Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente...

11
Plublicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Volume V, APGeom, Lisboa, 2007, p. 281-291. 281 Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira. GIS application to Landscape Management of the Espinho urban area: a prediction based on historical analysis of coastal dynamics. A. Pires 1 , A. Vinagre 2 , A. Gomes 3 , H. I. Chaminé 4 1 Centro de Minerais Industriais e Argilas da Universidade de Aveiro, [email protected]; 2 Departamento de Ordenamento e Ambiente da Câmara Municipal de Espinho, [email protected]; 3 Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Porto, [email protected]; 4 Departamento de Engenharia Geotécnica do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) & Centro de Minerais Industriais e Argilas da Universidade de Aveiro, [email protected]. Resumo: O presente estudo foi baseado em trabalho de campo efectuado junto da população de Espinho (NW de Portugal), bem como em pesquisa histórica e na análise de fotografias aéreas do litoral considerado. Com os dados obtidos foi possível estudar a dinâmica litoral na faixa costeira de Espinho desde o final do Século XIX e apresentar uma reflexão sobre o ordenamento do território na faixa costeira urbana. Elaborou-se uma reconstituição histórica da localização das construções, palheiros, arruamentos e as delimitações de invasões do mar. Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) serviram de ferramenta para cartografar os eventos actuais e históricos relacionados com a erosão costeira e a ocupação do território, criando uma base interactiva para consulta dessas ocorrências e identificação das infraestruturas existentes ou destruídas. Conhecendo o aglomerado urbano litoral e através das ocorrências cartografadas, foi ensaiada uma análise espacial em termos de susceptibilidade às invasões do mar, obtendo-se assim, um mapa de densidades de ocorrências que avalia a susceptibilidade desta faixa litoral aos constantes avanços do mar. Finalmente, a partir deste conhecimento do passado, simulou-se um cenário para a localização da linha de costa actual sem a construção das últimas grandes obras de protecção costeira. Este estudo pretende ser um contributo para o conhecimento da dinâmica geomorfológica da área e através da ferramenta SIG, criar uma base para a monitorização da faixa costeira de Espinho, permitindo a formulação de algumas medidas face à ocorrência de alguns cenários desastrosos, em termos de invasões do mar. Palavras-chave: SIG, ordenamento do território, dinâmica costeira, análise espacial, previsão. Abstract: This study was based on a historical research and a detailed analysis of aerial photos of the littoral of Espinho (NW Portugal), as well as on field inquiries to the local population. The data gathered allowed an analysis of the Espinho dynamic coastal system since the XIX Century, and the inference of its evolution as a useful tool for the management of the coastal urban landscape. A historical reconstitution of the location of coastal protection structures was first carried out, which comprised a cartographic representation of buildings, streets and sea line invasions. Actual and historical events related to coastal erosion and urban landscape management were geo-referenced and represented by using GIS (geographical information systems) tools. The use of an interactive interface provided a simple and easy way to perform queries on the existence and occurrence of coastal protection structures since 1889. Susceptibility maps of sea invasions were then produced through spatial analysis. Finally, the knowledge on these past events was used to predict the location of the actual coastal line if no groins had been constructed. The present study takes advantage of GIS tools to contribute to the understanding of the geomorphological dynamics of Espinho. Furthermore, it provides a sound basis for monitoring and management of the coastal zone, namely in what respects the planning of security measures concerning the eventual occurrence of disastrous scenes of sea invasions. Keywords: GIS, landscape management, coastal dynamics, spatial analysis, prediction. 1.INTRODUÇÃO Segundo Ortigão (1876) a faixa costeira de Espinho está referenciada, desde o dealbar do último quartel do Século XIX, como ocupada pelo antigo bairro, constituído por uma pequena povoação piscatória. A

Transcript of Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente...

Plublicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Volume V, APGeom, Lisboa, 2007, p. 281-291.

281

Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira.

GIS application to Landscape Management of the Espinho urban area: a prediction based on historical analysis of coastal dynamics.

A. Pires1, A. Vinagre2, A. Gomes3, H. I. Chaminé4

1 Centro de Minerais Industriais e Argilas da Universidade de Aveiro, [email protected];

2 Departamento de Ordenamento e Ambiente da Câmara Municipal de Espinho, [email protected]; 3 Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Porto, [email protected];

4 Departamento de Engenharia Geotécnica do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) & Centro de Minerais Industriais e Argilas da Universidade de Aveiro, [email protected].

Resumo: O presente estudo foi baseado em trabalho de campo efectuado junto da população de Espinho (NW de Portugal), bem como em pesquisa histórica e na análise de fotografias aéreas do litoral considerado. Com os dados obtidos foi possível estudar a dinâmica litoral na faixa costeira de Espinho desde o final do Século XIX e apresentar uma reflexão sobre o ordenamento do território na faixa costeira urbana. Elaborou-se uma reconstituição histórica da localização das construções, palheiros, arruamentos e as delimitações de invasões do mar. Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) serviram de ferramenta para cartografar os eventos actuais e históricos relacionados com a erosão costeira e a ocupação do território, criando uma base interactiva para consulta dessas ocorrências e identificação das infraestruturas existentes ou destruídas. Conhecendo o aglomerado urbano litoral e através das ocorrências cartografadas, foi ensaiada uma análise espacial em termos de susceptibilidade às invasões do mar, obtendo-se assim, um mapa de densidades de ocorrências que avalia a susceptibilidade desta faixa litoral aos constantes avanços do mar. Finalmente, a partir deste conhecimento do passado, simulou-se um cenário para a localização da linha de costa actual sem a construção das últimas grandes obras de protecção costeira. Este estudo pretende ser um contributo para o conhecimento da dinâmica geomorfológica da área e através da ferramenta SIG, criar uma base para a monitorização da faixa costeira de Espinho, permitindo a formulação de algumas medidas face à ocorrência de alguns cenários desastrosos, em termos de invasões do mar.

Palavras-chave: SIG, ordenamento do território, dinâmica costeira, análise espacial, previsão. Abstract: This study was based on a historical research and a detailed analysis of aerial photos of the littoral of

Espinho (NW Portugal), as well as on field inquiries to the local population. The data gathered allowed an analysis of the Espinho dynamic coastal system since the XIX Century, and the inference of its evolution as a useful tool for the management of the coastal urban landscape. A historical reconstitution of the location of coastal protection structures was first carried out, which comprised a cartographic representation of buildings, streets and sea line invasions. Actual and historical events related to coastal erosion and urban landscape management were geo-referenced and represented by using GIS (geographical information systems) tools. The use of an interactive interface provided a simple and easy way to perform queries on the existence and occurrence of coastal protection structures since 1889. Susceptibility maps of sea invasions were then produced through spatial analysis. Finally, the knowledge on these past events was used to predict the location of the actual coastal line if no groins had been constructed. The present study takes advantage of GIS tools to contribute to the understanding of the geomorphological dynamics of Espinho. Furthermore, it provides a sound basis for monitoring and management of the coastal zone, namely in what respects the planning of security measures concerning the eventual occurrence of disastrous scenes of sea invasions.

Keywords: GIS, landscape management, coastal dynamics, spatial analysis, prediction.

1.INTRODUÇÃO

Segundo Ortigão (1876) a faixa costeira de Espinho está referenciada, desde o dealbar do último quartel

do Século XIX, como ocupada pelo antigo bairro, constituído por uma pequena povoação piscatória. A

A. Pires, A. Vinagre, A. Gomes, H. I. Chaminé

282

comunidade de pescadores, cujas habitações se encontravam (e ainda se encontram) próximo do areal,

era a primeira a sentir os prejuízos das constantes invasões do mar. A evolução histórica do povoamento

de Espinho é relativamente recente. Anteriormente a 1860 era apenas uma modesta povoação piscatória,

constituída exclusivamente por pequenas habitações de madeira, em gíria da beira-mar Espinhense,

designadas por Palheiros (Perdigão, 1931; Dias et al, 1994).

Perdigão (1931) referiu que o local onde hoje se situa o sector poente da Cidade de Espinho, delimitado

grosso modo pela linha-férrea do Norte, era invadido pelo mar (ca. 1911). Esta evidência era sustentada

no facto de se encontrarem frequentemente conchas semelhantes às actuais e algumas rochas com a

superfície polida aquando da abertura de poços nesse sector. O mesmo autor refere também que a

companhia “Combóios de Portugal” (CP), motivada pela necessidade do alargamento da estação de V. N.

de Gaia, movimentou, para essa obra, importantes volumes de aterro de material arenoso do local

próximo à Fábrica de Conservas de Brandão Gomes, em frente ao local onde hoje se encontra a antiga

estação de Espinho – Vouga.

O presente estudo foi baseado em trabalho de campo mediante inquéritos à população local e em

reconhecimentos geomorfológicos da frente costeira de Espinho. Apoiou-se também, na pesquisa

histórica e numa análise interpretativa de fotografias aéreas do litoral. Com estes dados foi possível

reconstruir a dinâmica litoral na faixa costeira de Espinho, aproximadamente nos últimos 100 anos, e

assim, apresentar uma proposta para o ordenamento do território na sua faixa costeira urbana. Sob o

ponto de vista cartográfico, elaborou-se numa base georreferenciada uma reconstituição histórica da

localização das construções até 1889 e de 1900 a 1901, bem como dos palheiros, dos arruamentos e dos

limites das invasões do mar.

2. ENQUADRAMENTO

O estudo teve como objecto a frente costeira do concelho de Espinho por ser uma área particularmente

sujeita aos efeitos de erosão, consubstanciando-se numa área susceptível às “invasões do mar” (Soares

de Carvalho, 1995). O concelho de Espinho pertence à Área Metropolitana do Porto (AMP) e está situado

na orla Atlântica, aproximadamente a 50 km a Norte de Aveiro e a 20 km a Sul do Porto (Fig. 1). Com uma

área de 21 108 km2 é constituída por 5 freguesias com uma população de 33 701 habitantes (INE, 2001).

A frente urbana da freguesia de Espinho abrange sensivelmente 10 225 habitantes (INE, 2001),

correspondente a uma área com cerca de 1,8 km2.

Desde a construção das primeiras obras de protecção costeira em 1909 (destruídas por um violento

temporal em 1911; Lima, 1979, 1982) que as sucessivas gerações têm observado o recuo e avanço da

costa de Espinho (Veloso Gomes et al, 2006a). A título de exemplo entre 1885 e 1910 a linha de costa

recuou cerca de 225 m, o que corresponde a taxas de erosão de 9 metros/ano, período em que o

aglomerado urbano quase foi destruído pelo mar (Veloso Gomes et al, 2006a).

O sector de Espinho constitui um dos casos mais antigos de erosão costeira do nosso país e um dos mais

bem documentados na área metropolitana do Porto (e.g., Soares de Carvalho, 1995; EUrosion 2004; Dias,

2005; Pires et al, 2006b; Veloso Gomes et al, 2006b), assumindo-se como um caso paradigmático, em

que todo o historial apresentado revela que os problemas graves que aí existiram (e existem) advêm da

implantação de um núcleo urbano importante numa faixa que se veio a revelar de risco muito elevado

Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira.

283

(Dias et al, 1994; Dias, 2005). As sucessivas invasões marinhas, aparentemente, não têm como principal

causa a construção do Porto de Leixões (Ferreira Diniz, 1909; Granja et al, 1999), pois as primeiras

ocorrências são anteriores a esta obra. No entanto, os movimentos tectónicos recentes documentados,

por exemplo, em Granja et al (1999) e Araújo (2002), poderão também ter alguma influência na variação

relativa do nível do mar. Todas estas causas trazem consequências para a população de Espinho, que

está consciente destes problemas de erosão, mas não se encontra convencida de que o aglomerado

urbano se encontra numa área de elevado risco a invasões do mar e inundações, mesmo contando com

as obras de protecção costeira (e.g., Mota Oliveira & Martins, 1991; Veloso Gomes et al, 2006b; Pires et

al, 2006a). No projecto EUrosion (2004) são apresentadas algumas propostas sobre a temática da erosão

costeira que serviram de base para as soluções e diagnósticos apresentadas no relatório intitulado Bases

para a Gestão Integrada da Zona Costeira (Veloso Gomes et al, 2006b). O quadro síntese aponta, entre

outros factores de diagnóstico, as zonas edificadas, as susceptibilidades à erosão costeira e invasões do

mar, os riscos e intervenções nas frentes edificadas em risco de exposição às acções directas e indirectas

do mar ou dependentes de estruturas de defesa costeira.

Figura 1 – Área Metropolitana do Porto com a localização de Espinho (PDM, 2004) e da área em estudo

(Ortofotomapa da CME, 2002).

Figure 1 – Porto Metropolitan Area with Espinho location (PDM, 2004) and the study area (Espinho City Council ortophotomap, 2002).

No seguimento destes estudos, o presente trabalho tem como questão central o conhecimento do

passado para se anteverem cenários futuros. Ao “revisitar” esse passado, espera-se trazer algo de útil

para a gestão do litoral desta área e aplicar a ferramenta SIG (Sistemas de Informação Geográfica)

usando dados actuais. O estudo passou por diferentes fases de modo a atingir os seguintes objectivos

A. Pires, A. Vinagre, A. Gomes, H. I. Chaminé

284

gerais: i) recolha de informação sobre as invasões marinhas e acontecimentos históricos relacionados; ii)

elaboração de uma base de dados com as ocorrências na área em estudo; iii) integração em SIG; iv)

realização de análise espacial para definição de áreas de susceptibilidade; v) aplicação da extensão

DSAS (Digital Shoreline Analysis System) para antever tendências evolutivas.

3. MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo alicerçou-se numa recolha bibliográfica baseada em pesquisa histórica, consolidada

através de trabalho de campo, especialmente mediante entrevistas a pessoas mais idosas e

conhecedoras do passado da frente urbana de Espinho, bem como a confirmação, com historiadores e

arqueólogos locais, de alguns aspectos mais relevantes. Do material recolhido, destaca-se a figura 2, que

representa um dos mapas esquemáticos mais antigos que serviu de base para o estudo desse

aglomerado urbano existente no passado assim como o mapa baseado nas antigas plantas topográficas

de praia da freguesia de Espinho, dado à estampa por Bandeira de Melo (1870, in Teixeira Lopes, 1995) e

Bandeira Neiva (1900, in Teixeira Lopes, 1995).

Figura 2 – Extracto da planta esquemática de 1933 realizada por J. C. Lopes (Câmara Municipal de Espinho, inédito).

Figure 2 – A detail of the 1933 plant sketch made by J. C. Lopes (Espinho City Council, unpublished).

Com todos os dados históricos reunidos foi criada uma base georreferenciada, onde se representou o

aglomerado numa perspectiva de evolução temporal. Na figura 3 encontra-se um exemplo da recolha

bibliográfica de artigos de jornais, de factos históricos e de registos com alguma relevância, usados para a

reconstituição histórica do sector em termos de invasões marinhas e que demonstra o sentimento de

impotência da população face a esse processo.

Para a delimitação da susceptibilidade da área em função das ocorrências foi usado um método de

análise espacial que permitiu avaliar a susceptibilidade do aglomerado populacional do Séc. XIX às

invasões do mar. Na caracterização de distribuição de ocorrências o processo de análise pontual foi

discriminado em termos do designado Efeito de Primeira Ordem. Este processo de análise considera os

eventos considerados globais ou de grande escala e corresponderem a variações no seu valor médio. Na

análise das ocorrências, calcula-se o valor da intensidade do processo dividindo o número de eventos por

unidade de área. O método usado para estimar as densidades de ocorrências foi o “Kernel Estimation”

Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira.

285

(Bailey & Gatrell, 1995). Trata-se de um método expedito que não é mais do que um estimador de

densidades usando um ponto central num raio pré-definido.

Figuras 3 – Imagens da colectânea de notícias sobre Espinho (1958-1960); Arquivos da Câmara Municipal de Espinho.

Figures 3 – Images from the Espinho news collection (1958-1960); Espinho City Council Archives.

A extensão DSAS (Digital Shoreline Analysis System) é um aplicativo que melhora as normais

funcionalidades do software da ESRI ArcGIS 9.0, e que permite ao utilizador calcular a variação da linha

de costa a partir de uma série de linhas devidamente posicionadas. Esta extensão está indicada, por

exemplo, para analisar as variações de linhas de costa ao longo do tempo e revela-se muito útil na

determinação da variação da posição de objectos que são representadas por polylines, como por

exemplo, a determinação do limite superior de um glaciar, ou para estimar os limites de um canal de um

rio (Thieler et al, 2005). A extensão limita-se a gerar transeptos ortogonais às linhas que intersecta,

calculando a respectiva variação e associando uma análise estatística que se encontra registada numa

tabela de atributos. A aplicação da extensão DSAS permitiu simular uma previsão da posição de linha de

costa actual sem a construção do campo de esporões.

4. RESULTADOS

4.1. Mapa de ocupação territorial: uma visão da história costeira

O mapa de ocupação territorial apresentado na figura 4 representa um histórico das ocorrências

relacionadas com as invasões do mar e que de algum modo trouxeram consequências no ordenamento

do território ou nas obras de protecção costeira edificadas. Neste projecto SIG, devidamente

A. Pires, A. Vinagre, A. Gomes, H. I. Chaminé

286

georreferenciado, foram abordadas as diferenças entre a cartografia actual (presente) e a documentação

cartográfica histórica. Este projecto apresenta ainda uma base interactiva onde se podem visualizar as

imagens, as datas, as observações e a identificação das ocorrências em termos de destruição do

edificado, danos materiais diversos e humanos e de obras marítimas. No aglomerado urbano

representado foram destacadas, para além dessas mesmas ocorrências, as linhas de invasões do mar

mais significativas, os arruamentos e as construções do Séc. XIX diferenciadas pela data de construção,

com a identificação de alguns edifícios de maior relevância, nomeadamente, o Posto de Socorros a

Náufragos, o Bairro dos Pescadores, o Bairro da Rainha e a Capela da Nª. Sra. da Ajuda.

Figura 4 – Mapa de ocupação territorial integrado numa base SIG interactiva.

Figure 4 – Map of territorial occupation in GIS interactive base.

4.2. Susceptibilidade do aglomerado populacional do Séc. XIX às invasões do mar

Os mapas de susceptibilidade foram obtidos através do Método de Kernel tendo em conta os parâmetros

descritos no Quadro 1. Os factores de ponderação considerados, foram baseados na diferenciação de 3

classes, desenvolvendo-se assim, os mapas de susceptibilidade para raios de influência de 50 m, 100 m,

150 m, 200 m e 500 m e que variam desde susceptibilidade baixa até elevada. Foram calculadas as

Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira.

287

densidades para cada parâmetro e para os diferentes raios e, posteriormente, foi calculada a soma destes

parâmetros. Na figura 5 encontram-se os resultados desse cálculo para 50 m, 200 m e 500 m de raio.

Embora os resultados estejam condicionados pelos dados disponíveis e por alguma imprecisão na

georreferenciação dos elementos cartográficos mais antigos, conseguiu-se definir uma área de maior

susceptibilidade que coincide com a implantação de uma das obras de protecção costeira (Obra 1

edificada em 1980, Praia da Baía).

Quadro 1 Síntese dos parâmetros considerados para os mapas de susceptibilidade.

Table 1 Synthesis of the parameters considered to the susceptibility maps.

Parâmetros Descrição

Factor de Ponderação (adaptado de Zuquette &

Gandolfi, 2004)

Observações

Construções do aglomerado urbano

Construções de 1900 a 1901; construções até 1899; palheiros; construções sem categoria ou data

1 a 3 Quanto mais perto da linha de costa se localizavam as construções, maior seria o factor

Total de ocorrências Destruição de infraestruturas e destruição de obras de protecção

1 e 3

Factor de ponderação mais baixo para a destruição das obras de protecção costeira, e mais elevado para a destruição de infraestruturas que normalmente envolviam vidas humanas

Linhas de invasões

Linhas que dizem respeito às invasões do mar com maior relevância na história de Espinho

3 —

Quarteirões

Pontos que representam o centróide dos arruamentos anteriores a 1889 e dos aprovados em 1900

2 —

4.3. Posição da linha de costa actual: perspectiva da faixa costeira sem as obras de

protecção costeira

Actualmente, o troço costeiro da freguesia de Espinho encontra-se protegido artificialmente por dois

grandes esporões, um a norte com uma extensão de 350 m, outro a sul com 400 m e, finalmente, uma

obra aderente com 400 m de comprimento (Fig. 6). A situação é considerada estável graças a estas

estruturas de protecção. Aproveitando então os dados cartográficos criados em ambiente SIG, realizou-se

uma previsão da linha de costa sem a construção das obras de protecção costeira implantadas em 1981-

83, através do uso da extensão DSAS (Digital Shoreline Analysis System). Foram usadas duas linhas de

costa a de 1901 e a de 1980, ou seja, a primeira, por ser a mais antiga e deste modo abranger um maior

número de anos, a segunda por ser a linha de costa imediatamente anterior à construção dos esporões

em 1981. O Quadro 2 apresenta um resumo dos parâmetros aplicados para a aplicação desta extensão.

Definiu-se a linha de base (baseline) paralela à linha de costa, e dividiu-se a linha de base em segmentos

de igual comprimento – transeptos. Na figura 6, pode-se visualizar o traçado das linhas de costa com o

cálculo dos transeptos. A partir dos transeptos traçados, conseguiu-se facilmente obter o EPR (End Point

Rate) cujo valor indica uma taxa média (metros por ano) de avanço/recuo na área em estudo. Através

A. Pires, A. Vinagre, A. Gomes, H. I. Chaminé

288

desta estimativa foi calculada a taxa de variação da posição da linha de costa (Dolan et al, 1991), i.e., a

tendência evolutiva (M) é:

M (m/ano) = yn – y1

tn – t1

em que, y é a distância entre as duas linhas de costa contíguas e t é o período temporal entre as duas

linhas de costa (n = linha mais antiga e 1 = linha de costa mais recente).

Figura 5 – Mapas de susceptibilidade para área de estudo.

Figure 5 – Susceptibility maps of the studied area.

Mediante este método expedito foi calculada a média destes valores de EPR para cada transepto,

chegando ao valor médio de 3,7 m/ano. No entanto, os valores obtidos revelam uma forte assimetria nas

taxas de recuo da linha de costa ao longo do sector estudado. Na área onde se localiza o esporão Norte

(Praia da Baía) atingem-se valores mínimos na ordem dos 0,12 metros/ano enquanto que a sul, junto do

bairro dos pescadores (próximo ao esporão da Marinha), se alcançam os valores máximos de 4,0

metros/ano. A figura 6 representa a projecção para cada transepto, do valor de EPR calculado a partir da

linha de costa de 1980 até 2002, e admitindo que as obras de protecção costeira não teriam sido

implantadas.

Em Dias et al (1994) são discutidas de uma forma concisa e exaustiva as diferentes taxas de recuo da

linha de costa obtidas por vários autores que se dedicaram ao estudo da faixa costeira de Espinho. Os

valores médios (3,8 metros/ano, no período entre 1870 e 1954; cf. Dias et al, 1994) apontados para a

frente urbana de Espinho estão em consonância com o presente estudo.

Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira.

289

Quadro 2 Síntese dos parâmetros considerados para a aplicação da extensão DSAS.

Table 2 Synthesis of parameters considered to the extension DSAS application.

Método DSAS

Data (linhas costa) - 1901 - 1980

Distância entre segmentos (transeptos)

25 m

Comprimento (transeptos) 400 m Linha de base a partir da costa (baseline) Usada

2ª linha de base a partir do mar (baseline combo)

Observações

Definiu-se a linha de contacto entre areia húmida/seca (marca deixada pela última maré cheia), incluindo as obras marítimas para a linha de costa de 1980

Figura 6 – Aplicação do método DSAS: A – Metodologia para a definição dos transeptos e cálculo do EPR; B – Linha

prevista após o incremento da taxa de variação por transepto (para o período 1980-2002).

Figure 6 – DSAS method application: A – Methodology for transects definition and EPR calculation; B – Predict line after the increment of variation rate for each transect (period between 1980-2002).

A. Pires, A. Vinagre, A. Gomes, H. I. Chaminé

290

5. CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo, nomeadamente a aplicação da extensão DSAS, vem ao encontro de ideias

preconizadas por outros autores (Dias et al, 1994 e referências citadas) onde se refere que as obras de

protecção costeira implantadas na área costeira de Espinho, se revelaram eficazes na protecção efectiva

da frente oceânica dos núcleos urbanos. No entanto, foram aparentemente ineficazes na atenuação da

erosão costeira ao longo da faixa costeira a Sul de Espinho (freguesias de Silvalde e Paramos) como

apontam alguns estudos (e.g., Dias et al, 1994).

A presente abordagem metodológica é um contributo para a compreensão da dinâmica costeira da faixa

litoral de Espinho que poderá ser útil na ponderação de decisões na gestão da faixa costeira. Através

deste estudo conseguiu-se obter uma base de dados sobre danos no litoral de Espinho, integrada num

projecto SIG interactivo. Neste projecto foram representadas as ocorrências mais significativas com

consequências para as infraestruturas e/ou obras marítimas, dando uma visão dos estragos destes

“avanços” do mar. Elaborou-se uma proposta de áreas de maior e menor susceptibilidade do aglomerado

urbano de Espinho a esses “avanços”. Através da extensão DSAS conseguiu-se prever uma linha de

costa sem obras costeiras. Finalmente, a ferramenta SIG revela-se um “laboratório” ideal para

estudar/experimentar prospectivamente estes cenários.

BIBLIOGRAFIA

Araújo, M. A. (2002) – Relative sea level, diastrophism and coastal erosion: the case of Espinho (Portuguese NW coast). Littoral

2002. In Veloso Gomes, F.; Taveira Pinto, F.; Luciana das Neves (Eds.) – Associação Eurocoast-Portugal, Porto, 2:

125-132.

Bailey, C. & Gatrell, A. (1995) – Interactive spatial data analysis. Adison Wesley Longman, 410p.

Dias, J. A. (2005) – Evolução da zona costeira portuguesa: forçamentos antrópicos e naturais. Revista Encontros

Científicos - Turismo, Gestão, Fiscalidade, Faro, 1: 7-27.

Dias, J. A.; Ferreira, O.; Pereira, A. Ramos (1994) – Estudo sintético de diagnóstico da geomorfologia e da dinâmica sedimentar dos

troços costeiros entre Espinho e Nazaré. Edição electrónica de 2005: w3.ualg.pt/~jdias/JAD/ebooks.

Dolan, R.; Fenster, M.; Holme, S. (1991) – Temporal analysis of shoreline recession and accretion. J. Coastal Research, 7,

3: 723-744.

EUrosion (2004) – Projecto EUrosion, ENV.B.3/SER/2001/00 30. http://www.eurosion.org

Ferreira Diniz (1909) – Praia de Espinho. A Construção Moderna, Ano IX, 29: 226-228.

Granja, H. M.; Ribeiro, I. C.; Soares de Carvalho, G.; Matias, M. S. (1999) – Some neotectonic indicators in quaternary formations of

the Northwest coastal zone of Portugal. Phys. Chem. Earth (A), 24 (4): 323-336.

INE – Instituto Nacional de Estatística (2001). http://www.ine.pt/

Lima, A. (1979) – Espinho: Breves apontamentos para a sua história. Espinho Boletim Cultural, 1: 11-44.

Lima, A. (1982) – As invasões do mar em Espinho. Espinho Boletim Cultural, 15/16: 333-341.

Mota Oliveira, I. B. & Martins, L. M. (1991) – Obras de defesa e de reconstrução das praias de Espinho. Revista Recursos Hídricos,

APRH, 12 (1/2): 71-88.

Ortigão, R. (1876) – As Praias de Portugal. Livraria Clássica Editora, Lisboa. 275p.

PDM – Plano Director Municipal (2004) – Plano Director Municipal da Câmara Municipal de Espinho. http://www.cm-espinho.pt.

Perdigão, F. (1931) – As obras de defesa da nossa praia. 1º Congresso de Engenharia Civil. Série de artigos do jornal “Defesa de

Espinho”, Fevereiro a Abril de 1976.

Aplicação SIG ao Ordenamento do Território na frente urbana de Espinho: uma previsão baseada na análise histórica da dinâmica costeira.

291

Pires, A.; Santiago Miranda, F.; Gomes, A.; Chaminé, H. I. (2006a) – Cartografia e inspecção de esporões da região de Espinho:

uma proposta metodológica na perspectiva da geotecnia. In Actas do 10º Congresso Nacional de Geotecnia. Sociedade

Portuguesa de Geotecnia, Univ. Nova de Lisboa, 1: 165-174.

Pires, A.; Gomes, A.; Chaminé, H. I. (2006b) – Morfodinâmica de sistemas costeiros: um exemplo de aplicação metodológica de SIG

na costa de Espinho. Livro de Resumos do 5º Simpósio sobre a Margem Ibérica Atlântica, Aveiro, p. 167-168.

Soares de Carvalho, G. (1995) – A história geológica da zona costeira de Espinho nos últimos 30 000 anos. Actas 1º Encontro de

História Local, Câmara Municipal de Espinho, p. 155-168.

Teixeira Lopes, J. N. (1995) – O nascimento de um aglomerado urbano. Espinho na segunda metade do século XIX. Actas 1º

Encontro de História Local, Câmara Municipal de Espinho, p. 101-105.

Thieler, E.; Himmelstoss, E.; Miller, T. (2005) – User guide & tutorial for the Digital Shoreline Analysis System (DSAS) version 3.0:

extension for ArcGIS v.9.0. Part of USGS Open-File Report 2005-1304.

Veloso Gomes, F.; Taveira-Pinto, F.; Neves, L.; Barbosa, J. (2006a) – Pilot site of River Douro: Cape Mondego and case studies of

Estela, Aveiro, Caparica, Vale do Lobo and Azores. EUrosion, A European Initiative for Sustainable Coastal Erosion

Management, EUROSION-PORTUGAL, 316p. + vol. anexos: 22p.

Veloso Gomes, F.; Barroco, A.; Pereira, A. Ramos; Sousa Reis, C.; Calado, H.; Gomes Ferreira, J.; Conceição Freitas, M.; Biscoito,

M. (2006b) – Bases para a estratégia de gestão integrada da zona costeira nacional. Grupo de Trabalho nomeado por

Despacho nº4 /2005 do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Versão para

discussão pública, 23 Janeiro 2006, 62p.

Zuquette, L. V. & Gandolfi, N. (2004) – Cartografia geotécnica. Oficina de Textos, Brasil, 189p.

AGRADECIMENTOS

São devidos agradecimentos à Câmara Municipal de Espinho, na pessoa do Sr. Rolando Sousa, pela

autorização na apresentação de alguns dados. Um agradecimento especial ao Sr. Artur Faustino pelos

seus conhecimentos do passado Espinhense. Ao Engº A. Mota Freitas (SOMAGUE) pela cedência de

importantes informações sobre o campo de esporões de Espinho, bem como as trocas de impressões

com o Engº F. Santiago Miranda (APDL) e o Prof. F. Piqueiro (FEUP). Este artigo é um contributo do

LABCARGA I&D (Laboratório de Cartografia e Geologia Aplicada, ISEP). Este trabalho resulta dum

estágio da co-autora A. Pires na Câmara Municipal de Espinho, enquadrado nas linhas de investigação do

LABCARGA I&D (ISEP) e no Curso de Pós-Graduação em SIG (FLUP). São devidos agradecimentos aos

comentários críticos do revisor ao manuscrito original.