António Nóvoa 2

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António Nóvoa

Professores

Imagens do futuropresente

EDUCA

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Lisboa | 2009

EDUCA

Instituto de EducaçãoUniversidade de Lisboa

Alameda da Universidade1649-013 Lisboa | Portugal

Professores: Imagens do futuro presente

© António Nóvoa

Capa de Mário Seixas,com colagem de Cruzeiro Seixas [colecção

particular]

Fora de colecção

 Julho de 2009

 Tipografia: Relgráfica artes gráficas Lda., Benedita

Depósito legal: ???????

ISBN: 978-989-8272-02-7

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SUMÁRIO

Nota de apresentação |pág. 7

Capítulo 1Professores:O futuro ainda demora muito tempo?

| pág. 9

Capítulo 2Para uma formação de professoresconstruída dentro da profissão

| pág.25

Capítulo 3A escola e a cidadania: Apontamentos incómodos

| pág. 47

Capítulo 4

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Educação 2021: Para uma história do futuro| pág. 69

Bibliografia | pág.93

Capítulo 1

Professores:

O futuro ainda demora

muito tempo?

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ssistimos, nos últimos anos, a umregresso dos professores à ribaltaeducativa, depois de quase quarenta

anos de relativa invisibilidade. A sua importâncianunca esteve em causa, mas os olhares viraram-se para outros problemas: nos anos 70, foi otempo da racionalização do ensino, da pedagogiapor objectivos, do esforço para prever, planificar,controlar; depois, nos anos 80, vieram as grandes

reformas educativas, centradas na estrutura dossistemas escolares e, muito particularmente, naengenharia do currículo; nos anos 90, dedicou-seuma atenção especial às organizações escolares,ao seu funcionamento, administração e gestão.

A

  Já perto do final do século XX, importantes

estudos internacionais, comparados, alertaram

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para o problema das aprendizagens. Learningmatters. E quando se fala de aprendizagens, fala-

se, inevitavelmente, de professores. Um relatóriopublicado pela OCDE em 2005 – Teachers matter – inscreve “as questões relacionadas com aprofissão docente como uma das grandesprioridades das políticas nacionais”.

Paralelamente a estes estudos comparados, de

grande difusão mundial, duas outras realidades seimpõem como temas obrigatórios de reflexão e deintervenção.

Por um lado, as questões da diversidade, nas suasmúltiplas facetas, que abrem caminho para umaredefinição das práticas de inclusão social e de

integração escolar. A construção de novaspedagogias e métodos de trabalho põedefinitivamente em causa a ideia de um modeloescolar único e unificado.

Por outro lado, os desafios colocados pelas novastecnologias que têm vindo a revolucionar o dia-a-

dia das sociedades e das escolas. Mas, como bemescreve Manuel Castells, o essencial reside naaquisição de uma capacidade intelectual deaprendizagem e de desenvolvimento, o quecoloca os professores no centro da “novapedagogia” (2001, p. 278).

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Os professores reaparecem, neste início do séculoXXI, como elementos insubstituíveis não só na

promoção dasaprendizagens

, mas também naconstrução de processos de inclusão querespondam aos desafios da diversidade e nodesenvolvimento de métodos apropriados deutilização das novas tecnologias.

É este o pano de fundo do meu ensaio: o regresso

dos professores ao centro das nossaspreocupações e das nossas políticas. Adoptareium tom propositadamente polémico, e até talvezexcessivo, com o propósito de tornar mais nítidasas minhas posições, suscitando um debate queme parece inadiável sobre a concretização, naprática, de um futuro há tanto tempo anunciado.

1. Um largo consenso sobre os professores eo seu desenvolvimento profissional

Para preparar este ensaio recolhi a mais variadadocumentação: relatórios internacionais, artigoscientíficos, discursos políticos, documentos sobre

a formação de professores, livros e teses dedoutoramento, etc. Ao reler este conjunto dísparde materiais, produzidos pelas mais diversasinstâncias, percebe-se a utilização recorrente dosmesmos conceitos e linguagens, das mesmasmaneiras de falar e de pensar os problemas da

profissão docente.

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Parece que estamos todos de acordo quanto aosgrandes princípios e até quanto às medidas que é

necessário tomar para assegurar a aprendizagemdocente e o desenvolvimento profissional dosprofessores: articulação da formação inicial,indução e formação em serviço numa perspectivade aprendizagem ao longo da vida; atenção aosprimeiros anos de exercício profissional e àinserção dos jovens professores nas escolas;valorização do professor reflexivo e de umaformação de professores baseada nainvestigação; importância das culturascolaborativas, do trabalho em equipa, doacompanhamento, da supervisão e da avaliaçãodos professores; etc.

Este consenso discursivo, bastante redundante epalavroso, para o qual todos contribuímos, foi-setornando dominante no decurso da última década.Não estamos apenas a falar de palavras, mastambém das práticas e das políticas que elastransportam e sugerem.

Dois grandes grupos contribuíram para produzir evulgarizar este discurso.

O primeiro grupo inclui investigadores da área daformação de professores, das ciências daeducação e das didácticas, redes institucionais e

grupos de trabalho diversos. Nos últimos quinze

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anos, esta comunidade produziu um conjuntoimpressionante de textos, que tem como marca o

conceito de  professor reflexivo

e que fez umaviragem no pensamento sobre os professores e asua formação.

O segundo grupo é composto pelos especialistasque actuam como consultores ou que fazem partedas grandes organizações internacionais (OCDE,

União Europeia, etc.). Apesar da suaheterogeneidade, eles criaram e difundiram, noplano mundial, práticas discursivas fortementealicerçadas em argumentos comparados. A sualegitimidade funda-se sobretudo no conhecimentodas redes internacionais e dos dados comparadose não tanto no domínio teórico de uma áreacientífica ou profissional (Nóvoa & Lawn, 2002).

Estes dois grupos, mais do que os professores,contribuíram para renovar os estudos sobre aprofissão docente. Ao fazer esta afirmação, nãoposso, todavia, deixar de recordar o aviso

premonitório de David Labaree: os discursossobre a profissionalização dos professores tendema melhorar o estatuto e o prestígio dosespecialistas (formadores de professores,investigadores, etc.) mais do que a promover acondição e o estatuto dos próprios professores(Labaree, 1992).

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A inflação retórica sobre a missão dos professoresimplica dar-lhes uma maior visibilidade social, o

que reforça o seu prestígio, mas provoca tambémcontrolos estatais e científicos mais apertados,conduzindo assim a uma desvalorização das suascompetências próprias e da sua autonomiaprofissional. Se não atendermos a este paradoxodificilmente compreenderemos algumas dascontradições que atravessam a história daprofissão docente (Nóvoa, 1998).

Nos últimos anos, houve uma expansão semprecedentes da comunidade da formação deprofessores, em particular dos departamentosuniversitários na área da Educação, dosespecialistas internacionais e também da“indústria do ensino”, com os seus produtostradicionais (livros escolares, materiais didácticos,etc.) acompanhados agora de uma panóplia detecnologias educativas.

Nestas três esferas de acção produziu-se uma

inflação discursiva sobre os professores. Mas osprofessores não foram os autores destes discursose, num certo sentido, viram o seu territórioprofissional e simbólico ocupado por outrosgrupos. Devemos ter consciência deste problemase queremos compreender as razões que têmdificultado a concretização, na prática, de ideias ediscursos que parecem tão óbvios e consensuais.

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Deixem-me retomar uma provocação que fiz háquase vinte anos e que me causou alguns

dissabores. Em 1991, reagi ao insulto de BernardShaw, acrescentando-lhe duas máximas:

Quem sabe, faz.

Quem não sabe, ensina.

Quem não sabe ensinar, forma os professores.

Quem não sabe formar professores, faz investigação educacional.

Procurava, num raciocínio ab absurdo, chamar aatenção para certas derivas que legitimavamcomo figuras de referência especialistas e

universitários sem qualquer ligação à profissãodocente e ao trabalho escolar ao mesmo tempoque deslegitimavam os professores de umaintervenção no seu próprio campo profissionalreduzindo-os a um papel secundário na formaçãode professores e na investigação educacional.

O excesso dos discursos esconde,frequentemente, uma grande pobreza daspráticas. Temos um discurso coerente, em muitosaspectos consensual, mas raramente temosconseguido fazer aquilo que dizemos que épreciso fazer. Na segunda parte deste ensaio,

argumentarei sobre a necessidade de construir

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políticas que reforcem os professores, os seussaberes e os seus campos de actuação, que

valorizem as culturas docentes, e que nãotransformem os professores numa profissãodominada pelos universitários, pelos peritos oupela “indústria do ensino”.

2. Como fazer aquilo que dizemos que é

preciso fazer?O que será necesário fazer para dar coerência aosnossos propósitos, materializando na prática oconsenso que se vem elaborando em torno daaprendizagem docente e do desenvolvimentoprofissional? Talvez seja possível assinalar três

medidas, que estão longe de esgotar as respostaspossíveis, mas que podem ajudar a superarmuitos dos dilemas actuais.

Primeira medida - É preciso passar a

formação de professores para dentro daprofissão

A frase que escolhi para subtítulo – É precisopassar a formação de professores para dentro daprofissão – soa de modo estranho. Ao recorrer aesta expressão, quero sublinhar a necessidade de

os professores terem um lugar predominante na

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formação dos seus colegas. Não haverá nenhumamudança significativa se a “comunidade dos

formadores de professores” e a “comunidade dosprofessores” não se tornarem mais permeáveis eimbricadas. O exemplo dos médicos e doshospitais escolares e o modo como a suapreparação está concebida nas fases de formaçãoinicial, de indução e de formação em serviçotalvez nos possa servir de inspiração.

A este propósito, merece referência umapontamento recente de Lee Shulman, intituladoUma proposta imodesta.

Lee Shulman explica que um dia acompanhou arotina diária de um grupo de estudantes e

professores médicos num hospital escolar. Ogrupo observou sete doentes, estudando cadacaso como uma “lição”. Havia um relatório sobreo paciente, uma análise da situação, uma reflexãoconjunta, um diagnóstico e uma terapia. No final,o médico responsável discutiu com os internos

(alunos mais avançados) a forma como tinhadecorrido a visita e os aspectos a corrigir. Deseguida, realizou-se um seminário didáctico sobrea função pulmonar. O dia terminou com umdebate, mais alargado, sobre a realidade dohospital e sobre as mudanças organizacionais aintroduzir para garantir a qualidade dos cuidadosde saúde. Lee Shulman escreve que viu uma

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instituição reflectir colectivamente sobre o seutrabalho, mobilizando conhecimentos, vontades e

competências. E afirma que este modelo constituinão só um importante processo pedagógico, mastambém um exemplo de responsabilidade e decompromisso. Neste hospital, a reflexãopartilhada não é uma mera palavra. Ninguém seresigna com o insucesso. Há um envolvimentoreal na melhoria e na mudança das práticashospitalares.

Advogo um sistema semelhante para a formaçãode professores:

(i) estudo aprofundado de cada caso,

sobretudo dos casos de insucesso escolar;

(ii) análise colectiva das práticaspedagógicas;

(iii) obstinação e persistência profissionalpara responder às necessidades e anseios

dos alunos;(iv) compromisso social e vontade demudança.

Na verdade, não é possível escrever textos atrásde textos sobre a  praxis e o  practicum, sobre a phronesis e a  prudentia como referências do

saber docente, sobre os professores reflexivos, se

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não concretizarmos uma maior presença daprofissão na formação.

É importante assegurar que a riqueza e acomplexidade do ensino se tornem visíveis, doponto de vista profissional e científico, adquirindoum estatuto idêntico a outros campos de trabalhoacadémico e criativo. E, ao mesmo tempo, éessencial reforçar dispositivos e práticas de

formação de professores baseadas numainvestigação que tenha como problemática aacção docente e o trabalho escolar.

Não se trata, escusado será dizer, de defenderperspectivas de mitificação da prática oumodalidades de anti-intelectualismo na formação

de professores 

(Ladwig, 2008). Trata-se, sim, deafirmar que as nossas propostas teóricas só fazemsentido se forem construídas dentro da profissão,se forem apropriadas a partir de uma reflexão dosprofessores sobre o seu próprio trabalho.Enquanto forem apenas injunções do exterior,

serão bem pobres as mudanças que terão lugarno interior do campo profissional docente.

Segunda medida - É preciso promover novosmodos de organização da profissão

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A segunda medida que proponho aponta para anecessidade de promover novos modos de

organização da profissão. Grande parte dosdiscursos torna-se irrealizável se a profissãocontinuar marcada por fortes tradiçõesindividualistas ou por rígidas regulações externas,designadamente burocráticas, que se têmacentuado nos últimos anos.

Quanto mais se fala da autonomia dos professoresmais a sua acção surge controlada, por instânciasdiversas, conduzindo a uma diminuição das suasmargens de liberdade e de independência. Oaumento exponencial de dispositivos burocráticosno exercício da profissão não deve ser vista comouma mera questão técnica ou administrativa, masantes como a emergência de novas formas degoverno e de controlo da profissão.

A colegialidade, a partilha e as culturascolaborativas não se impõem por viaadministrativa ou por decisão superior. Mas o

exemplo de outras profissões, como os médicos,os engenheiros ou os arquitectos, pode inspirar osprofessores. A forma como construíram parceriasentre o mundo profissional e o mundouniversitário, como criaram processos deintegração dos mais jovens, como concederamuma grande centralidade aos profissionais maisprestigiados ou como se predispuseram a prestar

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contas públicas do seu trabalho são exemplospara os quais vale a pena olhar com atenção.

Não é possível preencher o fosso entre osdiscursos e as práticas se não houver um campoprofissional autónomo, suficientemente rico eaberto. Hoje, num tempo tão carregado dereferências ao trabalho cooperativo dosprofessores, é surpreendente a fragilidade dos

movimentos pedagógicos que desempenharam aolongo das décadas um papel central na inovaçãoeducacional. Estes movimentos, tantas vezesbaseados em redes informais e associativas, sãoespaços insubstituíveis na aprendizagem docentee no desenvolvimento profissional.

Pat Hutchings e Mary Taylor Huber (2008) têmrazão quando referem a importância de reforçaras comunidades de prática, isto é, um espaçoconceptual construído por grupos de educadorescomprometidos com a pesquisa e a inovação, noqual se discutem ideias sobre o ensino e

aprendizagem e se elaboram perspectivascomuns sobre os desafios da formação pessoal,profissional e cívica dos alunos.

Através dos movimentos pedagógicos ou dascomunidades de prática, reforça-se umsentimento de pertença e de identidade

profissional que é essencial para que os

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professores se apropriem dos processos demudança e os transformem em práticas concretas

de intervenção. É esta reflexão colectiva que dásentido ao seu desenvolvimento profissional.

Mas nada será conseguido se não se alterarem ascondições existentes nas escolas e as políticaspúblicas em relação aos professores. É inútilapelar à reflexão se não houver uma organização

das escolas que a facilite. É inútil reivindicar umaformação mútua, inter-pares, colaborativa, se adefinição das carreiras docentes não for coerentecom este propósito. É inútil propor umaqualificação baseada na investigação e parceriasentre escolas e instituições universitárias se osnormativos legais persistirem em dificultar estaaproximação.

As perguntas sucedem-se. Será que, hoje, muitosprofessores não são bem menos reflexivos (porfalta de tempo, por falta de condições, porexcesso de material didáctico pré-preparado, por

deslegitimação face aos universitários e aosperitos) do que muitos dos seus colegas queexerceram a docência num tempo em que aindanão se falava do “professor reflexivo”? Numapalavra, não vale a pena repetir intenções quenão tenham uma tradução concreta emcompromissos profissionais, sociais e políticos.

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Terceira medida - É preciso reforçar adimensão pessoal e a presença pública dos

professoresEm 1984, Ada Abraham escreveu esse belo livro,L’enseignant est une personne, que se tornou umsímbolo de diversas correntes de investigaçãosobre os professores. Mas, apesar dos enormesavanços neste domínio, é preciso reconhecer que

falta ainda elaborar aquilo que tenho designadopor uma teoria da pessoalidade que se inscreveno interior de uma teoria da profissionalidade.  Trata-se de construir um conhecimento pessoal(um auto-conhecimento) no interior doconhecimento profissional e de captar o sentidode uma profissão que não cabe apenas numamatriz técnica ou científica. Toca-se aqui emqualquer coisa de indefinível, mas que está nocerne da identidade profissional docente.

Este esforço conceptual é decisivo para secompreender a especificidade da profissão

docente, mas também para que se construampercursos significativos de aprendizagem ao longoda vida. Recordo Bertrand Schwartz (1967), emtexto escrito há mais de quarenta anos: aEducação Permanente começou por ser umdireito pelo qual se bateram gerações deeducadores, transformou-se depois numanecessidade e agora é vista como uma obrigação.

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A aprendizagem ao longo da vida justifica-secomo direito da pessoa e como necessidade da

profissão, mas não como obrigação ouconstrangimento. A crítica de Nikolas Rose àemergência de um novo conjunto de obrigaçõeseducacionais merece ser recordada: “O novocidadão é obrigado a envolver-se num trabalhoincessante de formação e re-formação, deaquisição e reaquisição de competências, deaumento das certificações e de preparação parauma vida de procura permanente de umemprego: a vida está a tornar-se umacapitalização contínua do self ” (1999, p. 161).

Muitos programas de formação contínua têm-serevelado inúteis, servindo apenas para complicarum quotidiano docente já de si fortementeexigente. É necessário recusar o consumismo decursos, seminários e acções que caracteriza oactual “mercado da formação” semprealimentado por um sentimento de“desactualização” dos professores. A única saída

possível é o investimento na construção de redesde trabalho colectivo que sejam o suporte depráticas de formação baseadas na partilha e nodiálogo profissional.

Os lugares da formação podem reforçar apresença pública dos professores. Tem-sealargado o interesse público pela coisa educativa.

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Mas, paradoxalmente, também aqui se temnotado a falta dos professores. Fala-se muito das

escolas e dos professores. Falam os jornalistas, oscolunistas, os universitários, os especialistas. Nãofalam os professores. Há uma ausência dosprofessores, uma espécie de silêncio de umaprofissão que perdeu visibilidade no espaçopúblico.

Hoje, impõe-se uma abertura dos professores parao exterior. Comunicar com a sociedade é tambémresponder perante a sociedade. Possivelmente, aprofissão tornar-se-á mais vulnerável, mas esta éa condição necessária para a afirmação do seuprestígio e do seu estatuto social. Nas sociedadescontemporâneas, a força de uma profissão define-se, em grande parte, pela sua capacidade decomunicação com o público.

* * * * *

Ao longo deste ensaio evitei ser redundante naafirmação de princípios que me parecem, hoje,bastante consensuais. Procurei antes transmitir,sem rodeios, a minha opinião sobre a distânciaque separa o excesso dos discursos da pobrezadas práticas. A consciência aguda deste “fosso”convida-nos a encontrar novos caminhos para

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uma profissão que, neste início do século XXI,volta a adquirir uma grande relevância pública.

Falta-nos talvez, como diz Ann Lieberman (1999),ter a coragem de começar: “Apesar da urgência, énecessário que as pessoas possuam o tempo e ascondições humanas e materiais para ir maislonge. O trabalho de formação deve estar próximoda realidade escolar e dos problemas sentidos

pelos professores. É isto que não temos feito”.É preciso começar. Parece que todos sabemos, eaté concordamos, com o que deve ser o futuro daprofissão docente. Mas temos dificuldade em darpassos concretos nesse sentido. Por isso, quisorganizar este ensaio em torno da pergunta: Será

que o futuro ainda demora muito tempo?

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Capítulo 2

Para uma formação deprofessores

construída dentro daprofissão

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educação vive um tempo de grandes

incertezas e de muitas perplexidades.Sentimos a necessidade da mudança,

mas nem sempre conseguimos definir-lhe o rumo.Há um excesso de discursos, redundantes erepetitivos, que se traduz numa   pobreza de práticas.

AHá momentos em que parece que todos dizemoso mesmo, como se as palavras ganhassem vidaprópria e se desligassem da realidade das coisas.As organizações internacionais e as redes quehoje nos mantêm permanentemente ligadoscontribuem para esta vulgata que tende a vendar

mais do que a desvendar.O campo da formação de professores estáparticularmente exposto a este efeito discursivo,que é também um efeito de moda. E a moda é,como todos sabemos, a pior maneira de enfrentaros debates educativos. Os textos, as

recomendações, os artigos e as teses sucedem-sea um ritmo alucinante repetindo os mesmosconceitos, as mesmas ideias, as mesmaspropostas.

É difícil não sermos contaminados por este“discurso gasoso” que ocupa todo o espaço e que

dificulta a emergência de modos alternativos de

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pensar e de agir (Nóvoa & DeJong-Lambert, 2003).Mas é preciso fazer um esforço para manter a

lucidez e, sobretudo, para construir propostaseducativas que nos façam sair deste círculovicioso e nos ajudem a definir o futuro daformação de professores.

O meu ensaio constrói-se em torno de umargumento muito simples: a necessidade de uma

formação de professores construída dentro daprofissão. Procurarei iluminar cinco facetas destaproblemática, a partir de palavras que sãotambém propostas de acção: práticas, profissão,pessoa, partilha, público.

O ensaio tem como pano de fundo a convicção de

que estamos a assistir, neste início do século XXI,a um regresso dos professores ao centro daspreocupações educativas. Os anos 70 forammarcados pela racionalização do ensino, apedagogia por objectivos, a planificação. Os anos80 pelas reformas educativas e pela atenção às

questões do currículo. Os anos 90 pelaorganização, administração e gestão dosestabelecimentos de ensino. Agora, parece tervoltado o tempo dos professores.

E, num tempo assim, talvez valha a penaregressar a uma pergunta que deixámos de fazer

há muitos anos: O que é um bom professor? 

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O que é um bom professor?

Sabemos todos que é impossível definir o “bom

professor”, a não ser através dessas listasintermináveis de “competências”, cuja simplesenumeração se torna insuportável. Mas é possível,talvez, esboçar alguns apontamentos simples,sugerindo disposições que caracterizam otrabalho docente nas sociedades

contemporâneas.

Reconheço que o conceito dedisposição levanta algumasdificuldades. Limito-me a assinalar,brevemente, as razões por que a ele

recorro em vez de competências.

Durante muito tempo, procuraram-seos atributos ou as características quedefiniam o “bom professor”. Estaabordagem conduziu, já na segundametade do século XX, à consolidaçãode uma trilogia que teve grandesucesso: saber (conhecimentos),saber-fazer (capacidades), saber-ser(atitudes).

Nos anos 90 foi-se impondo um outroconceito, competências, que assumiuum papel importante na reflexão

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teórico e, sobretudo, nas reformaseducativas. Todavia, apesar de

inúmeras reelaborações, nuncaconseguiu libertar-se das suas origenscomportamentalistas e de leituras decariz técnico e instrumental.

Não espanta, por isso, que se tenhaadaptado tão bem às políticas da

“qualificação dos recursos humanos”,da “empregabilidade” e da “formaçãoao longo da vida”, adquirindo umagrande visibilidade nos textos dasorganizações internacionais, emparticular da União Europeia.

Ao sugerir um novo conceito,disposição, pretendo romper com umdebate sobre as competências queme parece saturado. Adopto umconceito mais “liquído” e menos“sólido”, que pretende olhar

preferencialmente para a ligaçãoentre as dimensões pessoais eprofissionais na produção identitáriados professores.

Coloco, assim, a tónica numa(pre)disposição que não é natural mas

construída, na definição pública de

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uma posição com forte sentidocultural, numa  profissionalidadedocente

que não pode deixar de seconstruir no interior de uma pessoalidade do professor .

1. O conhecimento. Aligeiro as palavras dofilósofo francês Alain: Dizem-me que, parainstruir, é necessário conhecer aqueles que se

instruem. Talvez. Mas bem mais importante é,sem dúvida, conhecer bem aquilo que se ensina(1986, p. 55). Alain tinha razão. O trabalho doprofessor consiste na construção de práticasdocentes que conduzam os alunos àaprendizagem. Como escreveu Gaston Bachelard,em 1934, “é preciso substituir o aborrecimento deviver pela alegria de pensar” (cf. Gil, 1993). Eninguém pensa no vazio, mas antes na aquisiçãoe na compreensão do conhecimento.

2. A cultura profissional. Ser professor écompreender os sentidos da instituição escolar,

integrar-se numa profissão, aprender com oscolegas mais experientes. É na escola e nodiálogo com os outros professores que se aprendea profissão. O registo das práticas, a reflexãosobre o trabalho e o exercício da avaliação sãoelementos centrais para o aperfeiçoamento e ainovação. São estas rotinas que fazem avançar aprofissão.

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3. O tacto pedagógico. Quantos livros segastaram para tentar apreender este conceito tão

difícil de definir? Nele cabe essa capacidade derelação e de comunicação sem a qual não secumpre o acto de educar. E também essaserenidade de quem é capaz de se dar aorespeito, conquistando os alunos para o trabalhoescolar. Saber conduzir alguém para a outramargem, o conhecimento, não está ao alcance detodos. No ensino, as dimensões profissionaiscruzam-se sempre, inevitavelmente, com asdimensões pessoais.

4. O trabalho em equipa. Os novos modos deprofissionalidade docente implicam um reforçodas dimensões colectivas e colaborativas, dotrabalho em equipa, da intervenção conjunta nosprojectos educativos de escola. O exercícioprofissional organiza-se, cada vez mais, em tornode “comunidades de prática”, no interior de cadaescola, mas também no contexto de movimentospedagógicos que nos ligam a dinâmicas que vão

para além das fronteiras organizacionais.

5. O compromisso social. Podemos chamar-lhediferentes nomes, mas todos convergem nosentido dos princípios, dos valores, da inclusãosocial, da diversidade cultural. Educar é conseguirque a criança ultrapasse as fronteiras que, tantasvezes, lhe foram traçadas como destino pelo

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nascimento, pela família ou pela sociedade. Hoje,a realidade da escola obriga-nos a ir além da

escola. Comunicar com o público, intervir noespaço público da educação, faz parte do ethosprofissional docente.

Aqui ficam cinco disposições que são essenciais àdefinição dos professores nos dias de hoje. Elasservem-nos de pretexto para a elaboração das

propostas seguintes sobre a formação deprofessores. São propostas genéricas que,devidamente contextualizadas, podem inspiraruma renovação dos programas e das práticas deformação.

É escusado dizer que, sobretudo no caso da

formação de professores do ensino secundário, odomínio científico de uma determinada área doconhecimento é absolutamente imprescindível.Sem esse conhecimento tudo o resto é irrisório.Parto do pressuposto que, na actual configuraçãodas políticas europeias, se define o Mestrado

como grau académico para a entrada na profissãodocente. Os candidatos ao professorado terão,assim, de percorrer três momentos de formação:

1.º A graduação numa determinadadisciplina científica;

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2.º O mestrado em ensino, com um fortereferencial didáctico, pedagógico e

profissional;3.º Um período probatório, de induçãoprofissional.

As propostas seguintes incidem apenas, como éevidente, sobre o segundo e o terceiro momentosdo percurso de formação como professor.

P1 – PráticasA formação de professores deve assumiruma forte componente práxica, centrada naaprendizagem dos alunos e no estudo decasos concretos, tendo como referência o

trabalho escolar.O debate educativo esteve marcado, durantemuito tempo, pela dicotomia teoria/prática. Écerto que, logo no final do século XIX, HenriMarion afirma que, de entre todas as ciênciaspráticas, a ciência política é a mais próxima da

pedagogia, uma vez que tem como objectivo aacção e não o saber (1887, p. 2238). E, algunsanos mais tarde, em 1902, Émile Durkheimavança mesmo o conceito de teoria prática, paratentar escapar a uma inútil dicotomia (1993, p.80).

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Mas a verdade é que não houve uma reflexão quepermitisse transformar a prática em

conhecimento. E a formação de professorescontinuou a ser dominada mais por referênciasexternas do que por referências internas aotrabalho docente. Impõe-e inverter esta longatradição, e instituir as práticas profissionais comolugar de reflexão e de formação.

Não se trata de adoptar uma qualquer derivapraticista e, muito menos, de acolher astendências anti-intelectuais na formação deprofessores (Nóvoa, 2008). Trata-se, sim, deabandonar a ideia de que a profissão docente sedefine, primordialmente, pela capacidade detransmitir um determinado saber. É estaconcepção que tem levado às intermináveisdiscussões entre “republicanos”, que apenas seinteressariam pelos conteúdos científicos, e“pedagogos”, que colocariam os métodos deensino acima de tudo o resto (adopta-se aqui adivisão entre “republicanos” e “pedagogos”

habitual nas polémicas educativas em França –ver a tese de doutoramento de Alain Trouvé,2006).

Não. O que caracteriza a profissão docente é umlugar outro, um terceiro lugar, no qual as práticassão investidas do ponto de vista teórico emetodológico, dando origem a à construção de

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um conhecimento profissional docente. Comoescreve David Labaree (2000), as práticas

docentes são extremamente difíceis e complexas,mas, por vezes, alimenta-se publicamente a ideiade que ensinar é muito simples, contribuindoassim para um desprestígio da profissão.

A este propósito, a comparação com a formaçãodos médicos, que vem desde a origem das

primeiras escolas normais, no século XIX, continuaa revelar-se fértil. Inspirado por um texto de LeeShulman,   An immodest proposal, tive aoportunidade, recentemente, de acompanhar umgrupo de estudantes e professores de Medicinanum hospital universitário. Do que pude observar,quero chamar a atenção para quatro aspectos: i)o modo como a formação se realiza a partir daobservação, do estudo e da análise de cada caso;ii) a identificação de aspectos a necessitarem deaprofundamentos teóricos, designadamentequanto à possibilidade de distintas abordagens deuma mesma situação; iii) a existência de uma

reflexão conjunta, sem confundir os papéis decada um (chefe da equipa, médicos, internos,estagiários, etc.), mas procurando mobilizar umconhecimento pertinente; iv) a preocupação comquestões relacionadas com o funcionamento dosserviços hospitalares e a necessidade de

introduzir melhorias de diversa ordem.

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Estamos perante um modelo que pode servir deinspiração para a formação de professores. Os

quatro aspectos acima mencionados encerramquatro lições importantes.

Em primeiro lugar, a referência sistemática acasos concretos, e o desejo de encontrar soluçõesque permitam resolvê-los. Estes casos são“práticos”, mas só podem ser resolvidos através

de uma análise que, partindo deles, mobilizaconhecimentos teóricos. A formação deprofessores ganharia muito se se organizasse,preferentemente, em torno de situaçõesconcretas, de insucesso escolar, de problemasescolares ou de programas de acção educativa. Ese inspirasse junto dos futuros professores amesma obstinação e persistência que os médicosrevelam na procura das melhores soluções paracada caso.

Em segundo lugar, a importância de umconhecimento que vai para além da “teoria” e da

“prática” e que reflecte sobre o processo históricoda sua constituição, as explicações queprevaleceram e as que foram abandonadas, opapel de certos indivíduos e de certos contextos,as dúvidas que persistem, as hipótesesalternativas, etc. Como escreve Lee Shulman(1986) num texto seminal, para ser professor nãobasta dominar um determinado conhecimento, é

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preciso compreendê-lo em todas as suasdimensões.

Em terceiro lugar, a procura de um conhecimentopertinente, que não é uma mera aplicação práticade uma qualquer teoria, mas que exige sempreum esforço de reelaboração. Estamos no âmagodo trabalho do professor. Nos últimos vinte anos,vulgarizou-se o conceito de transposição

didáctica, trabalhado por Yves Chevallard (1985),para explicar a acção docente. Posteriormente,Philippe Perrenoud (1998) avançou o conceito detransposição pragmática para sublinhar aimportância da mobilização prática dos saberesem situações inesperadas e imprevisíveis.Pessoalmente, prefiro falar em transformaçãodeliberativa, na medida em que o trabalhodocente não se traduz numa mera transposição,pois supõe uma transformação dos saberes, eobriga a uma deliberação, isto é, a uma respostaa dilemas pessoais, sociais e culturais.

Em quarto lugar, a importância de conceber aformação de professores num contexto deresponsabilidade profissional, sugerindo umaatenção constante à necessidade de mudançasnas rotinas de trabalho, pessoais, colectivas ouorganizacionais. A inovação é um elementocentral do próprio processo de formação.

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P2 – ProfissãoA formação de professores deve passar para“dentro” da profissão, isto é, deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional,concedendo aos professores mais

experientes um papel central na formaçãodos mais jovens.

Esta segunda proposta é a que melhor ilustra oconjunto dos argumentos que procurodesenvolver neste ensaio. Ela poderia estarescrita de outro modo: devolver a formação de

professores aos professores. A frase pressupõeque os professores terão sido afastados dosprogramas de formação. E, de facto, assim é.

Os médicos, os engenheiros ou os arquitectos têmum papel dominante na formação dos seusfuturos colegas. O mesmo não se passa com osprofessores. Se é natural que assim seja no quediz respeito ao primeiro momento da formaçãodos professores do ensino secundário(licenciatura), nada justifica o papel marginal quedesempenham no segundo momento (mestrado)e até, por vezes, no terceiro (indução

profissional).

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Na verdade, houve vários grupos que,progressivamente, foram assumindo uma

responsabilidade cada vez maior na formação dosprofessores, e na regulação da profissão docente,relegando os próprios professores para um papelsecundário. Estou a referir-me a um conjuntovasto e heterogéneo de especialistas que ocupamlugares de destaque nos departamentosuniversitários de Educação (ou Ciências daEducação) e nas entidades oficiais ou para-oficiaisresponsáveis pela política educativa.

No primeiro caso, a expansão da “comunidade deformadores de professores” teve efeitos muitopositivos, sobretudo no que diz respeito àproximidade com a investigação e ao rigorcientífico. Mas acentuou, claro está, a tendênciapara valorizar o papel dos “cientistas daeducação” ou dos “especialistas pedagógicos” edo seu conhecimento teórico ou metodólógico emdetrimento dos professores e do seuconhecimento prático. É inegável que a

investigação científica em educação tem umamissão indispensável a cumprir, mas a formaçãode um professor encerra uma complexidade quesó se obtém a partir da integração numa culturaprofissional.

No segundo caso, verifica-se umdesenvolvimento, sem precedentes, de uma série

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de especialistas e de entidades de acreditação ede avaliação que definem os currículos da

formação de professores, o modo de entrada naprofissão, as regras do período probatório e o  juízo sobre os desempenhos profissionais. Estesespecialistas são fortemente influenciados pelasorganizações internacionais (União Europeia,OCDE, etc.) e tendem a ocupar um espaço quedeveria ser da responsabilidade dos professoresmais experientes.

O contributo destes dois grupos é essencial para aformação de professores. Mas não é possívelescrever textos atrás de textos sobre a  praxis e o practicum, sobre a  phronesis e a  prudentia comoreferências do saber docente, sobre os  professores reflexivos, se não concretizarmosuma maior presença da profissão na formação(Birmingham, 2004).

Por isso, insisto na necessidade de devolver aformação de professores aos professores, porque

o reforço de processos de formação baseadas nainvestigação só faz sentido se eles foremconstruídos dentro da profissão. Enquanto foremapenas injunções do exterior, serão bem pobresas mudanças que terão lugar no interior do campoprofissional docente.

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Um momento particularmente sensível naformação de professores é a fase de indução

profissional, isto é, os primeiros anos de exercíciodocente. Grande parte da nossa vida profissional joga-se nestes anos iniciais e na forma como nosintegramos na escola e no professorado. Nestesentido, este momento deve ser organizado comoparte integrante do programa de formação emarticulação com a licenciatura e o mestrado.

Nestes anos em que transitamos de aluno paraprofessor é fundamental consolidar as bases deuma formação que tenha como referência lógicasde acompanhamento, de formação-em-situação,de análise da prática e de integração na culturaprofissional docente.

P3 – PessoaA formação de professores deve dedicaruma atenção especial às dimensões pessoaisda profissão docente, trabalhando essa

capacidade de relação e de comunicação quedefine o tacto pedagógico.

Ao longo dos últimos anos, temos dito (e repetido)que o professor é a pessoa, e que a pessoa é oprofessor. Que é impossível separar as dimensõespessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo

que somos e que, naquilo que somos, se encontra

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muito daquilo que ensinamos. Que importa, porisso, que os professores se preparem para um

trabalho sobre si próprios, para um trabalho deauto-reflexão e de auto-análise.

  Temos caminhado no sentido de uma melhorcompreensão do ensino como profissão dohumano e do relacional. As dificuldadeslevantadas pelos “novos alunos” (por aqueles que

não querem aprender, por aqueles que trazemnovas realidades sociais e culturais para dentroda escola) chamam a atenção para a dimensãohumana e relacional do ensino, para esse corpo-a-corpo diário a que os professores estão obrigados.

Ora esta relação (a qualidade desta relação) exige

que os professores sejam pessoas inteiras. Não setrata de regressar a uma visão romântica doprofessorado (a conceitos vocacionais oumissionários). Trata-se, sim, de reconhecer que anecessária tecnicidade e cientificidade do trabalhodocente não esgotam todo o ser professor . E que

é fundamental reforçar a pessoa-professor e oprofessor-pessoa.

Estamos no limiar de uma proposta com enormesconsequências para a formação de professores,que constrói uma teoria da pessoalidade nointerior de uma teoria da profissionalidade. Assim

sendo, é importante estimular, junto dos futuros

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professores e nos primeiros anos de exercícioprofissional, práticas de auto-formação,

momentos que permitam a construção denarrativas sobre as suas próprias histórias de vidapessoal e profissional.

Refiro-me à necessidade de elaborar umconhecimento pessoal (um auto-conhecimento)no interior do conhecimento profissional e de

captar (de capturar) o sentido de uma profissãoque não cabe apenas numa matriz técnica oucientífica. Toca-se aqui em qualquer coisa deindefinível, mas que está no cerne da identidadeprofissional docente.

O registo escrito, tanto das vivências pessoais

como das práticas profissionais, é essencial paraque cada um adquira uma maior consciência doseu trabalho e da sua identidade como professor.A formação deve contribuir para criar nos futurosprofessores hábitos de reflexão e de auto-reflexãoque são essenciais numa profissão que não se

esgota em matrizes científicas ou mesmopedagógicas, e que se define, inevitavelmente, apartir de referências pessoais.

P4 – PartilhaA formação de professores deve valorizar o

trabalho em equipa e o exercício colectivo

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da profissão, reforçando a importância dosprojectos educativos de escola.

A emergência do professor colectivo (do professorcomo colectivo) é uma das principais realidadesdo início do século XXI. Já se tinha assistido a estefenómeno noutras profissões, por exemplo nasaúde, na engenharia ou na advocacia, mas noensino, apesar da existência de algumas práticas

colaborativas, não se tinha verificado ainda aconsolidação de um verdadeiro “actor colectivo”no plano profissional.

Hoje, a complexidade do trabalho escolar reclamaum aprofundamento das equipas pedagógicas. Acompetência colectiva é mais do que o somatório

das competências individuais. Estamos a falar danecessidade de um tecido profissionalenriquecido, da necessidade de integrar nacultura docente um conjunto de modos colectivosde produção e de regulação do trabalho.

Seria demasiado longo percorrer, agora, todas as

implicações do que acabo de afirmar para aformação de professores. Retenho apenas doisaspectos.

Em primeiro lugar, a ideia da escola como o lugarda formação dos professores, como o espaço daanálise partilhada das práticas, enquanto rotina

sistemática de acompanhamento, de supervisão e

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de reflexão sobre o trabalho docente. O objectivoé transformar a experiência colectiva em

conhecimento profissional e ligar a formação deprofessores ao desenvolvimento de projectoseducativos nas escolas.

Em segundo lugar, a ideia da docência comocolectivo, não só no plano do conhecimento mastambém no plano da ética. Não há respostas

feitas para o conjunto de dilemas que osprofessores são chamados a resolver numa escolamarcada pela diferença cultural e pelo conflito devalores. Por isso, é tão importante assumir umaética profissional que se constrói no diálogo comos outros colegas.

A colegialidade, a partilha e as culturascolaborativas não se impõem por viaadministrativa ou por decisão superior. Aformação de professores é essencial paraconsolidar parcerias no interior e no exterior domundo profissional. Hoje, num tempo tão

carregado de referências ao trabalho cooperativodos professores, é surpreendente a fragilidadedos movimentos pedagógicos que, ao longo doséculo XX, desempenharam um papel central nainovação educacional. Estes movimentos, tantasvezes baseados em redes informais eassociativas, são espaços insubstituíveis nodesenvolvimento profissional dos professores.

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É urgente reforçar as comunidades de prática, istoé, um espaço conceptual construído por grupos de

educadores comprometidos com a pesquisa e ainovação, no qual se discutem ideias sobre oensino e aprendizagem e se elaboramperspectivas comuns sobre os desafios daformação pessoal, profissional e cívica dos alunos.

Através dos movimentos pedagógicos ou das

comunidades de prática, reforça-se umsentimento de pertença e de identidadeprofissional que é essencial para que osprofessores se apropriem dos processos demudança e os transformem em práticas concretasde intervenção. É esta reflexão colectiva que dásentido ao desenvolvimento profissional dosprofessores.

Para conseguir esta transformação de fundo naorganização da profissão docente é fundamentalconstruir programas de formação coerentes. Odiálogo profissional tem regras e procedimentos

que devem ser adquiridos e exercitados nasescolas de formação e nos primeiros anos deexercício docente. Sem isso, continuaremos arepetir intenções que dificilmente terão umatradução concreta na vida dos professores e dasescolas.

P5 – Público

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A formação de professores deve estarmarcada por um princípio de

responsabilidade social, favorecendo acomunicação pública e a participaçãoprofissional no espaço público da educação.

As escolas são lugares da relação e dacomunicação. Mas as escolas comunicam mal como exterior. Os professores explicam mal o seu

trabalho. As escolas resistem à avaliação e àprestação de contas sobre o seu trabalho. E,sobretudo, há uma ausência da voz dosprofessores nos debates públicos. É necessárioaprender a comunicar com o público, a ter umavoz pública, a conquistar a sociedade para otrabalho educativo comunicar para fora da escola.

Será que a exposição pública vai contribuir paratornar os professores e as escolas maisvulneráveis? Talvez. Mas, paradoxalmente, estavulnerabilidade é condição essencial da suaevolução e da sua transformação.

A escola cresceu como “palácio iluminado”. Hoje,é apenas um pólo – sem dúvida muito importante– num conjunto de redes e de instituições quedevem responsabilizar-se pela educação dascrianças e pela formação dos jovens.Curiosamente, é este estatuto mais modesto que

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lhe permitirá readquirir uma credibilidade que foiperdendo.

A contemporaneidade exige que tenhamos acapacidade de recontextualizar a escola no seulugar próprio, valorizando aquilo que éespecificamente escolar , deixando para outrasinstâncias actividades e responsabilidades quehoje lhe estão confiadas.

É este o sentido daquilo que tenho designado pornovo espaço público da educação, no qual sepoderá celebar um novo contrato entre osprofessores e a sociedade. Não basta atribuirresponsabilidades às diversas entidades, énecessário que elas tenham uma palavra a dizer,

que elas tenham capacidade de decisão sobre osassuntos educativos.

A concretização desta mudança exige uma grandecapacidade de comunicação dos professores e umreforço da sua presença pública. Importa retomaruma tradição histórica das escolas de formação

do início do século XX, que procuravam acentuaro papel social dos professores. Hoje, ainda quenuma perspectiva diferente, é necessárioreintroduzir esta dimensão nos programas deformação de professores.

Nas sociedades contemporâneas, o prestígio de

uma profissão mede-se, em grande parte, pela

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sua visibilidade social. No caso dos professoresestamos mesmo perante uma questão decisiva,

pois a sobrevivência da profissão depende daqualidade do trabalho interno nas escolas, mastambém da sua capacidade de intervenção noespaço público da educação. Se os programas deformação não compreenderem esta novarealidade da profissão docente passarão ao ladode um dos principais desafios deste princípio doséculo XXI.

Concluindo…

De forma simples, procurei identificar cincofacetas que definem o “bom professor”:

conhecimento, cultura profissional, tactopedagógico, trabalho em equipa e compromissosocial.

Admitindo que, pelo menos na Europa, nosencaminhamos para uma formação em trêsmomentos – graduação, mestrado, induçãoprofissional – estas propostas destinam-se ainspirar, sobretudo, os dois últimos momentos.Elas sugerem uma organização integrada ecoerente do mestrado (2 anos) e da induçãoprofissional (2 a 3 anos). Faltaria ainda referir aimportância de uma articuação com as dinâmicas

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de formação contínua, mas esse não era o temadeste artigo.

No essencial, advogo uma formação deprofessores construída dentro da profissão, isto é,baseada numa combinação complexa decontributos científicos, pedagógicos e ténicos,mas que tem como âncora os própriosprofessores, sobretudo os professores mais

experientes e reconhecidos.As cinco propostas que avancei, marcadas com aletra P, procuram valorizar a componente práxica,a cultura profissional, as dimensões pessoais, aslógicas colectivas e a presença pública dosprofessores. São princípios que já inspiram muitos

programas de formação de professores.Infelizmente, nem sempre há uma divulgaçãodestes programas, nem os meios que permitamdifundi-los junto dos círculos educacionais eprofissionais (Darling-Hammond, Chung & Felow,2002).

Reconheço que nos faz falta dedicar mais tempo àcomunicação e discussão de experiênciasconcretas de formação de professores existentesem várias universidades de referência.

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Capítulo 3

A escola e a cidadania:

Apontamentos incómodos

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um prazer deixar-vos algumas ideiasincómodas sobre a Escola e a cidadania;

incómodas, no sentido em que sãopolémicas e que vão contra algumas das crençasdominantes ou, melhor dizendo, contra alguns dosprincípios que organizaram a educação desdefinais do século XIX. A situação actual da Escola,em Portugal e no mundo, exige de nós umpensamento crítico, uma atitude de interrogaçãoque não se limite a repetir o que já sabemos, masque procure antecipar os caminhos do futuro presente.

É

As minhas palavras têm como pano de fundo aconvicção de que estamos a viver uma fase detransição, na qual se assiste ao fechar de um ciclohistórico, durante o qual se consolidou umadeterminada concepção do sistema de ensino, dosmodos de organização das escolas e dasestruturas curriculares, do estatuto dosprofessores e das maneiras de pensar apedagogia e a educação.

Na primeira parte, discutirei o transbordamentoda modernidade escolar, na segunda parte, oscenários de futuro da educação e, finalmente, naterceira parte, avançarei três sugestões: maisaprendizagem, mais sociedade, maiscomunicação. O texto está escrito,intencionalmente, num registo polémico e, até,

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provocador. Mas parece-me que chegou omomento de nos despirmos das carapaças,

abrindo-nos com frontalidade a um debatenecessário sobre o papel da escola nassociedades do século XXI.

1. O transbordamento da modernidadeescolar

Resumindo de maneira excessivamente simples a

história do último século, podemos dizer que aEscola se foi desenvolvendo por acumulação demissões e de conteúdos, numa espécie deconstante transbordamento (Nóvoa, 2005), que alevou a assumir uma infinidade de tarefas.

Começou pela instrução, mas foi juntando a

educação, a formação, o desenvolvimentopessoal e moral, a educação para acidadania e para os valores...

Começou pelo cérebro, mas prolongou a suaacção ao corpo, à alma, aos sentimentos, àsemoções, aos comportamentos...

Começou pelas disciplinas, mas foiabrangendo a educação para a saúde e paraa sexualidade, para a prevenção dotabagismo e da toxicodependência, para adefesa do ambiente e do património, para aprevenção rodoviária…

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Começou por um “currículo mínimo”, masfoi integrando todos os conteúdos possíveis

e imaginários, e todas as competências,tecnológicas e outras, pondo no “sacocurricular” cada vez mais coisas e nada deleretirando...

Esta “evolução” – que estou obviamente acaricaturar – deu-se no quadro de uma imagem da

Escola como instituição de regeneração, desalvação e de reparação da sociedade. Sequisermos isolar um momento histórico, talvezseja possível referir a famosa Carta de Jules Ferry aos professores primários, de 17 de Novembro de1883, na qual se declara que, de todas asobrigações impostas pela lei, “aquela quecertamente mais vos diz, aquela que necessita deum maior cuidado e trabalho da vossa parte, é amissão que vos é confiada de assegurar aeducação moral e a instrução cívica dos vossosalunos”. O ministro francês da Instrução Públicatermina a carta esperando que ela contribua para

que os professores multipliquem “os seus esforçospara darem ao nosso país uma geração de bonscidadãos”.

As políticas escolares de Jules Ferry tiveram umgrande impacto em Portugal e em vários paíseseuropeus. Elas traduzem, simbolicamente, umaideia abrangente de educação que se impõe como

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a matriz da modernidade escolar. É desnecessáriodizer que não estamos perante uma realidade

nova, mas, doravante, esta ideia inscreve-senuma dinâmica de escolarização de todas ascrianças (a chamada “escola de massas”). Alegislação de referência sobre a “obrigatoriedadeescolar” elabora-se ao longo do século XIX,atribuindo maiores responsabilidades aossistemas de ensino.

O apelo à cidadania é indissociável da construçãodas identidades nacionais. A educaçãodesempenha um papel fundamental nesteprocesso, como explica Pierre Bourdieu: “Aoimpor universalmente uma cultura dominante,constituída por esta via em cultura nacionallegítima, o sistema escolar inculca osfundamentos de uma verdadeira religião cívica e,mais precisamente, as bases fundamentais daimagem (nacional) de si”  (1993, p. 54). É naligação entre a cidadania e a construção doEstado-nação que se define a importância da

escola na transição do século XIX para o séculoXX: “É através da escola que, com ageneralização da educação elementar no decursodo século XIX, se exerce a acção unificadora doEstado no domínio da cultura, elementofundamental da construção do Estado-nação”

(1994, p. 115).

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O discurso da cidadania é adoptado mesmo porgrupos com concepções de educação distintas, e

até antagónicas. Veja-se, por exemplo, o debateentre laicos e religiosos: os primeiros, na esteirade Jules Ferry, sublinhando a importância da“instrução moral” na escola e remetendo para asfamílias e a Igreja a “instrução religiosa”; ossegundos defendendo uma escola que, sem nuncapôr em causa os direitos dos pais, complete a suaacção no plano da “instrução moral religiosa”. Unse outros, explicarão que a escola deve instruir eeducar , alargando a sua influência à totalidade doser em formação.

O debate instrução versus educação torna-secada vez mais intenso. Não há, na história daeducação, tema mais recorrente, glosado até àexaustão. Quando se afirma que é necessário iralém do acto de instruir e promover umaautêntica educação do carácter e do espírito, afrase suscita uma adesão unânime, ainda quenem todos a interpretem da mesma maneira.

Nesta afirmação, que parece banal, define-se todaa modernidade escolar. Seja por via de umdiscurso da “educação cívica”, muito presente noscírculos republicanos, seja por via de um ideárioreligioso, bem patente nos meios nacionalistas, aeducação tende a estender-se ao conjunto da vida

dos alunos. A pedagogia, assim imaginada, não

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pode deixar de se revestir de uma cargadoutrinária.

Apenas um exemplo, entre tantos outros: amaneira como é concebida, por diferentesregimes políticos, uma formação pré-militar,capaz de preparar as crianças e os jovens paracumprirem como “cidadãos de corpo inteiro” amissão de defesa da pátria. Na fase final da

Monarquia criam-se os batalhões escolares: asfotografias da época mostram as crianças,perfiladas, nos recreios das escolas, comespingardas (de madeira) ao ombro. A Repúblicatrouxe-nos essa novidade curricular que dava pelonome de “instrução militar preparatória”. OEstado Novo inventou a Mocidade Portuguesa e assuas paradas fazem parte do imaginário doregime. Mas outros exemplos se poderiam colher,do lado da “moral”, laica ou religiosa, para ilustraresse desejo de uma “educação totalizante”.

Não espanta, por isso, o sucesso do conceito de

educação integral, sem dúvida aquele que melhortraduz o projecto da modernidade escolar. Aomarcar o desejo de alargar o esforço educativo ao“conjunto das actividades do indivíduo emformação”, ele revela a desmedida da ambiçãopedagógica. Num primeiro momento, a referênciaà educação integral consagra a necessidade dearticular a educação física, intelectual e moral. Na

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viragem do século XIX para o século XX, estemovimento adquire uma segunda dimensão,

“racional”, que tem por fim “criar em cadacriança, não um ser mutilado, mas um indivíduosocialmente completo, conhecedor de todos osseus direitos, tendo uma consciência socialintegral” (Lima, 1914). Nesta mesma época,insiste-se cada vez mais na atenção à vida física eà vida psíquica, ao bem-estar material e aoequilíbrio afectivo dos alunos. Estamos peranteuma terceira acepção do princípio da educaçãointegral, que legitima a intervenção, no espaçoeducativo, de um exército de “especialistas daalma” (higienistas, médicos, psicólogos). Apesarde distintas, estas perspectivas fazem parte de

uma mesma atitude pedagógica que procuraassegurar a socialização plena e odesenvolvimento total dos alunos.

Em Portugal, o autor que melhor traduz estaamálgama de discursos, que junta as ambiçõesreformadoras do século XIX com o programa do

Movimento da Educação Nova, é o pedagogistaAntónio Sérgio. A sua Educação cívica, colectâneade artigos vários escritos em 1914, durante a suaestadia no Instituto Jean-Jacques Rousseau, emGenève, sintetiza crenças que, de uma ou deoutra maneira, marcam o século XX:

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“[O civismo] não é uma ciênciateórica, mas uma arte de acção, umaarte prática; tão disparatado se me

antolha o querer incuti-lo só comlivros, apotegmas, prelecções, comoensinar por esse modo o jogo do pau,a dactilografia ou a guitarra; aeducação cívica meramente teóricaparece um ensino de esgrima em quese não empunhasse uma arma, ou

uma aprendizagem de piano em queos dedos se não mexessem: é umabsurdo” (1984, pp. 41-42).

Em 1984, ao prefaciar uma nova edição daEducação cívica, Vitorino Magalhães Godinhoilustra bem a permanência destas concepções aodefinir a cidadania como meta, “a partir da

escola-cidade e da cidade educativa”, explicandoque a escola “é um espaço de viver e não apenasde aprender”. Por isso, a sua organização deve“fazer-se em função dos educandos”:

“E voltamos sempre ao processo deauto-formação, criadora da pessoa, e

de formação para a sociedade ecultura em mudança, em construçãodo porvir, interconexas. O que alargaa educação, da escola, à cidadeeducativa, num permanente re-fazer-se e repensar-se, quer informais, querinstitucionalizados (educação

permanente)” (1984, p. 13).

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Na verdade, Vitorino Magalhães Godinho apropria-se do conceito de educação permanente para

reconduzir a cidadania ao tempo largo de umavida. Mas a justificação para uma educação cívica,essa, encontra-a ele no ideário sergiano. Se aeducação permanente contribui para essetransbordamento de que tenho vindo a falar, oséculo XX não terminará sem a elaboração de umdocumento, de grande circulação internacional,que acrescenta à trilogia clássica – aprender aconhecer, a fazer e a ser – um quarto elemento:aprender a viver juntos.

Refiro-me ao relatório para a UNESCO da ComissãoInternacional sobre Educação para o século XXI,coordenada por Jacques Delors (1996), querecebeu, em português, o título: Educação, umtesouro a descobrir . Aqui se faz a defesa de uma“sociedade educativa”, baseada na solidariedadee num novo comunitarismo que “podem ressurgirnaturalmente como princípio orgânico eorganizador de vida” (1996, p. 194).

O relatório Jacques Delors foi retomado numimportante documento de orientação, repositóriodas ideias dominantes no sector educativo emPortugal, que, curiosamente, não suscitou grandedebate público: a carta pastoral da ConferênciaEpiscopal Portuguesa, com o título Educação:

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Direito e dever – Missão nobre ao serviço detodos, publicada em 2002.

Aqui se defende uma educação integral que incluia educação religiosa e que “é o corolário legítimoda dignidade humana”, sublinhando-se aimportância de um “itinerário que respeita eprivilegia o educando como protagonista principalem todo o processo educativo”:

“Para cumprir a sua missão de educarpara a cidadania, os projectos e ascomunidades educativas têm decontemplar o aprender a conhecer , oaprender a fazer , o aprender a viver  juntos, mas também o aprender a ser .Sem esta consciência personalista,

sem o crescimento pessoal de umaverdadeira estrutura autónomavertebrada por valores e convicções,os cidadãos não ultrapassarão o limiarde indivíduos enquadrados nasestruturas cívicas como consumidorespassivos dos esquemas sociaisapresentados”.

Porquê citar autores e correntes tão distintas?Porquê juntar ideologias e propostas tãodivergentes? Para sublinhar que o discurso dotransbordamento – que tem no discurso dacidadania uma das suas principais referências –constitui um elemento estruturante da

modernidade escolar. Com diferentes propósitos e

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intenções todos falamos esta linguagem e nelareconhecemos as nossas convicções e

expectativas. É por isso que se torna tão difícil,talvez mesmo impossível, defender o contrário. Anão ser que nos coloquemos, propositadamente,numa posição provocatória. É o que farei nestetexto, procurando assim iluminar um outro ladodo problema escolar, evitando a repetição inútildo mesmo “credo pedagógico” ou a tentativa,igualmente inútil, de regressar a um passado que,na verdade, nunca existiu.

2. Cenários de futuro da educação

O ponto anterior coloca, de modo talvezexcessivamente impreciso, algumas interrogações

sobre a educação integral e o transbordamento daEscola. Grande parte dos discursos sobre acidadania – ou, melhor dizendo, sobre a educaçãocívica – sustentam-se nesta alargada eabrangente concepção de formação escolar.

De seguida, irei concentrar-me numa reflexão

conduzida no quadro da OCDE sobre os cenáriosde futuro da educação. Julgo que os autores foramcapazes de situar bem certas tendências actuaisdos sistemas educativos, assinalando opçõesinadiáveis (CERI/OCDE, 2003). Não cuidarei defazer uma apresentação detalhada do estudo,

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mas apropriar-me-ei dele para desenvolver aminha própria argumentação.

O documento apresentado em 2003, identificaseis cenários de evolução da Escola (e dossistemas de ensino), agrupados em torno de trêsgrandes eixos (ver Luisoni, Instance & Hutmacher,2004):

1º EIXO – MANUTENÇÃO DO STATU QUO

Cenário 1.A.Manutenção de sistemas escolaresburocráticosEste cenário representa, no essencial, acontinuação da situação actual, com amanutenção de sistemas burocratizados,que revelam tendências fortes no sentidoda uniformização e grandes resistências aqualquer dinâmica de mudança e deinovação.

Cenário 1.B.Êxodo dos professores –“Desintegração”Este cenário é marcado por uma crise derecrutamento de professores,nomeadamente para certas disciplinas dereferência, provocada pela incapacidade detornar a profissão atraente e prestigiada,bem como por um acréscimo dasdificuldades inerentes ao exercício docente.

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2º EIXO – RE-ESCOLARIZAÇÃO

Cenário 2.A.

 As escolas no centro da colectividadeEste cenário é caracterizado por um reforçoda escola enquanto elemento central doespaço social e comunitário, assumindo umconjunto alargado de missões,nomeadamente na luta contra as fracturassociais e no apoio à integração das crianças.

Cenário 2.B. A escola como organização centrada naaprendizagemEste cenário traduz uma vontade derecentrar a escola nas tarefas daaprendizagem, desenvolvendo umprograma solidamente baseado no “saber”

no quadro de uma cultura de qualidade, deexperimentação e de inovação.

3º EIXO – DES-ESCOLARIZAÇÃO

Cenário 3.A.Redes de aprendizagem e sociedade-em-rede

Este cenário traduz o desejo de abandonaras escolas, caminhando no sentido de umamultiplicidade de redes de aprendizagem,fortemente baseadas em ferramentastecnológicas, e na construção de umasociedade-em-rede que substituiria osactuais sistemas de ensino.

Cenário 3.B.

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Extensão do modelo de mercadoEste cenário reflecte as tendências nosentido de considerar a Escola como um

“bem privado”, e não como um “bempúblico”, acentuando assim os processos deprivatização do ensino através da oferta deum conjunto diversificado de oportunidadese de possibilidades de formação.

Não é este o lugar apropriado para discutir estesseis cenários e as suas implicações para o futuroda educação. O objectivo não é definir “modelosideais”, mas antes provocar um debate e umareflexão que não fiquem encerradas nas fronteirasdo presente. Nenhum destes seis cenários existe,ou existirá, no estado puro. Bem pelo contrário,muitas destas tendências estão misturadas,

combinadas de modos vários em todos ossistemas de ensino. Mas a sua separação, aindaque artificial, é útil do ponto de vista analítico,pois permite-nos visualizar melhor o sentido decertas opções e escolhas.

Nos diversos inquéritos promovidos pelos autores

do estudo junto de “actores educativos”(responsáveis políticos, professores, pais, etc.)desenhou-se um consenso em torno dasevoluções  prováveis e desejáveis destes seiscenários.

No que diz respeito à “probabilidade”, há umrelativo equilíbrio entre os diferentes cenários. Os

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inquiridos consideram que todos eles têm umarazoável possibilidade de se concretizarem num

futuro próximo. No que diz respeito à“desejabilidade”, a situação é totalmente distinta,pois a esmagadora maioria dos inquiridos (maisde 80%) apenas encara positivamente umaevolução no sentido dos dois cenários do 2º eixo –Re-escolarização:   A escola no centro dacolectividade e   A escola como organização

centrada na aprendizagem. Trata-se, no fundo, derecusar, por um lado, a manutenção das actuaisestruturas rígidas e burocráticas e, por outro lado,as lógicas de privatização e de mercado.

Mas a aposta num eixo de re-escolarização nãofaz esquecer que as opiniões se dividem, porigual, entre o terceiro e o quarto cenário,revelando uma clivagem muito interessante entreduas vocações da escola: “o social” e “aaprendizagem”. A reflexão que vos proponhoinsere-se neste debate, adoptando um ponto devista particular que me conduzirá à resposta que

venho procurando sobre a cidadania e a escola.

 A escola no centro da colectividade remete parauma instituição fortemente empenhada emcausas sociais, assumindo um papel de“reparadora” da sociedade; remete para umaescola de acolhimento dos alunos e, até, de apoiocomunitário às famílias e aos grupos mais

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desfavorecidos; remete para uma escolatransbordante, uma escola utópica que procura

compensar as “deficiências da sociedade”,chamando a si todas as missões possíveis eimagináveis. Num certo sentido, todos nosreconheceremos nesta escola, que consagramuitas das nossas crenças e convicções. Mas –como é evidente – esta opção estabeleceprioridades. Não é possível fazer tudo e a tudodedicar a mesma atenção. Concentrando-se nasdimensões sociais, esta escola acaba porconceder uma menor atenção às aprendizagens.Primeiro estão os alunos, as suas necessidades eo seu desenvolvimento; depois, vem o trabalhoescolar propriamente dito. Estou a desenhar uma

caricatura, extremando intencionalmenteposições, para deixar mais nítido o meuargumento.

  A escola como organização centrada naaprendizagem sugere uma valorização da arte, daciência e da cultura, enquanto elementos centrais

de uma “sociedade do conhecimento”. Estaperspectiva sustenta-se em três argumentosprincipais: primeiro - nas sociedades doconhecimento, mais ainda do que nas sociedadesindustriais, o pior que podemos fazer às crianças,sobretudo às crianças dos meios mais pobres, é

deixá-las sair da escola sem uma verdadeira

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aprendizagem; segundo - ao olhar para muitospaíses, percebe-se o crescimento de uma “escola

a duas velocidades”, isto é, de uma escolacentrada na aprendizagem para os ricos e noacolhimento social para os pobres; terceiro – hoje,os novos conceitos de aprendizagem envolvem,para além dos conhecimentos, as emoções, ossentimentos e a consciência, implicam o método,o estudo e a organização do trabalho, incluem acriatividade, a capacidade de resolver problemas,a inteligência e a intuição.

Muitos educadores e professores, sem negarem aimportância das aprendizagens, reconhecem-semais facilmente no terceiro cenário –  A escola nocentro da colectividade – que se adapta melhor àhistória da modernidade escolar. É fácil alinharevidências em prol deste cenário: Alguémacredita que é possível ensinar uma criança comfome ou sujeita a maus tratos? Alguém imaginaque as questões da saúde e do bem-estar, físico epsicológico, não interferem no desenvolvimento e

na aprendizagem das crianças? Alguém seatreveria a pôr em causa o papel da escola naprevenção da toxicodependência ou na promoçãode comportamentos saudáveis? Alguém ousarianegar a importância da escola na educação sexualde adolescentes, que vivem por vezes dramas de

enorme intensidade? Alguém seria capaz de

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escrever que a escola não tem qualquerresponsabilidade na formação de cidadãos

activos, conscientes dos seus direitos e dosdireitos dos outros? E assim por diante…

Mas, ao produzir estas justificações, estamospermanentemente a remeter para dentro daescola um conjunto de tarefas e de missões quesão da responsabilidade primeira de outras

instâncias e instituições. Na transição do séculoXIX para o século XX, quando a concepção deuma escola transbordante se impôs, estávamos,sobretudo no caso português, perante umasociedade muito frágil: níveis de analfabetismoque atingiam os 80%, inexistência de redesculturais e científicas, situações de pobrezaacentuada, taxas altíssimas de mortalidade e demorbilidade infantil, etc. Hoje, um século maistarde, a imagem da escola como “templo desaber” irradiando a sua influência sobre uma“sociedade inculta” já não tem sentido. Hoje, nãosó as famílias possuem níveis culturais e

educacionais mais elevados, como há umconjunto diversificado de instituições que podem,e devem, assumir as suas responsabilidadepróprias na área da cultura, do desporto, da arte,da saúde, da ciência, da cidadania.

Por isso, tenho vindo a defender que, se amodernidade escolar se definiu por

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transbordamento, a contemporaneidade escolarse definirá por retraimento. E esta opção conduz-

me, naturalmente, a valorizar o quarto cenário,a

escola como organização centrada naaprendizagem. Claro que ninguém me veráreproduzir as dicotomias habituais, gastas einúteis: liberdade ou autoridade, ensino ouaprendizagem, instrução ou educação, esforço ouinteresse, etc. Em educação, estes termosfuncionam sempre simultaneamente, pois aaprendizagem não é separável da vida dascrianças, dos seus contextos sociais, dos seusprocessos de desenvolvimento, dos seus dilemas,daquilo que lhes acontece na vida para além daescola.

O trabalho escolar tem duas grandes finalidades:por um lado, a transmissão e apropriação dosconhecimentos e da cultura; por outro lado, acompreensão da arte do encontro, dacomunicação e da vida em conjunto. É isto que aEscola sabe fazer, é isto que a Escola faz melhor.

É nisto que ela deve concentrar as suasprioridades, sabendo que nada nos torna maislivres do que dominar a ciência e a cultura,sabendo que não há diálogo nem compreensão dooutro sem o treino da leitura, da escrita, dacomunicação, sabendo que a cidadania se

conquista, desde logo, na aquisição dos

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instrumentos de conhecimento e de cultura quenos permitam exercê-la.

Uma coisa é dizer que a escola deve recentrar-sena aprendizagem, não ignorando que ela só épossível se atendermos a um conjunto decircunstâncias da vida pessoal e social dascrianças. E outra, bem diferente, é dizer que aescola deve assumir como responsabilidade sua

essa vastidão de tarefas que lhe fomos atribuindo.Não ignoro o risco destas afirmações, que vãocontra a esmagadora maioria das crençasdominantes, mas estou convencido de que esta éa única saída possível para a crise da escola.

A minha proposta de retraimento exige o reforço

de um “novo” espaço público da educação, umespaço mais amplo do que o espaço escolar, umespaço de redes e de instituições no qual seconcretiza a “educação integral” das crianças edos jovens, seja no que diz respeito à formaçãoreligiosa ou cívica, ou à aquisição de um conjunto

de “competências sociais”, ou ainda à preparaçãodo momento de transição entre a escola e otrabalho.

3. Mais aprendizagem, mais sociedade, maiscomunicação

A defesa do retraimento da escola só é possível

se, ao mesmo tempo, houver uma consolidação

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do espaço público da educação. Este é, a meuver, o desafio central das sociedades

contemporâneas. Que compromissos estamosdispostos a assumir, a título individual e colectivo,na educação das crianças e dos jovens?Queremos reforçar as redes familiares, culturais,religiosas e associativas e definir as suasresponsabilidades próprias no processo educativoou continuamos a escolher a via mais fácil, isto é,a tudo lançar para dentro das escolas?Percebemos a importância de libertar a Escola, namedida do possível, de tarefas assistenciais, depráticas de tempos livres e de outras actividadesque podem, e devem, ser realizadas noutroslugares da sociedade? Queremos uma escola que

faça tudo, arriscando-se a nada fazer bem, ouestamos dispostos a chamar toda a sociedade aotrabalho de educação e formação?

A proposta que vos faço, de uma escola retraída,só tem sentido se se multiplicarem compromissose responsabilidades que libertem o dia-a-dia

escolar de um sem-número de tarefas eactividades. Utilizando simbolicamente a palavramais, terminarei a minha intervenção com umatripla sugestão: mais aprendizagem, maissociedade, mais comunicação.

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Mais aprendizagem

Um dos grandes perigos dos tempos actuais é

uma “escola a duas velocidades”: por um lado,uma escola concebida essencialmente como umcentro de acolhimento social, para os pobres, comuma forte retórica da cidadania e da participação;por outro lado, uma escola claramente centradana aprendizagem, e nas tecnologias, destinada a

formar os filhos dos ricos. Não vos falo de umasituação puramente imaginária, mas sim do quese passa hoje em muitos países e até do que sepassa em muitos grupos dentro do nosso país!

Por isso vos digo que a primeira condição dacidadania é a aprendizagem. Uma escola que não

fornece aos seus alunos, a todos os seus alunos,os instrumentos básicos do conhecimento e dacultura, não é uma “escola cidadã”, por muito quese enfeite com chavões de emancipação, delibertação ou de cidadania.

É preciso inscrever, na realidade, a igualdade

prevista na lei. Na escola, isso significa, como seescreve numa recente proposta de reformaapresentada em França, faire vraiment réussir tous les élèves (fazer com que todos os alunostenham verdadeiramente sucesso) (Thélot, 2004).  Julgo que é útil acrescentar que este “sucesso”

não é necessariamente igual para todos os

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alunos. Mas que é da nossa responsabilidadeconcebermos modos e percursos que assegurem

o sucesso de todos os alunos,cada um à sua

medida.

O desafio que temos pela frente é romper comuma excessiva uniformização escolar, que nãoconsegue dar respostas úteis aos alunos e àsdistintas necessidades e projectos de vida de que

eles são portadores. Hoje, talvez mais do quenunca, impõe-se reabilitar os modelos da“diversificação pedagógica” como referência parauma escola centrada na aprendizagem.

Mais sociedade

A segunda condição da cidadania, na escola, é

mais sociedade. O que é que isto quer dizer?Permitam-me que recorra a uma distinção felizproposta por Philippe Meirieu (1997) entre“comunidade” e “sociedade”. Diz ele que o quecaracteriza uma comunidade são os afectos, astradições, os laços. Que há uma escolha na

adesão a uma determinada comunidade (de  jovens, de músicos, de bairro, etc.). Que oessencial são as ligações afectivas entre osmembros e o seu chefe, são as forças centrípetasque a reforçam e lhe dão sentido.

Acrescenta Philippe Meirieu que uma escola não

deve ser encarada como uma comunidade. Desde

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logo, porque as pessoas não se escolhem entre si,estando reunidas naquele lugar, de forma mais ou

menos arbitrária, com o objectivo de trabalharem  juntas durante um período de tempo das suasvidas, independentemente de gostarem ou nãodas mesmas coisas, de terem ou não os mesmosinteresses. Uma escola é uma sociedade, e nãouma comunidade.

Claro que, num contexto escolar, há sempre laçosafectivos. Mas o cimento de uma sociedade não éo afecto entre as pessoas ou a semelhança dosgostos, mas o facto de estarem juntas, de teremde trabalhar em conjunto, de se respeitarem e dese enriquecerem mutuamente. Diz PhilippeMeirieu que certos grupos adolescentes têm,muitas vezes, “comunidade a mais” e “sociedadea menos”. E que é preciso instaurar a escola comosociedade, como lugar do trabalho conjunto, comolugar do diálogo e da comunicação, como espaçode segurança, como uma sociedade na qual ascrianças prefiguram e praticam uma vida futura.

Hoje, os debates da diversidade cultural, damulticulturalidade, da integração de todos numacultura comum, e partilhada, passam por aqui.Esta é a melhor tradição pedagógica e, por isso,Célestin Freinet e muitos educadores sempreestiveram tão atentos aos rituais e às regras, àsrotinas e aos processos formais de decisão. É

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esta, também, a tradição da Educação Cívica deAntónio Sérgio. Na escola, a cidadania faz-se no

dia-a-dia, exerce-se, pratica-se, dá-se mal com umdiscurso gongórico ou doutrinário.

Mais comunicação

Chego, assim, à minha terceira condição dacidadania, mais comunicação. É certo que asescolas são lugares da relação e da comunicação.

Mas as escolas comunicam mal com o exterior. Osprofessores explicam mal o seu trabalho,conduzindo a enormes equívocos. As escolasresistem à avaliação e à prestação de contassobre o seu trabalho. E, sobretudo, há umaausência da voz dos professores nos debates

públicos. É necessário comunicar para fora daescola. O “novo” espaço público da educaçãochama os professores a uma intervenção política,a uma participação nos debates sociais eculturais, a um trabalho continuado junto dascomunidades locais.

Falar de escola e cidadania é prestar contas doque foi (e do que não foi) realizado na escola, écompreender que nada será conseguido se asociedade não apoiar o trabalho escolar. Será quea exposição pública vai contribuir para tornar osprofessores e as escolas mais vulneráveis? Talvez.

Mas, paradoxalmente, esta vulnerabilidade é

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condição essencial da sua evolução e da suatransformação  (Hargreaves, 2000).

A escola cresceu como “palácio iluminado”. Já nãoo é. Hoje, é apenas um pólo – sem dúvida muitoimportante – num conjunto de redes e deinstituições que devem responsabilizar-se pelaeducação das crianças e pela formação dos  jovens. Curiosamente, é este estatuto mais

modesto, mais retraído, que lhe permitirá adquiriruma credibilidade que foi perdendo. Acontemporaneidade exige que tenhamos acapacidade de recontextualizar a escola no seulugar próprio, valorizando aquilo que éespecificamente escolar , deixando para outrasinstâncias actividades e responsabilidades quehoje lhe estão confiadas.

Em síntese: mais aprendizagem, mais sociedade,mais comunicação.

Por tudo isto, insisto que não há cidadania se osalunos não aprenderem, se não formos capazes

de integrar todos numa escola com regras clarase democráticas de funcionamento, se a escola nãocomunicar com o exterior e não prestar contas doseu trabalho à sociedade.

Dito de outro modo: não podemos pregarcidadania, sem sermos cidadãos. Impõe-se uma

abordagem pragmática (e não retórica). Como

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dizia António Sérgio, num texto desconhecido emPortugal, a liberdade e a cidadania devem ser

alimentadas todos os dias, pacientementerecriadas, sempre reconquistadas, pois se nãorealizarmos este treino diário perdemos a forma,perdemos a pujança, e não conseguiremosconstruir o futuro que ambicionamos (1929, p. 2).

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Capítulo 4

Educação 2021:

Para uma história do futuro

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“O tempo, como o mundo, tem dois

hemisférios: um superior e visível, queé o passado, outro inferior e invisível,que é o futuro. No meio de um e outrohemisfério ficam os horizontes dotempo, que são estes instantes dopresente que imos vivendo, onde opassado se termina e o futuro

começa” (Padre António Vieira,História do Futuro, 1718).

ensar o futuro é um exercício arriscadoe, muitas vezes, fútil. Mas, apesar dosavisos, não resistimos à tentação de

imaginar o que nos irá acontecer, procurando,assim, agarrar um destino que tantas vezes nosescapa. Como escreve Pierre Furter – o Professorque me iniciou nos debates sobre a utopia – ohorizonte não existe para nos trazer de volta àorigem, mas para nos permitir medir toda a

distância que temos a percorrer. O homo viator constrói uma casa apenas para o temponecessário, pois é caminhando que ele seencontra e descobre o sentido da sua acção(Furter, 1966, p. 26).

P

Precisamos de vistas largas, de um pensamento

que não se feche nem nas fronteiras do imediato,

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nem na ilusão de um futuro mais-que-perfeito. Àmaneira de Reinhart Koselleck (1990), interessa-

me compreender de que modo o passado estáinscrito na nossa experiência actual e de quemodo o futuro se insinua já na história presente.

O texto está organizado numa lógica passado-futuro. Assinalo, simbolicamente, três datas quedefinem momentos de transição: 1870, 1920 e

1970. Procurarei contextualizar historicamentecada um destes momentos e explicar de quemodo as questões que eles suscitam abrem, hoje,para evoluções contraditórias dos sistemaseducativos. Na última parte, um tempo futuro,buscarei uma síntese destas evoluções, definindoas minhas próprias opções quanto ao cenáriomais desejável para a EDUCAÇÃO 2021.

PRIMEIRO TEMPO HISTÓRICO

1870 – CONSOLIDAÇÃO E DIFUSÃO DO MODELO ESCOLAR

 Tomemos a data de 1870 como marco simbólico.Neste período, um pouco por todo o lado, assiste-

se à consolidação do modelo escolar, isto é, deuma forma de conceber e de organizar aeducação que, no essencial, chegou até aos diasde hoje. Não vale a pena explicar um “objecto”que é conhecido de todos. Mas é importanteassinalar a sua permanência no tempo e o modo

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como resistiu às mudanças que tiveram lugar nodecurso do século XX.

David Tyack inventou uma expressão bemesclarecedora: The one best system. O modeloescolar impôs-se como “o único melhor sistema”,isto é, como a única forma concebível eimaginável de assegurar a educação das crianças.

No final do século XIX, este modelo generaliza-se

ao conjunto da infância, através da escolaobrigatória, que se constitui como uma instituiçãocentral na afirmação dos Estados-nação. A difusãomundial deste modelo e, num certo sentido, a suauniversalização confirmam a centralidade que eleadquire nas sociedades contemporâneas.

A acção realizada por estadistas e educadores,médicos e professores, arquitectos e pedagogos,entre tantos outros, contribui para formatar ummodelo que deve assegurar a consolidação daidentidade nacional e a preparação para a novasociedade industrial em espaços que preservem a

saúde das crianças e lhes permitam progredir deforma sistemática nas aprendizagens escolares.

A aquisição pelos professores de um estatutoprofissional é um elemento central desteprocesso. Eles serão formados em escolasnormais, designação que revela bem a lógica de

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homogeneização que prevalece na edificação dosgrandes sistemas públicos de ensino.

A expansão da “escola de massa” (massschooling) é um dos grandes acontecimentos quevai transformar as sociedades ao longo do séculoXX. Ao ganhar a luta secular contra o trabalho dascrianças e dos jovens, a escola define novasformas de organização da vida familiar e social. É

impossível pensar o século XX sem pensar aescola do século XX.

Do passado ao futuro

O sistema de ensino, público e homogéneo, estáhoje a ser posto em causa por correntes etendências que o consideram obsoleto e incapaz

de se renovar. As críticas têm as mais diversasorigens e alimentam-se de um sentimento de“crise”.

É possível identificar, pelo menos, três cenários deevolução dos sistemas de ensino que, apesar dedistintos, são portadores de visões semelhantesda educação. Não são hipóteses futuristas, namedida em que estão, já hoje, bem presentes nanossa realidade quotidiana.

O primeiro cenário aponta para o regresso aformas de educação familiar. A partir deargumentos que vão desde a responsabilidadeeducativa primordial dos pais até à necessidade

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de preservar os valores de uma determinadacomunidade local constroem-se propostas que

põem em causa a dimensão pública da educação.A ideia de que cada família ou comunidade deveter a sua própria escola, reservada aos seus eprotegida dos outros, situa-se nos antípodas doprojecto de uma escola pública que assegura apresença de todos e a construção de umaidentidade partilhada. Uma das formas maisevidentes deste cenário é a expansão do ensinodoméstico, em casa, que se vem desenvolvendoatravés de redes familiares, culturais e religiosas,com recurso às novas tecnologias.

O segundo cenário baseia-se também na definiçãoda educação como “bem privado”, mas insistesobretudo nas vantagens do mercado daeducação e na promoção de lógicas decompetição entre as escolas. No limite, o Estadodeveria abster-se de intervir no mercado dosserviços educacionais, limitando-se apenas: porum lado, a criar e divulgar indicadores de

qualidade das escolas, permitindo assim a cadafamília fazer uma escolha informada da melhorescola para os seus filhos; por outro lado, afinanciar supletivamente os mais desfavorecidos,por exemplo através do vale-educação (valeescolar ou cheque-ensino), a fim de assegurar

uma certa equidade no acesso à educação.

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O terceiro cenário alicerça-se na importância dasnovas tecnologias. Imaginam-se formas

totalmente distintas de ensino, que tornamdispensáveis as escolas tradicionais e quepromovem a individualização do ensino. Aeducação pode acontecer em qualquer lugar e aqualquer hora, tendo como referência professoresreais ou virtuais. Autores diversos assinalam atecnologia como a chave para a educação dofuturo: “As escolas, tal como as conhecemosdeixarão de existir. No seu lugar, haverá centrosde aprendizagem que funcionarão sete dias porsemana, 24 horas por dia. Os estudantes terãoacesso aos seus professores, mas a distância. Assalas de aula passarão a estar dentro dos seus

computadores”. Frases deste tipo ouvem-se todosos dias. É um futuro que os enormes avanços naprodução de “ferramentas” interactivas deaprendizagem tornam cada vez mais possível.

Estes três cenários são viáveis e há sinais clarosda sua emergência nos últimos anos. Eles

procuram combater a excessiva intervenção doEstado na educação e ultrapassar osconstrangimentos do modelo escolar e de umaorganização homogénea dos sistemas de ensino.Pessoalmente, receio que contribuam paraacentuar, ainda mais, as desigualdades escolares

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e sociais, promovendo formas de “tribalização” daescola.

Por isso, na última parte do texto, argumentareiem favor de um cenário que valorize a dimensão pública da educação, acolhendo, no entanto, umadiversidade cada vez maior de iniciativasorganizacionais, curriculares e pedagógicas,rompendo assim com um sistema excessivamente

burocratizado.SEGUNDO TEMPO HISTÓRICO

1920 – EDUCAÇÃO NOVA E PEDAGOGIA MODERNA

Em 1920 publica-se o livro-manifesto da EducaçãoNova, Transformemos a escola, da autoria deAdolphe Ferrière. É um marco simbólico da

modernidade escolar e pedagógica. Entre 1870 e1920 assiste-se a um avanço, sem precedentes,no desenvolvimento de ideias pedagógicas, quemobilizam os mais variados conhecimentos(psicológicos, sociológicos, médicos, filosóficos,etc.) no estudo da criança e na produção de uma

“ciência da educação”.É difícil resumir, num parágrafo, as teses daEducação Nova. Mas não andaremos muito longede uma definição se mencionarmos quatroprincípios – educação integral, autonomia doseducandos, métodos activos e diferenciação

pedagógica – e se lhes juntarmos a referência de

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Edouard Claparède à revolução copernicana quecoloca a criança no centro, procurando assegurar

uma educação à sua medida (é este o título deuma obra emblemática deste psicólogo suíço,L’école sur mesure).

A pedagogia moderna elabora e difundesocialmente modos de conceber a educação quese tornarão dominantes na sociedade do século

XX. Todos, dentro e fora das escolas, somosherdeiros destas “teorias modernas da educaçãoque vêm do centro da Europa e que consistemnuma salgalhada surpreendente de coisassensatas e de disparates, as quais contribuírampara revolucionar de alto a baixo o sistema deensino sob a bandeira do progresso da educação”(Arendt, 1972, p. 229).

O comentário de Hanna Arendt é, talvez,demasiado severo, mas nem por isso deixa deretratar bem a amálgama que dá pelo nome deEducação Nova. O conceito de educação integral

é aquele que melhor simboliza este movimento eas suas desmesuradas ambições. A escola deveriaencarregar-se da formação da criança em todasas dimensões da sua vida. A escola assumiu esteprograma impossível e acreditou que o podiacumprir. Ao longo do século XX, foi alargando assuas missões, ficando de tal maneira atravancadaque perdeu a noção das prioridades.

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A realidade das últimas décadas não tem cessadode confirmar os perigos de uma “escola

transbordante”. É certo que houve ganhosimportantes, sobretudo no plano social, com aescola a compensar ausências da sociedade e dasfamílias, contribuindo para uma melhor integraçãodas crianças e dos jovens. Mas quando tudo éessencial, torna-se impossível concretizar umaacção racional e inteligente. A escola desviou-semuitas vezes das tarefas do ensino e daaprendizagem para se dedicar às missões sociais.

Do passado ao futuro

A crítica principal que hoje se dirige à escola dizrespeito à sua incapacidade para promover as

aprendizagens, respondendo assim aos desafiosda sociedade do conhecimento. Há quem vá aindamais longe e defina a seguinte prioridade para aescola actual: “Fazer com que todos os alunostenham verdadeiramente sucesso”. A frase constadas conclusões do debate sobre o futuro da

escola, que teve lugar em França em 2003-2004(consultar em www.debatnational.education.fr).

Em rigor, o que se nos coloca é um problema desentido. Para que serve a escola nas sociedadescontemporâneas? As respostas do passado já nãonos servem e temos dificuldade em encontrar

respostas novas. Regresso aos cenários da OCDE

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que analisei no Capítulo 3, desta vez de formamais simplificada:

Statu quoManutenção de sistemas de ensinoburocráticos

ReescolarizaçãoA escola no centro da colectividade

A escola como organização centrada naaprendizagem

DesescolarizaçãoExpansão do modelo de mercadoRedes de aprendentes e sociedade em rede

CriseÊxodo dos professores e desintegração dosistema

Neste momento, interessa-me analisar os doiscenários que são portadores de uma lógica dereescolarização.

O primeiro destes cenários –  A escola no centroda colectividade – prolonga as tendências detransbordamento da escola que assinalámosanteriormente. A escola orientar-se-iaprimordialmente para missões sociais, de apoio àscrianças e às suas famílias, sobretudo no caso dos

meios menos favorecidos. Sem negligenciar a

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transmissão do saber, a escola ocupar-se-ia deum conjunto de outras competências sociais e

culturais, constituindo um lugar de referência paraas comunidades locias. Inserindo-se numatradição longa de ligação escola-sociedade, estecenário concede à escola um relevante papelassistencial e de compensação face àincapacidade das famílias para assegurarem ascondições necessárias ao desenvolvimento dascrianças.

O segundo cenário –  A escola como organizaçãocentrada na aprendizagem – chama a atençãopara a importância do saber e da aprendizagemnas sociedades do século XXI. Trata-se de recusara ideia de que a escola pode tudo, identificandoos aspectos centrais, específicos e prioritários dotrabalho escolar. O debate não é novo. Há mais devinte anos, Daniel Hameline referia-se ànecessidade de regressar, com inteligência, “aoque constitui a especificidade da escola no meiodas instâncias múltiplas através das quais uma

sociedade educa os seus membros” (1984/1985,p. 80).

Em muitos países verifica-se um dualismo cadavez mais acentuado: as elites investem numaeducação (privada) que tem como elementoestruturante a aprendizagem, enquanto ascrianças dos meios mais pobres são

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encaminhadas para escolas (públicas) cada vezmais vocacionadas para dimensões sociais e

assistenciais. É uma tendência indesejável para ofuturo.

Por isso, na última parte do texto, argumentareiem favor de uma escola centrada naaprendizagem, procurando assim inverter astendências de transbordamento da escola. Mas

sei que a defesa deste cenário só faz sentido sehouver, simultaneamente, um reforço do espaço público da educação, tese que avançarei no pontoseguinte.

TERCEIRO TEMPO HISTÓRICO

1970 – DESESCOLARIZAÇÃO DA SOCIEDADE

1870 | 1920 | 1970: cem anos depois, o modeloescolar é seriamente posto em causa por umasérie de movimentos e correntes que pugnampela “desescolarização da sociedade” (a obramais conhecida é publicada por Ivan Illich, em1971, Deschooling society , obra que será

traduzida para português com um título equívoco,Sociedade sem escolas). A educação permanenteé um dos conceitos-chave deste pensamentoradical, que se elabora ao longo dos anossessenta.

Logo em 1966, Pierre Furter dedica um capítulo

do seu livro Educação e Vida a esta problemática,

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concluindo com a seguinte definição: “Emresumo, constatamos que a Educação

Permanente não pode ser reduzida nem a umaeducação «extra-escolar», nem «complementar»,nem «prolongada», nem «fundamental», nem tãopouco «de adultos», porque todas estasinterpretações só vêem uma parte do problema. AEducação Permanente não é algo que seacrescenta a um sistema dado. Não é um novosector, um novo campo. É uma nova pespectiva,que leva os educadores a redefinir toda equalquer educação” (1966, p. 136).

Pierre Furter antecipa os escritos de Ivan Illich ede uma geração que vai produzir uma crítica forteà instituição escolar. O famoso relatório da UNESCO coordenado por Edgar Faure,   Apprendre à être,publicado em 1972, continua esta reflexãoprocurando abrir a educação a todos os tempos ea todas as dimensões da vida. Há duas utopiasque atravessam o pensamento deste autores: porum lado, a possibilidade de uma “educação

desescolarizada”, isto é, de uma educação libertadas estruturas institucionais e baseada em redesinformais de aprendizagem ou “teias deoportunidades”; por outro lado, a defesa de umaeducação que não se limite, primordialmente, aosaspectos da formação profissional e que abranja

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as questões da sociedade, da cultura e do“aprender a ser”.

Cedo se percebeu quão ilusórias eram estasutopias. Os discursos e as práticas da EducaçãoPermanente, ao longo das décadas de setenta eoitenta, evoluíram, justamente, no sentidocontrário. Em vez da desescolarização, assistiu-seao triunfo de uma “sociedade pedagógica”, de

uma sociedade que generalizou uma relaçãopedagógica com as crianças, os jovens e osadultos. Em vez de uma educação aberta sobre asdimensões da vida, assistiu-se à redefinição daEducação Permanente como “Educação eformação ao longo da vida”, conceito marcadopelo princípio da empregabilidade.

Do passado ao futuro

E agora? Podemos imaginar três cenários que,num certo sentido, se inserem na procura dealternativas para o modelo escolar e para a formacomo ele se desenvolveu desde finais do século

XIX.O primeiro cenário baseia-se na substituição dasestruturas escolares pela valorização educativa deum conjunto de espaços e de instituições sociais.A ideia das redes de aprendizagem surge comnaturalidade, reelaborada a partir de fugas para

trás e para a frente. A “fuga para trás” revela-se

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no mito de um passado em que não havia escolas,no qual as pessoas se educavam ao ritmo da vida

das sociedades, aprendendo de modo informal econvivial. A “fuga para a frente” alimenta-sesempre de uma utopia tecnológica, de umdispositivo que permita, enfim, colocar aaprendizagem e o saber ao alcance de todos. Ocenário das redes tem vindo a tornar-se, de diapara dia, mais plausível. Do ponto de vista social,as sucessivas baixas de natalidade a par damelhoria dos níveis educativos da populaçãoadulta e do aumento significativo da esperança devida libertam um conjunto importante de energiaspessoais para missões de educação e de cultura.Do ponto de vista tecnológico, os espantosos

desenvolvimentos da internet  (inter-rede)convidam-nos a não excluir, à partida, quaisquerdesenvolvimentos futuros.

O segundo cenário está bem presente, hoje, naspolíticas educativas em todo o mundo, comparticular relevo para a União Europeia. Não é

uma possibilidade, é sim uma realidade concreta.O conceito de lifelong learning (aprendizagem aolongo da vida) é considerado central para adefinição das estratégias educativas.Contrariamente às intenções dos autores daEducação Permanente, a sua operacionalização

tem-se feito, fundamentalmente, no quadro das

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políticas do emprego e da requalificaçãoprofissional. O termo empregabilidade, que ocupa

um lugar central na famosa Estratégia de Lisboa,adoptada pela União Europeia em 2000, define osesforços educativos ao longo da vidaessencialmente como uma obrigação de cadatrabalhador para que se mantenha apto adesempenhar novas tarefas profissionais. AEducação Permanente começou por ser umdireito pelo qual se bateram sucessivas geraçõesde trabalhadores; depois transformou-se numanecessidade ditada pelas mudanças no mundo dotrabalho; e agora impõe-se como uma obrigaçãopara conseguir um emprego digno. O conjunto dossistemas escolares, desde a escola obrigatória até

à universidade (veja-se o Processo de Bolonha),está a ser redefinido à luz destas perspectivas.

O terceiro cenário aponta para a necessidade deredefinir a missão da escola, de maneira maismodesta, mas mais orientada do ponto de vistadas aprendizagens. A escola deve libertar-se de

uma visão regeneradora ou reparadora dasociedade, assumindo que é apenas uma entre asmuitas instituições da sociedade que promovem aeducação. Nesse sentido, pensar de outro modo oespaço público da educação, através de umaproveitamento das potencialidades culturais e

educativas que existem na sociedade e de uma

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responsabilização do conjunto das entidadespúblicas e privadas.

Por isso, a ideia de um novo contrato educativo,celebrado com toda a sociedade, e não apenascom a escola, que tenha como base o reforço doespaço público da educação, está no centro docenário que defenderei na última parte do texto.

UM TEMPO FUTURO

2021 – AINDA SEM NOME

Nesta última parte, seguirei os conselhos dePierre Furter (1966), procurando introduzir, nopresente, um futuro esboçado de maneira a dar aeste presente uma forma que permita a eclosãodo futuro. Mais do que uma antecipação, tentarei

projectar cenários de futuro, aqueles em que merevejo de entre os muitos possíveis. Ao fazê-lo,estou a traçar caminhos e a definir orientaçõespara a acção presente. 2021 é um tempo futuro,ainda sem nome, mas suficientemente perto paraque nele possamos inscrever, desde já, as nossas

preocupações.Nas páginas anteriores, avancei uma série decenários, uns mais prováveis do que outros. Nofinal de cada uma das três partes, em itálico,assinalei as evoluções desejáveis. Vou agoraretomá-las e defendê-las, em conjunto, como

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programas para pensar e agir na campoeducativo:

1.ª Educação Pública, Escolas Diferentes2.ª Escola centrada na aprendizagem

3.ª Espaço Público de Educação: Um novocontrato educativo

1.ª Proposta

Educação Pública, Escolas DiferentesNos tempos actuais, talvez mais ainda do que emtempos passados, a educação deve definir-secomo um “bem público”. As sociedadescontemporâneas, fortemente globalizadas, vivemcom enormes afastamentos e divisões no plano

social, cultural e religioso. Como se a facilidade decomunicação planetária tivesse conduzido,paradoxalmente, a fechamentos nas formas deconvivialidade.

As ideologias da educação como “bem privado”,algumas particularmente sedutoras, contribuem

inevitavelmente para a tribalização da sociedade.Claro que, no dia em que cada grupo social oureligioso tiver a sua própria escola, fundada emcrenças e valores próprios, a acção pedagógicatornar-se-á mais coerente e harmoniosa. Mas,pelo caminho, perder-se-á uma das principais

qualidades da escola pública, a possibilidade de

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instaurar narrativas partilhadas e culturas dediálogo.

Numa reflexão notável, Arwin Appadurai alertapara os riscos do diálogo, mas explica que nãotemos alternativa, sugerindo uma estratégia deselectividade, de modo a que não nos sintamosobrigados “a partilhar toda a nossa humanidadeem todas as ocasiões” (2006, p. 37). A escola é,

  justamente, uma das instituições onde estapartilha pode ter lugar, de forma prudente eselectiva, construindo assim uma base sólida eevolutiva para a construção de práticas de vidaem comum.

Mas a defesa de uma educação pública depende,

hoje, de uma mudança dos sistemas de ensino demodo a possibilitar o desenvolvimento de escolasdiferentes. Em vez da homogeneização quecaracterizou a história do século XX, impõe-seagora uma abertura à diferença, sob todos ospontos de vista:

a) liberdade de organização de escolasdiferentes, por exemplo com base emcontratos com entidades ou associaçõeslocais;

b) liberdade na construção de diferentesprojectos educativos, por exemplo com base

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em iniciativas de grupos de professores oude associações pedagógicas;

c) liberdade na definição de percursosescolares e de currículos diferenciados, porexemplo com base em acordos comsociedades científicas ou universidades.

As entidades públicas devem manter,evidentemente, uma capacidade de

contratualização e de regulação do sistemapúblico de ensino. A abertura à diferençapermitirá, também, modelos diversos de direcçãoe gestão das escolas, bem como uma maiorresponsabilização e prestação de contas por partedas diversas entidades. A inovação e a

experimentação, devidamente avaliadas, deverãoinstituir-se como processos naturais.

A abertura à diferença deve, também, traduzir-senuma maior liberdade de escolha dosestabelecimentos de ensino. As famílias e osalunos devem poder escolher a sua escola e,

simultaneamente, participar na definição do seuprojecto educativo. Mas sempre no contexto deuma dimensão pública. Quer isto dizer que osalunos podem escolher a sua escola, mas asescolas não podem escolher os seus alunos. Ditode outro modo, as escolas não devem usar esta

liberdade para seleccionar socialmente os seus

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alunos, introduzindo factores de discriminação ede desigualdade no acesso ao serviço público de

educação.A proposta que aqui se elabora retoma aaspiração de Claparède, “uma escola à medida decada aluno”, mas define-a para além dos aspectosmeramente pedagógicos (a aplicação de umapedagogia diferenciada em função das

necessidades de cada aluno) e projecta-a noplano da organização de escolas diferentes.

2.ª PropostaEscola centrada na aprendizagem

A defesa de uma escola centrada naaprendizagem procura inverter a deriva

transbordante de uma escola a quem a sociedadevai, progressivamente, atribuindo todas asmissões. Não se trata de advogar o regresso a umqualquer passado mítico e, muito menos, dedefender programas mínimos, o ensino do “ler,escrever e contar” ou as tendências do “back to

basics”. Estes movimentos, que ganharam grandeimportância face à crise da escola e àincapacidade de resposta perante a massificaçãodo ensino, baseiam-se na defesa do ensinotradicional e têm-se revelado de uma enormepobreza teórica e prática. Trata-se, bem pelo

contrário, de abrir novas perspectivas que

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coloquem a aprendizagem, em toda a sua riqueza,no centro das nossas preocupações.

Há duas questões fundamentais a resolver. Emprimeiro lugar, assegurar que todas as criançasadquirem uma base comum de conhecimentos;qualquer política educativa deve assumir esteobjectivo, não considerando o insucesso e ofracasso como fatalidades impossíveis de

combater. Em segundo lugar, promover diferentesvias de escolaridade, percursos adaptados àsinclinações e aos projectos de cada um; é precisoque as crianças e os jovens, sobretudo aquelesque vêm de meios desfavorecidos, reencontremum sentido para a escola, pois só assimconseguiremos que “todos os alunos tenhamverdadeiramente sucesso”.

Para que a aprendizagem possa tenha lugar aescola terá de cumprir, escusado será dizer,algumas missões sociais e assistenciais. Osdramas da miséria, da fome, dos maus tratos, da

gravidez precoce ou do consumo de drogas, entretantos outros, impossibiitam um projectoeducativo coerente. Mas assumir estas tarefas,provisoriamente, por imperativo ético, não é amesma coisa do que defini-las como missõesprimordiais da escola, e este tem sido o erromaior da escola transbordante.

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Uma nova perspectiva de aprendizagem deve serenriquecida com uma série de estudos e

contributos que têm a vindo a ser formuladas emdiversos campos científicos e culturais, mas que,em grande parte, não chegaram ainda às teoriaseducativas e, muito menos, às práticas escolares:os trabalhos recentes das neurociências sobre aimportância das emoções, dos sentimentos e daconsciência na aprendizagem; as pesquisas quetêm posto em destaque o papel da memória e dacriatividade; os desenvolvimentos da psicologiacognitiva, designadamente sobre as diferentesformas de inteligência; as teorias daimprevisibilidade sobre o carácter inesperado eaté “desorganizado” de muitas aprendizagens e a

importância de lhes atribuir sentido e significado;as consequências para a aprendizagem das novastecnologias, das distintas formas de navegação ede processamento da informação; etc.

A reflexão anterior levar-me-ia muito longe eobrigar-me-ia a iniciar um novo texto. Subjacente

a muitas destas teorias está um princípio decomplexidade, que rompe com grande parte dasconvicções do ensino tradicional; por exemplo, oprincípio de que se aprende do mais simples parao mais complexo ou do mais concreto para o maisabstracto. A aprendizagem não é um processo

linear e deve ser equacionada numa perspectiva

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multifacetada, bem distante dos simplismos quecaracterizam tanto a escola tradicional como a

pedagogia moderna.Promover a aprendizagem é compreender aimportância da relação ao saber, é instaurarformas novas de pensar e de trabalhar na escola,é construir um conhecimento que se inscrevenuma trajectória pessoal. Falar de um olhar

complexo e transdisciplinar não é recusar o papeldas disciplinas tradicionais, mas é dizer que oconhecimento escolar tem de estar mais próximodo conhecimento científico e da complexidadeque ele tem vindo a adquirir nas últimas décadas.

Simultaneamente – e este não é um aspecto

menor – é necessário que as escolas se libertemdas estruturas físicas em que têm vivido desde ofinal do século XIX. Nessa época, há quase 150anos, os edifícios escolares foram pensados comgrande ousadia e criatividade, mobilizandoprojectos e saberes de professores, arquitectos,

higienistas, médicos, pedagogos e tantos outrosespecialistas. Hoje, é necessário mobilizar, com omesmo vigor, novas energias na criação deambientes educativos inovadores, de espaços deaprendizagem que estejam à altura dos desafiosda contemporaneidade.

3.ª Proposta

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Espaço Público de Educação: Um novocontrato educativo

A frase À escola o que é da escola, À sociedade oque é da sociedade sintetiza bem as ideias quetemos vindo a apresentar. A proposta anterior –Escola centrada na aprendizagem – só temsentido se a sociedade se responsabilizar,progressivamente, por um conjunto de missões

que, até agora, têm sido assumidas pela escola.É fácil enunciar, propositadamente sem qualquerordem, algumas destas missões: a protecção doambiente, a preservação do património cultural, ocombate à droga e à toxicodependência, aeducação para a saúde e a educação sexual, a

preparação para lidar com situações deemergência, a promoção de comportamentossaudáveis, a educação alimentar, a educaçãopara o consumo, o combate aos maus tratos e àviolência doméstica, a educação para a cidadania,a prevenção da delinquência juvenil, etc.

Sem ignorar o papel da escola em muitas destasmissões, será que elas não devem ser assumidasprimordialmente por outras instâncias sociais?Será que não devemos responsabilizar as famílias,mas também as comunidades locais, asassociações culturais, as entidades laborais, as

igrejas, os museus, as organizações científicas, os

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centros de saúde e os espaços artísticos edesportivos pelo cumprimento de boa parte

destas missões?Não se trata de regressar ao debate sobre arelação escola-sociedade, mas antes de promovera construção de um espaço público de educação,no qual a escola tem o seu lugar, mas que não éum lugar hegemónico, único, na educação das

crianças e dos jovens. A proposta que vos façorompe com a tradição de ir atribuindo à escolatodas as missões e inspira-se nas formas deconvivialidade sugeridas por Ivan Illich.

A defesa de um espaço público da educação sófaz sentido se ele for “deliberativo”, na acepção

que Jürgen Habermas (1989) deu a desteconceito. Não basta atribuir responsabilidades àsdiversas entidades, é necessário que elas tenhamuma palavra a dizer, que elas tenham capacidadede decisão sobre os assuntos educativos. Aoperacionalização desta ideia obrigará a

equacionar formas de organização dos cidadãos,para o exercício destas missões, designadamenteatravés dos órgãos locais de governo.

É nesta perspectiva que a proposta adquire todoseu sentido, abrindo para a possibilidade de umnovo contrato educativo, cuja responsabilidade é

partilhada por um conjunto de actores e de

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instâncias sociais, não ficando apenas nas mãosdos educadores profissionais. Se é verdade que a

escola cumpriu, ao longo do século XX, umimportantísimo trabalho social, não é menosverdade que hoje se torna essencial evoluir nosentido de uma maior responsabilidade dasociedade.

Muitas zonas do mundo, e dos nossos próprios

países, vivem ainda em situações de miséria e depobreza, económica e cultural. Mas, de um modogeral, verificou-se uma enorme evolução nasqualificações escolares dos adultos. Durantemuitas décadas houve um fosso geracional: osmais novos tinham habilitações académicas muitosuperiores aos mais velhos. Agora, pela primeiravez, há gerações adultas que têm habilitaçõesacadémicas idênticas às das gerações maisnovas, possibilitando-lhes assim uma intervençãoeducativa mais consistente. Paralelamente, temaumentado a esperança e a qualidade de vida daspessoas idosas, bem como a sua disponibilidade

para tarefas sociais e culturais. E as sociedadestêm-se dotado de instituições de cultura, deciência, de desporto ou de arte como nuncaexistiram no passado. Todas estas evoluçõestornam viável um cenário que, ainda há poucotempo, seria ilusório.

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Em sentido contrário, poder-se-á argumentar que,apesar destas evoluções, a “sociedade civil”

revela sinais de uma grande fragilidade,designadamente pela corrosão de alguns laços eestruturas tradicionais. Mas este argumentoapenas reforça a necessidade de reconstruirsolidariedades, espaços de convivialidade, de vidasocial e cultural, que tenham como um dos pontoscentrais a educação das crianças e dos jovens.

* * * * *

São muitos os futuros possíveis. Mas só um terá

lugar. E isso depende da nossa capacidade depensar e de agir. Deixo-vos alguns contributosmodestos, em torno de três propostas quepoderão orientar programas de trabalho epolíticas educativas.

É preciso abrir os sistemas de ensino a novas

ideias. Em vez da homogeneidade e da rigidez, adiferença e a mudança. Em vez dotransbordamento, uma nova concepção daaprendizagem. Em vez do alheamento dasociedade, o reforço do espaço público daeducação.

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Estas propostas genéricas não se baseiam emsituações concretas, nem em casos específicos.

Procuram, sim, provocar um debate, que vai paraalém das fronteiras nacionais, abrindo novoshorizontes para a educação. São ideias que sópoderão ser úteis se forem devidamentecontextualizadas e adaptadas à realidade de cadaregião e de cada país.

Hannah Arendt escreveu que uma crise apenas setorna catastrófica se lhe respondermos com ideiasfeitas, isto é, com preconceitos (1972, p. 225). Tinha razão. O pensamento contemporâneo temde ir além do  já conhecido e alimentar-se de umpensamento utópico, que se exprime “pelacapacidade não só de pensar o futuro nopresente, mas também de organizar o presentede maneira que permita actuar sobre esse futuro”(Furter, 1970, p. 7).

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