APLICAÇÃO DE TÉCNICAS DA MEDICINA TRADICIONAL...
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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
PATRÍCIA TIEMI TAKAHACHI SANTANA
APLICAÇÃO DE TÉCNICAS DA MEDICINA TRADICIONAL CHINE SA
PARA A RECUPERAÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES
CURITIBA
2016
1
PATRÍCIA TIEMI TAKAHACHI SANTANA
APLICAÇÃO DE TÉCNICAS DA MEDICINA TRADICIONAL CHINE SA
PARA A RECUPERAÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES
Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau pela Universidade Tuiuti do Paraná em Medicina Veterinária. Professor Orientador: Lucyenne Giselle Popp Brasil Queiroz Orientador Profissional: Zalmir Silvino Cubas Orientador Profissional: Ana Carolina Fredianelli
CURITIBA
2016
2
Reitor
Prof. Luiz Guilherme Rangel Santos
Pró-Reitora Promoção Humana
Prof. Ana Margarida de Leão Taborda
Pró-Reitor
Sr. Carlos Eduardo Rangel Santos
Pró-Reitora Acadêmica
Prof. Carmen Luiza da Silva
Pró-Reitor de Planejamento
Sr. Afonso Celso Rangel dos Santos
Diretor de Graduação
Prof. João Henrique Faryniuk
Secretário Geral
Sr. Bruno Carneiro da Cunha Diniz
Coordenador do Curso de Medicina Veterinária
Prof. Welington Hartmann
Supervisora de Estágio Curricular
Prof. Elza Maria Galvão Ciffoni Arns
Campus Barigui
Rua Sydnei A Rangel Santos, 238
CEP: 82010-330 – Curitiba – PR
Fone: (41) 3331-7958
3
TERMO DE APROVAÇÃO
PATRÍCIA TIEMI TAKAHACHI SANTANA
APLICAÇÃO DE TÉCNICAS DA MEDICINA TRADICIONAL CHINE SA
PARA A RECUPERAÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi avaliado e aprovado para a obtenção do grau pela Universidade Tuiuti do Paraná em Medicina Veterinária.
Curitiba, 02 dezembro de 2016.
__________________________________________________
Bacharelado em Medicina Veterinária Universidade Tuiuti do Paraná
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Profª MSc. Lucyenne Giselle Popp Brasil Queiroz
__________________________________________
Profª MSc. Elza Maria Galvão Ciffoni Arns
__________________________________________
Profª Dra. Maria Aparecida Alcântara
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APRESENTAÇÃO
Este trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Medicina
Veterinária da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade Tuiuti
do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Médico Veterinário, é
composto pelos Relatórios de Estágio, onde são descritas as atividades realizadas
durante o período de um de julho a 29 de julho de 2016, no Refúgio Biológico Bela
Vista- ITAIPU Binacional, localizado no município de Foz do Iguaçu- PR. E durante o
período de onze de agosto a 14 de outubro de 2016, no Centro de Triagem de
Animais Silvestres da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, localizado no
município de Tijucas do Sul- PR, locais de cumprimento dos Estágios Curriculares, e
revisão bibliográfica sobre a Medicina Tradicional Chinesa e sua aplicação à animais
silvestres.
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RESUMO
O presente trabalho refere-se a dois estágios curriculares de Patrícia Tiemi
Takahachi Santana: o primeiro efetuado no Refúgio Biológico Bela Vista da ITAIPU
Binacional, em Foz do Iguaçu, PR, e o segundo, no Centro de Triagem de Animais
Silvestres em Tijucas do Sul, PR. Neste, foi possível acompanhar tratamentos que
utilizavam as técnicas da Medicina Tradicional Chinesa. O estudo foi assim
elaborado pela importância da fauna nacional e pela necessidade da ampliação dos
conhecimentos referentes à Medicina, abrangendo novas formas de análises
clínicas. O objetivo é expor a medicina de animais silvestres como área importante, e
os locais que agem em defesa da fauna nacional. Também, abordar métodos de
tratamento ainda não rotineiros na clínica de animais silvestres, como a acupuntura,
aquaterapia e a moxabustão. Espera-se, assim, aumentar o acolhimento destes
temas durante o curso de Medicina Veterinária, amplificando as possibilidades
relativas à Medicina. Foram feitos os relatórios de estágio com as devidas
descrições dos locais, demonstrados sucintamente exemplos clínicos, e
desenvolvida a revisão bibliográfica referente a um tema visto em prática durante o
estágio: a utilização de técnicas da Medicina Tradicional Chinesa na clínica de
animais silvestres. Puderam-se observar a importância de existirem locais que
cuidam da fauna silvestre e que desenvolvem ações de conscientização ambiental,
assim como a vulnerabilidade, principalmente da avifauna, perante a biopirataria e
as falhas governamentais frente à conservação. Quanto a diferentes métodos
terapêuticos, a Medicina oriental aparece como benéfica e uma interessante opção a
ser adotada, e cada vez mais utilizada, dependendo apenas da inclusão das
técnicas na graduação e da busca e aperfeiçoamento dos profissionais por
diferentes possibilidades.
Palavras- chave: Animais silvestres. Conservação. Medicina Tradicional Chinesa
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – ITAIPU BINACIONAL...............................................................
14
FIGURA 2 – INSTALAÇÕES DO REFÚGIO BIOLÓGICO BELA VISTA, 2016..........................................................................................
15
FIGURA 3 – ESQUEMA DA INTERAÇÃO DO REFÚGIO BIOLÓGICO BELA VISTA E A ITAIPU BINACIONAL, 2016.........................
16
FIGURA 4 – BIOTÉRIO DO REFÚGIO BIOLÓGICO BELA VISTA, 2016: CAIXAS PARA RATOS............................................................
17
FIGURA 5 – LESÕES EM MAZAMA BORORO...........................................
19
FIGURA 6 – IMOBILIZAÇÃO DE MEMBRO PÉLVICO E RADIOGRAFIA DE NASUA NASUA..................................................................
20
FIGURA 7 – COZINHA ONDE SÃO PREPARADOS OS ALIMENTOS PARA OS ANIMAIS DO C.I.A.S.I., 2016..................................
22
FIGURA 8 – GÜIRÁ OGA, 2016...................................................................
23
FIGURA 9 – REPRESENTAÇÃO DOS LIMITES DE VFPSE E A LOCALIZAÇÃO DO CETAS DENTRO DA RESERVA.............
25
FIGURA 10 – INSTALAÇÕES DO CETAS, 2016...........................................
26
FIGURA 11 – DEPÓSITO DE FRUTAS, SEMENTES E RAÇÕES NA COZINHA DOS ANIMAIS DO CETAS, 2016...........................
27
FIGURA 12 – PASTAS ONDE ERAM ALOCADAS AS FICHAS CLÍNICAS DOS ANIMAIS DO CETAS, 2016.............................................
28
FIGURA 13 – DESTINO DE ANIMAIS RECEBIDOS PELO CETAS NO PERÍODO DE 27 DE JUNHO A 14 DE OUTUBRO DE 2016..........................................................................................
29
FIGURA 14 – CLASSIFICAÇÃO TAXONÔMICA PELA ORDEM DAS AVES RECEBIDAS PELO CETAS NO PERÍODO DE 27 DE JUNHO A 14 DE OUTUBRO DE 2016.....................................
31
FIGURA 15 – PROPORÇÕES DO YIN E DO YANG.....................................
35
FIGURA 16 – CICLO DE GERAÇÃO E CICLO DE CONTROLE DOS CINCO ELEMENTOS...............................................................
36
FIGURA 17 – ACUPONTOS EM PÁSSARO DA ORDEM PSITTACIFORMES..................................................................
38
FIGURA 18 – COMPARATIVO DAS MEDIDAS EM CUN NO CÃO E NO SER HUMANO.........................................................................
39
7
FIGURA 19 – RELÓGIO CIRCADIANO DA MEDICINA VETERINÁRIA TRADICIONAL CHINESA DOS DOZE CANAIS REGULARES...........................................................................
44
FIGURA 20 – ALGUNS DOS ANIMAIS DO CETAS TRATADOS ATRAVÉS DA MTC, 2016..........................................................................
45
FIGURA 21 – MOXABUSTÃO E ACUPUNTURA EM DIDELPHIS ALBIVENTRIS..........................................................................
48
FIGURA 22 – ACUPUNTURA E MOXABUSTÃO EM IGUANA IGUANA.......
49
FIGURA 23 – SPHIGGURUS VILLOSUS EM SESSÃO DE ACUPUNTURA E MOXABUSTÃO.....................................................................
50
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LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – ESPÉCIES DE MAMÍFEROS E RÉPTEIS RECEBIDOS NO CETAS DURANTE O ESTÁGIO, 2016........................
30
QUADRO 2 – EXEMPLOS DE RELAÇÕES YIN E YANG....................... 33
QUADRO 3 – USO DE TÉCNICAS DA MTC EM MAMÍFEROS DO CETAS...............................................................................
46
QUADRO 4 – USO DE TÉCNICAS DA MTC EM AVES DO CETAS....... 47
QUADRO 5 – USO DE TÉCNICAS DA MTC EM RÉPTEIS DO CETAS.
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LISTA DE SIGLAS
APC Associação Paranaense de Cultura
CASIB Criadouro de Animais Silvestres da ITAIPU Binacional
CEASA Central de Abastecimento
CETAS Centro de Triagem de Animais Selvagens
C.I.A.S.I. Centro de Investigación de Animales Silvestres
ETA Estação de Tratamento de Água
IAP Instituto Ambiental do Paraná
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IFSE Instituição Filantrópica Sergius Erdelyi
Kg Quilograma
km Quilômetro
mg Miligrama
mL Mililitro
MTC Medicina Tradicional Chinesa
NK Natural Killer
PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná
PUC Pontifícia Universidade Católica
TCR Receptor de antígeno do linfócito T
TPC Tempo de Preenchimento Capilar
VFPSE VIVAT Floresta Park Sistemas Ecológicos
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................ 11 2 REFÚGIO BIOLÓGICO BELA VISTA – ITAIPU BINACIONAL ................ 13 2.1 LOCAL DE ESTÁGIO................................................................................ 13 2.2 ATIVIDADES DO ESTÁGIO...................................................................... 15 2.2.1 Atendimentos clínicos................................................................................ 17 2.2.2 Visitas técnicas.......................................................................................... 21 3 CETAS – CENTRO DE TRIAGEM DE ANIMAIS SILVESTRES ................ 24 3.1 LOCAL DE ESTÁGIO................................................................................. 24 3.2 ATIVIDADES DO ESTÁGIO....................................................................... 25 3.3 CASUÍSTICA............................................................................................... 29 4 MEDICINA TRADICIONAL CHINESA APLICADA À ANIMAIS
SELVAGENS .............................................................................................. 32
4.1 CASOS NO CETAS.................................................................................... 44 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 52 REFERÊNCIAS....................................................................................................... 54 GLOSSÁRIO ........................................................................................................... 57
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado de acordo com os estágios curriculares da aluna
Patrícia Tiemi Takahachi Santana realizados em dois locais na área de animais
selvagens que, somados, resultaram em um total de 478 horas de estágio. O
primeiro foi realizado no Refúgio Biológico Bela Vista da ITAIPU Binacional,
localizado em Foz do Iguaçu, PR, e o segundo, no Centro de Triagem de Animais
Silvestres (CETAS), administrado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
em Tijucas do Sul, PR.
O Refúgio Biológico Bela Vista foi criado a partir da necessidade de
conservação ambiental frente às construções da usina hidrelétrica de ITAIPU, que
atingiu diretamente a fauna e a flora locais. Seu objetivo principal é a conservação
da biodiversidade regional in situ e ex situ. Neste estágio foram apresentadas as
atividades executadas, dois breves casos clínicos e as visitas técnicas a importantes
locais situados no Paraguai e na Argentina.
O CETAS detém a finalidade de receber, identificar, marcar, triar, avaliar,
recuperar, reabilitar e destinar animais silvestres provenientes da entrega voluntária
de particulares, da ação da fiscalização ou de resgates da Polícia Ambiental e
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
Pertinente a este estágio foram descritas as atividades realizadas, apresentada uma
breve casuística e desenvolvida a revisão de literatura referente à Medicina
Tradicional Chinesa (MTC) com destaque para a acupuntura, a partir de tratamentos
acompanhados durante o período de estágio.
As técnicas pertencentes à MTC mais desenvolvidas neste trabalho foram a
acupuntura, moxabustão, aquapuntura e auriculoacupuntura. Mas esta Medicina
abrange também técnicas de massagem, exercícios respiratórios, orientações
nutricionais e administrações de medicamentos de origem animal, vegetal e mineral.
Deve-se lembrar que há limitações em alguns tratamentos quando os pacientes são
animais silvestres e principalmente quando são provenientes de vida livre.
A acupuntura é uma técnica que insere agulhas em pontos específicos
(acupontos), distribuídos pelo corpo do animal e, entre seus objetivos, estão a
restauração do equilíbrio do organismo e o alívio da dor. A moxabustão é realizada
pela queima da erva Artemisia sp., e seu calor é colocado próximo ou sobre um
ponto ou ferida, podendo ser empregada sozinha ou em conjunto com a acupuntura.
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A aquapuntura injeta uma pequena quantia de algum líquido nos acupontos, e a
auriculoacupuntura insere agulhas em diversos pontos da orelha que têm relação
com o restante do corpo do paciente.
O objetivo deste trabalho é expor a área da medicina de animais silvestres e
importantes locais que agem em prol principalmente da fauna nacional, assim como
abordar um método de tratamento ainda não usual na rotina clínica de animais
silvestres. Com isso, espera-se aumentar o acolhimento destes temas não somente
na profissão prática do Médico Veterinário, mas também durante a graduação,
amplificando os conhecimentos e as possibilidades relativas à medicina.
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2 REFÚGIO BIOLÓGICO BELA VISTA - ITAIPU BINACIONAL
Estágio realizado entre primeiro de julho de 2016 até o dia 29 de julho do
mesmo ano, sob supervisão do Médico Veterinário Zalmir Silvino Cubas, totalizando
126 horas de estágio.
2.1 LOCAL DE ESTÁGIO
O Refúgio Biológico Bela Vista - ITAIPU Binacional, está localizado na Rua
Teresina, 62- Vila ‘C’ Nova, em Foz do Iguaçu/PR. É uma unidade de proteção
ambiental pertencente à usina hidrelétrica ITAIPU Binacional, localizada no Rio
Paraná, em um trecho de fronteira entre Paraguai e Brasil, cerca de 14 km ao norte
da Ponte da Amizade, abrangendo os municípios de Ciudad del Leste, no Paraguai,
e Foz do Iguaçu, no Brasil.
Em 1974 iniciou-se a construção da ITAIPU BinacionaI. Seu nome, Itaipu,
palavra originária do Tupi significa “a pedra que canta”. Para manter, pesquisar e
reproduzir animais e plantas afetadas pela criação do reservatório, sendo um local
de trabalho para profissionais da área ambiental, formou-se o Refúgio Biológico Bela
Vista (figura 1), bem como o CASIB (Criadouro de Animais Silvestres da ITAIPU
Binacional), registrado no IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis) em 1988, fundado na época para alojar animais
silvestres resgatados na operação Mymba Kuera (em Tupi- Guarani “pega bicho”),
durante a criação do reservatório. O maior objetivo do Refúgio é a conservação da
biodiversidade regional de flora e fauna, tanto in situ como ex situ. O CASIB,
atualmente, empenha-se em criar animais nativos da Bacia do Rio Paraná para
pesquisas, manutenção de um banco genético, manutenção de animais e futuras
reintroduções de espécies ameaçadas (NETO, 2013; ITAIPU BINACIONAL, 2016;
WU, 2015).
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Figura 1 – ITAIPU Binacional
Barragem da usina hidrelétrica ITAIPU Binacional, 2016 (a) e vista aérea do Refúgio Biológico Bela
Vista (b)
Fonte: http://jie.itaipu.gov.br/node/56253 (b)
Dentre as atividades desenvolvidas pelo Refúgio estão a recuperação de
áreas degradadas, com produção de mudas florestais, pesquisa e produção de
plantas medicinais, estudos da ictiofauna, além da promoção da conservação,
reprodução e reabilitação de animais silvestres juntamente com ações de educação
ambiental da comunidade e de viajantes (WU, 2015).
Com cerca de 700 m², o Hospital Veterinário (figura 2) possui estrutura para
realizar atendimentos ambulatoriais, clínicos e cirúrgicos, além de necropsias e
pesquisas científicas. Os animais atendidos provêm do CASIB, do Zoológico
Roberto Ribas Lange (localizado igualmente dentro da ITAIPU Binacional e que tem
como pilar a educação ambiental) e de animais de vida livre que chegam pela
Polícia Ambiental. Também podem ser oriundos de outras instituições como o
Zoológico Municipal Bosque Guarani e o Parque das Aves. O CASIB, localizado no
Refúgio Biológico Bela Vista, promove estudos relacionados à fauna e possui
capacidade para abrigar até 300 animais. Aproximadamente 800 animais de 42
espécies já foram reproduzidos pelo centro e o índice de sobrevivência dos filhotes
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ultrapassa 70%. Um de seus objetivos é manter um banco de reserva genômica não
congelado de espécies da região Oeste do Paraná que estão ameaçadas.
Presentemente, destaca-se o programa de reprodução em cativeiro de Harpia
harpija (harpia, ou gavião real), possuindo cerca de 21 aves, entre adultos e filhotes.
(WU, 2015; ITAIPU BINACIONAL, 2016).
Figura 2 – Instalações do Refúgio Biológico Bela Vista, 2016
Planta da disposição (a), área externa (observar telhado ecológico) (b), placa de recepção do hospital
veterinário do Refúgio Biológico Bela Vista (c)
2.2 ATIVIDADES DO ESTÁGIO
A ITAIPU Binacional, frente aos danos ambientais que gerou, criou o Refúgio
Biológico Bela Vista, que envolve o CASIB e o Zoológico Roberto Ribas Lange. Para
esclarecer e ajudar a entender a unidade, considere-se esquema que segue (figura
3).
a
b c
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Figura 3 – Esquema da interação do Refúgio Biológico Bela Vista e a ITAIPU
Binacional, 2016
As atividades do estágio contemplavam principalmente o atendimento clínico
dos animais, mas também foi possível participar de outros setores da unidade. Nos
primeiros dias, foi acompanhada a rotina da Nutrição, setor responsável pela
alimentação dos animais, tanto do CASIB, como do Zoológico. Na cozinha de
preparo das refeições dos animais eram preparados todos os alimentos que seriam
fornecidos no dia, sendo que cada animal possuía uma dieta específica, que variava
durante os dias da semana e período (manhã/tarde). Para melhor orientação dos
funcionários, todos os ingredientes com suas respectivas porções estavam descritos
em cadernos detalhados que permaneciam na cozinha e podiam ser consultados a
qualquer momento.
As frutas e legumes eram provenientes do CEASA (Central de
Abastecimento), já os verdes eram plantados, produzidos e colhidos da horta
interna. Ratos, coelhos e codornas também eram criados para a alimentação dos
animais. Peixes eram provenientes do lago ou podiam ser comprados. Na cozinha,
existia uma câmara fria para armazenar frutas e verduras, e um freezer para as
carnes.
Os funcionários do Refúgio eram divididos em equipes: a de preparação dos
alimentos e a que distribuía os mesmos para os animais. Esses funcionários
recebiam treinamento específico para suas funções, ficavam um mês cuidando dos
animais nos recintos para observá-los, conhecê-los e somente depois permaneciam
na cozinha para, assim, preparar com melhor propriedade os alimentos, já que o
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tamanho e o tipo da comida cortada para cada espécie animal variava. Quando
solicitado, também adicionavam medicamentos aos alimentos de animais que
necessitavam de tratamento, sob orientação do Médico Veterinário responsável.
Os utensílios e as bandejas de alimentação dos animais eram higienizados
em uma sala própria; a lavagem era feita com água, sabão e molho em água
sanitária, sendo que para cada função havia um tanque específico.
Ademais, puderam-se acompanhar as atividades do biotério onde, dentre os
animais criados, estavam ratos (figura 4), codornas e coelhos, além de baratas. Para
a introdução de animais novos, era realizada uma quarentena, e somente depois de
verificar a integridade sanitária do animal é que este era incluído no plantel. Todos
os animais eram monitorados, separados por sexo, idade e função (reprodutor ou
matriz). Os abates eram manuais, realizados somente por funcionários da unidade.
A população de cada espécie presente no biotério era constantemente monitorada,
ao exemplo das codornas: eram realizadas ovoscopias para o controle do estágio de
desenvolvimento dos ovos e sua viabilidade. Havia chocadeiras e câmaras de
crescimento para os pintainhos e tudo era anotado em planilhas.
Figura 4 – Biotério do Refúgio Biológico Bela Vista, 2016: caixas para ratos
Outra atividade desempenhada foi o acompanhamento da rotina no Zoológico
Roberto Ribas Lange, sendo possível observar os manejos principais dos animais
em exposição.
2.2.1 Atendimentos clínicos
As contenções físicas dos animais eram todas realizadas pelos tratadores,
que recebiam treinamento específico para a função e eram certificados para o
trabalho. As atividades clínicas eram variadas, incluindo atendimento emergencial e
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exames clínicos de rotina, além de necropsias e estudos em laboratório. A exemplo,
em um exame físico de rotina em aves observava-se:
1- a atividade do animal e respostas à manipulação;
2- a cavidade oral, coloração de mucosas;
3- a cavidade nasal;
4- o reflexo pupilar;
5- a quilha (para determinar escore corporal);
6- crepitações em membros;
7- a região plantar das patas (importante para indícios de pododermatite);
8- a cloaca;
9- o conjunto de penas (principalmente as rêmiges e as retrizes);
10- a frequência cardíaca, respiratória e temperatura retal;
11- o Tempo de Preenchimento Capilar (TPC);
12- o grau de hidratação;
13- o padrão respiratório e auscultavam-se todos os sacos aéreos.
Outros procedimentos clínicos também foram realizados em cadáveres para o
aprimoramento e aprendizagem das técnicas. Dentre as técnicas estavam os
acessos intraósseos, de sacos aéreos e acessos para desobstruções em traquéia.
O primeiro atendimento clínico realizado foi a um Mazama bororo (veado
mateiro pequeno, veado vermelho ou veado bororó), fêmea, que possuía lesão em
face direita, na região do músculo masseter, com presença de secreção purulenta
de formato circular, com aproximadamente quatro centímetros de diâmetro. Também
apresentava lesão na base da cauda (figura 5).
A contenção química foi realizada com cetamina (20 mg/Kg) + detomidina
(0,04 mg/Kg), por via intramuscular, na região anterior da coxa. O animal foi contido
em seu recinto e transportado ao ambulatório do hospital veterinário para a
realização dos procedimentos.
Foi efetuada a higienização das feridas com clorexidine, realizado o
debridamento e lavagem com solução de gentamicina. O animal foi canulado e
recebeu 300 mL de fluidoterapia de Ringer com Lactato + 3 mL de suplemento com
macro e microminerais, vitaminas do complexo B, aminoácidos, nicotinamida e
frutose. Recebeu ainda Monovin® A e E, na quantidade de 0,5 mL por via
subcutânea, 4,8 mL de enrofloxacina, 0,96 mL de ceftiofur e 1,2 mL de meloxicam,
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todos intramusculares. Como medicação tópica, aplicou-se pomada de Digluconato
de Clorexidina adicionada de açúcar, para cicatrização por segunda intenção.
Figura 5 – Lesões em Mazama bororo
Lesões na face (a) e base da cauda (b), já com a pomada adicionada de açúcar
Em seguida, o animal ficou sob observação até o seu retorno total da
contenção química e permaneceu em seu recinto normalmente.
A principal suspeita neste incidente era mordedura de animal silvestre. Uma
problemática enfrentada pelo Refúgio eram os animais de vida livre dentro dos
recintos dos animais de cativeiro. Observavam-se principalmente quatis e primatas
como o macaco prego. Este, muito facilmente, era visto roubando alimento dos
recintos e até mesmo potes de comida.
Foi atendido um Nasua nasua (quati), macho adulto e de vida livre, para
reavaliação e imobilização de membro pélvico esquerdo. O animal, encaminhado ao
Refúgio por seguranças da ITAIPU Binacional, havia sido acidentalmente atropelado
há 16 dias. Em exame radiográfico, as principais alterações observadas eram fratura
em osso temporal, arco zigomático e deslocamento de articulação
temporomandibular esquerdos, além de fratura proximal em fíbula esquerda e
luxação de articulação tibiotársica do mesmo lado (figura 6). A contenção deste
animal foi realizada com 15 mg/Kg de cetamina, 0,5 mg/Kg de diazepam, 4 mg/Kg
de meperidina e a manutenção com isoflurano. Para a imobilização foram utilizados
os seguintes materiais: algodão, gaze, tala, bandagem elástica, esparadrapo e fita
a b
20
adesiva. A colocação das faixas foi feita em sentido helicoidal para evitar a formação
de um garrote no membro. A pressão empregada foi delicada para não machucar o
animal e, ao mesmo tempo, firme para que não se deslocasse ou fosse retirada pelo
paciente (figura 6).
O animal foi observado até que retornasse à consciência e permaneceu no
recinto de internamento.
Figura 6 – Imobilização de membro pélvico e radiografia de Nasua nasua
Setas brancas indicam fratura em face esquerda (a), asterisco e seta verde indicam fratura em fíbula
e luxação em articulação tibiotársica esquerda, respectivamente (b)
2.2.2 Visitas técnicas
Durante o estágio em Foz do Iguaçu, foram realizadas diversas visitas
técnicas. Uma delas foi ao Laboratório Ambiental, onde são realizados os exames
laboratoriais, microbiológicos (antibiograma e cultura), coproparasitológicos, urinálise
e hematológicos dos animais tratados, e que também é responsável pelos testes de
qualidade de água e alimentos utilizados na ITAIPU Binacional.
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Com início das atividades em 1991, tem como objetivo apoiar as operações
ambientais da Entidade, subsidiando as ações vinculadas ao programa de Manejo
Faunístico e Ictiológico; pesquisar agentes biológicos associados à biodeterioração
de estruturas e materiais da Central Hidrelétrica; realizar a bacteriologia da água do
Reservatório, da Bacia do Paraná III e ETAs da Empresa, e coadjuvar na prevenção
de doenças ocupacionais dos empregados monitorando a qualidade de vida em
relação ao meio ambiente de trabalho (SANTOS, 2011).
O Laboratório realiza o controle de potabilidade da água do lado brasileiro da
ITAIPU Binacional duas vezes por semana e, a cada seis meses, faz medição da
qualidade do ar. Também possui parcerias com pescadores, realizando o controle
da carne processada de peixes e o controle dos peixes defumados.
No Laboratório Ambiental foi possível conhecer a estrutura, o corpo técnico, e
também acompanhar e realizar exames de amostras encaminhadas pelo Refúgio
que foram coletadas pelos próprios estagiários. Realizaram-se esfregaços
sanguíneos, microhematócrito, coloração de lâminas, dosagem de proteína
plasmática entre outros diversos exames.
Outra importante visita técnica efetuada foi ao Centro de Investigación de
Animales Silvestres (C.I.A.S.I.), localizado no lado paraguaio da ITAIPU Binacional,
que conta com uma área de 12 hectares. O C.I.A.S.I. é uma unidade especializada
com o objetivo de desenvolver educação ambiental, pesquisas sobre o manejo de
animais silvestres em cativeiro e semi cativeiro, e de manter grupos representativos
de animais autóctones. Entre seus trabalhos está a reprodução em cativeiro de
espécies ameaçadas como a onça pintada, o cachorro vinagre, o cervo do pantanal
e o mutum de penacho (ITAIPU BINACIONAL, 2016). Nesta visita foi possível
conhecer os profissionais que atuam no Centro em prol da fauna e toda a estrutura
do local. Como exemplo, a cozinha de preparação de alimentos dos animais é muito
bem equipada e para o manuseio dos alimentos é obrigatório o uso de
Equipamentos de Proteção Individual, além de roupas e calçados especiais que são
utilizados somente dentro da cozinha. Todos os cuidados são para manter os
alimentos o mais limpos possível e evitar o trânsito de patógenos. O preparo de
frutas, verduras e legumes é realizado separadamente das carnes, que possui um
espaço próprio (figura 7).
22
Figura 7 – Cozinha onde são preparados os alimentos para os animais do C.I.A.S.I.,
2016
Setor das carnes (a) e setor das frutas, verduras e legumes (b)
Na Argentina, foi realizada visita ao Güirá Oga, um refúgio de animais
silvestres localizado na província de Misiones, que faz divisa com o Parque Nacional
(figura 8). Seu nome deriva do Tupi Guarani, significa ‘casa dos pássaros’, e foi
fundado em 23 de agosto de 1997. O Refúgio recebe animais feridos, vítimas de
acidentes, provenientes de tráfico ilegal de fauna silvestre ou de pessoas que os
tinham como animais de estimação. Ao chegar um animal, este é imediatamente
avaliado por Médicos Veterinários. Se apresentam alguma debilidade, são tratados,
se estão íntegros, são transportados para uma área de quarentena. Nesta área são
realizados outros exames e observações. Animais filhotes possuem um atendimento
diferenciado e isolado. Após a fase de quarentena, o animal é alojado nos recintos
de recuperação e, em seguida, nos de reabilitação e adaptação. Se o animal não
apresentar nenhum problema e estando com o comportamento natural ativo, ele é
então liberado e reintroduzido à natureza. Animais que não podem, por algum
motivo, retornar à vida livre são incorporados ao plantel do Refúgio. Também são
realizadas, em cativeiro, crias de algumas espécies importantes ameaçadas, como
por exemplo, o macuco. Por fim, paralelamente a todos esses trabalhos, o Güirá
Oga ainda promove a educação ambiental e preconiza pela proteção da fauna e
flora (GÜIRÁ OGA, 2016). Na visita, foi possível conhecer também os trabalhos
realizados com a falcoaria, havendo um corpo técnico altamente capacitado que faz
este tipo de manejo constantemente.
A construção de Güirá Oga foi efetuada de forma que árvores não fossem
cortadas, tanto que é possível observar árvores inteiras dentro dos
estabelecimentos, no meio de uma sala, por exemplo. Assim como é possível
observar as trilhas que são sinuosas e respeitam as curvas naturais da mata, o que
além de ser menos agressivo à natureza diminui o risco de erosões. Os recintos dos
a b
23
animais são compostos pela mata nativa e se encontram todos envoltos por ela;
maioria possui um formato arredondado, o que permite às aves melhores condições
de voo e também faz com que, em caso de acidentes com quedas de árvores, elas
deslizem no recinto e caiam ao chão (figura 8).
Figura 8 – Güirá Oga, 2016
Recinto (a) e área de voo para falcoaria (b), vista aérea de Güirá Oga (c)
Fonte: Rolim (2016) (a, b); http://www.guiraoga.com.ar/visitenos.php (c).
a b
c
24
3 CETAS – CENTRO DE TRIAGEM DE ANIMAIS SILVESTRES
Estágio realizado entre o dia onze de agosto de 2016 e o dia 14 de outubro do
mesmo ano, sob supervisão da Médica Veterinária Ana Carolina Fredianelli,
totalizando 352 horas de estágio.
3.1 LOCAL DE ESTÁGIO
O CETAS, localizado em Tijucas do Sul/PR, região metropolitana de Curitiba,
mantido pela PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), é o único local
com permissão no estado do Paraná para receber animais silvestres que são
encaminhados pelo IAP (Instituto Ambiental do Paraná), pelo IBAMA e pela Polícia
Ambiental (PUC, 2007). Atualmente, distribuídos por todo o território nacional,
existem cerca de 30 Centros de Triagem de Animais Silvestres (COSTA, 2015).
Empreendimento autorizado pelo IBAMA, um CETAS pode ser apenas de
pessoa jurídica e possui a finalidade de receber, identificar, marcar, triar, avaliar,
recuperar, reabilitar e destinar animais silvestres provenientes de resgates, da ação
da fiscalização ou da entrega voluntária de particulares. Quando um animal chega
ao CETAS, tem sua espécie identificada, é avaliado clinicamente, tratado se
apresentar alguma doença ou ferimento até a sua recuperação, e então poderá ser
destinado a criadouros científicos, zoológicos, mantenedouros ou,
preferencialmente, a programas de soltura (IBAMA; FILHO, 2008).
Se o animal chegar em condições excelentes de saúde e for claramente de
vida livre, dependendo da espécie em questão, a soltura pode ser imediata. Assim
como, se o animal estiver em sofrimento, o tratamento for muito complicado e as
chances de sobrevivência forem quase nulas, pode-se, a critério do Médico
Veterinário responsável, optar pela eutanásia.
O único CETAS do Paraná localiza-se dentro de uma reserva florestal que é
preenchida pela Mata Atlântica, um dos biomas mais ricos e diversificado ameaçado
de extinção no país (figura 9). A reserva criada em 1998, VIVAT Floresta Park
Sistemas Ecológicos – VFPSE está a 50 km da capital, Curitiba, e possui 5.084
hectares, abrangendo os municípios de São José dos Pinhais, Agudos do Sul e
Tijucas do Sul. Foi constituída em acordo de cooperação técnica firmado entre a
PUCPR, através de sua mantenedora, a Associação Paranaense de Cultura (APC),
25
e a Instituição Filantrópica Sergius Erdelyi (IFSE), entidade que desenvolve
trabalhos de Ação Social e de Conservação do Meio Ambiente (FILHO, 2008).
Figura 9 – Representação dos limites de VFPSE e a localização do CETAS dentro
da reserva
Fonte: Adaptado de Filho (2008).
3.2 ATIVIDADES DO ESTÁGIO
As atividades, durante o estágio no Centro de Triagem de Animais Silvestres,
eram variadas e muito dependiam do fluxo das apreensões do tráfico de animais
silvestres e denúncias de maus tratos que eram encaminhadas pelo IAP, IBAMA e
pela Polícia Ambiental, ou das entregas de doação. A rotina do estágio era
composta pelo manejo dos animais internados e do plantel, assim como pela parte
clínica. Dentre as atividades estavam o auxílio nos cuidados com os recintos e
gaiolas, com preparação de poleiros, camas, realização de enriquecimento
ambiental, limpeza e higienização, cuidados nutricionais com preparação de
alimentos, e auxílio geral aos funcionários do Centro. Exames de necropsia também
puderam ser acompanhados.
O CETAS possui uma área de recebimento de animais com escritório, sala de
procedimentos, internamento, sala aquecida, sala dos répteis e biotério, cozinha
para animais, um depósito, recintos externos e cozinha para os funcionários (figura
10). Com isso, além dos procedimentos clínicos de rotina, era necessário realizar a
ronda do Centro, que consistia na observação das gaiolas internas, dos recintos
26
externos, detalhando para as telas de proteção, camas, poleiros, o enriquecimento
ambiental, área de fuga, área para banho de sol, proteção contra correntes de ar,
potes de água e comida (estavam cheios ou vazios) e qualidade dos alimentos.
Quanto aos animais: se apresentavam ferimentos, como era o comportamento
individual e em grupo, se havia óbitos, doentes ou estresse severamente
aumentado. E, ainda, se eram percebidos sinais de caça, ausência de algum animal
(furto?), ou demais considerações notórias. Qualquer anormalidade era
imediatamente relatada aos profissionais ali responsáveis.
Figura 10 – Instalações do CETAS, 2016
Sala de procedimentos (a, b), recintos externos (c, d)
Para a preparação dos alimentos, era importante observar os hábitos
particulares de cada espécie, qual a dieta, o tamanho de cada animal, pois,
dependendo do alimento, era necessário cortá-lo de um modo específico (figura 11).
Faziam-se dietas específicas para pacientes internados que necessitavam de um
preparo diferenciado, com suplementos, consistências que facilitassem a ingestão
como, por exemplo, papinhas, e escolhendo ingredientes palatáveis e de fácil
digestão. Para filhotes, a atenção era redobrada, os cuidados com a higiene na
preparação e na administração do alimento deviam ser ainda maiores. Muito
importante, também, o fornecimento com quantidade e periodicidade controladas, já
que normalmente filhotes devem ser alimentados com uma frequência maior que um
a b
c d
27
animal adulto, a fim de evitar quadros de hipoglicemia passíveis de ocasionar óbito,
principalmente considerando que muitos desses filhotes já chegavam debilitados ao
Centro.
Figura 11 – Depósito de frutas, sementes e rações na cozinha dos animais do
CETAS, 2016
As contenções físicas dos animais também estavam entre as funções do
estágio. Para a administração das medicações, ou realização de qualquer
procedimento no animal, era obrigatório o uso de Equipamento de Proteção
Individual respectivo à contenção a ser realizada: por exemplo, ao manejar
rapinantes, era necessária a luva de couro. As atividades clínicas dependiam da
casuística e eram orientadas através das fichas clínicas dos animais que estavam
em tratamento ou observação constante. Estas fichas ficavam organizadas por
pastas intituladas “antibióticos”, “outros” e “semanais”, e respeitavam uma rotina
prática e lógica (figura 12). Pela manhã, primeiramente eram feitas as medicações
antibióticas separadas na pasta “antibióticos”, após o término dos cuidados clínicos,
fazia-se o auxílio no manejo geral dos animais, com limpeza de recintos e gaiolas,
preparação de alimentos, organização do ambiente como um todo e demais
atividades necessárias. Após, eram feitas as atividades da pasta “outros”, nela havia
procedimentos como aplicações de medicamentos subcutâneos e intramusculares,
manejo de feridas, administrações orais, tópicas, fluidoterapias, entre outras
diversas atividades. Em seguida, realizavam-se os procedimentos da pasta
“semanais”, onde ficavam as fichas de animais que eram avaliados com um intervalo
de tempo maior, e não diariamente como os animais com as fichas alocadas na
28
pasta “outros”. Ao final, a pasta de “antibióticos” era novamente cumprida: como
normalmente os antibióticos eram realizados a cada 12 horas, esta era a única pasta
com atividades realizadas duas vezes ao dia.
Dentre as terapias utilizadas no CETAS destacavam-se, além da alopatia, a
homeopatia, fitoterapia e a utilização da Medicina Tradicional Chinesa
principalmente com o uso de acupuntura, aquapuntura, auriculoterapia e
moxabustão com a erva Artemísia sinensis. O tratamento de animais silvestres com
essas técnicas possibilitava melhoras significativas e apresentou resultados muito
positivos em diversos casos. Foi possível acompanhar sessões em aves, répteis e
mamíferos do Centro.
Figura 12 – Pastas onde eram alocadas as fichas clínicas dos animais do CETAS,
2016
Quando uma apreensão chegava, realizava-se uma análise rápida dos
animais, identificando possíveis emergências ou urgências, verificando a quantidade
e as espécies apreendidas, e as condições de suas gaiolas. Havia uma grande parte
burocrática de preenchimento de documentos, atividade realizada apenas pela
Médica Veterinária responsável ou pela residente do Centro. Eram colocados
alimentos e água fresca para todos os animais até que os mesmos fossem
examinados clinicamente e transferidos para outras gaiolas, caixas, recintos, ou até
mesmo fossem devolvidos à natureza. Animais em gaiolas de madeira eram
imediatamente transferidos para gaiolas de metal ou arame, com finalidade de
diminuir os riscos de contaminação por sarna, uma vez que ácaros parasitas
poderiam estar alojados na madeira das gaiolas que chegavam com as apreensões.
29
3.3 CASUÍSTICA
Entre os dias 27 de junho e 14 de outubro de 2016, totalizando 110 dias, foi
recebido um total de 432 animais. Destes, dois foram restituídos, 27 devolvidos à
natureza, 94 foram a óbito, e 309 estavam em tratamento ou aguardando
destinação. As proporções podem ser observadas no gráfico a seguir (figura 13).
Figura 13 – Destino de animais recebidos pelo CETAS no período de 27 de junho a
14 de outubro de 2016
A casuística expressa em número total de animais recebidos pelo CETAS no
referido trabalho difere dos registros de Costa (2015), que aponta uma casuística de
501 animais recebidos entre primeiro de dezembro de 2014 e 30 de janeiro de 2015,
em um período total de 62 dias. A média de animais que chegavam ao Centro por
dia era de 8,080 enquanto que no presente trabalho a média foi de 3,927 animais.
Uma das explicações possíveis é a diferença das estações do ano entre os dois
estudos. Os registros de Costa (2015) foram efetuados entre a Primavera e o Verão,
enquanto que os registros do atual estudo foram efetuados entre o Inverno e a
Primavera, considerando-se que em estações mais frias o número de animais
apreendidos é menor, se comparado a estações quentes, o que justificaria a
diferença registrada entre os trabalhos. Além deste fator deve-se considerar uma
possível redução das equipes técnicas responsáveis pelas apreensões, o que
limitaria ainda mais a eficácia em recolher animais irregularizados, fator este
envolvido com a presente situação econômico-adminstrativa do país.
72%
22%
6%0%
Tratamento/destinação
Óbitos
Solturas
Restituídos
30
Durante o período, várias espécies animais foram recebidas. A maioria dos
animais eram aves, seguindo-se mamíferos e, em menor proporção, répteis. O
quadro 1 indica as espécies animais recebidas de répteis e mamíferos. As aves
foram classificadas quanto à Ordem taxonômica, segundo Sick (2001). A proporção
de Espécie em cada Ordem está representada na figura 14, onde é possível
observar que maioria dos animais, 47%, pertencem à Ordem Passeriformes.
Quadro 1 – Espécies de mamíferos e répteis recebidos no CETAS, 2016
MAMÍFEROS Alouatta guariba (bugio-ruivo)
Callithrix penicillata (sagui-de-tufo-preto )
Cavia aperea (preá)
Didelphis albiventris (gambá-de-orelha-branca)
Didelphis marsupialis (gambá-de-orelha-preta)
Galictis cuja (furão)
Leopardus guttulus (gato-do-mato-pequeno)
Lontra longicaudis (lontra)
Mazama guazoubira (veado-catingueiro )
Myocastor coypus (ratão do banhado)
Sciurus sp. (serelepe)
Sphiggurus villosus (ouriço-cacheiro)
RÉPTEIS
Bothropoides jararaca (jararaca)
Chelonoidis carbonaria (jabuti-piranga)
Chelonoidis sp. (jabuti-híbrido)
Hydromedusa tectifera (cágado-pescoço-de-cobra)
Iguana iguana (iguana verde)
31
Figura 14 – Classificação taxonômica pela Ordem das aves recebidas pelo CETAS
no período de 27 de junho a 14 de outubro de 2016
O Brasil, país de megadiversidade, abarca aproximadamente 11% das
riquezas naturais conhecidas do planeta. Entre elas, estima-se que 25% dos peixes
dulcícolas, 17% das aves, 12% dos anfíbios, 10% dos mamíferos e 8% dos répteis
sejam encontrados no país. Grande parcela desta diversidade encontra-se
ameaçada de extinção ou em perigo e um dos principais motivos é a
superexploração humana (CARNEIRO et al, 2009). O tráfico de animais é o 3º ou 4º
maior e mais lucrativo do mundo, sendo o Brasil responsável por 5 a 15% do tráfico
mundial e cerca de 80% dos animais apreendidos do tráfico em todo o território
nacional são pertencentes à avifauna (FAUNANEWS, 2016). Este dado preocupante
da casuística que aponta a avifauna como mais suscetível ao tráfico de animais
silvestres corrobora com os dados obtidos durante o período do estudo do presente
trabalho, que registrou maios número de espécies de aves do que de mamíferos ou
répteis.
4%2%
6%2%3%
2%
4%
12%
1%9%
3%1%1%
3%
47%
Ordem Coconiiformes
Ordem Anseriformes
Ordem Falconiformes
Ordem Galliformes
Ordem Gruiformes
Ordem Charadriiformes
Ordem Columbiformes
Ordem Psittaciformes
Ordem Cuculiformes
Ordem Strigiformes
Ordem Caprimulgiformes
Ordem Apodiformes
Ordem Trogoniformes
Ordem Piciformes
Ordem Passeriformes
32
4 MEDICINA TRADICIONAL CHINESA APLICADA À ANIMAIS S ELVAGENS
Os conhecimentos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) envolvem técnicas
de exercícios respiratórios, chamados Chi- Gung, técnicas de massagem, Tui- Na, o
Shu- Shieb, que são orientações nutricionais, e ainda a administração de
medicamentos de origem vegetal, mineral e animal (CARDEAL et al, 2005; SILVA,
2013). Nesta Medicina, a saúde é entendida como o estado de equilíbrio do
organismo com relação aos ambientes tanto interno como externo, e a doença seria
o desequilíbrio, que pode se apresentar de formas diferentes e ter várias causas
(KANEKO, 2010).
Sua base é respaldada nos conceitos de Yin e Yang, das substâncias vitais,
dos Cinco Elementos, dos oito princípios, dos doze meridianos e dos Doze Canais
Regulares. O intento é a retomada do equilíbrio do corpo, considerando o indivíduo e
a doença como partes de um todo, e a manutenção da harmonia é garantida pelo
livre fluxo de Qi (SANTOS, 2015; SILVA, 2013; XIE e PREAST, 2011). Segundo a
Tradição, a manutenção do equilíbrio ocorre pela dependência recíproca de forças
opostas como o Qi (Yang) e o Sangue (Yin), por exemplo. O Qi está relacionado ao
metabolismo, a energia que ativa e controla o equilíbrio do indivíduo mantendo os
órgãos nos lugares e o sangue dentro dos vasos. O Sangue está relacionado com
fluidos, nutre e umedece os órgãos que produzem o Qi (KANEKO, 2010).
O Qi é a base de todos os fenômenos no universo e proporciona uma
continuidade entre as formas material e dura, e as energias tênues, rarefeitas e
imateriais. O corpo e a mente são um círculo de energia e substâncias vitais (Qi,
Sangue [Xue], Essência [Jing], Fuidos Corpóreos [Jin Ye]) interagindo uns com os
outros para formar o organismo, onde a base é o Qi; as outras substâncias vitais são
manifestações do Qi em diferentes graus de materialidade, variando do
completamente material (Fluidos Corpóreos – Jin Ye) até o completamente imaterial
(Mente – Shen). Ou seja, o Qi é uma energia que se manifesta simultaneamente
sobre os níveis físico e espiritual, é um estado constante de fluxo em estados
variáveis de agregação. As funções do Qi são: transformação, transporte,
manutenção, ascendência, proteção e aquecimento (MACIOCIA, 1996).
O conceito de Yin Yang é talvez o mais importante da Medicina Chinesa. Seu
significado é extremamente profundo, mas pode ser compreendido. Yin e Yang
representam qualidades opostas e complementares, o Yin contém a semente do
33
Yang e vice versa (quadro 2). É importante deixar claro que nada é totalmente Yang
ou totalmente Yin, deve-se sempre realizar uma comparação com algo a mais. Eles
são um equilíbrio dinâmico de forças opostas interdependentes, onde Yang pode se
transformar em Yin e vice versa. O equilíbrio é alcançado com diferentes proporções
dinâmicas do Yin e do Yang (MACIOCIA, 1996).
Quadro 2 – Exemplos de relações Yin e Yang
YANG YIN luminosidade Escuridão
Sol Lua Brilho Sombra
Atividade Descanso Céu Terra
Redondo Plano Tempo Espaço Leste Oeste Sul Norte
Esquerda Direita Imaterial Material
Produz energia Produz forma Gera Cresce
Não substancial Substancial Energia Matéria
Expansão Contração Ascendência Descendência
Acima da cintura Abaixo da cintura Superior Iinferior
Exterior (pele, músculos) Interior (órgãos) Superfície póstero lateral Superfície ântero medial
Costas Frente (tórax, abdome) Cabeça Corpo
Função dos órgãos Estrutura dos órgãos Qi Sangue (Xue), fluidos corpóreos (Jin Ye)
Qi Defensivo (Wei Qi) Qi Nuitritivo (Yin Qi) Fogo Água
Quente Frio Agitação Quietude
34
Continuação do quadro 2
Seco Úmido Duro Macio
Excitação Inibição Rapidez Lentidão
Transformação, mudança Conservação, estocagem Doença aguda Doença crônica Início rápido Início gradual
Agitação, insônia Sonolência, apatia Retira o lençol Gosta de dormir coberto
Gosta de deitar-se esticado Gosta de deitar-se encolhido Membros e organismos quentes Membros e organismos frios
Rubor facial Face pálida Preferência por líquidos frios Preferência por líquidos quentes
Voz alta e fala muito Voz fraca e fala pouco Taquipneia Respiração lenta e superficial
Sede Ausência de sede Urina escassa e escura Urina profusa e pálida
Constipação Diarreia Língua vermelha com saburra
amarela Língua pálida
Pulso cheio Pulso vazio Fonte: Adaptado de Maciocia (1996).
Existem quatro estados possíveis de desequilíbrio: preponderância do Yin;
preponderância do Yang; debilidade do Yin e debilidade do Yang. Como tratamento,
existem quatro estratégias: tonificar o Yang; tonificar o Yin; eliminar o excesso do
Yang e eliminar o excesso do Yin. Deve haver um consumo mútuo do Yin e do
Yang, assim pode-se dizer: se o Yin é consumido, o Yang aumenta; se o Yang é
consumido, o Yin aumenta; se o Yin aumenta, o Yang é consumido e se o Yang
aumenta, o Yin é consumido (MACIOCIA, 1996).
Na figura 15 pode-se observar o símbolo clássico do Yin Yang chamado Tai
Ji, representado por uma esfera de duas cores que se completam. O branco
representa o Yang e possui a semente do Yin, representado pelo ponto negro. O Yin
é representado pela cor negra e possui a semente do Yang, representada pelo ponto
branco. A imagem também demonstra figurativamente o equilíbrio entre Yin e Yang
(b), onde a linha fina horizontal representa o normal. Nas figuras c, d, e, f, há
excesso (quando a linha do normal é ultrapassada) ou falta (quando a linha do
35
normal não é alcançada) de Yin ou Yang. Deve-se ressaltar que a representação do
equilíbrio pela mesma quantia de Yin e Yang é apenas didática, o equilíbrio é
movimento, o Yin e o Yang sempre estão se transformando e se adaptando de
acordo com o organismo. Não existem medidas exatas constantes para ambos.
Figura 15 – Proporções do Yin e do Yang
Tai Ji (a), equilíbrio do Yin e Yang (b), preponderância e debilidade do Yin e Yang (c, d, e, f)
Fonte: Adaptado de Maciocia (1996).
Os Cinco Movimentos, ou Cinco Elementos (Wu Xing), são qualidades da
Natureza representadas pelo metal, terra, fogo, madeira e água. A esses elementos
foram atribuídas diversas relações, como emoções, sentidos, órgãos, cores e
estações do ano. Os elementos interagem entre si através do Ciclo de Geração
(Sheng) e o Ciclo de Controle (Ko). Eles ainda são divididos em Yin (Zhang), com
função de armazenar e processar substâncias nutritivas, e Yang (Fu), responsáveis
por absorver as substâncias e eliminar seus produtos. Todos esses elementos e
órgãos estão interligados, portanto, uma alteração em um órgão pode afetar outros.
Dentre os órgãos Fu estão a vesícula biliar, estômago, intestino delgado, intestino
grosso, vesícula urinária e o triplo aquecedor. Os órgãos Zhang são o coração,
pericárdio, pulmão, fígado, baço e rins. (KANEKO, 2010; KLIDE, 1977; MACIOCIA,
1996).
O Ciclo de Controle respeita uma ordem onde a madeira controla a terra, a
terra controla a água, esta por sua vez controla o fogo, que controla metal e por fim
o metal controla a madeira. Já no Ciclo de Geração a madeira produz o fogo, o fogo
a terra, a terra produz o metal, este a água e a água produz a madeira, reiniciando o
ciclo (figura 16) (KANEKO, 2010).
36
Figura 16 – Ciclo de Geração e Ciclo de Controle dos Cinco Elementos
Pode-se dizer que o Ciclo de Geração é relacionado à mãe (a terra é mãe do
metal, que é mãe da água...) e o Ciclo de Controle relacionado à avó (a terra é avó
da água, que é avó do fogo...). No Ciclo de Geração podem ocorrer duas formas de
desequilíbrio, quando: a mãe elemento não está nutrindo o filho elemento; ou o filho
elemento consome muito a mãe elemento. Além disso, cada elemento pode sair do
equilíbrio de quatro maneiras: estar em excesso e super agir sobre outro ao longo da
sequência do excesso de trabalho; estar deficiente, sendo lesionado por outro
elemento ao longo da sequência da lesão; estar em excesso e consumir
excessivamente do seu elemento mãe; ou estar deficiente e falhar ao nutrir seu filho.
Assim, se um sistema estiver alterado, deve-se agir sobre o elemento que controla
esse sistema, ao longo da sequência de controle (MACIOCIA, 1996).
Acupuntura, moxabustão, aquapuntura e auriculoacupuntura são exemplos de
técnicas da Medicina Tradicional Chinesa que podem ser utilizadas em tratamentos
de animais selvagens para restaurar o equilíbrio do organismo, e apresentam bons
resultados.
A acupuntura visa proporcionar efeito analgésico ou terapêutico, a técnica
reside na inserção de agulhas finas, normalmente de aço inoxidável e tamanho
variado, nos acupontos e atravessa-se a derme podendo chegar até aos músculos
ou ossos (KANEKO, 2010; ORTUNHO et al, 2014). O tempo de permanência das
agulhas varia para cada espécie e estado do paciente.
Os acupontos estão localizados próximos a articulações e bainhas tendíneas,
nervos e septos intramusculares, vasos, na ligação musculotendínea e nas regiões
de penetração dos feixes nervosos da pele (ALVARENGA et al, 2014). São pontos
37
específicos no corpo do animal onde se inserem as agulhas que têm por objetivo a
cura e terapia de enfermidades por estímulos nociceptivos através da pele. A
acupuntura age também como uma terapia reflexa, em que estimulando um ponto,
tem-se o efeito em um local diferente. Os estímulos podem ser realizados de
diferentes maneiras na Medicina Veterinária, como, apenas com a inserção da
agulha, ou a associando com calor. Os acupontos podem também ser estimulados
apenas pelo calor, que normalmente é produzido pela queima da erva Artemisia
vulgaris ou sinensis (moxa), ou por ventosas, estímulos elétricos, pressão, laser e
aquapuntura (CARDEAL et al, 2005; KANEKO, 2010).
Os acupontos estão localizados nos meridianos Yin, Yang, especiais e
também nos pontos extras localizados fora dos meridianos. Os meridianos Yin são:
Meridiano do Pulmão, do Coração, Baço Pâncreas, do Pericárdio, Fígado e
Meridiano do Rim. Os Meridiano do Estômago, do Intestino Delgado, da Vesícula
Biliar, Triplo Aquecedor, Bexiga, e Intestino Grosso, estão entre os meridianos Yang.
Os meridianos especiais são o Meridiano Vaso Concepção e o Vaso Governador,
localizados nos meridianos ventral e dorsal, respectivamente (KANEKO, 2010).
A figura 17 mostra os acupontos em uma ave da Ordem Psittaciformes,
segundo o autor McCluggage (2006).
As distâncias dos acupontos podem ser medidas em cun, que é a unidade de
medida da Medicina Tradicional Chinesa, sendo um cun igual a largura de um
polegar do doente, em casos de humanos (figura 18) (CAETANO, 2011).
38
Figura 17 – Acupontos em pássaro da Ordem Psittaciformes
Fonte: Adaptado de McCluggage (2006).
39
Figura 18 – Comparativo das medidas em cun no cão e no ser humano
Fonte: Adaptado de Caetano (2011).
A acupuntura tem sido utilizada como auxiliar de tratamentos convencionais
demonstrando eficácia na redução de processos inflamatórios, no estímulo à
regeneração tecidual e cicatrização, na analgesia e sedação de animais e na
melhora da imunidade (ORTUNHO et al, 2014).
Cardeal et al (2005) descrevem que estudos apontam que 80% dos pacientes
submetidos à acupuntura, em uma sessão de 30 minutos, apresentam valores de
CD3, CD4 e CD8 significadamente aumentados, assim como monócitos em 45% e
50% de células NK após 24 horas. Há ativação da resposta celular e humoral,
influenciando a imunidade inespecífica e específica.
40
Na Medicina Veterinária, as indicações da acupuntura são abrangentes,
englobando distúrbios neurológicos, dermatológicos, gastrointestinais,
musculoesqueléticos, dentre vários outros (SANTOS, 2015).
Estão entre as vantagens da acupuntura os efeitos anti-inflamatórios e o fato
de ser minimamente invasiva, principalmente se comparada com procedimentos
cirúrgicos, além de ser um procedimento menos oneroso. Há ativação do sistema
imunológico com liberação de trombocinas, analgesia e relaxamento muscular com
liberação de opiáceos e serotonina, melhora das trocas metabólicas e oxigenação
pelo aporte sanguíneo, atuação sobre o fluxo linfático local e liberação de
substâncias vasoativas (CARDEAL et al, 2005; SILVA, 2015).
Existem estudos investigativos sobre o mecanismo de ação da acupuntura
que revelam uma maior condutividade elétrica nas áreas cutâneas onde se localizam
os pontos de acupuntura e na trajetória dos canais energéticos. Outros estudos
demonstram reações de fibras musculares aferentes tipo II e III e ainda reações
neuroquímicas relacionadas ao efeito analgésico da acupuntura (PEREIRA, 2005), a
terapia pode afetar os componentes imunológicos diretamente ou pela ativação do
eixo neuroendócrino (CARDEAL et al, 2005). A estimulação de acupontos pode
reduzir a inflamação no local de uma lesão, destruir pontos- gatilhos, o que pode ter
efeito em rigidez muscular, por exemplo, e conferir efeito analgésico consequente à
liberação de endorfinas. A acupuntura pode ser positiva como tratamento primário
ou adjunto de condições neurológicas dependendo da severidade, localização das
lesões e do diagnóstico (SANTOS, 2015).
Segundo Pereira (2005), pode-se considerar a acupuntura como um
tratamento reflexo que otimiza a capacidade adaptativa do organismo aos fatores
estressantes, a partir de uma estimulação nociceptiva somatotrófica.
É importante destacar que a acupuntura exerce um efeito de analgesia,
abolição da sensação álgica, e não anestésico, abolição de toda e qualquer
sensação. Também, que a acupuntura exige diferentes protocolos, sendo
individualizada. Pacientes com uma mesma afecção podem não receber o mesmo
protocolo terapêutico (PEREIRA, 2005).
As agulhas podem ser dispostas nos pontos dos meridianos ou em torno da
dor ou lesão, sendo esta técnica denominada como “cercar o dragão”, muito
utilizada para a diminuição da inflamação (ORTUNHO et al, 2014).
41
Ortunho et al (2014) descreve melhoras no tratamento de ferida em um
Ramphastos toco (tucano toco) com a associação da acupuntura ao tratamento
convencional. A técnica utilizada foi a de “cercar o dragão”, na qual em torno de seis
agulhas foram inseridas ao redor da ferida em sua direção e deixadas por cinco
minutos, aproximadamente. O tratamento associado proporcionou diminuição do
tecido necrótico e melhora da cicatrização com aumento do tecido de granulação.
Escodro et al (2012) relata sucesso no tratamento pós cirúrgico de
orquiectomia em oito equinos, associando autohemoterapia em pontos de
acupuntura (ponto da imunidade [IP], bexiga 23 [Be23], bexiga 60 [Be60], vaso
governador 1 [VG1]), destaca ainda que a opção pela acupuntura diminuiu os custos
pós operatórios.
A moxa é promotora da circulação de Qi e sangue e possui capacidade
tonificante, consistindo no aquecimento dos acupontos por meio da queima da erva
Artemísia sinensis ou Artemísia vulgaris. A moxabustão pode ser realizada por
estímulo direto, quando cones de moxa agem diretamente sobre a pele, ou indireto,
com bastão de moxa sem contato com a pele. O método mais usual de moxabustão
indireta é pelo bastão de lã ou pó grosso de moxa. Neste instrumento, a moxa é
envolvida firmemente por um papel, possui forma cilíndrica variando de 15 a 30
centímetros de comprimento e 1,25 de diâmetro. A aplicação costuma ser a uma
distância média de dois centímetros do acuponto ou lesão e realizam-se lentamente
movimentos circulares ou verticais (ALTMAN, 2006). É tonificante de energia Yang e
remove a Umidade e Frio, podendo ser utilizada em problemas musculares crônicos
e dores artríticas. Possíveis responsáveis pelos efeitos terapêuticos da moxabustão
seriam os fatores não térmicos, como as propriedades farmacológicas da planta,
radiação infravermelha e a fumaça, e o térmico, a temperatura elevada. Alguns
compostos com atividade biológica têm sido identificados na fumaça e folhas da
moxa e participam na eficácia da prática. Os efeitos térmicos decorrem da ativação
de receptores polimodais e/ou termorreceptores; com isso, alguns autores afirmam
que as diferentes temperaturas provocadas pela moxa na superfície da pele são o
que determina qual receptor será ativado, sendo 43º C a temperatura mínima para a
moxabustão apresentar resposta terapêutica desejada e ser tolerável. Outros efeitos
da elevação da temperatura são a queda na densidade e viscosidade sanguínea
aumentando o fluxo sanguíneo local e o desencadeamento da degranulação de
mastócitos (SANTOS, 2015).
42
A aquapuntura é principalmente utilizada quando se deseja manter um
estímulo por tempo maior, onde normalmente as substâncias aplicadas são soluções
eletrolíticas, água destilada, extrato de ervas, vitaminas B12 e C, homeopáticos,
anti-inflamatórios, antibióticos e analgésicos. Este método permite a aplicação de
subdoses dos fármacos, diminuindo reações colaterais, mas proporcionando efeito
muito similar às doses convencionais (ALTMAN, 2006; KANEKO, 2010).
Principalmente na Medicina de Animais Selvagens a aquapuntura é muito
utilizada pois permite um tempo de contenção física menor do animal, diminuindo os
riscos decorrentes dessa contenção.
A auriculoacupuntura usa pontos específicos presentes na aurícula para fins
terapêuticos e diagnósticos. A aurícula é considerada um microssistema importante
onde cruzam os principais meridianos Yin e Yang dos membros, estando
interconectada com todos os órgãos e sistemas internos (STILL, 2006). Parte do
princípio de que a orelha simboliza um feto de cabeça para baixo. Os tratamentos
por esta técnica são eficientes, de baixo custo e fáceis de serem aplicadas, porém,
ainda existem muitas diferenças entre opiniões de autores quanto às localizações
específicas dos pontos e os protocolos de tratamento (LOPES, 2013), em especial
na Medicina Veterinária. Como a forma e tamanho das orelhas é muito variável
(tanto entre espécies como entre raças) não há ainda consenso quanto à localização
exata dos acupontos (CAETANO, 2011).
De acordo com Kaneko (2010), algumas reações dos animais durante o
tratamento com acupuntura indicam que a agulha está no local correto, como um
leve tremor de cauda, uma leve sonolência e repuxos de pele discretos.
O diagnóstico nesta Medicina forma um panorama global, levando-se em
conta todos os sintomas e sinais para identificar a desarmonia ainda não conhecida.
A identificação dos padrões indica um processo da identificação da desarmonia
básica que norteia todas as manifestações clínicas. Realiza-se então: identificação
dos padrões de acordo com os oito princípios; identificação dos padrões de acordo
com o Qi, Sangue (Xue) e Fluídos Corpóreos (Jin Ye); identificação dos padrões de
acordo com os Sistemas Internos (Zang Fu); identificação dos padrões de acordo
com os fatores patogênicos (Vento, Frio, Calor de verão, Umidade, Secura, Fogo);
identificação dos padrões de acordo com os Cinco Elementos; identificação dos
padrões de acordo com os Meridianos; identificação dos padrões de acordo com os
seis estágios; identificação dos padrões de acordo com os quatro níveis; e/ou
43
identificação dos padrões de acordo com o Triplo Aquecedor (Sanjiao) (MACIOCIA,
1996).
Algumas das leituras dos sinais clínicos pela MTC podem ser como os
seguintes exemplos; o Calor pode ser percebido através da hiperqueratose nasal e
de coxins, secreção mucopurulenta ocular e nasal, ceratoconjuntivite seca, urina
concentrada e contratura de ligamentos e tendões. O Vento é caracterizado pela
fraqueza, ataxia, incoordenação, convulsões e mioclonia. E a deficiência de Yin
causa hipotrofia muscular progressiva (SANTOS, 2013).
Para a identificação do padrão e o diagnóstico da MTC utiliza-se o ritmo
circadiano da Medicina Veterinária Tradicional Chinesa. Ele é relacionado aos Doze
Canais Regulares, que envolvem os seis órgãos Zang (Yin) e os seis órgãos Fu
(Yang), onde cada órgão possui um canal próprio. Os Doze Canais Regulares
encontram-se um com o outro em uma determinada ordem. Ao longo desse curso,
existe um fluxo interminável e cíclico de Qi e Sangue dentro dos canais. O fluxo
sempre passa de um canal para o próximo em uma ordem específica ao longo do
dia, entretanto, o Qi domina o interior de certos meridianos em tempos designados.
Isto proporciona ao organismo seu próprio relógio interno. O ciclo começa e reinicia
às três horas (hora local) com o Canal do Pulmão no tórax (figura 19) (XIE e
PREAST, 2011).
44
Figura 19 – Relógio circadiano da Medicina Veterinária Tradicional Chinesa dos
Doze Canais Regulares
Fonte: Xie e Preast (2011).
4.1 CASOS NO CETAS
A casuística e os desafios enfrentados em um Centro de Triagem são muito
dissemelhantes aos de uma clínica veterinária convencional. Com isso, muitos dos
tratamentos não puderam ser realizados da forma desejada ou mais adequada, mas
foram executados da melhor forma possível dentro do cabível frente aos encargos
do único Centro de Triagem de Animais Silvestres do estado.
A dificuldade de obter exames complementares para auxiliar no diagnóstico
definitivo, a falta de funcionários adequados associada aos restritos e
sobrecarregados horários mostraram-se os maiores desafios na continuidade dos
tratamentos que exigiam um profissional especializado, como a MTC.
As técnicas acompanhadas durante o estágio foram de acupuntura,
aquapuntura e moxabustão com a erva Artemísia sinensis. Os procedimentos foram
c d
45
efetuados em diversas espécies de animais silvestres (figura 20). Os quadros 3, 4 e
5, mostram alguns procedimentos realizados em parte dos animais tratados através
da MTC no CETAS, em diferentes períodos.
Figura 20 – Alguns dos animais do CETAS tratados através da MTC, 2016
Hydromedusa tectifera (cágado pescoço de cobra) (a), Micrastur ruficollis (falcão caburé) (b), Cebus
sp. (macaco prego) (c), Rupornis magnirostris (gavião carijó) (d)
a b
c d
46
Quadro 3 – Uso de técnicas da MTC em mamíferos do CETAS
ANIMAL DATA ENTRADA
EXAME CLÍNICO/ HISTÓRICO DATA PROCEDIMENTO
Cebus sp. (Macaco prego) 13/07/11
Ferida por mordedura em joelho. 20/09/16 Moxa.
Alouatta guariba (Bugio ruivo) 28/02/13
Parasitato, dificuldade de locomoção, ferimentos em
pele. Deficiência de pulmão (Xue e Qi), umidade.
16/04/13
Pontos Yintang/ baihui/ E36, R3 + B60/ B23/ P9, 20 minutos bilaterais.
Alouatta guariba (Bugio ruivo) 10/03/15 Atropelamento. 15/03/15
Auriculoterapia: Ocipital – 6; Cérebro – ATI 5; Tronco cerebral – 15; Tálamo – ATI 12; Ânimo – ATI 13; Vértex – 5; Cérebro – 7; Tronco cerebral 16 (a cavalo); Cabeça e SNC (dorsais).
Alouatta guariba (Bugio ruivo) 11/09/15
Trauma cranioencefálico. Deficiência de Qi e excesso
de umidade. 16/09/15
Acupuntura + moxa; Auriculoterapia: Ocipital – 6; Cérebro – ATI 5; Tronco cerebral – 15; Tálamo – ATI 12; Ânimo – ATI 13; Vértex – 5; Cérebro – 7; Tronco cerebral 16 (a cavalo); Cabeça e SNC (dorsais).
Sphiggurus villosus (Ouriço
cacheiro) 16/08/16
Ataque por cão, lesão com secreção purulenta na ponta
da cauda.
20/09/16 28/09/16 07/10/16
Acupuntura cercar o dragão + moxa. Moxa. Acupuntura + moxa.
Didelphis albiventris (Gambá de orelha branca)
21/09/16
Sem movimentos de membros pélvicos e cauda,
suspeita de trauma encefálico.
23/09/16
Acupuntura VG20 + 2 pontos motricidade + Baihui + ponto da cauda + cercar o dragão de coluna + F2 + R3 transfixado B60 + moxa.
47
Quadro 4 – Uso de técnicas da MTC em aves do CETAS
ANIMAL DATA ENTRADA
EXAME CLÍNICO/ HISTÓRICO DATA PROCEDIMENTO
Megascops choliba (Corujinha
do mato) 08/01/16
Trauma em olho esquerdo com paralisia da 3ª pálpebra, lesão de córnea, protusão de globo ocular e deslocamento de estruturas intraoculares.
08/01/16 14/01/16 19/01/16 27/01/16 26/07/16 29/07/16 20/09/16
Acupuntura VG 20/ motricidade, cercar o dragão + moxa. Idem anterior. Idem anterior. Idem anterior. Cercar o dragão + moxa. Cercar o dragão + moxa. Cercar o dragão + moxa.
Amazona aestiva (Papagaio
verdaddeiro) 25/05/16 Estertores em sacos aéreos.
13/06/16 27/07/16 29/07/16 05/08/16
Acupuntura E36. Acupuntura C7 + E36 +P7 + R3 + VG20 com B12. Idem anterior. Idem anterior.
Micrastur ruficollis (Falcão caburé)
16/06/16
Traumatismo, pupila esquerda em midríase,
entrópio e sem mobilidade da 3ª pálpebra.
24/07/16 28/07/16 20/09/16
Acupuntura F2 + 4 cavaleiros + B1 e pontos cercando o dragão (olho esquerdo) + moxa. Acupuntura F2 + 4 cavaleiros, aquapuntura com B12. Acupuntura F2 + 4 cavaleiros.
Penelope obscura (Jacu)
12/09/16
Diarreia, estertores úmidos leves em sacos aéreos,
aparente luxação em úmero. 23/09/16
Aquapuntura com B12 (BP6 + E36 + P1).
Rupornis magnirostris
(Gavião carijó) 15/09/16
Laceração com exposição de musculatura, tendões e fratura de dígitos membro
torácico direito, com hematoma em tarso-
metatarso.
20/09/16 Acupuntura R3 + E36 + IG4.
Quadro 5 – Uso de técnicas da MTC em répteis do CETAS
ANIMAL DATA ENTRADA
EXAME CLÍNICO/ HISTÓRICO DATA PROCEDIMENTO
Hydromedusa tectifera (Cágado pescoço de cobra)
29/04/16
Fratura em carapaça e plastrão, membro torácico
esquerdo sem mobilidade e sensibilidade.
28/07/16 04/08/16
Acupuntura + moxa Acupuntura + moxa
Iguana iguana (Iguana verde) 23/09/16
Animal caquético, lesão profunda em ponta de
cauda, insuficiência renal. 23/09/16
Acupuntura R3 + E36 + B23 + cercar o dragão + moxa.
Hydromedusa tectifera (Cágado pescoço de cobra)
? Cáseos e pontos vermelhos
em plastrão. 20/09/16
Acupuntura em IG4, R3 transfixado B60 + moxa em lesões do plastrão
Um dos casos acompanhados no período de estágio foi uma sessão de
acupuntura e moxabustão em Didelphis albiventris (gambá de orelha branca). Uma
fêmea adulta chegou ao centro com filhotes recém nascidos em marsúpio; na
triagem apresentava bradicardia, mucosas levemente hipocoradas, ausência de
movimentos em membros pélvicos, cauda, e sem resposta estímulos dolorosos;
apresentava ainda soluções de continuidade compatíveis com mordeduras em
48
região dorsal e tremores de cabeça. Não foi possível aferir a temperatura. Logo se
iniciou o tratamento alopático. Na primeira sessão utilizando as técnicas da Medicina
Tradicional Chinesa, foi realizada acupuntura nos acupontos VG20, 2 pontos
motricidade, Baihui, ponto da cauda, cercado o dragão de coluna, F2, R3
transfixado B60 e moxabustão (figura 21).
Já nesta sessão o animal apresentou leves movimentos de cauda. Não foi
possível prosseguir com o tratamento pois o animal entrou em óbito decorridos cinco
dias, após encaminhamento para exame radiográfico.
Figura 21 – Moxabustão e acupuntura em Didelphis albiventris
Foi recebido no CETAS um macho adulto de Iguana iguana (iguana verde). O
animal apresentava-se desidratado, com coloração alterada, caquético, possuía
histórico de insuficiência renal, e na ponta da cauda exibia uma crosta necrótica, que
foi removida e pôde-se observar, então, secreção fétida, de coloração amarelo
49
esverdeada. No mesmo dia, realizou-se a sessão de acupuntura e moxabustão. Os
acupontos utilizados foram R3, E36, B23 e cercar o dragão (figura 22).
Antes de realizar a segunda sessão, o animal foi encaminhado para exame
radiográfico e não retornou antes do término do estágio, não sendo possível o
acompanhamento das sessões seguintes.
Figura 22 – Acupuntura e moxabustão em Iguana iguana
Chegou ao CETAS um Sphiggurus villosus (ouriço cacheiro), adulto, macho,
com histórico de ataque por cão. O animal apresentava escore corporal três, em
escala de cinco, lesão de um centímetro na ponta da cauda com secreção purulenta,
sendo iniciado o tratamento alopático no mesmo dia.
A primeira sessão com MTC neste animal foi iniciada para auxiliar o
tratamento alopático e acelerar a recuperação do animal. Realizou-se acupuntura
cercando o dragão e moxabustão (figura 23). Após oito dias efetuou-se a segunda
sessão de moxabustão. Passados nove dias, mais um procedimento foi efetuado
50
com acupuntura e moxabustão. O animal passou a responder melhor e mais
rapidamente aos tratamentos; a lesão cicatrizou completamente. Como se
apresentava ativo e sem outras complicações, foi então realizada sua soltura após
sete dias.
Figura 23 – Sphiggurus villosus em sessão de acupuntura e moxabustão
Fonte: Schuta (2016).
Caetano (2011) destaca os seguintes usos da acupuntura.
1- Aves
- aparelho locomotor: paresia, asa caída, tendinite, rigidez da asa ou da pata;
- infecções crônicas: foliculite, sinusite e pododermatite ulcerativa
(bumblefoot);
- problemas reprodutivos: falha na postura (retenção do ovo), infecção crônica
do saco vitelino, prolapso cloacal;
- neurologia e distúrbios de comportamento: epilepsia, featherpicking e
comportamento estereotipado.
51
2- Outros animais
- paresia dos membros posteriores: em quelônios, lagartos e aves, secundária
a traumatismo, desuso ou estado gravídico prolongado;
- problemas músculo esqueléticos: doença articular degenerativa (em
porquinhos da índia, secundária a escorbuto crônico), osteoartrite, espondilose
lombar em lagomorfos geriátricos;
- doenças do aparelho gastrointestinal: diarreia e vômito em furões, íleo
paralítico em lagomorfos, porquinhos da índia, chinchilas, quelônios e lagartos;
- aparelho urinário: incontinência urinária não associada a infecção bacteriana
ou cálculos vesicais, em lagomorfos e roedores geriátricos;
- doenças dermatológicas crônicas: feridas de cicatrização lenta e prurido
(todas as espécies).
Durante o estágio, os casos mais comuns tratados foram referentes a
soluções de continuidade (feridas em geral), problemas referentes à locomoção,
inflamações e casos de baixa imunidade.
A ampla diversidade de animais silvestres ainda é um desafio para adotar a
MTC no cotidiano prático da clínica, porém, mostra-se uma alternativa benéfica
como associação a tratamentos convencionais e uma promissora opção de
tratamento principal para algumas afecções.
52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estágios curriculares são ótima oportunidade para se definir qual a área
desejada (ou não!) para a carreira profissional e o modo que se quer atuar. Neles é
possível aprender ao lado de profissionais exemplares, conhecer novas técnicas, e
tem-se a oportunidade de agir mais profissionalmente e menos academicamente
mesmo ainda sendo um aluno. Isso também permite que o aluno conheça seu lado
Médico Veterinário e não somente o lado estagiário, abrindo o leque de opções e de
autocrítica, podendo ser observadas as próprias falhas e fraquezas, bem como os
pontos fortes.
Os estágios apresentados neste trabalho proporcionaram um panorama da
situação ambiental, principalmente referente à fauna, no Brasil e em países
próximos. Independentemente do local de estágio, um Refúgio ou um Centro de
Triagem, o que fica claro é a deficiência e incompetência da legislação e,
principalmente, do cumprimento dos deveres relacionados à fauna por parte das
administrações públicas. O Brasil, que possui uma das maiores diversidades do
planeta, demonstra diariamente, através de situações que são presenciadas em
locais que trabalham com fauna silvestre, seu desinteresse e despreparo frente a
essa diversidade, falhando nos investimentos, nas administrações, falhando em
suas prioridades e na conscientização da população quanto ao assunto.
Podem-se notar muitos profissionais qualificados e que se esforçam muito
para que as coisas aconteçam da melhor forma, mas isto não é suficiente se
analisarmos o panorama nacional e mundial referente à fauna e flora.
A graduação brasileira em Medicina Veterinária, de maneira geral, ainda não
oferece uma base forte sobre fauna silvestre, conservação e problemáticas como a
biopirataria. Também ainda é deficiente quanto a medicinas complementares e
diferentes da Medicina Ocidental. A Medicina Tradicional Chinesa, por exemplo,
utiliza de teorias milenares e possui uma prática muito particular que obtém vários
resultados de sucesso. As diferentes formas de pensar e enxergar os pacientes,
inseridos no planeta e sendo envolvidos por tudo o que ocorre ao seu redor,
possibilitam tratamentos menos invasivos e mais eficientes.
A maior dificuldade na elaboração do trabalho foi a revisão bibliográfica, por
abordar um tema muito complexo e que não é da grade curricular na Medicina
Ocidental. A escolha do tema mostra-se também como um desejo pela ampliação
53
dos conhecimentos e das técnicas utilizadas no cotidiano, incorporando novas
formas de interpretação, que envolvam não apenas o paciente em si, mas também
toda a relação com o ambiente físico e energético. É importante salientar que ainda
não se tem explicação para tudo o que acontece no mundo, mas que isso não deve,
de maneira alguma, limitar ou impossibilitar práticas benéficas.
54
REFERÊNCIAS
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57
GLOSSÁRIO
CD3 – formado por cinco cadeias proteicas (gama, delta, épsilon, dzeta, eta) é um
conjunto de proteínas que atuam como moléculas de trandução de sinal do TCR
(receptor de antígeno do linfócito T). São glicoproteínas encontradas somente nas
células T.
CD4 – cadeia glicoproteica única, é um receptor específico para moléculas do MHC
(proteínas codificadas pelos genes localizados no complexo de histocompatibilidade
principal) classe II. Possui importante papel chave no reconhecimento feito pelas
células T auxiliares de um antígeno precossado. Encontrado apenas nas células T
auxiliares, timócitos e monócitos.
CD8 – é uma glicoproteína receptora para moléculas do MHC classe I. Expressa nas
células T citotóxicas e desempenha um papel chave no reconhecimento de
antígenos endógenos por parte dessas células.
Motricidade – são pontos chamados extras, não ficam no caminho de um
meridiano. Os dois pontos de motricidade são acupontos levemente caudais ao
VG20, que auxiliam justamente na motricidade. Auxiliando o paciente a voltar a se
mexer, andar, etc., por isso são usados em casos de paresias/paralisias.
R3 transfixado B60 – alguns pontos de acupuntura ficam em locais opostos e
podem ser transfixados, ou seja, a agulha é inserida em um acuponto, atravessa a
pele, e sai em outro acuponto. É o caso do R3 e B60, não há estruturas ósseas
separando os dois e a distância entre eles é muito pequena. A diferença é que um é
medial (R3) e outro lateral (B60) no membro pélvico.
Triplo Aquecedor ( Sanjiao) – único dos seis órgão Fu que não possui uma
localização fixa no organismo. Há várias interpretações podendo ele ser: um dos
seis sistemas Yang; uma via para o Qi original; ou as três divisões do organismo
(Jiao Superior: Pulmão [Fei], coração [Xin]; Jiao Médio: estômago [Wei], baço [Pi];
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Jiao Inferior: fígado [Gan], rim [Shen], bexiga [Pangguang], intestinos [Xiaochang e
Dachang]).
VG20 (Baihui) – equinos: no ponto mais alto da cabeça, rostral à crista nucal. Cão:
na linha média dorsal, em uma linha traçada da ponta das orelhas, no nível dos
canais auriculares. Ponto de intersecção dos Canais do VG e B. Indicado para
cefaleia, tontura, convulsão, desordens do sono como a insônia, distúrbios do Shen,
epilepsia, prolapso anal e é ponto de sedação.