Antunes Os Sentidos Do Trabalho 1

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  • OS SENTIDOS DO TRABALHO

    Ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho

    Ricardo Antunes

    Sentidos menor.pmd 10/11/2010, 19:303

  • Sobre Os sentidos do trabalhoIstvn Mszros

    A negao da centralidade do trabalho, feita pelos apologistas do capital um tema fundamental em Os sentidos do trabalho , tornou-se mais proeminente nas trs ltimas dcadas, coincidindo com o incio da crise estrutural do capital. As origens dessa tendncia datam de muito tempo atrs. J em 1925 Karl Mannheim, em seu famoso livro Ideologia e utopia, afirmava que as classes esto se fun-dindo uma na outra porque, de acordo com uma ideia muito mais antiga que ele tomou emprestada de Max Scheler, ns vivemos numa era de equalizao. O objetivo de tal projeo era, desde o incio, afastar a inconveniente realidade do trabalho como antagonista do capital, negando a prpria exis-tncia de uma fora social capaz de instituir uma alternativa hegemnica para a ordem estabelecida.

    Sem dvida, vimos e continuamos a nos defrontar com esse fato fuses de propores monumentais. No entre classes, mas entre corporaes gigantescas quase monopolistas. Da mesma forma, uma tendncia real de equalizao est avanando inexoravelmente. Mas no uma tendncia para criar condies de igualdade entre classes sociais a evidncia ressalta exatamente o oposto. A tendncia real de uma equalizao decrescente da taxa diferencial de explorao, com a fora de trabalho sendo em todo o mundo colocada de modo cada vez mais intenso sob uma forma de explorao e marginalizao pelo capital. Assim, apesar de todos os tipos de mistificao terica que procuram descartar esses pro-blemas como sendo preocupaes anacrnicas do sculo XIX, a necessidade de desafiar a subordina-o estrutural hierrquica do trabalho ao capital continua sendo a grande questo do nosso tempo. E o enfrentamento disso, tanto na teoria quanto na prtica social, impensvel sem a reafirmao vigorosa da centralidade do trabalho.Com rigor e lucidez Ricardo Antunes trata de todo um conjunto de questes vitais, refletindo fielmen-te suas complexas ramificaes. Ele constri em seus livros anteriores particularmente em Adeus ao trabalho? , e amplia muito em Os sentidos do trabalho, uma estrutura abrangente na qual problemas particulares ganham vida e ressaltam o sentido um do outro por meio de suas conexes recprocas. Mostra de forma convincente que a crise do fordismo e a maneira pela qual as personifi-caes do capital procuraram super-la com a reestruturao da economia ficando muito aqum do sucesso esperado somente so inteligveis como parte de uma crise muito mais profunda do sistema como um todo. Mostra tambm que elas em verdade so manifestaes das contradies do sistema do capital, que nenhuma quantidade de toyotismo poder remediar.

    As teorias que postularam a substituio do trabalho pela cincia como principal fora produtiva concentraram-se, com um eurocentrismo caracterstico, em alguns pases capitalistas avanados, desconsiderando o fato de que atualmente dois teros da fora de trabalho da humanidade vivem no chamado Terceiro Mundo. Ainda mais, como o autor demonstra numa parte importante de seu livro, dedicada anlise do que aconteceu na Inglaterra nas trs ltimas dcadas, as concluses de tais teorias sobre a substituio do trabalho e a ideia de relegar ao sculo XIX suas estratgias combativas so desprovidas de qualquer fundamento, mesmo em um pas capitalista to avanado quanto a Ingla-terra. Os sentidos do trabalho explica as razes do neoliberalismo thatcherista, um projeto que durou duas dcadas, mostrando tambm a tentativa do New Labour de, com um novo disfarce, reviver sob o vazio ideolgico da Terceira Via o desacreditado e falido empreendimento neoliberal.

    H em Os sentidos do trabalho uma pesquisa meticulosa, e os insights tericos do autor so apoiados em ampla documentao. Antunes consegue com sucesso reter a complexidade dialtica dos proble-mas discutidos, quando outros poderiam ficar tentados a oferecer interpretaes unilaterais. Ele sublinha, por exemplo, que o significativo aumento do trabalho feminino que hoje constitui 51% da fora de trabalho inglesa representa indiscutivelmente uma emancipao parcial das mulheres. Mas ao mesmo tempo ressalta o lado negativo desses acontecimentos, mostrando que o capital incorpora o trabalho feminino em sua diviso social e sexual do trabalho, impondo sobre a fora de trabalho feminina maior intensidade de precarizao e explorao.

    As candentes questes sociais e polticas discutidas situam-se dentro dos horizontes tericos mais amplos do livro, enfatizando sua verdadeira significao e validade. O modo como o autor focaliza os fundamentos ontolgicos do trabalho, usando de forma imaginativa a ltima obra magistral de Lukcs, lhe possibilita articular os polmicos problemas atuais perspectiva histrica de emanci-pao. Solues viveis, ele argumenta, so possveis somente por meio da alternativa hegemnica do trabalho sobre o modo estabelecido de controle social metablico, combinando o sentido da vida isto , a busca dos indivduos por uma vida cheia de sentido com o sentido do trabalho. Assim, em ntido contraste com aqueles que projetam uma acomodao utpica com o capital mantendo sua supremacia no mundo da produo e imaginam uma plenitude emancipatria fora da atividade produtiva, no reino do lazer , Antunes corretamente insiste em que uma vida cheia de sentido fora do trabalho supe uma vida dotada de sentido dentro do trabalho. No possvel compatibilizar trabalho assalariado, fetichizado e estranhado com tempo verdadeiramente livre. Uma vida desprovi-da de sentido no trabalho incompatvel com uma vida cheia de sentido fora do trabalho (...). Uma vida cheia de sentido somente poder efetivar-se por meio da demolio das barreiras existentes entre tempo de trabalho e tempo de no trabalho, de modo que, a partir de uma atividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para alm da diviso hierrquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sob bases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade (...) na qual liberdade e necessidade se realizem mutuamente. Isso no poderia ter sido dito de modo melhor.

    REMOUnderline

  • Copyright Boitempo Editorial, 1999, 2009Copyright Ricardo Antunes, 1999, 2009

    Coordenao editorial Ivana Jinkings

    Editor-assistente Jorge Pereira Filho

    Assistncia editorial Ana Lotufo, Elisa Andrade Buzzo e Frederico Ventura

    PreparaoMaria Cristina G. Cupertino e Mariana Echalar

    Reviso Alessandro de Paula e Renata Assumpo

    CapaIvana Jinkings (criao) e Flavio Valverde (arte-final)

    sobre painel de Diego Rivera, Detroit Industry, 1932-1933 (detalhe).The Detroit Institute of Arts.

    Diagramao Antonio Kehl

    Produo Marcel Iha e Paula Pires

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    A642s

    Antunes, Ricardo L. C. (Ricardo Luis Coltro), 1953-Os Sentidos do Trabalho : ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho / Ricardo

    Antunes. - [2.ed., 10.reimpr. rev. e ampl.]. - So Paulo, SP : Boitempo, 2009. -(Mundo do Trabalho)

    ISBN 978-85-85934-43-9e-ISBN 978-85-7559-259-5

    1. Trabalho. 2. Trabalhadores. 3. Sociologia do trabalho. I. Ttulo.

    09-5920. CDD: 331.1 CDU: 331.113.11.09 18.11.09 016263

    vedada, nos termos da lei, a reproduo de qualquerparte deste livro sem a expressa autorizao da editora.

    Este livro atende s normas do novo acordo ortogrfico.

    1a edio: outubro de 1999; 1a reimpresso: maro de 2000;2a reimpresso: agosto de 2000; 3a reimpresso: abril de 2001;

    4a reimpresso: setembro de 2001; 5a reimpresso: julho de 2002;6a reimpresso: agosto de 2003; 7a reimpresso: abril de 2005;

    8a reimpresso: junho de 2006; 9a reimpresso: novembro de 2007;2a edio: dezembro de 2009; 1a reimpresso: novembro de 2010

    BOITEMPO EDITORIALJinkings Editores Associados Ltda.

    Rua Pereira Leite, 37305442-000 So Paulo SP

    Tel./fax: (11) 3875-7250 / 3872-6869editor@boitempoeditorial.com.brwww.boitempoeditorial.com.br

  • Oh, as estranhas exigncias dasociedade burguesa que primeiro nos

    confunde e nos desencaminha, paradepois exigir de ns mais que a

    prpria natureza!

    Goethe, Os anos de aprendizado deWilhelm Meister

    Que tempos so esses, em quefalar de rvores quase um crimepois implica silenciar sobre tantas

    barbaridades?

    Brecht, Aos que vo nascer

    Somente quando o homem, emsociedade, busca um sentido para suaprpria vida e falha na obteno deste

    objetivo, que isso d origem suaanttese, a perda de sentido.

    Lukcs, Ontologia do ser social

    Andam desarticulados os tempos.

    Shakespeare, Hamlet

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  • SUMRIO

    NOTA 2a EDIO ...........................................................................................11

    APRESENTAO ................................................................................................15

    INTRODUO ....................................................................................................17

    I O SISTEMA DE METABOLISMO SOCIAL DO CAPITALE SEU SISTEMA DE MEDIAES ....................................................................21

    O sistema de mediaes de primeira ordem ...............................................21

    A emergncia do sistema de mediaes de segunda ordem .......................22

    II DIMENSES DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL ................................31

    A crise do taylorismo e do fordismo como expressofenomnica da crise estrutural ....................................................................31

    III AS RESPOSTAS DO CAPITAL SUA CRISEESTRUTURAL: a reestruturao produtiva e suasrepercusses no processo de trabalho ..............................................................37

    Os limites do taylorismo/fordismo e docompromisso social-democrtico ................................................................38

    A ecloso das revoltas do operrio-massa e a crise do Welfare State .......42

    IV O TOYOTISMO E AS NOVAS FORMASDE ACUMULAO DE CAPITAL........................................................................49

    A falcia da qualidade total sob a vigncia da taxade utilizao decrescente do valor de uso das mercadorias .......................52

    A liofilizao organizacional e do trabalho na fbrica toyotizada:as novas formas de intensificao do trabalho ...........................................54

    V DO NEOLIBERALISMO DE THATCHER TERCEIRA VIA DETONY BLAIR: a experincia inglesa recente ....................................................63

    Neoliberalismo, mundo do trabalho e crisedo sindicalismo na Inglaterra ......................................................................63

    Elementos da reestruturao produtivabritnica: iderio e pragmtica ....................................................................77

    As greves inglesas nos anos 90: as formas de confrontaocom o neoliberalismo e a precarizao do trabalho ...................................92

    O New Labour e a Terceira Via de Tony Blair ..........................................96

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  • 8VI A CLASSE-QUE-VIVE-DO-TRABALHO: a forma de serda classe trabalhadora hoje ...........................................................................101

    Por uma noo ampliada de classe trabalhadora .....................................101

    Dimenses da diversidade, heterogeneidadee complexidade da classe trabalhadora .....................................................104

    Diviso sexual do trabalho: transversalidades entre asdimenses de classe e gnero ....................................................................105

    Os assalariados no setor de servios, o terceiro setore as novas formas de trabalho em domiclio ............................................111

    Transnacionalizao do capital e mundo do trabalho ..............................115

    VII MUNDO DO TRABALHO E TEORIA DO VALOR: as formasde vigncia do trabalho material e imaterial ...............................................119

    A interao crescente entre trabalho e conhecimento cientfico:uma crtica tese da cincia como principal fora produtiva ...............119

    A interao entre trabalho material e imaterial .......................................125

    As formas contemporneas do estranhamento .........................................130

    VIII EXCURSO SOBRE A CENTRALIDADE DO TRABALHO:a polmica entre Lukcs e Habermas ...........................................................135

    1 A CENTRALIDADE DO TRABALHO NAONTOLOGIA DO SER SOCIAL DE LUKCS ..................................................135

    Trabalho e teleologia ..................................................................................136

    O trabalho como protoforma da prxis social ..........................................139

    Trabalho e liberdade ..................................................................................143

    2 A CRTICA DE HABERMAS AO PARADIGMA DO TRABALHO ..............146

    O paradigma da ao comunicativa eda esfera da intersubjetividade ..................................................................147

    O desacoplamento entre sistema e mundo da vida ..................................149

    A colonizao do mundo da vida e a crtica de Habermas teoria do valor ............................................................................................151

    3 UM ESBOO CRTICO CRTICA DE HABERMAS ................................155

    Subjetividade autntica e subjetividade inautntica ..................................158

    IX ELEMENTOS PARA UMA ONTOLOGIA DA VIDA COTIDIANA.................165

    X TEMPO DE TRABALHO E TEMPO LIVRE: por uma vidacheia de sentido dentro e fora do trabalho ...................................................171

    XI FUNDAMENTOS BSICOS DE UM NOVO SISTEMADE METABOLISMO SOCIAL ............................................................................177

    APNDICES ......................................................................................................183

    Apndices primeira edio ..........................................................................185

    1 A CRISE DO MOVIMENTO OPERRIO E A CENTRALIDADEDO TRABALHO HOJE ................................................................................185

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  • 92 OS NOVOS PROLETRIOS DO MUNDONA VIRADA DO SCULO ...........................................................................193

    3 AS METAMORFOSES E A CENTRALIDADEDO TRABALHO HOJE ................................................................................205

    4 SOCIALISMO E MUNDO DO TRABALHO NAAMRICA LATINA: alguns pontos para debate ........................................221

    5 LUTAS SOCIAIS E DESENHO SOCIETALSOCIALISTA NO BRASIL RECENTE ..........................................................225

    Apndices segunda edio ..........................................................................247

    1 DEZ TESES E UMA HIPTESE SOBREO PRESENTE (E O FUTURO) DO TRABALHO ..........................................247

    2 TRABALHO E VALOR: anotaes crticas ...........................................263

    3 A ECONOMIA POLTICA DAS LUTAS SOCIAIS ...................................273

    BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................281

    SOBRE O AUTOR............................................................................................287

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  • NOTA DA EDIO ELETRNICA

    Para aprimorar a experincia da leitura digital, optamos por extrair desta verso eletrnica as pginas em branco que intercalavam os captulos, ndices etc. na verso impressa do livro. Por esse motivo, possvel que o leitor perceba saltos na numerao das pginas. O contedo original do livro se mantm integral-mente reproduzido.

  • 10

    Para Diva e Jos,meus pais

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  • 11

    NOTA 2a EDIO

    Os Sentidos do Trabalho ganhauma nova reimpresso, a 10a, dez anos depois de sua 1a edio,em 1999. Nesta 2a edio, revista e atualizada pela primeira vez, suasteses centrais adquirem ainda mais fora: h uma nova morfologia dotrabalho que repe os sentidos e significados essenciais desse conceito,mostrando que o trabalho , no incio do sculo XXI, uma questo (ainda)decisivamente vital.

    Mais do que nunca, bilhes de homens e mulheres dependem ex-clusivamente de seu trabalho para sobreviver e encontram cada vezmais situaes instveis, precrias, quando no inexistentes de traba-lho. Ou seja, enquanto se amplia o contingente de trabalhadores e tra-balhadoras no mundo, h uma constrio monumental dos empregos,corrodos em seus direitos e erodidos em suas conquistas.

    Maquinaria perversa e engenharia satnica que vm gerando umgigantesco contingente de desempregados que assim o so pela prprialgica destrutiva do capital a qual, ao mesmo tempo que expulsa cen-tenas de milhes de homens e mulheres do mundo produtivo geradordo valor em seus trabalhos estveis e formalizados, recria, nos maisdistantes e longnquos espaos, novas modalidades informalizadas eprecarizadas de gerao do mais-valor. Isso depaupera ainda mais, pelaexpanso da fora sobrante de trabalho que no para de crescer, osnveis de remunerao daqueles que se mantm trabalhando.

    Mas contra a simplria tese da finitude do trabalho, este se mos-tra, em sua forma contraditria de ser, um espao de sociabilidade,

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  • 12

    mesmo quando marcado por traos dominantes de estranhamento ealienao o que se constata pela desumanizao presente nos contin-gentes de desempregados que, em especial, mas no s no Sul domundo, nunca vivenciaram sequer cogulos de Welfare State.

    Contrariamente, portanto, unilateralizao presente tanto nas te-ses que desconstroem o trabalho quanto naquelas que fazem seu cultoacrtico, sabemos que, na longa histria da atividade humana, em suaincessante luta pela sobrevivncia e felicidade social (como estava pre-sente j na reivindicao do cartismo na Inglaterra do sculo XIX), otrabalho , em si e por si, uma atividade vital. Mas, ainda no contra-ponto, se a vida humana se resumisse exclusivamente ao trabalho como muitas vezes ocorre com o mundo capitalista e sua sociedadedo trabalho abstrato , ela seria tambm expresso de um mundopenoso, alienante, aprisionado e unilateralizado.

    A constatao de Os Sentidos do Trabalho clara: se, por um lado,necessitamos do trabalho humano e de seu potencial emancipador,devemos tambm recusar o trabalho que explora, aliena e infelicita oser social. Isso porque, como est longamente desenvolvido nas pgi-nas deste livro, o sentido do trabalho que estrutura o capital acabasendo desestruturante para a humanidade; na contrapartida, o traba-lho que tem sentido estruturante para a humanidade potencialmentedesestruturante para o capital.

    E essa contraditria processualidade do trabalho, que emancipa ealiena, humaniza e sujeita, libera e escraviza, converte o estudo do tra-balho humano numa questo crucial de nosso mundo e de nossas vi-das neste conturbado sculo XXI, cujo desafio maior dar sentidoautoconstituinte ao trabalho humano e tornar nossa vida fora dotrabalho tambm dotada de sentido.

    Esta nova edio de Os Sentidos do Trabalho traz trs novos apn-dices que do atualidade a suas teses originais. O primeiro, que sinte-tiza algumas das teses centrais sobre o presente do trabalho, esboatambm uma hiptese sobre o seu futuro. O segundo trata da crisecapitalista atual e do consequente processo de destruio e desmo-ronamento do trabalho que est abrindo caminho para o incio de umanova fase de precarizao estrutural do trabalho em escala global,se essa lgica no for obstada e confrontada. O terceiro e ltimoproblematiza algumas formulaes que, a partir da noo de trabalhoimaterial, procuram desconstruir a teoria do valor-trabalho.

    Os leitores podero perceber a clara continuidade dos apndices emrelao verso original do livro, que, conjuntamente com Adeus ao Tra-balho? (Cortez) e O Caracol e sua Concha (Boitempo), enfeixa nossatrilogia sobre a centralidade do trabalho na sociedade contempornea.

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  • 13

    Por fim, acrescento que, alm de suas dez reimpresses no Brasil, OsSentidos do Trabalho vem encontrando acolhida positiva tambm no exte-rior. H uma edio em espanhol (Los Sentidos del Trabajo, HerramientaEdiciones e TEL/Taller de Estdios Laborales, Argentina, 2005), outra emitaliano (Il Lavoro in Trappola: La Classe Che Vive di Lavoro, Jaca Book,2006) e encontra-se em andamento a traduo para uma edio franco--sua pela Page2, que esperamos ver em breve publicada.

    Ricardo Antunes

    Campinas, outubro de 2009

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  • 15

    APRESENTAO

    Os Sentidos do Trabalho (Ensaiosobre a Afirmao e a Negao do Trabalho) o resultado da pesquisarealizada na Universidade de Sussex (Inglaterra) onde, a convite de IstvnMszros, Professor Emrito daquela Universidade, trabalhei comopesquisador visitante.

    Pude ento aprofundar vrias dimenses que havia iniciado emAdeus ao Trabalho?, publicado em 1995. Os Sentidos do Trabalho, queapresento para o Concurso de Professor Titular em Sociologia do Tra-balho, no IFCH/Unicamp, retoma essa temtica, ampliando-a e desen-volvendo-a em outras dimenses que, em meu entendimento, so cen-trais quando se pensa no mundo do trabalho hoje, nas formascontemporneas de vigncia da centralidade do trabalho ou nos mlti-plos sentidos do trabalho.

    O estudo das relaes entre trabalho produtivo e improdutivo,manual e intelectual, material e imaterial, bem como a forma assu-mida pela diviso sexual do trabalho, a nova configurao da clas-se trabalhadora, dentre vrios elementos que analisarei ao longo dotexto, permitiu-me recolocar e dar concretude tese da centralidadeda categoria trabalho na formao societal contempornea, contra adesconstruo terica que foi realizada nos ltimos anos. Ao contr-rio da propagada substituio do trabalho pela cincia, ou ainda dasubstituio da produo de mercadorias pela esfera comunicacional,da substituio da produo pela informao, exploro as novas for-mas de interpenetrao existentes entre as atividades produtivas e as

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  • 16

    improdutivas, entre as atividades fabris e de servios, entre atividadeslaborativas e atividades de concepo, entre produo e conhecimentocientfico, que vm se ampliando no mundo contemporneo do capitale de seu sistema produtivo.

    Podendo desfrutar o convvio intelectual com os professores IstvnMszros e William Outhwaite, entre outros, na School of EuropeanStudies da Universidade de Sussex, a mesma escola que tambm aco-lheu, at poucos anos atrs, Tom Bottomore, encontrei as condies paraa realizao da pesquisa que resultou neste livro.

    O primeiro e especial agradecimento vai ao professor IstvnMszros, pelos dilogos, discusses, reflexes e, mais que isso, ami-zade, sensibilidade e solidariedade profundas, que l se intensificaramainda mais, e em quem sempre encontrei, desde o primeiro momentoda chegada na Inglaterra, integral apoio. Nossos encontros e debates,ao longo de um ano, fizeram este trabalho ganhar novos contornos.Agradecimento que se estende tambm querida amiga Donatella, portudo que juntos pudemos vivenciar.

    Ao professor William Outhwaite, o meu agradecimento pelo apoio eauxlio dados. Ao professor John McIlroy, do International Centre forLabour Studies da Universidade de Manchester, sou igualmente gratopelas atividades l realizadas e por nossos encontros.

    A Fran White e Pam Cunliffe, pela colaborao amiga e despojadaque deram.

    Uma lembrana especial para Teresa, Ana e Caio, que me acom-panharam a Sussex, o que nos permitiu vivenciar, juntos, uma belaexperincia.

    Para a Fapesp, pela Bolsa de Ps-Doutorado que possibilitou o de-senvolvimento do projeto, de maro de 1997 a fevereiro de 1998, naUniversidade de Sussex, e tambm ao CNPq, pela Bolsa em Pesquisa quepermitiu a retomada deste projeto, a partir de maro de 1999, e ao Faep/Unicamp, deixo registrados os meus agradecimentos.

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  • 17

    INTRODUO

    Particularmente nas ltimas dcadasa sociedade contempornea vem presenciando profundas transforma-

    es, tanto nas formas de materialidade quanto na esfera da subjeti-

    vidade, dadas as complexas relaes entre essas formas de ser e exis-tir da sociabilidade humana. A crise experimentada pelo capital, bemcomo suas respostas, das quais o neoliberalismo e a reestruturaoprodutiva da era da acumulao flexvel so expresso, tm acarreta-do, entre tantas consequncias, profundas mutaes no interior domundo do trabalho. Dentre elas podemos inicialmente mencionar oenorme desemprego estrutural, um crescente contingente de trabalha-dores em condies precarizadas, alm de uma degradao que seamplia, na relao metablica entre homem e natureza, conduzida pelalgica societal voltada prioritariamente para a produo de mercado-rias e para a valorizao do capital.

    Paralelamente, entretanto, tm sido frequentes as representaesque visualizam nessas formas de (des)sociabilizao novas e positivasdimenses de organizao societal, como se a humanidade que traba-lha estivesse prestes a atingir seu ponto mais avanado de sociabilida-de. Muitas so as formas de fetichizao: desde o culto da sociedadedemocrtica, que teria finalmente realizado a utopia do preenchimen-to, at a crena na desmercantilizao da vida societal, no fim das ideo-logias, no advento de uma sociedade comunicacional capaz de possi-bilitar uma interao subjetiva, por meio de novas formas deintersubjetividade. Ou ainda aquelas que visualizam o fim do traba-

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  • 18

    lho e a realizao concreta do reino do tempo livre, dentro da estrutu-ra global da reproduo societria vigente.

    Minha investigao procurar oferecer um quadro analtico bas-tante distinto. Ao contrrio dessas formulaes, pode-se constatar quea sociedade contempornea presencia um cenrio crtico, que atingeno s os pases do chamado Terceiro Mundo, como o Brasil, mastambm os pases capitalistas centrais. A lgica do sistema produtorde mercadorias vem convertendo a concorrncia e a busca da produ-tividade num processo destrutivo que tem gerado uma imensa preca-rizao do trabalho e aumento monumental do exrcito industrial dereserva, do nmero de desempregados. Somente a ttulo de exemplo:at o Japo e o seu modelo toyotista, que introduziu o emprego vita-lcio para cerca de 25% de sua classe trabalhadora, vem procurandoextinguir essa forma de vnculo empregatcio, para adequar-se com-petio que reemerge do Ocidente toyotizado. Dentre as medidaspropostas para o enfrentamento da crise japonesa encontra-se aindaaquela formulada pelo seu capital, que pretende ampliar tanto a jorna-da diria de trabalho de 8 para 9 horas quanto a jornada semanal de48 para 52 horas.1 Podemos mencionar tambm o exemplo daIndonsia, onde mulheres trabalhadoras da multinacional Nike ganha-vam 38 dlares por ms, realizando uma longa jornada de trabalho.Em Bangladesh, as empresas Wal-Mart, K-Mart e Sears utilizaram-sedo trabalho feminino na confeco de roupas, com jornadas de traba-lho de cerca de 60 horas por semana e salrios inferiores a 30 dlarespor ms.2 O que dizer de uma forma de sociabilidade que, conformedados recentes da OIT para o ano de 1999, desemprega ou precarizamais de 1 bilho de pessoas, algo em torno de um tero da fora hu-mana mundial que trabalha?

    Se um grande equvoco imaginar o fim do trabalho na socieda-de produtora de mercadorias, entretanto imprescindvel entenderquais mutaes e metamorfoses vm ocorrendo no mundo contem-porneo, bem como quais so seus principais significados e suas maisimportantes consequncias. No que diz respeito ao mundo do traba-lho, pode-se presenciar um conjunto de tendncias que, em seus tra-os bsicos, configuram um quadro crtico e que tm sido experimen-tadas em diversas partes do mundo onde vigora a lgica do capital.E a crtica s formas concretas da (des)sociabilizao humana con-dio para que se possa empreender tambm a crtica e a desfeti-chizao das formas de representao vigentes, do iderio que domi-na nossa sociedade contempornea.

    1 Conforme informaes que constam no Japan Press Weekly, fev. de 1998.2 Dados extrados de Time for a Global New Deal, Foreign Affairs, jan.-fev. 1994,

    Vol. 73, n 1: 8.

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  • 19

    Tratando dessas formas de (des)sociabilizao, que esto presen-tes e em expanso no mundo contemporneo, Istvn Mszros, numplano de maior abstrao, denominou-as mediaes de segunda or-dem. Em suas palavras:

    As mediaes de segunda ordem do capital isto , os meios de produ-o alienados e suas personificaes: dinheiro; produo para troca;

    a diversidade de formao do Estado do capital em seu contexto glo-

    bal; o mercado mundial sobrepem-se, na prpria realidade, ativi-

    dade produtiva essencial dos indivduos sociais e mediao primria

    existente entre eles. Somente um exame crtico radical desse sistema

    historicamente especfico de mediaes de segunda ordem pode ofere-

    cer uma sada para esse labirinto conceitual fetichizado. Por contraste,

    entretanto, a aceitao acrtica do sistema dado, historicamente con-

    tingente mas efetivamente poderoso, como o horizonte absoluto

    reprodutor da vida humana em geral torna impossvel a compreenso

    da natureza real da mediao. A prevalncia das mediaes de segun-

    da ordem oblitera a prpria conscincia das relaes mediadoras pri-

    mrias e se apresenta em sua eterna presencialidade (Hegel) como o

    necessrio ponto de partida, que tambm simultaneamente um pon-

    to final insupervel. De fato, elas produzem uma completa inverso do

    atual relacionamento, que gera como resultado a degradao da ordem

    primria e a usurpao do seu lugar pelas mediaes de segunda or-

    dem, alienadas, com consequncias potencialmente as mais perigosas

    para a sobrevivncia da humanidade (...) (Mszros, 1995: 17-8).

    A inverso da lgica societal, ao se efetivar, consolidou, ento, asmediaes de segunda ordem, que passaram a se constituir comoelemento fundante do sistema de metabolismo social do capital. Des-provido de uma orientao humanamente significativa, o capital as-sume, em seu processo, uma lgica em que o valor de uso das coi-sas foi totalmente subordinado ao seu valor de troca. O sistema demediaes de segunda ordem passou a se sobrepor e a conduzir asmediaes de primeira ordem. A lgica societal se inverte e se trans-figura, forjando um novo sistema de metabolismo societal estruturadopelo capital.

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    Captulo I

    O SISTEMA DE METABOLISMO SOCIAL DOCAPITAL E SEU SISTEMA DE MEDIAES

    O sistema de metabolismo socialdo capital nasceu como resultado da diviso social que operou a su-bordinao estrutural do trabalho ao capital. No sendo conse-quncia de nenhuma determinao ontolgica inaltervel, esse siste-ma de metabolismo social , segundo Mszros, o resultado de umprocesso historicamente constitudo, em que prevalece a diviso so-cial hierrquica que subsume o trabalho ao capital.3 Os seres sociaistornaram-se mediados entre si e combinados dentro de uma totalida-de social estruturada, mediante um sistema de produo e intercm-bio estabelecido. Um sistema de mediaes de segunda ordemsobredeterminou suas mediaes primrias bsicas, suas mediaesde primeira ordem.

    O sistema de mediaes de primeira ordemAs mediaes de primeira ordem, cuja finalidade a preservao

    das funes vitais da reproduo individual e societal, tm as seguin-tes caractersticas definidoras:

    1) os seres humanos so parte da natureza, devendo realizar suas neces-sidades elementares por meio do constante intercmbio com a prprianatureza;

    3 As referncias seguintes so extradas de Mszros (1995), que do suporte s formu-laes presentes neste captulo.

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    2) eles so constitudos de tal modo que no podem sobreviver comoindivduos da espcie qual pertencem (...) baseados em um intercm-bio sem mediaes com a natureza (como fazem os animais), reguladospor um comportamento instintivo determinado diretamente pela natu-reza, por mais complexo que esse comportamento instintivo possa ser.(Mszros, 1995: 138).

    Partindo dessas determinaes ontolgicas fundamentais, os indi-vduos devem reproduzir sua existncia por meio de funes prim-rias de mediaes, estabelecidas entre eles e no intercmbio e interaocom a natureza, dadas pela ontologia singularmente humana do tra-balho, pelo qual a autoproduo e a reproduo societal se desenvol-vem. Essas funes vitais de mediao primria ou de primeira or-dem incluem:

    1) a necessria e mais ou menos espontnea regulao da atividadebiolgica reprodutiva em conjugao com os recursos existentes;

    2) a regulao do processo de trabalho, pela qual o necessrio inter-cmbio comunitrio com a natureza possa produzir os bens requeridos,os instrumentos de trabalho, os empreendimentos produtivos e o conhe-cimento para a satisfao das necessidades humanas;

    3) o estabelecimento de um sistema de trocas compatvel com asnecessidades requeridas, historicamente mutveis e visando otimizaros recursos naturais e produtivos existentes;

    4) a organizao, coordenao e controle da multiplicidade de ati-vidades, materiais e culturais, visando o atendimento de um sistemade reproduo social cada vez mais complexo;

    5) a alocao racional dos recursos materiais e humanos dispon-veis, lutando contra as formas de escassez, por meio da utilizao eco-nmica (no sentido de economizar) vivel dos meios de produo, emsintonia com os nveis de produtividade e os limites socioeconmicosexistentes;

    6) a constituio e organizao de regulamentos societais designa-dos para a totalidade dos seres sociais, em conjuno com as demaisdeterminaes e funes de mediao primrias (idem: 139).

    Nenhum desses imperativos de mediao primrios necessitam doestabelecimento de hierarquias estruturais de dominao e subordi-nao, que configuram o sistema de metabolismo societal do capital esuas mediaes de segunda ordem.

    A emergncia do sistema de mediaes de segunda ordemO advento dessa segunda ordem de mediaes corresponde a um

    perodo especfico da histria humana, que acabou por afetar profun-damente a funcionalidade das mediaes de primeira ordem ao intro-duzir elementos fetichizadores e alienantes de controle social metabli-

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    co (idem:139-140). Isso porque a constituio do sistema de capital idntica emergncia de suas mediaes de segunda ordem. De fato, ocapital, como tal, nada mais do que uma dinmica, um modo e meiototalizante e dominante de mediao reprodutiva, articulado com umelenco historicamente especfico de estruturas envolvidas institu-cionalmente, tanto quanto de prticas sociais salvaguardadas. um sis-tema de mediaes claramente identificvel, o qual em suas formas con-venientemente desenvolvidas subordina estritamente todas as funesreprodutivas sociais das relaes de gnero familiares produomaterial, incluindo at mesmo a criao das obras de arte ao impe-rativo absoluto da expanso do capital, ou seja, da sua prpria expan-so e reproduo como um sistema de metabolismo social de media-o (idem: 117).

    A explicao disso est na sua finalidade essencial, que no outraseno expandir constantemente o valor de troca, ao qual todos os de-mais desde as mais bsicas e mais ntimas necessidades dos indiv-duos at as mais variadas atividades de produo, materiais e culturais, devem estar estritamente subordinados (idem: 14). Desse modo, acompleta subordinao das necessidades humanas reproduo dovalor de troca no interesse da autorrealizao expansiva do capital tem sido o trao mais notvel do sistema de capital desde sua origem(idem: 522). Ou seja, para converter a produo do capital em propsi-to da humanidade era preciso separar valor de uso e valor de troca, su-bordinando o primeiro ao segundo.

    Essa caracterstica constituiu-se num dos principais segredos doxito dinmico do capital, uma vez que as limitaes das necessida-des no podiam se constituir em obstculos para a expansoreprodutiva do capital (idem: 523). Naturalmente, a organizao e adiviso do trabalho eram fundamentalmente diferentes nas socieda-des em que o valor de uso e a necessidade exerciam uma funo re-guladora bsica (idem: 523). Com o capital erige-se uma estruturade mando vertical, que instaurou uma diviso hierrquica do traba-lho capaz de viabilizar o novo sistema de metabolismo social voltadopara a necessidade da contnua, sistemtica e crescente ampliao devalores de troca (idem: 537), no qual o trabalho deve subsumir-serealmente ao capital, conforme a indicao de Marx no Captulo VI(Indito). Desse modo, ainda segundo Mszros, as condies neces-srias para a vigncia das mediaes de segunda ordem, que decor-rem do advento do sistema de capital, so encontradas por meio dosseguintes elementos:

    1) a separao e alienao entre o trabalhador e os meios de pro-duo;

    2) a imposio dessas condies objetivadas e alienadas sobre os tra-balhadores, como um poder separado que exerce o mando sobre eles;

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    3) a personificao do capital como um valor egosta com suasubjetividade e pseudopersonalidade usurpadas , voltada para o aten-dimento dos imperativos expansionistas do capital;

    4) a equivalente personificao do trabalho, isto , a personifica-o dos operrios como trabalho, destinado a estabelecer uma re-lao de dependncia com o capital historicamente dominante; essapersonificao reduz a identidade do sujeito desse trabalho a suasfunes produtivas fragmentrias (idem: 617).

    Assim, cada uma das formas de mediao de primeira ordem al-terada e subordinada aos imperativos de reproduo do capital. As fun-es produtivas e de controle do processo de trabalho social so radical-mente separadas entre aqueles que produzem e aqueles que controlam.

    Tendo se constitudo como o mais poderoso e abrangente sistemade metabolismo social, o seu sistema de mediao de segunda or-dem tem um ncleo constitutivo formado pelo trip capital, trabalhoe Estado, sendo que essas trs dimenses fundamentais do sistemaso materialmente inter-relacionadas, tornando-se impossvel super--las sem a eliminao do conjunto dos elementos que compreende essesistema. No basta eliminar um ou at mesmo dois de seus polos. Aexperincia sovitica (e seu desfecho histrico recente) demonstroucomo foi impossvel destruir o Estado (e tambm o capital) manten-do-se o sistema de metabolismo social do trabalho alienado eheterodeterminado. O que se presenciou naquela experincia histri-ca foi, ao contrrio, a enorme hipertrofia estatal, uma vez que tanto aURSS quanto os demais pases ps-capitalistas mantiveram os ele-mentos bsicos constitutivos da diviso social hierrquica do traba-lho. A expropriao dos expropriadores, a eliminao jurdico-pol-tica da propriedade, realizada pelo sistema sovitico, deixou intactoo edifcio do sistema de capital (idem: 493 e tambm 137).4

    Na sntese realizada por Istvn Mszros:

    Dada a inseparabilidade das trs dimenses do sistema do capital, que socompletamente articuladas capital, trabalho e Estado inconcebvelemancipar o trabalho sem simultaneamente superar o capital e tambm oEstado. Isso porque, paradoxalmente, o material fundamental que sustentao pilar do capital no o Estado, mas o trabalho, em sua contnua dependn-cia estrutural do capital (...). Enquanto as funes controladoras vitais dometabolismo social no forem efetivamente tomadas e autonomamenteexercidas pelos produtores associados, mas permanecerem sob a autoridadede um controle pessoal separado (isto , o novo tipo de personificao do

    4 O desafio formulado por Istvn Mszros superar o trip em sua totalidade, neleincludo o seu pilar fundamental, dado pelo sistema hierarquizado de trabalho, comsua alienante diviso social que subordina o trabalho ao capital, tendo como elo decomplementao o Estado poltico.

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    REMOUnderline

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    capital), o trabalho como tal continuar reproduzindo o poder do capitalsobre si mesmo, mantendo e ampliando materialmente a regncia da riquezaalienada sobre a sociedade (idem: 494).

    No sendo uma entidade material e nem um mecanismo que possaser racionalmente controlvel, o capital constitui uma poderosssima es-trutura totalizante de organizao e controle do metabolismo societal, qual todos, inclusive os seres humanos, devem se adaptar. Esse sistemamantm domnio e primazia sobre a totalidade dos seres sociais, sendoque suas mais profundas determinaes esto orientadas para a ex-panso e impelidas pela acumulao (idem: 41-44).5 Enquanto nasformas societais anteriores ao capital, no que concerne relao entreproduo material e seu controle, as formas de metabolismo social se ca-racterizavam por um alto grau de autossuficincia (idem: 45), com o de-senvolvimento do sistema global do capital, este tornou-se expansionistae totalizante, alterando profundamente o sistema de metabolismosocietal. E essa nova caracterstica fez com que o sistema do capital setornasse mais dinmico que a soma do conjunto de todos os sistemasanteriores de controle do metabolismo social (idem: 41). Por ser umsistema que no tem limites para a sua expanso (ao contrrio dosmodos de organizao societal anteriores, que buscavam em algumamedida o atendimento das necessidades sociais), o sistema de metabo-lismo social do capital configurou-se como um sistema, em ltima ins-tncia, ontologicamente incontrolvel.6

    5 Para Mszros, capital e capitalismo so fenmenos distintos, e a identificao conceitualentre ambos fez com que todas as experincias revolucionrias vivenciadas neste scu-lo, desde a Revoluo Russa at as tentativas mais recentes de constituio societal so-cialista, se mostrassem incapacitadas para superar o sistema de metabolismo socialdo capital, isto , o complexo caracterizado pela diviso hierrquica do trabalho, quesubordina suas funes vitais ao capital. Este, segundo o autor, antecede o capitalis-mo e a ele tambm posterior. O capitalismo uma das formas possveis da realizaodo capital, uma de suas variantes histricas, presente na fase caracterizada pela gene-ralizao da subsuno real do trabalho ao capital. Assim como existia capital antesda generalizao do sistema produtor de mercadorias (de que exemplo o capitalmercantil), do mesmo modo pode-se presenciar a continuidade do capital aps o capi-talismo, por meio da constituio daquilo que Mszros denomina sistema de capitalps-capitalista, que teve vigncia na URSS e demais pases do Leste europeu, durantevrias dcadas deste sculo XX. Esses pases, embora tivessem uma configurao ps--capitalista, foram incapazes de romper com o sistema de metabolismo social do capi-tal. Ver, sobre a experincia sovitica, especialmente o captulo XVII, itens 2, 3 e 4 da obramencionada. Sobre as mais importantes diferenas entre o capitalismo e o sistemasovitico, ver especialmente a sntese presente nas pginas 630-1.

    6 Na busca de control-lo, fracassaram tanto as inmeras tentativas efetivadas pelasocial-democracia quanto a alternativa de tipo sovitico, uma vez que ambas acaba-ram seguindo o que Mszros denomina linha de menor resistncia do capital(idem: 771-2. Ver especialmente captulos 16.1 e 20).

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    Apesar da aparncia de que um sistema de regulao possa sesobrepor ao capital, e no limite control-lo, a incontrolabilidade consequncia de suas prprias fraturas, que esto presentes desde oincio no seu sistema, sendo encontradas no interior dos microcosmosque constituem as clulas bsicas do seu sistema societal. Os defeitosestruturais do sistema de metabolismo social do capital e suas media-es de segunda ordem manifestam-se de vrios modos, ainda segundoMszros:

    Primeiro, a produo e seu controle esto radicalmente separados e seencontram diametralmente opostos um ao outro.Segundo, no mesmo esprito, em decorrncia das mesmas determinaes,a produo e o consumo adquirem uma independncia extremamente pro-blemtica e uma existncia separada, de tal modo que o mais absurdo emanipulado consumismo, em algumas partes do mundo, pode encontrarseu horrvel corolrio na mais desumana negao da satisfao das neces-sidades elementares para incontveis milhes de seres.E, terceiro, os novos microcosmos do sistema de capital se combinamde modo inteiramente manejvel, de tal maneira que o capital social totaldeveria ser capaz de integrar-se dada a necessidade ao domnio glo-bal da circulao, (...) visando superar a contradio entre produo ecirculao. Dessa maneira, a necessria dominao e subordinao pre-valece no s dentro dos microcosmos particulares por meio da aode personificaes do capital individuais , mas igualmente fora de seuslimites, transcendendo no s as barreiras regionais como tambm asfronteiras nacionais. assim que a fora de trabalho total da humanida-de se encontra submetida (...) aos imperativos alienantes de um sistemaglobal de capital (idem: 48).

    Nos trs nveis acima mencionados, constata-se, segundo IstvnMszros, uma deficincia estrutural nos mecanismos de controle,expressa pela ausncia de unidade. Qualquer tentativa de criao ousobreposio de unidade s estruturas sociais reprodutivas internamen-te fraturadas e fragmentadas problemtica e por certo temporria. Aunidade perdida deve-se ao fato de que a fratura assume ela mesma aforma de antagonismo social, uma vez que se manifesta por meio deconflitos e confrontaes fundamentais entre foras sociais hegemnicasalternativas. Tais antagonismos so moldados pelas condies histri-cas especficas, dotadas de maior ou menor intensidade, favorecendo,porm, predominantemente o capital sobre o trabalho. Entretanto,mesmo quando o capital vencedor na confrontao, os antagonismosno podem ser eliminados (...) precisamente porque eles so estrutu-rais. Nos trs casos, trata-se de estruturas vitais e insubstituveis docapital e no de contingncias historicamente limitadas, que o capitalpossa transcender. Consequentemente, os antagonismos emanados des-

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    sas estruturas so necessariamente reproduzidos sob todas as cir-cunstncias histricas compreendidas pela poca do capital, qualquerque seja a relao de foras predominante em cada momento parti-cular (idem: 49).

    Esse sistema escapa a um grau significativo de controle precisamenteporque ele emergiu, no curso da histria, como uma estrutura de controletotalizante das mais poderosas, (...) dentro da qual tudo, inclusive osseres humanos, deve ajustar-se, escolhendo entre aceitar sua viabilidadeprodutiva ou, ao contrrio, perecendo. No se pode pensar em outro sis-tema de controle maior e mais inexorvel e, nesse sentido, totalitrio do que o sistema de capital globalmente dominante, que impe seu cri-trio de viabilidade em tudo, desde as menores unidades de seu micro-cosmo at as maiores empresas transnacionais, desde as mais ntimasrelaes pessoais at os mais complexos processos de tomada de decisono mbito dos monoplios industriais, favorecendo sempre os mais fortescontra o mais fracos (idem: 41).

    E, na vigncia de um sistema de mediaes de segunda ordem, que sesobrepe s mediaes de primeira ordem (em que os indivduos relacio-navam-se com a natureza e com os seres sociais dotados de algum graude autodeterminao), nesse processo de alienao, o capital degrada osujeito real da produo, o trabalho, condio de uma objetividadereificada um mero fator material de produo , subvertendo dessemodo, no s na teoria mas tambm na prtica social mais palpvel, arelao real do sujeito/objeto (...) Entretanto, a questo que permanecepara o capital que o fator material da produo no perde condio desujeito real da produo. Para realizar suas atividades produtivas com adevida conscincia que esse processo exige sem o qual o prprio capi-tal desapareceria , o trabalho deve ser obrigado a reconhecer outro su-jeito acima de si mesmo, ainda que na realidade seja s um pseu-dossujeito. para obter esse efeito que o capital necessita de suaspersonificaes, com a finalidade de impor e mediar seus imperativosobjetivos, na condio de medidas conscientemente realizveis, s quaiso sujeito real do processo produtivo, potencialmente rebelde, deve sujei-tar-se. As fantasias do nascimento de um processo produtivo capitalistatotalmente automatizado e sem trabalhadores constituem-se numa ima-ginria eliminao desse problema (idem: 66).

    Sendo um modo de metabolismo social totalizante e, em ltimainstncia, incontrolvel, dada a tendncia centrfuga presente emcada microcosmo do capital, esse sistema assume cada vez maisuma lgica essencialmente destrutiva. Essa lgica, que se acentuouno capitalismo contemporneo, deu origem a uma das tendnciasmais importantes do modo de produo capitalista, que Mszrosdenomina taxa de utilizao decrescente do valor de uso das coi-sas. O capital no considera valor de uso (o qual corresponde di-

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    retamente necessidade) e valor de troca como coisas separadas,mas como um modo que subordina radicalmente o primeiro ao l-timo (idem: 566). O que significa que uma mercadoria pode variarde um extremo a outro, isto , desde ter seu valor de uso realizado,num extremo da escala, at, no outro extremo, jamais ser usada,sem por isso deixar de ter, para o capital, a sua utilidade expan-sionista e reprodutiva. Essa tendncia decrescente do valor de usodas mercadorias, ao reduzir a sua vida til e desse modo agilizar ociclo reprodutivo, tem se constitudo num dos principais mecanis-mos graas ao qual o capital vem atingindo seu incomensurvel cres-cimento ao longo da histria (idem: 567).

    O capital operou, portanto, o aprofundamento da separao en-tre a produo voltada genuinamente para o atendimento das neces-sidades humanas e as necessidades de autorreproduo de si pr-prio. Quanto mais aumentam a competio e a concorrnciaintercapitais, mais nefastas so suas consequncias, das quais duasso particularmente graves: a destruio e/ou precarizao, sem pa-ralelos em toda a era moderna, da fora humana que trabalha e adegradao crescente do meio ambiente, na relao metablica en-tre homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lgica societal su-bordinada aos parmetros do capital e do sistema produtor de mer-cadorias. Consequentemente, por mais destruidor que seja umprocedimento produtivo em particular, se produto lucrativamenteimposto ao mercado ele deve ser recebido como expresso corretae prpria da economia capitalista. Exemplificando, mesmo que 90%do material e dos recursos de trabalho necessrios para a produ-o e distribuio de uma mercadoria comercializada lucrativamente por exemplo, um produto cosmtico: um creme facial , da pro-paganda eletrnica ou da sua embalagem, sejam em termos fsicosou figurativos (mas, em relao aos custos de produo, efetivamentereal), levada direto para o lixo, e apenas 10% sejam dedicados aopreparado qumico, responsvel pelos benefcios reais ou imagin-rios do creme ao consumidor, as prticas obviamente devastadorasenvolvidas no processo so plenamente justificadas, desde que sin-tonizadas com os critrios de eficincia, racionalidade e econo-mia capitalistas, em virtude da lucratividade comprovada da mer-cadoria em questo (idem: 569).7

    7 A indstria de computadores outro exemplo expressivo dessa tendncia decrescen-te do valor de uso das coisas. Um equipamento se torna obsoleto em pouqussimotempo, pois a utilizao de novos sistemas passa a ser incompatvel com as mqui-nas que se tornaram velhas, ainda que em boas condies de uso, tanto para o con-sumidor individual, quanto para as empresas que precisam acompanhar a competi-o existente em seu setor. Como disse Martin Kenney, como resultado, os ciclos devida dos produtos esto se tornando menores. Os empresrios no tm escolha, exceto

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    Essa tendncia reduo do valor de uso das mercadorias, as-sim como agilizao necessria de seu ciclo reprodutivo e de seuvalor de troca, vem se acentuando desde os anos 70, quando o siste-ma global do capital teve de buscar alternativas crise que reduzia oseu processo de crescimento. Isso porque, sob as condies de umacrise estrutural do capital, seus contedos destrutivos aparecem emcena trazendo uma vingana, ativando o espectro de uma incontro-labilidade total, em uma forma que prefigura a autodestruio, tantodo sistema reprodutivo social como da humanidade em geral (idem:44). A esse respeito suficiente pensar na selvagem discrepnciaentre o tamanho da populao dos EUA menos de 5% da popula-o mundial e seu consumo de 25% do total dos recursosenergticos disponveis. No preciso grande imaginao para calcu-lar o que ocorreria se os 95% restantes adotassem o mesmo padrode consumo (...) (idem: XV).

    Expansionista, desde seu microcosmo at sua conformao maistotalizante, mundializado, dada a expanso e abrangncia do mer-cado global, destrutivo e, no limite, incontrolvel, o sistema de me-tabolismo social do capital vem assumindo cada vez mais umaestruturao crtica profunda. Sua continuidade, vigncia e expansono podem mais ocorrer sem revelar uma crescente tendncia de cri-se estrutural que atinge a totalidade de seu mecanismo. Ao contrriodos ciclos longos de expanso alternados com crises, presencia-se umdepressed continuum que, diferentemente de um desenvolvimentoautossustentado, exibe as caractersticas de uma crise cumulativa,endmica, mais ou menos uma crise permanente e crnica, com aperspectiva de uma profunda crise estrutural. Por isso crescente,no interior dos pases capitalistas avanados, o desenvolvimento demecanismos de administrao das crises, como parte especial daao do capital e do Estado visando deslocar e transferir as suasmaiores contradies atuais (idem: 597-598). Porm, a disjunoradical entre produo para as necessidades sociais e autor-reproduo do capital no mais algo remoto, mas uma realidadepresente no capitalismo contemporneo, com consequncias as maisdevastadoras para o futuro (idem: 599).

    Menos, portanto, do que grandes crises em intervalos razoavelmentelongos, seguidas de fases expansionistas, como ocorreu com a crise

    rapidamente inovar ou correr o risco de ser ultrapassados. Aps referir-se reduono tempo de substituio do sistema Hewlett Packard, na inovao de seu sistemacomputacional, ele acrescenta que o tempo de vida dos produtos est ficando cadavez menor, tendncia que vem afetando crescentemente cada vez mais produtos. VerKenney (1997: 92). A produo de computadores um exemplo claro da lei de ten-dncia decrescente do valor de uso das mercadorias, entre tantos outros que podemser encontrados.

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    de 29 e, posteriormente, com os anos dourados do ps-guerra, a crisecontempornea est vivenciando a ecloso de precipitaes mais

    frequentes e contnuas, desde quando deu seus primeiros sinais deesgotamento, que so frequente (e equivocadamente) caracterizadoscomo crise do fordismo e do keynesianismo.

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    Captulo II

    DIMENSES DA CRISE ESTRUTURALDO CAPITAL

    A crise do taylorismo e do fordismo como expressofenomnica da crise estrutural

    Aps um longo perodo de acumulao de capitais, que ocorreudurante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo, apartir do incio dos anos 70, comeou a dar sinais de um quadro cr-tico, cujos traos mais evidentes foram:

    1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais,pelo aumento do preo da fora de trabalho, conquistado durante operodo ps-45 e pela intensificao das lutas sociais dos anos 60, queobjetivavam o controle social da produo.8 A conjugao desses ele-mentos levou a uma reduo dos nveis de produtividade do capital,acentuando a tendncia decrescente da taxa de lucro;

    2) o esgotamento do padro de acumulao taylorista/fordista deproduo (que em verdade era a expresso mais fenomnica da criseestrutural do capital), dado pela incapacidade de responder retraodo consumo que se acentuava. Na verdade, tratava-se de uma retraoem resposta ao desemprego estrutural que ento se iniciava;

    3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autono-mia frente aos capitais produtivos, o que tambm j era expresso daprpria crise estrutural do capital e seu sistema de produo, colocan-

    8 Tratarei mais adiante desse ponto, central para o entendimento da crise dos anos 70.

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    do-se o capital financeiro como um campo prioritrio para a especula-o, na nova fase do processo de internacionalizao;

    4) a maior concentrao de capitais graas s fuses entre as em-presas monopolistas e oligopolistas;

    5) a crise do Welfare State ou do Estado do bem-estar social edos seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal doEstado capitalista e a necessidade de retrao dos gastos pblicos esua transferncia para o capital privado;

    6) incremento acentuado das privatizaes, tendncia generalizadas desregulamentaes e flexibilizao do processo produtivo, dosmercados e da fora de trabalho, entre tantos outros elementos con-tingentes que exprimiam esse novo quadro crtico (ver Chesnais, 1996:69 e 84).9

    A sntese de Robert Brenner oferece um bom diagnstico da crise:ela encontra suas razes profundas numa crise secular de produti-vidade que resultou do excesso constante de capacidade e de produ-o do setor manufatureiro internacional. Em primeiro lugar, o gran-de deslocamento do capital para as finanas foi a consequncia daincapacidade da economia real, especialmente das indstrias de trans-formao, de proporcionar uma taxa de lucro adequada. Assim, osurgimento de excesso de capacidade e de produo, acarretandoperda de lucratividade nas indstrias de transformao a partir do fi-nal da dcada de 60, foi a raiz do crescimento acelerado do capital fi-nanceiro a partir do final da dcada de 70. (...) As razes da estagna-o e da crise atual esto na compresso dos lucros do setormanufatureiro que se originou no excesso de capacidade e de produ-o fabril, que era em si a expresso da acirrada competio interna-cional (Brenner, 1999: 12-3).

    E acrescenta:

    A partir da segunda metade dos anos 60, produtores de custos menores[Alemanha e especialmente Japo] expandiram rapidamente sua produ-o (...) reduzindo as fatias do mercado e taxas de lucro de seus rivais. Oresultado foi o excesso de capacidade e de produo fabril, expresso namenor lucratividade agregada no setor manufatureiro das economias doG-7 como um todo. (...) Foi a grande queda de lucratividade dos EstadosUnidos, Alemanha, Japo e do mundo capitalista adiantado como um todo e sua incapacidade de recuperao a responsvel pela reduo secu-

    9 Tanto em Mszros (1995, especialmente captulos 14, 15 e 16) como em Chesnais(1996) pode-se encontrar uma radiografia da crise estrutural do capital, que aquiapresentamos em seus contornos mais gerais. Ver tambm Brenner (1999). O seutratamento analtico e desenvolvimento mais detalhado, dada a sua enorme comple-xidade, escapam aos objetivos de nossa presente investigao.

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    lar das taxas de acumulao de capital, que so a raiz da estagnao eco-nmica de longa durao durante o o ltimo quartel do sculo, [a partir]do colapso da ordem de Bretton Woods entre 1971 e1973. (...) As baixastaxas de acumulao de capital acarretaram ndices baixos de crescimen-to da produo e da produtividade; nveis reduzidos de crescimento daprodutividade redundaram em percentuais baixos de aumento salarial. Ocrescente desemprego resultou do baixo aumento da produo e do in-vestimento (idem: 13).10

    De fato, a denominada crise do fordismo e do keynesianismo eraa expresso fenomnica de um quadro crtico mais complexo. Elaexprimia, em seu significado mais profundo, uma crise estruturaldo capital, em que se destacava a tendncia decrescente da taxa delucro, decorrente dos elementos acima mencionados. Era tambma manifestao, conforme indiquei anteriormente, tanto do sentidodestrutivo da lgica do capital, presente na intensificao da lei detendncia decrescente do valor de uso das mercadorias, quanto daincontrolabilidade do sistema de metabolismo social do capital.Com o desencadeamento de sua crise estrutural, comeava tambma desmoronar o mecanismo de regulao que vigorou, durante ops-guerra, em vrios pases capitalistas avanados, especialmenteda Europa.

    Como resposta sua prpria crise, iniciou-se um processo de reor-ganizao do capital e de seu sistema ideolgico e poltico de domina-o, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo,com a privatizao do Estado, a desregulamentao dos direitos dotrabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da qual a eraThatcher-Reagan foi expresso mais forte; a isso se seguiu tambm umintenso processo de reestruturao da produo e do trabalho, comvistas a dotar o capital do instrumental necessrio para tentar reporos patamares de expanso anteriores.

    Nas palavras de Holloway:

    A crise capitalista no outra coisa seno a ruptura de um padrode dominao de classe relativamente estvel. Aparece como uma criseeconmica, que se expressa na queda da taxa de lucro. Seu ncleo,entretanto, marcado pelo fracasso de um padro de dominao es-tabelecido (...). Para o capital, a crise somente pode encontrar sua re-soluo pela luta, mediante o estabelecimento da autoridade e pormeio de uma difcil busca de novos padres de dominao (verHolloway, 1987: 132 e seg.).

    10 Uma boa polmica em torno das teses de Brenner (apresentadas em The Economicsof Global Turbulence, New Left Review, n 229, mai.-jun. de 1999) encontra-se emMcNally (1999: 38-52) e em Foster (1999: 32-37).

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    Esse perodo caracterizou-se tambm e isso decisivo poruma ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classetrabalhadora e contra as condies vigentes durante a fase de apo-geu do fordismo. Alm das manifestaes a que acima me referi, essenovo quadro crtico tinha um de seus polos centrais localizado nosetor financeiro, que ganhava autonomia (ainda que relativa) den-tro das complexas interrelaes existentes entre a liberao e amundializao dos capitais e do processo produtivo. Tudo isso numcenrio caracterizado pela desregulamentao e expanso dos capi-tais, do comrcio, da tecnologia, das condies de trabalho e em-prego. Como vimos anteriormente, a prpria recesso e crise do pro-cesso produtivo possibilitava e incentivava a expanso dos capitaisfinanceiros especulativos.

    Uma vez encerrado o ciclo expansionista do ps-guerra, presen-ciou-se, ento, a completa desregulamentao dos capitais produti-vos transnacionais, alm da forte expanso e liberalizao dos ca-pitais financeiros. As novas tcnicas de gerenciamento da fora detrabalho, somadas liberao comercial e s novas formas de do-mnio tecno-cientfico, acentuaram o carter centralizador, discri-minador e destrutivo desse processo, que tem como ncleo centralos pases capitalistas avanados, particularmente a sua trade com-posta pelos EUA e o Nafta, a Alemanha frente da Unio Europeiae o Japo liderando os pases asiticos, com o primeiro bloco exer-cendo o papel de comando.

    Com exceo desses ncleos centrais, esse processo de reorgani-zao do capital tambm no comportava a incorporao daqueles queno se encontravam no centro da economia capitalista, como a maio-ria dos pases de industrializao intermediria, sem falar dos elosmais dbeis dentre os pases do Terceiro Mundo. Ou, melhor dizen-do, incorporava-os (como so exemplos os denominados novos pa-ses industrializados, dos quais destacam-se os asiticos), pormnuma posio de total subordinao e dependncia. A reestruturaoprodutiva no interior desses pases deu-se nos marcos de uma con-dio subalterna.

    A crise teve dimenses to fortes que, depois de desestruturar gran-de parte do Terceiro Mundo e eliminar os pases ps-capitalistas doLeste Europeu, ela afetou tambm o centro do sistema global de produ-o do capital. Na dcada de 80, por exemplo, ela afetou especialmentenos EUA, que ento perdiam a batalha da competitividade tecnolgicapara o Japo (ver Kurz, 1992: 208 e seg.).

    A partir dos anos 90, entretanto, com a recuperao dos patama-res produtivos e a expanso dos EUA, essa crise, dado o cartermundializado do capital, passou tambm a atingir intensamente o Ja-po e os pases asiticos, que vivenciaram, na segunda metade dos

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    anos 90, enorme dimenso crtica. E quanto mais se avana nacompetitio intercapitalista, quanto mais se desenvolve a tecnologiaconcorrencial em uma dada regio ou conjunto de pases, quanto maisse expandem os capitais financeiros dos pases imperialistas, maior a desmontagem e a desestruturao daqueles que esto subordina-dos ou mesmo excludos desse processo, ou ainda que no conse-guem acompanh-lo, quer pela ausncia de base interna slida, comoa maioria dos pequenos pases asiticos, quer porque no conseguemacompanhar a intensidade do ritmo tecnolgico hoje vivenciado, quetambm controlado pelos pases da trade. So crescentes os exem-plos de pases excludos desse movimento de reposio dos capitaisprodutivos e financeiros e do padro tecnolgico necessrio, o queacarreta repercusses profundas no interior desses pases, parti-cularmente no que diz respeito ao desemprego e precarizao dafora humana de trabalho.

    Essa lgica destrutiva, ao reconfigurar e recompor a diviso inter-nacional do sistema do capital, traz como resultado a desmontagemde regies inteiras que esto, pouco a pouco, sendo eliminadas do ce-nrio industrial e produtivo, derrotadas pela desigual concorrnciamundial. A crise experimentada pelos pases asiticos como Hong Kong,Taiwan, Cingapura, Indonsia, Filipinas, Malsia, entre tantos outros,quase sempre decorrente de sua condio, de pases pequenos, caren-tes de mercado interno e totalmente dependentes do Ocidente para sedesenvolverem. Num patamar mais complexificado e diferenciado, tam-bm encontramos o Japo e a Coreia do Sul, que, depois de um gran-de salto industrial e tecnolgico, esto vivenciando esse quadro crti-co, estendido tambm queles pases que at recentemente eramchamados de tigres asiticos.11

    Portanto, em meio a tanta destruio de foras produtivas, danatureza e do meio ambiente, h tambm, em escala mundial, umaao destrutiva contra a fora humana de trabalho, que tem enormescontingentes precarizados ou mesmo margem do processo produ-tivo, elevando a intensidade dos nveis de desemprego estrutural.Apesar do significativo avano tecnolgico encontrado (que poderiapossibilitar, em escala mundial, uma real reduo da jornada ou dotempo de trabalho), pode-se presenciar em vrios pases, como a In-glaterra e o Japo, para citar pases do centro do sistema, uma pol-tica de prolongamento da jornada de trabalho. A Inglaterra tem a

    11 Esses pases asiticos, pequenos em sua grande maioria, no podem, portanto, seconstituir como modelos alternativos a ser seguidos ou transplantados para pasescontinentais, como ndia, Rssia, Brasil, Mxico, entre outros. A recente crise finan-ceira asitica expresso da sua maior fragilidade estrutural, dada a ausncia desuporte interno para grande parte dos pases asiticos. Ver Kurz (1992), op. cit.

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    maior jornada de trabalho dentre os pases da Unio Europeia. E oJapo, se j no bastasse sua histrica jornada prolongada de traba-lho, vem tentado, por meio de proposta do governo e dos empres-rios, aument-la ainda mais, como receiturio para a sada da crise.

    Pela prpria lgica que conduz essas tendncias (que, em verdade,so respostas do capital sua crise estrutural), acentuam-se os ele-mentos destrutivos. Quanto mais aumentam a competitividade e a con-corrncia intercapitais, mais nefastas so suas consequncias, dasquais duas so particularmente graves: a destruio e/ou precarizao,sem paralelos em toda a era moderna, da fora humana que trabalhae a degradao crescente do meio ambiente, na relao metablica entrehomem, tecnologia e natureza, conduzida pela lgica societal voltadaprioritariamente para a produo de mercadorias e para o processode valorizao do capital. Como tem sido enfatizado insistentementepor diversos autores, o capital, no uso crescente do incrementotecnolgico, como modalidade para aumentar a produtividade, tambmnecessariamente implica crises, explorao, pobreza, desemprego, des-truio do meio ambiente e da natureza, entre tantas formas destru-tivas (Carcheti, 1997: 73).12 Desemprego em dimenso estrutural,precarizao do trabalho de modo ampliado e destruio da naturezaem escala globalizada tornaram-se traos constitutivos dessa fase dareestruturao produtiva do capital.

    12 Ver tambm Davis, Hirsch e Stack, 1997: 4-10, e Cantor, 1999: 167-200.

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    Captulo III

    AS RESPOSTAS DO CAPITAL SUA CRISE ESTRUTURAL

    A reestruturao produtiva e suas

    repercusses no processo de trabalho

    13 O tratamento detalhado da crise no mundo do trabalho, englobando um conjunto dequestes, seria aqui impossvel, dada a amplitude e complexidade dos elementos fun-damentais para o seu entendimento. Podemos destacar como elementos constitutivosmais gerais da crise do movimento operrio, alm da crise estrutural do capital, bemcomo das respostas dadas pelo neoliberalismo e pela reestruturao produtiva do ca-pital, anteriormente mencionados, o desmoronamento do Leste Europeu, no ps-89,assim como suas consequncias nos partidos e sindicatos, e tambm a crise do pro-jeto social-democrata e suas repercusses no interior da classe trabalhadora. ne-cessrio ainda lembrar que a crise do movimento operrio particularizada e

    Como disse anteriormente, nas l-timas dcadas, sobretudo no incio dos anos 70, o capitalismo viu-se

    frente a um quadro crtico acentuado. O entendimento dos elementos

    constitutivos essenciais dessa crise de grande complexidade, uma

    vez que nesse mesmo perodo ocorreram mutaes intensas, econ-

    micas, sociais, polticas, ideolgicas, com fortes repercusses noiderio, na subjetividade e nos valores constitutivos da classe-que--vive-do-trabalho, mutaes de ordens diversas e que, no seu conjun-to, tiveram forte impacto.13 Essa crise estrutural fez com que, entre

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    tantas outras consequncias, fosse implementado um amplo proces-so de reestruturao do capital, com vistas recuperao do seu ci-clo reprodutivo, que, como veremos mais adiante, afetou fortementeo mundo do trabalho. Embora a crise estrutural do capital tivesse de-terminaes mais profundas, a resposta capitalista a essa crise pro-curou enfrent-la to somente na sua superfcie, na sua dimensofenomnica, isto , reestrutur-la sem transformar os pilares essen-ciais do modo de produo capitalista. Tratava-se, ento, para as for-as da Ordem, de reestruturar o padro produtivo estruturado sobreo binmio taylorismo e fordismo, procurando, desse modo, repor ospatamares de acumulao existentes no perodo anterior, especialmen-te no ps-45, utilizando-se, como veremos, de novos e velhos meca-nismos de acumulao.

    Dado que as lutas anteriores entre o capital e o trabalho, que ti-veram seu apogeu nos anos 60, no resultaram na instaurao de umprojeto hegemnico do trabalho contra o capital, coube a este, der-rotadas as alternativas mais ousadas do mundo do trabalho, ofere-cer sua resposta para a crise. Atendo-se esfera fenomnica, suamanifestao mais visvel, tratava-se, para o capital, de reorganizaro ciclo reprodutivo preservando seus fundamentos essenciais. Foi exa-tamente nesse contexto que se iniciou uma mutao no interior dopadro de acumulao (e no no modo de produo), visando alter-nativas que conferissem maior dinamismo ao processo produtivo, queento dava claros sinais de esgotamento. Gestou-se a transio dopadro taylorista e fordista anterior para as novas formas de acumu-lao flexibilizada.

    Os limites do taylorismo/fordismo e docompromisso social-democrtico

    De maneira sinttica, podemos indicar que o binmio taylorismo/fordismo, expresso dominante do sistema produtivo e de seu respec-tivo processo de trabalho, que vigorou na grande indstria, ao longopraticamente de todo sculo XX, sobretudo a partir da segunda dca-da, baseava-se na produo em massa de mercadorias, que seestruturava a partir de uma produo mais homogeneizada e enor-memente verticalizada. Na indstria automobilstica taylorista e

    singularizada pelas condies especficas de cada pas, dadas pelas formas da domi-nao poltica, pela situao econmica, social etc., sem as quais os elementos maisgerais no ganham concretude. Sobre os condicionantes mais gerais da crise no mundodo trabalho, ver as indicaes que fao no texto A Crise do Movimento Operrio e aCentralidade do Trabalho Hoje, de minha autoria, presente na segunda parte destelivro. No captulo sobre a Inglaterra, ofereo um desenho dos elementos constitutivosda crise do mundo do trabalho naquele pas.

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    fordista, grande parte da produo necessria para a fabricao deveculos era realizada internamente, recorrendo-se apenas de maneirasecundria ao fornecimento externo, ao setor de autopeas. Era neces-srio tambm racionalizar ao mximo as operaes realizadas pelostrabalhadores, combatendo o desperdcio na produo, reduzindo otempo e aumentando o ritmo de trabalho, visando a intensificao dasformas de explorao.

    Esse padro produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar efragmentado, na decomposio das tarefas, que reduzia a ao operriaa um conjunto repetitivo de atividades cuja somatria resultava no traba-lho coletivo produtor dos veculos. Paralelamente perda de destreza dolabor operrio anterior, esse processo de desantropomorfizao do tra-balho e sua converso em apndice da mquina-ferramenta dotavam ocapital de maior intensidade na extrao do sobretrabalho. mais-valiaextrada extensivamente, pelo prolongamento da jornada de trabalho e doacrscimo da sua dimenso absoluta, intensificava-se de modo prevale-cente a sua extrao intensiva, dada pela dimenso relativa da mais-valia.A subsuno real do trabalho ao capital, prpria da fase da maquinaria,estava consolidada.

    Uma linha rgida de produo articulava os diferentes trabalhos,tecendo vnculos entre as aes individuais das quais a esteira faziaas interligaes, dando o ritmo e o tempo necessrios para a realiza-o das tarefas. Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pelamescla da produo em srie fordista com o cronmetro taylorista,alm da vigncia de uma separao ntida entre elaborao e execu-o. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do tra-balho, suprimindo a dimenso intelectual do trabalho operrio, queera transferida para as esferas da gerncia cientfica. A atividade detrabalho reduzia-se a uma ao mecnica e repetitiva.

    Esse processo produtivo transformou a produo industrial ca-pitalista, expandindo-se a princpio para toda a indstria automo-bilstica dos EUA e depois para praticamente todo o processo indus-trial nos principais pases capitalistas.14 Ocorreu tambm suaexpanso para grande parte do setor de servios. Implantou-se umasistemtica baseada na acumulao intensiva, uma produo emmassa executada por operrios predominantemente semiquali-ficados, que possibilitou o desenvolvimento do operrio-massa(mass worker), o trabalhador coletivo das grandes empresas verti-calizadas e fortemente hierarquizadas (conforme Amin, 1996: 9;Gounet, 1991: 37-38 e Bihr, 1991: 43-5).

    14 E teve tambm, como sabemos, expresso nos pases ps-capitalistas que, em gran-de medida, como foi o caso da URSS, estruturaram seu mundo produtivo utilizando-se de elementos do taylorismo e do fordismo.

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    A introduo da organizao cientfica taylorista do trabalho naindstria automobilstica e sua fuso com o fordismo acabaram porrepresentar a forma mais avanada da racionalizao capitalista doprocesso de trabalho ao longo de vrias dcadas do sculo XX, sen-do somente entre o final dos anos 60 e incio dos anos 70 que essepadro produtivo, estruturalmente comprometido, comeou a dar si-nais de esgotamento.

    Pode-se dizer que junto com o processo de trabalho taylorista/fordista erigiu-se, particularmente durante o ps-guerra, um sistemade compromisso e de regulao que, limitado a uma parcela dospases capitalistas avanados, ofereceu a iluso de que o sistema demetabolismo social do capital pudesse ser efetiva, duradoura e defi-nitivamente controlado, regulado e fundado num compromisso entrecapital e trabalho mediado pelo Estado.

    Na verdade, esse compromisso era resultado de vrios elementosimediatamente posteriores crise de 30 e da gestao da polticakeynesiana que sucedeu. Resultado, por um lado, da prpria lgicado desenvolvimento anterior do capitalismo e, por outro, do equilbriorelativo na relao de fora entre burguesia e proletariado, que se ins-taurou ao fim de decnios de lutas. Mas esse compromisso era dotadode um sentido tambm ilusrio, visto que se por um lado sancionavauma fase da relao de foras entre capital e trabalho, por outro ele nofoi a consequncia de discusses em torno de uma pauta claramenteestabelecida. Essas discusses ocorreram posteriormente, para ocuparo espao aberto pelo compromisso, para gerir suas consequncias eestabelecer seus detalhamentos (Bihr, 1991: 39-0). E tinham como ele-mentos firmadores ou de intermediao os sindicatos e partidos polti-cos, como mediadores organizacionais e institucionais que se colocavamcomo representantes oficiais dos trabalhadores e do patronato, sendo oEstado elemento aparentemente arbitral, mas que de fato zelava pelosinteresses gerais do capital, cuidando da sua implementao e aceita-o pelas entidades representantes do capital e do trabalho.

    Sob a alternncia partidria, ora com a social-democracia ora comos partidos diretamente burgueses, esse compromisso procuravadelimitar o campo da luta de classes, onde se buscava a obteno doselementos constitutivos do Welfare State em troca do abandono, pe-los trabalhadores, do seu projeto histrico-societal (idem: 40-1). Umaforma de sociabilidade fundada no compromisso que implementavaganhos sociais e seguridade social para os trabalhadores dos pasescentrais, desde que a temtica do socialismo fosse relegada a umfuturo a perder de vista. Alm disso, esse compromisso tinha comosustentao a enorme explorao do trabalho realizada nos pases dochamado Terceiro Mundo, que estavam totalmente excludos dessecompromisso social-democrata.

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    Por meio desses mecanismos de compromisso foi se verifican-do durante o fordismo o processo de integrao do movimento ope-rrio social-democrtico, particularmente dos seus organismos derepresentao institucional e poltica, o que acabou por convert-lonuma espcie de engrenagem do poder capitalista. O compromis-so fordista deu origem progressivamente subordinao dos orga-nismos institucionalizados, sindicais e polticos, da era daprevalncia social-democrtica, convertendo esses organismos emverdadeiros co-gestores do processo global de reproduo do capi-tal (idem: 48-9).

    Pela estratgia de integrao, ainda segundo a caracterizao deAlain Bihr, o proletariado europeu, por meio dos organismos que as-sumiam sua representao, tinha como eixo de sua pauta poltica aao pela melhoria das condies salariais, de trabalho e deseguridade social, requerendo do Estado condies que garantisseme preservassem essas conquistas que resultavam do compromisso.Mas, de outra parte, por meio de sua integrao, o movimento ope-rrio progressivamente se transformou em estrutura mediadora docomando do capital sobre o proletariado. Foi desse modo que, du-rante o perodo fordista, os organismos sindicais e polticos tentaramcanalizar a conflitualidade do proletariado, propondo e/ou impondo--lhe objetivos e sadas compatveis com os termos do dito compro-misso, combatendo violentamente toda tentativa de transbordamen-to desse compromisso (idem: 50).

    O movimento operrio de extrao social-democrata, atreladoao pacto com o capital, mediado pelo Estado, foi responsvel tam-bm pela expanso e propagao da concepo estatista no interiordo movimento operrio: A ideia de que a conquista do poder do Es-tado permite, se no a libertao do domnio do capital, pelo me-nos uma reduo de seu peso, recebeu grande reforo no contextosocioinstitucional do fordismo. Desse modo, aparentemente confir-mava-se e fortalecia-se a tese da legitimidade do estatismo, presenteno projeto e na estratgia do modelo social-democrata do movimen-to operrio (idem: 50-51). Tudo isso o levou a fortalecer em seuseio um fetichismo de Estado, atribuindo ao poder poltico estatalum sentido coletivo, arbitral e de exterioridade frente ao capital etrabalho (idem: 52 e 59).

    Integrados pelos organismos sindicais e polticos social-democra-tas, que exerciam a representao do (ou sobre) os trabalhadores, aotransformar a negociao em finalidade exclusiva de sua prtica e aoinstrumentaliz-la como mecanismo do comando capitalista sobre oproletariado, o compromisso fordista acentuou os aspectos mais de-testveis dessa organizao. Assim, por que supe uma centralizaoda atividade sindical em todos os nveis; porque por definio s os

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    responsveis sindicais negociam; enfim, por implicar uma tecnicidadee um profissionalismo crescentes dos negociadores (em matria jur-dica, contbil ou financeira), a prtica sistemtica da negociao spoderia favorecer as tendncias separao entre a base e cpula ine-rentes a essa organizao, a autonomizao crescente das direes ea reduo consequente das iniciativas da base, em suma, a buro-cratizao das organizaes sindicais. Do mesmo modo, ela favore-cia necessariamente o seu corporativismo, dado que a tendncia erade negociao se efetuar entre empresa por empresa ou ramo porramo (idem: 52/53).

    Esse processo significou, para segmentos importantes do proleta-riado europeu um acrscimo da dependncia tanto prtica quanto ideo-lgica, em relao ao Estado, sob a forma do famoso Estado-providn-cia. Dentro da moldura do fordismo, com efeito, esse Estado representa,para o proletariado, a garantia de seguridade social, com sua qualida-de de gestor geral da relao salarial: o Estado que fixa o estatutomnimo dos assalariados (...); ele que impulsiona a concluso e ga-rante o respeito das convenes coletivas; ele que gera direta ou indi-retamente o salrio indireto (idem: 59). Tudo isso fez com que se de-senvolvesse um fetichismo de Estado, bem como de seus ideaisdemocrticos (inclusive no que eles tm de ilusrio), aos quais o Esta-do-providncia deu contedo concreto (ao garantir de algum modo odireito ao trabalho, moradia, sade, educao e formao pro-fissional, ao lazer etc. (idem: 59-60).

    O ciclo de expanso e vigncia do Welfare State, entretanto, deusinais de crise. Alm das vrias manifestaes de esgotamento da suafase de regulao keynesiana, s quais nos referimos anteriormente,houve a ocorrncia de outro elemento decisivo para a crise do fordismo:o ressurgimento de aes ofensivas do mundo do trabalho e o con-

    sequente transbordamento da luta de classes.

    A ecloso das revoltas do operrio-massa e a crise do Welfare StateJ no final dos anos 60 e incio dos anos 70, deu-se a exploso

    do operrio-massa, parcela hegemnica do proletariado da erataylorista/fordista que atuava no universo concentrado no espaoprodutivo. Tendo perdido a identidade cultural da era artesanal emanufatureira dos ofcios, esse operrio havia se ressocializado demodo relativamente homogeneizado,15 quer pela parcelizao daindstria taylorista/fordista, pela perda da destreza anterior ou ainda

    15 Dizemos relativamente homogeneizado em relao s fases anteriores, pois evi-dente, como retomaremos adiante, que a heterogeneizao dos trabalhadores, quan-to sua qualificao, estrato social, gnero, raa/etnia, faixa etria, nacionalidade etc.,so traos presentes no mundo do trabalho desde sua origem.

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    pela desqualificao repetitiva de suas atividades, alm das formasde sociabilizao ocorridas fora do espao da fbrica. Isso possibi-litou a emergncia, em escala ampliada, de um novo proletariado,cuja forma de sociabilidade industrial, marcada pela massificao,ofereceu as bases para a construo de uma nova identidade e deuma nova forma de conscincia de classe. Se o operrio-massa foia base social para a expanso do compromisso social-democrti-co anterior, ele foi tambm seu principal elemento de transborda-mento, ruptura e confrontao, da qual foram forte expresso os

    movimentos pelo controle social da produo ocorridos no final dos

    anos 60 (idem: 60-2).O processo de proletarizao e massificao ocorrido durante a

    vigncia do taylorismo/fordismo mostrou-se, portanto, fortemente con-traditrio:

    Concentrando o proletariado no espao social, ele tendia, por outro lado, atomizao; homogeneizando suas condies de existncia, forjavam-seao mesmo tempo as condies de um processo de personalizao; ao re-duzir sua autonomia individual, incentivava inversamente o desejo dessadada autonomia, oferecendo condies para tanto; ao exigir a acentuaode sua mobilidade geogrfica, profissional, social e psicolgica, tornavamais rgido seu estatuto etc. Semelhante acumulao de contradies ten-deria exploso (idem: 63).

    No final dos anos 60 as aes dos trabalhadores atingiram seuponto de ebulio, questionando os pilares constitutivos da sociabili-dade do capital, particularmente no que concerne ao controle socialda produo. Com aes que no pouparam nenhuma das formaescapitalistas desenvolvidas e anunciavam os limites histricos do com-promisso fordista, elas ganharam a forma de uma verdadeira re-volta do operrio-massa contra os mtodos tayloristas e fordistas de

    produo, epicentro das principais contradies do processo de

    massificao (idem: 63-4). O taylorismo/fordismo realizava uma ex-propriao intensificada do operrio-massa, destituindo-o de qual-quer participao na organizao do processo de trabalho, que se re-sumia a uma atividade repetitiva e desprovida de sentido. Ao mesmotempo, o operrio-massa era frequentemente chamado a corrigir asdeformaes e enganos cometidos pela gerncia cientfica e pelosquadros administrativos.

    Essa contradio entre autonomia e heteronomia, prpria do proces-so de trabalho fordista, acrescida da contradio entre produo (dadapela existncia de um despotismo fabril e pela vigncia de tcnicas dedisciplinamento prprias da explorao intensiva de fora de trabalho) econsumo (que exaltava o lado individualista e realizador), intensifica-va os pontos de saturao do compromisso fordista. Acrescido, do au-

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    mento da contradio essencial existente no processo de criao de valo-res, que subordina estruturalmente o trabalho ao capital, de algum modoesse processo pode ser suportvel pela primeira gerao do operrio--massa, para quem as vantagens do fordismo compensavam o preo apagar pelo seu acesso. Mas certamente esse no foi o caso da segundagerao. Formada nos marcos do prprio fordismo, ela no se encontra-va disposta a perder sua vida para ganh-la: a trocar o trabalho e umaexistncia desprovida de sentido pelo simples crescimento de seu poderde compra, privando-se de ser por um excedente de ter. Em suma, asatisfazer-se com os termos do compromisso fordista, assumido pelagerao anterior (idem: 64).

    O boicote e a resistncia ao trabalho desptico, taylorizado efordizado assumiam modos diferenciados. Desde as formas individua-lizadas do absentesmo, da fuga do trabalho, do turnover, da buscada condio de trabalho no operrio, at as formas coletivas de aovisando a conquista do poder sobre o processo de trabalho, por meiode greves parciais, operaes de zelo (marcados pelo cuidado espe-cial com o maquinrio, que diminua o tempo/ritmo de produo), con-testaes da diviso hierrquica do trabalho e do despotismo fabrilemanado pelos quadros da gerncia, formao de conselhos, propos-tas de controle autogestionrias, chegando inclusive recusa do con-trole do capital e defesa do controle social da produo e do poderoperrio (idem: 65).

    Realizava-se, ento, uma interao entre elementos constitutivosda crise capitalista, que impossibilitavam a permanncia do cicloexpansionista do capital, vigente desde o ps-guerra: alm do esgota-mento econmico do ciclo de acumulao (manifestao contingenteda crise estrutural do capital), as lutas de classes ocorridas ao finaldos anos 60 e incio dos 70 solapavam pela base o domnio do capi-tal e afloravam as possibilidades de uma hegemonia (ou uma contra--hegemonia) oriunda do mundo do trabalho. A confluncia e as ml-tiplas determinaes de reciprocidade entre esses dois elementos cen-trais (o estancamento econmico e a intensificao das lutas de clas-ses) tiveram, portanto, papel central na crise do