Antisemitismo Verde-oliva na Bahia (1933-1937)
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANAPrograma de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
“AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti-semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937)
David Costa Rehem
Feira de Santana
2011
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANAPrograma de Pós-Graduação em História
Mestrado em História
“AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti-semitismoverde-oliva na Bahia (1933-1937)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual deFeira de Santana para obtenção do título de Mestre.
Orientador: Profº Dr. Iraneidson Costa
David Costa Rehem
Feira de Santana
2011
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Ficha Catalográfica: Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS
Rehem, David Costa
R271f “As forças secretas da revolução”: anti-semitismo verde-oliva na Bahia(1933-1937) / David Costa Rehem. – Feira de Santana, 2011.
161 f.: il.
Orientador: Iraneidson Santos Costa
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Feira de
Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Programa de Pós-
Graduação em História, 2011.
1. História da Bahia. 2. Anti-semitismo. 3. Ação integralista brasileira.4. Intelectuais. 5. Imprensa – Bahia. I. Costa, Iraneidson Santos. II.Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Departamento de CiênciasHumanas e Filosofia. IV. Título.
CDU: 981(814.2)
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“AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti-
semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937)
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
David Costa Rehem
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Professor Doutor Orientador Iraneidson Costa
_____________________________________________Professor Doutor Muniz Ferreira
_____________________________________________
Professor Doutor Gilberto Calil
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Se você falar mentiras sobre a gente, falamos a verdade sobre você.
(Mentiras por Enquanto, Plebe Rude)
Dedico a minha mamãezinha, Maria José, minha sobrinha, Maria Luíza, meu pai,Miguel, minha irmã, Bárbara e minha companheira, Flaviane.
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Agradecimentos
“Em volta dessa mesa velhos e moças lembrando o que já foiEm volta dessa mesa existem outras, falando tão e igual
Em volta dessas mesas existe a rua, vivendo o seu normalEm volta dessa rua uma cidade, sonhando seus metais”
(Conversando no Bar, Milton Nascimento)
Sempre se dedica a dissertação a algumas pessoas. Normalmente familiares e
um número bem restrito de pessoas. Dedico destacadamente a poucas
pessoas, mas considero esse agradecimento como uma parte dessa
dedicatória, já que a formalidade da escrita não me permitiria colocar tantos
nomes.
Primeiramente gostaria de homenagear uma pessoa, com a qual não tenho
mais contato, mas que foi fundamental para a minha escolha de ser historiador,
numa época em que as pessoas me dissuadiam de sê-lo e diziam que, por ter
afinidades com a área de humanas eu deveria fazer Direito. Essa pessoa é
homônima de minha mãe, Maria José, chamada por nós de Gal, e foi minha
professora de História da 5.ª a 8.ª série no Centro Educacional Sophia CostaPinto. A confiança que ela tinha em mim me fez decidir o que queria ser
quando crescer, diante das diversas “opções” que uma criança e um
adolescente acham ter.
Dando continuidade, agradeço a meus irmãos, Bárbara e Júnior, e aos meus
pais, Maria José e Miguel, por sempre terem confiado em mim e terem me
dado a liberdade que é necessária para os difíceis caminhos dos estudos epesquisas de História.
Agradeço aos meus colegas de graduação e movimento estudantil e aos
amigos e amigas que de lá surgiram, como Giselle, Carlinha, Denise, Daniel
Caribé, Simão e outros tantos. De lá surgiram dois amigos e interlocutores dos
meus primeiros passos nos caminhos da pesquisa: Aruã Lima e Muniz Ferreira.
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Não teria seguido o caminho da academia se não fosse o incentivo de Taíse
Chates e Igor Gomes. Igor, além de ter me incentivado a fazer o mestrado na
UEFS, me ajudou a ver que a academia pode valer a pena, quando me
apresentou o Laboratório de História e Memória das Esquerdas e das Lutas
Sociais – LABELU, no qual ingressei e que teve um papel importante na minha
chegada (e não passagem, porque pretendo ficar!) à UEFS. Além das
saudáveis relações acadêmicas, lá fiz diversas amigas e amigos que pretendo
levar por toda a vida. Por isso mesmo agradeço a todas/os as/os labelistas (ou
como é mais comum no Laboratório, labelúdicas/os) que deixaram “mais fácil”
estar na universidade e escrever, já que sozinho seria mais difícil. De certa
forma, essa dissertação foi escrita por diversas mãos e cérebros, em sua
maioria membros do Laboratório. Foram leitoras e leitores assíduos de meus
escritos, artigos e dissertação, Manuela, Darliton, Luciane, Chintamani, Diego,
Hugo (com seus “dossiês”), Coelho, Aruã, Rafael... Sintam-se co-autores, não
se responsabilizando pelos erros, mas sim pelos acertos desta dissertação.
No tirocínio com o professor Eurelino Coelho pude vivenciar o seu modo
admirável de ser professor e trocar experiências que, com certeza, levarei
como exemplo profissional e pessoal. Nas disciplinas, além do próprio Coelho,
agradeço às contribuições de Iran, meu orientador e leitor minucioso de
qualquer texto que tenha em mãos, e Lucilene Reginaldo, aos ricos bate-papos
em sala de aula.
Agradeço aos diversos amigos e amigas que fiz em Feira de Santana, já que
sem eles não seria tão prazeroso minha estadia nessa cidade que aprendi a
admirar, respeitar e desejar. Pelas “restrições acadêmicas”, citar o nome detodos e todas não é possível, mas não posso deixar de nomear alguns, como
Mayara Pláscido, Ione Celeste, Silvana França, Charlene Brito, Marcos
Roberto. Lembro ainda dos Quilombolas e Ousados/as, com os quais pude
conversar, divergir, concordar e debater sobre a vida e atualidades...
Agradeço aos trabalhadores da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB),
em especial o pessoal da recepção e do setor de periódicos raros; do ArquivoEdgard Leuenroth (AEL), da UNICAMP, em especial ao camarada Mário e as
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intermináveis conversas sobre o dia-a-dia, política e dicas de pesquisa e a
simpatia e atenção dada por Silvia. Às trabalhadoras e trabalhadores da UEFS,
em especial da Biblioteca Julieta Carteado e do módulo VII, de todas as áreas.
Àqueles que fazem o mestrado funcionar: Julival, Andrei, Coelho e, em
especial, à professora Elizete Silva, exemplo de professora, pesquisadora e
pessoa, que coloca o coração em tudo que faz.
Aos amigos de Campinas que me receberam de braços abertos: Léo, Danilo
(Magrão), Tati, Iuri, Ricardo Festi, Fernanda...
Aos meus colegas e amigos da Secretaria de Educação do Município de
Salvador, em especial Ladjane (Lad), Daniela e Manuel Calazans por me
ajudarem nessa jornada. Às minhas novas colegas e amigas da
Superintendência de Políticas para Mulheres, do município de Salvador, em
especial Bárbara Suzane, pela confiança pessoal e profissional e Eliane Boa
Morte, dentre outras coisas, pela sensibilidade em compreender o momento de
escrita e correção desta dissertação.
A minha banca de qualificação, composta pelos professores Iraneidson Costa,
Muniz Ferreira e Zacarias Sena Júnior. Vocês transformaram o “terror da
qualificação” em um bate-papo onde ouvi avaliações e dicas importantíssimas
para o meu trabalho.
Também gostaria de agradecer a Denise Silva, amiga que se tornou minha
professora de francês, que me ajudou e corrigiu as traduções necessárias
nesse texto, do francês para o português e vice-versa. A ajuda dada foi deextrema importância, já que estava no apagar das luzes da correção desta
dissertação e o meu pedido de socorro foi logo respondido.
Agradecimento especial à minha companheira, Flaviane Ribeiro, que conheci
na UEFS, minha principal interlocutora nessa dissertação e com quem tenho
construído uma relação de respeito e admiração!
Agradeço a CAPES que me financiou por 2 (dois) anos.
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RESUMO:
Esta dissertação tem como objeto de estudo a construção do anti-semitismoem terras baianas na década de 1930. Nesses anos a perseguição aos judeustomou proporções e repercussões nunca vistas na História da humanidade.
Como um fenômeno político-social de escala mundial, repercutiu no Brasil.
No Brasil houve, entre seus representantes, uma burguesia xenófoba e a AçãoIntegralista Brasileira (AIB), esta última, uma organização de massas, de cunhofascista e teve entre seus integrantes, como Gustavo Barroso e Brasilino deCarvalho, propagandistas do anti-semitismo a brasileira que contaram com oapoio da própria Ação. O principal veículo de disseminação desse anti-semitismo aqui na Bahia, eram os jornais de circulação estadual que continhamem suas páginas notícias e artigos de membros da AIB e simpatizantes doregime nazi-fascista da Alemanha. O objetivo dessa dissertação é analisaressa elaboração anti-semita na Bahia e suas possíveis repercussões.
Palavras-chave: Anti-semitismo, Ação Integralista Brasileira, Intelectuais,Imprensa, Bahia (1933-1937).
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RESUMÉ:
Cette thèse vise à étudier la construction de l'antisémitisme dans les terres deBahia dans les années 1930. Dans ces années, la persécution des Juifs a prisdes proportions sans précédent et des répercussions dans l'histoire del'humanité. De quelle manière un phénomène socio-politique à travers le mondea resonné au Brésil.
Au Brésil avait parmi ses représentants une bourgeoisie xénophobe et l’ActionIntégraliste Brésilienne (Ação Integralista Brasileira - AIB), celui-ci, uneorganisation de masse marqué par le fascisme et avait parmi ses membres,comme Gustavo Barroso et Brasilino de Carvalho, les propagandistes del'antisémitisme à la brésilienne qui avait l'appui de leur propre organisation. Leprincipal vecteur de diffusion de l'antisémitisme dans l'état de Bahia étaient les journaux de la région qui contenaient dans ses pages des nouvelles et desarticles des membres de l’ AIB et des sympathisants de l'Allemagne nazie-
fasciste. L'objectif de cette thèse est d'analyser cette préparation antisémitedans l’état de Bahia et de ses possibles répercussions.
Mots-clés: Anti-sémitisme, Action Intrégaliste Brésilienne, intellectuels, Médias,Bahia - 1933-1937.
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Abreviaturas:
Ação Integralista Brasileira – AIB Aliança Liberal - AL Aliança Nacional Libertadora – ANL
Arquivo Edgard Leuenroth – AELDiário de Notícias - DNFederação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESPIdishe Kultur Farband (Associação Cultural Judaica) – IKUFIII Internacional ou Internacional Comunista – KOMINTERNLei de Segurança Nacional – LSNOrganização das Nações Unidas – ONUOrganizzazione per la Vigilanza e la Repressione dell’Antifascismo (Organização para Vigilância e Repressão ao Antifascismo) – OVRAPartido Comunista do Brasil – PCBSecretaria Nacional de Imprensa da AIB – SNI/AIB
Secretaria Nacional de Propaganda da AIB – SNP/AIBSocorro Vermelho Judaico - BRAZCORUnião das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS
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Sumário
Apresentação ................................................................................................... 13
Capítulo I – REFLEXÕES SOBRE O ANTI-SEMITISMO (ou A difícil tarefa deanalisar a complexidade da perseguição aos judeus) ............................... 181.1. Os Judeus e a Questão da Raça .............................................................. 211.2. Questões Contemporâneas Sobre Raça e a Questão Judaica ................ 291.3. Anti-semitismo “Por Dentro” e “Por Fora” ................................................. 38
Capítulo II - XENOFOBIA, IMIGRAÇÃO E RAÇA NO BRASIL DOS ANOS1930 ................................................................................................................. 482.1. 1930: Uma Década de Transformações ................................................ ... 492.2. Os Indesejáveis ........................................................................................ 532.3. As restritas possibilidades na análise dos dados sobre a imigração de
judeus .............................................................................................................. 68
CAPÍTULO III - FASCISMO E ANTI-SEMITISMO. CONSIDERAÇÕESTEÓRICAS E O DISCURSO ANTI-SEMITA NAS PÁGINAS DE O IMPARC IAL E DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS .......................................................................... 743.1. Sobre o fascismo ...................................................................................... 743.1.1. Fascismos e anti-semitismos ................................................................. 943.2. O anti-semitismo na imprensa baiana ...................................................... 97
CAPÍTULO IV – GUSTAVO BARROSO, INTELECTUAIS INTEGRALISTASBAIANOS E A QUESTÃO JUDAICA ............................................................ 1114.1. Literatura e Propaganda ......................................................................... 1144.2. Gustavo Barroso, Os Banqueiros e Os Sábios de Sião ......................... 1164.3. Brasilino de Carvalho e o Anti-semitismo de Hitler ..................................1244.3.1 A Barra de Ferro e a Browning ............................................................. 1274.3.2 Debate entre Integralistas ..................................................................... 136
CONCLUSÕES PROVISÓRIAS .................................................................... 142
Fontes ............................................................................................................ 146
Referências Bibliográficas ............................................................................. 147
Anexo Fotográfico
1. Jornais recebidos e bibliografia sugerida. In: A Offenssiva, 14 dezembro de1935
2. O comunismo e sua obra mundial (na foto, ministro soviético Litivinov), In:DN, 17 de dezembro de 1935.
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3. Nota do Partido Nazista convocando o grupo local (Bahia) para reunião, naquarta-feira, 30 de janeiro, às 20:30, no Boliche da Associação AlemãGermânia. In: DN, 29 de janeiro de 1935.
4. Caricatura do líder integralista Hebert Fortes. In: DN, 29 de julho de 1935
5. Gustavo Barroso discursa aos baianos (matéria: O integralismo em marcha).In: O Imparcial , 30 de novembro de 1933
6. O ideal racista na Allemanha de Hitler. In: O Imparcial , 12 de janeiro de1934.
7. BRAZCOR, perigoso foco de agentes extremistas. In: O Imparcial , 1.º dedezembro de 1935
8. O judeu que insultou o Brasil! In: O Imparcial , 10 de setembro de 1935.
9. As forças secretas da revolução (Coluna Integralismo). In: Diário de Notícias,11 de fevereiro de 1935
10. Sob o jugo a grande finança internacional (capa). In: A Offensiva, 12 de julho de 1934
11. A mentira da Liberal Democracia (charge). In A Offensiva, 08 de junho de1935
12. Congresso Integralista da Bahia. In: A Offensiva, 07 de dezembro de 1935(matéria de capa)
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APRESENTAÇÃO
“Como pode? Esses judeus são aqueles mesmo que mataram Jesus há dois
mil anos atrás...”; “Hitler fez pouco, devia ter matado todos os judeus...”; “Esse
ladrões da arrecadação para os desabrigados de Santa Catarina devem ser
judeus...”; “Não chame ele de judeu, assim você ofende o rapaz...” - essas e
outras frases foram ouvidas por mim ou por amigos meus que relataram o que
escutaram de outros sobre fatos acontecidos recentemente. A primeira delas
eu escutei aos 12 anos, em 1992, numa aula de Religião, na escola primária, a
última, quando cursava a graduação, no início da década que se findou, de um
passageiro no ônibus, ao ser chamado de judeu por um amigo da faculdade...
Mas, por que cito essas frases? O que elas têm a ver com o meu objeto de
estudo? Em primeiro lugar porque justifica o estudo que faço sobre o anti-
semitismo no Brasil. Com elas, demonstro que o anti-semitismo está presente e
é necessário pesquisar momentos em que esteve em maior evidência, como
nos anos de 1930 e 1940, na Era Vargas. Em segundo lugar porque é comum
dizer que não existe racismo no Brasil, ainda mais quando se trata dos judeus,
uma comunidade tão pequena. Como poderiam os judeus serem vítimas de
preconceito racial no Brasil, se nem mesmo se sustenta, hoje, a ideia de raça
com respaldo científico?
É em cima dessas reflexões que pretendo discutir sobre o que seria esse tal
anti-semitismo. Ele existiu no Brasil? Trata-se de uma racialização ou apenasum preconceito religioso? Como ele se manifestou aqui e em outros locais?
Quais relações existem entre o anti-semitismo brasileiro e as diversas
elaborações anti-semita estrangeiras?
Quando em 2003 fui procurar o professor Muniz Ferreira, no início da minha
graduação na Universidade Federal da Bahia, tinha como interesse pesquisar o
anti-semitismo no discurso da esquerda. O combate ao Estado sionista deIsrael muitas vezes é confundido como “um problema dos judeus”. Nisso fui
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orientado por Muniz a iniciar minhas pesquisas a partir de um período no qual o
anti-semitismo era muito mais aberto, mais presente nos discursos, tanto
políticos quanto jornalísticos. O primeiro contato com o tema se deu com a
leitura do livro Anti-semitismo na Era Vargas, de Maria Luiza Tucci Carneiro.
Nessa leitura, encontrei noções básicas da discussão sobre anti-semitismo e
sobre sua manifestação no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas.
O segundo passo foi ir aos jornais. O primeiro contato com essas fontes se deu
a partir do período em que fui bolsista do professor Carlos Zacarias Sena
Júnior, em 2004. Pesquisei o jornal A Tarde, na década de 1930 e 1940, para
sua tese de doutoramento. Nesse jornal tive contato com o discurso político da
época, familiarizei-me com a conjuntura baiana da época e com a presença
esporádica do anti-semitismo em suas páginas. Mas outros jornais cumpririam
um papel chave na disseminação do anti-semitismo baiano. Eram os jornais O
Diário de Notícias e O Imparcial .
O primeiro era dirigido pelo germanófilo Altarmirando Requião. O segundo
estava ligado aos autonomistas1 e ainda na primeira metade da década de
1930 passou a ter entre seus diretores o integralista Victor Hugo Aranha. Esses
jornais passaram, então, a ser o principal foco da minha pesquisa. Além deles,
encontrei nos Arquivos Edgard Leuenroth, da UNICAMP, a imprensa
integralista. Especificamente a revista Anauê! e o jornal A Offensiva, ambos em
microfilme e o último também em papel.
A análise do discurso anti-semita nessas fontes me permitiu perceber que fazia
parte de alguns setores da sociedade brasileira a sua disseminação. A AçãoIntegralista Brasileira (AIB) foi a organização que mais elaborou sobre o
assunto e mesmo nos jornais baianos, que não faziam parte de sua imprensa
oficial, a maioria dos textos encontrados são de autoria dessa organização ou
de seus membros.
1 A Concentração Autonomista foi uma organização que reuniu diversos oposicionistas aogoverno do interventor Juracy Magalhães e tinha, entre seus integrantes, seguidores depolíticos baianos ligados à Velha República, como os irmãos Mangabeira (Otávio e João), J.
J. Seabra e família Calmon (em destaque Pedro e Miguel Calmon). Sobre os autonomistasver bibliografia apontada no capítulo II sobre a interventoria de Juracy Magalhães no estadoda Bahia.
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Diante disso a pesquisa passou a ser orientada pelo discurso integralista sobre
os judeus e seus ecos na Bahia.
O primeiro capítulo é dedicado a fazer uma reflexão sobre o que seria anti-
semitismo, estimulado pela idéia de que não houve anti-semitismo na Bahia, a
partir de alguns judeus da época e alguns autores. A partir disso considerei
relevante trazer o debate para a dissertação, constituindo, então, um capítulo
de aspecto mais teórico. A crítica que usualmente se faz a esse formato é que,
em alguns casos, o capítulo teórico se coloca de forma deslocada em relação
ao conjunto do trabalho. Não é esse o meu objetivo. Nele pretendo “aparar as
arestas” sobre o tema, normalmente visto como uma discussão no campo da
cultura e desprovida do conceito da luta de classes. Além disso, tento fugir de
um certo empiricismo, onde os aspectos teóricos são deixados de lado nas
produções historiográficas, quando, na verdade, é uma ferramenta essencial
para o ofício do historiador.
No segundo capítulo apresento uma rápida análise de conjuntura, localizando o
objeto dessa dissertação no período do governo Vargas. Para isso, além das
fontes jornalísticas e das leis sobre imigração ou relacionadas, me utilizo de
uma bibliografia que se refere ao período. Tento, portanto, traçar de que forma
a conjuntura sócio-política foi favorável à disseminação de idéias autoritárias de
direita, tendo como uma de suas características a xenofobia. Além disso, o
posicionamento oscilante do governo Vargas em relação a regimes tidos como
democráticos (como o dos Estados Unidos) e fascistas (como os da Itália e
Alemanha) significou uma tomada de posição dúbia em relação aos judeus: aotempo em que dizia que a questão dos judeus não era um problema para o
Brasil, evitavam a inserção destes no país, com restrições a sua imigração.
Inicio o terceiro capítulo com uma discussão sobre fascismo. A ideia de fazê-la
surgiu da necessidade de uma melhor definição da Ação Integralista Brasileira.
Seria a AIB uma organização que copiava o fascismo europeu? Seria um
fascismo à brasileira? Ou seria uma outra forma de manifestação político-ideológica? Na primeira parte da discussão utilizo as impressões e formulações
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sobre o fascismo de autores marxistas que vivenciaram a década de 1930 e,
portanto, viram o desenvolvimento e a ascensão do fascismo. Feita essa
discussão, passo a analisar o discurso do anti-semitismo na imprensa baiana.
Utilizo como fonte os jornais O Imparcial e o Diário de Notícias. Apresento os
textos de origem integralista, mas não só. Faço uma análise de como esses
jornais, independente ou não da doutrina do sigma2, almejavam disseminar o
anti-semitismo em terras baianas.
No último capítulo discuto as elaborações semitas dos intelectuais integralistas
da Bahia a partir dos escritos do principal teórico do anti-semitismo da AIB,
Gustavo Barroso. Como toda a atividade intelectual integralista estava voltada
para uma ação prática, defendo que essas elaborações chegavam a toda
organização e deveriam repercutir em suas práticas, como indicam algumas
notícias sobre as atividades da AIB por todo estado e, no caso das notícias do
jornal oficial da AIB, A Offensiva, por todo o Brasil.
Por último, gostaria de ressaltar algumas escolhas para a escrita desta
dissertação. A primeira delas é o termo anti-semitismo. A escolha dessa grafia,
e não a que está de acordo com as novas regras gramaticais – Antissemitismo
-, foi por achar que ela é mais disseminada e porque garante o destaque ao
prefixo anti . Mantive essa escolha para outras palavras de mesmos prefixo,
como anti-capitalismo, anti-comunismo e outros. O uso da palavra raça em
itálico, do mesmo modo, foi pela opção de destacar a inexistência da mesma
que foi (e muitas vezes ainda é) utilizada de forma errônea para definir
diferentes povos. Por último, apenas utilizo o sic quando são palavras
perceptivelmente grafadas de forma incorreta por erro de digitação ou deconcordância e ortográficos, já que optei por manter a grafia de fontes e
bibliografia de acordo com o original.
Anti-semitismo e integralismo. Eis dois temas que compõem esse trabalho. São
temas aparentemente distantes, mas de repercussões atuais. As
2 O sigma era o símbolo da Ação Integralista Brasileira e foi adotada, segundo o seu principal
líder, Plínio Salgado, porque: “O sigma que adoptamos nos uniformes dos “camisas-verdes” e na bandeira do Integralismo (Sigma), indica em mathematica o symbolo do calculointegral.” (SALGADO, 1933)
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manifestações de extrema-direita crescem no país. As ocorrências dessas
manifestações têm sido registradas cada vez mais pela imprensa. Grupos
neonazistas e mesmo organizações de cunho integralista têm surgido e se
colocado nas ruas. Em cidades como São Paulo e no sul do país essas
ocorrências são maiores ainda, mas não só. Quando escrevi esse projeto, no
ano de 2008, havia encontrado no centro de Salvador, panfletos integralistas
conclamando a população contra o “comunismo de Lula e da América Latina”.
A repercussão ainda se limita a um número muito pequeno de pessoas, mas
nunca é tarde para relembrar o que esses movimentos significaram na História
contemporânea. Aliado a esse discurso, uma revista de ampla circulação
nacional, a Veja, vem criminalizando os movimentos sociais e defende a
criação de uma lei anti-terror no país, com o argumento de que provavelmente
existam (em que pese a revista confirmar a existência) diversas células
terrorista de fundamentalistas islâmicos, mas o objetivo são outros, como a
própria revista diz:
O principal motivo para isso é a falta de uma legislação
antiterror. É por tal motivo que a PF, quando prende um
desses ativistas, se vê obrigada a enquadrá-la em crimes demenor gravidade – e, consequentemente, não consegue
mantê-lo na cadeia. A resistência do governo brasileiro em
aprovar uma lei contra o terrorismo tem um componente
ideológico. Se ela fizesse parte do Código Penal, integrantes
de “movimentos sociais” que promovem atos de vandalismo
em nome de suas causas retrógradas poderiam ser
processados e condenados rapidamente.3
Sempre alerta!
3 Grifos meus. Revista Veja, Edição 2.211, ano 44, n.º 14, 06 de abril de 2011.
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CAPÍTULO I
REFLEXÕES SOBRE O ANTI-SEMITISMO
(ou A difícil tarefa de analisar a complexidade da perseguição aos judeus)
Nada de triste existeQue não se esqueça
Alguém insisteE fala ao coração
Tudo de triste existeE não se esquece
Alguém insisteE fere no coração
(Conversando no Bar, Milton Nascimento)
Inicio essa dissertação com uma reflexão teórica que se justifica por estar
diretamente ligada a uma das problemáticas dessa pesquisa que é a afirmação
de manifestações não violentas, ou seja, físicas, do anti-semitismo na Bahia.
Essas afirmações são corroboradas por dois judeus brasileiros que iniciaram
suas vivências políticas na Era Vargas, Boris Tabacoff e Jacob Gorender 4,
além de Esther Largman, em seu livro Judeu nos Trópicos. Gorender diz que
“(...) havia uma preocupação muito grande entre os judeus com o crescimentodo anti-semitismo.”5, ou seja, mesmo não havendo uma concretização de
agressões físicas por parte dos anti-semitas na Bahia, havia um medo da
comunidade judaica de que o mesmo chegasse. Dessa memória depreende-se
a importância de refletir sobre quais maneiras ele se manifestava, já que
quando se fala de anti-semitismo nos remetemos quase de imediato a duas
situações em que houve manifestações violentas e de perseguição, agressão e
assassinato de judeus: à Inquisição católica e ao Holocausto nazista.
A racialização dos judeus no anti-semitismo moderno é uma característica
importante e merece algumas reflexões. Principalmente por estar
4 Ambos comunistas, a época, sendo que o primeiro foi expulso do Partido Comunista em1953, e posteriormente viria abandonar o comunismo, se tornando presidente da FIESP.Para saber mais sobre a vida de Boris Tabacoff ver: TABACOFF, Boris. Achados & Perdidos.São Paulo. Editora HUCITEC, 2005
5 Entrevista ao PROJETO MEMÓRIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL. Que pode serencontrado no site: www.mme.org.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp? Acessado em:23 de dezembro de 2009.
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pretensamente embasado em métodos científicos de análise, sendo esse um
dos diferenciais do anti-semitismo, ou anti-judaísmo, pré-moderno.6
Juntamente com a noção de racialização é importante refletir algumas
questões que dizem respeito ao próprio judeu e sua inserção na sociedade
capitalista. Da fama de “financiador do capitalismo” à de “trabalhador
comunista” e, portanto, “subversivo”, a presença dos judeus nos diversos
movimentos das distintas classes sociais foi (e de certa forma ainda é) um
elemento de relevância para a idealização de um movimento judaico
internacional que visava destruir os valores da sociedade ocidental cristã.
Por último, e não menos importante, é necessário compreender o anti-
semitismo em seus diversos aspectos. Ele não se manifestou de forma racional
ou irracional. Ele se apresentou com um grau de complexidade que utilizou
tanto elementos objetivos quanto subjetivos, não só no campo político-
econômico, a partir de seu posicionamento nas classes, ou nas elaborações
raciais científicas que buscavam uma justificativa concreta para a inferiorização
do judeu e/ou para a sua classificação como irremediavelmente desonesto,
usurário, trapaceiro, mas também na subjetividade de todos esses aspectos, a
partir de bases mitificadoras, como apresentado pelo psicanalista austro-
húngaro Wilhelm Reich7.
6 Chamo de anti-semitismo moderno aquele que se preocupa em ir além do aspecto religiosopara explicar o por quê da necessidade dos judeus serem excluídos e /ou expurgados dasociedade. Ele se baseia principalmente num discurso científico. Problematizarei, mais afrente, a ideia de um anti-semitismo “milenarizado”, já que tendo concordar com a opiniãode que o anti-semitismo é fruto da modernidade, a partir da racialização do semita. Sobre asoutras manifestações de ojeriza aos judeus seria mais coerente caracterizá-las como anti- judaísmos, já que se pautam ou na religião ou na cultura judaica, ou mesmo naancestralidade, não necessariamente vinculada a uma ideia de raça semita. Sobre pré-moderno, se refere ao período anterior e genericamente chamado de moderno que temcomo principal marco a fundação dos Estados-nações e o desenvolvimento do Iluminismona Europa.
7 Na verdade ele nasceu em uma região hoje pertencente à Ucrânia, chamada Galícia,
noroeste ucraniano, na época, em 1896, pertencente ao Império Austro-Húngaro. A obraaqui analisada é: REICH, Wilhelm. Psicologia de Massas do Fascismo. São Paulo. EditoraMartins Fontes, 1988.
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Sobre essa complexidade Reich, analisando a questão do fascismo, aponta
para uma relação direta com aspectos biopsíquicos do homem que se
dividiriam em três níveis:
1) O nível superficial, em que percebemos o homem da cooperação social. É
aquele onde observamos que um “...homem médio é comedido, atencioso,
compassivo, responsável, consciencioso.”
2) Um nível intermediário “...constituído por impulsos cruéis, sádicos lascivos,
sanguinários e invejosos.” Nesse nível o homem se comporta dessa forma
porque é impelido a reprimir o seu cerne biológico.
3) O nível do cerne biológico que é aquele em que, em condições sociais
favoráveis, apresenta o homem como um animal racional de essência honesta,
trabalhadora, amorosa e cooperativa que tendo motivos odeia. (cf. REICH,
1988, p. XVII)
Problematizarei essas exposições de Reich mais adiante quando discutir os
elementos endógenos e exógenos do anti-semitismo, mas esse trecho serve
para ilustrar a tentativa de Reich de analisar questões racionais e irracionais
vinculadas ao ódio aos judeus. Ele ainda diz que “… a e xtensão da violência e
a ampla propagação desses 'preconceitos raciais' são prova da sua origem na
parte irracional do caráter humano. A teoria racial não é uma criação do
fascismo. Pelo contrário, o fascismo é um produto do ódio racial e a sua
expressão politicamente organizada.” (REICH, 1988, p. XXI)
Interessa aqui ponderar sobre o caráter meramente racional dado pelo
psicanalista à subjetividade, em que pese ser essa uma análise psicanalista e
não historiográfica; retomarei a questão mais à frente, mas o trecho
complementa a alusão de ir além de uma análise somente objetivista ou
funcionalista do anti-semitismo, apesar de sua tentativa, no campo teórico, de
se validar como empírico.
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1.1. Os Judeus e A Questão da Raça
Gostaria de tocar no ponto que se refere à categorização dos judeus enquanto
raça. Importante essa discussão porque traz luz ao debate que se estabelece
em torno das continuidades e rupturas do anti-semitismo. Defendo que a
racialização do judeu é um elemento diferenciado no anti-semitismo moderno,
com base na “cientifização” da sociedade. Para os intelectuais do século XIX,
não caberia mais uma argumentação de inferioridade racial dos homens
baseada em superstições ou meramente no argumento religioso, eram
necessárias comprovações científicas, com base em pesquisas, em dados
adquiridos a partir da observação e dos estudos sociais e biológicos para se
definir a inferioridade de um grupo social, e/ou povo, normalmente denominado
de raça ou subraça, com o interesse de apartar e/ou exterminar o “objeto” de
estudo da sociedade após a comprovação científica da impossibilidade de
assimilação, ou de assimilação condicional, daquele indivíduo ou grupo numa
determinada sociedade8.
Segundo Nei Lopes que, em sua obra, cria dois personagens que explicam aos
seus filhos o que seria o racismo, a origem da palavra raça vem do italiano
razza e tinha um sentido de índole. Ele afirma que só depois de um tempo, já
no período Iluminista, é que passou a se referir a cada uma das variedades da
espécie humana ou animal. Originalmente hierarquizava, de forma
depreciativa, as raças consideradas civilizadas e as selvagens. Só
posteriormente mudará a sua hierarquização para uma perspectiva de raças
inferiores e superiores. E essa diferença é importante, porque para o primeiro
momento o critério de racialização a partir do referencial civilizatório significavaque qualquer um poderia mudar sua situação, bastando aceitar o modelo de
civilização vigente. No caso da racialização a partir de raças superiores e
inferiores essa mudança passa a ser mais difícil porque ao se referenciar em
questões que estariam biologicamente pré-estabelecidos a mudança evolutiva-
racial se torna improvável ou impossível. No entanto, as coisas não eram tão
8 Uma obra que traz importantes contribuições para essa discussão, e que será utilizada pormim nessa discussão, é: POLIAKOV, Léon. O mito ariano. Coleção Estudos, n.º 34. SãoPaulo. Editora Perspectiva. 1974
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simples. A teoria racial pretensamente biológica não era tão rígida assim, já
que mesclava seus referenciais científicos com religião e outras mitologias.9 A
discussão que segue visa, justamente, desconstruir essa idéia de rigidez das
ciências.
Vale a pena trazer aqui um breve resumo das reflexões do historiador Léon
Poliakov que estuda a evolução histórica do mito ariano, mas não só, já que ele
também recupera as fontes do racismo e dos nacionalismos desde antigos
mitos de origem e as vinculações destes com o processo histórico de
racialização; e a partir da historiadora brasileira Lília Schwarcz que analisa de
que forma essa racialização científica chegou ao Brasil e aqui foi apropriada na
perspectiva da construção de um racialismo à brasileira. O que me interessa
prioritariamente nesse momento, do texto de Schwarcz, é exatamente o que
ela traz das contribuições estrangeiras.
Para Poliakov o racismo do Conde francês Joseph Arthur de Gobineau (1816-
1882) e seus contemporâneos, inclusive para o socialista “utópico”10 Claude
Henri de Saint-Simon11, seria uma tentativa de explicação que mesclava razão
e relações com o misticismo religioso que tinham origens no século XVIII e que
a partir dessa mescla tirava, inclusive, posicionamentos políticos, já que era de
bom tom discutir política junto com ciência. Eric Hobsbawm diz que nessa
época os filósofos e pensadores, de modo geral, estavam em maus lençóis, já
que eram vistas como pensadores abstratos e de nenhuma relevância, com
algumas exceções como o positivismo francês de Augusto Comte, o empirismo
inglês de John Stuart Mill e Hebert Spencer, este último chamado pelo
historiador egípcio, radicado na Inglaterra de “...o medíocre pensador, cujainfluência era então maior do que a de qualquer outro no mundo...”
9 LOPES, Nei. O racismo explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro. Agir, 200710 Entre aspas porque a definição de socialista utópico não é da época e sim de período
posterior e estruturado por Friedrich Engels em “Do socialismo utópico ao científico”. 11 Conde de Gobineau: nobre francês de origem aristocrática é o autor do livro Ensaios sobre a
desigualdade das raças humanas (1853), um dos marcos da teoria racialista mundial. Umfato curioso foi que o Conde de Gobineau foi representante diplomático da França no Brasil,nos anos de 1869-70, em que classificava os brasileiros como “degenerados e malandros” .(RAEDERS, 1988, p. 10)
Saint-Simon: Socialista reformista francês, um dos principais socialistas utópicos e um dosfundadores do socialismo moderno, ao conceber uma sociedade futura dominada porcientista e industriais. (In: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SaintSim.html)
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(HOBSBAWN, 2007, p. )12. Mas esses homens das ciências de Hobsbawm
estão ligados às tentativas de “inserirem” nas ciências humanas o modelo das
ciências biológicas e criminais.
Dentro dessa discussão de racialização e hierarquização das raças havia
grupos distintos. Uma parcela desses cientistas acreditava que a razão, apesar
das diferenças, poderia “nivelar” as raças trazendo a ideia de humanização a
partir da civilização, a exemplo de Pierre Cabanis. Essa abordagem parece
carregar aquilo que vimos acima sobre uma hierarquização muito mais
relacionada ao processo civilizador (que dividia as raças entre selvagens ou
não) do que a uma superioridade racial de cunho biológico. Outros acreditavam
que a religião pudesse salvar e igualar os seres humanos. Poliakov diz que
essa perspectiva tinha muito mais aceitação entre os ingleses. Mas havia
aqueles que não acreditavam na igualdade dos homens, nem pela razão nem
pela religião. Era o caso de Victor Courtet d'Isle que defendia que o conceito de
liberdade era algo abstrato que estava muito mais no plano do desejo do que
da prática concreta. Daí ele “ propunha como remédio uma acentuação das
diferenças raciais, de modo que não se pudesse mais invocar a igualdade .”
(POLIAKOV: 1974, p. 201)
Como disse acima os embates no campo intelectual eram diversos, contudo
parece que o último grupo, que defendia uma desigualdade racial acabou por
servir mais aos propósitos políticos de justificativa para a subordinação de uma
dita raça sobre outra com o pretexto de superioridade, ou mesmo que as
funções destas pretensas raças eram distintas, sendo que umas existiam para
mandar e outras para servir. 13
Sobre essa apropriação política Schwarcz reflete o seguinte:
Assim, interessa compreender como o argumento racial foipolítica e historicamente construído nesse momento, assim
12 HOBSBAWM, Eric. Ciência, religião, ideologia. In.: A Era do Capital 1848-1875. Rio deJaneiro, 2007.
13 Poliakov cita o caso de interpretações que colocavam os povos de origem ariana, como os
anglo-saxônicos, ibéricos e germânicos que teriam uma propensão natural para comandarenquanto que os eslavos teriam uma propensão natural para trabalhar e, portanto, paraserem comandados.
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como o conceito raça, que além de sua definição biológicaacabou recebendo uma interpretação sobretudo social. O termoraça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo enatural, é entendido como um objeto do conhecimento, cujo osignificado estará constantemente renegociado eexperimentado nesse contexto histórico específico, que tantoinvestiu em modelos biológicos de análise.14 (SCHWARCZ:2001, p. 17)
Essa apropriação política teve vários propósitos. Justificativas para a
dominação imperialista, para a escravidão15 ou mesmo como base para
projetos nacionalistas. (cf. HOBSBAWN op. cit.). No caso dos judeus serviu
para apartá-los do convívio com seu meio social, fora da comunidade judaica,
tendo uma relação aparentemente direta com os projetos nacionalistas. Digo
aparentemente porque em diversos locais onde o anti-semitismo moderno
ganhou corpo os judeus já estavam num processo de assimilação muito
avançado, como é o caso da Alemanha da década de 1930, o que significa, a
partir de uma análise bem superficial, que esses judeus já se sentiam parte
desse país.16
A impossibilidade de adaptação das raças, mesmo pela conversão religiosa ou
pelo processo civilizador, serviu de argumento ao franco-inglês W. F. Edwardsque, com isso, questionava a teoria do clima e sua correlação com a
hereditariedade racial e de origem físico-moral. Para provar essa
inadaptabilidade ele cita o caso dos judeus e sua impossibilidade de adaptação
moral e física nos diferenciados lugares em que se instalaram. (POLIAKOV,
1974, op. cit. p. 209). Contudo o exemplo judeu não significava que todos os
racialistas considerassem os judeus como inferiores. Benjamin Disraeli, futuro
primeiro-ministro britânico,17
e de origem judaica, classificava os judeus comorepresentantes verdadeiros da raça caucasiana. Poliakov traz a seguinte
14 Grifos da autora.15 Principalmente para os liberais brasileiros da primeira metade do século XIX que defendiam
a escravidão como um direito baseado na superioridade racial e levantavam críticas àsintervenções inglesas utilizando o argumento de livre mercado para manutenção da mão-de-obra escravizada. Para saber mais ver: BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. SãoPaulo. Companhia das Letras, 2004.
16 O processo de assimilação dos judeus na Alemanha se dava, nos principais centros, muito antes de sua
unificação (1871). Para saber mais ver: MARX, Karl. A questão judaica.17 Disraeli foi primeiro-ministro do Reino Unido por duas vezes. Uma rápida passagem no ano
de 1868 e, posteriormente, entre os anos de 1874-1880.
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citação de Disraeli, de sua obra Coningsby , publicada em Londres - Inglaterra,
no ano de 1844:
O fato é que não podeis destruir uma raça pura da organização
caucásica. É um fato fisiológico... Neste momento, apesar dosséculos e das dezenas de séculos de degradação, o espírito judeu exerce vasta influência nos negócios europeus. Não falode suas leis, às quais ainda obedeceis, nem de sua literatura,da qual estão saturados vossos espíritos, mas o intelectohebraico vivo. Não há grande movimento intelectual na Europano qual o [sic] judeus não desempenhem um grande papel. Osprimeiros jesuítas foram judeus; a misteriosa diplomacia russaque tanto perturba a Europa Ocidental é conduzidaprincipalmente por judeus; esta revolução poderosa, que seprepara neste momento na Alemanha, e que é tão poucoconhecida na Inglaterra, se tornará uma segunda e mais vastaReforma, desenvolveu-se totalmente sob os auspícios judeusque quase chegam a monopolizar as cátedras da Alemanha...(Disraeli APUD Poliakov, 1974, p. 215)
Curiosamente a “ode” aos judeus, feita por Disraeli serviu para que os anti-
semitas criassem a ideia de uma conspiração mundial judaica de tomada do
poder.
Disraeli e Courtet de d'Isle aparecem como nomes que influenciaram o CondeJoseph Arthur de Gobineau, talvez um dos principais teóricos da racialização.
Gobineau é tido como um dos inspiradores do racismo nazi-fascista. Porém, o
racialista francês pode não ter tido um posicionamento otimista em relação à
possibilidade de igualdade entre as raças, mas não chegou a desenvolver algo
sobre as “raças inferiores” em suas especificidades, nem sobre os judeus, nem
sobre os negros, nem sobre qualquer outro, mas acreditava na supremacia
branca como podemos ver na citação abaixo:
O fato fundamental no progresso ou na decadência das naçõesnão é a religião, a moral ou um bom governo, mas o fatorracial. A pureza racial, se a raça for bem dotada, é a condiçãonecessária e suficiente para que se realize o progresso dasociedade de sua civilização, e para que fique obstada suadegenerescência e seu consequente extermínio. Toda misturaé uma contaminação que vicia as fontes do progresso. Afirmoque existe uma desigualdade das raças quanto ao seu valor:umas são superiores, outras inferiores. Das três raças
originalmente existentes - a branca, a amarela e a negra – aprimeira, particularmente seu ramo ariano, mostrou-se a mais
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criadora e sob sua égide constituíram-se as grandescivilizações da história. (GOBINEAU Apud LOPES, 2007, p. 25-26)
Apesar de negar os preceitos religiosos, como podemos ver nesse trecho,
Poliakov afirma que a teoria de Gobineau se vinculava com a cronologia
bíblica, mais uma característica do racialismo do século XIX, inspirador do anti-
semitismo do século XX. Sobre isso Reich traz mais uma contribuição: “O
caráter sádico-perverso da ideologia da raça revela-se também na atitude
perante a religião. O fascismo seria um retorno ao paganismo e um
arquiinimigo da religião. Muito pelo contrário, o fascismo é a expressão máxima
do misticismo religioso.” (cf. REICH, 1988, p. XXI)
Theodor Adorno e Max Hokheimer fazem um vínculo direto com o cristianismo,
da seguinte forma:
Desde os primeiros dias, o cristianismo teve essepressentimento, mas só os cristãos paradoxais, os anti-oficiais,de Pascal a Barth passando por Lessing e Kierkegaard, fizeramdele a pedra angular de sua filosofia. Nessa consciência, elesforam não somente os radicais, mas também os tolerantes.
Mas os outros, que recalcavam esse pressentimento e, com máconsciência; procuravam se persuadir do cristianismo comouma posse segura, tinham que buscar a confirmação de suasalvação eterna na desgraça terrena daqueles não faziam oturvo sacrifício da razão. Eis aí a origem religiosa do anti-semitismo. (ADORNO E HOKHEIMER, 2006, p. 148, grifomeu)18
O pressentimento a que se remete o trecho se reflete à contradição cristã que,
segundo os autores, ao mesmo tempo que se pretende espiritual (já que a
salvação é espiritual, segunda a máxima do “dai a César o que é de César”),
na prática não só está em constante negociação com o poder terreno, como o
formata a partir de seus próprios interesses. Porém o que isso tem a ver com
que foi dito até agora? Tudo. Para os intelectuais da Escola de Frankfurt essa
ligação religião-poder político se liga diretamente com a postura do fiel frente
ao seu posicionamento em relação ao denominado outro, aquele que não se
18 ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Elementos do Anti-Semitismo: Limites doEsclarecimento. IN: Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro, JorgeZahar Editores, 2006. Tradução: Guido Antonio de Almeida. p. 139 – 171
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“encaixa” nessa sociedade cristã, apesar de se auto-declarar sociedade laica.
Enquanto a religião exige uma doação do fiel a partir da fé e da obra, sem ter a
garantia de um retorno, já que a escolha de ser ou não salvo não cabe ao fiel,
mas sim a Deus e seus representantes (terrenos ou celestiais), ele busca sua
própria justiça. Daí sua indignação contra o judeu que não compreende nem a
razão ligada, obviamente, ao pensamento cristão, e nem a religião “certa”, o
cristianismo. Aí a mescla entre as duas formas de anti-judaísmo, o científico e o
religioso.
E essa é uma das grandes discussões em torno do racismo, a relação entre
este e o místico. Poliakov cita o caso de dois nomes eminentes na
intelectualidade do século XIX, Johann Fichte e Friedrich Schelling. Para o
primeiro o que determinava a superioridade de uma raça sobre a outra não era
o seu fenótipo, mas sua origem. O termo “raça branca” para ele era muito
genérico, os judeus, por exemplo, eram brancos fenotipicamente, mas de
origem distinta daqueles reais representantes dessa raça: os povos de origem
germânica. Para isso, segundo Poliakov, ele utilizava um juízo metafísico,
então: “ Assim, pois, a filosofia alemã continuava a tratar das 'relações entre o
físico e o moral' pelo viés do moral: o 'invisível' devia manifestar o visível, a
matéria era de certa forma secretada pelo pensamento” . (POLIAKOV, 1974, p.
222)
Schelling, por sua vez, considerava os judeus como um não-povo, contudo os
via com bons olhos já que essa classificação de não-povo não tinha um sentido
anti-semita e sim de representantes da raça pura, sem vínculos necessários
com algum povo para se constituir enquanto uma raça. Essa raça superior,iluminada19, era a raça branca, que para Schelling tinha um caráter bem geral,
não importando se eram germânicos, eslavos, judeus ou qualquer outro povo.
O contato desse homem espiritualmente superior com aqueles que não
conseguiram atingir esse grau de evolução espiritual seria benéfico para o
mesmo, como no caso dos negros escravizados, posto que estariam
predestinados a escravidão ou a extinção. Por outro lado Fichte “era partidário
19 Para Poliakov, Schelling “ parecia inicialmente julgar as diferentes raças humanas segundoo clássico espírito das Luzes.” (p. 222)
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da emancipação dos judeus, precisamente porque não via de que outra
maneira se poderia fazer com que renunciassem às suas crenças, que de
forma alguma lhe pareciam enraizadas em seus corpos.” (POLIAKOV, 1974, p.
225)
Essa última situação acabava por colocar os judeus numa situação dúbia. Ao
mesmo tempo em que, por se diferenciarem apenas pelo seu comportamento
religioso, social e cultural, eles seriam assimiláveis, outros intérpretes viam
nisso um perigo maior exatamente porque os judeus seriam um elemento
subversivo daquela ordem social difícil de ser identificado e, por isso mesmo,
de ser erradicado da sociedade de maneira a não mais desequilibrar tal ordem.
Poliakov diz que a origem mítica da superioridade da raça ariana é fortemente
marcada por uma fé nas origens diferenciadas de outros povos, mas o que
acabou por vencer não foi necessariamente o orgulho dessa origem diferente,
arianos oriundos da Índia, e sim a relevância que foi dada, pelos anti-semitas,
de ser uma origem diferente da dos judeus e, também, das outras raças
consideradas inferiores. O trecho abaixo ilustra bem o assunto:
Em 1904, um espírito crítico francês, Jean Finot, assimdeterminava a situação:
Estes produtos da imaginação científica, acolhidoscegamente, sem a menor crítica, passaram além disso, paraos manuais de História e de Pedagogia. Hoje, dentre 1.000europeus instruídos, 999 estão persuadidos daautenticidade de suas origens arianas (...) Isto tornou-sequase um axioma. Depois desta doutrina tão profundamenteenraizada na consciência européia, a Sociologia, a História,a Política e a Literatura modernas não cessaram de opor osarianos aos outros povos semitas ou mongóis. A origem
ariana tornou-se numa espécie de fontes benfazeja de ondefluem a alta moralidade da Europa e as virtudes de seusprincipais habitantes. Quando se procura comparar, deacordo com o jargão sociológico atual, duas mentalidades,duas morais, diz-se correntemente “ariano” e “anariano”.Crê-se então ter dito tudo. (POLIAKOV, 1974, p. 266)
Mas existiam aqueles que pensavam diferente de Fichte e Schelling e
naturalizavam a ojeriza aos judeus, considerado-a como inevitável. A citação
abaixo é do livro Kulturgerschichte, de Von Hellwald: “O preconceito antijudeu é
uma espécie de sentimento instintivo e natural, que se manifesta onde quer
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que homens de raça diferente entrem em contato.” (Idem , p. 263) Esse tipo
pensamento caiu como uma luva nas mãos dos anti-semitas e ecoou no século
XX.
1.2. Questões Contemporâneas Sobre Raça e A Questão Judaica
Acima demonstrei que para a historiadora brasileira Schwarcz interessa mais o
sentido social e político dado ao racismo do que sua conceituação científica
biológica. Obviamente que existe uma ligação direta entre um e outro porque,
como também disse anteriormente, a apropriação desse conceito pelas
ciências humanas se deu junto com o anseio de tornar esta área supostamente
mais científica, se aproximando não só das metodologias de análises das
ciências naturais bem como de seus objetos de pesquisa.
O caráter político do racismo resistiu (e ainda resiste a meu ver) mais tempo do
que sua matriz científica. Schwarcz diz que na Europa a abordagem das raças
humanas no campo das ciências biológicas entrou em desuso ainda nos anos
de 187020, mas no campo das ciências sociais e até mesmo da História essas
abordagens eram usadas para validar as ações imperialistas de dominação de
outros povos, principalmente após a partilha do continente africano no final do
século XIX. Mesmo em relação a sua aplicação no campo das ciências
biológicas há de se ter cuidado com essa afirmação, já que, mesmo que tenha
iniciado seu declínio, ela foi utilizada ainda como válida por médicos,
sanitaristas, dentre outros, como teoria de análise até pelo menos, a primeira
metade do século XX.
Nessa discussão vale a pena trazer as reflexões do sociólogo polonês,
radicado na Inglaterra, Zygmunt Bauman. Seria o anti-semitismo um tipo de
racismo? E mais. O racismo existe de fato?
20 Segundo essa mesma autora, aqui no Brasil tais conceitos chegavam e eram apropriados
de maneira particular. Ela ainda afirma que tal apropriação não seguia uma lógica europeia,podendo, inclusive, mesclar linhas teóricas divergentes, mas igualmente úteis aos propósitosbrasileiros, como o positivismo e o darwinismo-social.
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Sobre anti-semitismo o autor afirma que sua utilização é errônea, já que
mesmo os nazistas não utilizaram no período da guerra por causa do seu
significado semântico. Utilizar anti-semitismo significava transformar o judeu
em um grupo social organizado, o que significava territorializar o conflito, e um
dos elementos discursivos dos nazistas era exatamente o de que os judeus
não tinham pátria e não eram assimiláveis, por isso mesmo, descartáveis para
qualquer projeto de nação. Bauman, assim, difere a posição do judeu no
conflito intergrupal, por não existir um conflito por territorialidade. De fato a
desumanização do outro grupo, fossem judeus, ciganos, negros ou eslavos, fez
parte dos planos alemães, mas quando o autor reivindica existir territorialização
para que haja conflito intergrupal ele reproduz o sentido dado à prática racista
de desterritorializar o outro.
Explicarei melhor o que eu quero dizer. O mito ariano se funda na
superioridade racial de uma raça sobre outra. Dessa forma, o caminho natural
seria a raça ariana, dominar as outras a partir da conquista dos seus territórios.
Aí se baseia a territorialização dos conflitos entre o III Reich e os outros países,
principalmente os países do leste europeu, considerados como natos à
submissão e ao trabalho. Quando Bauman traz o argumento, a da não
existência da territorialização dos judeus (bem como dos ciganos) e daí a não
possibilidade de se denominar anti-semitismo a perseguição aos judeus à
época acaba por concordar que de fato os judeus não tinham vínculos com a
terra, não faziam parte de algum território, ou seja, eram de fato estranhos
àquele país.
Acho importante ressaltar que o conceito de territorialização utilizado pelo autorse embasa nesse mito de origem. Entendo que o enraizamento dos grupos
sociais não perpassa apenas por isso, aliás, penso que tal aspecto só ganhará
grande relevância a partir da criação dos Estados-nações. Portanto, a despeito
desse critério, os judeus eram sim territorializados, já que, em muitos casos,
viviam há séculos em uma mesma localidade e se sentiam pertencentes a ela.
Esse conceito de territorialização demonstra de maneira contundente a ligação
existente entre esse cientificismo e a religião, porque, no final das contas,quem define o pertencimento acaba sendo a filiação religiosa, tomando-se
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sempre o cuidado de que quando se é necessário fazer esse recorte - religião -
é apenas numa perspectiva metodológica, não compreendendo as outras
dimensões sociais, como a político-econômica.
Indo à segunda questão.
“A modernidade tornou possível o racismo.” (BAUMAN, 1998, p. 83). Com essa
afirmação Bauman faz o seu elo entre o pensamento moderno e racismo. O
autor argumenta que a conceituação do fenômeno racismo é comumente
vinculada a qualquer forma de ressentimento, preconceito grupal ou conflito
inter-grupal. Para Bauman os trabalhos historiográficos e etnológicos
documentam uma constância e universalidade da tendência a abominar e
manter a distância grupos estranhos (estrangeiros). A partir daí ele traz a
contribuição de Pierre-André Taguieff e os seus três níveis de racismo. (cf.
BAUMAN, 1998, p. 84.)
De acordo com Taguieff o racismo primário é universal, sendo que ele defende
que a ojeriza a grupos estranhos faz parte de nossa construção biológica,
assimilada desde outros tempos, onde o medo a outros grupos que nos fez
sobreviver. Esse racismo primário é uma resposta ao estranho e não precisa
de uma inspiração, instigação ou teoria, já que é nato ao ser humano. No
racismo secundário a aversão ao outro ganha uma argumentação lógica e é
racionalizada pela ideia de ameaça do estranho que seria o contraponto ao
bem estar do grupo a exemplo da xenofobia ou etnocentrismo. Já no terciário
encontramos a seguinte característica: “...mistificador, que pressupõe os outros
dois níveis inferiores, distingui-se pela utilização de argumentos quase
biológicos.” (BAUMAN, 1998, p. 85) Esse racismo terciário seria, então, algopróximo do racismo moderno, das ciências.
Antes de tudo, vale lembrar que Reich, a partir de suas análises, chega a um
resultado oposto ao de Taguieff. Ao contrário do francês, o psicanalista austro-
húngaro vê um homem que tem uma tendência natural a se sociabilizar e viver
com o outro de forma harmônica, é o que apontamos acima como o cerne
biológico.
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A teoria de Taguieff, em sua raiz, naturaliza o comportamento racista. Mas, é
importante apontar que o sociólogo polonês critica o aspecto mistificador do
racismo terciário, pois para ele Taguieff teria sido mais feliz se tivesse
respaldado o caráter científico-biológico do mesmo, ou seja, não é quase
biológico o argumento, mas totalmente biológico. E é a partir desse caráter
científico-biológico que Bauman fará sua diferenciação entre heterofobia e
racismo.
Nela Bauman trouxe uma importante contribuição que é a atemporalidade da
heterofobia, já que se basearia no ressentimento ao outro e não a uma raça
que, para esse autor, é fruto da modernidade, no que ele tem razão. No
entanto, Bauman confere uma carga muito grande de subjetividade à
heterofobia. Ele traz uma irracionalidade heterofóbica, colocando-a como fruto
de uma ansiedade incontrolável. Penso que se esse argumento for verdadeiro
teremos que forjar outro conceito para ser utilizado atemporalmente nos casos
de conflitos inter-grupais. Por mais que esses conflitos tenham aspectos
subjetivos fortes não podemos descartar suas questões objetivas. Usando o
exemplo de nossos antepassados mais longínquos, conforme faz a teoria de
Taguieff, um grupo rivalizava com outro por questões objetivas como obtenção
de alimentos, água, etc..
O autor ainda traz mais uma categoria, que ele difere do racismo e da
heterofobia: a inimizade coletiva. Ela seria, “antagonismo mais específico
gerado pelas práticas humanas de busca de identidade e estabelecimento de
limites.”, nas quais “os sentimentos de antipatia e ressentimento parecem mais
apêndices emocionais de atividade de separação; separação que por si mesmarequer uma atividade, um esforço, uma ação continuada.” (BAUMAN, 1998, p.
86-87) Para mim a dissociação dos três conceitos empobrece a discussão.
Avalio importante fazer mais uma citação do autor sobre o racismo:
“Resumindo: no mundo moderno, caracterizado pela ambição do autocontrole e
da autogestão, o racismo declara certa categoria de pessoas endêmicas e
irremediavelmente resistente ao controle e imune a todos os esforços demelhoria.” (idem, p. 88)
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É presumível a concordância com Bauman nas duas questões, embora o
acordo seja parcial. Porém, perde-se ao analisar de forma superficial os
elaboradores do racismo do século XVIII ao XX. 21 Penso que para uma análise
mais detida, o autor deveria considerar que quando se faz essa análise mais
profunda da História do racismo, percebe-se que isso é relativizado exatamente
por causa da visão civilizatória de mundo do Iluminismo que via na razão a
possível salvação daqueles que estivessem abertos para isso. Não ignoro,
porém, que dentro desse debate existem os incrédulos dessa salvação e os
que defendiam (e / ou defendem) a ideia de que estes nunca chegariam a ser
iguais, mas vejo nisso um resquício das sociedades pré-modernas ou
absolutistas, com a sua visão de mundo sem mobilidade social.
Se reivindicasse a linha de raciocínio de Bauman, chegaria à conclusão de que
o anti-semitismo se encaixa muito mais na heterofobia do que no racismo, já
que ele se insere na lógica de que, mesmo renegando sua herança judaica,
ainda assim seria visto como o outro. Acredito que isso possa ocorrer, porém
não creio que haja como dissociar os três conceitos, o racismo, a heterofobia e
a inimizade competitiva. O anti-semitismo é racista por racializar o judeu como
inferior, desagregador; é heterofóbico por colocar o judeu como o outro,
indesejável por ser estrangeiro e que tenta se assimilar de forma contagiosa a
essa sociedade que busca o equilíbrio; e é inimizade competitiva porque a
negação do judeu se faz necessária, como vimos anteriormente, enquanto
indivíduo e enquanto religioso, para a criação de uma identidade antagônica à
negada e ainda tenta estabelecer limites objetivos e subjetivos, como os
relacionados ao que um judeu pode ter ou não, qual espaço pode frequentar,onde pode professar sua fé...
Num sentido contrário, principalmente se referido ao anti-semitismo, defendo a
existência do racismo, conforme o argumento do historiador brasileiro Marcelo
Badaró Mattos, que diz que se o mesmo não existe de fato ao menos
socialmente existe e serve, objetiva e subjetivamente, para uma hierarquização
21 Ele só faz isso, rapidamente, nas páginas 92 e 93 e só cita de passagem Gobineau e Levy.Para uma abordagem mais rica ver: POLIAKOV, 1974.
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social. O racismo cumpre esse papel exatamente por que necessita dessa
hierarquização para melhor explorar a partir da competitividade não apenas
extra-classe, mas intra-classe. Sua superação não está posta sem a mudança
no modo de produção vigente, o capitalismo. Somente com sua superação se
abre uma possibilidade de se extingui-lo. Abaixo as palavras de Badaró:
O núcleo duro do sistema a ser superado por qualquer projetoemancipatório consistente é a subordinação estrutural dotrabalho ao capital. Porém, não é menos verdadeiro que, noexercício da exploração / dominação de classe, é importantepara o capital estabelecer / estimular desigualdades outras, queinduzam à concorrência interna e à fragmentação da identidadeentre os trabalhadores e produzam “exércitos industriais dereserva” permanentes, ou seja, grupos de “excluídos” quecontribuam em seu conjunto para pressionar para baixo amassa salarial. (MATTOS, 2007, 174-200)
Também concordo com a socióloga Patrícia Pinho que diz o seguinte, sobre a
questão da raça, tendo como recorte a questão do negro:
Ao contrário daqueles que defendem que esta noção [de raça]deve ser usada como meio de mobilização e unificação dosgrupos que têm sido historicamente oprimidos, defendo aquique a luta anti-racista deve incluir a superação da idéia de“raça”. Quanto mais percebemos o papel da cultura e dapolítica na construção da negritude, mais fácil será reconhecero quanto esta não é determinada por características fixadaspela “raça” ou pela natureza.” (PINHO, 2004, p. 20)
O que ela traz aos negros, aplico em relação à questão do racismo aos judeus.
Entretanto sem negar, como faz Bauman, a questão do racismo, mas
colocando-o como construção social sobre o outro. Sem fazer odes à ideia de
raça, no sentido de auto-afirmação, mas desconstruindo essa noção, comopropõe Pinho e Reich.
Reich caracteriza o racismo como algo que atua muito mais subjetivamente do
que objetivamente. Para ele, explicar a um racista que raças não existem e que
são conceitos científicos ultrapassados de nada adianta. O racista tem fé
religiosa na superioridade racial e tenta fazer suas vítimas acreditarem nisso,
se utilizando da propaganda e da naturalização disso para que, inclusive, suas
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vítimas corroborem com esse pensamento.22 Então, para o psicanalista austro-
húngaro, a única forma de se combater o racismo seria demonstrando não
apenas a sua incoerência teórica, mas sim o irracionalismo contido nele, já
que: “A única maneira de abalar a teoria racial é revelar sua s funções
irracionais, que são essencialmente, duas: dar expressão a certas correntes
inconscientes e emocionais que predominam no homem [em relação] ao
nacionalismo, e de encobrir certas tendências psíquicas.” (REICH, 1988, p. 74)
E continua, após citar as contradições discursivas dos líderes nazistas:
Como tamanho disparate pode ser exposto numa “teoria” quepretendia ser a base de um mundo novo, um “terceiro Reich”?Se nos habituarmos à idéia de que a base emocional,irracional de tal hipótese devem sua existência, em últimaanálise, a fatores existenciais definidos; quando nos libertamosda idéia de que a descoberta dessas fontes irracionais deconcepção da vida, surgidas numa base irracional, significarelegar a questão para o campo da metafísica, entãocompreendemos não só as condições históricas que deramorigem ao pensamento, mas também sua substância material.Os resultados falam por si. (REICH, 1988, p. 74-75)
Wilhelm Reich não nega os aspectos objetivos. Ele defende o aspecto
econômico como base objetiva do racismo, porém sua essência (a sercombatida de forma mais efetiva) está em questões de cunho subjetivo, como a
ideia de Nação e superioridade racial. Mais uma vez dou a palavra ao autor:
Disto se conclui que as condições econômicas em que surgeuma ideologia explicam a sua base material, mas nãoproporcionam um conhecimento imediato de seu fundoirracional. Este fundo surge diretamente da estrutura docaráter dos homens, sujeitos a determinadas condições
histórico-econômico. À medida que desenvolvem a ideologia,os homens se transformam; é no processo de formação dasideologias que vamos encontrar o seu fundo material. Assim, aideologia surge com uma base material dupla: a estruturaeconômica da sociedade e a estrutura típica dos homens quea produzem, estrutura essa que é, por sua vez, condicionadapela estrutura econômica da sociedade. Torna-se claro, assim,que o processo irracional da formação de uma ideologia cria,por sua vez, estruturas irracionais, nos homens. (Idem, p. 75 e76)
22 Para uma discussão interessante sobre o processo de naturalização, cf. GRAMSCI, Antonio.Cardenos do Cárcere. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002. p. 50.
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Aponto isso como uma contribuição importante de Reich, já que ele demonstra
essa relação intrínseca entre o objetivo e o subjetivo, que parece ter sido a
tônica do racismo.
Reich ainda traz uma contribuição diferenciada por parte do ideólogo nazista
Alfred Rosemberg (1893-1946)23. Para o nazista citado, a origem das raças
nórdicas estava na Grécia. É na Grécia que a raça dos guerreiros existia e os
deuses gregos eram os heróis, ao contrário dos deuses do Oriente Próximo
que eram deuses humanizados. A derrocada da cultura superior grega se deu
a partir do contato com os etruscos e a inserção dos seus deuses entre os
adorados, em especial Dionísio e suas festas, já que para Rosemberg a
liberdade sexual trazida por esse deus trouxe a desestruturação da sociedade
grega.
O que de fundo se está condenando é a mistura de raças. Para Rosemberg a
presença do deus etrusco entre os gregos simbolizava a miscigenação a qual
se submeteu o povo grego e que coincidiu com a derrota de sua civilização; é
na pureza da raça que está o segredo do sucesso de um povo. E Rosemberg
não se limita a isso... Para ele a miscigenação entre classes diferentes também
significava derrocada de um povo. Para isso cita tanto os romanos como os
hindus. O que remete a uma outra ideia do racismo, relacionada diretamente a
sua origem fascista: para um bom funcionamento do organismo societal é
necessário não misturar as partes.
Até agora transitei por algumas formas de manifestações do racismo tentando
sempre ligá-lo ao anti-semitismo, já que é a questão do judeu que me interessaaqui. Em todas essas manifestações racistas o pano de fundo foi a sua “base
científica”. Mas, como demonstrei acima, o que estava por trás na maioria das
vezes não eram interesses meramente científicos, mas também políticos, não a
toa no campo da política ele serviu, ao menos abertamente, até o fim do
apartheid sul-africano no final da década de 1980 e ainda na década de 1990,
23 Dirigente nazista de origem estoniana, quando a Estônia ainda pertencia ao Império Russo.
Migrou para a Alemanha após a Revolução Russa de 1917. A base das reflexões de Reich parao que trato aqui é o livro “O Mito do Século XX” (no original “Der Mythus des 20 Jahrhunderts”,editora Hoheneichen - verlag), publicado, pela primeira vez, em 1930.
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no caso das justificativas das guerras e massacres na região da antiga
Iugoslávia. Além disso, trouxe também algumas reflexões sobre os aspectos
subjetivos desse racismo, principalmente a partir das reflexões de Reich que,
sem perder a relação entre o objetivo e o subjetivo, ressaltou o caráter
psicológico e irracional do racismo.
Por último vale acrescentar uma contribuição do campo da linguística, trazida
pelo ensaísta francês Jean-Pierre Faye. Segundo ele, a linguística age no
campo da subjetividade, também, e como Reich constata, quando diz que o
discurso fascista é pensado para atingir o subjetivo das massas24, ela é
pensada para tal25. Em Introdução a linguagens totalitárias26 Faye analisa as
mudanças ocorridas na forma de se relatar as questões. Ele vai posicionar no
século XIX a mudança mais efetiva na forma de se tratar os relatos que tinham
uma base quimérica (fictícia, na concepção spinoziana, segundo o autor) e
passam a buscar seu espaço do mundo das ciências. Mas ela se dá de forma a
garantir o discurso dominante. Ele cita o caso de Gobineau que serve como
ilustração dessa situação e que desloca (não só ele, mas segundo Faye ele é
uma das principais influências) a discussão da luta entre classes e a transforma
em luta entre raças.
Nas palavras do autor:
As quimeras da narração seguida pela imensa revolução foram substituídas por uma versão completamente distinta:aqueles que o Primeiro cônsul foi procurar e literalmenteencomendar “no partido contrarevolucionário” [sic], na casa deM. de Montlosier. Ali, como exporá Thierry, constrói-se uma
linguagem ou “o emprego de uma fraseologia” que, nodecorrer do processo, “substitui a ideia de classes e estratospela de povos diversos, [que] aplica à luta de classes inimigasou rivais o vocabulário pitoresco da história das invasões econquistas.”
24 Massas aqui é entendido não é entendido como grupo de pessoas amorfas e monolíticas,mas é uma forma de me referir genericamente às diversas frações que compõem as classessubalternizadas.25 Imagino haver uma ligação estreita entre o discurso e a linguística. Uma das coisas que meapontam isso é a discussão sobre verdadeiro e falso feita por Faye e por Foucault. Para ambosela é definida pelas classes dirigentes que, aí dialogando com Bourdieu, a definem sempre em
diálogo com o sentimento popular, para mais fácil serem aceitas pelos subalternizados.26 FAYE, Jean-Pierre. Introdução às linguagens totalitárias – Teoria e transformação do relato.Coleção Estudos, n.º 261. São Paulo. Editora Perspectiva. 2009
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Por sua vez, porém, tal vocabulário pitoresco e sua fraseologiavão se transformar. Para chegar finalmente à forma maisbrutal dos enunciados desta substituição:
Eles queriam a luta de classes. Eles terão o combate das raças, atéa castração.27 (FAYE, 2009, p. 13, grifos do autor)
O ensaísta francês ainda traz uma contribuição importante para compreender o
vínculo mitológico do anti-semitismo fascista citado por Reich. Eis que surge
Ernst Krieck28, ideólogo nazista discípulo de Rosemberg. Krieck antagoniza
duas formas de narrativas, a que parte do Logos (ou da Ratio) e a que parte do
Mythos. A primeira é valorativa, narra os fatos a partir do julgamento e da
decisão sobre a relação entre o verdadeiro e não verdadeiro. A segunda forma
se baseia apenas na narração do fato, no contar . A partir dessa compreensãoKrieck defende que a História contada a partir dos mitos é a forma correta;
aliás, ele coloca de forma dissociada História e mito, defendendo assim, a sua
forma de historicizar. Mas não só isso. O mito será a tônica dos discursos
totalitaristas. Contudo, aqui pode-se compreender que há uma tentativa,
mesmo que malfadada, ou como diz Faye, pobre intelectualmente, de se
vincular o mito com uma forma de se fazer ciência a partir de uma neutralidade
científica oferecida pela narrativa mitológica, pretensamente indefectível29
.
Os autores contemporâneos enriqueceram o debate sobre o anti-semitismo.
Reich se coloca entre aqueles que viram a ascensão e queda do fascismo na
Europa, mas continuou a refletir sobre o tema posteriormente. Das discussões
mais recentes, Bauman e Faye trazem contribuições que avançam ao já
colocado pela historiografia do tema.
1.3. Anti-semitismo “Por Dentro” e “Por Fora”
Nesse tópico tratarei das questões ligadas ao anti-semitismo no que se referem
às “razões” de sua existência. Razões, entre aspas, porque não está colocado
27 Segue-se a nota do autor: Lanz von Liebenfels (ver: J-P.Faye, Langage totalitaires, livro II,parte II)28 Foi membro do Clube Jovem Conservador nos anos 1920 e ingressa no Partido Nacional-
Socialista na década de 1930.29 Para mais detalhes ver o tópico O Enunciado Narrativo: Mythos contra Logos, no primeirocapítulo de FAYE, 2009.
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como justificativa real e sim justificativa construída socialmente e
historicamente.
Mas por que “por dentro” e “por fora”?
Parto da perspectiva de que a construção do anti-semitismo não é, como
afirma Jean-Paul Sartre, em Réflexions sur la question juive,30 apenas um
elemento do não-judeu para com o judeu. Existe uma relação dialética entre
esses dois elementos. Esse é um assunto polêmico e já rendeu muitos debates
sobre a principal defensora dessa ideia: Hannah Arendt31. Abaixo transcrevo
trecho em que ela apresenta sua reflexão:
A teoria que apresenta os judeus como eterno bode expiatórionão significa que o bode expiatório poderia também serqualquer outro grupo? Essa teoria defende a total inocência davítima. Ela insinua não apenas que nenhum mal foi cometidomas, também, que foi feito pela vítima que a relacionasse como assunto em questão. Contudo, quem tenta explicar por queum determinado bode expiatório se adapta tão bem a tal papelabandona nesse momento a teoria e envolve-se na pesquisahistórica. E então o chamado bode expiatório deixa de ser avítima inocente a quem o mundo culpa por todos os seuspecados e através do qual deseja escapar ao castigo; torna-seum grupo entre outros grupos, todos igualmente envolvidosnos problemas do mundo. O fato de ter sido ou estar sendovítima da injustiça e da crueldade não elimina a sua co-responsabilidade. (ARENDT, p. 25-26)
Primeiramente localizarei onde Arendt coloca essa questão.
É importante destacar a diferenciação que ela faz entre o anti-semitismo
moderno e o de outros tempos. A partir dessa questão a autora coloca as
diferenças em suas origens.
Para ela há uma diferença importante entre as manifestações contra os judeus
antes das elaborações racialistas da modernidade e depois. A diferença
estaria, exatamente, no que já expus no início do capítulo. Ou seja, as
30 Publicado no Brasil com o título: A Questão Judaica. Editora Ática, 1995.31 A obra referência aqui é: ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Companhia dasLetras, São Paulo. 2007
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perseguições aos judeus antes das elaborações racialistas estariam ligadas
discursivamente às diferenças religiosas. Os judeus não eram colocados como
raça inferior, mas sim como assassinos de Jesus e que renegavam a fé cristã.
Por outro lado, as elaborações racialistas colocavam a perseguição num outro
patamar e, junto com o projeto de criação das identidades nacionais, não
apenas de perseguição religiosa, mas uma perseguição respaldada na ciência,
como vimos no tópico acima.
Portanto no primeiro momento caberia mais o termo de anti-judaísmo, já que
estava diretamente ligada à religião e aos modos de ser dos judeus 32; no
segundo momento se vinculava à questão da racialização judaica e mesmo
que isso não significasse um abandono à questão religiosa o que se destacava
discursivamente era o aspecto racial.
Em ambos os casos, não só para Arendt, bem como para Abraham Leon 33, a
questão econômica estava diretamente ligada a essas perseguições. Nesse
sentido podemos verificar aspectos de fora e de dentro das comunidades
judaicas. Claro que mantendo as especificidades. As comunidades judaicas no
centro-oeste europeu estavam ligadas a atividades urbanas, ao comércio,
quando ainda essas atividades eram de pequena importância. Foram impelidos
a essa vida, pois como sofriam constantes perseguições buscavam atividades
onde pudessem acumular riquezas móveis. Por outro lado os judeus do leste
europeu se dedicavam a atividades agrícolas, ou seja, se configuravam na
estrutura social de forma diferenciada. Havia aqueles que estavam ligados ao
poder vigente, na maioria dos casos, a partir da administração financeira de
principados ou reinos. Eram estes os judeus-de-corte. Vale ressaltar queenquanto a função de judeu-de-corte era um “privilégio” de alguns judeus e
seguramente momentânea, a visão do judeu enquanto usurário era
32 Modos de ser no sentido de que ser judeu está além da religiosidade, mas perpassa acultura, a organização social, etc. O termo é usado no plural porque existem diversas formasde “ser judeu” não apenas a partir das diversas formas de se relacionar com a religião, masvariando de acordo com região e tempo. Para ver mais: BUBER, Martin. Histórias do Rabi. Ed.Perspectiva, São Paulo. 1967; DEUTSCHER, Isaac. O judeu não-judeu e outros ensaios.Civilização Brasileira, Rio de Janeiro. 1970; VVAA. A Paixão de Ser – Depoimentos e Ensaios
sobre a Identidade Judaica. Porto Alegre. Artes e Ofícios, 1998.33 Marxista de origem judaica que escreveu: A concepção materialista da questão judaica.
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disseminada, de forma generalizada, seja para os da corte, que tinham a
proteção dos senhores, como para os das comunidades urbanas e rurais,
desprovidos de qualquer proteção.