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O Ressurgimento do Regionalismo na Política Mundial Ândrew Hurrell A década que passou assistiu ao ressurgimento do regionalismo na política mundial. Reviveram antigas organizações regionalistas e formaram-se novas, e o regionalismo e o apelo ao fortalecimento dos mecanismos regionalistas estiveram no centro de inúmeros debates sobre a natureza da ordem internacional no pós-Guerra Fria. 1 O número, a abrangência e a diversidade dos esquemas regionalistas cresceram significativamente desde a última importante “onda regionalista” nos anos 60. 2 Escrevendo no final dessa primeira onda regionalista, Joseph Nye apontava para duas categorias de regionalismo: (1) organizações microeconômicas que envolvem integração econômica formal, caracterizadas por estruturas institucionais formais; e (2) organizações políticas macrorregionais interessadas no controle de conflitos. 3 Na atualidade, velhas instituições regionais no campo político, como a Organização da Unidade Africana (OUA) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), reemergiram. A elas juntaram-se numerosos organismos microrregionais com certas pretensões — como o Pacto de Visegrad e o Pentagonal na Europa Central; a Unidade Árabe do Magreb (UAM) ou o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) no Oriente Médio; a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental [ECOWAS] e possivelmente uma South African Development Community (SADC) revivida pela África do Sul pós-apartheid na África — e agrupamentos de segurança mesorregionais frouxamente institucionalizados, como a Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE, hoje OSCE) ou mais recentemente o Fórum Regional da Associação das Nações do Sudeste Asiático [ASEAN] (FRA). ' Este tra balho se baseia, com a devida autorização, em Louise Fawcett e Andrew Hurrell, eds., Regionalism in World Politics, Oxford, Oxford University Press, no prelo. O autor agradece a Louise Fawcett, Ngaire Woods, William Wallace, Andrew Wyatt-Walter, Robert 0 ’Brien e aos referees da revista por seus comentários oportunos. [Tradução de Francisco de Castro Azevedo] 1 2 3

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O Ressurgimento do Regionalismo na Política MundialÂndrew HurrellA década que passou assistiu ao ressurgimento do regionalismo na política mundial. Reviveram antigas organizações regionalistas e formaram-se novas, e o regionalismo e o apelo ao fortalecimento dos mecanismos regionalistas estiveram no centro de inúmeros debates sobre a natureza da ordem internacional no pós-Guerra Fria.1 O número, a abrangência e a diversidade dos esquemas regionalistas cresceram significativamente desde a última importante “onda regionalista” nos anos 60.2

Escrevendo no final dessa primeira onda regionalista, Joseph Nye apontava para duas categorias de regionalismo: (1) organizações microeconômicas que envolvem integração econômica formal, caracterizadas por estruturas institucionais formais; e (2) organizações políticas macrorregionais interessadas no controle de conflitos.3 Na atualidade, velhas instituições regionais no campo político, como a Organização da Unidade Africana (OUA) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), reemergiram. A elas juntaram-se numerosos organismos microrregionais com certas pretensões — como o Pacto de Visegrad e o Pentagonal na Europa Central; a Unidade Árabe do Magreb (UAM) ou o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) no Oriente Médio; a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental [ECOWAS] e possivelmente uma South African Development Community (SADC) revivida pela África do Sul pós-apartheid na África — e agrupamentos de segurança mesorregionais frouxamente institucionalizados, como a Conferência para a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE, hoje OSCE) ou mais recentemente o Fórum Regional da Associação das Nações do Sudeste Asiático [ASEAN] (FRA).' Este tra balho se baseia, com a devida autorização, em Louise Fawcett e Andrew Hurrell, eds., Regionalism in World Politics, Oxford, Oxford University Press, no prelo. O autor agradece a Louise Fawcett, Ngaire Woods, William Wallace, Andrew Wyatt-Walter, Robert 0 ’Brien e aos referees da revista por seus comentários oportunos. [Tradução de Francisco de Castro Azevedo]

CONTEXTO INTERNACIONAL, Rio de Janeiro, vol. 17, n9 1, jan/jun 95, pp. 23-59.

No campo econômico, esquemas microrregionais para a cooperação ou integração econômica — como o Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Pacto Andino, o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA) e a Comunidade e Mercado Comum do Caribe (Caricom), nas Américas; as tentativas de expandir a integração econômica dentro da ASEAN e a proliferação de Áreas de Livre Comércio (ALC) no mundo em desenvolvimento — coexistem ao lado de esquemas macrorregionais ou “ regionalismo de bloco” , construido em torno da tríade formada por uma União Européia (UE) expandida, pelo Acordo Norte-Americano de Livre Comércio [NAFTA] e por um avanço maior do regionalismo no Pacífico Asiático. As relações entre esses esquemas regionais e entre iniciativas regionais e globais mais amplas são fundamentais para a política do regionalismo contemporâneo.Além dessa diversidade, o “novo regionalismo” tem quatro características importantes:4 (1) a emergência do “regionalismo Norte - Sul” , ilustrado

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poderosamente pelo NAFTA, e também relevante para o que acontece na Europa e na Ásia; (2) a grande variação no nível de institucionalização, com muitos agrupamentos regionais evitando conscientemente as estruturas institucionais e burocráticas das organizações internacionais tradicionais e omodelo regionalista apresentado pela UE; (3) seu caráter multidimensional, pelo qual se torna cada vez mais difícil traçar a linha divisória entre regionalismoeconômico e político, uma vez que o regionalismo é alimentado tanto pelo fim da Guerra Fria e descentralização ou regionalização da segurança quanto pelaevolução da economia global; e (4) o aumento acentuado da consciênciaregional em numerosas áreas do mundo, parte integrante de um conjunto maisamplo de questões ressuscitadas sobre a identidade e o “sentimento depertencer” , embora essa consciência nem sempre se traduza de maneira fácile sem problemas em instrumentos concretos de cooperação regional.Este trabalho aborda duas questões básicas: (1) o que queremos dizerquando falamos de regionalismo e quais as principais variedades de regionalismo; e (2) quais as principais abordagens teóricas que podem ser arroladaspara explicar a dinâmica do regionalismo. Teoria, naturalmente, não é tudo, mas é fundamental para a criação de definições, conceitos e categorias, emtorno dos quais se conduz necessariamente a análise do regionalismo. A teoria coloca em evidência pressupostos que permanecem implícitos e inques-tionados em trabalhos puramente descritivos ou históricos sobre o regionalismo, aprofunda nosso entendimento das principais variáveis explicativas e dosmecanismos causais e oferece uma estrutura coerente que permite a comparação sistemática de diferentes formas de regionalismo em diferentes partes do mundo. O objetivo deste artigo é abrir o leque de abordagens ou perspectivas teóricas sobre o estudo do regionalismo contemporâneo, destacandoas estreitas relações existentes entre a análise do regionalismo contemporâneoe os principais debates teóricos no estudo acadêmico das relações internacionais.24A literatura teórica sobre o regionalismo é vasta, mas também desigual efragmentada. Além disso, deixando-se de lado os freqüentes debates teóricos sobre a UE, a quantidade de obras de cunho estritamente teórico ou conceituaisobre o ressurgimento do regionalismo desde o final da década de 80 é bastante modesta.5 Toda a atenção que neoliberais institucionalistas e neo-realistas dispensaram à questão genérica da cooperação contrasta vivamente com a aparente falta de interesse existente fora da Europa pelas explicaçõesda cooperação regional. Este texto reúne alguns dos principais elementospresentes na literatura teórica. Não se propõe apresentar uma nova síntesenem ressaltar os pontos fortes de qualquer escola de pensamento — embora sugira que o neo-realismo não está em absoluto desacreditado e que o vínculoentre regionalismo e hegemonia merece um aprofundamento maior. Ele visaapenas d a r uma idéia do panorama teórico e fornecer um modelo para acompreensão e avaliação da proliferação dos esquemas regionalistas na política mundial contemporânea.1 — Vari edades d o Regionalismo“ Região” e “ regionalismo” são termos ambíguos e o debate sobre suas

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definições produziu consenso limitado. Embora pouco nos digam sobre adefinição de região ou a dinâmica do regionalismo, a proximidade e a con-tígüidade geográficas servem para distinguir o regionalismo de outras formasde organização “ menos que global” . Sem certos limites geográficos, o termo“ regionalismo” torna-se difuso e incontrolável. O problema da definição deregião e regionalismo atraiu boa parte da atenção do mundo acadêmico no finalda década de 60 e início da de 70, mas poucas foram as conclusões aceitáveis.O regionalismo foi muitas vezes analisado em termos da intensidade da coesãosocial (etnia, raça, idioma, religião, cultura, história, consciência e herançacomum), da coesão econômica (padrões de comércio, complementaridadeeconômica), da coesãopolítica (tipo de regime, ideologia) e da coesão organizacional (existência de instituições regionais formais).6 Atribuiu-se atenção especial à idéia da interdependência regional.7 Não obstante, as tentativas dedefinir e delinear “cientificamente” as regiões pouca coisa produziram.8 Osfatores implicados no crescimento do regionalismo são numerosos, incluindodimensões econômicas, sociais, políticas, culturais ou históricas. Os debatescontemporâneos lembram-nos que não existem regiões “naturais” e que asdefinições de “ região” e os indicadores da “qualidade de ser região” variam deacordo c o m o problema particular ou a questão que se está pesquisando.9A l ém disso, a maneira como os atores políticos percebem e interpretama idéia d e região é central: todas as regiões são socialmente construídas e,portanto, politicamente passíveis de serem contestadas. Daí, aimportânciaespecial d e se distinguir entre regionalismo como descrição e regionalismocomo prescrição — regionalismo como posição moral ou como doutrina de25acordo com a qual as relações internacionais deveriam se organizar. Comoacontece com a idéia mais geral de interdependência, impõe-se com freqüênciaa forte sensação de que os Estados de determinada região estão todos nomesmo “ barco regional” , ecológica, estratégica e economicamente, e de quenão remam na mesma direção, mas que, quer se afirme explicitamente ou seaceite implicitamente, o que deveria ser feito era colocar de lado egoísmosnacionais e planejar novas formas de cooperação. Em boa parte do debatepolítico e acadêmico está, portanto, implícito que o regionalismo é uma coisanaturalmente boa.Uma rápida análise dos debates recentes sugere que o termo amplo“ regionalismo” é usado para designar vários fenômenos distintos. Na verdade,em vez de tentar trabalhar com um conceito único e de espectro muito amplo,é mais útil decompor a noção de “regionalismo” em cinco categorias diferentes, analíticamente diversas, embora as relações entre elas sejam fundamentaispara a teoria e a prática do regionalismo contemporâneo.1.1 — RegionalizaçãoRegionalização diz respeito ao crescimento da integração da sociedadeem uma região e aos processos muitas vezes não dirigidos de interação social e econômica. A isto, os primeiros estudiosos do regionalismo descreviam comointegração informal e alguns analistas contemporâneos se referem como

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“ regionalismo suave”(soft regionalism). O termo atribui um peso especial aprocessos econômicos autônomos que conduzem a níveis mais elevados deinterdependência econômica em determinadas áreas geográficas do que entreessas áreas e o resto do mundo. Ainda que muitas vezes não sejam afetadaspelas políticas estatais, as forças propulsoras mais importantes da regionalização econômica provêm dos mercados, do comércio privado e dos fluxos deinvestimento e das políticas e decisões empresariais. São de particular importância o aumento do comércio entre empresas, o número crescente de incorporações e aquisições internacionais e a emergência de redes cada vezmais densas de alianças estratégicas entre empresas. Para muitos analistas,“esses fluxos estão criando um impulso inexorável em direção a uma integraçãomaior das economias nas regiões e dentro delas” .10Regionalização também envolve a circulação crescente de pessoas, odesenvolvimento de múltiplos canais e complexas redes sociais, por meio dos quais idéias, atitudes políticas e maneiras de pensar se espalham.de uma áreapara outra, criando sociedades civis regionais transnacionais. Conseqüentemente, a regionalização é com freqüência conceituada em termos de “complexos” , “fluxos” , “ redes” ou “ mosaicos” . Três pontos devem ser destacados:(1) os processos envolvidos na regionalização são, pelo menos em princípio,mensuráveis — embora, como a obra de Deutsch sugere, o que se mede e o que se infere dos dados coletados permaneçam questões profundamente26problemáticas; (2) a regionalização não se baseia em políticas concretas deEstados ou de grupos de Estados nem pressupõe qualquer impacto particularnas relações entre os Estados da região;11 e (3) os padrões de regionalizaçãonão coincidem necessariamente com as fronteiras dos Estados. Migração,mercados e redes sociais podem levar ao aumento da interação e in-terconectividade que vinculam alguns dos Estados existentes e criam novasregiões entre fronteiras. A essência desse “ regionalismo transnacional” podes e r econômica, como nos pólos de desenvolvimento transfronteiriço, de cor:redores industriais ou de redes cada vez mais densas unindo os principaiscentros industriais, ou pode ser construída com base em elevados níveis deinterpenetração humana, como acontece atualmente entre a Califórnia e o México.12

1.2 — Consciência e Identidade RegionaisAs noções de “consciência regional” e “ identidade regional” são pornatureza imprecisas e vagas. Não obstante, é impossível ignorá-las e, paramuitos analistas, elas são cada vez mais fundamentais para a compreensãodo regionalismo contemporâneo. Todas as regiões são, até certo ponto, definidas subjetivamente, podendo ser entendidas em termos do que Emanuel Adlerchamou de “ regiões cognitivas” .13 Da mesma forma que as nações, as regiõestambém podem ser vistas como comunidades imaginadas que se apóiam emmapas mentais, cujas linhas destacam certas características e ignoram outras. O debate acadêmico sobre consciência regional dá grande ênfase à linguageme à retórica, ao discurso do regionalismo e dos processos políticos pelos quais

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as noções de regionalismo e identidade regional são constantemente definidase redefinidas, à compreensão compartilhada e ao significado dado à atividadepolítica p e lo s atores envolvidos. Como o caso europeu deixa claro, o ressurgimento da questão da identidade regional é um fenômeno ao mesmo temposubestatal e supra-estatal.A consciência regional e a percepção compartilhada de pertencer a umadeterminada comunidade podem apoiar-se em fatores internos, muitas vezes definidos e m termos de cultura, história e tradições religiosas comuns. Podemtambém s e r definidas em contraposição a um “outro” externo, que pode ser entendido primariamente como ameaça política (a auto-imagem da Europadefinida c o n t ra a URSS ou o nacionalismo latino-americano definido contra a ameaça d a hegemonia norte-americana), ou um desafio cultural externo (alonga t radição segundo a qual se definia “ Europa” por oposição ao mundonão-europeu, sobretudo àquele islâmico, ou, mais recentemente, o despertar de uma identidade asiática em contraposição à “ocidental”) . 14 Embora sejacaracterística marcante do “ novo” regionalismo, a preocupação com a “idéia”de Europa, Américas e Ásia apresenta-se emoldurada por argumentos deprofundas raízes históricas em torno da definição de região e dos valores e propostas que representa — não obstante uma boa dosagem de redescoberta27histórica, criação de mitos e invenção de tradições, como acontece, urna vez mais, com o nacionalismo.1.3 — C o o p e ra ç ã o Regional! entre Est a d o sBoa parte da atividade regionalista envolve negociação e construção deacordos ou regimes interestatais ou intergovemamentais.Essa cooperaçãopode ser formal ou informal, e níveis elevados de institucionalização não sãogarantia de eficácia ou importância política. Como Oran Young observa corretamente, “embora todos os regimes, até mesmo os mecanismos altamentedescentralizados das empresas privadas, sejam instituições sociais, eles nãoprecisam ser acompanhados de estruturas com pessoal próprio, orçamentos,instalações físicas etc.”15 Essa consciência levou os interessados na cooperação internacional a se afastarem do estudo das organizações formais e a seconcentrarem no conceito mais amplo de “ regime” : “princípios, normas, regrase processos decisorios, implícitos ou explícitos, para os quais convergem asexpectativas dos atores de determinada área das relações internacionais” .16 Acooperação regional pode envolver a criação de instituições formais, mas pode, com freqüência, basear-se em estruturas bem mais frouxas, englobandopadrões de reuniões regulares que obedecem a algumas regras, juntamentecom mecanismos de preparação e acompanhamento. No entanto, o argumentosobre o grau exato de institucionalização necessária para a cooperação sereficaz e sustentada continua fundamental para muitos esquemas regionalistasatuais, sendo a Conferência de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático[APEC] um bom exemplo.Esses instrumentos de cooperação se prestam a uma ampla variedadede propósitos. De um lado, podem ser a resposta a desafios externos e ànecessidade de coordenação das posições regionais nas instituições internacionais ou nos fóruns de negociação. De outro, podem ser estabelecidos

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para assegurar ganhos de bem-estar, promover valores comuns ou resolverproblemas comuns, especialmente aqueles que surgem com o crescimento dosníveis de interdependência regional. No campo da segurança, por exemplo,essa cooperação pode se estender desde a estabilização de um equilíbrioregional de poder até a institucionalização de medidas de construçãodeconfiança ou a negociação de um regime de segurança para a região como umtodo. Diferentemente de alguns tipos de integração regional, esses instrumentos de cooperação são claramente estatistas, formulados para proteger eampliar a atuação do Estado e o poder do governo. Envolvem a reafirmação eextensão da autoridade estatal como parte de um processo pelo qual osEstados estão, cada vez mais, dispostos a trocar determinado grau de liberdade legal de ação por uma influência prática maior sobre as políticas de outrosEstados e sobre a gestão de problemas comuns.17281=4 — I n t e g r a ç ã o Econômica Regional Promovida pelo EstadoUma importante subcategoria da cooperação regional diz respeito àintegração econômica regional. A integração regional envolve decisões específicas de políticas por parte dos governos, destinadas a reduzir ou removerbarreiras a o intercâmbio mútuo de bens, serviços, capital e pessoas. Essaspolíticas geraram volumosa literatura sobre os processos de integração, sobreos vários modelos e os objetivos que poderiam ser atingidos.18 Como PeterSmith observou, pode-se comparar a integração econômica regional em váriasdimensões: abrangência (a gama de questões incluídas); profundidade (aextensão d a harmonização de políticas); institucionalização (a extensão daconstrução da institucionalização formal); e centralização (o grau em que aautoridade efetiva está centralizado).19 Os primeiros estágios da integraçãotendem a concentrar-se na eliminação de barreiras comerciais e na formaçãode uniões alfandegárias de bens. À medida que a integração avança, a agendase expande para cobrir barreiras não-tarifárias, a regulação de mercados e odesenvolvimento de políticas comuns nos planos micro e macro. Dominadopelo “modelo” europeu, o regionalismo é com muita freqüência simplesmenteigualado à integração econômica regional, embora seja apenas um aspecto deum fenômeno mais geral.1.5 — Coesão RegionalCoesão regional refere-se à possibilidade de que, em algum momento, ac o m b i n a ç ã o dos primeiros quatro processos descritos desemboque nosurgimento de uma unidade regional coesa e consolidada. É esta coesão quetorna o regionalismo de especial interesse para o- estudo das relações internacionais. Pode-se entender coesão em dois sentidos: (1) quando a regiãoexerce um papel definidor nas relações entre os Estados (e outros atoresimportantes) daquela região e o resto do mundo; e (2) quando a região formaa base organizadora de políticas na região para inúmeras questões.Como vimos, o regionalismo é muitas vezes definido em termos depadrões o u redes de interdependência. No entanto, sua importância política não deriva de qualquer medida absoluta de interdependência, mas do grau emque esta ( e a possibilidade de sua ruptura) impõe custos significativos, poten

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ciais ou reais, a atores principais. Para os que estão fora da região, oregionalismo é politicamente importante na medida em que pode impor a elescustos, s e j a pelo impacto prejudicial de acordos econômicos preferenciais (ochamado regionalismo maligno, que desvia comércio e investimentos), sejapela mudança na distribuição do poder político. É também politicamentesignificativo quando os que estão fora (uma vez mais, Estados e atoresnão-estatais) são forçados a definir suas políticas relativas aos Estados regionais individualmente em termos regionalistas. Para os que são da região, o29regionalismo interessa quando os acordos regionais impõem custos significativos, eco nômicos e políticos (como perda de autonomia ou redução nas opçõesde política externa) e quando a região se torna a base organizadora de políticasna região para inúmeras questões relevantes. Um indicador importante dacoesão regional é o grau em que, como acontece cada vez mais na EuropaOcidental, acontecimentos regionais e política regional moldam e definem opanorama político interno.É extremamente importante reconhecer que existem diferentes caminhospara a coesão regional. Os primeiros teóricos da integração européia eram obcecados por uma meta final particular (a criação de uma nova forma decomunidade política) e por uma rota particular para alcançar essa meta (ampliação da integração econômica). Eles viviam a preocupação de que a possíveltransformação do papel dos Estados-nação, via concentração da soberania,conduzisse à emergência de alguma forma nova de comunidade política.Não obstante, a coesão regional pode basear-se em diversos modelos.Um deles poderia s e r a criação gradual de uma organização regional supranacional no contexto do aprofundamento da integração econômica. Outro modelopoderia envolver a criação de uma série de mecanismos ou regimes interes-tatais sobrepostos e institucionalmente fortes. Um terceiro (talvez visível nascondições atuais da UE) poderia derivar de uma mistura complexa e dinâmicade intergovernamentalismo tradicional e supranacionalismo emergente. Umquarto poderia envolver o desenvolvimento de mecanismos constitucionais“consociacionalistas” do tipo discutido por Paul Taylor.20 Em quinto lugar, acoesão regional poderia ser concebida como uma ordem “ neomedieval” , naqual os princípios da territorialidade e da soberania seriam substituídos por umpadrão de identidade e autoridade em sobreposição — embora se possaduvidar de sua eficácia na criação de coesão.21 Finalmente, a coesão poderiabasear-se em uma forte hegemonia regional que, com ou sem instituiçõesregionais sólidas, fiscalizasse as políticas externas dos Estados dentro de suaesfera de influência e estabelecesse limites para as opções de políticas internas.2 — A E x p l i c a ç ã o d o R e g io n a l is m o na Política MundialA análise convencional do regionalismo começa com as teorias desenvolvidas explicitamente para explicar a criação e a evolução inicial da Comunidade Européia (CE). Esta literatura foi dominada pelos teóricos liberais, que seconcentraram na mudança das características das relações intra-regionais, nascondições que poderiam promover ou impedir o avanço rumo à integraçãoeconômica regional e nas relações entre o aprofundamento da integração

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econômica, de um lado, e as perspectivas de uma comunidade política, do outro. Todavia, o caráter fortemente eurocêntrico desses trabalhos e suapreocupação dominante com processos de integração econômica sugerem a30neoessiriarie f i fí nm enfoque alternativo. Para fugir da sombra teórica da C F .,esta seção começará tratando da relevância das teorias sistêmicas para a análise do regionalismo contemporâneo, voltando-se, em seguida, para asabordagens que enfocam ò impacto da interdependência regional e, pos-teriormente, para as abordagens que destacam a importância dos fatoresinternos.

2 . 1 — Teorias SistêmicasNo mundo moderno talvez não existam regiões inteiramente auto-suficientes, imunes a pressões externas. As teorias sistêmicas sublinham aimportância de estruturas políticas e econômicas mais amplas, nas quais osasquemas regionalistas estão embutidos, e o impacto das pressões externassobre a região.22 Dois conjuntos de teorias sistêmicas ou estruturais sãoespecialmente significativos: (1) a teoria neo-realista, que sublinha a importância do sistema anárquico internacional e da competição política pelo poder; e(2) as teorias da interdependência estrutural e da globalização, que enfatizamo caráter mutante do sistema internacional e o impacto das mudanças econômica e tecnológica.2.1.1 — Neo-RealismoEm um certo nível, a cooperação regional pareceu muitas vezes impordesafios diretos ao realismo. O aparecimento de “ilhas de paz e cooperação”em um mundo considerado conflituoso por natureza, dominado pela luta pelopoder, foi visto, na década de 50, como uma anomalia que o realismo eraincapaz de explicar. Na verdade, boa parte dos primeiros trabalhos sobre regionalismo e integração regional podem ser considerados como tentativas<je e s c l a r e c e r essa aparente anomalia. No entanto, o neo-realismo pode noscizer m u i t a s coisas importantes sobre o regionalismo.Regionalismo, Política de Poder e Mercantilismo. Tanto o realismodássico quanto suas variantes neo-realistas mais recentes destacam a importância das configurações externas de poder, a dinâmica da competiçãopolítica pelo poder e o papel restritivo do sistema político internacional con-síderad o como um todo.23 Para os neo-realistas, a política do regionalismo e a emergência dos alinhamentos regionalistas têm muito em comum com apolít ica de formação de alianças.24 Para entender o regionalismo ó precisoohá-lo de fora para dentro e analisar o lugar que a região ocupa no sistemai rternacional mais amplo. Os agrupamentos regionais formam-se em resposta a desafios externos, não existindo, portanto, diferença essencial entre osregiona lismos econômico e político.O s defensores desse ponto de vista, por exemplo, enfatizam a importân-c.ia funrlamental do arcabouço geopolítico em que ocorreram os avanços em31direção à integração européia.25 O fim da Guerra Fria torna mais fácil entender

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o quanto a dramática mudança na Europa da década de 40 e início da de 50,que saiu da guerra e competição para a cooperação regional e depois para apromoção da integração regional, dependeu de um conjunto muito particular rlft nirn instâncias geopolíticas: a erosão e depois o colapso dos impérioscoloniais sobre os quais Grã-Bretanha e França tinham construído seu poder; a imensa destruição física e a exaustão psicológica causada pelas duas guerrasmundiais; a percepção de uma ameaça crescente por parte da URSS; atransformação há muito vaticinada na escala de poder e na emergência de uma nova classe de superpotências, com as quais os tradicionais Estados-naçãoda Europa Ocidental não mais poderiam competir individualmente; e a pode-rosa pressão por parte dos EUA no sentido de maior cooperação regional.-----Para os neo-realistas, a hegemonia norte-americana foi especialmenteimportanté. Eles destacam até que ponto a integração européia foi estimuladapelo encorajamento e pressão direta dos EUA — por exemplo, as condiçõesassociadas ao Plano Marshall, que levaram à formação da Organização para a Cooperação Econômica Européia (OCEE) e da União Política Européia(UPE); ou a determinação de Washington do continuar pressionando a favordo rearmamento da Alemanha Ocidental após o início da Guerra da Coréia,forçando a Europa a encontrar uma maneira de conviver com a reabilitação do poder alemão. Eles chamam também a atenção para o fato de a integraçãoeuropéia, que era na realidade uma integração sub-regional, se inserirem uma estrutura de segurança transatlântica. Isto significa que as tarefas imensamente difíceis d e cooperação político-militar e de segurança poderiam ser deixadasde lado. A aceitação do fato da dependência na área de segurança foi, por conseguinte, um dos compromissos essenciais sobre os quais se construírama cooperação e a integração européias — o que torna vital o exame dasrelações entre as questões de economia e segurança em outras partes do mundo.O neo-realismo concentra sua atenção tanto nas pressões do poder político quanto na dinâmica da concorrência econômica. Isso sugere aosneo-realistas que as pressões “de fora para dentro” continuaram a influenciar o caminho da integração européia, mas que tinham cada vez mais a ver coma rivalidade econômica. Assim, ainda na década de 60, De Gaulle deu grandeênfase à cooperação européia — se bem que na forma de umaEurope des p a t r i e s — como meio de conter le défi amérícain e reduzir o que lhe parecia serum “ privilégio exorbitante” dos EUA. Da mesma forma, o relançamento daintegração européia na década de 80 pode ser interpretado como resposta au défi j a p o n a i s e à perda de competitividade, sobretudo em setores estrategicamente (sic) importantes de alta tecnologia. Dessa perspectiva, os objetivos econômicos da integração regional não derivam da busca do bem-estar, mas da estreita relação que existe entre riqueza econômica e poder político e d a preocupação “inevitável” dos Estados com lucros e perdas.32Pode-se, portanto, ver o regionalismo econômico como uma estratégiano jogo da concorrência neomercantilista. Ele pode também ser visto como um

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instrumento de barganha nas negociações que determinam a natureza daordem econômica internacional. Sob este ângulo, por exemplo, o interessecrescente dos EUA no regionalismo econômico em meados da década de 80fo i ao mesmo tempo uma resposta ao declínio de sua competitividade e à suarelativa perda de poder econômicovis-à-vis a Europa e o Japão e uma manobrade negociação ou ferramenta de barganha — o NAFTA como um instrumentopara pressionar o Japão a abrir seus mercados e a APEO como meio de fazerpressão sobre a UE nos estágios finais das negociações da Rodada Uruguaido Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio [GATT].A mesma lógica neo-realista pode ainda se aplicar à política dos Estadosmenores fora da Europa. Sob este ponto de vista, muitos dos agrupamentosregionalistas constituem basicamente a resposta de Estados fracos enredadosno mundo dos fortes. Por isso, boa parte das atividades regionalistas nos anosd a Guerra Fria envolviam, na essência, esquemas de cooperação diplomática e política formulados para melhorar a posição de sua região no sistemainternacional, por meio do aumento de seu poder de barganha ou da tentativad e isolamento total da região e redução de espaço para intervenções externas.Igualmente, o despertar do regionalismo, que ganhou fôlego em muitas partesd o mundo em desenvolvimento na década de 80, foi conseqüência lógica daerosão de coalizões alternativas entre regiões. A srosão da coalizão do Terceiro Mundo, em que foram depositadas tantas esperanças na década de 70,combinada com o medo de marginalização e vulnerabilidade, pressionou ospaíses em desenvolvimento da África, América Latina e Oriente Médio rumo a“ grupos-solidariedade” de caráter regional mais limitado.0 neo-realismo também revela o quanto os acordos regionais nas áreasd e economia e segurança, criados por Estados relativamente fracos, depend e m daspolíticas e atitudes das potências principais. Assim, durante a GuerraF r i a ambas as superpotências favoreceram os acordos regionalistas quefortaleciam seus respectivos sistemas de alianças ou apoiavam clientes importantes. Mas quando contrariava seus interesses geopolíticos, o regionalism o encontrava oposição firme — é o caso, por exemplo, da oposição norte- americana à cooperação sub-regional na América Latina no início da décadad e 50 ou a numerosas propostas de “zonas de paz” ou de zonas nucleareslivres; ou o caso da ambivalência soviética em relação ao regionalismo europe u . Embora tenham ocorrido grandes mudanças com o fim da Guerra Fria, aexpectativa dos neo-realistas é que esses padrões prossigam, ou seja, que oê x i t o da cooperação sub-regional continue dependendo das grandes potênciasagindo uni lateral mente ou dos agrupamentos macrorregionais que essas potências lideram.Hegemonia. Embora tenha sido grande o esforço despendido na análised a s relações gerais entre hegemonia e cooperação, os vínculos entre hegemo-33nia' e regionalismo não estão ainda suficientemente teorizados. Não restadúvida de que a existencia de um forte poder hegemônico em uma região podecomprometer os esforços de construir instrumentos regionais que envolvam

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todos ou quase todos os Estados dessa região. A posição da índia no subcontinente e a historia do South Asían Regional Cooperatíon Councíl (SARC) é umexemplo bem ilustrativo. Mas o quadro é muito mais interessante e complexo.Existem, no mínimo, quatro maneiras em que a hegemonia pode atuar comopoderoso estímulo ao regionalismo e à criação de instituições regionalistas.Primeira, os agrupamentos sub-regionais muitas vezes se desenvolvemcomoresposta à existência de um poder hegemônico real ou potencial. Emmuitas partes do mundo, verifica-se uma tendência à formação de agrupamentos sub-regionais como meio de melhorar o equilíbrio de poder vis-à-vis umEstado localmente dominante ou ameaçador. Embora com variações na abrangência e nas características, a ASEAN (contra o Vietnã e, mais recentemente,contra a China), o Conselho de Cooperação do Golfo (contra o Irã), o SADCC(contra a África do Sul), o Grupo de Contadora, o Grupo do Rio e o Mercosul(contra os EUA) não podem ser entendidos a não ser no contexto do balançodo poder regional e das políticas da potência regionalmente dominante e/ouQ m Q Q n a r l n r Q ui i luuyuuvj i u.

Segunda, o regionalismo pode emergir como uma tentativa de restringiro livre exercício do poder hegemônico pela criação de instituições regionais. Muitos vêem a posição da Alemanha na CE como a ilustração clássica dessa“armadilha regionalista” , formulada para atenuar e administrar o inevitávelimpacto da preponderância alemã. Se a integração européia foi pressionada de fora pela ameaça da URSS, de um lado, e pela liderança hegemônica dosEUA, do outro, ela foi também explicitamente promovida como um meio de administrar o poder alemão. Embora a divisão da Alemanha tenha aliviado ostemores dos outros europeus, certamente não os removeu. A Europa precisavado poder econômico da Alemanha para alimentar a recuperação pós-guerra edo poder militar alemão para conter a ameaça soviética. Na verdade, o projetoespecífico deintegração regional surgiu exatamente como o meio preferidopara se lidar com esse problema: permitir o rearmamento e a reabilitaçãoeconômica, mas envolvendo a Alemanha semi-soberana em uma rede integrada de instituições, tanto no campo econômico (CE) quanto no militar(Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)/União da Europa Ocidental(UEO)). Do ponto de vista da Alemanha, o regionalismo propiciou a coberturamultilateral essencial sob a qual poderia, antes de mais nada, restabelecer suaposição e recuperar sua soberania e, mais recentemente, consolidar suainfluência.26 No Extremo Oriente, ao contrário, o poder japonês foi contido como solapamento do macrorregionalismo e a construção de alianças bilaterais extra-regionais com os EUA.Embora o fim da Guerra Fria tenha alterado esse quadro, a idéia de usaro regionalismo institucionalizado como meio de conter os efeitos potencialmente diruptivos de potências desiguais permanece um fator importante na política34i nternaciona! tanto da Europa quanto do Pacífico Asiático. Além disso, a relaçãoentre tipo de instituição e poder relativo pode servir como um ponto de partidaplausível para a teorização das variações nas características do regionalismo

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em diferentes partes do mundo. Considere-se, por exemplo, o contraste entreas estruturas de institucionalização relativamente complexas do NAFTA, de umlado, e o caráter frouxo da APEÓ, de outro. Em ambos os casos, os EUAtinhamum conjunto claro de objetivos económicos que não podiam ser inteiramentepromovidos por meio do GATT (a inclusão nos “ regimes comerciais” de regrassobre investimentos, serviços e direitos de propriedade intelectual). Quanto aoMéxico e aos países relativamente fracos da América do Sul, a oposição abertaseria perigosa e cara. O equilíbrio de incentivos, portanto, favorece uma ordemhegemônica limitadora, na qual se troca a aceitação de importantes objetivosdos EUA pelo acesso mais seguro ao mercado norte-americano e na qual níveisrelativamente altos de institucionalização restringirão — espera-se — suavulnerabilidade ao exercício unilateral do poder pelos EUA. No Pacífico Asiático, ao contrário, os Estados muito mais fortes da região resistiram com êxito aos esforços norte-americanos de promover a APEC à condição de veículoformal alternativo de pressão a favor de sua agenda econômica externa. Do ponto de vista da APEC, um frouxo instrumento regional mantém os EUAenvolvidos nasegurança da região, ao mesmo tempo em que restringe sua capacidade de pressionar a agendaeconômica desses países.Tgf-Qg¡(-a; esse tipo de comportamento se associa, com freqüência intimamente, à tendência dos Estados mais fracos de buscar acomodaçãoregional com o poder hegemônico local, na esperança de receber recompensasespeciais ( bandwagoning, no jargão realista). A teoria neo-realista prediz queesse tipo d e comportamento é mais provável quando os diferenciais de podersão muito grandes, quando são poucas as alternativas externas de acomodação com o poder hegemônico e quando é grande a proximidade geográfica do Estado menor. Ainda que inspirada em sua vulnerabilidade real ou potencial,semelhante estratégiaoferece aos pequenos Estados a possibilidade debenefícios materiais. A participação em uma coalizão militar dominada por umagrande potência pode, por exemplo, ser o meio mais viável de adquirir modernos sistemas de armamentos. É claro que, quanto mais preparado estiver opoder dominante para aceitar uma ordem hegemônica limitada por regras, maisaceitável se r á a estratégia debandwagoning para os Estados fracos.27Quarta, o próprio poder hegemônico pode procurar envolver-se ativamente na construção de instituições regionais. É interessante observar que, neste caso, a lógica diverge do argumento de que a emergência da cooperação e acriação de instituições internacionais se baseiam em uma situação hegemônica. Olhando quase que exclusivamente para instituições não-regionais, osteóricos d a estabilidade hegemônica argumentam que a criação de cooperação institucionalizada depende intensamente do poder desigual e da existência dahegemonia. Não obstante, se o poder hegemônico se encontrar na posição extrema d e domínio, este poder poderá tornar o regionalismo institucionalizado35desnecessário ou, na melhor das hipóteses, marginai. O declínio de hegemo

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nia, porém, poderá pressionar o poder hegemônico a criar instituições comuns com o objetivo de perseguir seus interesses, compartilhar os ônus, resolverproblemas comuns e gerar apoio e legitimidade internacionais para suaspolíticas. Essa combinação de desigualdade ainda marcante e níveis geraisdeclinantes de poder pode ser muito eficaz para a criação de instrumentosregionalistas. De um lado, o Estado central é forte ainda o bastante para exercerliderança efetiva e, se necessário, coerção; de outro, o esquema fica equilibrado pela percepção de que o poder declinante torna a cooperação ainda maisnecessária.28O neo-realismo demonstra pouco interesse pela regionalização ou integração econômica regional, acreditando que os chamados “processos autônomos de mercado” são basicamente determinados pelas estruturas do sistema político internacional e pelas políticas dos Estados principais. A coesãoregional é possível, mas como resultado do poder do Estado hegemônicoregional ou da convergência sustentada de interesses e incentivos materiais.É pequeno o peso atribuído à noção de consciência regional. Dentro de seuslimites, a teoria neo-realista tem ainda muito a nos dizer tanto sobre a relevânciadas pressões “de fora para dentro” quanto sobre a importância da hegemonia.Ela é útil para esclarecer como as restrições externas e a estrutura do sistemainternacional moldam as opções regionalistas em todos os Estados, massobretudo no caso dos Estados relativamente fracos. E serve também paraexplicar a lógica da interação estratégica quando se conhecem e entendembem a identidade dos atores e a natureza de seus interesses.Contudo, o neo-realismo diz pouco sobre as características da cooperação regional depois de estabelecida, e sobre o modo como os hábitos decooperação sustentada podem envolver estruturas institucionais muito diferentes da idéia tradicional de coalizão, aliança ou organização internacional. Ofuncionamento dessas instituições poderá conduzir a uma nova definição deinteresses próprios e talvez a uma nova concepção de “próprio” . O neo-realismo também diz pouco sobre o impacto dos fatores internos. Fala muito deEstados enquanto atores com interesses próprios competindo em um mundoanárquico, mas deixa sem explicação a identidade dos “próprios” e a naturezados interesses, ou simplesmente as pressupõe. Além disso, se existem limitações em relação aos fatores internos e ao funcionamento das instituiçõesregionais, existem também dificuldades importantes no que diz respeito ao ladode fora, e é para elas que nos voltamos agora.

2.1.2 — Interdependência Estrutural e GlobalizaçãoUma das críticas mais sistemáticas e vigorosas feitas ao neo-realismotem a ver com sua descaracterização do sistema internacional. Nesta ótica, osfatores sistêmicos são extremamente importantes, mas o neo-realismo propicia36apenas um relato grosseiramente simplificado da natureza do sistema, no qua!ignora como a dinámica competitiva do mesmo muda ao longo do tempo. Em particular, o quadro que traça do sistema internacional deixa completamented e fora a análise de como as mudanças econômicas globais afetam a naturezad a competição política e econômica e a conseqüente definição de interesses

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estatais.Críticas desse tipo se originaram em obras da década de 70 sobreí interdependência e modernização, associadas a estudiosos como Joseph Nye,Robert Keohane e Edward Morse. Não obstante, o enfoque estrutural ousistêmico desses trabalhos foi-se atenuando (e com freqüência desapareceuinteiramente) à medida que a atenção se voltou para os vínculos entre interdependência e poder estatal e para a natureza e o papel dos regimes naadministração da interdependência em áreas específicas,29 e à medida que apreocupação inicial com o transnacionalismo e os atores não-estatais foisubstituída por uma perspectiva fortemente centrada no Estado. Conquanto oenfoque nos regimes específicos seja, sem dúvida, significativo/ele é tambémextremamente importante por fazer reviver a idéia de interdependência comoum fenômeno sistêmico ou estrutural e por examinar o regionalismo contemporâneo n o contexto de uma globalização cada vez mais profunda.“Globalização” tornou-se um tema importante da discussão pós-GuèrraFria sobre a natureza da ordem internacional. Se bem que quase nunca ligadaa umateoria claramente articulada, ela transformou-se em metáfora poderosapara o sentido de numerosos processos universais que estão em curso,gerando interconexão e interdependência crescentes entre Estados e sociedades. A imagem cada vez mais comum é a de uma inundação global dedinheiro, pessoas, imagens, valores e idéias, transbordando do antigo sistemade barreiras nacionais que visavam preservar a autonomia estatal. Comoresultado, os limites territoriais estão se tornando cada vez menos importantes,o sentido tradicional de soberania está sendo solapado e as regiões individualmentepassaram a ser con sideradas dentro de um contexto global maisamplo. Essas perspectivas são bem expressas por frases de efeito como£ímundo se m fronteiras” ou “fim da geografia” .30A m aior parte dos argumentos contemporâneos em favor dá globalizarãoapóia-se e m uma das seguintes considerações: (1) o mundo está testemunhando um aumento dramático na “densidade” e “profundidade” da interdependência econômica; (2) a tecnologia da informação e a revolução da informação estão desempenhando um papel crucial na difusão de conhecimentos, tecnologias e idéias; (3) esses desenvolvimentos criam a infra-estrutura material parao fortalecimento da interdependência das sociedades. Isto, juntamente com ainfluência integradora e hõmogeneizadora das forças de mercado, facilita a crescente circulação de valores, conhecimentos e idéias e aumenta a capacidade de grupos que pensam da mesma maneira de organizar-se além das fronteiras nacionais, criando uma sociedade civil transnacional que inclui37comunidades de políticas transnacionais e movimentos sociais transnacionais;(4) tudo isso está conduzindo a urna consciencia sem precedentes e cada vezmais forte dos “problemas globais” , como a mudança global do meio ambientee de que todos pertencem a urna única “comunidade humana” .Mas o que essas idéias têm a ver com o regionalismo? A resposta écomplexa e ambigua. De um lado, a globalização trabalha contra a emergência

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do regionalismo de várias maneiras. Primeiro, o aumento dos níveis de interdependencia económica, juntamente com o surgimento de novas questõesglobais, como a degradação do meio ambiente, refugiados, respostas aosdesastres humanitários, criam poderosa “demanda” por instituições internacionais de base não-regional, projetadas para resolver problemas comunse administrar as numerosas fontes de atrito a que a interdependencia deuorigem. De fato, a preocupação crescente com padrões de interdependênciaque transcenderam as regiões individualmente persuadiu a muitos dos envolvidos no estudo da integração regional a voltarem sua atenção para umestágio mais amplo.31Segundo, a expansão da interdependência econômica e o crescimentoda cooperação nas áreas de política, economia e segurança no âmbito daOrganização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criaramelementos poderosos de coesão “ocidental” , e não especificamente regional.Embora essas estruturas institucionais tenham se difundido (Bretton Woods, a OCDE, o Grupo dos Sete (G-7), os sistemas de segurança transatlânticos etranspacíficos), tudo isso junto representou, e continua a representar, umarestrição importante ao crescimento de agrupamentos regionais coerentes.Terceiro, o equilíbrio entre globalização e regionalização da atividadeeconômica é complexo. Ainda que tenha ocorrido um aumento da regionalização, existem poderosas forças de integração global, sobretudo com o desenvolvimento das finanças globais e das estruturas globais de produção, envolvendo alianças Estado-empresas que ultrapassam os limites das regiões.32Não obstante, a globalização pode atuar também como estímulo aoregionalismo. Primeiro, o aprofundamento crescente da integração acarretaproblemas que exigem gestão coletiva e, mais especificamente, formas degestão e regulação que mergulhem cada vez mais fundo nos negócios internose nas prerrogativas soberanas dos Estados. Trata-se de um estímulo aoregionalismo na medida em que politicamente é mais viável construir essasinstituições em nível regional do que em nível global. Sob essa ótica, a“comunidade” de cultura e história, a homogeneidade de sistemas sociais evalores, a convergência de interesses nas áreas de política e de segurança e as características das coalizões internas facilitam a aceitação de uma intervenção abrangente, tanto em termos do estabelecimento de padrões quanto de regulação, e mais ainda de colocação em prática e implementação efetiva.Segundo, a característica “ global” de muitas questões é com freqüência exagerada. Embora existam questões que, sem dúvida, são genuinamente38globais, c o m o alteração do clima e perda da biodiversidade, e embora numerosas outras questões, como os problemas do meio ambiente e dos refugiados,constituam na verdade uma questão global quando agregadas, é possível queseusefeitos se façam sentir mais diretamente em determinadas regiões, sendo,portanto, mais no nível regional que no global que o equilíbrio dos interesses eincentivos provavelmente pressionarão os Estados a procurar as políticas deresposta. Assim, embora, em sentido abstrato, a lógica da cooperação apontepara o globalismo, são numerosos os argumentos práticos em favor das

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contribuições de base regional à solução de problemas globais ou da colocaçãoem prática em âmbito regional de padrões ou medidas globalmente acordados.Terceiro, existe ainda o argumento relacionado de que o regionalismorepresenta o nível mais viável para reconciliar o mercado integrador e as pressões tecnológicas para a globalização e integração, de um lado, e ast endências igualmente visíveis à fissão e fragmentação, do outro. Os liberaisreconhecem as tensões envolvidas, mas encaram o processo de reconciliação como um ajuste necessário às novas oportunidades tecnológicas que no longoprazo ampliarão o bem-estar global. Os teóricos radicais, por sua vez, destacam até que ponto o deslocamento geral da autoridade, que sai do Estadopara o mercado, é regido pela mudança das estratégias empresariais do capitaltransnacional.33 Eles argumentam que a redução da função reguladora doEstado e s u a substituição por instituições internacionais politicamente fracas nos níveis regional e global têm implicações importantes para o equilíbrio dariqueza e poder entre os grupos sociais dentro das regiões e entre elas. Apolítica do regionalismo concentra-se, portanto, em torno das questões dadesigualdade e redistribuição.Quarto, e talvez o mais importante, a integração global pode ter atuadocomo poderoso estímulo ao regionalismo econômico, alterando e intensificando pa d rõ e s da concorrência comercial. Mudanças na tecnologia, nas telecomunicações, na operação dos mercados globais e no crescimento dos sistemas globais d e produção certamente exerceram um impacto profundo sobre adefinição d o desenvolvimento econômico e autonomia política e sobre a faixa deir a d e- o f f s aceitaveis entre elas. De um lado, globalizaçao significa qus osEstados enfrentam pressões poderosas para a homogeneização das políticaseconômicas, a fim de atrair investimentos e tecnologia estrangeiros e competirem um mercado cada vez mais vinculado. Essas pressões, sistematicamenteorientadas para políticas liberais de mercado, aumentaram a importância daexpansão das exportações e da liberalização do comércio nos níveis global e regional. P o r outro lado, a natureza da competição pressiona em direção àformação de unidades maiores, tanto por razões de eficiência quanto paragarantir o poder político necessário para influenciar efetivamente as regras ei nstituições que governam a economia mundial. É importante observar que,nesse quadro, os Estados deixam de ser os únicos atores relevantes. Aregi onalização econômica é conduzida cada vez mais pelas políticas e preferências de companhias transnacionais, enquanto as políticas de in-39íegração econômica regional precisam ser entendidas em termos de convergência de interesses entre as elites estatais e as empresas em resposta às mudanças estruturais na economia mundial.Assim, embora possa ser verdadeiro, em um determinado nível, que se promoveu o relançamento da integração européia na década de 80 por medoda “euroesclerose” e da perda de terreno na batalha da concorrência com osEUA e o Japão, esse quadro é por demais simplista. O que precisa serperguntado é o que mudou da década de 60 para a de 80 que tornou as políticaseconômicas externas anteriores cada vez menos viáveis. A resposta não pode

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ser pinçada do mundo parcimonioso, mas estéril, do neo-realismo nem dasteorias que se concentram na evolução interna da Europa. Mudanças naeconomia global — na tecnologia e nos sistemas de produção, mas sobretudoo impacto das tecnologias de informação e da segunda revolução industrial— significam que as políticas industriais nacionais e a promoção de “campeõesnacionais” não eram mais consideradas adequadas. O ambiente global de mudanças acabou com a possibilidade de respostas bem-sucedidas em nívelnacional aos desafios da concorrência internacional, além de colocar em xequea confiança nas políticas keynesianas e do Estado de Bem-Estar, das quais asnegociações políticas internas tinham tão fortemente dependido. Como resultado, vimos o crescimento no âmbito da comunidade européia de programas de desenvolvimento tecnológico, a promoção de “campeões europeus” e umpadrão c o m pl ex o de desregulamentação, colaboração e "alianças estratégicas.342.2 — Regionalismo e InterdependênciaEnr oposição às abordagens “de fora para dentro” , que enfatizam osistema como um todo, um segundo grupo de teorias verifica uma estreitaligação entre regionalismo e interdependência regional, por oposição à global.As duas primeiras variantes visualizam o regionalismo como uma respostafuncional dos Estados aos problemas criados pela interdependência regionale sublinham o papel crítico das instituições ém encorajar e desenvolver acoesão regional.35 Elas se enquadram totalmente no campo liberal, com suaênfase na racionalidade, metas de bem-estar, conhecimento científico e tecnológico e sua visão geralmente pluralista da sociedade internacional. A terceira variante dá destaque maior às relações entre interdépendência material eidentidade dá comunidade.2.2.1 — NeofunciônalismoO neofuncionalismo desempenhou papel fundamental, se bem que muitocriticado, no desenvolvimento de teorias sobre a integração européia.36 Os neofuncionalistas argumentavam que os níveis altos e em elevação de in40terdependência estabeleceriam o ritmo de um processo contínuo de cooperação que acabaria levando à integração política. As instituições supranacionaiseram vistas como os meios mais efetivos para resolver problemas comuns,começando pelas questões técnicas e não controvertidas, mas com “ respingos”ou efeitos secundários no domínio da alta política e conduzindo a uma redefinição de identidade de grupo em torno da unidade regional.A predição central do neofuncionalismo era a de que a integração setomaria auto-sustentada e a metáfora fundamental seria a do “ respingar” Çspill-ovei) . Dois tipos de efeitos secundários aprofundariam a integração,atuando p o r meio da pressão de grupos de interesse, da opinião pública e dasocialização da elite. Primeiro, o efeito secundário funcional, pelo qual os pequenos passos iniciais na estrada da integração criariam novos problemasque só seriam resolvidos com mais cooperação.-A integração parcial representava um abrigo instável a meio caminho, e a complexidade crescente dainterdependência significava que a cooperação em uma área forçaria osgovernos a expandirem seus esforços para outras áreas. Segundo, o efeito

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secundário político, pelo qual a existência de instituições supranacionais dispararia um processo de autoconsolidação na construção de instituições. Sobesta ótica, a complexa interdependência exige gestão tecnocrática centralizada. Uma vez criadas, as instituições adquirem uma dinâmica internaprópria — daí a grande atenção a ser dada ao papel da Comissão da CE naarticulação de metas e propostas e na intermediação das negociações.37 Oresultado final seria a mudança nas fealdades. Para Ernst Haas, a integraçãoseria“ [...] o processo pelo qual os atores em distintos contextos nacionais são persuadidos a deslocar suas lealdades, expectativas e atividades políticas para um novocentro, cujas instituições possuem ou exigem jurisdição sobre os Estados nacionais preexistentes” .38O neofuncionalismo dá grande ênfase às conseqüências não pretendidasde decisões anteriores, à idéia de aprender a adaptar-se a novas situações, àextensa penetração interburocrática na CE e à capacidade de funcionários supranacionais exercerem liderança. Não obstante, uma vez que o desenvolvimento da CE muitas vezes contrariou as previsões dessa teoria, as críticascresceram: a teoria falhou em prever a evolução da CE; subestimou a resiliên-cia do Estado-nação e das lealdades em nível nacional; ignorou as enormesdiferenças existentes entre assuntos de “baixa política” , que podem estarsujeitos à gestão tecnocrática, e os assuntos de “alta política” , que permanecemessenciais à soberania nacional; não levou na devida conta a mudança dopapel de fatores externos, políticos, econômicos e de segurança (e também ainfluência dos deslocamentos no ciclo econômico); e foi excessivamentedeterminista, tecnocrática e apolítica, incapaz de explicar a natureza dosconflitos políticos e distributivos do poder entre Estados-membros e as esco41

lhas entre diferentes meios de geri-los. Mas a idéia central, de que ofortalecimento da cooperação entre Estados e de que os avanços rumo àintegração formal constituíam essencialmente respostas ao aumento da interdependência social e econômica, permaneceu como elemento importanteno debate europeu, e a renovação do impulso de integração do final da décadade 80 estimulou uma reavaliação da teoria.39Apesar da importância que teve para a teoria e a prática do regionalismoeuropeu, sua relevância para o regionalismo contemporâneo de outras partesdo mundo não é tão clara. Primeiro, o neofuncionalismo sempre teve mais a dizer sobre o papel das instituições do que sobre os fatores que explicam onascimento dos esquemas regionalistas. Segundo, suas expectativas de declínio do papel do Estado em relação às instituições centrais parecem emdesacordo radical com a orientação fortemente estatal da maioria dos mecanismos regionalistas fora da CE. Terceiro, contrariamente ao institucionalismoneoliberal e ao conceito de comunidade de segurança de Deutsch, o neofuncionalismo vê as instituições como fundamentais e tem dificuldade em relacion a rs e com os níveis razoavelmente baixos de institucionalização encontradosem muitos esquemas regionalistas.Mas é possível que no futuro as teses neofuncionalistas se tornem maisrelevantes, à medida que a cooperação regional se aprofundar e as instituições

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regionais se consolidarem. Assim, a recente evolução institucional do Mercosul ou os dispositivos de largo alcance e muitas vezes altamente técnicos doNAFTA poderão conduzir a tipos de processos sociais e políticos que foramfundamentais para o pensamento neofuncionalista sobre a integração européia: o processo de crescimento institucional e os efeitos secundários emdiferentes setores; o papel principal das elites técnicas e das burocraciasinternacionais; e o grau em que a estrutura institucionalizada do complexoprocesso de negociação abre caminho para a mobilização de grupos deinteresse transnacionais.2.2.2 — Institucionalismo NeoliberalO institucionalismo neoliberal foi a abordagem teórica mais influente noestudo recente da cooperação internacional e constitui uma teoria altamenteplausível e generalizável para o entendimento do ressurgimento do regionalismo.40 Os institucionalistas baseiam suas análises em numerosos argumentosde peso. Primeiro, o aumento dos níveis de interdependência gera aumento de“demanda” por cooperação internacional. As instituições são vistas comosoluções intencionalmente criadas para diferentes tipos de problemas de ação coletiva. Como Robert Keohane observou,42“Os institucionalistas não elevam os regimes internacionais a posições míticas deautoridade sobre os Estados: pelo contrário, os Estados criam esses regimes paraatingi r objetivos definidos. Ao enfrentarem dilemas de coordenação e colaboraçãonas situações de interdependência, os governos sentem a necessidade de instituições internacionais que lhes possibilitem atender a seus interesses pormeio de ação coletiva limitada” .41Criam-se normas, regras e instituições porque elas ajudam os Estados alidar com os problemas comuns e porque ampliam o bem-estar.Segundo, o institucionalismo neoliberal é fortemente estatista, preocupado com o modo como os Estados, concebidos como egoístas racionais, podemser levados a cooperar.42 Ao contrário das redes pluralistas enfatizadas pelosneofuncionalistas, o Estado é visto .como o guarda-cancela efetivo entre ointerno e o internacional. Na verdade, essa abordagem coloca em evidênciacomo a gestão colaborativa bem-sucedida dos problemas comuns fortalece opapel do Estado. Dessa forma, o veio dominante do institucionalismo racionalista procura reter os pressupostos neo-realistas, mas argumentando que elesnão excluem acooperação. A meta é isolar e analisar as constelações particulares de poder, interesses e preferências que possam explicar as fontes e oslimites do comportamento cooperativo.Terceiro, as instituições são importantes pelos benefícios que proporcionam e pe lo seu impacto nos cálculos dos atores e nas maneiras como osEstados definem seus interesses. Elas conseguem isso por meio do suprimentode informações, da promoção da transparência e do controle, da redução dos custos de transação, do desenvolvimento de expectativas convergentes e dafacilitação do uso produtivo de estratégias específicas. Dá-se atenção particularao número de jogadores, ao grau em que os Estados se envolvem no processo contínuo d e cooperação (a idéia de jogos repetidos ou “iteração” e a importância

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de “prolongamento da sombra do futuro” ) e à eficácia de mecanismos paradesencorajar fraudes (a fraude e a deserção(cheating e defectiorí) são consideradas os principais obstáculos à cooperação, e não, como defendem osneo-realistas, os conflitos distributivos e a preocupação com ganhos relativos).As t eorias institucionalistas concentram-se nas maneiras como a interação estratégica pode conduzir à emergência da cooperação em determinadas á reas das relações internacionais. Como se observou anteriormente, atendência dominante nas décadas de 70 e 80 foi aplicar essa abordagem a questões específicas não-regionais, sobretudo nos campos da economia e domeio ambiente, mas com certa ênfase nos regimes de segurança. Todavia, osinstitucionalistas passaram a dispensar uma atenção cada vez maior à CE. Segundo eles, as instituições da comunidade se baseiam numa série debarganhas entre os principais Estados. Apontam também para a reafirmação do controle dos governos nacionais europeus depois dos primeiros passos nadireção d o supranacionalismo e da criação ou fortalecimento de práticas einstituições intergovernamentais.4343A principal dificuldade dessas abordagens é que a ampla regionalizaçãoe a cooperação regional intensa têm minado o caráter monolítico do Estado,levando à criação de alianças burocráticas entre governos, a negociações emvários níveis e com parceiros múltiplos, e ao estabelecimento de novas formasde identidade acima e abaixo dos Estados — aspectos difíceis de incorporarna teoria da escolha racional e nas perspectivas de negociações estatais quedominam os trabalhos dos institucionalistas norte-americanos.44Aplicada a outros exemplos de regionalismo, a teoria institucionalistaprocuraria identificar como os processos de regionalização e integração econômica regional criam (1) problemas materiais e o que Richard Cooper chamoude “externalidades internacionais de políticas” que requerem gestão coletiva;e (2) incentivos para a redução dos custos de transação e a facilitação dosvínculos intra-regionais.45 Espera-se que ambos conduzam à expansão dasinstituições cooperativas formais e informais entre Estados. Assim, a escolha enfrentada por EUA e México no processo do NAFTA não era entre seaproximar ou não mais um do outro, mas entre formalizar e institucionalizar oudeixar para negociações políticasad hoc a gestão de interdependências econômicas, ambientais e sociais cada vez mais densas e complexas surgidasao longo dos últimos 40 anos.Igualmente, para a teoria institucionalista, a crescente ênfase sobre oregionalismo político no Pacífico Asiático reflete a necessidade de “gerir” oaumento dos níveis da interdependência econômica que cresceram na região.Como Peter Petri destacou recentemente,“ É possível que a importância de um parceiro particular nas transações de umpaís esteja intimamente relacionada com os investimentos do país na vinculaçãocom o parceiro. Não surpreende, portanto, que uma ampla gama de iniciativas particulares tenha emergido recentemente para solucionar as novas questõesgeradas pela interdependência no Leste Asiático. De uma perspectiva analítica, essas iniciativas podem ser vistas como tentativas de reduzir os custos de

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transação no comércio regional, de administrar os atritos comerciais intra-regio-nais e de disciplinar as forças econômicas regionais contra os desafios econômicos externos”.46Do ponto de vista institucionalista, a emergência dos regimes de segurança regional (a CSCE, o Fórum Regional ASEAN e a rede da construção demedidas de confiança na América do Sul) não deveria ser vista em termos de equilíbrio de poder ou formação de alianças. Em vez disso, eles foram criadose sobreviverão em função dos benefícios que propiciam: facilitação de comunicação, Informação e transparência; redução das percepções de ameaças mútuas e dos piores cenários; e eliminação das profecias de auto-realizaçãoque estão no âmago do dilema da segurança. Finalmente, a coesão regionalemergiria, sob esse ponto de vista, não de grandes propostas visando à criaçãode novas estruturas federais, mas da cooperação individual ou específica emdeterminada questão, a partir do que se formaria uma rede cada vez mais44densa, na qual a cooperação em torno de novas questões se encontraríaembutida em um todo maior e mais complexo.2.2.3 — Const rut ivi sm©As teorias construtivistas enfocam a consciencia e a identidade regionais,com base no compartilhamento do sentido de pertencer a determinada comunidade regional e no que tem sido chamado de “regionalismo cognitivo” .Segundo elas, a coesão regional depende do sentido de comunidade baseadoem mútua responsívidade, confiança e elevados níveís do que se pode chamarde “interdependência cognitiva” .Segundo essas teorias, são duas as principais variáveis relevantes parao estudo do regionalismo.47 A primeira deriva diretamente da obra original deDeutsch sobre integração. Envolve a visão de evolução da comunidade edestaca duas idéias centrais: (1) as características das relações entre Estados— ou, de forma mais precisa para Deutsch, intersociais — dentro dessassociedades podem, e devem, ser entendidas no sentido de comunidade ou do“ nós” , que implica simpatia mútua, lealdade e identidade compartilhada. Isto,por sua vez, se baseia em princípios compartilhados, em normas mantidas coletivamente e em entendimentos comuns, mais do que em conveniências ouem conjunções temporárias de interesses de curto prazo; e (2) o processo pelo qual semelhante comunidade emerge é de certa forma compatível com valoressociais maiores (sobretudo capitalismo e democracia liberal) e com processosde comunicação social baseados no aumento do nível de transação entre duasou mais sociedades (daí, o rótulo de “transacionalismo”).A segunda variante rejeita a rigidez do vínculo da obra de Deutsch entretransações e identidade e as metodologias positivistas que a apóiam, mas preserva a importância fundamental do entendimento dos processos pelosquais as novas comunidades são criadas e sustentadas.48 Isso envolve algumas idéias importantes: (1) ao contrário do que acontece com as teoriasracionalistas, é preciso dispensar uma atenção bem maior aos processosmediante os quais os interesses e identidades são criados e evoluem, àinteração das auto-imagens com as mudanças dos incentivos materiais e à linguagem e discurso que exprimem esses entendimentos; (2) são de grandeimportância a leitura que os atores fazem do mundo e o processo de formação

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do que entendem por “ lugar a que pertencem” ; e (3) os interesses são moldadospor histórias e culturas particulares, fatores internos e processos contínuos deinteração com outros Estados.Em v e z de concentrar-se apenas nos incentivos materiais, os construtivis- tas enfatizam a importância do compartilhamento de conhecimentos, aprendizado, f orças das idéias e estruturas normativas e institucionais. Afirmam quea compreensão das estruturas intersubjetivas nos permite chegar ao modo como os interesses e identidades mudam ao longo do tempo e como podem45emergir novas formas de cooperação e de comunidade, Como Wendt observa,os“[...] consírutivisías se interessam pela construção de identidades e interesses eadotam uma abordagem mais socioiógica que econômica à teoria sistêmica. Com base nisto, eles argumentam que os Estados não surgiram como tais nemestrutural nem exogenamente, mas foram construídos por interações historicamente contingentes.”49Mas para seus críticos neo-realistas e racionalistas, eles superestimam aimportância das identidades regionais e o discurso sobre regiões e sobreconstrução de regiões. Os neo-reaiisias insistem na ocorrência freqüente deconflitos em comunidades altamente integradas, que compartilham valores ecrenças, e destacam a maleabilidade da identidade e a fluidez da retóricaregionalista.O despertar do interesse por essas abordagens reflete a forte crença deque o constante e confuso turbilhão de clamores contemporâneos por identidade se tornou mais importante e mais controverso, propiciando talvez o pontode contato mais produtivo entre o estudo do regionalismo contemporâneo e asabordagens pós-modernas das relações internacionais. Sob essa ótica, as dificuldades atualmente enfrentadas pelo regionalismo na Europa precisam serestudadas no contexto da erosão dos mitos aparentemente sólidos e duráveisem torno dos quais a CE nasceu e se desenvolveu.50 Na Europa, nas Américase na Ásia, as questões de identidade regional tornaram-se fundamentais paraa política do regionalismo, embora naturalmente matizadas pela existência dediferentes concepçõesnacionais de região, pelos profundos conflitos a respeitoda definição geográfica da região e pelos valores que se supõe que as regiõesrepresentam.512.3 — Teorias de Nível InternoUm terceiro grupo de teorias concentra-se no papel dos atributos oucaracterísticas internas compartilhados. Essa ênfase não é nova. Aqueles quetentaram definir região destacaram com freqüência a soma de pontos comunsno campo da etnia, raça, língua, religião, cultura, história, consciência deherança comum. Estudiosos como Karl Deutsch sublinharam a importância da“ compatibilidade dos valores maiores relevantes para o processo decisoriopolítico” na emergência das comunidades de segurança. Os neofuncionallstasacreditavam que a dinâmica do efeito secundário dependia de certos pré-requisitos internos, sobretudo da natureza pluralista das modernas sociedadesindustrializadas e do papel particular desempenhado pelas elites na redefinição

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d os interesses em uma base mais ampla que a nacional. São três as maneirasabrangentes de relacionaros fatores internos ao regionalismo contemporâneo.452 . 3 J — Regi onali smo e Coerência EstatalO regionalismo é muitas vezes visto como urna alternativa ao Estado oucomo um meio de se ir “além do Esíado-nação” e tem sido comum analistasacadémicos e entusiastas pela Europa falarem do fim da soberania ou da nãoimportância das fronteiras nacionais, esquecendo-se convenientemente daimportância suprema das fronteiras e da soberania do Estado nos Bálcãs e namaior parte da Europa Central. Não obstante, é provável que as possibilidadesde cooperação e integração regionais dependam muito fortemente da coerência e viabilidade dos Estados e das estruturas estatais. Está-se tornando umtruismo que a maioria dos problemas sérios do pós-Guerra Fria não resulta dafalta de legitimidade entre os Estados, mas da falta de legitimidade ainda maiordentro deles. Em muitas partes do mundo pós-colonial, instabilidade política,guerras civis, má gestão econômica e degradação ambientalinteragiram paraminar a coesão das estruturas estatais, erodir a base econômica e o tecidosocial de muitos Estados fracos, e produzir uma espiral para baixo conduzindoà desintegração e à anarquia.A ausência de Estados viáveis — em termos de aparatos estatais efetivose limites territoriais mutuamente aceitáveis — dificulta o processo de construção da região, quando não o impossibilita. Esses problemas constituemobstáculos importantes ao desenvolvimento do regionalismo eficaz em muitaspartes da África, do Oriente Médio e dosul da Asia. Não é, portanto, mera coincidência que os exemplps mais elaborados de regionalismo — CE, NAFTA,ASEAN e Mercosul — tenham ocorrido em regiões onde as estruturas estataispermanecem relativamente fortes e a legitimidade das fronteiras e dos regimesnão é, como um todo, colocada em questão, embora possam continuar existindo disputas territoriais. Ainda que o regionalismo possa, ao longo do tempo,conduzir à criação de novas formas de organizaçãopolítica, regionalismo efortalecimento estatal não se contradizem e os Estados continuam sendo osblocos essenciais à construção dos acordos regionalistas.2.3.2 — Tipo de Regime e DemocratizaçãoAo longo dos últimos anos, foi grande a atenção dispensada pelosestudiosos das relações internacionais à reavaliação da importância dos f a tores inte mos e da democracia e democratização. Isso fazia parte de um ataqueao neo-realismo e à ênfase dada por ele à importância extrema das pressõese dinâmica sistêmicas. Desenvolveu-se um impulso teórico substancial emtorno da proposição de que a democracia na verdade faz uma diferençafundamental e, em particular, de que as democracias não entram em guerraentre si.52 Boa parte dessa produção tem se voltado para as proposições geraissobre o comportamento dos Estados liberais. Da mesma forma, muitos procuraram identificar “zonas liberais” cruzando regiões geográficas — a área do47

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Atlântico Norte no estudo clássico de Deutsch, ou o quadro de Daniel Deudneye G. John Ikenberry de cooperação continuada no mundo da OCDE, ou aanálise de Anne-Marie Burley da dinâmica legal das zonas liberais.53 Nãoobstante, é claro que a possível existência de uniões pacíficas regionais é damaior importância para o entendimento da dinâmica do regionalismo contemporâneo. De fato, como Raymond Cohén argumenta, a robustez do vínculoentre democracia e paz dentro de grupos regionais de Estados que historicamente têm se mantido dispostos e capazes de lutar entre si é fundamental para a avaliação da teoria geral.54É fácil verificar a importância da democracia nas primeiras fases da CE. Conquanto o compromisso com a democracia multipartidária fosse umacaracterística explícita do Tratado de Roma, o êxito da democratização naAlemanha Ocidental e na Itália levou os fundadores da CE a aceitar a existênciada democracia como fato consumado e os teóricos a considerar a democracianli irnlicta r-nmn i im fatnr com inrlárin Mac occa citi ia n ã n não norrli traria o n a r l aI ^ I U I U l I U I U W l I I V M l I I W W W I I U U 1 I I V * I V I M V W V U i V I I I M V ^ / V t VtUII M l I M j V V U I U W

rodada de ampliação da CE tornava a difícil questão dos critérios políticos paraadmissão cada vez mais premente.55 De um lado, essas questões têm a vercom a confiança nos processos de consolidação democrática nos futurosEstados-membros e, de outro, com questões mais difusas e voláteis, mas muitopoderosas, relativas a fronteiras (quem é europeu?) e à identidade (o que é sereuropeu?). Elas também fortalecem e complexificam o problema, que se tornoucada vez ma¡s fundamental para o debate europeu, permanecendo marginal no resto do mundo, ou seja, a questão da legitimidade política da própria CE.Os teóricos liberais da integração — na verdade, o pensamento econômicoliberal, de modo geral — tinham uma visão profundamente apolítica do que aintegração envolvia. Na perspectiva do início da década de 90, qualquer teoriaç)a integração teria de dispensar uma atenção maior às relações entre asinstituições, por meio das quais os Estados procuravam administrar a interdependência, e as questões de representação, responsabilidade e legitimidade política.Existem, certamente, casos em que a onda de transições democráticasque varreu o mundo na década de 80 pode ser sem dúvida associada aodespertar do regionalismo. Os movimentos rumo à cooperação sub-regionalna América do Sul, por exemplo, ocorreram contra o pano de fundo doafastamento da região como um todo dos regimes militares e burocrático-auto-ritários. Todavia, as relações entre regionalismo e democracia são bastantecomplexas. Assim, até mesmo nos casos em que a democratização exerceualgum papel, seu peso relativo necessita ser avaliado com precisão e com baseem estudos mais detalhados do que os até aqui empreendidos. Na AméricaLatina há numerosos outros fatores que foram importantes para o ressurgimento da cooperação sub-regional, muitos dos quais dão razão ao neo-realismo.Existem, igualmente, outros exemplos importantes de regionalismo contemporâneo em que está claro que a democracia não atuou no sentido de48facilitar a cooperação regional — por exemplo, a criação do NAFTA ou aintensificação da cooperação dentro da ASEAN, na qual ocorreu aumento dainteração regional e o aprofundamento institucional ñas esferas da segurança

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e da economia, apesar do fato de apenas um membro da ASEAN poder serconsiderado democrático e da rejeição explícita do liberalismo e da democracia ao estilo ocidental.56Deslindar a complexidade dessas conexões significa prestar mais atenção a v á r i a s questões: ao sentido preciso de “democracia liberal” , de “ regimesliberais” e das diferentes maneiras como os diversos componentes da democracia poderiam contribuir para a criação e manutenção da paz democrática;se a democracia política p e r se contribui para a paz regional ou se a análisedeve se concentrar em fatores subjacentes ou nos pré-requisitos que sustentam as f ormas democráticas de governo e as políticas externas pacíficas; àsrelações e n t re processos de democratização e paz regional, por oposição àênfase q u e a literatura existente dá ao comportamento de democraciasplenamente consolidadas; e, finalmente, às relações entre democratização eformas de violência social e instabilidade que não atingem a guerra formal entre Estados. Todavia, mesmo que essas questões estivessem resolvidas, aindaassim os vínculos entre democratização e regionalismo provavelmente permaneceriam de grande interesse teórico e prático.2.3.3 — Teorias da ConvergênciaAs t e o ria s da convergência buscam compreender a dinâmica da cooperação regional, e especialmente a integração econômica regional, em termosde convergência das preferências de política interna entre os Estados daregião. Assi m, os estudos revisionistas sobre a CE enfatizam como a mitologiapolítica da integração européia é profundamente enganadora. A construção daComunidade Européia não foi perseguida como parte de um projeto maior deavançar “p a r a além do Estado-nação” , mas como o melhor meio de abrigar ouproteger u m projeto interno particular construído em torno da economia keyne- siana, do bem-estar social e de mecanismos sociais corporativistas. Porconseguinte, a integração emerge da implementação de políticas de enfoqueestritamente nacional e paroquial, e não de visões intemacionalistas, quepoderiam resultar no fortalecimento, e não no enfraquecimento do papel doEstado.57 Da mesma forma, o ressurgimento do impulso integracionista emmeados d a década de 80 pode ser visto como resultado da convergência daspreferências de políticas econômicas nacionais, centradas em torno da liberalização econômica e da desregulamentação.58Tal convergência foi, indubitavelmente, um fator importante para o ressurgimento do regionalismo, sobretudo o deslocamento, amplamente difundidono mundo, para políticas liberais de mercado, com destaque para a liberalização do comércio e a expansão das exportações. Além disso, em alguns casos,49a integração regional transformou-se em veículo para o fortalecimento externodas políticas liberais de mercado. Assim, a importancia do NAFTA para o Méxiconão se apoiou na liberalização do comércio, que já ocorrera em grande parte,mas na expectativa de que o tratado “fechasse” o México em torno de umconjunto particular de políticas económicas internas liberais de mercado,isolando suas reformas económicas das extravagâncias de seu sistema políticoe cimentando o poder político dos grupos que se beneficiaram com a reforma.3 — Conclusão

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Este artigo demonstra, não só, que os debates sobre o despertar doregionalismo estão profundamente associados aos debates teóricos maisampios que dominam as relações internacionais, mas também que muito setem a ganhar com a exposição e a pesquisa sobre a natureza dessas associações. Demonstra, igualmente, que as teorias da integração regional quedominaram a análise da CE proporcionam apenas um guia parcial e incompletopara a compreensão do regionalismo contemporâneo. Aqui foram analisados três grupos separados de teorias em três níveis de análise: sistêmico, regionale interno. Contudo, e urna vez mais como acontece com as relações i n ternacionais de forma mais geral, é muito importante levar em conta comoesses níveis se relacionam entre si. São três as estratégias.59Primeira: os teóricos podem reivindicar primazia para um determinadonível de análise. Os neo-realistas, por exemplo, defendem a primazia do sistema político internacional. Eles não pretendem que a teoria sistêmica ouestrutural explique tudo, mas que, como Kenneth Waltz argumenta, expliqueum pequeno número de coisas grandes e importantes.60 As outras teorias seincumbiriam do preenchimento do restante do quadro, da explicação da “variân-cia residual” . De maneira semelhante, a teoria institucionalista enfoca asinterações intra-regionais, colocando em segundo plano os fatores internos eo contexto geopolítico. Muito se tem a ganhar com esta estratégia, sobretudoquando se usa a teoria para mapear a paisagem política, levantar questõesimportantes sobre esquemas regionalistas individuais e iluminar aconteciment o s históricos. Mas existem duas dificuldades: (1) não está claro se as linhasgerais dos exemplos históricos de regionalismo podem ser compreendidas de¦forma plausível mediante o enfoque de um único nível de análise; e (2), comoobserva Andrew Moravicsik, os pressupostos sobre os outros níveis de análisesão muitas vezes contrabandeados sub-repticiamente e depois modificadospara explicar anomalias na teoria.61Segunda: outro caminho é o estudo da natureza da interação das diferent e s lógicas que atuam no regionalismo contemporâneo. Assim, o construtivismopropicia uma conceituação teoricamente rica e promissora da interação dosincentivos materiais, estruturas intersubjetivas e a identidade e interesses dosatores, não obstante o hiato considerável entre a sofisticação conceituai e a50\

aplicação empírica. Os teóricos liberais buscam cada vez mais associar idéiasinstitucionalistas sobre cooperação interestatal com teorias de raízes internas sobre a formação de preferências.62 Finalmente, é preciso dispensar atençãoredobrada à tradição da dependência e da economia política radical, quedurante m uito tempo colocou em evidência a necessidade de desempacotar o"Estado” e de examinar as mudanças das coalizões políticas internas e os"complexos Estado-sociedade” em que se apoiaram muitos exemplos do novoregionalismo.Terceira: pode-se adotar uma abordagem escalonada ou a “teoria dosestágios” para entender o regionalismo. Se bem que insatisfatória do ponto devista teórico, historicamente ela é por vezes bastante plausível. Assim, épossível argumentar que as primeiras fases da cooperação regional podem terresultado d a existência de um inimigo comum ou de uma potência hegemônica

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poderosa, mas que, ao serem colocadas juntas, começaram a desenvolverlógicas diferentes: a lógica funcionalista ou da solução de problemas, destacada pelos institucionalistas; ou a lógica da comunidade, ressaltada pelosconstrutivistas. Portanto, os neo-realistas talvez estejam certos ao enfatizarema importância do contexto geopolítico nos primeiros estágios da unidadeeuropéia, mas errados ao ignorarem o grau em que a integração informal e a ampla institucionalização alteraram a dinâmica das relações internacionaiseuropéias ao longo dos 40 anos que se seguiram.Este tipo de abordagem‘ escalonada” tem muito a nos oferecer no aprimoramento de nossa compreensão dos avanços fumo à integração econômica no caso do NAFTA, daevolução d o padrão de cooperação na ASEAN ou do crescimento da cooperação sub-regional na América do Sul.Para muitos analistas, as tendências a o regionalismo estão consolidadas. Dominick Salvatore, porexemplo, acredita que “O mundoj á caminhou, provavelmente de formairreversível, na direção da ordem decomércio internacional caracterizada pelos três blocos principais.” (Dominick Salvatore,Protectionism and World Welfare, Cambridge, Cambridge University Press, 1993, p. 10). Peter Drucker considera que ademanda do que ele chama de “economia do conhecimento”, “torna oregionalismo ao mesmo tempo ine(Recebido para publicação em julho de 1995)NOTASvitável e irreversível” (Peter Drucker,Post-Capitalist Society, Londres,Butterworth Heinemann, 1993, p.137). Aaron Friedberg argumentaque, “não obstante a retórica recente, a tendência dominante na políticamundial é hoje mais em direção aoregionalismo que à globalização,mais em direção à fragmentaçãoque à unificação.” (Aaron Friedberg, “ Ripe for Rivalry:P ro s p e c t s f o r Peace in a Multipolar Asia”, International Security, vol. 18, n93, inverno1993/94, p. 5). Ver, também, W.W. Rostow, “The Corning Age of Regio-51

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nalism” , Encounter, vol. 74, n9 5,junho de 1990; Richard Rosecran-ce, “Regionalism and íhe Post-ColdWar Era”, International Journal, vol.46, verão 1991; e Kenichi Ohmae,“The Rise of the Región State”, Fo- reign A ffairs , primavera 1991.2 Para dados quantitativos sobre o aumento do envolvimento das organizações regionais na década de 80,ver Paul Taylor, International Organ i z a r o n in the Modern World: The R eg io na l a n d Global Process, Londres, Pinter, 1993, pp. 24-8.3 Joseph S. Nye, Peace in Parts: Int e g r a r o n an d Conflict in Regional Organizations, Boston, Little, Brownand Co., 1.971.4 O termo “novo regionalismo” foi usado por diversos escritores, inclusiveNorman D. Palmer, The New Regio- nalism ¡n Asia and the Pacific, Le-xington, Lexington Books, 1991; eBjõrn Hettne, “ Neo-Mercantilism:The Pursuit oí Regionness” , Coope- ration a n d Conflict, vol. 28, n9 3,setembro de 1993.5 A maioria dos levantamentos tendea concentrar-se excessivamente na Europa, como o de Carole Webb,“Theoretical Perspectives and Pro-blems”, in Helen Wallace e t a l i i, eds., P o l i c y - M a k i n g i n the E u r o p e a n Community (2- ed.), Chichester, Wi-ley, 1983, ou, mais recentemente, ode Simón Hix, “Approaches to theStudy of the EC: The Challenge toComparative Politics”,West Euro- pean P o litics, vol. 17, n91, janeiro de1994. Para uma abordagem maisampia, ver Clive Archer, Internationa l Organizations (2ed.),

Londres,Routledge, 1992, esp. cap. 3.6 Ver, por exemplo, Bruce M. Russett,“ International Regimes and the Stu

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52dy of Regio ns” , International Studies Quarterly, vol. 13, n9 4, dezembro de1969; Lotus J. Cantori e Steven L.Spiegel, eds., The International Pol i t i c s ofRegions: A Comparative Ap

proach, Englewood Cliffs, N.J.,Prentice-Hall, 1970; William Thompson, “The Regional Subsystem: A Conceptual Explication and a Pro-positional Inventory” ,International Studies Quarterly, vol. 17, n9 1,1973; e Raimo Váyrynen, “RegionalConflict Formations: An IntractableProblem of International Relations” , Jo u rn a l o f Peace Research, vol. 21,n9 4, 1984.7 Um bom exemplo é Joseph S. Nye,ed., International Regionalism: Rea- dings, Boston, Little, Brown and Co.,1968.8 . Ver Bruce M. Russett, InternationalRegions and the International System, Chicago, Rand McNaiiy, 1967.9 Para uma apresentação relevantedos problemas de classificação dos sistemas regionais, ver David Grigg,“The Logic of Regional Systems” , Annals o f the Association o f A m er ican Geographers, vol. 55, 1965.10 Robert D. Harmats, “Making Regionalism Safe” , Foreign Affairs, março/abril de 1994, p. 98.11 Opõe-se à definição de ChristopherBliss para “bloco econômico” : “ [Nãoobstante], a coordenação de políticas, em relação tanto ao comérciocomo às taxas de câmbio, é a essência da idéia.” (Christopher Bliss, Economic Theoryand P olicy f o r T ra - ding Blocks, Manchester, Manches-ter University Press, 1994, p. 14).12 Para um estudo fascinante deste fenómeno, ver Abraham F. Lowenthal e Katrina Burgess, eds., The Californ i a - M e x i c o Connection, Staníord, Staníord University Press, 1993.

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13 Emanuel Adler, Imagined (Security) Communities, trabalho apresentadono Encontro Anual do American Po- litical Science Meeting, Nova lorque,1-4 de setembro de 1994. Ver, também, Anthony Smith, “National Iden-tity and the Idea of European Unity” , I n t e r n a t i o n a l Affairs, vol. 68, n2 1,janeiro de 1992; e William Wallace, The Transformation o f Western Eu- rope, Londres, Pinterfor RIIA, 1990,cap. 2.14 Para um exemplo dessas perspectivas, v e r Iver B. Neumann e Jenni- fer Welsh, “The Other in EuropeanSelf-Definition: An Addendum to the Litterature on International Society” , R e v i e w o f I n t ern ation al Society, vol.17, nQ 4, outubro de 1991.15 Oran Young, International Coopera- tion: B u i l d i n g Regimes f o r N atu ral R e s o u r c e s a n d the Environment,Cornell, Cornell University Press,1989, pp. 24-5.16 Stephen D. Krasner, “StructuralCauses and Regime Consequen-ces: Regimes as Intervening Variables”,in Stephen D. Krasner, ed., In t e r n a t i o n a l Regimes, Ithaca, Cornell University Press, 1983, p. 1.17 Embora formuladas para consolidaro poder estatal, ainda assim podemocorrer diferenças importantes entre a intenção e o resultado. O crescimento acelerado de mecanismosde cooperação pode acarretar mudanças que, em última instância,amarram os Estados em um “emaranhado institucional” que altera adinámica da política regional. VerMark W. Zacher, ‘The Decaying Pil-lars of the Westphalian Temple: Im- plications for Order and Governan-ce”, in James N. Rosenau e Ernst-Otto Czempiel, eds., Governance w i t h o u t G o v e r n m e n t : O r d e r a n d Change in W orld P o litics, Cambridge, Cambridge University Press,1992.18 Urna das obras clássicas mais importantes é a de Bela Balassa,

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The T h e o r y o f E c o n o m i c I n t e g r a ti o n ,Londres, Alien and Unwin, 1961. Para uma análise atualizada da evolução do processo de integração européia, ver Loukas Tsoukalis, The New European Economy: The Politics and Economics o f Integration (2- ed.), Oxford, Oxford UniversityPress, 1993.19 Peter H. Smith, “Introduction — ThePolitics of Integration: Concepts andThemes”,in Peter H. Smith, ed., The C hallenge o f I n t e g r a ti o n . Europe and the Americas, New Brunswick/Londres, Transaction Publishers,1992, p. 5.20 Paul Taylor, I nt ernational Organiza- tion in..., op. c i t , esp. cap. 4.21 John Ruggie, por exemplo, descreve a CE como uma “comunidadeo r g a n i z a d a de mú lt ip l a s p e r s pectivas”, “na qual o processo de desembaralhar a territorialidadeavançou mais do que em qualqueroutro lugar” (John Ruggie, “Territo-riality and Beyond: Problematizing Modernity in International Rela-ti ons” ,I n t e r n a t i o n a l Organization,vol. 47, n9 1, invernó 1993, pp. 171-2). A noção de “neomedievalismo” (ea idéia paralela de “momento grotia-no” ) foi desenvolvida por HedleyBull,The A n a r c h i a l Society, Londres, Macmillan, 1977, pp. 264-76.22 A abordagem do regionalismo, coma útil distinção entre “de fora paradentro” e “de dentro para fora” , foi53desenvolvida por ¡ver B. Neuman, “ARegion-Building Approach to Northern Euro pe” ,Review o f International S tu d ie s , vol. 20, n9 1, janeiro de 1994. Ver, também, Palu Ciokeet

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alii, eds., Approaching Human Geo- graphy: An Introduction to Contem- p o r a r y Theoretical Debates, Londres, Paul Chapman Publishers,1991, pp. 8-13.23 A afirmação mais influente da posição realista estrutural foi a de Ken-neth Waltz,Theory o f International Politics, Reading, Mass., Addison-Wesley, 1979.24 Ver, em particular, Stephen M. Walt, The O rig in s ofAlliances, Ithaca, Cornell University Press, 1987.25 Para uma reafirmação vigorosa daposição realista, ver John Mearshei-mer, “Back to the Future: Instabilityin Europe after the Coid War”,Int e r n a t io n a l Organization, n2 15, verão 1990.26 Sobre os múltiplos usos da idéia einstituições da Europa, verTim Gar- ton-Ash, In Europe’s Ñame: Germa- n y a n d the Divided Continent, Londres, Vintage, 1994.27 Nos relatos tradicionais dos realistas, nos quais os Estados se mostram sempre temerosos em relaçãoà desigualdade de poder, o band- 54wagoning será uma exceção. Se,porém, como Stephen Walt argumenta, os Estados se preocupassem mais com o equilíbrio dasameaças que simplesmente com opoder, e se fatores como “comunidade” ideológica e institucionalização exercessem algum papel, aacomodação com o poder hegemônico seria uma política bem menosanômala. Para as modificações introduzidas por Walt no equilíbrio tradicional da lógica do poder, ver Stephen M. Walt, The Origins o f A l l i a n ces..., op. cit., esp. cap. 1. Para umareafirmação do ponto de vista deque os Estados sempre buscarão oequilíbrio do poder desigual, ver

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Kenneth Waltz, “The EmergingStructure of International Politics” , International Security, vol. 18, n2 2,outono 1993.28 Este argumento foi recentementeusado em relação à região do Pacífico Asiático por Donald Crone. VerDonald Crone, “ Does HegemonyMatter? The Reorganization of thePacific Political Economy” ,World Politics, vol. 45, n9 4, julho de 1993.Com relação à América Latina, verAndrew Hurrell, “Latin America andthe New World Order: A RegionalBloc in the Américas?”,International Affairs, vol. 68, n9 1, janeiro de 1992.29 Assim, em P ow er an d Interdepen- dence, que estabelece de forma ampla a agendapara essa cultura, Keo-hane e Nye afirmam que “gostariamde integrar realismo e liberalismo usando um conceito de interdependência en foca do na negociação"

(ênfases minhas). Robert O. Keo-hane e Joseph S. Nye,Power a n d Interdependence (2- ed.), Glenview,Scott, Foresman and Company,1989, p. 251.30 Richard O’Brien, Global Fin ancia l Integration: The End o f Geography,Londres, Pinterfor RUA, 1992; Keni- chi Ohmae,The Borderless World,Londres, Fontana, 1991. Para umadose saudável de ceticismo, ver Robert Wade, “Globalization and its Li- mits: The Continuing Economic Im-portance of Nations and Regions” , inSuzanne Berger e Ronald Dore,eds.,Convergence o r D i v e r s i t y ? Nati o n a l Models o f Production a nd Dis-t rí b u ti o n i n a Global Economy, Itha-ca, Cornell University Press, no prelo.31 Ver Robert O. Keohane e Joseph S.Nye,P o w e r and Interdependence...,

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op. c i t . , pp. 247-51; e Ernst B. Haas, The O b so lescen ce o f Regional Inte- g r a t i o n s Theory, Berkeley, instituteof International Studies, 1975.32 Ver An drew Wyatt-Walter, “ Regiona-lization, Globalization and WorldEconomic Order” ,in Louise Fawcette Andrew Hurrell, eds.,Regionalism in World..., op. cit.33 Ver, p o r exemplo, “Papers from theInt ernational Conference on theNAFTA, México City, March 1993” , R e v i e w o f Radical Political Econo- mics, vol. 25, n2 4, dezembro de1993. Para argumentos vinculando o regionalismo a “uma crise da ordem econômica global” , ver Ste-phen Gilí, “ Restructuring Global Politics: Trilateral Relations and World Order ‘After’ the Coid War”,CISS W o r k i n g Paper, York University,setembro de 1992.34 Sobre a importância das mudançasna economia mundial para o entendimento do processo de 1992 naEuropa, ver Wayne Sandholtz eJohn Zysman, “ 1992: Recasting theEuropean Bargain”,World Politics, vol. 42, n2 1, outubro de 1989. Ver,também, Margaret Sharp, “Technology and the Dynamics of Integrar on” , i n William Wallace, ed., The D y n a m i c s o f European Integration,Londres, Pinterfor RIIA, 1990.35 A maio r parte dessas obras enfocoua interdependência econômica. Para uma apresentação da interdependência estratégica regional e doconce ito de complexos de segurança regional, ver Barry Buzan,Peo-pie, States and Fe ar (2

ed.), Londres, Harvester Wheatsheaf, 1991,cap. 5.36 Os textos clássicos são Ernst B.

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Haas,The Uniting o f Europe: P o l i t i cal, Social and Economic Forces,

Londres, Stevens, 1958, pp. xv-xvi; e León N. Lindberg, The Political Dynamics o f European Economic Integration, Stanford, Stanford University Press, 1963.37 Nesses últimos anos tem sido dispensada grande atenção à dinâmica da integração legal e à idéia dos“efeitos secundários legais”. Ver, porexemplo, J.H.H. Weiler, “Journey toan Unknown Destination: A Retros-pective and Prospective of the European Court of Justice in the Arena ofPolitical Integration” ,J o u r n a l o f Common M arket Studies, vol. 31, n9 4, dezembro de 1993.38 Ernst B. Haas, The Uniting of..., op. cit., pp. xv-xvi.39 Ver, por exemplo, Andrew Moravic-sik, “ Preferences and Power in the European Community: A Liberal In-tergovemmentalist Approach” , J o u rn a l o f Common Market Studies, vol.31, n9 4, dezembro de 1993, esp. pp. 474-80; Robert O. Keohane e Stanley Hoffmann, “Conclusions: Community Politics and Institutional Change” ,in William Wallace, ed., The Dynamics o f European..., op. cit.) e Jeppe Tranholm-Mikkelsen,“ Neo-Functionalism: Obstínate orObsolete? A Reappraisal in the Light of the New Dynamism of the EC” , Millenium, vol. 20, n9 1,1991.40 A literatura é volumosa. Ver, por exemplo, Robert O. Keohane, I n t e r n a t io n a l Institutions a n d State P ower, Boulder, Westview, 1989; Robert O. Keohane, A f t e r Hegemony.55C o o p e r a t i o n a n d D i s c o r d in the World P o l i t i c a l Economy, Princeton,

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Princeton University Press, 1984; David A. Baldwin, ed., Neorealism a n d N eo lib era lism , Nova lorque,Columbia University Press, 1993;V o l k e r R i t t b e r g e r , ed., Regime Theory a n d I nt ernational Relations,Oxford, Oxford University Press,1993; Helen Milner, “InternationalTheory of Cooperation among Na-tions: Strengths and Weaknesses” , World Politics, vol. 44, abril de 1992.41 Robert O. Keohane, “Institutionalist Theory and the Realist Challengeafter the Coid War”, i n David A. Baldwin, ed., Neorealism and Neoliberalism..., op. cit., p. 274.42 Como considera os Estados fundamentais, o institucionalismo muitas vezes é visto como uma teoriarealista — por exemplo, por SimónHix, “Approaches to the Study...” , op. cit. Mas, diferentemente do realismo, o institucionalismo atribui umpapel importante às instituições eaceita a cooperação sustentada como possível.43 Ver, por exemplo, Robert O. Keohane e Stanley Hoffmann, eds., The New European Community: Deci- si o n -M a k i n g an d I n s t it u ti o n a l Chan- ge, Boulder, Westview, 1991.44 Para uma apresentação dessas tendências no caso europeu, ver Wil-Ham Wallace, The Transformation of..., op. cit.45 Richard N. Cooper, “Interdependen-ce and Co-ordination of Policies” , inRichard N. Cooper,Economic Policy i n an I n t erd epe nde nt World: Essays i n W o r l d Economics, Cambridge,MIT Press, 1986.46 Peter A. Petri, ‘The East Asian Tra-ding Bloc: An Analytical History” ,in56Jeffrey A. Frankel e Miles Kahler,eds.,Regionalism and Rivalry: Ja- pan and the United States in Pacific

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Asia, Chicago, University of ChicagoPress, 1993, pp. 42-3. Ver, também, no mesmo livro, o comentário deStephen Haggard sobre Petri, pp.48-52.47 N¡cholas Onuf usou o termo “cons-trutivismo” em seu estudo sobre regras nas relações internacionais(Nicholas Onuf, World o f Our Ma- king. Rules and Rule in Social Theor y and International Relations, Columbia, University of South CarolinaPress, 1989). Seu uso mais geral surgiu da crítica do realismo estrutural de Waltz e das teorias racionalistas da cooperação. Para uma apresentação muito clara do construti-vismo, ver Alexander Wendt, “Col-lective Identity Formation and theInternational State”, American P o l i t i c a l Science Review, vol. 88, n9 2,junho de 1994. Ver, também, a distinção que Keohane faz entre asabordagens racionalista e refletivis-ta em: Robert O. Keohane, Internat i o n a l I nstitutions..., op. cit., cap. 7.48 Para uma apresentação dos pontosfracos das opiniões de Deutsch e da relevância contemporânea do conceito de “comunidade de segurança” , ver Emanuel Adler e MichaelBarnett, “Pluralistic Security Com- munities: Past, Presentand Future” , Working Paper Series on Regional Security, nQ 1, University of Wiscon-sin, 1994.49 Alexander Wendt, “Collective Identity Formation...” , op. cit., p. 385. Como esta citação indica, pode-se vero construtivismo como uma teoria s i s t ê m i c a . C on qua nt o as p e r cepções do “outro” não-regionalpossam na verdade reforçar a identidade regional, a análise construti-visía da. interação estratégica e dainterdependência cognitiva na região é mais importante para nossospropósitos.

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50 Para u m excelente exemplo, ver Tony Judt, “The Past Is Another Coun-try: Mith and Memory in Postwar Eu-rope” , Daedalus, vol. 121, n9 4, outono 1992.51 Ole Waever, “Three Competing Eu-rope’s: Germán, French and Rus-sian” , International Affairs, vol. 66,n- 3, 1 990; e Ole Waever, Territory,A u t h o r i t y and Identity, trabalho aprese ntado na EUPRA Conferenceon European Identity, Florença, 8-10de novembro de 1991.52 A literatura está se expandindo commuita rapidez. Ver, especialmente, Melvin Small e J. David Singer, “TheWar P rocess of Democratic Re-gimes” , The Jerusalem Journal ofInterna tional Relations, ne 1, 1976;R.J. Rurnmel, “ Libertarían Proposi- tions on Víolence within and be-tween Nations”, Journal of ConflictResolution, nQ 29,1985; Míchael W.Doyle, “ Kant, Liberal Legacies, and Foreígn Affairs” (duas partes), Philo-sophy a n d Public Affairs, vol. 12, n°®3 e 4, 1983; Zeev Maoz e BruceRussett, “Normative and StructuralCauses of Democratic Peace, 1946-1986”, American Political ScienceReview, n9 87, 1993; e Bruce Rus-s e t t , Grasping the DemocraticPeace, Princeton, Princeton Uníver-sity Press, 1993.53 Karl Deutsch et alii, Political Com-munity in the North Atlantic Area, P r i n c e t o n , Princeton UniversityPress, 1957; Daniel Deudney e G.John Ikenberry, “The Logic of theWest”, World Policy Journal, vol. 10,n9 4, invérno 1993/94; Anne-MarieBurley, “Law among Liberal States:Liberal Internationalism and theAct of State Doctrine” , ColumbiaLaw Review, n9 92, dezembro de1992.54 Raymond Cohén, “ Pacific Unions: AReappraisal of the Theory that ‘De- mocracies do Not Go to War withEach Other’” , Review of International Studies, vol. 20, n9 3, julho de

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1994.55 Para um tratamento comparativodessa questão, ver Laurence White-head, “Requisites for Admission”, in Peter H. Smith, ed., The Challengeof Integration..., op. cit.56 Em ambos os casos, porém, os fatores internos podem ter ainda desempenhado um papel importante:mudanças nos valores sociais e ñasatitudes em relação aos EUA, nocaso do México; e aumento da consciência do compartilhamento de valores socíais, económicos e políticos, no caso da ASEAN.57 Como Alan Milward escreve, “a política interna no finai não seria sustentável a não ser que esse neomer-cantílismo pudesse ser garantidopor sua europeização” (Alan Míl-ward, The European Rescue oft heNation-State, Londres, Routledge,fJ. IOH-J.•f n n o « -í o / \

58 Ver Simón Hix, “Approaches to theStudy../, op. cit., pp.'7-8.59 Para apresentações relevantes dosproblemas dos “níveis de análise” ,ver R.B.J. Walker, Inside/Outside:International Relations as PoliticalTheory, Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1993, esp. pp.130-40; e Andrew Moravicsik, “ In-troduction: Integrating Internationaland DomesticTheories of International Bargaining” , in Peter B. Evans,57Harold K. Jacobson e Robert D. Put-nam, eds., Double-Edged Diploma- cy, Berkeley, University of CaliforniaPress, 1993.60 Ver Kenneth Waltz, “A Response toMy Critics” , in Robert O. Keohane,ed., Neorealism andits Critics, NovaIorque, Columbia, 1986, p. 329.61 Andrew Moravicsik, “ Introduction:Integrating...”, op. cit, pp. 6-17. Um bom exemplo é a modificação deStephen Walt na teoria da aliançaneo-realista, mencionada anteriormente. O seu argumento de que os

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países buscam o equilíbrio contraameaças e intenções percebidas, enão contra um poder desigual,certamente é plausível. Todavia, o exame dessas percepções conduz,inevitavelmente, a uma análise dos fatores políticos e cognitivos de nívelinterno, viciando dessa maneira atão louvada parcimônia da teorianeo-realista.62 Para um avanço importante nessadireção, ver Andrew Moravicsik,“ Preferences and Power...”, op. cit.ResumoO Ressurgimento do Regionalismo na Política MundialÁ década que passou assistiu ao ressurgimento do regionalismo na políticamundial. Este artigo apresenta uma série de abordagens ou perspectivas teóricas para o estudo do regionalismocontemporâneo, destacando as estreitas relações existentes entre a análise do regionalismo contemporâneo eos debates teóricos mais importantesno estudo acadêmico das relações internacionais. A primeira seção considera o problema perene da definiçãode regionalismo, distinguindo entre regionalização, consciência regional, cooperação regional entre Estados, integração econômica regional e coesãoregional. Asegundapartereúnealgumasdas principais teorias que podem ser utilizadas para explicar a emergência donovo regionalismo: (1) as teorias sis-têmicas(neo-realistaseneoliberais);(2)as teorias que enfatizam as interdependências regionais; e (3) as teorias denível interno. O artigo busca criar umarcabouço para a compreensão e avaliação da proliferação dos esquemasregionalistas na política mundial contemporânea.AbstractExplaining the Resurgence of Regionalism in World PoliticsThe past decade has witnessed a resur- cal approaches of perspectives on thegence of regionalism in world politics. study of contemporary regionalism and

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This article opens upa series oftheoreti- highlights the close connections that58exist between the analysis of contempo-rary regionalism and the major theoreti- cal debates in the academic study ofãnternational relations. The first sectionconsiders the perennial problem of defi-ning regionalism, distinguishing between regionalism, regional awareness, regional inter-state cooperation, regional economic integration, and regional cohe-sion. The second part draws togethersome of the principal theories that maybe deployed ío explain the emergence ofthe new regionalism: first, systemic theories (both neoreaiist and neoliberal); second, theories that emphasize regionalinterdependencies, and third, domesticlevei theories. The article seeks to pro-vide a framework for understanding andasserting the proliferation of regionalistschemes in contemporary world politics.