Anexo 1 sequência didática pipoqueiro santa marta
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Mariana Correia – Pipoqueiro Santa Marta
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Justificativa
A escrita e a autoria são partes integrantes de um trabalho de língua portuguesa efetivo,
contudo, na maioria das vezes o texto escrito é apresentado a um único leitor/corretor/avaliador e tem
como objetivo a obtenção de uma nota para avaliação. Desta forma, os alunos estão acostumados a
escrever e ser avaliados sem uma preocupação para com um público-leitor, a aceitação de sua escrita
ou a manutenção do interesse leitor. Partindo desta constatação pus-me a analisar a realidade da
prática da produção escrita em sala de aula e imaginei formas de transformar estas características em
algo mais dinâmico, enriquecedor e estimulante para as atividades de produção escrita da disciplina.
Além disso, percebi que o uso do texto escrito restrito à análise de uma única pessoa em posição de
avaliação não contemplava as necessidades de utilização da língua como entidade viva, interessante e
prazerosa.
Neste contexto, cabe citar o conceito de desfrute (fruição) presente no PCN+:
Desfrute (fruição): trata-se do aproveitamento satisfatório e prazeroso de obras literárias,
musicais ou artísticas, de modo geral bens culturais construídos pelas diferentes linguagens,
depreendendo delas seu valor estético. Apreender a representação simbólica das experiências humanas
resulta da fruição dos bens culturais.
Podem propiciar aos alunos momentos voluntários para que leiam coletivamente uma obra
literária, assistam a um filme, leiam poemas de sua autoria – de preferência fora do ambiente de sala de
aula: no pátio, na sala de vídeo, na biblioteca, no parque (PCN+, 2002, p. 64).
Ainda em paralelo à questão de fruição estética, também estão postas a crença dos alunos de
que leitura é algo desinteressante e a escrita de qualidade, algo distante de sua redação escolar; bem
como a ideia de que o conhecimento sobre língua é restrito ao professor, sendo seus próprios saberes
insuficientes para ser valorizados. Desta maneira, o projeto Pipoqueiro Santa Marta pode contribuir
com a valorização do conhecimento, produção escrita e autoria dos alunos e tornar mais interessante
e prazeroso os momentos de escrita.
Objetivos
Tornar a produção escrita mais interessante e prazerosa;
Valorizar o conhecimento e o senso crítico dos alunos;
Oportunizar momentos de discussão sobre a produção textual dos alunos;
Tornar a escrita parte de uma situação real de enunciação;
Oportunizar a reescrita de textos de forma qualitativa e não quantitativa;
Produzir textos narrativos coesos, coerentes e interessantes;
Criar situações inusitadas em torno do tema proposto;
Modificar qualitativamente as diferentes (re)escritas;
Utilizar a internet como forma de divulgação da produção escrita dos alunos.
Conteúdos Curriculares
Produção textual narrativa
Estrutura da narrativa Coesão e coerência narrativas
Desenvoltura criativa e autoria do texto narrativo
Revisão e Reescrita motivadas
Mariana Correia – Pipoqueiro Santa Marta
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Metodologia
O trabalho foi organizado da seguinte forma:
É importante salientar que as diferentes (re)escritas dos alunos foram acompanhadas pela
professora ao longo de todo o trabalho. Além disso, desde o início os alunos sabiam que o texto deles
seria transformado em um trabalho para a Mostra Pedagógica de 2012 da EMEF Santa Marta, ou
seja, havia a intenção de que existiriam leitores reais interagindo com seus textos. Inicialmente, os
textos seriam publicados em forma de livro para distribuição durante o evento, porém, não foi
possível fazer uma seleção de textos que viabilizasse a confecção de material impresso e optou-se
por ser criado um blog personalizado para a publicação de todos os textos e, durante a mostra, os
alunos explicavam às pessoas a proposta do trabalho e entregavam sacos de pipoca com uma etiqueta
de divulgação do endereço do blog (batizado de Pipoqueiro Santa Marta) ao término do circuito de
atividades de Língua Portuguesa desenvolvido para o evento:
1º- Os alunos produziram individualmente seus textos de acordo com a proposta: Texto com um
personagem pipoqueiro que não apenas vendesse pipocas.
2º- Entregaram o texto à professora para leitura sem correções escritas.
3º- A professora entregava o texto individualmente e fazia comentários sobre a história, coesão,
coerência, formas de deixar o texto mais impactante, etc.
4º- Aulas expositivas-dialogadas em que a professora retomou os elementos, estrutura, coesão e
coerência da narrativa.
5º- Estudo do texto narrativo “A árvore da vida” (presente no livro didático), para leitura,
compreensão, interpretação e observação dos elementos da narrativa estudados. Tais como ordem
dos fatos, personagens, espaço narrativo, situações vivenciadas, listagem de acontecimentos da
narrativa e transformação em história em quadrinhos.
6º- Os alunos foram colocados em grupos de até quatro pessoas (composto por afinidade), receberam
seus textos de volta e dicionário de Língua Portuguesa, neste momento, a professora solicitou que
cada um deles fizesse a leitura de seu próprio texto e das produções de cada um dos colegas do
grupo. Após a leitura, cada colega deveria expressar sua opinião sobre o que achou do texto, quais
alterações sugeriria, quais partes poderiam ser modificadas ou alteradas para o deixar mais
interessante, coerente, coeso (as alterações ortográficas e de pontuação poderiam ser feitas
diretamente no texto do colega). O autor do texto deveria fazer as anotações que achasse pertinentes
sobre sua história e reescrevê-la sob a luz da avaliação dos colegas e sua própria (re)leitura do texto,
tendo em vista que este momento ocorreu após dois meses da feitura do texto.
7º- Após reler seu texto, ler o dos colegas e refletir sobre as opiniões e sugestões partilhadas, o autor
reescrevia sua história com as alterações que julgasse necessárias para tornar sua produção mais
coesa, coerente e atrativa (alguns fizeram em aula outros precisaram levar para casa e entregaram
posteriormente).
8º- A turma foi levada até o Espaço Virtual de Aprendizagem para digitação individual de seus
textos reescritos. Um aspecto interessante é que alguns alunos sentiram a necessidade de alterar mais
uma vez o texto, demonstrando uma valorização de sua escrita e modificação de sua percepção
crítica quanto à sua produção e preocupação para com o leitor (este momento também foi precedido
por um espaço temporal após a primeira reescrita).
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9º - Os alunos, ao terminarem de digitar, eram atendidos pela professora que auxiliava a salvar o
arquivo ou resolvia as dúvidas sobre inadequações ortográficas apontadas pelo processador de texto.
10º- Após o texto ser salvo pela professora, era permitido ao aluno escolher entre permanecer
jogando atividades pedagógicas em seu computador ou ajudar aos colegas que ainda não haviam
terminado de realizar a atividade.
11º- Assim, depois de um tempo, a professora apenas fazia a revisão final para salvar, porque os
próprios alunos revisavam os textos uns dos outros ou ajudavam (ditando ou corrigindo) aos demais
colegas.
12º- Como a sala de informática da escola não tinha internet, a parte de criação e postagem dos
textos no blog ficou a cargo da professora.
Ao longo do trabalho ocorreram adaptações e intervenções de acordo com as situações
surgidas durante o período de realização do projeto, inicialmente foi necessário definir que os textos
seriam guardados pela professora, disponibilizados para as atividades de aula e novamente
recolhidos. Além disso, o projeto foi bastante extenso temporalmente, sendo necessário inserir
alunos infrequentes ao longo das atividades do trabalho nas etapas subsequentes.
Dentre as intervenções realizadas, a que exigiu maior reflexão foi quanto à forma de abordar
as questões ortográficas pertinentes aos textos dos alunos, de um lado a existência da insegurança
deles quanto à produção de textos escritos, de outro, a necessidade de adequação à ortografia oficial
vigente da língua portuguesa. Após levar em conta os aspectos destacados na justificativa deste
trabalho, optei por objetivar a correção e construção coletivas (conforme o 6º passo) bem como as
questões de coesão, coerência e fruição estética. Desta maneira, optei pela percepção de erro segundo
FRAGA (2009), o aluno erra a forma ortográfica porque se baseia na forma fonética, desta maneira,
os equívocos que comete revelam claramente que não se tratam de “erros” aleatórios, pois, estes
“erros” denotam uma reflexão sobre os usos linguísticos da escrita e da fala ao demonstrarem suas
hipóteses baseadas na fonética da língua.
Ainda em relação às intervenções, outro aspecto a ser destacado foi a opção de não modificar
o teor, por vezes violento, das histórias produzidas pelos alunos, valorizando os trabalho de acordo
com os objetivos propostos e não censurando os assuntos tratados devido à proximidade com o
contexto da comunidade em que a escola está inserida.
Adequação das propostas caso haja alunos com necessidades educacionais especiais – NEE
Não foram atendidos alunos com NEE (Necessidades Educacionais Especiais).
Avaliação
A avaliação é realizada de forma conceitual, conforme orientação da SMEDSL (Secretaria
Municipal de Educação do Município de São Leopoldo), variando entre I (insatisfatório), S
(satisfatório) e MS (muito satisfatório); como o trabalho teve um período de realização bastante
extenso, sendo que, cada parte do trabalho foi conceituada separadamente e, no último trimestre, o
resultado final demonstrou grande avanço em comparação aos demais trabalhos desenvolvidos ao
longo do período. A avaliação deu-se de maneira a perceber como cada um dos alunos havia
desenvolvido os objetivos esperados para o projeto, bem como quais aspectos qualitativos podiam
ser observados em cada uma das reescritas da produção escrita sobre o tema proposto. Outrossim, em
todas as etapas de escrita e reescrita, a professora fazia a leitura dos textos para acompanhar o
desenvolvimento do trabalho e perceber como as intervenções feitas por ela e pelos colegas
modificava o texto escrito.
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Quanto aos instrumentos utilizados, foram feitas anotações pela professora e pelos colegas
nos próprios textos dos alunos, e ao longo do projeto as versões e reescritas eram anexadas em ordem
cronológica, o que possibilitou que, ao término do projeto, pudesse ser feita a análise da evolução
quanto aos objetivos do trabalho. Entretanto, após a análise e reação positiva dos alunos ao
perceberem sua evolução qualitativa quanto a escrita, seus textos foram devolvidos para que os
pudessem apreciar, pois representavam para eles uma espécie de troféu e comprovação de sua
capacidade autoral.
Com este projeto, os alunos aprenderam não apenas os aspectos formais da narrativa, mas
também desenvolveram qualitativamente a produção escrita de forma a perceberem que textos têm
vida, leitores e aspectos que devem ser observados não porque a “professora mandou arrumar” ou
para “melhorar nota”, mas como forma de comunicação com o leitor de seus textos.
Autoavaliação
Ao longo do trabalho foi necessário me despir do papel de professora apenas e abarcar a noções
de mediação de escrita, pois o projeto Pipoqueiro Santa Marta desloca a correção e a avaliação do
foco para colocar a escrita, a autoria e a fruição no foco do desenvolvimento do trabalho de Língua
Portuguesa. Ou seja, para uma professora de língua portuguesa foi um aprendizado e tanto deixar a
produção escrita ocorrer sob sua orientação, mas não apenas por sua causa. Outro aspecto que me
emocionou bastante foi que, ao ler as histórias, pude notar que o contexto violento da vida das
crianças aparecia, mas as expectativas delas também ficavam evidentes nos finais felizes e situações
mágicas que solucionavam todos os problemas. Embora, suas mazelas sejam tristes, sofridas e
complexas, ao menos no papel, eram resolvidas de forma fantasiosa e permitiam ao leitor vislumbrar
as esperanças dos autores.
Este projeto já vinha sendo gestado desde a faculdade e ao longo dos cursos e leituras que fiz
durante minha carreira. Isso porque sempre procurei inserir meus estudos sobre estética da recepção,
gênero policial, acessibilidade, leitura, literatura infantil, Libras, educação a distância, fruição
estética e autoria, ou o que mais eu estudasse, em minha prática docente. Entretanto, a gestação só
ficou completa quando consegui voltar os olhos dos alunos para o mundo e os olhos do mundo para
os alunos, extraindo do dia-a-dia sofrido de uma sala de aula de periferia o brilho nos olhos das
crianças ao ouvirem falar na quantidade de acessos de seu blog de textos e dos comentários dos
leitores de suas produções. Neste momento, em que “nasceu meu rebento” num ambiente tão sofrido
quanto o do guri da música de Chico Buarque, fiquei emocionada ao perceber o quanto existe de
criatividade, aceitação e fantasia nas narrativas que “chegaram lá”.
Referência
BRASIL.PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais. Vol. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/ Semtec, 2002.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf . Acessado em:
03/07/2013
FRAGA, Letícia. O Ensino do sistema de escrita alfabética: PCN de Língua Portuguesa e livro
didático. In.: Revista Espaço Acadêmico. Volume 98, Ano IX. Maringá: UEM, 2009.
HOLANDA, Francisco (Chico) Buarque de. Meu guri. Intérprete: Chico Buarque de Holanda. In.:
Chico 50 anos: o cronista. Universal, 1999. 1 CD. Faixa 6.