , e e impe-
rativo ssborar ja a imagem de uma
vida mais fel iz e de urn urbanismo
unitario; urbanismo fei to para dar
prazer.
Nosso campo de acao e portanto
a rede urbana, expressao natural da
eriatividade coletiva, capaz de corn-
preender as forcas c ri adoras que se
l ibertam com 0declinio de uma cul-
tura baseada no individualismo.
Julgamos que as artes tradicionais
nao terao vez na criacao da nova
ambiencia em que queremos vivcr.
Estamos inventando tecniras no-
vas; examinamos as possibilidades
que as cidades existentes oferecern;fazemos maquetes e mapas para as
cidades futuras. Estamos conseientes
da necessidade de aproveitar todas as
Bairro deuma cidadetradicional.
Espaco quase social: a rua. As ruas.
formadas de modo IODleDpara 0 lransi-
to. sa o uti lized m'Jru1f1im nt como
lug r d on onlrn
invencoes tecnicas e sabemos que as
construcoes futuras que desejamos
precisarao ser suficientemente rna-
leaveis para corresponder a uma no-
~ aodinamica da vida, criando nosso
ambiente em relacao direta com mo-
dos de comportamento em constan-
te mudanca,
Nosso conceito de urbanismo e
portanto socia!. Opomo-nos a con-
cepcao de uma cidade verde, ondearranha-ceus isolados devem neces-
sariamente reduzir 0 relacionamen-
todi re to ea ac ao comum doshomens.
Para que exista uma relacao estreita
ent re ambiente e comportamento , a
aglomerac;:ao e indispensavel, Quem
pensa que a rapidez de nossos deslo-
camentos e as poss ib il idades de te -
lecornunicacao VaG dissolver a vida
em comum das aglomeracces conhe-
ce mal as verdadeiras necessidades
humanas. Contra a ideia de uma ci -
dade verde, que a maioria dos arqui-
t etos modernos adotou, l ancamos a
imagem da cidade coberta, onde 0
t racado urbano das vias expressas e
dos predios separados foi subst itui-
do por uma const rucao espadal con-t inua , a lt eada do solo , que conte ra
nao 56 grupos de habitacoes, como
tambern espacos publicos (perrnitin-
do modif icacoes de uso segundo as
necess idades do momento). Como
todo transite, no sentido funcional ,
passara por baixo ou pel .os terraces
superiores, a run r suprlruirla. Os inu-
m eres spa( n , 1 11 . lV l l/ 1 1 ~V I 'I I I C I ' IP C O l l 1 -
p5ell ' l n c lr il 1c il ' I tl ll ll ,1 1I 1 1 11 11 ( "l pn I' D
;:od,,1 ol1\plllll,l1l1 v"rl!l N,III 1 '11 ,1
J J t ~J1:[i':~--
Cidadeverde.
Unidades habitacionais isoladas. Espa-
~osocial minimo. os encontros s6 ccor-rem par acaso e individualmente, nos
corredores ou nojardim. 0 transite
domina tudo.
Princfpia de uma cidade coberta.
"Mapa" e s pa ci al , H a bi ta c ao c ol et iv a
suspense. estende-se sobre todaa
cidade e e separada da transite. que
passa abaixo e acima.
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11 6
ta de urn retorno a natureza nem da
i de ia d e viver num jardim, como fa-
ziam outrora osaristocratas solitaries:
vernos nessas imensas construcoes a
possibi lidade de veneer a natureza e
de sujeitar a nossa vontade 0 clima, a
i luminacao, os ruidos, nesses diver-
50S espa<;:os.
Se ri a tudo i sso urn novo funcio-
nalismo, que val destacar ainda mais
a vida uti li ta ri a ideal izada? Nao se
pode esquecer que, uma vez estabe-
lecidas as funcoes, elas sao seguidas
pelo jogo. Ha muito tempo a arquite-
tura tor nou -sc urn jogo do espaco e
da ambiencia. A cidade verde faltam
ambiencias, Nosso desejo e usa-las de
manei ra mai s consc iente, para que
cor respondam a todas as nossas ne-
e ssidades,
As c idades que desejamos no fu-
turo devern oferecer uma variabilida-
deinedita de sensacoes nesse sentido,
ejogos imprevistos tornar-se-ao pos-
siveispelo uso inventive de condicoes
materiais como 0 ar condicionado, a
sonorizacao e a iluminacao, . Iaha ur-
banistas que estudam as possibilida-
de s de harmoniza r a cacofonia que
impera nas cidades atuais. Em breve
se ra a iencont rada uma nova area de
cri acao , bem como para mui tos ou-
tros problemas que surgirem. Asvia-
gens espaciais , previsiveis , podem
influenciar esse desenvolvimento,
porque asbases a serern estabelecidas
em outros planetas logo despertarao
a pr blema dec idades- redomas, que
1.11 v 1. s > j C lf fi 0 tipo de nossos estudos
e l f ' u rbr n hr m 'n o f utu ro,
Antes de tudo, porern, a diminui-
~ao do trabalho necessaria a produ-
<;:ao,ela automatizacao ampliada, vai
c ri ar uma necess idade de lazeres ,
uma diversidade de comportamentos
e uma rnudanca de natureza des ses
comportamentos que levarao forco-
samente a uma nova nocao dehabitat
coletivo com 0maximo espaco social,
o oposto deuma cidade verde onde 0
espac;:osocial e reduzido ao minimo.
A cidade futura deve ser concebida
como uma construcao continua sobre
pilares, ou como urnsistema extenso
de construcoes diferentes, nas quais
sao suspensos locais de habitacao,
lazer etc., e locals destin ados a pro-
du<;:aoe a distribulcao, deixando 0
solo livre para 0transite e as reunioes
publicae. A aplicacao de materials
u lt ra leves e i so lantes , como os que
surgem atualmente, pcssibil itara
uma const rucao leve com suportes
bern espacados. De tal modo que se
poder a constitu ir uma cidade com
varias camadas: subsolo, terreo, an-
dares , t er races, cuja extensao pode
variar da equ ivalente a urn bairro
atual ate a de uma metr 6po le. Con-
vern no tar que numa cidade desse
t ipo a superf ic ie cons truida sera de
100% e a superficie l ivre de 200% (0
chao e os ter races) , ao passo que nas
cidades tradicionais esses valores sao
daordem de 80 % e 20%; e,na cidade
verde, essa relacao pode, no maximo,
ser invertida. Osterraces formam urn
ter reno ao ar l ivreque seest ende so-
bre toda a superficie da cidade epode
ser t r ansfo rrnn r l o 1'111 quadra s de es-
porte, campos de aterrissagem para
avi6es e hel ic6pte ros, e em espaco
para a vegetac;:ao.Serao de facil aces-
so por meio de escadas e elevadores.
Os diferentes andares serao divididos
em espacos que se comunicam, com
sistema de climatizacao, oferecendo
a possibilidade de criar uma variacao
infinita de ambiencias, facil itando a
deriva dos moradores e seus frequen-
t es encontros nao programados. As
ambienctas serao regular e deliberada-
mente mudadas, com aajuda detodos
os dispositivos tecnicos, por equipes
de criadores espedalizados, que serao
situacionistas profissionais.
Urn estudo profundo dos meios
de criacao de arnbiencias eda influen-
cia psico16gica dessas arnbiencias e
uma de nossas t arefas a tuais . Estu-
dos referentes irealizacao tecnica
das estru turas de sustentacao e de
sua estetica e a tarefa especifica dos
artistas plast icos e dosengenheiros.
A contribui<,:ao sobretudo destes ul -
timos e de urgente necessidade para
Corte transversal da cidade coberta.
As paries alias da cidade.
o progresso do trabalho preparat6-
rio.
Mesmo que 0 projeto que ac aba -
mos de tracar em grandes Iinhas seja
tachado de sonho irrealista, insis ti -
mos no fato de ser ele exequ ivel do
ponto de vis ta t ecnico , dese jave l do
ponto de vis ta humano, indispensa-
vel do ponto de vis ta social . A cres-
cente insat isfacao que domina toda a
humanidade chegara a urn ponto em
que se remos todos obr igados a exe-
cutar osprojetos para os quais dispo-
mos demeios de acao : e que poderao
contribuir para a realizar, :aode uma
vida mais rica e mais completa.
11 7
Constant
IS n° 3 . d e ze mb ro d e 1 95 9
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I ' "
A microderi va or ganiz ada ness e
labi rin to concen tr ado, devia corre s-
ponder a operacao de deriva atravss
de Amsterda. Dois grupos, cada um
formado por dois situacionistas, de-rivariam durante tres dias, ape ou de
barco (dormindo nos hoteis do per -
curs 0), sem deixar 0 centr o de Ams -
terda. Esses grupos, por meio de
walk i es- t a l k i es , manter-se-iam em
cornunicacao entre si, se possiveI, e
om 0 caminhao-radio da equips
car tograf ica, de onde 0 di re t or da de-
rlva - no caso, Constant -, deslo-
ando-so de modo a nao perder 0
contato, anotaria suas trajet6rias e
enviaria eventuais ins tru\=oes (cabe-
ria tarnbem ao diretor da deriva ter
preparado a experimenta\=ao de al-
guns l ocais e acont ec imen tos s ec re -
tamente dispostos).
Ess a ope ra \=ao de deriva, se fo ss e
acompanhada de levantamentos dote rreno a s er em in te rpr et ados post e-
r io rmen te nas sessoes de tr abalho de
urbanismo uni ta rio, e se alcanrasss
urn certo aspecto teatral com efeito
sobre a publico, tinha como principal
in tui to r ea li zar ur n jogo novo . E a IS
jl\ c o rn ec a ra p o r chocar a rot ina f inan-
Mapa dasestruturas dolabirinto naopreparado.
ceira ao inscrever no orcamento da
manifes ta<; :ao um salar io individual
de 50 florins por dia de deriva.
S6 a juncao das duas opera<;:oes
consegue evidenciar Sua natureza ino-
vadora . Portanto , a IS nao julgava que,
isolada, a deriva a ser efetuada em
Amsterda t ivesse bastante s igni fica-
do . As sim como nao convern edi fi ca r
o labir into no museu de determinada
cidade alema impr6pria para a deri-
va, Alias, 0propr io fa to de ut il iz ar um
museu comportava u rn t ransto rno es -
pec if ico, e a fa chada oest e do l ab ir in -
to de Amsterda era um muro
construido para nele ser aberta uma
brecha a guis a de entr ada: es se bura -
co no muro tinha sido exigencia de
nos sa s ecao a le rna, como ga rantia de
nao-submissao a optica dos museus.
Ass im , a IS ado tou em abril ur n proje-
to de Wyckaer t modif icando profun-
damente 0 usa do labir into estudado
para Amste rda , Esse labirinto nao
deve ser edif ic ado numa outra cons -
tru~ao mas, com mais flexibilidade e
em fuw;:ao direta das realidades urba-
nas, num te rr eno vago, ber n si tuado ,
da cidade escolhida, a fi m de ser 0
pont o de pa rt ida de de ri vas .
Internacion iStu, clonista
I 11 " Ii. unhn II 1960
T EOR IA DO S MO ME NT OS E C ON ST RUC;A o
DAS S IT U AC; OE S
"Esta in te rvencao se tr aduzi ri a, no ambit o da v ida cotid iana, poruma me lhor divi-
s ao de seus el ementos e de s eus in stant es nos 'mementos', de forma a intensificar
o rendimento vital da cot idianidade, sua capacidade de comunicacao, de infor rna-
cao , bern como e sobretudo de f ruicao da vida natural e sociaL A teoria dos mo -
mentos nao se situa portanto fora da cotidianidade, mas se articula corn ela, ao
juntarse com a cri ti ca , para nela int roduzi r 0 que t he fa lta . Sua tendenc ia s er ia de
superar, no cotidiano, numa nova forma de fruicao particular unida ao todo, as
velhas oposicoes entre leveza e falta de gra<;:a,entre seriedade e falta de seriedade."
Na idciaprograma aqui exposta
por Henri Lefebvre, os problemas da
cr ia cao da vi da cot id iana sao d ire ta -
mente considerados pela teoria dos
momen tos, que def ine como "modal i-
dades de presenca" uma "plural idade
de momentos relativamente privile-
giados", Que rela<;:oesexistem entre es -
ses "mementos" e as situacoes que a
IS se propos definir e construir? Que
uso e possivel fazer das relacoes ent re
Esses conceit os para realizar as reivin-
dicacoes comuns que surgem agora?
A situacao, como momenta criado,
organizado (Lefebvre expressa este de-
sejo: "0 ate l ivre se def ine pela capaci-
dade . ., de mudar de 'memento', numa
me tamorf os e, e ta lvez de cr ia- lo"), in-
c1ui ins tantes pereciveis - efemeros,
unicos, Ela e uma o rgan iz ac ao de con-
junto que dirige (favorece) tais instan-
tes casua i s , A situae! 0 construida esta
portanto n p tAprcl lvn, do momento
1 f b v ri r n o , ({1I1'"1II I)II.IIII!!. ma s
1 1 \ 1 1 1 1 , I ' 1 f v l l i I l Il r ll 1 / / ,' ,1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 11 1 I ' 1 1 1 1 1 1 an t
Henri Lefebvre (L a S om m e e t l e R es te )
e "memento". Assim, embora possa ser
r epeti da em ce rt a med ida ( como d ire -
~ao, "sentido"), nao pode ern si me rna
ser repet ida como 0 "memento".
A situacao, como 0momento, "pode
estender-se no tempo ou condensar-
se". Mas ela quer fundamentar-se na
objet ividade de uma producao art is ti -
c a. Tal pr oducao ar tis ti ca r ompe r ad i-
calmente com as obras duraveis. E
in sepa ravel de seu consumo imediato,
como valor de uso essencialmente aves-
so a conse rvacao sob a f orma de mer-
cadoria.
A di f icu ldade , para Henri Lefebvre,
e de estabelecer uma lista de seus mo-
mentes (por que citar dez, e n ao q ui n-
ze , ou vi nt e e c inco e tc . 7) A dificuldade
quanto ao "memento situacionista" e ,ao contrario, marcar exatamente 0seu
fim, sua t r ansfo rmacao em UIl1 t e rmo
diferente de uma seriede si.tl.lat;:Os-
ta l s er ie pode COI1StitUir um dOB !TIO-
mentes lcfebvrtanos 011 r n 1 ( 'l 'I 1po
m rto,
12 1
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/apologiadaderiva 34/48
Com efeito, 0 "memento" conside-
r ad o c omo c at ego ri a ge ra l r ee ncon-
travel impl ica afinal 0estabelecimento
deuma lis ta cada vez mais completa. A
s ituacao, mais ind iferenciada, p resta-
se a infinitas comb inacoe s . De modo
que nao e possivel definir exatamente
um a s ituacao nem sua fmnte ira. 0 que
vai caracterizar a situacao e sua praxis,
sua formacao deliberada.
Por exernplo , Lefebvre fa la do "rno-
mento do am or". Do ponto de vi sta da
criacao dos mementos, na 6pt ic a
situacionista, e preciso considerar 0
momento de determinado amor, do
amor d e d et ermina da pe ss oa . Quer di -
zer: d e d et ermina da pe ss oa em deter -
minadas circunstancias ,
o maximo do "momento constru i-
do" e a s er ie d e s it u ac b es ligada a urn
mes rno tema - este a r no r de deter-
m in ad a pe ss oa - (urn " tcma s it ua cio-
nista" e urn desejo realizado) . Isso e
particu la rizado , e irrepet ivel , s e com-
parado ao momento de Henri
Lefebvre. Mas muito extenso e relati-
vamente du r ave l se comparado ao ins -
tante unico-efemero.
Lefebvre, ao analisar 0 "momento" ,mos trou varia s condicoes fundamen-
t al s d o novo ter re no d e ac ao on d e a pa -
reee agora uma cultura revolucionaria.
Por exempl o, quando obser va que 0
momento tende ao absol uto, e dele se
clesfaz. 0moment o, como a s i t u ac ao ,
e a o m e s mo t em p o p roc l amacao do ab-
soluto e c on sc ie nc ia d a passagem. Esta
de fa to no sent ido da juncao do estru-
tural com 0con juntural ; e 0p ro je to d e
uma s ituacao constru ida pode tambem
ser defin ido como uma ten ta tiva estru-
tural na conjuntura.
o "memento" e sobretudo tempo-
ral , f az p ar te de uma zona de t emp o ra -
lidade, nao pura mas dominan te . A
situacao, e st rei tamente ar ti cul ad a no
lugar, e toda espaciotemporal (d. A.
Jam, sobre 0 espaco-t cmpo de uma
vida; A. Frank in , sobre a planif icacao da
existencia ind iv idua l) . Os momentos
constru idos em "si tuacoes" poderiam
ser conside rados como osmornen tos de
ruptura, de aceleracao, a s r e vo l u oi e s n a
v i da c o t id i a na i n d iv i du a l. Num n iv el es -
pacial rnais ampl o - mais social - ur n
urba ni smo que co rr esp onde be rn exa-
t ament e aos momentos de Lef ebvr e, e
it su a ide ia de o s e sc olhe r e de o s d eixa r
it vontade, se acha proposto com os
bairros "estados-de-espirito" (d. "For-
rnu la rio para urn novo urban ismo", de
G. lvain, IS n? 1), urn objetivo de
desal ienacao sendo buscado explicita-
mente no arran jo do "Ba irro Sin is tro" .
Enfim, 0 prob lema do encontro da
t eor ia do s momen to s com uma formu -
l aca o ope ra cion al d a c on st ru ca o de si -
t uac ce s s us ci ta a se gu in te p ergunta:
Qua l combinacao, qua is interacoes de-
v ern oc or rer en tr e 0 de se nrol ar ( e as
res surgencias ) do "memento natura!",
no sen tido de Henri Lefebvre, e c e r to s
elementos artificialmente cons truidos
- l ogo, i nt roduzi dos nesse desenro-
lar - e que 0 alteram quantitativa-
mente e ,s ob re tuelo, qualitativament ?
Inl III lei n l S i luac loni t,
I', n" . < \ , J l l I l h o d '960
D ES CR IC AO D A ZO NA A MA R EL A
vern notar , ali as, que em varies luga-
res passa-se b ru sc amente p ara 0 ar
livre.
Pode-se chegar a essa parte da ci-
dade po r vi a a erea , p oi s 0terrace ofe-
r ece c ampos d e a t er ri ss ag em; ou, p elo
nivel do solo, de carro; ou ainda por
trem subterraneo - de acordo com
as distancias a percorrer. 0 n iv el d o
solo, atravessado em todas as dire-
<;:5espor auto-estradas, nao t ern ne -
nhum predio, com axce ca o dos
pil ar es, que sust entam a ronstr ucao,
e de ur n edi ficio redondo, de seis an-
dares (A), que suporta a parte sus-
pensa do terrace. Ess es su por tes , e rn
tomo dos qua is foram prev is tas ar ea s
para 0 estacionamento dos meios de
transporte, rontem os e levadores que
levam aos andares da ci dade ou a sen
subsolo. 0 edif icio (A) , o nde fi cam os
services tecnicos, e se pa ra do do res -
to do quarteirao e so e acess ivel pelo
terrace ou pelo andar terreo Tuclo
12 3
Esse quarteirao, situado a mar-
gem da cida de , de ve s eu nome a cor
de gr ande part e do solo, sobretudo no
segundo andar a lcste. Essa particu-
laridade soma-se it a tmos fe ra a legre
que predisp6e 0 quar teirao a sua
adaptacao como zona de jogos. Os
diferentes niveis - tres a l est e, do is
a oeste - sao sustentados por uma
construcao metalica, a lteada do solo.
Para a sustentacao dos andar es e dos
predios internos utilizou-se 0titanic;
para 0 calcament o e 0 revestimento
das d iv isoria s e paredes , 0 nailon, A
leve za da construcao explica nao so0
emprego minimo de suportes, mas
t arnb ern uma g ra nd e f lex ib il ida de no
manejo das diferentes partes e a to-
tal supressao dos volumes . A constru-
~ao metalica pode ser conside rada
como base para urn arranjo d e e le -
mentos tipicos, mobeis, intercam-
b iave is , dssmontavcis, que favorecem
a variacao permanente do cenario
A dascricao que v ern a s egui r l im it a-
se ao quadr o geral do ar ranjo. A for-rnacao em niveis superpostos implica
que a maior parte da superfide deve
ser i luminada e d imatizada a rt if ic ia l-
mente. Mas nao quer isso dizer que
se t en ha t en ta do imi ta r as cond ic oe s
naturais, e sim tirade proveito dessa
circuns tancia, criando coudicces
c l ima t o lcg i c as o r n o da l id a de s de i lu-
m in c ao, Isse fn~ pl1tl(' iJ1\'('gt'ante
do a jol'lW til' IH l dJ I /I · l .i l ll l r l qU I ' 1 1 ,lJ um n
dntl'llrn 1'1 dl ~'IIIII 1111,1<,111, '1111
M a pa g er al d a z on a a m ar ela .
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C R fT IC A A D U R BA N IS MD
1 2
Os situacionistas sempre disse-
ram que "0 urbanisrno unitario nao elima doutrina dourbanismo mas uma
c ri ti ca aou rbanismo" (ISn? 3 ). 0 pro-
jeto de urn urbanismo mais moder-
110, mais progressista, cor icebido
como uma correcao da especializacao
urbanista atual e tao falso quanto, porexemplo, no projeto revolucionario,
essa supervalorizacao do momento
da tomada depoder, que e uma ideia
de e spec ia li sta que impl ica logo °e squecimento, e a te a repre ssac , de
todas as tarefas rcvolucionarias pro-
vocadas, a todo momenta , pelo con-
junto das atividades humanas
inseparaveis, Antes de sua fusao com
uma praxis rcvolucionaria generaliza-
da, 0 urbanismo e Iorcosamente a
primeiro inimigo detodas as possibi-
1idades davida urbana emn os sa e po -
ca. E ur n desses fragmentos do poder
socia l que pretendem representar
um a totalidade coerente e tendem a
irnpor-se como explicacao e organiza-
~ao totais, a s qua is ocul tam desse
modo a total idade soc ia l re al que os
produziu e que eles conservam.
Quem aceitar essa especializacao
do urbanismo coloca-se a service da
rnentira urbanists e social existente,
do Estado, para realizar urn dos mul-
ttplos urbanisrnos "praticos" possi-
veis: mas 0 unico urbanisrno pratico
pClI'G 1 1 6 8 , a qu ele q ue c ha ma mos de
u rbnniamo uni t a r io , e de ixado de
l ade, p! r~,'10 r lr o xir ,r " ~d< ,0 de
condicoes de vida muito diferentes.
Ha seis au oi to meses, ha uma
movimentacao, sobretudo de arqui-
tetos e capitalistas daAlernanha Oci-
dental, para lancar urn "urbanisrno
unitario" deimediato e ,aomenos, no
Ruhr. Comerdantes mal informados
e entusiasrnados por realizacces ra-
p ida s anunc ia ra rn, em feve re iro, a
abertura iminente de urn laborat6rio
de UU em Essen (como transforma-
cao dagaleriade arte Van deLoa). Foi
a con tragos to que publ ic ar am urn
desmentido, sob a nossa arneaca de
trazer a publico a fraude. 0 ex-
situacionista Constant, cujos colabo-
radores holandeses haviam sido
exduidos da IS por terem aceito a
construcao deuma igreja, propoe de
mesrno agora m a o ue te s d e [ d br ic a s em
seu catalogo editado em mar):o pelo
Museu Municipal de Bochum. Esse
habil individuo, entre dais au tres ph-
gios de ideias situacionistas mal com-
preendidas, oferece-se abertamente
como relacoes-pubilcas para integrar
as massas na civilizacao tecnica capi-
tal is ta e recrimina a IS como tendo
abandonado seu programa de trans-
formacao do meio urbano, do qual ele
permanece 0 unico defensor. Se for
nessas condicoes, e simiAlias, convemlembrar que foi essemesmo grupo de
ex-membros da s e c ao holandesa da IS
que, em abril de 19 .59 , AC op l5s t enaz-
mente a qlle (~:rSnd 1 11l1flfll' 11m "Apelo
~o s in t l ( l r t \ lnl~ IIIIIIN 11 . 1 ' 1 11lurl Y t · v o l u -
cicnarios", afirmando: "Essas pers-
pectivas nao dependem, para nos, de
uma derrubada revolucionaria da so-
ciedade atual cujas condirnes estao
auscntcs" (d. sabre esse debate IS
n? 3). Eles seguiram portanto logica-
mente a seu caminho. 0 mais curio-
sa e que a inda estejam tentando
atrair alguns situacionistas para in-
clui-los nesse tipo de tarefa. Pensam
e le s que nos de ixa remos leva r pe logosto da fama au pe lo engodo do lu-
era? A uma carta do diretor desse
museu de Bochum que propunha
uma colaboracao com a bur e au de ur-
banismo unitario de Bruxelas, Attila
Kotanyi r espondeu, em 15 de abr il :
"Pensamos que, se a senhor tern a l-
gum conhecimento do original, nao
pode confundir nossa optica critica
com a 6ptica apologetica que se es-
conde sob a copia da mesma etique-
ta" . E rejeitou qualquerpossibilidade
de discussao ..
Ate a mero fato deconhecer aver-
sao original das teses situacionistas
sobre a UU nao e facil. Nossos com-
panheiros alcrnaes publicaram, em
junho, urn n.imcro e special de suarevista ( S p u r n" 5) reunindo trechos
dedicados ao UU durante anos na IS
au na corrente que preparou sua for-
macae, sendo muitos desses textos
ineditos ou publicados em docu-
mentos hoje inace ss ive is ~ e todos
inedi tos em l ingua a le rna. Logo se
coristataram pressces sabre os
situadonis: MIl~Alcn i. inha, para im-
pcdtr 0 , p(\j('d IlIl"I! II 1'\tlllII!'fl lextoR
ou, , 1 ' , HIiIlI!ltl, 1 " 1 1 1 \ u l l l n i ; 1 1 1 I I , 1 11 'm
cao : de sde a bloque io de toda a t ira -
gem na grafica durante tres semanas,
ate ameacas extravagantes de pro-
cesso por imoralidade, pornografia,
blasfernia e incitacao a revolta. Ossi-tuacionistas alemaes nao cederam a
essas tentativas de intirnidacao, e
hoje a s ge rentes do urbanismo uni-
tario born-moco do Ruhr se devem
indagar se essa etiqueta e adequada
para lancar sua operacao,A contestacao da sociedade atual
no seu conjunto e 0 unico criteria de
uma iibertacao autentica, seja no
ambito das cidades, seja em qualquer
outro aspecto das atividades huma-
nas. Seassim nao for, a "melhora", "0
progresso", sera sempre destinado a
azeitar a sistema, a aperfeicoar a con-
dic ionamento que necessita ser de r -
rubado no urbanismo e em toda a
parte. Henr i Le febvre , no n" 3 da
R ev ue f ra n ~a is e d e s oc io lo gi e (jul-set.
1961) critica as falhas do proje to da
equipe dearquitetos e sociologos que
acaba depublicar em Zurique Di e n e u . e
Stadt, e in e S t ud i e fu r d a s P u r t ta l . Mas
essa critica nao nos parece suficiente
porque nao questiona com clareza 0proprio pape! dessa equipe de espe -
cialistas num contexto social doqual
elaaceita as irnposicoes absurdas, D e
modo que a artigo de Lefebvre ainda
da muito valor a trabalhos que podem
terutilidade emeritos, mas cujapers-
pectiva e ra dic a lm ente in im iga d a
nossa. 0 t itulo doartigo "Utopia ex
p er im en ta l: p er u rn novo urbani smo"
jl'l mOBI rn rodo 0 l'qulVrl o. P tl lo ( )
In~1'0([(1 tin lit ( J i l i n O)IIWlll1ll'I1[.d, I)n IIi
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/apologiadaderiva 36/48
Representacao em retevo da fun<;ao modularelfptica.
.1 "
cor responder de fato a seu proje to ,
deve eviden temente acambar car a
total idade, i sto e, sua execucao nao
cleve levar a urn "novo urbanismo",
mas a urn novo uso da vida, a uma
nova praxis revolucionaria. E a falta
de Iigacao entre 0 projeto de uma
transforrnacao passional da arquite-
tura e as out ras formas do condicio-
namento , e de sua recusa, na escala
detoda a sociedade, que faz a fraque-
za das teses de Feuerstein, publicadasno mesmo numero da revista da se-
~ao alema da IS, apesar do interesse
de varies pontos, particularmente a
110~aode bloco erratico, "represents-
c ;: aodo acaso e tambern a menor or-
garuzacso de objetos que engloba urn
acoritecimento ". As idei as de
Feuers te in que estao na l inha da IS,
s bre uma "arquitetura acidental", 56
pod ITl ser compreendidas ern todas
n ~ s ua s conseq tll~ncias e realizadas
por uma superacao do problema iso-
l ado da arqui te tura , e das solucoes
que the forem dadas abstratamente .
Tanto mais que, a partir deagora,
a crise do urbanismo e uma crise con-
cretamente social e polit ica, mesmo
que hoje nenhuma forca oriunda da
politica tradicional possa nela inter-
ferir. As banalidades medico-sociolo-
gicas sobre a "patologia dos conjuntos
habitacionais", 0 isolamento afetivo
das pessoas que nell's v ivern, ou 0desenvolvimento de certas reacoes
extremadas de rejeicao, principal-
mente entre osjovens, traduzem sirn-
plesmente 0fato deque 0capitalismo
moderno, a sociedade burocratica de
consumo, c om eca a m ode ler em tod a a
p ar te s eu p ro pr io c en ar io . Essa socie-
dade constroi, com as novas cidades,
o terreno que a representa exatamen-
te, que reune as condicoes mais apro-
priadas a seu horn fun ion, III nto; Do
mesmo tempo, ela traduz no espaco,
na lingua gem clara da organizac;:aoda
vida cotididana, seu principio funda-
mental de alienacao e de imposicao.
E tambern ai que se VaG manifestar
corn mais nitidez os novos aspectos
de sua crise.
ErnParis, em abril, uma exposicao
de urbanismo intitulada D em ain P a-
ris [Pa ri s amanha] apresentava na
rea lidade a defesa dos conjuntos
habitacionais ja construidos ou pro-
jetados para a periferia afastada. 0
futuro de Paris seria todo extrapari-
siense. Urn percurso didatico visava,
na primeira parte, a convencer as
pessoas (pr incipa lmente os traba-
lhadores) que Paris , como estat is ti -
cas perempt6rias provavam, era
mais nociva e inabitavel que qual-
quer outra capital conhecida. Devi-
am portanto mudar-se para outro
lugar, e a solu~ao feliz era apresenta-
dalogo a seguir, 56deixando dereve-
lar qual 0 pre~o efetivo a pagar agora
pela const ru~ao des sa zonas de rea -
grupamenta: por exemplo, quantos
anos de intensa escravidao econ6mi-
carepresenta acompra deurn aparta-
mento nesses conjuntos; e que
reclusao urbana perpetua representa,
depois, essa propriedade adquirida.
No entanto a pr6pr ia neces sida -
de dessa propaganda enganosa, a ne-
cessidade deapresentar tal explicacao
aos interessados depois de as instan-
cias oficiais terem dado urn veredicto
soberano, revela uma primeira resis-
tencia das massas. Essa resis tencia
devera ser' mantida I' esclarecida por
uma organiza~ao revolucionaria real-
mente decidida a conhecer todas as
13
A cidade de Mourenx.
S ao 12 mi t h ab it ant es , o sca sa do s re si de m n os b lo eo s h or izon tai s. o s sol te ir os . n as
torres. A di rei ta da toto. f ica 0 p equ en o b ai rro d os e )( ecut ivo s de n ive l me di c. com-
posto de casas ident icas. s imetr icamente div id ldas ent re duas lamfl ias. Mais adiante.
no bai rro dos executives de mais a ltos salar ios. hi! um Dutro tipo de casa destinada a
u m u ni co ocup an te. Os a lt os d iri ge nt es d o tr ab al ho e fet ua do em L acq mo ra m e m
Pau. Toulouse e Par is .
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/apologiadaderiva 37/48
II~
c ond i s d o c apita lis mo moderno e
a combate-Ias. As pesquisas sociolo-
gicas, cujo defeito mais redibit6rio ede 56 apresentar cpcoss entre as
rnfseras variantes doja existente, in-
dicam que 75% dos habit antes dos
conjuntos habitacionais desejam ter
casa com jardim.
Essa imagem mit if icada da pro-
priedade , no sentido ant igo, e que
havia levado, por exernplo, os opera-
rios da Renault a comprar ascasinhas
que desabaram sobre suas cabec,:as ,em junho, num bairro inteiro de
Clamart. Nao e pelo retrocesso a essa
ideologia arcaica de um estagio ultra-
pas sado do capit al ismo, que as con-
dicoes de habit at de uma soc iedade
que se torna agora toral it ar ia pode-
rao ser subst ituidas de fato, mas pela
Iibertacao de urn instinto de constru-
(:aoatualmente reprimido em todo 0
mundo: liberta~ao que, sem conquis-
tar o s outro s aspecto s de uma vida
autentica, nao leva a nada.
As dismss6es nas pesquisas pro-
gressis tas dehoje, referentes tanto a
poiit ica quanta a arte ou ao urbanis-
mo, est ao mui to a trasadas em rela-
c,:aoa realid ade que se instala em
todos os paises industrializados: istoe , a organizac,:aoconcentracionaria da
vida.
o grau de condicionamento exer-
cido sobre ostrabalhadores numa pe-
riferia como Sarcelles, ou rnais
expli ci tamente numa c idade como
Mourenx (fundada sobre 0 monoem-
pr ego da popu la~ao no complexo
petroquimico de Lacq) , prefigura as
condi~ es a partir da s quais, por t oda
a parte, 0 movimento revolucionarin
tera de lutar se souber reconstituir-se
no nivel das verdade iras c ri ses, das
verdadeiras reivindica~6es de nosso
tempo. Em Brasilia, aarquitetura fun-
cional revela 0 p l eno desenvolvimen-
to da arquitetura para funcionarios, 0
instrumento e 0 microcosmo da
Wel tan s chauung burocratica. Pode-se
constatar que, onde 0capitalismo bu-
rocratico e planificador ja construiu
seu cenario, 0 condicionamento e tao
aperfei~oado, a margem de escolha dos
individuos tao reduzida, queuma pra-
tica tao essencial para ele como e apu-
blicidade, que co rrespondeu a um
estagio mais anarquiro da concorren-
cia,tende a desaparecer na maioria de
suas formas e suportes. E possivel que
o urbanismo seja capaz defundir to-
das as antigas publicidades nurna uni -
ca publicidade do urbanismo. 0 resto
sera obtido por acrescimo, E tambem
provavel que, nessas condi~6es, a pro-
paganda pol it ica que foi tao for te na
primeira metade do seculo XX desapa-
reca quase totalmente e seja subst i-
tuida por urn ref lexo de rejeicao a
qualquer questao politica. Assim como
o rnovimento revolucionario devedes-
locar 0 problema para bern longe do
que era 0 antigo campo politico des-
prezado por todo 0mundo, 0poder es-
tabelecido coritara mais com a simples
organiza~ao do espetaculo de objetos
de consumo, que s6 terao valor
consumfvel ilusoriamente na med ida
e m q ue ti ve re m si do p ri me ir o o bje to s d e
espetdculc, Em Sa rcel l es ou em
Mourenx, as salas d espetaculo des-
s e novo mundo ja existem. Atomi-
zadas ao ex tr ema em torno de cada
aparelho de televisao, mas ao mesmo
tempo estendidas it dimensao exata
das cidades.
Se 0 urbanismo unitario designa,
como e nosso desejo, uma hip6tese de
emprego dos recursos da humanida-
de a tual para const ru ir l ivremente
sua vida, a comecar pelo ambiente
urbano, e perfeitamente inutil acei-
tar a discussao com quem nos per -
gun ta a que ponto el e e realizavel,
concreto, pratico ou possivel no con-
c re to a rrnado, pela simples razao de
nao exi st ir , em nenhum out ro lugar,
nenhuma teori a nem nenhuma p ra -
t ica referente a criacao das cidades,
ou dos comportamentos que the es-
tao ligados. Ninguern faz "urbanis-
mo", no sentido da construcao do
meio reivindicada por essa doutrina.
So existe um conjunto de tecnicas de
o consumo e sua encenacao.
"No contexte atual da propaganda de
consumo. a mistificacao fundamental
da publici dade e associar ideias de
felicidade a objelos (televisao, rnoveis
dejardim. autornovel etc.),rompendo
alias 0 vinculo natural queesses obje-
los possam ler com outros. parafaze-
los consl iluir antes demais nada um
meio material de 'alta cateqoria', Essa
imagem imposta dafelicidade constitui
o carater diretamenle lerrorista da
publicidade."
Notas editoriais daIS n°5.
integracao das p ssoas (te ni as qu .
resolvem e fe ti va r ne n te c o nf li to 0
criar novos confl itos , atualmente
menos conhecidos mas mais graves).
Essas t ecnicas sao manejadas ino-
centemente por imbec is au delibe -
radamente por policiais. E todos os
discursos sobre 0 urbanismo sao
mentiras tao evidentes quanta 0 es-
pa~o organizado pelo urbanismo e 0
pr6prio espaco da mentira social e da
exploracao reforcada. Os que falam
sobre os poderes do urbanismo ten-
tam fazer esquecer que eles s6 fazem
ourbanismo dopoder. Osurbanistas,
que se apresentam como educadores
dapopulacao, tiveram tarnbern de ser
educados - por esse mundo da alie-
nacao que eles reproduzem e aperfei-
coam ao maximo.
A nocao de centro dea t racao, na
arenga dos urbanistas, e 0 contra rio
da realidade, exatamente como tam-
bern 0 e a nocao sociologies de parti-
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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PR OG RA MA E LE ME NTA R DO BUR EA U DE
U R BA N IS MO U N IT A R IO
1. 0 vazio do urban ism o e 0 v az io d o e sp e ta cu L o.
o urbanismo nao existe: nao passa deuma "ideologia", no sentido definido por
Marx. Aarquitetura existe realmente tanto quanta a Coca-Cola: e uma produ-
<;aoenvolta em ideologia, mas real, satisfazendo falsamente uma necessidade
forjada; ao passo que 0urbanismo e comparavel ao alarido publicitario em tor-
no da Coca-Cola, pura ideologia espetacular. 0 capitalismo moderno, orgam-zado de modo a reduzir toda a v ida social a sspetaculo, e incapaz de oferecer
urn espetaculo que nao seja 0 de nossa pr6pria alienacao. 0seu sonho de urba-
nismo e sua obra-prima.
o csnario e seu usa.
Quatrahlstoriadores e centenas de milh5es dedolares. dizern. !oram empregados
este ana para recanstruir parte dacidade deAlexandria num descampado da Ingla-
terra. Masera para que Elizabeth Taylorai representasse Cleopatra. Como a atriz
ficou doente. nac puderam filmar nem aproveitar 0 terrena para outra coisa. Final-
mente Alexandria loi entregue a s chamas.
l J U
ipacao. Porque essas duas disciplinas
aceitam uma sociedade onde a parti-
dpacao s6pode ser dirigida para "a lgo
de que e impossivel participar" (pon-
to 2do P r o g ra ma E l eme n ta r ); socieda-
de que deve impor a necess idade de
ob jeto s pouco atraentes e que nao
saberia tolerar aatracao autentica sob
nenhuma de suas formas. Para com-
preender 0 que a sociologia nunca
compreende, basta considerar em ter-
mos de agressividade 0 que para a
. ociologia e neutro.
As "bases" preparadas para uma
v ida experimental d e que tr ata 0
programa de urbanismo unitario da
IS sao aomesrno tempo os locais, os
plant6es, do novo tipo de organi-
zacao revolucionaria que acredi-
tamos estar na ordem do dia do
periodo historico em que entramos.
Essas bases, quando existirem, terao
de ser subversivas . E a organiza~ao
revolucioriaria do futuro tera de
apoia r-se em inst rumentos menos
completos.
2 . 0 p La neja me nto u rb an o c om o c on dic io na me nto e fa Ls a
par t ic ipacao .1 3 9
Internacional Situacionista
IS n° 6, a go st o d e 1 9 61
o desenvolvimento do meio urbane e a educacao capital is ta do espaco. Ele re-
presenta a escolha deuma certa materializa~ao do possivel, com a exclusa.o.de
out ras. Tal qua l a este ti ca , da qua l vai s egui r 0 movimento de decomposicao,
ele pode ser considerado como urn ramo bastante descurado da criminologia.
Entretanto,o que 0caracteriza no ambito do"urbanismo" com referenda a seu
escopo simplesmente arquitet6nico e exigir 0 consentimento da populacao, a
integras:ao individual no desencadear dessa producao burocratica do condicio-
namento.Tudo isso e imposto por meio de uma chantagem, em nome da uti lidade .
Orult a-se que a impor tanc ia completa des sa uti lidade e posta a ser vice da
reedifica~ao. 0 capital ismo moderno levaa desistir de toda critica pelo simples
argumento de que e preciso ter u rn teto, assim como a telev isao passa sob 0
pre texto de que e precise receber inforrnacao e divertimento. E consegue apa-
gar a evidi 'ncia: essa informacao, esse divertimento e esse modo dehabitat nao
sao fei tos para aspessoas mas sao fei tos sem elas, contra elas.
Todo 0 planejamento urbano se compreende apenas como campo da publi-
cidade-propaganda de uma sociedade, isto e, a organizacao da participacao em
algo de que e impossivel participar.
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3 ,0 t ra ns it o. estagio s up rem o d o p la ne jam en to u rb an o. separados da sociedade. Nenhuma zona espaciotemporal e cornpletamente se-
para vel.De fato, a sociedade global sempre exerce uma pressao sobre suas atuais
"reservas" deferias. A pressao tera urn sentido inverse nas bases situacionistas,
que farao 0papel de cabecas-de-ponte para invadir toda a.vida.cotidiana, 0 ur-
banismo unitario e 0 oposto da atividade especializada; e reconhecer urn domi-
nio urbanistico separado ja e reconhecer toda a mentira urbanistica ea mentira
na vida em geral.
ourbanismo promete a felicidade. Elesera julgado por essa promessa.A COOf-
denacao entre osmeios artisticos dedenuncia e osmeios cientff icos dedenun-
cia deve levar a completa denuncia do condicionamento existente.
o tr~l1sito e a organiza~ao do isolamento de tcdos. Constitui 0problema pre-
ponderants das cidades modemas. E 0 avesso do encontro: urn sugador das
energias disponiveis para eventuais encontros oupara qualquer esperie depar-
tictpacao. Tornada impossiveI, a participacao e compensada sob forma de espe-
taculo. 0 espetarulo semanifesta no habitat enos deslocamentos (alto padrao
de moradia e de car ros pessoa is ). Porque, de fa to, nao semora nurn bai rro da
cidade, mas no poder . Mora-se em determinado grau da hierarquia. No topo
dessa hierarquia, a escala pode ser medida pela intensidade do transito. 0 po-
der se mater ia liza na obrigacao de estar presente cotidianamente em lugares
cada vez ma is numerosos (jantar es de negocios) e ma is d istan te s ent re s i.0alto dirigente moderno e identifica.do como0homem que num rnesmo dia pas-
sa por tres capita is diferentes.
6. 0 desembarque.
4. 0 d is ta n ci amen to em relacao ao espetaculo urbano.
Todo 0 espaco ja esta ocupado pelo inimigo, que domesticou a seu uso ate re-
gras elementares desse espa~o (alern da jurisdicao: a geornetria). 0 momenta
de surgimento do urbanismo autentico sera0de criar, emcertas zonas, 0vazio
dessa ocupacao, 0 que chamamos de construcao comeca ai. Pede ser entendida
com a ajuda do conceito de "buraco positive" forjado pela fisica moderna ..Ma-
ter ia lizar a liberdade 12,primeiro, tirar de urn planeta domesticado algumas
parcelas de sua superficie.
' 1 1 0 0Atotalidade do cspetaculo que tende a integrar a populacao semanifesta como
planejamento das cidades e como rede permanente de informa~6es. E urn en-
quadramento solido para. manter as condicoes existentes de vida. Nosso pri-
meif0 trabalho e dar a s pessoas a possibilidade de nao se identif icarem corn0
meio ambiente e com as condutas-modelo. Isso e inseparavel da possibilidade
de reconhecerem-se livremente em algumas zonas iniciais delimitadas para a
atividade humana. Durante ainda muito tempo as pessoas terao de aceitar 0
psncdo reificado das cidades. Mas a atitude corna qual elas0 aceitem pode ser
mudada desde ja, Convern prop alar a desconfianca para com osjardins da infan-
cia arejados e color idos que constituem, a Leste como a Oeste, novas cidades-
dorrnitorio. S60despertar das consciencias charnara a baila a questao de uma
construcao consciente do meio urbano.
7 . A lu z do desv io .
o exercicio elementar da teoria do urbanismo unitario sera a transcricao de
toda a mentira teorica dourbanismo, desviado no intuito dedesalienar : a cada
instante temos de nos defender da epopeia dos trovadores do condicionarnen-
to, temos de inverter-lhes os ritmos.
5. Uma I ib e rd ade i nd iv is fv e l.8 , C o n di co e s do dia loqo.
o principal exito doatual planejamento das cidades e fazer esquecer a possibi-
lidade do que chamamos urbanismo unitario, isto e , a critica viva, alimentada
pelas tensoes de toda a vida cotidiana, dessa manipulacao das cidades e deseus
habil 'a l1l 'e.~,Crit ica viva quer dizer 0 estabelecimento de bas s pn rn um a vida
experimental: r cu n ia o d e g en te que cr ia sua p rop r ia vidl1('In 1 1 ' 1 1 1 ' 1 1 1 1 1 1 p r rpa ra -
dOli p , 1 r n nt[nl\il' ess objctivo. 'lais bases 1 1 1 . 1 0 podr.n111(,r !I'N111V i l i l 1/1II, "1.1~.i'I'CS"
FuncionaI e 0 que e pratico. E 56 e pratica a solucao de nosso problema fun-
damental: a realizacao de nos mesmos (afastarrno-nos do sistema de isolamen-
to) . Isso eo util eo utili tario, Nada mais. Todo0 resto s o representa derivacces
minimas do pratico, sua mistificacao,
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9. Materia-prima e transforrnacao.P E RS PE C TIV AS D E M O DIF IC A C;O E S C O NS CIE N T ES
N A V ID A C OT ID IA N Adestruicao s,ituacionista do condicionamento atual jii redunda na constru~ao
d situacoes. Ea liberacao das energias inesgotaveis contidas na vida cotidiana
petrificada. 0 atual planejamento das cidades, que se apresenta como uma
geologia da menti ra , dara lugar , com a urbanismo unit ar io , a uma tecnica de
defesa das condicces sempre arneacadas da liberdade, no momento em que os
indiv iduos - que como ta l ainda nao existern - construirem livremente sua
pr6pria hist6ria.
Estudar avida cotidiana seria uma
ta re fa r id icula, e condenada a nada
apreender de seu obje to , se t al pro-
posta nao fosse expli ci tamente a de
estudar a vida cotidiana para trans-
forma-laoA c or if er en ci a - e xp os ic ao de cer-
tas consideracoes intelectuais a urn
audit6rio, como forma banal das re -
lacoes humanas num amplo se tor da
sociedade - tamb ern faz parte da
critica da vida cotidiana.
Os sociclogos, par exemplo, tern
a costume de ret irar da vida cotidia-
na e rejeitar para esferas separadas-
chamadas superiores - a que lhes
acontece a cada momenta. E 0habito
sob todas as formas, a comecar pelo
habito do manejo de a lguns conce i-
tos p ro fi ss io na is - produzidos por-
t anto pela div isao dot raba lho - , que
mascara a realidade sob convencces
preexistentes.
E por is so dese jave l que se mos -
tre, por uma Ieve d istorcao das ex-
press6es correntes, que a vida
cotidiana e mesmo esta aqui. E claro
quea transmissao destas palavras por
meio deurn gravador nao vai i lustrar
a integracao dos recurs os tecnicos na
vida cot id iana margina l ao tecni-
cismo, e sirn aproveitar uma ocasiao
para romper co rn as aparencias de
pscndocolaboracao do dialogo artifi-
,1, iI , ' I " " I l ca r n i n st i tu i d a s entr 0
10. F im da pre-historla do cond ic ionamento.
Nao preconizamos que se deva voltar a urn estagio anterior ao condicionamen-
to, e sim que seva alern dele. Inventamos a arqui te tura e 0urbanismo que sao
irrealizaveis sem a rcvolurao da vida cotidiana; isto e, s em a apropri acao do
condicionamento por todos oshomens, para que melhorem indefinidamente ese realizem.
Att il a Kotanyi e Raoul Vaneigem
15 n' 6. a90510 d e 1 96 1
pnr" qualquer in fo rma~ao referents ao u . u .
B UREAU DE U RB AN ISM O U NITAR IO
1 0, "V~11I10 e l ,· I 'O , · ,I e , I I r u x ' 1 l~1 l - T · I · fe)ne : 49 .26 .57
-
conferencista "presents pessoalmen-
te" e seus espectado res. Essa leve
rup tu ra de uma comodidade pode
t ransformar em quest ionamento da
vida cotidiana (questionamento que,
de outro modo, sera totalmente abs-trato) a propria conferencia, como
out ras t antas disposicces do uso do
tempo, ou dos objetos , disposicoes
que sao consideradas "norrnais", que
nem percebemos, mas que no fundo
nos condicionam. A respei to de urn
pormenor como esse, como a respei-
to do conjun to da vida cotidiana, a
modificacao e sempre a condicao ne-
cessaria e suficiente para fazer surgir
experimentalmente 0 objeto de n08-
so estudo, que sem isso perrnanece-
ria duvidoso; objeto quenao e 56para
estudar, e s im para modificar . .
Acabei de dizer que a realidade de
urn conjunto obse rvavel que ser ia
designado pela expressao "vida co"
tidiana" corre 0risco de continuarhi-
poteti ca para muit a gente . De fato,
desde que este grupo de pesquisa se
constituiu, 0mais surpreendente nao
e que a inda nao tenha encontraclo
nada, mas que a contestacao dapro-
pri a exi st encia da vida cotidi ana s
tenha manifestado desde 0primeiro
instante; e,a cada encontro, con t i l l I(!
a se conf irmar , A m aio ria da s fa la s
que ou vim os nes sa d is usaao 'H ! : 'I on
de pe8~(),ul que n~() 'Sl~(I n n d n 1011
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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v midas deque avida cotidiana exis-
ta, por nao a terem encontrado em
l u ga r algum. Urn grupo de pesquisa
sabre a vida cotidiana guiado por tal
ich~iae comparavel a uma expedicao
que parte em busca do "abominavel
homern das neves" e chega a conclu-
sao de que se tr ata de uma pilheria
folclorica.
Todoa mundo esta porern deacor-
do em que cer tos ges tos repet idos a
cada dia, como abrir aporta au encher
urn capo, s ao per fe it amente rea is ;
mas esses gestos estao num plano tao
trivial da realidade que se contesta,
com razao, quepossam justificar uma
nova especialiaacao da pesquisa so-
c io logica. E var ios sociologos parecem
pouco inclinados a imaginar outros
aspectos davida cotidiana, a partir da
definicao de Henri Lefebvre, isto e, "a
qu e rest a quando se ret iram do vivi-
do todas as atividades especializa-
das", Descobre-se entao que a maioria
do s sOciologos - e todos nos sabe-
mas como eles gostarn das atividades
special izadas e nelas acreditam ce-
garnent s! - reconhece at iv idades
especializadas em tudo, e a vida coti-
diana em lugar nenhum. A vida co-
t idiana esta sempre mais alern. Esta
com as out ros. Em todo 0 caso, nas
das es na o sociologicas da popu l ac ao .
Alguem disse que seria interessante
estudar os operarios , como cobaias
prov velmente inoculadas com a vi-
rus da vida cot id iana , poi s el es , par
nao rcrem acesso a s atividades espe-
I a l tzadas , s6 t 11 1 a vida cotidiana
l I [ 1 r . 1 vJ","'r. 1 \ 8 . ' 1 ( ' modo de se d ebrucar
sobre a povo, em busca de um len
gin quo primitivismo do cotidiano; e
sobretudo esse contentamento es-
cancarado, essa arrcgancia ingenua
depart icipar de urna cultura da qual
ninguem consegue disfarcar a indis-
cutivel talencia, a radical incapacida-
de de compreender a mundo que a
produz, tudo isso e assombroso,
Existe uma vontade manifesta de
proteger -se par t ras de uma forma-
<;:aodo pensamenro que se baseou na
segmenta~ao de dominios artificiais,
a fim de rejeitar 0conceito inutil, vul-
gar e inc6modo de "vida cotidiana".
Tal conceito abrange urn residuo da
realidade catalogada e classificada, re -
siduo com 0 qual alguns nao gostarn
de se confrontar, porque e ao mesmo
tempo 0 ponto de vis ta da total ida-
de; implica a necessidade de um jui-
zo global , de uma poli ti ca. Certos
intelectuais parecem vangloriar-se de
sua participacao pessoal no setor do-
min ante da sociedade, par possuirem
uma au varias especializacoes cultu-
rai s; i sso porern as coioca no lugar
ideal para perceberem que toda a cul-
tura dominante esta nit idamente rei-
da pelas t racas, Mas, s eja qua l for a
opiniao que se tenha sobre a coeren-
cia dessa cultura ou sobre seu interes-
s e, em detalhe , a al iena~ao que e la
irnpos aos ditos intelectuais e defazer
com que eles sejulguem, do C eu dos
sociologos, como totalmente alheias it
vida cotidiana das populacoss comuns
ou situados no tapa d a e sc a la do po-
der humano, como R r. rlt'H 1 Mc.lb(-Illoiio
foss In u n s p o lmw I l l l ld i l~ ,
E verdade que as atividades espe-
cializadas existern: tern ate, em certa
epoca, urn uso geral que sempre con-
ver n reconhecer de modo desmi-
tificado. A vida cotidiana nao e tudo,
embora esteja em osmose com asati-
v idades espec ia lizadas a ponto de,
sob cer to aspecto, nunca ninguern
estar fora da vida cotidiana. E, se re-
corrermos a conhecida representacao
espacial das atividades, a vida coti-
d iana tera de ser colocada no centro
detude, Nela seinicia cada projeto, e
cada realizacao a ela retorna em bus-
ca de uma verdadeira s ignif icacao, A
vida cotidiana e a medida de tudo: da
realizacao - au rnclhor, da nao-rea-
l izacao ~ das rel acoes humanas : da
utilizacao dotempo vivido; dapesqui-
sa na arte; da politica revolucionaria,
Convern relembrar que 0 velho
estereotipo cientifico do observador
desinteressado Eo urn ardil . Nocaso, a
observarao desinteressada Eo ainda
menos possivel que em qualquer ou-
tra situacao. 0 que torna dificil 0 re-
conhecimento de urn terreno da vida
cotidiana nao e apenas 0 fato de e le
ja s er 0ponto deencontro deuma so-
ciologia empirica com a elaboracao
conceptual, mas tambern de ser nes-
te momento 0 desafio de toda a r e-
novacao revolucionaria da cultura e
da politica,
A vida cotidiana nao criticada sig-
nifica a prolongamento das forrnas
atuais, profundamente deterioradas,
da cultura e da pol it ica , formas cuja
gmvlssima crise, sobretudo nos pa i -
I 'll Ilililnmorlernos, B e t ra d u z p la
despolitizacao epelo neo-analfabetis-
rna generalizados. Em compensacao,
a cr itica radical, e par atos, da vida
cotidiana existente pode levar a uma
superacao da cultura e da polit ica no
sentido tradicional, isto e , a urn nivel
superior de participacao na vida.
Mas, pode alguem perguntar, por
que essavida cotidiana, que a meu ver
e a unica rea l, e t ao completa e ime-
diatamente depreciada por pessoas
que, a fina l, nao tern nenhum inte-
resse dire to nis so e sao, na maioria,
favoraveis a uma renovacao do rnovi-
menta revolucionario?
Julgo que e por esta r a vida coti -
diana organizada dentro de parame-
tros de uma pobreza escandalosa. E
sobretudo porque essa pob reza da
vida cotidiana nada tern deacidental:
Eo uma pobr eza imposta a todo mo-
menta p e la c o ac a o epela violencia de
uma sociedade dividida em classes;
pobreza organizada historicamente
deacordo com asnecessidades da his-
toria da exploracao,
o usa davida cotidiana, no senti-
do deurn consumo do tempo vivido,
e comandado pela predorninancia da
rar idade: rar idade do tempo livre e
raridade dos possiveis modes de uti-
Iizar esse tempo livre.
Assirn om a hist ri. <1CL'lurnt1[1
d ' nO~~ : 1 (lplIe I I I " hlill Orl.l <In nn im u
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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1M
la~il.oe da industrializacao, 0 atraso
davida cot id iana e sua tendencia ao
imobilismo sao 0 produto das leis e
dos interesses que comandaram essa
industrializar ao. A vida cotidiana
apresenta de fato , a te 0 momento,
uma res ist encia ao que e hist6rico.
Isso ju lg a a nte s d e tu do 0 h is to r ico ,
comoheranca eprojeto deuma socie-
dade de exploracao,
Aenorme pobreza da organizacao
ccnsciente, a falta de criatividade das
pessoas na vida cotidiana express am
a necessidade fundamental de in-
consciencia e de mistificacao numa
sociedade exploradora, numa socie-
dade da alienacao.
Henri Lefebvre apli cou uma ex-
tensao da ideia de desenvolvimento
desigual para earacterizar a vida co-
tidiana, d escompassada mas nao
cor tada da his tori cidade , como urn
setor atrasado. Acho que se pode
qualificar esse nivel da vida coti-
diana como setor colonizado. Todos
sabem que , na escala da economia
mundial, 0 subdesenvolvimento e a
colonizacao sao fatores que intera-
gem . Tudo leva a cr er que 0mesmo
acontece na escala da formacao eco-
nomico-social da praxis.
A vida cotidiana, mistificada par
to do s o s meios e controlada pol icial -
mente, e uma especie dereserva para
osbons selvagens que fazem funcio-
n a r , s e tn c o r np r e en d e -l a , a sociedade
rncderna com 0 rapido erescimento
d S L!S poderes tecnicos e a expan-
H l l o f or ca da d 's u 1 1 1 rc a d o, A h i st o -
1 ' 1 1 1 h it II l, n I r n n ~f ol '1 n ll< ; , n do r e a l
- nao e utilizavel atualmente na vida
cotidiana porque 0 homern do cot i-
diano e 0produto deuma hist6ria que
ele nao controla, E ele quem faz essa
hist6ria, mas na o livremente.
A sociedade moderna se constitui
de fragmentos especializados, pratica-
mente intransmissiveis, e a vida coti-
diana, na qual quase todas asquestoes
surgem demodo unitario, torna-se na-
turalmente a reino da ignorancia.
Essa sociedade, atraves de sua
producao industrial, esvaziou 0 sen-
tido dos gestos do trabalho, E ne-
nhum modele que esses gestos
humanos ja tiveram pe rdu r a em nos-
so cotidiano.
Tal sociedade ter n tendencia a
atomizar os homens em consumido-
res isolados, a proibir a comunicacao.
A vida cotidiana torna-se assim vida
privada, dominic da separacao e do
cspetaculo.
Detal forma que a vida cotidiana
e tambem 0 terreno do qual os espe-
cialistas abdicam. E nela que, por
exemplo, urn dos raros individuos
capazes de compreender a mai s re-
cente imagem cientifica do universo
torna-se estupido e considera atenta-
mente as t eori as a rti st icas de Ala in
Robbe-Grillet , ou envia peticces ao
Presidente da Republica a fim de in-
fluir em sua polit ica. E a esfera da
ausencia de reacao, da confis sao da
incapacidade de viver.
N ao se deve portanto caracterizar
o subdesenvolvirncnro da vida coti-
diana apenas po n u n r t- lu tl vn inca-
pacidad r\, l IlllI 'fllll1 I Illl.ll1rl. ERSO
aspecto e urn produto importante, mas
ainda parcial, do conjunto da alienacao
dia ri a, que pode ser def in ida como a
incapacidade de inventar uma tecni-
ca de libertacao do cotidiano.
E e verdade que muitas tecnicas
modif icarn com maior ou menor ni-
tidez certos aspectos da vida cotidia-
na: o s eletro domestico s, como ja
dissemos, e tambem 0 telefone, a te-
levisao, agravacao musical em discos,
as viagens aereas mais acessiveis etc.
Esses elementos intervem desorde-
nadamente , ao acaso, sem que nin-
guern tenha previsto suas conexoes e
conscquencias. Mas e cer to que , no
conjunto, esse movimento de introdu-
.;:aodas tecnicas no cotidiano, sendo
finalmente enquadrado pela raciona-
lidade do capitalismo moderno buro-
cr atizado , atu a mais no sen tido de
uma reducao da independenc ia e da
criatividade das pessoas. Assim as ci-
dades novas de hoje ret ra tam c1ara -
mente a tcndencia tot.alitaria da
organizacao da vida pelo capitalismo
moderno: os individuos isolados (ge-
ralmente isolados no ambito da celu-
la familiar ) veem, nesse genero de
cidade, sua vida reduzida a pura tri-
vialidade da repeticao, junto com a
assimilacao obrigat6ria de urn espe-
taculo igualmente repetitivo.
Pareceportanto que a censura que
as pessoas exercem sobre a questao
de sua pr6pria vida cotidiana se ex-
plica pela consciencia de sua insus-
tentavel miser ia, b ern como pela
s en sa ca o, ta lv ez ln con fes sa da m as
icv l 1'llvc!m M e e xp er im e nt n d i 1 " d('
que todas as verdadeiras possibilida-
des , todos os dese jos que foram irn-
pedidos pelo funcionamento da vida
social, estavam nela, e nao nas ativi-
dades ou distracoes especializadas.
Isto e , 0 conhecimento da riqueza
profunda, da energia perdida na vida
cotidiana, e inseparavel do conheci-
mento da miseria da organizacao do-
minante des sa vida: so a exi st encia
perceptivel dessa riqueza inexplora-
da leva a def in ir por contras te a vida
cotidiana como miser ia e como pri -
sao; depois, no mesmo impulso, leva
a negar 0 problema.
Emtais condiroes , oeultar a ques-
tao polit ica susci tada pela miseria da
vida cotidiana equivale a ocu ltar a
profundidade das reivindicacoes re-
lativas it r iqueza pos sive l de nos sa
vida; reivindicacoes que levariam for-
cosamente a reinventar a revolucao,
Neste aspecto, a fuga it polit ica nao e
contradit6ria com 0 fato de ser mili-
tante do Partido Socialista Unificado,
por exemplo , ou de le r com confian-
ca 0 jornal L'Humanite.
Tudo depende efetivamen te do
nivel em que seousa formular 0 pro-
blema: como vivemos? Como ficamos
satisfeitos? Insat isfeitos? Isso sem
nos deixarmos nunca int imidar pelas
diversas formas de publici dade que
visam apersuadir que 0homem pode
ser feliz por causa da existencia de
Deus, ou do dentifricio Colgate, ou do
CNRS [Centro Nac iona l da Pesqu i s a
Cient if i <1 , d a F r an c a] .
P nr cc e- me q u a e xp re ss (! "ali i
C I dr v i t l ,1 WI1ili,ll\d" 1)llclrl'ln. t' tltll/('
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ria, tambcm harmonizar-se com essa
inv rsao: e ria a c rit ica que a vida co-
tidiana exerceria, soberanamente,
sobre tudo 0 que Ihe e inuti lmente
exterior.
A questao do uso dos meios tec-
nicos , na vida cotidiana e alhures , e
mera questao polit ica (e, entre todos
os meios tecnicos existentes, os que
sao uti lizados sao de fato seleciona-
dos de acordo com os objetivos de
manu tencao da p redominancia deuma c lasse) . Quando se conside ra a
h ip6 tese de urn fu turo , tal como e
pensado pela literatura de f iccao cien-
tlfica, no qual aventuras interstelares
coexi st em com uma vida cot id iana
r nan tid a nesta terra com a mesma
indigcncia material e 0 mesmo
moralismo arcaico, isso significa, exa-
tamente, que ainda haveria uma clas-
se de dir igentes espec ia lizados ,
mantendo a seu service as mass as
proletanas das fabricas e dos eserit6-
rios: e que as aventuras interstelares
seriam apenas a empresa escolhida
por esses dir igentes, a manei ra que
teriam achado para desenvolver sua
eeonomia irracional, 0cumulo da ati-
v id ad e especializada.
Ja foi perguntado: "Avida priva-
da esta privada de que?" Davida, que
" . . . . . .
dela esta cruelmente ausente. Aspes-
soas tambern estao privadas ao ma-
ximo de c om u ni ca ca o; e de r e a l i z ac ao
pes soa! . Caber ia dizer : nao podem
fazer, pessoalmente, sua pr6pria his-
toria. Ashipoteses para responder de
modo posit ive a essa q.ies tao sobre a
natureza da privacao so podem ser
enunc iadas sob a forma de proje tos
de enriquecimento: projetos deoutro
est ilo devida; au seja, de urn est ilo. . .
Ou en tao, se considerarmos que avida cot id iana esta na f rontei ra en-
tre 0 seto r dominado e 0 setor nao
dominado davida, ou seja, 0 lugar do
aleatoric. sera preciso substituir 0
pr esen te gueto por uma fronteira
sempre desiocavel : t rabalhar sem es-
morecer para organizar novas opor-
tunidades.
A questao da intensidade do vivi-
do apareee hoje, por exemplo, com 0
uso da droga, nos mesmos termos
com quea soeiedade da alienacao con-
segue formular qualquer questao: isto
e, em termos de falso reconhecimen-
to de urn projeto falsificado, em ter-
mos de f ixacao e de apego. Conve rn
notar tambern a que ponto a imagem
do amor, elaborada e divulgada nes-
ta sociedade, e parecida com a da
droga . Ne la , a pa ix ao e primeiro re-
conhecida como recusa de todas as
outras pa ixoe s : depois, e impedida e,
afinal, so se encontra nas compensa-
~oes do esp etaculo reinante. La
Rochefoucauld escreveu: "Quase sern-
pre 0 que nos impede de entregarmo-
nos a u rn v ieio e 0 fato de termos
varies". E is urna constatacao muito
posit iva se, deixando delade ospres-
supos tos moral is ta s, a pusermos de
pe, como base de urn programa de
realizacao das capacidades humanas.
Todos esses problemas estao na
ordern do dia porque, vis ivelmente,
nosso tempo e dominado pelo surgi-
men to do pro jeto , def end ido pela
classe operaria, deabolir toda a socie-
dade de classes e de comecar a his to-
ria humana; projeto domina do
por tanto, como corolar io , por uma
resis tencia encarnicada, bern como
pelos desvios e f racassos que a te 0
momenta enfrentou.
A a tual c ri se da vida cot id iana se
inscreve nas novas formas decrise do
capital ismo, formas que passam des-
percebidas a quem sopensa em co rn -
putar a chegada das pr6ximas cri ses
dclicas da economia.
o desaparecimento, no eapitalis-
mo desenvolvido, de todos as antigos
valo res, de todas as ref erencias da
antiga cornunicacao, bern como a im-
possibilidade de substitui-los por ou-
tros, sejam cles quais forem, antes de
terem dominado rac iona lmente , na
vida cotidiana e alhures, asnovas for-
ca s industriais que nos escapam cada
vez mais, sao fatos queproduzem nao
apenas a insatisfacao quase oficial de
nossa epoca, insatisfacao muitissimo
aguda ent re os jovens, mas tambem
omovimento deautonegacao daarte.
A a tividade art ist ica sempre fora a
unica a expli ca r os problemas c lan-
destinos da vida cotidiana, embora de
f or m a v el ad a , deformada, parcial-
11H111( t lu l1 6 rl .. D i nn re des olh 8,1'1"-
mos 0 testemunho da dcstruic' 0 de
toda a expressao art ls tica: e arte
moderna.
Seconsiderarmos a crise da socie-
dade conter npo ranea em tcda a sua
ex tensao, nao creio que ainda seja
possivel olhar os lazeres como um a
nega~ao do cotidiano. Admitimcs que
era preciso "estudar 0 tempo perdi-
do" . Mas vejamos a evolucao des sa
ideia de tempo perdido. Para ° capi-talismo classico, 0 tempo perdido eaquele que e exterior a producao, a
acumulacao, a poupanca. Amoral lei-
ga, ensinada nas escolas da burgue-
sia, implantou essa regra devida. Mas
acontece que 0 capitalismo moderno,
por uma manobra inesperada, pred-
sa aumentar 0 consumo, "elevar 0 ni-
vel de vida" (nao esquecer que essa
expressao e inteiramente destituida
de sentido). Como, ao mesmo tempo,
as condicoes da producao, parcelar e
cronometrada aoextremo, tornaram-
seindefensaveis, a moral que jaexis-
te na publici dade, na propaganda e
em todas as for rnas do cspetaculo
dominante admite, ao contrario, que
° tempo perdido e 0 do trabalho, ago-
ra jus ti fi cado apenas pelos var iesgraus do que se ganha e que permi t
comprar descanso, consumo, lazer-
isto e, uma passividade cotidiana fa -
bricada e controlada pelo cap i t a l i smo .
Agora, se considerarmos a facti-
cidade dos imperat ivos do consume
criados e estimulados pela industr!n
m od er na - s e re co nhe ce rrn os 0 vn
zio d es laxcrcs a lrnp s si blli dn d d e
d s ansa ,aIWYI',IIIlI,\podl'/I'rrlll
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lU)
mulada de modo mais realista: 0 que
nao e tempo perdido? Ou seja: 0 de-
senvolvimento de uma soeiedade da
abundancia deve chegar a abundan-cia de que?
Isto pode se rvir de c ri te rio para
muita coisa. Quando, por exernplo,
num dos jor nais onde se exibe a in-
consistencia dos chamados inteiec-
tuais de esquerda - refire-me a
P ra nc e- Ob se rv at cu r - ve - s e urn titu-
loque anuncia algo como "0 carro de
passeio ataca 0socialismo", diante de
LIm art igo explicando que os fUSSOS
ja buscam individualmente, a exem-
p lo d o s americanos, urn consumo par-
ticular dos bens e que come~am
naturalmente pelo car ro , eo caso de
se pensar que nem era necessario tcr
ass imilado, depoi s de Hegel , toda a
obra de Marx para perceber que urn
socialismo que se enfraquece porque
o carro de passeio invadiu 0mercado
nada tern a ver com 0socialismo pelo
qual 0movimento operario lutou. De
modo que nao e a urn estagio da tati-
ca ou do dogmatismo dos dirigentes
burocraticos da Russia que nos dcve-
rnos opor, mas a base, aquilo que faz
com que a vida das pessoas nao mude
efet ivamente de sentido. E na o se t ra-
ta d a fatal idade obscura da vida cob-
d iana , or id ena da a per m anecer
r '. i on ar ia . E Lima fa ta li d ad e im p s-
ta exteriorrnente avida cotidiana, em
todos os aspectos, pela esfera reacio-
naria dos dirigentes especializados,
seja qual for a etiqueta sob a qual eles
planifieam a mise r i a ,
A atual despoli tizacao de muitos
ex-militantes de esquerda, 0 afastar-
sede uma certa alienacao para atirar-
s enoutra, a davida privada , nao tern
tanto 0 sent ido deurn retorno a pri -
vatizacao como refugio contra as "res-
ponsabilidades da historicidads", mas
o de urn afastamento do setor polit i-
coespecializado, e sempre manipula-
do po r ou tros: setor em que a unica
responsabi1idade verdadeiramente
assumida foi a de deixar todas asres-
ponsabilidades nas maos de chefes
sem controle: onde 0 projeto eomu-
nis ta foi enganado e desiludido. As-
s im como nao sepode opor como urn
todo a vida privada a vida publica,
s em perguntar : qua l v ida privada?
qual vida publica? (porque a vida pri-
vada contem os fatores de sua nega-
~ao e desua superacao tanto como a
acao coletiva revolucionaria pode ali-
mentar os fatores de sua dege-
nerescencia) , tarnbem nao se pode
fazer 0 balance de uma alienacao dos
individuos na politica revolucionaria
po r se tratar da a l i enacao da propria
politica revolucionaria. E jus to con-
siderar demodo dialetico 0 problema
da alienacao. assinalar aspossibilida-
des dealienacao sempre renovadas na
propria luta travada contra a aliena-
cao, mas convern enfat izar que tudo
i sso deve ser apl irndo 11 0 mais al to
n t vs l ( b P,'1fj l liNIl (pI It I'KI"llplo, n f i le-
sofia da alienacao no seu todo), e nao
no mvel do estalinismo, cuja explica-
~ao e infelizmente mais grosseira.
A civilizacao capitalista ainda nao
fo i super ada em nenhum lugar mas
continua a produzir inimigos. Apro-
xima tentat iva do movimento revo-
lucionario, radicalizado pelas licoes
dos anteriores fracassos , e eujo pro-
grama reivindica torio devera enr i-
quecer-se na proporcao dos poderes
praticos da sociedade moderna -
poderes que desde jaconsti tuem vir-
tualmente a base material que fal ta-
vaas correntes chamadas ut6picas do
socialismo -, essa proxima tentati-
va de total contestacao do capital is-
mo sabera inventar e prop or urn
out ro usa davida cot id iana , e logo se
apoiara em novas praticas cotidianas,
em novos tipos de relacoes humanas
(nao ignorando que 0 que se conser-
yay, no inter ior do movimento revo-
lucionario, das relacoes dominantes
na sociedade existente levara insen-
sivelmente a reconstituir, com diver-
sas variantes, essa mesma sociedade).
Assim como outrora a burguesia,
em sua faseaseendente, teve deliqui-
dar de modo impiedoso tudo 0 que
ult rapassava a vida ter rena (0 Ceu, a
eternidade), assim tambern 0 prole-
t ar iado rsvoluc ionario - que nunea
podera admitir , sem deixar de exist ir
como tal , urn passado ou modelos -
t era derenunc ia r a tudo 0 que ultra-
passa a vida cot id iana . Ou que pre -
tende ultrapassa-la: 0 espetaculo, °g stc (litIIpnlnvra "historiccs", a
·' l ' l . lI id( '~. , ," . l '11" hl l\ (' 11 1 ' ~, 0 mister!«
das especializacoes , a "irn rt l id . d e "
da arte e sua impor tanc ia exter ior avida. 0 que significa: renunciar a to-
dos ossubprodutos daeternidade que
sobreviveram como armas no mun -
do dos dirigentes.
A revolucao na vida cot id iana ,
quebrando sua a tual res ist encia ao
his t6ri co (ea todo t ipo de mudanca) ,
c ri ara condicoes tai s que 0 presente
c on si ga dom i na r 0pa s s ado , eque apar-
t e da e ri at iv idade ganhe da repet i-
tividade. E de se esperar que a lad
davida cotidiana expresso pelos con-
ceitos da ambiguid ade - malen-
tendido, comprometimento, abuse
- perea a impor tanc ia , e rn prove ito
de seu oposto, a eseolha consciente
au 0 desafio.
o atual questionamento artistico
dalinguagem, contemporaneo dame-
tal inguagem das rnaquinas , que e a
linguagem burocratizada da buro-
cracia no poder, sera entao superado
por formas superiores de comunica-
~ao. A presente nocao de texto social
lUI
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de ifnlve] levera chegar a novos pro-
essos de esc ri ta des se texto soc ia l,
na direcao daquilo que bus cam atual-
mente meus camaradas s ituacio-
nis tas com 0urbanismo unitario e 0
esboco de urn comportamento expe-
r imenta l. A producao central de urn
trabalho industrial inteiramente re-
convertido provocara 0 a rranjo de
novas configuracocs da vida cotidia-
na, a criacao livre deacontecimentos,
A cri tica e a perpetua recriacao detoda a vida cotidiana, antes deserem
feitas naturalmente por todos osho-
mens, devem se t empreendidas nas
ccndicoes da presente cpressao, a fim
de derrubar essas condicoes.
Nao e urn movimento cultural de
vanguarda, mesmo corn prctensoss
revolucionarias, que pode realizar
isso, Tampouco urn partido revolu-
cionario de modelo tradicionaI, mes-
rno que conceda arenrao a critica da
COMENTARIOS CONTRA 0 URBANISMOultura (entendendo por esse termo
o conjunto dos instrumentos art is ti -
cos ou conceptua is pelos qua is uma
sociedade explica a simesma ese ofe-
reee objet ivos de vida), Tal cultura
como tal politica estao desgastadas,
e nao e sem motivo que a maioria das
pessoas perdeu 0 interesse por elas,
A transforrnar ao revolucionaria da
vida cotidiana n ao e st a reservada a
urn vago futuro: apresenta -ss a n6s
como urgente, diante do desenvolvi-
mento do capitalismo e suas insupor-
taveis exigencias; a alternativa seria
o reforco da esc ravidao moderns.
Essa transforma~ao revolucionaria
marcara 0 f im de toda expressao ar-
tistica unilateral, armazenada sob a
forma de mercadoria, s imultaneo ao
fim de toda politica espeeializada.
Sera essa a prirneira tarefa da or-
ganiza~ao revolucicnaria deurn novo
tipo.
o pareeer de urn espec ia li st a -
Chombart de Lauwe - constata,
ap6s exper ienc ias preci sas, que os
program as propostos pelos planeja-
dores urbanos criam ern certos casos
embaracos e revoltas que seriarn evi-
taveis se houvesse urn conhecimento
mais profundo dos comportamentos
rea is, e sobretudo das mot ivacoes
desses comportamentos.
Grandeza e servidao do urbanismo.
Quando perscrutamos 0 planejador
urbano com insistente desccnfianca,
o f izemos discret amente , ern nome
das boas maneiras, Nao setrata dein-
criminar 0veredicto popular, 0povo
ja se pronunciara com a mesma in -
congruencia: "jeitao de arquiteto!"
sempre foi , na Bc lgica, urn xinga-
mento expli ci to . Mas, ja que hoje 0
referido especialista segue a opiniao
do vulgo e se poe a perscrutar 0 pla-
nejador, estamos salvos! Assim, 0
urbanista e oficialmente acusado de
suscit ar cmbaraco e revol ta , a sus-
cita-los "ouase" como urn provocador
primario. E preciso que os poderes
publi r os rea jam rapido: e impen-
savel que focos de revolta sejam
mantidos abertamente por quem
tern a missao de dissolve-los, Hanis-
so urn crime contra a paz social , que
so urn conselho de guerra pode re-
solve r. Sera que a jus ti ca vai a taea r
um dos seus? A menos que 0 espe-
inllnl.1 soja, no fundo, urn urbanista
1"111 '110.
Guy-Ernest Debord
ISn° 6,agosto de 1961
sta palestra foi lei la, por meio deum gravador, em 17demllio tlo 1961.no Groupe
do R ch rches ur laviequotidienne [grupo depesqulsa oiJrl l oJ Vl! !l Qtldl nn] reu-
nldopar H,Lefebvre nocentr d' ludo, I IIhll llUlql l' dnCNRS,
Se 0 planejador nao pode conhe-
cer as motivacoes comportamentais
daqueles a quem vai proporcionar
moradia nas melhores condicoes de
equilibrio nervoso, mais vale integrar
desde ja 0 urbanismo no cen tro de
pesquisas crimi nol ogicas ( si tuar os
provocadores epermit ir que cada urn
fique tranquilo na escala hierarquica);
seelepode, entao a ciencia da repres-
sao criminal perde sua razao de ser e
muda de razao socia l: 0 urbanismo
basta para manter a ordem estabele-
cida sem recorrer a indelicadeza das
metralhadoras. 0 homem assimilado
ao concreto a rmado, que sonho all
que feliz pesadelo para os tecno -
cratas, t ivessem eles de nisso perder
o que Ihes resta deAtividade Nerve-
sa Superior, e permanecer sob 0 po-
1 3
Um eu to r lme t ro ,
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I ri e a dur eza do concreto armada!
Se os nazis tas t ivessern conheci-
do as urbanistas contemporarieos,
t er iam transfor rnado as campos de
ccncentracao em conjuntos habita-
cionais. Mas e s sa s ol u ca o parece mui -
to bruta l para Chombart de Lauwe .
o urbanism a ideal deve aliciar cada
individuo, sem embaraco nem revel-
ta, para a solucao final do problema
humano.
o u rbanismo e a mais cornpl eta
realizacao concreta do pesadelo. Pe-
sadelo, segundo a dicioriario Lit tre:
"estado que terrnina num despertar
emsobressalto ap6s uma sensacao de
extrema ansiedade", Mas sobressal-
to contra quem? Quem nos fartou ate
levar a sonolencia? Seria tao estupi-
doexecutar Eichmann como enforcar
os urbanistas. E como acert ar os al -
vas quando se esta num estande de
tiro I
Planejamento e a palavra da
moda, a palavrao, d izern a lguns. Os
especialistas falam de planejamento
econornico, e de urbanismo planeja-
do, depois da o uma piscadela corn ar
conivente e, contanto que haja reci-
procidade no jogo , todo 0 mundo
aplaude. 0 supra-sumo do espetacu-
10 e 0 planejamento da felicidade. Ja
o defensor dos numeros faz sua son-
dagem; experiencias exatas cstabcle-
cern a nivel televis ivo de audiencia:
trata-se de preparar 0 terri t6rio ern
torno do telespectador, de construir
para ele, sem d i st ra i -l o d a s preocupa-
~1 \e s 0 1 1 1 qLle e al lmentado pelos
e lhos l' uv idos , Trata-se d a ss ~\ll
rar a todos uma vida serena e urn
equilibrio, (om a previsao cautelosa
demonstrada pelos piratas de his to-
rias em quadrinhos na frase: "Os
mortos nao falam". 0urbanism a e a
inforrnacao sao complementares nas
soc iedades capit ali st a e "anticapi-
talista", ambos organizam 0 silentio.
Habitar e 0 "Beba Coca-Cola" do
urbanismo. Substitui-se a necessida-
de de beber pela debeber Coca-Cola.
Habitar e sentir-se, em qualquer lu-
gar, em casa, diz Kiesler, mas tal ver-
dade profetica nao agarra ninguem
pelo pesco\o, ela e um cachecol con-
tra 0 frio intenso, mesmo quelembre
urn l ace de forea. N6s estamos habi-
tados, e desse ponto que se deve par-
tir.
Relacoes-publicas, 0 urbanismo
ideal e a projecao, no espas:o, da hie-
rarquia social sem conflitos. Estradas,
gramados, flares naturais e florestas
artificiais lubrificam as engrenagens
da sujeicao e a tornam amave l , Num
romance de f iccao cientffica de Yves
Touraine, 0Estado ofereee aos traba-
Ihadores aposentados ate urn
masturbador clctronico: a economia
e a felicidade Hearn assim satisfeitas,
Ur n certo urbanismo de prestigio
e necessaric, pretende Chombart de
Lauwe. 0 espetaculo que ele propoe
torna 0barao Haussmann folcl6rico,
e le que nao sabia l idar com 0 presti-
gio fora deurn estande detiro. Desta
vez trata-se de organizar teatral-
mer i t 0 espetaculo sobre a vida co -
tldlnnn, i l ( ' dcixar vive r cad a Lim no
{!lIlII'xlll 'Iln {'~;r>ol'ldCnl no papcl
que a sociedade capitalista Ihe impoe,
de i so la -lo a inda mais ao cduca-Io
como cego, para se reconhecer iluso-
riamente numa marerializacao de sua
pr6pria alienacao,
A educacao capitalista do espa<;:o
nada rna is e que a educacao num es-
pas:oonde 0individuo perde sua scm-
br a, onde ele se acaba perdendo de
tanto seprocurar naqui lo que nao e
ele. Que bela exemplo de tenaeidade
para todos os professores e out ros
organizadores patenteados da i gno -
rancia!
o tr acado de uma cidade, suas
ruas, muralhas e bairros representam
sinais de urn estranho condicicna-
menta. Que sinal se pode ai reco-
nhecer que seja nos so? Algumas
pichacoes , palavras de protesto au
gestos proibidos, rabiscados apressa-
damente, eujo interesse 56 convence
os eruditos se est iverem nos muros
de Pornpeia, numa cidade fossil. Mas
as cidades de hoje est ao ainda mais
fossilizadas. Queremos morar em ter-
ra conhecida, entre sinais vivos como
amigos de cada dia. A r e v ol u c a o sera
tambem a perpetua criacao de sinais
que pertencem a todos.
H a u rn peso incrivel em tudo 0que
se r ef er e ao urbanismo. A palav ra
construir vai apique, na frota em que
as outras palavras possiveis flutuam.
Por toda a parte onde a civ ilizacao
burocratica se estendeu, a anarquia
da construcao individual foi ccnsa-
grada oficialmente e assumida pelos
organismos competentes do poder,
de tal modo que 0 ins tinto de cons- I~
Superficies rnaxirnas e normais detrabalho no plano horizontal.
Superffcie maxima de trabalho
M o vi me n to s 4 a categoria
Dedos . punhos. antebraccs , braces
S u pe rf ic ie n o rm a l d e trabatho
M ov im en to 5 3 .: 1ca teqo r i a
Dedas. punhos, antebraccs
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I 6
tru~~ foi xtirpad como urn vicio e
sobrevive apenas nas c ri ancas, nos
primitives (irresponsavais, segundo
a terminologia administrativa). E em
todos os que , j aque nao podem rnu-
dar de vida, passam 0 tempo a demo-
lir e a reconstruir seu barraco.
o urbanis rno procura exercer a
a rte de t ranqiii li za r sob sua forma
mais pura: e a ult ima cor tesi a deum
poder que esta prest es a assumir 0
total controle das mentes,
Deus e a C idade: nenhuma forca
abstrata e inexistente conseguiria,
rnais que 0urbanismo, reivindicar a
sucessao de Deus para 0cargo depor-
t ei ro , que f icou vago pela mor te que
se sabe. Com sua ub iquidadc, sua
imensa bondade e, talvez urn dia, seu
poder soberano, 0urbanism a (ou seu
proje to) t er ia a pos sibi lidade de as-
sustar a Igreja, sehouvesse a minima
duvida quanta a ortodoxia do pcder,
Mas nao e nada disso porque a Igreja
era "urbanisrno" bern antes do poder;
que poderia ela temer de urn santo
Agostinho leigo?
Hi a lgo deadmir ivel emfazer co-
existir na palavra "habitar" milhares
de seres a quem foi ret irada a te a es-
peran~a dojuizo final. Nesse sentido,
o admiravsl coroa a desumano.
Indust ri al izar a vida privada:
"Faca de sua vida urnnegocio", sed, 0
novo s logan . Propo r a cada u rn que
organize seu meio vital como uma
peq uena fabr ica que tern de ser
gcrida, como uma microempresa com
seus subst itut es de rnaquinas , sua
prndut ; . 0 de qua lid ade , u capita l
eonstituido deparedes emoveis , nao
sera a melhor mane ira de tornar per-
fei tamente compreensiveis as preo-
cupaco es desses senhores que
possuem uma fahrica, uma de verda-
de, das grandes , e que tambem deve
prcduzir?
Uniformizar a horizonte: os mu-
ros e os recantos ajardinados confe-
rem ao sonho eao pensamento novos
limites pois, afinal, e poetizar 0 de-
serto 0 fato desaber onde e le acaba.
As cidades novas chegarao a apa-
gar asmarcas das lu tas que van opar
as c idades t radicionai s aos hom ens
que elas quiseram oprirnir, Extirpar
da memoria de todos a verdade de
quecada vida cotidiana tern a sua his-
toria e,no mite da participa~ao, con-
testar 0 carater irredutivel do vivido
- e nesses termos que os urbanistas
expressariam os objetivos que perse-
guem, se consent iss em em afastar
por urn inst ante a irieia de seriedade
que obstrui seu pensamento, Quan-
do a ideia de seriedade desaparece, 0
ceu c la re ia , tudo se torna mais nit i-
do, ou quase; ass im, e os humoris tas
sabem disso, destruir 0 adversario a
golpes de bomb as de hidrogenio e
condenar-se a morrer com maior so-
frimen to.Sera necessario ironizar por
mui to tempo os urbanist as para que
eles percebam, no atentado que pre-
meditam, a esboco de seu suicidio?
Oscemiterios sao aszonas verdes
mais naturais que existem, as unicas
que se integram harmoniosamente
no ambito das cidades futuras , como
os ultirnos pnrilfsos perdidos,
Osprecos de custo devem deixar
de ser urn obstaculo para 0 desejo de
construir, reivindica 0 construtor de
esquerda . Que de descanso em paz,
ass im sera em breve, quando 0 dese-
jo de construir tiver desaparecido.
Na Franca desenvolveram-se pro-
cedirnentos quefazem da construcao
umjogo de armar (I-E, Havel), Sob 0
aspecto mais f avcravel, ur n se lf-
service nao passa de urn lugar onde a
gente se serve, no sentido em que 0
garfo serve para comer.
Misturando a maquiavelismo com
o concreto armada, 0 urbanismo tern
a consciencia tranquila, Entramos no
reino da delicadeza policial. Sujeitar
com dignidade.
Construir com confianca: mesmo
arealidade das fachadas envidracadas
nao disfarca a cornunicacao ficticia,
mesmo a arnbiencia dos lugares pu-
blicos denuncia a desespero e 0isola-
mento das consc ienc ias privadas,
mesmo 0 preenchimento febri l do
espa~o semede pelos tempos mortos.
Projeto para urn urbanismo rea -
l is ta : subst itui r as escadas de P ira-
nes i por e levadores, transformar os
tumulos em edificios , ladear osesgo-
tos com platanos, preparar viveiros
nas latas delixo, empilhar os casebres
e const ru ir t cdas as c idades em for-
ma demuseu; t irar par tido de tudo, e
ate do nada.
A alienacao ao alcance da mao: 0
urbanismo toma a alienacao t:angivel.
o proletariado faminto v iv ia a a li c-
n" om sofrim nto c l l ' nlliJl1.1is.
VIV(I:r('JlH)l110~()rri,l,, ('I'II" te),!) d,IM
coisas, Sentir-se outre as apalpndela ..
Osurbanistas honestos e esclar
cidos tern a coragem dos estilitas. Fa -
remos de nossa vida urn deserto para
tamar legitimas suas aspiracces?
Osguardiaes da fefi los6fica des-
cobriram hi uns vinte anos a existsn-
c ia da c lasse opera ri a, Na epoca em
que os sociologos sepoem de acordo
para deeretar que a c1asseoperaria ja
nao existe, o s u rbanistas - sem es-
perar pelos f ilosofos nem pelos so-
c io logos ~ inventam 0 habitante,
Ternos de render- lhes a honra de te-
rem sido os primeiros a discemir as
novas dimens6es do proletariado.
Definicac mais exata emenos abstra-
ta por t erem eles sabido, com rneto-
dos de adestramento mais flexiveis ,
leva r quase toda a soc iedade a 'l ima
prole ta ri zacao menos bruta l e mai s
radical.
Aviso aos construtores de ruinas:
depoi s dos urbanis ta s virao as ult i-
mos trogloditas de favelas e cortices.
Esses saberao construir. Os privils-
giados das cidades-dormitorio s6po-
der ao destru ir. Deve-se esperar
muito desse encontro: ele defin a
rcvolucao,
Ao se desvalorizar, a sag rado
tornou-se misterio: 0 urbanismo e aultima decadencia do Grande Ar-
quiteto.
Por tras dapresuncao teenol gica
se dis simula uma verdade rev lad , c
como tal indiscutivel: e preciso "hn
b it ar ". Q u a n te it natureza d tal v r-
dade, 11 1 ndigo sa b ib III do (jIll' S('
Ir~I~, 0 1 1 1 1 1 1 1 "1 1 ' 11 , 1 1, 1 l1 (' lh c li d o qlll '
1 '1
5/6/2018 Apologia+Da+Deriva - slidepdf.com
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A ccnstrucao de;situacees ccmeca ap6s 0 desmoronamento rnoderno da nocao de
espetaculo, E fadl ver a que ponto esta ligado a aliena<;ao do velho mundo 0
prtnoipio caracterrstico do espetaculo: a nao-
participacao. A situacao € feita de modo a ser
vivida por seus construtores. a papel do "pu-blico", senao passive pelt') menos de mere figu-
rante, deve ir diminumdo; enquamto aumenta a
numero dos que ja nao se,rao chamados atores mas,
num sentido novo do termo, vivenciadores.
.'.
A ideia de padronizacao e urn es&on;:opara reduzir e simplificar, demodo mais eqiiitativo, 0 maior nume ro de necessidades humanas.
Compete-nos fazer com que a padrcnizacae abra dominies de experiencia
mais interessantes que as que ela fecha. Conforms 0 rssulaado, pode-se
chegar ao total embrutecimento da vida humana ou a desccberta perma-
nent de novos desejos, Mas, no contexte opressivo do mundo atual, esses
novos desejos nao se manifestarao esporitaneamente. E indispensavel uma acae
comurn para os detectar, manifestar e realizar.
A crise do urbanismo se agrava. A construcao de bairros, antigos e modernos,
esta em evidente desacerdo corn os modes de comportamento estabelecidos e,
mais alndai com os flOVDS modes de vida que buscames. 0 resultado e a am-
IDi€uda merna s esteril que nos cerca. Diante da necessidade de construir rapida-
mente cidades inteiras, erguem-se cemiterios de concreto armada onde grande
parte da populacao ssta condenada a levar uma vida muito enfadonha. Ora,
para que servem as incrfveis invencoes tecnicas do mundo atual se faltam
condicoes para delas tirar provsito, se nao conduzem ao lazer, se ha
carencia de imaginacao?
Se 0 planejador nao pode conhecer as motivaeoes eomportamentais
daqueles a quem vai proporcionar moradia nas melhores condicoes de
equilibria nervoso, mais vale integral' desde ja 0 urbanismo no centro de