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1 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS INTRODUÇÃO O fundamento que da coerência e sustentabilidade lógico- normativa no sistema infraconstitucional é a constituição, que deixa de ser uma mera norma de Direito. José Afonso da Silva tornou-se referência clássica e indispensável quando se trata do assunto. Sua análise consubstancia na obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, que vem abordar vários tópicos em relação da aplicabilidade da norma nos planos jurídicos, lógico e social, além disso, possui também explicação sobre a eficácia e sua aplicabilidade relacionando com a execução do conteúdo da norma no plano fático e no lógico-normativo e sua visão diante da classificação das normas quanto sua eficácia: 1) Normas Constitucionais de eficácia plena; 2) Normas Constitucionais de eficácia contida e; 3) Normas Constitucionais de eficácia limitada. NORMAS DE EFICÁCIA PLENA José Afonso da Silva afirma que todas as normas constitucionais, mesmo as de conteúdo subjetivo, teriam eficácia plena. ¹

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APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

INTRODUÇÃO

O fundamento que da coerência e sustentabilidade lógico-normativa no sistema

infraconstitucional é a constituição, que deixa de ser uma mera norma de Direito.

José Afonso da Silva tornou-se referência clássica e indispensável quando se trata do

assunto. Sua análise consubstancia na obra Aplicabilidade das Normas Constitucionais, que

vem abordar vários tópicos em relação da aplicabilidade da norma nos planos jurídicos, lógico

e social, além disso, possui também explicação sobre a eficácia e sua aplicabilidade

relacionando com a execução do conteúdo da norma no plano fático e no lógico-normativo e

sua visão diante da classificação das normas quanto sua eficácia: 1) Normas Constitucionais

de eficácia plena; 2) Normas Constitucionais de eficácia contida e; 3) Normas Constitucionais

de eficácia limitada.

NORMAS DE EFICÁCIA PLENA

José Afonso da Silva afirma que todas as normas constitucionais, mesmo as de

conteúdo subjetivo, teriam eficácia plena. ¹

Segundo o autor as normas de eficácia plena são: “Aquelas que, desde a entrada em

vigor da constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos

essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador

constituinte, direta e normativamente, quis regular”.² Ressalta também que a maioria dos

dispositivos da Constituição Federal de 1988 possuem normas de eficácia plena e

aplicabilidade direta e indireta.³

A dificuldade para se distinguir as normas de eficácia plena das normas de eficácia

contida ou limitada, esta explícita em sua obra. José Afonso da Silva ressalta que não há

critérios seguros para tal distinção, mas é possível estabelecer regras sobre o assunto. Dentre

elas o autor destaca a da autoaplicabilidade, adotando a visão de Ruy Barbosa: “Quando

completa no que determina, lhe é supérfluo o auxílio supletivo da lei, para exprimir tudo o

que intenta, e realizar tudo o que exprime”. 4

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As normas de eficácia plena em sua visão não necessitam de normatização ou de

complementação infraconstitucional, pois estas possuem aplicabilidade plena, de maneira

direta, imediata e integral.

Como exemplo de normas de eficácia plena o autor cita normas da Constituição

Federal de 1988:

• “Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal”.

• “Art. 15. É vedada a cassação de direito políticos”.

• “Art. 17. § 4º. É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização

paramilitar”.

• E outras normas: art. 77, art. 44, art. 45, art. 46 § 1º, art. 60 § 3º, art. 76, art. 145 §2º

e art. 226 § 1º.

Portanto, para o autor as normas de eficácia plena são as que: “1) Vedam ou proíbem;

2) Estabelecem isenções, prerrogativas ou imunidades; 3) Não indicam órgãos ou

autoridades especiais a quem cabe executá-las; 4) Não designem procedimentos especiais

para sua execução; 5) Não necessitem que sejam elaboradas outras normas que completem

seu sentido e alcance ou especifique seu conteúdo porque já são completas em si mesmas”.5

NORMAS DE EFICÁCIA CONTIDA

As Normas de natureza contida possui atributos imperativos, positivos ou negativos

que limitam o poder público. Em geral, elas estabelecem direitos subjetivos de indivíduos e

entidades privadas ou públicas. A contenção da eficácia dessas normas consubstancia-se em

limitações a tais direitos subjetivos e autonomias. 6

Na visão de José Afonso Silva o conceito de normas de eficácia contida seria:

“Aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a

determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência

discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos

gerais nela enunciados”. 7

Contudo, para o autor, as normas de eficácia contida são aquelas que o legislador

constitucional já normatizou o suficiente sobre o assunto, no entanto, deixou o legislador

infraconstitucional com a faculdade de estabelecer restrições adicionais. No entanto, cabe

ressaltar que a faculdade do legislado infraconstitucional de estabelecer restrições não é

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ilimitada. Ela deve observar, evidentemente, os limites impostos pelas próprias normas

constitucionais.

Exemplo de norma de eficácia contida:

• Art. 5º, XIII “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Para José Afonso da Silva, as normas de eficácia contida têm aplicabilidade

direta e imediata e não dependem da atividade legislativa infraconstitucional. No entanto,

fica facultado ao legislador estabelecer limites. Trata-se de faculdade, tendo assim uma

possibilidade, não uma obrigação. Daí o nome de eficácia contida, a que pode ser limitada

para que o preceito não se torne irrestrito. 8

Portanto, o legislador não é livre para limitar a matéria do modo que ele deseja ou

acha melhor, mas sua atuação deve ser mínima possível, a absolutamente necessária para que

a atuação individual ou institucional não torne ineficazes as outras normas da Constituição

como um todo. Qualquer normatização que exceda esses limites, entendemos como abusiva,

tirânica e inconstitucional.

NORMAS DE EFICÁCIA LIMITADA

As normas de eficácia limitada se dividem em dois grupos:

a) Normas Constitucionais de eficácia limitada definidoras de princípio institutivo ou

organizativo.

São normas constitucionais de princípio institutivo aquelas através das quais o legislador

constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou

institutos, para que o legislador ordinário os estruture em definitivo, mediante lei. 9

b) Normas Constitucionais de eficácia limitada definidoras do princípio programático.

Podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das

quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses,

limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos

(legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das

respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. 10

As normas constitucionais programáticas possuem eficácia plena, mas impõem limites

e restrições aos sujeitos que elas se dirigem, contudo, elas exercem importante papel na ordem

jurídica e no regime político do Brasil.

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Portanto, as normas programáticas indicam para a legislação infraconstitucional o

caminho certo, elas não obrigam o legislador a normatizar o sentido que foi indicado, mas ela

os obriga a não seguir o caminho contrário.

Enfim, todos os tipos de classificação das normas constitucionais feitas pelo Autor

José Afonso da Silva, têm um papel fundamental no ordenamento jurídico, não só de limitar a

ação do legislador infraconstitucional, mas o de garantir também a máxima de eficácia e

aplicação das normas.

PARECER DO GRUPO

O Grupo decide a favor da matrícula devido ao direito à educação, assegurado pela

Constituição Federal e pelo ECA, e à educação, deve ser garantido de forma ampla e irrestrita,

compreendendo o direito da criança e do adolescente de matricular-se na instituição pública

de ensino próxima de sua residência que melhor atenda às suas necessidades e que lhe

proporcione segurança e tranquilidade ao frequentar as aulas. O direito à educação é

assegurado no artigo 205, da Constituição Federal/88:

"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada

com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Tratando especificamente dos direitos da criança e do adolescente, a Lei 8.069/90 estabelece

no artigo 53 que:

"A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua

pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se

lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares

superiores;

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IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência."

Portanto, o acesso à educação deve ser assegurado e cumprido e se tratando de criança

e adolescente a lei determina que além do acesso ao ensino público e gratuito, a escola seja

próxima à sua residência. Sendo esse direito assegurado à criança e o adolescente, não se pode

dar a interpretação que resulte em prejuízo para o menor.

Em anexo segue duas Jurisprudências do Judiciário brasileiro, sobre Saúde e Educação

envolvendo ou não as normas programáticas:

ANEXO SAÚDE:

Inicial

Página Inicial

Institucional

Institucional

Consultas

Consultas

Serviços

Serviços

Transparência

Transparência

Intranet

Intranet

Número do

processo:

1.0024.07.430216-

7/001(1)

Númeração

Única:

4302167-

90.2007.8.13.0024

Processos

associados:clique para pesquisar

Relator: Des.(a) DÁRCIO LOPARDI MENDES

Relator do Acórdão: Des.(a) ALMEIDA MELO

Data do Julgamento: 19/03/2009

Data da Publicação: 17/04/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: Constitucional e Administrativo. Serviços de saúde pelo SUS. Fornecimento de

medicamentos. INFERTILIDADE. Indefere-se pedido de fornecimento de medicamento de

alto custo para a realização de Fertilização "in vitro", por não envolver hipótese que visa

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assegurar redução do agravamento de doença e consequentemente do risco à vida.

V.V.

DIREITO À SAÚDE - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DIREITO

FUNDAMENTAL - PRIORIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -

SOLIDARIEDADE ENTRE AS ESFERAS MUNICIPAL, ESTADUAL E FEERAL DA

ADMINISTRAÇÃO - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA

FEDERAÇÃO NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - O direito à saúde deve ser

preservado prioritariamente pelos entes públicos, vez que não se trata apenas de fornecer

medicamentos e atendimento aos pacientes. Trata-se, mais, de preservar a integridade física e

moral do cidadão, a sua dignidade enquanto pessoa humana e, sobretudo, o bem maior

protegido pelo ordenamento jurídico Pátrio, qual seja, a vida. Percebe-se, pois, que o direito à

saúde engloba toda uma trama de direitos fundamentais cuja proteção é priorizada pela Carta

Magna de 1988, não sendo razoável preterir o administrado de seu pleno gozo sob qualquer

argumento. - Não se justifica a manutenção de uma Administração Pública incapaz de

preservar a saúde e a vida de seus próprios cidadãos, visto que a gestão pública não é um fim

em si mesma, mas se justifica no bem estar e preservação da qualidade de vida dos

administrados.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.430216-7/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE -

APELANTE(S): AZENIDE MARQUEL DE OLIVEIRA DA FONSECA - APELADO(A)

(S): MUNICÍPIO BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. DÁRCIO

LOPARDI MENDES - RELATOR PARA O ACÓRDÃO: EXMO SR. DES. ALMEIDA

MELO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de

Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos

e das notas taquigráficas, EM REJEITAR AS PRELIMINARES E REFORMAR A

SENTENÇA, VENCIDO O RELATOR.

Belo Horizonte, 19 de março de 2009.

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DES. ALMEIDA MELO - Relator para o acórdão.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - Relator vencido.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES:

VOTO

Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que extinguiu ação de obrigação de

FAZER, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por Azenide Marquel de Oliveira da

Fonseca, em desfavor do Município de Belo Horizonte.

A Autora afirmou que está fazendo um TRATAMENTO de fertilização no hospital das

clínicas, mas não tem condições financeiras de arcar com o valor dos remédios necessários

para a conclusão do TRATAMENTO. Assim, com base no direito à saúde,

constitucionalmente garantido, pugnou pela condenação do Município a fornecer-lhe os

seguintes medicamentos; "Synarel", 2 frascos, "Gonalf F" 24 ampolas mensais, "Ovidrel",

250mg - 1 ampola, e "Evocanil 200 gm", 8 caixas.

O Juiz primevo extinguiu a ação considerando a ilegitimidade passiva do Município,

porquanto trata-se de medicamentos excepcionais cuja aquisição é de responsabilidade do

Estado. Fundamentou a extinção do feito, ainda, na inexistência de interesse de agir, pois

"inexiste qualquer indicativo de que a parte autora tenha tentado obter administrativamente

junto ao Estado, a satisfação de sua pretensão, para que nasça a responsabilidade do

Município".

Inconformada, apela a Autora, na forma das razões de fls. 68/87, dissertando sobre o direito à

saúde, sobre a competência administrativa comum dos entes federativos, emanada dos artigos

6º, 23 II e 196 da CF, bem como sobre a existência do interesse de agir no caso em tela. Aduz

da exorbitância do poder regulamentar, pois não pode o Município se eximir de sua obrigação

com base em norma infralegal, que desrespeita os dispositivos constitucionais e legais já

analisados. Por fim, pugna pela reforma da decisão, para que o Município seja condenado a

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fornecer-lhe os medicamentos mencionados na inicial.

O Requerido apresentou contra-razões pela manutenção da decisão, reiterando as

preliminares de ilegitimidade passiva do Município, e falta de condição ao regular exercício

do direito de ação. No mérito, disserta sobre a reserva do possível, e sobre a necessidade de

atenção à padronização do fornecimento de medicamentos efetivada pelo poder público

municipal.

Conheço do recurso, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Com relação à preliminar argüida de ilegitimidade passiva, aduz o Município que no caso em

comento, os medicamentos pleiteados são excepcionais, por essa razão não podem ser

requeridos ao Município, por não ser este o ente legítimo para fornecê-los.

Todavia, a autonomia entre os entes federados na gestão do SUS permite que o cidadão

demande em face do ente federal, estadual ou municipal, em relação ao qual trava relação

jurídica direta.

Nesse sentido é o art. 23, inciso II, da Constituição do Brasil que dispõe:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de

deficiência;

Ademais, conforme dispõe o art. 15 da Lei 8.080/90, cabe a cada ente federado, em seu

âmbito, administrar os recursos orçamentários e financeiros destinados ao custeio da saúde.

Dessa forma, tendo em vista a natureza do pedido, a responsabilidade dos entes federados é

solidária.

Destarte, conclui-se que o Município de Belo Horizonte é legitimado para figurar no pólo

passivo da ação em tela.

A Apelado suscita, ainda, falta de condição ao regular exercício do direito de ação, pois "não

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há nos autos qualquer comprovação de ter a apelante procurado a secretaria de saúde do

Estado de Minas Gerais, tampouco negativa deste órgão de fornecer os medicamentos

pleiteados."

Todavia, entendo que tal preliminar se confunde com o mérito, pelo que será examinada sede

do mesmo.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, segundo Alexandre de Moraes, in Direito Constitucional,

11ª edição, Editora Atlas, pp. 664/665, temos que:

"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal

e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art. 196),

sendo de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor,

nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução

ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de

direito privado (CF, art. 197)."

Nesse diapasão, não se olvida para a relevância do respeito ao Princípio Constitucional da

Igualdade segundo o qual, na dicção do doutrinador supracitado, temos que:

(...) o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o

TRATAMENTO desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência

tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades,

somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não

se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito (...).

Percebe-se, pois, que não obstante o sistema público de saúde deva fornecer a todos os

cidadãos, de forma igualitária, medicamentos e TRATAMENTO médico, certo é que nem

todas as pessoas necessitam da mesma forma dos serviços e produtos que lhes são

disponibilizados.

Lado outro, deve-se ressaltar que o Poder Público não pode se furtar ao dever de prestar

efetiva assistência à saúde dos cidadãos sob o fraco argumento de que ao ser condenado na

Justiça a prestar atendimento a uma única pessoa, as demais que não ajuizaram ações perante

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o Poder Judiciário e que também necessitam de TRATAMENTO serão prejudicadas.

Isso porque todas as pessoas que necessitem do atendimento médico ou farmacêutico, ao

menos em tese, fazem jus a sua utilização, sendo que o magistrado, ao determinar que se

forneça o medicamento à Autora, não fere os Princípios da Igualdade, Oportunidade ou

Prioridade, mas apenas determina que a Administração Pública cumpra seu dever, que já

deveria estar sendo cumprido em relação a todos os pacientes, e não somente àqueles que

ajuízam demandas.

Observe-se que, não está ao alcance do Poder Judiciário determinar que o Poder Público

preste a assistência integral à saúde a todos aqueles que dele necessitam, indefinidamente,

visto que, por força da imparcialidade, está sujeito à provocação da parte interessada para se

manifestar.

Todavia, submetido um caso a sua apreciação, deverá compelir o ente público a cumprir seu

dever, o que já deveria estar sendo feito de forma voluntária e prioritária pela Administração

Pública.

Acrescente-se, ainda, que o direito à saúde deve ser preservado prioritariamente pelos entes

públicos, vez que não se trata apenas de fornecer medicamentos e atendimento aos pacientes,

trata-se, mais, de preservar a integridade física e moral do cidadão, a sua dignidade enquanto

pessoa humana e, sobretudo, o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico Pátrio, qual

seja, a vida.

Portanto, o direito à saúde engloba toda uma trama de direitos fundamentais cuja proteção é

priorizada pela Carta Magna de 1988, não sendo razoável preterir o administrado de seu

pleno gozo sob qualquer argumento.

Ademais, não se justifica a manutenção de uma Administração Pública incapaz de preservar a

saúde e a vida de seus próprios cidadãos, visto que a gestão pública não é um fim em si

mesma, mas se justifica no bem estar e preservação da qualidade de vida dos administrados.

Não se obscurece o surgimento de uma nova tendência na jurisprudência, no sentido de

relativizar o dever do Poder Público de garantir a saúde dos cidadãos, amparada sob o

argumento de que o objeto do direito à saúde seria de difícil definição, precisando ser

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apreciado cuidadosamente, assim como deveria ser considerada, em casos que tais, a

disponibilidade de recursos materiais e pessoais do Estado para FAZER frente a tal

necessidade.

A saúde não é um conceito matemático, não havendo como se prever, entre casos graves,

aqueles em que um medicamento pode representar a salvação da vida do paciente, ou aqueles

em que o paciente sobreviverá de forma saudável, mesmo sem a utilização daquele

TRATAMENTO indicado.

Por tal motivo, não se pode deixar os cidadãos carentes que necessitam de TRATAMENTO,

conforme regular pedido médico, como se constata à f. 47, à mercê da sorte, pois nem os

profissionais da área médica, nem os juristas têm o poder de graduar as necessidades

fisiológicas de cada paciente, decidindo em quais casos a prestação de assistência à saúde

seria necessária e, muitas vezes, vital.

Também não se pode considerar que a falta de recursos do Município seja um óbice à

concretização da garantia constitucional à saúde, pois, sendo este um dever estabelecido com

prioridade pela Constituição da República de 1988, é completamente contraditório e

inconcebível permitir que as pessoas sofram e até morram por falta de TRATAMENTO e

atendimento médico-farmacêutico adequados, enquanto a máquina do Estado trabalha

empregando dinheiro público em tantas outras esferas, sendo até, muitas vezes desviado para

fins escusos, como lamentavelmente se tem notícia, de tempos em tempos no País.

Portanto, sendo certo que o médico, no exercício regular de sua profissão, receitou à Autora,

medicamento como única possibilidade de concluir seu TRATAMENTO de fertilização,

para poder engravidar, estou a entender que se encontra nítido o direito da Recorrente de

receber tais medicamentos, na forma como prescrito, mediante receitas médicas atualizadas.

Salienta-se que para que reste demonstrado condição regular do exercício do direito de ação,

não se faz necessário o requerimento formal do TRATAMENTO junto à Secretaria de Saúde

Estadual e nem muito menos sua recusa, se atentarmos para a situação de precariedade que

permeia atual e habitualmente a prestação dos serviços médicos pelo Estado.

Tenho, inclusive, adotado o entendimento, nas hipóteses de medicamentos pleiteados em sede

de mandado de segurança, segundo o qual a falta de requerimento documental pleiteando

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TRATAMENTO ou medicamentos à Secretaria de Saúde Estadual e/ou de sua recusa formal

não são capazes, por si só, de desconfigurar a ilegalidade do ato praticado pela autoridade

coatora, para os fins de concessão da medida pleiteada, eis que, o direito à saúde, à

integridade física, deve se sobrepor a meros formalismos.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça, já decidiu o seguinte:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.

DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE.

FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO. CÂNCER. DIGNIDADE HUMANA.

1. A ordem constitucional vigente, em seu art. 196, consagra o direito à saúde como dever do

Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados

não "qualquer TRATAMENTO", mas o TRATAMENTO mais adequado e eficaz, capaz de

ofertar ao enfermo maior dignidade e menor sofrimento. Precedentes: RMS 17449/MG DJ

13.02.2006; RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004; RMS 13452/MG, DJ 07.10.2002.

2. In casu, a impetrante demonstrou necessitar de medicamento para TRATAMENTO de

câncer, nos termos do atestado médico acostado às fls. 11, o qual prescreve uso interno de

Agrilyb.

3. Extrai-se do parecer ministerial de fls. 146, litteris ainda que não tenha havido recusa

formal ao fornecimento do medicamento pela autoridade impetrada, o cunho impositivo da

norma insculpida no art. 196, da Carta Magna, aliado ao caráter de urgência e à efetiva

distribuição da droga pela Secretaria de Saúde, determinam a obrigatoriedade do

fornecimento, pelo Estado do Paraná, da medicação requerida.

4. As normas burocráticas não podem ser erguidas como óbice à obtenção de

TRATAMENTO adequado e digno por parte do cidadão carente, em especial, quando

comprovado que a medicação anteriormente aplicada não surte o efeito desejado,

apresentando o paciente agravamento em seu quadro clínico. Precedente: RMS 17903/MG

Relator Ministro CASTRO MEIRA DJ 20.09.2004.

5. Recurso ordinário provido.

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"(STJ - RMS 20.335 - PR, Relator Ministro Luiz Fux). (grifo nosso)

Malgrado a sentença tenha extinguido a ação, considerando que a causa está em condições de

imediato julgamento, julgo desde logo a lide, com fincas no art. 515, §3º do CPC.

Dou provimento ao apelo, para reformando a sentença, determinar que o Município forneça

os medicamentos pretendidos, sempre que houver prescrição médica, mediante apresentação

da respectiva receita.

Custas pelo Apelado, isento por força do art. 10 da Lei Estadual 14.939/03.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

VOTO

Azenide Marquel de Oliveira da Fonseca propôs Ação de Obrigação de FAZER c/c pedido

de antecipação de tutela contra o Município de Belo Horizonte com o objetivo de que o

requerido seja compelido a fornecer-lhe os medicamentos Synarel, Gonal F, Ovidrel e

Evocanil, indicados para o TRATAMENTO da INFERTILIDADE.

A sentença de f.54/64-TJ extinguiu o processo sem julgamento do mérito com fundamento no

art.267, inciso VI do Código de Processo Civil. Registrou que "o Município é parte passiva

ilegítima e inexiste interesse jurídico para agir por não ter havido a tentativa de obter o

medicamento excepcional junto à Secretaria de Saúde do Estado de Minas Gerais ou mesmo

perante a União" (f. 63-TJ).

A autora afirma, na inicial, que é estéril e, por isso, submeteu-se a TRATAMENTO de

fertilização no Hospital das Clínicas, necessitando FAZER uso dos medicamentos Synarel,

Gonal F, Ovidrel e Evocanil. Porém, o alto custo dos medicamentos receitados está

impedindo que dê continuidade ao TRATAMENTO.

Inicialmente, destaco que é desnecessária a comprovação do indeferimento administrativo do

fornecimento dos medicamentos. A ausência de comprovação da negativa de fornecimento

dos medicamentos pedidos neste processo não conduz à ausência de interesse de agir, como

registrado na sentença.

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Não há a ilegitimidade passiva do Município de Belo Horizonte. Nos termos do art. 198 da

Constituição Federal, o sistema de saúde é único e integrado, em razão da atuação solidária

dos entes federados para a promoção das ações relacionadas à proteção da saúde da

população.

Portanto, não prevalece a extinção do processo sem julgamento do mérito, como posto na

decisão recorrida.

Passo ao exame do mérito, nos termos do art.515, §3º do Código de Processo Civil.

O Relatório médico de f. 47-TJ noticia que a autora e seu marido estão submetidos a

TRATAMENTO de INFERTILIDADE no Serviço de Reprodução Humana do Hospital

das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Participam do Programa de

Ovodoação. No referido documento, há o registro de que "no momento do TRATAMENTO,

necessitarão das seguintes medicações, ainda não fornecidas pelo SUS: Synarel, Gonal F,

Ovidrel e Evocanil ou Ultrogestan"

Os documentos de fls.48/60-TJ demonstram que a medicação prescrita terá um custo

aproximado de R$ 6.800,00 (seis mil e oitocentos reais).

Este caso difere-se dos vários processos que chegam a este Tribunal buscando compelir o

Poder Público, com fundamento nos preceitos da Constituição Federal, a custear

TRATAMENTO para a cura de enfermidades

A autora não pretende a cura de doença e sim que o Estado custeie os medicamentos

utilizados na realização da Fertilização in Vitro.

O art.196 da Constituição Federal preceitua que "a saúde é direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e

de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,

proteção e recuperação".

Portanto, o preceito constitucional faz referência expressa à "redução do risco de doenças e de

outros agravos".

A autora, à data da propositura da ação (fevereiro de 2007), contava com 43 anos de idade.

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Na inicial, foi dito que a autora é estéril. Porém, o documento médico que instrui este

processo, f.47-TJ, não faz referência à doença da autora. Apenas registra a necessidade do

TRATAMENTO e indica os medicamentos.

É certo que a partir dos 30 anos, e principalmente, após os 35 anos, ocorre um declínio no

potencial reprodutivo da mulher. A queda na fertilidade com o avanço da idade é um fato

biológico. Portanto, mesmo submetida à fertilização "in vitro" não é certo que a autora obterá

resultado satisfatório com o TRATAMENTO.

Não se trata, neste processo, de assegurar à paciente medicamento que visa reduzir o

agravamento de doença e consequentemente o risco à vida.

No julgamento da Apelação Cível com Revisão nº 578.558-5/5-00, que trata de pedido de

fornecimento de medicamento para INFERTILIDADE, o Revisor, Desembargador

Wanderley José Federighi, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo asseverou que:

"Não é disparatado adicionar-se, aqui, observação do digno Promotor de Justiça, constante de

seu parecer, no sentido de que a pretensão da impetrante 'encontra-se fora do âmbito de

proteção da norma constitucional'. Ou, como ainda afirma: ... não se vislumbra qualquer

hipótese em que a negativa no fornecimento dos medicamentos à impetrante possa ser

prejudicial à integridade de sua saúde.

Da mesma forma, não é descabido trazer-se à baila o princípio da proporcionalidade, tal qual

lembrado pelo digno Promotor, como também pelo douto magistrado de primeiro grau, no

sentido de que certamente haverá outras situações, de gravidade muito maior, que estariam a

demandar, com urgência, os recursos públicos que serão encaminhados para a satisfação da

pretensão da impetrante" (Relator Desembargador Osvaldo de Oliveira, Julgado em

30.07.2008).

O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente concedido a suspensão da segurança nos

casos de fornecimento de medicamentos para TRATAMENTO da INFERTILIDADE.

Nesse sentido: SS 3322, publicada no DJ de 26.09.2007; SS 3350, publicada no DJ de

23.08.2007; SS 3274, publicada no DJ de 22.08.2007; SS 3263, publicada no DJ de

02.08.2007 e SS 3201, publicada no DJ de 27.06.2007.

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16

No julgamento da Suspensão de Segurança nº 3322, a Ministra Ellen Gracie destacou que:

"No presente caso, analisando a natureza da moléstia que acomete a paciente

(INFERTILIDADE feminina associada à anovulação - CID: N 97.0) e o alto custo dos

medicamentos prescritos para seu TRATAMENTO, os quais não estão incluídos entre os de

dispensação obrigatória pela rede pública, entendo estarem configuradas as lesões à ordem, à

saúde e à economia públicas, porquanto a execução de decisões como a ora impugnada afeta

o já abalado sistema público de saúde".

Neste processo, não há situação em que se verifica que a falta dos medicamentos causará o

agravamento de doença que comprometa a vida da autora, a justificar a procedência do

pedido inicial.

Data venia, reformo a sentença para rejeitar as preliminares e, aplicando o art.515, §3º do

Código de Processo Civil, julgo improcedente o pedido inicial. Mantenho os ônus da

sucumbência fixados na sentença.

O SR. DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO:

De acordo com o Revisor.

SÚMULA : REJEITARAM AS PRELIMINARES E REFORMARAM A SENTENÇA,

VENCIDO O RELATOR.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.07.430216-7/001

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ANEXO EDUCAÇÃO

Institucional

Institucional

Consultas

Consultas

Serviços

Serviços

Transparência

Transparência

Intranet

Intranet

Número do

processo:

1.0000.00.288391-

6/000(1)

Númeração

Única:

2883916-

28.2000.8.13.0000

Processos

associados:clique para pesquisar

Relator: Des.(a) CARREIRA MACHADO

Relator do Acórdão: Des.(a) CARREIRA MACHADO

Data do Julgamento: 12/05/2003

Data da Publicação: 27/06/2003

Inteiro Teor:

EMENTA: O direito à educação consubstancia-se em verdadeiro direito fundamental do

cidadão, propiciando a realização dos fundamentos da República Federativa do Brasil

arrolados no artigo 1º, incisos II, III e IV da Constituição, quais sejam, a cidadania, a

dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho. É dever do Estado oferecer educação

aos cidadãos, decorrendo a gratuidade do ensino público de princípio constitucional que

abrange o ensino fundamental, médio e superior, sem restrições.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.288.391-6/00 - COMARCA DE MONTES CLAROS -

APELANTE(S): DANIELA PENA MENDES E OUTROS - APELADO(S): REITOR

UNIMONTES UNIVERSIDADE ESTADUAL MONTES CLAROS - RELATOR: EXMO.

SR. DES. CARREIRA MACHADO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos

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julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 12 de maio de 2003.

DES. CARREIRA MACHADO - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. CARREIRA MACHADO:

VOTO

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Daniela Pena Mendes e Outros, f. 144/153, à

sentença proferida pelo Juiz de Direito da 5ª Vara Cível da Comarca de Montes Claros,

f.135/141, que denegou a segurança na qual pleiteavam que a UNIMONTES se abstivesse de

exigir o pagamento da taxa de matrícula como condição para a matrícula e freqüência nos

respectivos cursos.

Sustentam, as apelantes, que a gratuidade do ensino público, prevista como princípio

constitucional, abrange os níveis fundamental, médio e superior, não sendo lícita a cobrança

de taxa pela UNIMONTES.

Prevê o artigo 205 da Constituição Federal:

"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada

com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."

Segundo José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª edição,

Malheiros Editores, p. 315:

"O art. 205 contém uma declaração fundamental que, combinada com o art. 6º, eleva a

educação ao nível dos direitos fundamentais do homem."

Acrescenta:

"A consecução prática dos objetivos da educação consoante o art. 205 - pleno

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19

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para

o trabalho - só se realizará num sistema educacional democrático, em que a organização da

educação formal (via escola) concretize o direito ao ensino, informado por princípios com

eles coerentes, que, realmente, foram acolhidos pela Constituição, como são: igualdade de

condições para o acesso e permanência na escola; liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e

divulgar o seu pensamento, a arte e o saber; pluralismo de idéias e de concepções

pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; gratuidade do

ensino público em estabelecimentos oficiais; valorização dos profissionais do ensino; garantia

de padrão de qualidade (art. 206)." (op. cit., p. 801).

Oportuna a lição de José Celso Mello Filho, in Constituição Federal anotada, 2ª edição,

Saraiva, p.533:

"A educação objetiva propiciar a formação necessária ao desenvolvimento das aptidões, das

potencialidade e da personalidade do educando. O processo educacional tem por meta: (a)

qualificar o educando para o trabalho; e (b) prepará-la para o exercício consciente da

cidadania. O acesso à educação é uma das formas de realização concreta do ideal

democrático."

O direito à educação consubstancia-se em verdadeiro direito fundamental do cidadão,

propiciando a realização dos fundamentos da República Federativa do Brasil arrolados no

artigo 1º, incisos II, III e IV da Constituição, quais sejam, a cidadania, a dignidade da pessoa

humana e os valores do trabalho.

A Constituição Federal estabelece os seguintes critérios para a sua efetivação:

"Artigo 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;"

"Artigo 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para

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20

todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

(...)

V - acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a

capacidade de cada um;"

O Estado deve oferecer educação aos cidadãos, decorrendo a gratuidade do ensino público de

princípio constitucional que abrange o ensino fundamental, médio e superior, sem restrições.

Oportuna, também, a lição do Professor Paulo Bonavides sobre a importância e efetividade

dos princípios, in Curso de Direito Constitucional, 7ª edição, Malheiros Editores, p. 257-258:

"A proclamação da normatividade dos princípios em novas formulações conceituais e os

arestos das Cortes Supremas no constitucionalismo contemporâneo corroboram essa

tendência irresistível que conduz à valoração e eficácia dos princípios como normas- chaves

de todo o sistema jurídico; normas das quais se retirou o conteúdo inócuo de

programaticidade, mediante o qual se costumava neutralizar a eficácia das Constituições em

seus valores reverencias, em seus objetivos básicos, em seu princípios cardeais."

"Há cerca de meio século, Crisafulli já bradava contra aquilo que lhe parecia a distorção

contemporânea das normas programáticas da Constituição: a "figura dogmática"dessas

normas, empregadas para tolher a juridicidade da Constituição, ou, na mais branda das

hipóteses, para restringir "a imperatividade efetiva e a aplicabilidade imediata das normas

constitucionais, frustrando a expensas dos cidadãos as garantias solenemente proclamadas da

Constituição"."

As normas constitucionais que priorizam a implantação do ensino fundamental - art. 208 ,

têm caráter diretivo da atuação do Estado na promoção do serviço, não implicando em

vedação à existência do ensino superior público gratuito.

Existindo estabelecimentos públicos dedicados ao ensino superior, estes deverão observar o

princípio que determina a gratuidade do ensino público.

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Nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMBARGOS DECLARATÓRIOS - GRATUIDADE DE ENSINO SUPERIOR -

DISTINÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E ENSINO - MATÉRIA NÃO QUESTIONADA -

DISTINÇÃO INCABÍVEL. A gratuidade do ensino abrange todos os graus escolares,

incluindo-se o superior, quando oficial e público. Não há lugar para distinção entre educação

e ensino, porque na conceituação de educação está compreendido o ensino. Torna-se

imprópria qualquer discussão em torno dessa matéria, em embargos declaratórios, se não foi

ela anteriormente debatida.(Embargos de Declaração 169.580-8 -

Relator Cláudio Costa).

Havendo previsão constitucional de gratuidade, não há de se falar em ausência de lei como

motivo limitador do exercício do direito, devendo o custo do serviço ser suportado por toda a

sociedade mediante a aplicação de recursos provenientes da arrecadação de impostos.

Esta a posição do constitucionalista José Afonso da Silva:

"A verdade é que, se a Constituição estabeleceu que a educação é direito de todos e dever do

Estado, significa que a elevou à condição de serviço público a ser prestado pelo Poder

Público indiscriminadamente e, portanto, gratuitamente aos usuários, ficando seu custeio por

conta das arrecadações gerais do Estado." (op. cit., p.805).

Ainda que a Constituição permitisse a cobrança, tratando-se de serviço público sem natureza

de comércio ou indústria, a taxa deveria ser instituída por lei e não por Resolução, como

ocorreu no caso em exame.

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu:

"ADMINISTRATIVO. UNIVERSIDADE FEDERAL. COBRANÇA DE MENSALIDADE

EM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU. IMPOSSIBILIDADE ANTE O

DISPOSTO NO ART. 206, IV, DA CONSTITUIÇÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA.

SENTENÇA MANTIDA. 1. Prevê a Constituição, no art. 206, IV, gratuidade do ensino

público em estabelecimentos oficiais, não discriminando níveis, assim, é indevida a cobrança

de mensalidade, por universidade pública, mesmo em curso de pós-graduação. 2. Discutível

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até mesmo a possibilidade de cobrança de taxa de matrícula com base em mera resolução, em

face do princípio da legalidade tributária.(Apelação Cível 1999.01.00.074977-9/GO - Relator:

Juiz João Batista Moreira.)."

Cumpre observar que além das mensalidades, a gratuidade deve ser estendida também aos

serviços prestados pela Instituição relacionados diretamente às atividades acadêmicas,

estando a matrícula dos impetrantes inseridas neste caso.

Ressalto que o valor estipulado como contraprestação para a realização de simples atividade

burocrática - R$218,00 - é excessivo, revelando-se desassociado do motivo declarado pela

impetrada como ensejador da cobrança.

Ante o exposto, dou provimento à apelação para conceder a segurança determinando que os

impetrados se abstenham de exigir da impetrante o pagamento da taxa de matrícula e a

quitação das anteriores, como condição para a matrícula e freqüência em seus cursos.

Custas pela apelada.

O SR. DES. ALMEIDA MELO:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. HYPARCO IMMESI:

VOTO

De acordo.

SÚMULA : DERAM PROVIMENTO.

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BIBLIOGRAFIA

1 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 89.

2 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 101.

3 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 89.

4 BARBOSA, Ruy, apud, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São

Paulo: Malheiros, 2001, p. 99.

5 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 101.

6 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 115.

7 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 115.

8 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2001, p. 116.

9 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

1998, p. 126.

10 SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros,

2006, p. 138.

Page 24: APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS.docx

24

DEL NEGRI, André. Teoria da Constituição e do Direito Constitucional. Belo Horizonte:

Fórum, 2009.

http://www.georgemlima.xpg.com.br/critica.pdf

http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=1139.16129

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2022/Eficacia-das-normas-constitucionais