ANÁLISE E MODELAGEM DA RELAÇÃO DOS RESÍDUOS...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANÁLISE E MODELAGEM DE SISTEMAS AMBIENTAIS ANÁLISE E MODELAGEM DA RELAÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS E DOS RESTOS NUMA COMUNIDADE RURAL Mônica Martins de Godoy Fonseca UFMG Belo Horizonte 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANÁLISE E MODELAGEM DE

SISTEMAS AMBIENTAIS

ANÁLISE E MODELAGEM DA RELAÇÃO DOS RESÍDUOS

SÓLIDOS E DOS RESTOS NUMA COMUNIDADE RURAL

Mônica Martins de Godoy Fonseca

UFMG Belo Horizonte

2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANÁLISE E MODELAGEM DE

SISTEMAS AMBIENTAIS

ANÁLISE E MODELAGEM DA RELAÇÃO DOS RESÍDUOS

SÓLIDOS E DOS RESTOS NUMA COMUNIDADE RURAL

Mônica Martins de Godoy Fonseca

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Análise e Modelagem de Sistemas Ambientais.

Orientadora: Profa. Dra. Ilka Soares Cintra

Co-orientadores: Prof. Dr. Sergio Donizete Faria

Dra. Maria Elisa Arreguy Maia

UFMG Belo Horizonte

2012

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F676a 2012

Fonseca, Mônica Martins de Godoy.

Análise e modelagem da relação dos resíduos sólidos e dos restos numa comunidade rural [manuscrito] / Mônica Martins de Godoy Fonseca. – 2012.

150 f.: il. (color), tabs. Dissertação (Mestrado em Análise e Modelagem de Sistemas

Ambientais) – Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Geociências, 2012.

Orientadora: Ilka Soares Cintra. Coorientadores: Sergio Donizete Faria, Maria Elisa Arreguy Maia. Bibliografia: f. 142-147. Inclui apêndice. 1. Resíduos sólidos – Teses. 2. Modelagem de dados – Aspectos

ambientais – Teses. 3. Comunidades agrícolas – Teses. 4. Estilo de vida – Teses. I. Cintra, Ilka Soares. II. Faria, Sergio Donizete. III. Maia, Maria Elisa Arreguy. IV. Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Geociências. V. Título.

CDU: 628.49:519.876.5

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Sonhar mais um sonho impossível!

Lutar quando é fácil ceder.

Vencer o inimigo invencível.

Negar quando a regra é vender!

Sofrer a tortura implacável.

Romper a incabível prisão.

Voar no limite improvável

Tocar o inacessível chão!

É minha lei, é minha questão,

virar esse mundo cravar esse chão!

Não me importa saber

se é terrível demais

Quantas guerras terei que

vencer por um pouco de paz!

E amanhã se esse chão que eu

beijei for meu leito e perdão,

Vou saber que

valeu delirar e morrer de paixão.

E assim seja lá

como for vai ter fim a infinita aflição,

E o mundo vai

ver uma flor brotar do impossível chão.

(Cervantes; Dom Quixote)

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Aos seres que habitam a Serra da Moeda dedico esse trabalho.

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Agradeço a todos que participaram desse projeto.

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RESUMO

Este trabalho visa compreender a relação existente entre os resíduos sólidos e suas

diversas implicações na vida dos seres humanos. Por meio da ampliação do conceito de

lixo e da trajetória por ele assumida ao longo dos tempos, pode-se notar uma íntima

ligação do lixo com o modo de vida das pessoas, suas relações sociais e seus vínculos.

Pretende-se fazer uma relação entre resíduo e resto: o resto é o um conceito

psicanalítico que designa o que sobra das operações psíquicas vividas por todos os

sujeitos. Levanta-se a hipótese de que o sujeito lida com o lixo da mesma forma com

que lida com seus restos. Para avaliar a consistência dessa hipótese, foi realizada uma

pesquisa de campo em uma comunidade situada na zona rural de uma região de

proteção ambiental. Para lidar com os dados dessa pesquisa e obter um resultado que

contemple a fundamentação teórica apresentada, foram utilizados os conceitos da

modelagem ambiental. A construção de um modelo permitiu ter uma visão da realidade

e com isso uma avaliação não só da pertinência e adequação dos conceitos, como

também levantar outras hipóteses. Desse empenho, resultou um diagnóstico

socioeconômico ambiental da região estudada, bem como diretrizes quanto à gestão dos

resíduos sólidos.

Palavras-chave: resíduo sólido, resto, modo de vida, comunidade rural, modelagem

ambiental, modelo.

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ABSTRACT

The aim of this work is to understand the relation between the solid wastes and its

diverse implications in the life of human beings. By considering an enlarged use of the

concept of waste and his trajectory throughout the times, we can note a close connection

between the waste and the people’s way of life, their social relations and bonds. This

work intends to establish a relation between waste and remains by considering this last

concept as a psychoanalytical one for it that assigns the remainders from the psychic

operations lived by all the citizens. This work proceeds from the assumption that the

subject deals with garbage in the same way as he deals with its remains. In order to

illustrate and validate the hypothesis raised in this problematic field we made a research

in a small community situated in the agricultural zone of an environmental protected

region. To deal with all the raised data and to attain through them a result articulated

with the presented theoretical framework we used the concepts related to the

environmental modeling approach. The construction of a model has allowed us to have

a vision of the reality and also to evaluate the relevancy and adequacy of the concepts.

In addition it incited us to raise other hypotheses. In this respect, the result of the work

is an environmental and socioeconomic diagnosis of the studied region, as well as the

formulation of some proposals related to the management of solid waste.

Keywords: solid waste, remain, way of life, agricultural community, environmental

modeling, model.

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SUMÁRIO

Pág.

LISTA DE FIGURAS

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................15

1.1 Objetivos .............................................................................................................18

2 REVISÃO DA LITERATURA ........................................................................20

2.1 Resíduos sólidos e restos ....................................................................................21

2.1.1 Conceitos distintos: diversos tratamentos ...........................................................21

2.1.1.1 Conceitos técnicos: lixo, resíduo, rejeito ............................................................21

2.1.1.2 Resto: um conceito psicanalítico ........................................................................24

2.1.2 Classificação dos resíduos sólidos ......................................................................30

2.1.3 Destinação dos resíduos sólidos .........................................................................34

2.2 Resíduos da cultura .............................................................................................39

2.2.1 Transformações ocorridas com o lixo ao longo do tempo ..................................39

2.2.2 O lixo nos dias de hoje: “a era do lixo” ..............................................................48

2.2.2.1 A modernidade e os resíduos: a possibilidade de uma narrativa estética ...........51

2.2.3 A percepção do inservível: o lixo e o sujeito ....................................................54

2.2.4 O lixo e o mal-estar ...........................................................................................58

2.2.5 De quem é a responsabilidade de gerenciar os resíduos sólidos? .....................62

2.3 Análise e modelagem de sistemas ambientais ...................................................64

2.4 Modelagem e geoprocessamento aplicados a resíduos sólidos .........................68

3 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO .........................................72

3.1 Caracterização da Serra da Moeda ....................................................................73

3.1.1 Localização da Serra da Moeda .........................................................................73

3.1.2 Importância ambiental da Serra da Moeda ........................................................73

3.1.3 A história da Serra da Moeda ............................................................................76

3.1.3.1 A Serra da Moeda: origens do topônimo ...........................................................78

3.1.3.2 A mineração ......................................................................................................79

3.1.3.3 Fazendas da Serra ..............................................................................................80

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3.2 Município de Moeda .........................................................................................82

3.3 Comunidade do Azevedo ..................................................................................83

3.4 Caracterização da região quanto aos resíduos sólidos .......................................88

4 METODOLOGIA ...........................................................................................94

4.1 Levantamento de dados .....................................................................................95

4.2 Pré-processamento .............................................................................................96

4.3 Processamento ...................................................................................................96

4.4 Análise dos resultados ........................................................................................98

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS .....................................................................99

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................142

A APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO SOBRE O PERFIL DOS MORADORES DE AZEVEDO – MOEDA – MG .......................................148

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LISTA DE FIGURAS

Pág.

Figura 1 – Símbolo da reciclagem (Banda de Moebius) ................................................38

Figura 2 – Mapa de localização da área de estudo: comunidade do Azevedo ...............72

Figura 3 – Fluxograma da metodologia ..........................................................................94

Figura 4 – Modelo de análise qualitativa ........................................................................97

Figura 5 – Abordagens para o diagnóstico .....................................................................98

Figura 6 – Mapa das regiões de análise e respectivos grupos de entrevistados .............99

Figura 7 – Destinação de lixo: compostagem ...............................................................102

Figura 8 – Cultivo de alimentos: (a) hora; (b) pomar; (c) outros .................................103

Figura 9 – Destinação de lixo: alimentar animais ........................................................104

Figura 10 – Posse de animais domésticos pelos entrevistados: (a) galinha; (b) porco; (c) vaca; (d) cachorro; (e) gato ..................................................................104

Figura 11 – Renda familiar mensal ...............................................................................105

Figura 12 – Destinação do lixo: (a) lixeira pública; (b) queima ...................................106

Figura 13 – Diagrama multicritérios para avaliação da destinação de resíduos sólidos ....................................................................................................................107

Figura 14 – Representação espacial da avaliação da destinação de resíduos sólidos em Azevedo – Moeda/MG ..............................................................................107

Figura 15 – Representação espacial de "distâncias" aos pontos de coleta pública de resíduos em Azevedo – Moeda: lixeira e caçamba ....................................109

Figura 16 – Representação espacial da avaliação da situação do lixo em Azevedo – Moeda ........................................................................................................110

Figura 17 – Diagrama multicritérios para avaliação conjunta da relação com o lixo na região e a distância aos pontos de coleta (lixeira e caçamba) ....................112

Figura 18 – Representação espacial da avaliação conjunta da relação com o lixo e a distância aos pontos de coleta (lixeira e caçamba) em Azevedo – Moeda 112

Figura 19 – Produção diária de resíduos em Azevedo – Moeda ..................................113

Figura 20 – Percentagem de produtores por cada tipo de resíduo presente na composição dos resíduos: (a) orgânico; (b) papel; (c) lata; (d) vidro; (e) plástico; (f) garrafa PET; (g) embalagens ................................................................114

Figura 21 – Distribuição espacial da produção diária de lixo no Azevedo – Moeda ...116

Figura 22 – Representação espacial da escolaridade dos entrevistados – Azevedo – Moeda ........................................................................................................116

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Figura 23 – Visitas: (a) recepção; (b) frequência .........................................................118

Figura 24 – Representação espacial da frequência com que os entrevistados recebem visitas .........................................................................................................118

Figura 25 – Representação espacial das relações com vizinhos ...................................119

Figura 26 – Existência de doenças graves ....................................................................121

Figura 27 – Distribuição espacial da saúde dos entrevistados (autoavaliação) ............121

Figura 28 – Frequência da escovação dental ................................................................125

Figura 29 – Frequência do banho .................................................................................125

Figura 30 – Planos futuros na região ............................................................................127

Figura 31 – Distribuição espacial do nível de satisfação em viver no Azevedo ..........128

Figura 32 – Tipos de casas quanto ao material de construção ......................................129

Figura 33 – Banheiros com: (a) chuveiro; (b) vaso sanitário .......................................130

Figura 34 – Itens presentes na cozinha: (a) fogão a lenha; (b) geladeira; (c) mesa ......130

Figura 35 – Percentagem de casas com: (a) televisão; (b) radio; (c) telefone; (d) computador ...........................................................................................131

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

AHP – Analitycal Hierarchy Process

AMA-Moeda – Associação de Meio Ambiente de Moeda

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente

EBA – Áreas de Endemismo de Aves

FEAM – Fundação Estadual do Meio Ambiente

GPS – Global Positioning System

IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração

ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IEPHA – Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MG – Minas Gerais

NBR – Norma Brasileira

PET – Politereftalato de etila

PEV – Ponto de Entrega Voluntária

PGRSS – Plano de Gestão de Resíduos Sólidos de Saúde

PGRSU – Plano de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos

PNRS – Política Nacional de Resíduos Sólidos

PRONABIO – Programa Nacional de Biodiversidade

RMB – Região Metropolitana de Belém

RNA – Redes Neurais Artificiais

RSU – Resíduos Sólidos Urbanos

SAGA/UFRJ – Sistema de Análise Geo-Ambiental – Universidade Federal do Rio de Janeiro

SIG – Sistema de Informação Geográfica

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SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SNVS – Sistema Nacional de Vigilância Sanitária

SPSS – Statistical Package for Social Sciences

SUASA – Sistema Único (Unificado) de Atenção à Sanidade Agropecuária

TAC – Termo de Ajustamento de Conduta

UNESCO – United Nations Educational Scientific and Cultural Organization

URPV – Unidade de Recebimento de Pequenos Volumes

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15

1 INTRODUÇÃO

“Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.” (BARROS, 2010)

Muito se tem dito a respeito do significado da existência dos resíduos sólidos na vida e

na história da civilização. Eles indicam a presença dos seres humanos por onde quer que

esses passem. Mas, apesar de o lixo (nome popular, do termo técnico resíduos sólidos)

ser um indício da passagem dos homens por determinado lugar, podendo ser então uma

marca da produção humana, ele não é considerado como parte das obras que

caracterizam a civilização. Mas, com certeza, pode-se dizer que ele é o maior legado da

humanidade, mesmo que isso não seja motivo de orgulho.

Ao contrário do que se pensa, questões relacionadas com o lixo não são exclusivas à

modernidade. As sociedades sempre transformaram o meio em que viveram e com isso

produziam resíduo. Desta forma, pode-se dizer que esse é indissociável dos

agrupamentos humanos e, consequentemente, da cultura. Em todos os tempos e espaços,

ele se faz presente.

Pode-se dizer então que: já que estamos unidos intrinsecamente ao mundo dos objetos

materiais, estamos também ligados permanentemente aos resíduos, visto que qualquer

intervenção produz um resto.

Sendo assim, apesar de o lixo não ser algo específico da modernidade, o mundo hoje

vive sob o domínio da dimensão do artificial sobre o natural. Os resíduos sólidos, por

integrarem a cadeia de produção e consumo próprios do nosso tempo (que se caracteriza

por uma ruptura com uma ordem anterior à industrialização), se estendem por todo o

planeta e, por serem em sua maioria artificiais, resistem à degradação. Pode-se dizer que

não existe nenhuma parte do globo a salvo do lixo.

Então, levando-se em consideração o aumento da geração de resíduos sólidos no mundo

atual, verifica-se, devido ao agigantamento do volume produzido diariamente em escala

industrial (característica determinante do mundo capitalista), uma necessidade cada vez

mais urgente de afastá-los de uma inoportuna convivência com os humanos.

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Nesse cenário marcado pelo discurso capitalista1, pode emergir a seguinte indagação:

Afinal, para onde devemos encaminhar o que sobra? Presente em todos os instantes que

marcam a vida humana, mais cedo ou mais tarde o lixo reclama medidas, visando à sua

gestão.

A questão da gestão dos resíduos, além de ser um problema técnico, possui também

outras implicações. Ao estudo do lixo se articulam questionamentos a respeito das

expectativas humanas diante do mundo e da visão que temos sobre eles e seu papel na

dinâmica da sociedade. No mundo ocidental, a noção de lixo está marcada por uma

trama simbólica de valores pejorativos e incompatíveis com a convivência social. Nesse

sentido, se faz necessário investigar também as relações que existem entre “resíduo”,

“resto” e “modos de vida”, pois pode haver aí uma relação de causalidade, como afirma

Freud com a ideia de sobredeterminação da causa (FREUD, 1972). Não é propriamente

uma relação de causa e efeito, visto que isso sugere uma linearidade, o que do ponto de

vista psicanalítico não se sustenta.2

Pode-se dizer que resíduo é o que resta de qualquer substância: é um resto. Para a

Psicanálise, “resto” também tem um significado relevante, pois está presente em todas

as operações psíquicas realizadas pelo sujeito como aquilo que sobra e que, portanto,

permanece exigindo trabalho. Na relação que o sujeito estabelece com o Outro – (que é

onde se localiza o campo da linguagem, das imagens formadoras para cada ser falante,

portanto é um lugar de radical alteridade em relação ao sujeito) sempre se tenta

responder à questão: “O que queres tu de mim?”. Na tentativa de encontrar um objeto

que o complete sempre “sobra” algo que não encaixa. A lógica analítica privilegia a

escuta disso que se pretende deixar de fora para que o enlace social se faça, ou seja,

1Jacques Lacan, no final dos anos sessenta, propõe a teoria do discurso, que formaliza os laços sociais entre os falantes na medida em que são seres de linguagem e de libido. Todo laço social implica um enquadramento da pulsão resultando em uma perda real de gozo. Todo discurso é, portanto um aparelho: aparelho de gozo. Um desses discursos é denominado “discurso do capitalista” (QUINET, 1999).

2A sobredeterminação da causa teorizada em Freud refere-se ao fato de uma formação do inconsciente remeter para uma pluralidade de fatores determinantes. Esta afirmação pode ser encarada de duas formas: a formação considerada é resultante de diversas causas, uma só não basta para explicá-la; a formação remete para elementos inconscientes múltiplos, que podem organizar-se em sequências significativas diferentes, cada uma das quais, a um certo nível de interpretação, possui a sua coerência própria (LAPLANCHE e PONTALIS, 1986).

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disso que, quando sobra, se assemelha a um resíduo, como o que aparece na operação

matemática de divisão de um número que não é “exato”.

Não é por acaso que o trato com os resíduos provoca tanto mal-estar. Ao lado do caráter

histórico agregado ao que é considerado “resto”, existem implicações articuladas ao

universo cultural e psíquico (já que para a psicanálise um é relativo ao outro). Ele não

pode ser aferido unicamente a partir de critérios técnicos e objetivos. Isto porque as

referências que governam os procedimentos e constroem a percepção do lixo são

endossadas por modelos imaginários, indispensáveis para a compreensão das nuanças

relacionadas com os resíduos.

Portanto, o tema desse trabalho é o resíduo sólido tal como aqui delimitado e sua

relação com o conceito psicanalítico de resto e os modos de vida. Para aplicar os

preceitos teóricos e validar o modelo conceitual apresentado neste trabalho, é realizada

uma pesquisa da situação dos resíduos sólidos em uma região na zona rural, bem como

das condições de vida da população desse local. Dessa forma, ao analisar conjuntamente

os dados levantados, busca-se encontrar elementos que possam revelar estratégias no

encaminhamento da questão aqui abordada, qual seja: analisar o tema dos resíduos

sólidos também de forma qualitativa e subjetiva e não somente a partir de conceitos

técnicos, relacionando-o com o conceito de resto em psicanálise e compreendendo as

influências dele nos modos de vida de uma comunidade.

O lixo ou resto está presente na zona rural, ao longo das estradas, dos córregos, nas

nascentes, nos quintais, nos pastos e mesmo em locais aprazíveis. Apesar de esse grave

problema vir sendo tratado por diversas áreas do conhecimento e instituições com

trabalhos de gestão, gerenciamento, educação ambiental e mecanismos de coleta,

mesmo quando se tem o apoio da população local, ainda não se verifica uma reversão da

situação, continuando o lixo a marcar sua presença negativa naqueles ambientes.

Por outro lado, apesar do comportamento poluidor dos habitantes, sabe-se que a

importância do local onde moram é indiscutível para eles. Daí cabe perguntar: por que

agem dessa forma? Será que o modo como as pessoas lidam com seus “restos”, a saber,

seus “restos psíquicos”, reflete-se também no modo como lidam com seus “resíduos

sólidos”? E quanto aos modos de vida: pode-se afirmar que são influenciados por essa

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mesma relação? Levanta-se aqui a hipótese de que a forma como uma pessoa lida com o

“ lixo” ou seus “resíduos” é marcada pela relação que ela estabelece com os seus “restos

psíquicos”. E isso, por sua vez, influencia e é influenciado pelos modos de vida que se

estabelecem numa região.

1.1 Objetivos

Neste contexto, este trabalho tem como objetivo geral elaborar um modelo conceitual,

visando ampliar a maneira de abordar o tema dos resíduos sólidos, relacionando-o com

o conceito de resto em psicanálise, para compreender a influência dessa relação nos

modos de vida dos moradores de uma região. Assim, pretende-se avaliar a relação dos

resíduos sólidos com o modo de vida das pessoas, seus vínculos e laços sociais.

Por objetivos específicos tem-se:

• contribuir para uma melhor compreensão do perfil do lugar, tendo como eixo

condutor os resíduos sólidos;

• compreender a questão do “resto”, como ele se traduz numa cultura local em

relação aos vínculos sociais;

• fornecer subsídios para tomada de decisão pelos órgãos competentes no que se

refere à política de gestão dos resíduos sólidos na zona rural.

Para alcançar esses objetivos, são utilizados vários saberes, tais como: a modelagem de

sistemas ambientais, a cartografia, o geoprocessamento e a teoria dos resíduos sólidos.

A isso se acrescenta o saber da psicanálise, que traz uma outra lógica para a abordagem

do problema. O processo de modelagem oferece elementos para se construir

representações da estrutura e/ou funcionamento de um sistema. A cartografia,

juntamente com o geoprocessamento, possibilita representar, processar e analisar os

dados referentes ao espaço geográfico, fornecendo um ambiente adequado para obter

informações através das associações e interrelações espaciais desses dados. A teoria dos

resíduos sólidos fornece os conceitos, as definições e as características do objeto de

investigação, bem como a forma de classificá-lo, quantificá-lo, e registrar sua evolução

histórica. A psicanálise possibilita considerar o que não é apresentado de forma

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explícita, mas que pode fornecer os elementos para se chegar ao cerne do problema.

Partindo do pressuposto de que a humanidade produz “restos”, tanto materiais quanto

psicanalíticos, faz-se necessário aprender a lidar com eles, e, para tanto, é importante a

construção de novos paradigmas.

O local escolhido para testar e fundamentar a pesquisa é uma comunidade rural,

denominada Azevedo – uma antiga comunidade no município de Moeda – MG,

localizada na encosta oeste da Serra da Moeda, distante cerca de 20 km da sede do

município e 50 km de Belo Horizonte. Sua área está localizada na zona de

amortecimento3, tombada pelo município como Patrimônio Histórico e Paisagístico.

Azevedo também sedia uma Reserva Biológica4.

3Zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade (BRASIL, 2000).

4Decreto Municipal n° 6/2004, de 25 de junho de 2004.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

“Kublai pergunta para Marco: Quando você retornar ao poente repetirá para a sua gente as mesmas histórias que conta para mim? Eu falo, falo – diz Marco –, mas quem

me ouve retém somente as palavras que deseja. [...] Quem comanda a narração não é a voz, é o ouvido.”

(CALVINO, 1990)

Este capítulo é composto de três seções principais. A primeira trata dos resíduos sólidos

e dos restos, na busca de construir o objeto deste estudo. Para isto, são apresentados

alguns conceitos e definições, marcando a importância de certas nuanças. Também é

citada a forma de classificar os resíduos sólidos e as várias maneiras de destinação

aplicadas a eles.

A segunda seção trata da relação estabelecida entre os resíduos sólidos e a cultura.

Também são abordadas as relações estabelecidas entre o sujeito (ou indivíduo)5 e o lixo,

incluindo o questionamento a respeito da responsabilidade de gerenciamento dos

resíduos sólidos. Com esse percurso espera-se ampliar a forma de abordagem dos

resíduos sólidos, possibilitando a reflexão do tema associado a aspectos relevantes

quanto ao sujeito que o produz.

A terceira seção é dedicada ao tema da modelagem ambiental. São abordados os

conceitos básicos e os aspectos fundamentais para se fazer um modelo. É feita uma

descrição das ferramentas que são utilizadas na pesquisa, bem como da metodologia.

Também é abordado o tema do geoprocessamento aplicado à gestão dos resíduos

sólidos.

5Para a psicanálise, quando se diz “o sujeito”, privilegia-se uma lógica para lidar com o resto. É a partir dessa noção que será considerado, neste trabalho, o encaminhamento da questão, apesar de não ser o objetivo entrar no mérito da categoria de sujeito.

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2.1 Resíduos sólidos e restos

2.1.1 Conceitos distintos: diversos tratamentos

Waldman (2010) afirma que a noção de lixo no mundo ocidental está marcada por uma

trama simbólica de valores pejorativos e incompatíveis com a convivência social. Ele

também salienta que outros autores questionam a carga de estereótipos que espreitam o

lixo, posicionando-se em favor da revisão dos significados tradicionais atribuídos à

palavra. Existem discussões que se travam desde as últimas décadas do século passado,

postulando os resíduos sólidos enquanto eixo de uma releitura conceitual do que

tradicionalmente é definido como lixo. O alvo desse debate seria requalificar o que a

civilização moderna tem rotulado como materiais “inúteis”, contestando uma lógica de

descartabilidade responsável pela irrupção de monumentais montanhas de lixo.

2.1.1.1 Conceitos técnicos: lixo, resíduo, rejeito

As palavras lixo e resíduo têm transitado de modo relativamente diferente em muitos

discursos e textos, inclusive naqueles elaborados por pesquisadores do tema. Cintra

(2003) explica que isso se deve a diferentes abordagens, com definições ligadas, ora a

questões técnicas de origem, composição e disposição, ora a questões econômicas e

sociais de utilidade dos materiais descartados pelo homem em suas atividades. Portanto,

os dois termos são tratados com base em ampla diversidade de acepções, levando a

diferentes visões institucionais e a significados técnicos e econômicos distintos, afirma

Calderoni (2003).

Cabe também ressaltar a importância que tem tido a palavra rejeito na literatura

científica, sendo o termo bem definido na atual legislação pertinente ao tema. Tal como

resíduo, esse termo não está obrigatoriamente marcado por estereotipias negativas ou

pelos agravos que habitam o imaginário do “lixo”. Ao menos num patamar conceitual,

essas características posicionam a palavra numa condição de paridade com o termo

resíduo, dando à terminologia um aspecto de objetividade técnica. Sobre o conceito de

lixo todo inservível é, intrinsecamente, lixo, afirmam Bueno e Muniz (2010).

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Pode-se dizer que lixo é uma invenção humana, pois em processos naturais não há lixo.

As substâncias produzidas pelos seres vivos e que são inúteis ou prejudiciais para o

organismo, tais como as fezes e a urina dos animais, o oxigênio produzido pelas plantas

como subproduto da fotossíntese, bem como os restos de organismos mortos, são, em

condições naturais, reciclados pelos decompositores. Os produtos resultantes de

processos geológicos como a erosão, podem também, numa escala de tempo geológico,

transformar-se em rochas sedimentares, como afirma Weiner (1988).

No Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

(FERREIRA, 2009, p. 520) tem-se que lixo é: “o que se varre da casa, do jardim, da rua,

e se joga fora: entulho; tudo que não presta e se joga fora; sujidade, sujeira, imundície;

coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor; ralé”. Outra conceituação qualifica o lixo

como sendo as sobras no processo produtivo (CALDERONI, 2003).

O conceito de lixo enquanto substância desprezada pode ser confirmado também

quando é avaliada a etimologia da palavra. Seu significado se vincula a algo que deve

ser retirado do nosso convívio, que não faz falta a ninguém.

Em português, de acordo com o dicionário etimológico da Língua Portuguesa (CUNHA,

1982) inexiste clareza sobre a origem da palavra lixo. Sua origem, portanto, é

controvertida. Aparentemente procede de lix, palavra latina que significa cinza ou

lixívia, afirma Eigenheer (2003). À lix associa-se o verbo com o trabalho dos escultores,

que geram resíduos desbastando a rocha com seu cinzel (WALDMAN, 2006).

A palavra resíduo, ao contrário de lixo, possui concepções menos pejorativas. Pode

referir-se “[...] a um fundo, âmago ou raiz; relaciona-se com sistemas de valor e

receitas, produtos da venda, bens de raiz e bens legados por disposição testamentária”

(FERREIRA, 2009, p. 748).

Especificamente quanto aos resíduos sólidos, tema desta pesquisa, apesar de serem

encontradas diversas definições na literatura, há um consenso geral de que esses são

materiais provenientes das atividades humanas, que perderam seu valor original,

passando a serem considerados inúteis por seus proprietários (WALDMAN, 2006).

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A Associação Brasileira de Normas Técnicas, através da NBR 10.004/2004 (ABNT,

2004), define resíduos sólidos como:

Resíduos nos estados sólidos e semissólidos, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nessa definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgoto ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnicas e economicamente inviáveis em face de melhor tecnologia disponível (ABNT, 2004).

A Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS

(BRASIL, 2010), conceitua resíduos sólidos como:

[...] material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólidos ou semissólidos, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnicas ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível (BRASIL, 2010).

A Lei 18.031/2009, que dispõe sobre a Política Estadual de Resíduos Sólidos para o

Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2009), define resíduos sólidos como:

[...] os resíduos em estado sólido ou semissólido resultantes de atividade industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição, inclusive os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água e os resíduos gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d'água (MINAS GERAIS, 2009).

Por rejeito tem-se “[...] o que se joga fora, refugo, aquilo lançado de si, repelido,

repudiado, recusado, que se rejeitou, se descartou” (FERREIRA, 2009, p. 694).

A Lei 12.305/2010 (BRASIL, 2010) conceitua os rejeitos como:

[...] resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada (BRASIL, 2010).

A Lei 18.031/2009 (MINAS GERAIS, 2009) define rejeitos como:

[...] os resíduos sólidos que, depois de esgotadas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos viáveis econômica e ambientalmente, destinem-se a disposição final ambientalmente adequada (MINAS GERAIS, 2009).

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2.1.1.2 Resto: um conceito psicanalítico

Nesta seção é abordado o conceito de resto pela via da psicanálise.

Na literatura psicanalítica existe também uma distinção entre rejeito e resto. Resto é

vivo, produz trabalho, insiste em retornar. Rejeito é algo morto, que não retorna; não

exige trabalho e não produz vida.

Sobre o conceito de resto em psicanálise, várias vertentes podem ser consideradas. Para

Freud esse conceito possui uma sobredeterminação (FREUD, 1972), gerando, portanto

determinações, quais sejam:

• Primeira: o resto como resíduo da linguagem.

Inicialmente diz-se que o sujeito constitui a sua realidade dando significado ao

que experimenta. Para isso usa da linguagem, através das representações

simbólicas e dos recursos imaginários. Contudo, alguma coisa fica de resto

nessa operação, como algo que resiste a toda significação. Freud, em um texto

de 1915, denominado “O Inconsciente” (FREUD, 1976), esclarece sobre a

formação das representações de palavras e coisas. Nesse texto, ele marca

claramente a posição da psicanálise quanto à gênese da formação da

linguagem, inclusive fazendo uma distinção com relação à filosofia. Freud

ressalta que existe uma diferença na forma como um sujeito internaliza a

representação de uma coisa e de uma palavra. Assim sendo, quando um sujeito

diz algo a outro, alguma parte do que foi dito não chega a ser transmitido nem

para o ouvinte nem mesmo para o próprio falante, ficando para sempre

perdida. Essa parte perdida resta no aparelho psíquico como um resto. Lacan

diria que a linguagem atravessa o corpo, marcando-o e nomeando-o quase por

completo, mas alguma coisa resta de não linguagem e isso que fica

inominável, sobra sem jamais desaparecer (LACAN, 1985b).

• Segunda: o resto que foi descartado pela consciência e que reaparece no

sonho.

Outra possibilidade para se compreender o conceito de resto na psicanálise é

através do texto de Freud publicado em 1900 e intitulado “A interpretação dos

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Sonhos” (FREUD, 1972). Em vários momentos de seu estudo sobre a

formação e interpretação dos sonhos, ele aponta para algo que seria como que

um umbigo do sonho, formado pelos restos do processo psíquico. Possui um

aspecto enigmático, e contém um paradoxo: tanto diz do que se quer

escamotear, quanto aponta para um desejo. Por isso Freud afirma que todo

sonho é em si uma realização de desejo. Utiliza-se inclusive de um provérbio

alemão para dizer isso: “Afinal com o que sonham os gansos? Com milho”

(FREUD, 1972, p. 149). Ele afirma que toda a sua teoria sobre esse tema se

acha contida nessas duas frases. Mas em função do recalque, da censura, nem

todo desejo pode ser manifesto. Isso produz uma manobra do inconsciente

visando “disfarçar” o conteúdo do sonho, de forma a que o desejo só possa ser

expresso de maneira distorcida. Para ilustrar esse fato, Freud (p. 157, do

referido texto) se utiliza de uma citação de Goethe, no Fausto, Parte 1/Cena 4/:

“Afinal, o melhor do que você sabe não pode ser dito aos meninos”. Na

sequência, ele reafirma e ilustra essa premissa. E ao final desse texto, ele faz

um alerta e aponta para o resto, pois esclarece que o que aparenta ter muita

significação e sentido, geralmente não tem significado relevante, ao passo que

o que possui um sentido aparentemente ilógico, aí sim está o que interessa

verdadeiramente. Ou seja, isso que é enigmático não deve ser desprezado. O

que escapou da operação simbólica da linguagem é o mais importante. É com

esse resto que a psicanálise lida. Lacan denomina esse resto que não foi

determinado pela linguagem através do imaginário ou do simbólico, de real

(LACAN, 1985a). Dito de outro modo, o que resta para fora da linguagem, o

que escapou à significação, isso é o real6.

Aqui cabe um paralelo com o resíduo sólido. Nesse trabalho, pretende-se chamar a

atenção para o que não é objetivo ou técnico no manejo com os resíduos: considerar que

existe uma relação entre o que se descarta num saco de lixo e quem o dispensou é a

6Lacan, durante toda a sua obra, postula três categorias que compõem o aparelho psíquico: Real, Simbólico e Imaginário. Nesse trabalho não é o objetivo lidar de forma pormenorizada com esses conceitos, mas cabe fazer uma menção à existência deles para privilegiar a lógica analítica, na qual se apoia esta pesquisa.

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proposta dessa pesquisa. Ainda que essa relação seja enigmática e careça de

investigação.

• Terceira: o resto como algo estranho e familiar simultaneamente.

Outra opção ainda aponta na direção do resto como um aspecto do “estranho”.

Freud em 1919 escreveu um texto denominado “O Estranho”7. Nesse texto o

resto é pensado como aquilo que é ao mesmo tempo, o mais estranho, e o mais

familiar ao sujeito. Ele relaciona inicialmente o tema “estranho” com o que é

assustador, com o que provoca medo e horror (FREUD, 1974b). Afirma que,

em geral, os tratados de estética se interessam pelo que é belo, atraente,

sublime, ou seja, com sentimentos de natureza positiva. Enquanto que a

psicanálise se vê interessada justamente no oposto, no que causa repulsa e

aflição. Portanto, indagar sobre o que é estranho diz respeito à psicanálise.

Nesse texto, Freud conclui que o estranho compõe uma categoria em que o

assustador é ao mesmo tempo familiar e desconhecido. Sendo assim, ele

esclarece: “[...] esse estranho não é nada novo ou alheio, porém algo que é

familiar e há muito estabelecido na mente, e que somente se alienou desta

através do processo da repressão, do recalcamento” (FREUD, 1974b, p. 301).

Ou seja, o estranho seria algo que deveria ter permanecido oculto, mas veio à

luz. O estranho é aquilo que de alguma maneira nos remete ao que não tem

significação. Freud conclui que o animismo, a magia, a bruxaria, a onipotência

dos pensamentos, a repetição involuntária, o complexo de castração, e

finalmente a morte compreendem praticamente todos os fatores que

transformam o assustador em algo estranho-familiar (FREUD, 1974b).

Neste trabalho, segundo a proposta de sua autora, incluem-se nessa lista elementos que

compõem o que é “estranho-familiar”, o lixo (principalmente o doméstico, visto que ele

também é algo estranho e familiar a quem o produz).

7Freud se utiliza da língua alemã para buscar essa relação. Pois em alemão a palavra heimlich significa familiar. Porém, se acrescentado o prefixo de negação – Unheimlich, o significado passa a ser o não familiar, o que é estranho. Portanto é na linguagem que Freud foi buscar a relação que se estabelece entre o que é estranho-familiar simultaneamente (FREUD, 1974b).

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• Quarta: o resto como uma falta estrutural do sujeito.

Ainda pode-se pensar o resto como falta estrutural, falha, fenda, hiato. Campo

próprio da psicanálise. Freud, no texto “A interpretação dos sonhos” (FREUD,

1972), salienta que existe uma diferença entre o prazer experimentado, e

posteriormente alucinado, e o vivido. Exemplifica isso ao imaginar o que

acontece com um bebê quando esse, ao chorar, recebe da mãe o seio e

também, junto com o seio, vem algo a mais. Um cheiro, uma voz, um olhar, e

mesmo, um excedente de prazer pela estimulação da boca. Tudo isso marca

um “a mais do gozo” – diria Lacan tempos mais tarde ao elucidar o

pensamento freudiano à luz de outros elementos. Ou seja, entre a

representação do prazer e o prazer vivido, existe uma diferença e aí pode ser

localizado o protótipo do resto, a partir de Freud. Lacan busca extrair a lógica

da estruturação do aparelho psíquico, a partir dessa ficção freudiana do início,

quase mítica. Para isso utiliza-se da lógica matemática. Essa é para a

psicanálise, a partir de Lacan, um ideal de formalização nunca alcançado, mas

sempre no horizonte. Um exemplo disso pode ser visto no seminário da

Angústia, proferido em 1962 e 1963 (LACAN, 2005). Nesse seminário, Lacan

trabalha o conceito de resto como aquilo que denuncia uma falha de

simbolização na estrutura. Na lição X, por exemplo, ele afirma que a falta é

radical para a própria constituição da subjetividade, e o faz na esteira de Freud.

Lacan salienta que, diante da falta, que já estava presente na estrutura, na

medida em que ela é radical, inerente à constituição de toda lógica, a angústia

se faz notar e sempre nos sinaliza algo (LACAN, 2005). Existiria, segundo ele,

portanto, como que duas formas de manifestação da angústia, uma que seria

considerada como sinal que diz da presença da ausência de um objeto. E outra

da invasão da falta da falta.

• Quinta: o resto como alguma parte do corpo que não possui significado.

Sempre se sabe que há algo perdido e a maneira mais certeira de aproximar-se

disso é concebê-lo como um pedaço do corpo. Assim, pode-se identificar

também mais uma maneira de tratar o resto em psicanálise, ou seja, outra

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determinação do resto é o corpo. Ainda no seminário da Angústia (LACAN,

2005), Lacan afirma que o corpo não cabe totalmente no simbólico,

principalmente em função do conceito de pulsão.

• Sexta: o resto como referente aos objetos caducos.

O conceito de resto ainda pode ser identificado aos objetos caducos, que

adquirem função destacada na constituição do sujeito e em suas escolhas

durante toda a vida. Sabe-se que a angústia tem a ver com esses objetos, ela é

o afeto que se liga ao que tem a ver com esses restos. Na lição XXIII do

seminário da Angústia, esses objetos caducos são denominados por Lacan de

objeto a (LACAN, 2005). São apresentadas várias formas assumidas por esses

objetos: o objeto oral (seio), anal (fezes), escópico (olhar) e o supereu (voz). A

angústia nos assinala, como salientado nos parágrafos anteriores, quando

estamos diante da presença desses objetos.

Cabe ressaltar que a psicanálise se ocupa justamente do tratamento dos restos. Ela surge

como uma possibilidade de tratar de maneira diferente o sujeito, e com isso, de pensar a

cultura, diante da angústia e do mal-estar.

Em toda a sua obra, Freud esclarece que é o objeto irrecuperável e perdido o

fundamento do desejo. Então cabe a questão: Como fazer com esse incurável, esse

ponto de real irredutível à linguagem, que ao mesmo tempo que angustia é o

fundamento do desejo?

Primeiramente, torna-se necessário compreender que a angústia apela, convoca ao

ciframento da estrutura. Ela é o ciframento quando marca o vazio e reintroduz a falta, o

resto. Ela é a “porta-voz” de que algo sempre sobra, resta não completo, o que garante o

pulsar da vida e a certeza de que sempre se tem algo a fazer, mesmo que isso se dê à

custa de muito mal-estar.

Dessa maneira, o resto para a psicanálise é sempre visto como algo que pulsa e

impulsiona em direção ao vivo.

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Mas com o rejeito é diferente. Para salientar essa diferença, cabe citar a relação

existente entre rejeito e a noção de morte e pecado presentes no simbólico da cultura

ocidental.

Eigenheer (2003) afirma que, para as religiões monoteístas, os rejeitos estão associados

à classe das substâncias impuras, nojentas e imundas, devendo por isso mesmo ser

mantida a distância das comunidades para que estas se beneficiem da benevolência do

supremo criador. Para ilustrar essa afirmativa, esse mesmo autor ressalta que se pode

citar a relação de derivação que existia entre a palavra bíblica que designava inferno –

Gehena ou Gehinom em hebraico – com o antigo vale de Hinnom, situado nos arredores

de Jerusalém. Sabe-se que nesse espaço, realizava-se o descarte de carcaças, de

cadáveres de criminosos e de todas as imundícies da cidade. Nesse local, os resíduos

eram queimados com enxofre. Também é digno de nota lembrar que, nessa área, antes

do triunfo do monoteísmo, se consagrava culto pagão sacrificial em louvor a Moloch,

divindade semítica cuja iconografia animalesca exibia chifres e se apresentava rodeado

por chamas ardentes. Os sacrificados eram chamados para arder no fogo eterno.

Essa evocação cabe nitidamente na representação medieval do príncipe dos infernos.

Assim, o significado de lixo, na tradição judaico-cristã, passa pelo termo imundícia, que

por sua vez nos remete, entre outras, à ideia de impureza e pecado – e mais longe, à de

morte, seja física ou espiritual. Por outro lado, o fato de o diabo ser designado como

imundo – espírito imundo e sujo – reforça essas conexões, apontando claramente o

simbólico que permeia esse assunto desde tempos imemoriais (EIGENHEER 2003).

Para a psicanálise, é irresistível aceitar um convite feito por Lacan para aproximar os

significantes MUNDO e IMUNDO.

Freud, em 1930, afirma que a cultura se funda a partir de um recalcamento (FREUD,

1974c). Quando o homem assume a posição ereta, ele recalca o cheiro dos genitais. Esse

é o mito freudiano a respeito da passagem do homem da condição de primata para a de

“civilizado”, da natureza animal à cultura. Essa passagem faz com que percamos o cio

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como resultado desse recalcamento. Também possibilita e, simultaneamente, exige o

imperativo dos ideais de beleza, limpeza e ordem.8

Lacan, para formalizar o pensamento de Freud, utiliza-se da lógica da linguagem e da

lógica matemática (como horizonte de formalização). No “Seminário da Angústia” fala

que na medida em que se tenta expulsar toda a sujidade, a ruindade, os maus

pensamentos etc., isso fica à espreita, podendo invadir a qualquer momento a vida, a

comunidade (LACAN, 2005). Afinal, é preciso colocar em circulação “[...] o que não

serve para nada, mas que sem isso a vida seria em vão” (LACAN, 1985b, p. 11). Isso se

refere a um ponto da estrutura do sujeito – de todos os sujeitos – que é inservível, um

lixo por assim dizer, e que esse autor nomeia como gozo.

A lógica analítica privilegia, como foi salientado, a escuta disso que se pretende deixar

de fora para que o enlace social se faça.

Afinal, nem só de utilitarismos se vive. Então, a despeito de toda essa relação com o que

“não serve para nada” e, portanto, deve ser mantido afastado; cabe apontar que existe

também um movimento do sujeito no sentido de manter perto de si (fazendo-o sempre e

eternamente presente) coisas que não possuem utilidade aparente.

Não se pode deixar de considerar esse aspecto quando se pensa num conceito mais

amplo de resíduo, lixo, rejeito e resto. Pois há algo no lixo que retorna como indício do

homem e sem o qual ele não viveria.

2.1.2 Classificação dos resíduos sólidos

De acordo com a literatura sobre resíduos sólidos, existem diversas formas de classificá-

los. Eles podem se diferenciar segundo características físicas, químicas e biológicas.

Estas características, por sua vez, variam de cidade para cidade em função de aspectos

sociais, econômicos, culturais e geográficos. As formas mais comuns de classificação

8“Evidentemente, a beleza, a limpeza e a ordem ocupam uma posição especial entre as exigências da civilização. Ninguém sustentará que elas sejam tão importantes para a vida quanto o controle sobre as forças da natureza ou quanto alguns outros fatores com que ainda nos familiarizaremos. No entanto, ninguém procurará colocá-las em segundo plano, como se não passassem de trivialidades” (FREUD, 1974c, p. 104).

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estão relacionadas com a origem da geração do resíduo, não havendo, entretanto, um

padrão estabelecido.

Na literatura podem ser encontradas diversas formas de classificação conforme o tipo de

atividade ou local gerador do resíduo, tais como: domiciliar, comercial, institucional,

industrial, construção civil e demolição, serviços municipais, serviços de saúde etc.

Também se pode classificar de acordo com a tipologia (biodegradável, descartável ou

reciclável), com a reatividade associada ao risco potencial de contaminação do meio

ambiente (inerte, orgânico ou reativo).

A dificuldade em se classificar os constituintes do lixo também se deve à sua

composição extremamente heterogênea, que varia de acordo com as condições

socioeconômicas, climáticas e sazonais de cada região, conforme afirma Cintra (2003).

Neste trabalho, dar-se-á ênfase à classificação relacionada à origem dos resíduos e sua

periculosidade (risco potencial de contaminação do meio ambiente), uma vez que dados

sobre a toxicidade desses resíduos não estão incluídos nos objetivos desta pesquisa.

Portanto, é utilizada a classificação respaldada pela NBR 10.004/2004 (ABNT, 2004) e

pelas leis estadual – Lei 18.031/2009 (MINAS GERAIS, 2009) – e federal – Lei

12.305/2010 (BRASIL, 2010).

Quanto à periculosidade, as principais formas de classificação são definidas pela NBR

10.004/2004 (ABNT, 2004) e pela Lei 12.305/2010 (BRASIL, 2010).

A NBR 10.004/2004 (ABNT, 2004) classifica os resíduos, quanto à sua periculosidade,

como:

• resíduos classe I – perigosos: aqueles que, em função de suas propriedades

físicas, químicas ou infecto-contagiosas, podem apresentar risco à saúde

pública e ao meio ambiente;

• resíduos classe II – não perigosos: aqueles que não se enquadram nas

classificações de resíduos classe I; são divididos em: não inertes (com

propriedades tais como biodegradabilidade, combustibilidade e solubilidade

em água – classe II-A) e inertes (quaisquer resíduos que, quando amostrados

de forma representativa e submetidos a um contato dinâmico e estático com

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água destilada ou desionizada, à temperatura ambiente, não tiverem nenhum

de seus constituintes solubilizados a concentrações superiores aos padrões de

potabilidade de água, excetuando-se por aspecto, cor, turbidez, dureza e sabor

– classe II-B).

Segundo a Lei 18.031/2009 do Estado de Minas Gerais, no Capítulo II, Art. 5 (MINAS

GERAIS, 2009), os resíduos sólidos podem ser classificados: quanto à natureza e à

origem, visando atribuir responsabilidades e dar-lhes a adequada destinação. Quanto à

natureza, os resíduos sólidos são classificados como:

• resíduos classe I – perigosos: aqueles que, em função de suas características de

toxicidade, corrosividade, reatividade, inflamabilidade, patogenicidade ou

explosividade, apresentem significativo risco à saúde pública ou à qualidade

ambiental;

• resíduos classe II – não perigosos: classe II-A – não inertes (aqueles que não

se enquadram nas classificações de resíduos classe I – perigosos ou de classe

II-B – inertes, nos termos desta Lei, podendo apresentar propriedades tais

como biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água) e classe

II-B – inertes (aqueles que, quando amostrados de forma representativa e

submetidos a um contato estático ou dinâmico com água destilada ou

desionizada, à temperatura ambiente, não tiverem nenhum de seus

constituintes solubilizados a concentrações superiores aos padrões de

potabilidade de água vigentes, excetuando-se os padrões de aspecto, cor,

turbidez e sabor).

Quanto à origem, os resíduos sólidos são classificados como:

• de geração difusa: os produzidos, individual ou coletivamente, por geradores

dispersos e não identificáveis, por ação humana ou animal ou por fenômenos

naturais, abrangendo os resíduos sólidos domiciliares, os resíduos sólidos pós-

consumo e aqueles provenientes da limpeza pública;

• de geração determinada: os produzidos por gerador específico e identificável.

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A Lei 12.305/2010, no Título III, Capítulo I, Art. 13 (BRASIL, 2010) classifica os

resíduos sólidos da seguinte maneira:

I- Quanto à origem:

a) resíduos domiciliares: os originários de atividades domésticas em

residências urbanas;

b) resíduos de limpeza urbana: os originários da varrição, limpeza de

logradouros e vias públicas e outros serviços de limpeza urbana;

c) resíduos sólidos urbanos: os englobados nas alíneas “a” e “b”;

d) resíduos de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços: os

gerados nessas atividades, excetuados os referidos nas alíneas “b”, “e”, “g”,

“h” e “j”;

e) resíduos dos serviços públicos de saneamento básico: os gerados nessas

atividades, excetuados os referidos na alínea “c”;

f) resíduos industriais: os gerados nos processos produtivos e instalações

industriais;

g) resíduos de serviços de saúde: os gerados nos serviços de saúde, conforme

definido em regulamento ou em normas estabelecidas pelos órgãos do

SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e do SNVS ( Sistema

Nacional de Vigilância Sanitária);

h) resíduos da construção civil: os gerados nas construções, reformas, reparos

e demolições de obras de construção civil, incluídos os resultantes da

preparação e escavação de terrenos para obras civis;

i) resíduos agrossilvopastoris: os gerados nas atividades agropecuárias e

silviculturais, incluídos os relacionados a insumos utilizados nessas

atividades;

j) resíduos de serviços de transportes: os originários de portos, aeroportos,

terminais alfandegários, rodoviários e ferroviários e passagens de fronteira;

k) resíduos de mineração: os gerados na atividade de pesquisa, extração ou

beneficiamento de minérios.

II- Quanto à periculosidade:

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a) resíduos perigosos: aqueles que, em razão de suas características de

inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade,

carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, apresentam

significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental, de acordo com

lei, regulamento ou norma técnica;

b) resíduos não perigosos: aqueles não enquadrados na alínea “a”.

2.1.3 Destinação dos resíduos sólidos

A geração de resíduos leva à necessidade de afastar os resíduos sólidos de uma

inoportuna convivência com os humanos. Assim, poder-se-ia indagar: Afinal, para onde

se deve encaminhar o que sobra? A destinação dos resíduos deveria ser tão múltipla

quanto heterogênea, visto que são diversos os tipos das sobras. Existindo resíduos, e não

apenas resíduo, apresentam-se, pois, diversas modalidades de destinação final.

Outro fator fundamental a ser considerado quando se pensa em destino dos resíduos é a

variável “tempo-espaço”. As medições da coleta de resíduos urbanos mostram a

influência da jornada de trabalho, das atividades humanas, feriados e festividades na

geração dos resíduos, oscilando de acordo com cada época. Conclui-se que os resíduos

de uma cidade mudam de acordo com a temporalidade urbana (IBAM, 2004).

Ao se pensar a respeito do destino para nossos resíduos, nota-se que estamos unidos

eternamente ao mundo dos objetos materiais. Esse vínculo tem uma contrapartida na

transformação do ambiente e na perpetuação da esfera do artificial. Dentre os diversos

princípios da Lei 18.031/2009 (MINAS GERAIS, 2009), para orientar a gestão dos

resíduos em Minas Gerais, tem-se no Art. 4, Capítulo 1, Item VII, a definição de

destinação final ambientalmente adequada como sendo:

[...] o encaminhamento dos resíduos sólidos para que sejam submetidos ao processo adequado, seja ele a reutilização, o reaproveitamento, a reciclagem, a compostagem, a geração de energia, o tratamento ou a disposição final, de acordo com a natureza e as características dos resíduos e de forma compatível com a saúde pública e a proteção do meio ambiente (MINAS GERAIS, 2009).

Ainda, segundo essa mesma lei, entende-se por tratamento no Art. 4, Capítulo 1, Item

XXXIII “[...] o processo destinado à redução de massa, volume, periculosidade ou

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potencial poluidor dos resíduos sólidos, que envolve alteração das propriedades físicas,

químicas ou biológicas” (MINAS GERAIS, 2009).

Quanto à disposição final nessa lei, Art. 4, Capítulo 1, Item VIII, tem-se: “[...]

disposição dos resíduos sólidos em local adequado, de acordo com critérios técnicos

aprovados no processo de licenciamento ambiental pelo órgão competente” (MINAS

GERAIS, 2009).

Na Lei 12.305/2010 – Art. 3, Capítulo II, Item VII (BRASIL, 2010), quanto à

destinação final ambientalmente adequada tem-se:

[...] a destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do SISNAMA, do SNVS e do SUASA (Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária) entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos (BRASIL, 2010).

Consta na mesma lei, Art. 3, Capítulo II, Item VIII uma distinção quanto à disposição

final ambientalmente adequada como sendo a “[...] distribuição ordenada de rejeitos em

aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à

saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos”.

Para uma classificação de aterros, Waldman (2006) sugere que podem ser diferenciados

em: comuns (lixões), controlados e sanitários, uma tipologia que insere desdobramentos

técnicos, sociais e ambientais, diferentes de um caso para outro.

Sobre os lixões, Waldman (2006) afirma que se pode dizer que são áreas de descarte,

vazadouro ou descarga indiscriminada de resíduos a céu aberto, para onde todo o lixo

coletado é transportado e descarregado diretamente no solo, sem tratamento algum, ou

seja, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública. Mesmo sendo feito

em um local afastado, é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos.

Esse mesmo autor assevera que, por serem isentos de cuidados técnicos, sanitários ou

ambientais, os lixões constituem ameaça direta ao meio ambiente e à saúde pública.

Segundo Freire (2009), embora o lixão represente o que há de mais primitivo em termos

de disposição final de resíduos, é dessa forma que a maioria das cidades brasileiras

ainda "trata" os seus resíduos sólidos. A disposição imprudente do lixo, afirma

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Eigenheer (2003), além de abrir caminho para a contaminação dos animais domésticos e

da fauna, propicia condições favoráveis para a proliferação de vetores biológicos hostis.

Quanto aos aterros, as literaturas consultadas remetem às seguintes caracterizações:

aterros controlados e aterros sanitários. Resumidamente, a diferença básica entre os

dois, segundo essas fontes, é que o aterro sanitário possui um sistema de coleta e

tratamento do chorume (líquido resultante da decomposição do resíduo), assim como da

drenagem de águas pluviais e queima do biogás (CINTRA, 2003; IBAM, 2004;

WALDMAN, 2006).

De acordo com Cintra (2003) e Waldman (2006), os aterros controlados não passam de

um sistema convertido a partir de um antigo lixão, porém com problemas idênticos aos

dos lixões. Uma diferença é que, neste caso, os refugos recebem cobertura de material

inerte, geralmente entulho ou material argiloso retirado das proximidades. Já o aterro

sanitário, para esses autores, é uma disposição final dos resíduos sólidos baseada em

técnicas sanitárias que consistem em impermeabilização do solo, compactação e

cobertura diária das células de lixo, coleta e tratamento de gases, coleta, tratamento e,

por vezes, recirculação do chorume. Entretanto, afirma Eigenheer (2003), apesar das

vantagens, esse método enfrenta limitações por causa da disponibilidade de áreas

adequadas ao empreendimento associada ao aumento acelerado da quantidade de lixo

produzido.9

Na NBR 8.419/1992 (ABNT, 1992), referente a aterros sanitários, o aterro sanitário de

resíduos sólidos urbanos é definido como:

Técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos à Saúde pública e à sua segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área possível e reduzi-los ao menor volume permissível,

9Cabe salientar que também a psicanálise pensa a respeito disso, que é um dos maiores problemas dos nossos tempos: esse aumento desenfreado do consumo. Essa é a lógica do capitalismo e Freud fala disso no texto sobre “o mal-estar na civilização” (FREUD, 1974c). Também Lacan associa essa lógica à estrutura do discurso capitalista. O discurso capitalista produz objetos que visam à saturação do sujeito tamponando sua falta com gadgets, que se propõem como objetos “prontos” para o gozo, anulando toda questão sobre o desejo. Esse modo de laço social faz crer que é possível ao sujeito encontrar em um objeto sua satisfação, afirma Quinet (1999). A estrutura do discurso forja esse consumo. É o estágio civilizatório no qual nos encontramos. Estamos vivendo o momento em que tudo é criado para estragar. Mas não nos damos conta de que isso produz montanhas de lixo.

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cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho, ou a intervalos menores, se necessário (ABNT, 1992, p. 4).

Especificamente para os resíduos orgânicos, existem outras formas de destinação que

envolvem um tratamento dos mesmos. A seguir são citadas algumas delas.

A reciclagem orgânica é também denominada de compostagem. Segundo a Lei

18.031/2009 – Art. 4, Capítulo 1, Item IV (MINAS GERAIS, 2009), compostagem é:

[...] o processo de decomposição biológica de fração orgânica biodegradável de resíduos sólidos, efetuado por uma população diversificada de organismos em condições controladas, até a obtenção de um material humificado e estabilizado (MINAS GERAIS, 2009).

A compostagem pode também ser definida como uma forma de tratamento biológico da

parcela orgânica do lixo, permitindo uma redução de volume dos resíduos e a

transformação desses em composto a ser utilizado na agricultura, como recondicionante

do solo. Trata-se de uma técnica importante em razão da composição do lixo brasileiro

(em torno de 50% de matéria orgânica) e da diminuição de materiais a serem aterrados.

Outra forma de destinação de resíduos no Brasil é a coleta seletiva. A coleta seletiva

permite a reciclagem. Essa é definida na Lei 12.305/2010 – Art. 3, Capítulo II, Item V

(BRASIL, 2010) como:

[...] processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, observadas as condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do SISNAMA e, se couber, do SNVS e do SUASA (BRASIL, 2010).

Na Lei 18.031/2009 – Art. 4, Capítulo 1, Item III (MINAS GERAIS, 2009), a coleta

seletiva é definida como “[...] o processo de transformação de resíduos sólidos, que

pode envolver a alteração das propriedades físicas ou químicas dos mesmos, tornando-

os insumos destinados a processos produtivos”.

A reciclagem é considerada um importante método de destinação do lixo, em relação ao

meio ambiente, uma vez que, além de diminuir a quantidade de resíduos enviados a

aterros sanitários, reduz a necessidade de extração de matéria-prima diretamente da

natureza.

Waldman (2010) defende a ideia do reaproveitamento dos resíduos sólidos como um

convite à reflexão do próprio conceito tradicional de lixo e afirma (p. 17) que “[...]

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muitos textos de educação ambiental adotaram um modo de abordar o tema composto

por 4 ‘R’: Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Trata-se de um ‘quarteto’ que

contempla tanto o debate da alteração de hábitos visando à minimização dos resíduos

quanto o da otimização dos materiais”.

No entanto, a reciclagem também precisa ser repensada. Uma das construções

imaginárias nos dias de hoje é o mito da reciclagem infinita, concepção, aliás, reforçada

pela própria simbologia, que induz a ideia de um ciclo fechado, como se os materiais

pudessem ser indefinidamente recolocados em circulação. Seu símbolo é uma figura

matemática denominada Banda de Moebius, um modelo matemático topológico criado

pelo matemático alemão August Ferdinand Moebius (1790-1868). Foi adaptado no final

dos anos 60 para a representação da reciclagem, com mostrado na Figura 1, por Gary

Anderson. Atualmente é um símbolo universal de domínio público.

Figura 1 – Símbolo da reciclagem (Banda de Moebius).

Cabe ressaltar que a psicanálise também se vale da Banda de Moebius para pensar a

estrutura do sujeito. Lacan se utiliza da lógica moebiana para localizar o resto (como

descrito na Seção 2.1.1.2) como o inservível, aquilo que não serve para nada, mas, no

entanto não cessa de não se inscrever na linguagem (LACAN, 2005). Aparecendo

constantemente na estrutura psíquica e exigindo uma destinação.10

Assim, embora os benefícios obtidos com a reciclagem sejam questionáveis, a

associação da atividade recicladora com a defesa do meio ambiente no imaginário social

é forte a ponto de se imaginar que se trataria de procedimento que não impacta o

ambiente, trata-se do resultado de uma bem-sucedida campanha de marketing, que

10A banda de Moebius escreve a estrutura do sujeito e assim o faz por ser unilátera. Nessa figura o dentro e o fora estão em continuidade. Não há diferença entre um lado e outro e é essa propriedade que Lacan utiliza para se referir à estrutura do sujeito (LACAN, 2005).

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proporcionou a essa atividade essa fama. Contudo, como dito anteriormente, ela, como

toda e qualquer atividade humana, consome água, energia e gera resíduo.

Também pela lógica analítica esse tema merece ser repensado, pois, para a psicanálise,

existem alguns processos que são irreversíveis. Portanto, essa ideia de que na natureza

nada se perde tudo se transforma eternamente, que marca o símbolo da reciclagem, não

se confirma: há perdas, e algumas são para sempre.

O que a psicanálise nos convida é a aprender a lidar com as perdas de outra forma, não

as recalcando, mas elaborando-as a partir de outra lógica. A psicanálise, portanto, se

opõe a todo discurso que suprime a função do sujeito. Contra o imperativo do ter, a

psicanálise propõe a ética da falta-a-ter, que se chama desejo, afirma Quinet (1999).

O mesmo pode ocorrer ao se trabalhar com a estrutura do discurso capitalista. É

possível, diante da lógica psicanalítica, segundo Quinet (1999), dar outro tratamento a

esse modo de gozo, através da gestão, não do capital financeiro, mas do capital da

libido, contra o imperativo da competitividade neoliberal, a ética da diferença que possa

vir barrar o imperativo de gozo imposto pelo discurso capitalista científico neoliberal.

2.2 Resíduos da cultura

2.2.1 Transformações ocorridas com o lixo ao longo do tempo

“Nenhuma história seja qual for nunca inclui mais do que omite.” (JONES, 2009)

Para abordar a questão dos resíduos sólidos em uma vertente simbólica, são utilizados

três eixos:

• abordagem temporal do lixo;

• abordagem conceitual da relação do lixo com o registro e a memória de uma

civilização;

• a história da comunidade do Azevedo (município de Moeda).

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Nesta seção, são considerados os dois primeiros eixos e o terceiro (sobre a história da

comunidade) é apresentado no Capítulo 3 – Seção 3.1.3.

Jones (2009, p. 14) afirma que, “[...] em geral, define-se História como a disciplina que

registra os acontecimentos do passado e não apenas a passagem do tempo, das pessoas,

dos carros e das nuvens”. A abordagem dada neste trabalho às transformações ocorridas

com o lixo ao longo do tempo pretende levar em consideração essa ideia, sem, contudo

ter a pretensão de aprofundar no tema, apontando apenas alguns elementos e aspectos

quanto à relação existente entre eles.

Nos tempos atuais, muito se tem dito a respeito da importância do lixo na vida e na

história da civilização. Isso tem aparecido, por exemplo, no trabalho de vários artistas,

que criaram através do lixo uma narrativa estética que vai refletir e marcar a cultura

contemporânea. Um exemplo desse tipo de abordagem pode ser encontrado na obra de

Vik Muniz que, ao trabalhar com os catadores de resíduos sólidos de Gramacho, Rio de

Janeiro, pôde afirmar que “[...] o lixo representou para a humanidade a sua maior forma

de autoconhecimento” (BUENO e MUNIZ, 2010, p. 28).

Contrariando o que se imagina, desde sempre o homem se viu diante dos problemas

causados pela produção de resíduos, visto que, segundo Duby e Ariès (1995), as

sociedades sempre transformaram o meio e com isso produzem lixo. Em todos os

tempos e espaços, ele se faz presente, servindo, portanto, como referência para estudos

históricos.

Desde o neolítico, observa-se entre os humanos uma necessidade premente de limpeza e

organização, principalmente quanto às fezes e urina.

Segundo Eigenheer (2003), são muitos os fatores que afetam essa relação: situação

geográfica, clima, abundância de água, modo de produzir, distribuição da riqueza,

religião e, nessa principalmente, a concepção de vida e morte.

O gerenciamento do lixo pode ser notado desde tempos antigos. Com base em

observações arqueológicas, hoje é possível afirmar que na pré-história já se queimava

lixo em locais predeterminados, supostamente para eliminar o mau cheiro dos resíduos

basicamente orgânicos, afirma Eigenheer (2003).

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Waldman (2010) ressalta que já foram encontradas várias compilações jurídicas,

indicando medidas relacionadas com a gestão dos resíduos. Todas elas de acordo com

interdição religiosa, padrões estéticos, morais ou culturais.11

Acumular organizadamente detritos em lugares predeterminados nunca foi algo fácil de

conseguir e nem tampouco foi uma praxe universal, apesar de sempre ter sido algo

almejado.

A necessidade de se livrar dos restos de alimentos e outros materiais, bem como do

esgoto, já era motivo de discussão desde a Grécia Antiga. As pesquisas indicam que no

ano 500 a.C., a cidade de Atenas criou o primeiro lixão municipal, exigindo que, os

detritos fossem jogados a cerca de dois quilômetros das muralhas que a cercavam,

afirma Waldman (2010).

Os romanos, por sua vez, herdaram dos gregos várias conquistas sanitárias, dentre elas

pode-se citar “o banheiro”, afirma Holland (2006). Segundo esse autor, no século IV

a.C., Roma possuía 856 banhos públicos e 14 termas, cabendo somente aos banhos

públicos um consumo de água de 750 milhões de litros diários. Eles tinham um senso

muito desenvolvido de limpeza, um motivo a mais para que as cidades romanas, ao

contrário das cidades europeias do fim da Idade Média, desconhecessem vários

problemas relacionados com a higiene, como o dos piolhos por exemplo.

Melhor planejadas do que as cidades da Idade Média, as ruas das cidades do Império

Romano eram construídas regularmente em ângulo reto, pois os romanos reconheceram

logo as vantagens higiênicas das cidades construídas segundo esse modelo (também

uma herança dos gregos). Assim dispostas, as ruas ofereciam a possibilidade de

poderem ser refrescadas por ventos frios procedentes de certas direções, evitando-se,

dessa maneira, a formação de bolsões de ar malcheiroso, típicos fenômenos de ruas

sinuosas. Tinham ainda a vantagem de afastar das casas, em virtude da movimentação

11Freud também contribuiu para pensar o tema quando, ao escrever em 1930 o texto intitulado “O mal-estar na civilização” (FREUD, 1974c), afirma que o processo de civilização só se torna possível a partir de determinadas regras, todas firmadas a propósito do recalcamento. Essas normas estão em conformidade com a exclusão dos resíduos do corpo (fezes, urina, e o próprio corpo depois de morto) de um convívio com a comunidade. Nem sempre isso se viabiliza. Mas sempre que se faz necessário esse convívio, o mal-estar se torna presente. Esse é um dado de estrutura, portanto universal e atemporal.

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dos ventos, os mosquitos da malária. Além disso, resultava daí a vantagem estratégica

de uma boa visão geral sobre toda a cidade, afirma Eigenheer (2003).

A limpeza das ruas em Roma, segundo Eigenheer (2003), requeria que se evitasse a

formação de poças d’água, que se eliminassem ervas daninhas, cadáveres em

decomposição e peles, e que se mantivessem limpas as sarjetas. Pelo código municipal

de César, afirma Holland (2006), todo proprietário de casa estava obrigado a manter em

ordem e limpo o trecho de rua diante de sua residência. Com base nos achados

arqueológicos de Pompéia, sabe-se que nas cidades romanas o leito das ruas era

pavimentado e, na maioria dos casos, levemente arqueado, de maneira que as águas

podiam escorrer para as sarjetas e daí para os bueiros. O perigo de que as águas servidas

pudessem sujar as ruas da cidade foi evitado fazendo-se com que a água que escoava

dos banhos públicos para a canalização fosse usada como descarga nas privadas

públicas, de maneira que, assim, ficou banida a ameaça de que ocorresse um surto de

epidemia dentro da cidade, segundo Eigenheer (2003).

No caso dos romanos, é importante também dar atenção à forma como tratavam os

cadáveres, dejetos que precisavam ter uma destinação adequada, salienta Eigenheer

(2003). Em várias cidades italianas, por essa época, foram estabelecidas normas para

destinação de dejetos e carcaças de animais, e para criação de animais nos limites

urbanos.

A decadência e a queda do Império Romano levou consigo muitas de suas conquistas

sanitárias, especialmente no que se refere a Roma, afirma Holland (2006).

Assim se pode ter uma ideia do que representou para a história da civilização ocidental

a constituição do Império Romano. Holland (2006), ao retratar o episódio da travessia

do “Rubicão” afirma que o dilema vivido por Julio Cesar diante da decisão de atravessar

ou não aquele rio o colocava diante da “hora da verdade”. Ele teria que optar entre se

submeter à lei vigente até então e com isso abandonar sua carreira, ou quebrar essa lei

atravessando uma linha divisória que era representada pelo rio Rubicão.

Os romanos tinham uma palavra para designar um momento igual aquele: Discrimen

que quer dizer momento de crise, mas também “linha divisória”. “Foi isso que, em

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todos os sentidos, veio a se tornar o Rubicão”, declara Holland (2006, p. 15). Ao

atravessá-lo Julio Cesar lançou o mundo numa guerra, mas também instaurou uma

monarquia sobre as ruínas nas quais haviam se transformado as antigas cidades livres de

outrora. Essa travessia possibilitou que o mundo ocidental vivesse em outro estágio. As

conquistas sanitárias são um exemplo do que se pôde herdar desse império.

A destruição, ou não-conservação dos sistemas sanitários, trouxe consequências

funestas. A isto se pode atribuir também à incidência de epidemias. Pode-se então

afirmar que a peste surgiu com a decadência do Império Romano.

Os hábitos de higiene e saúde foram se transformando. Segundo Eigenheer (2003), nos

primórdios da Idade Média, as casas de banho eram mais numerosas do que nos séculos

XVI e XVII. De forma crescente, as cidades decidiram fechar suas casas de banho,

porque para a visão da época, elas tinham se transformado num lugar propício ao

contágio de doenças infecciosas.

No decorrer dos séculos V e VI, de acordo com Duby e Ariès (1995), Roma foi várias

vezes saqueada pelos germanos. No cerco dos godos, no ano de 537, foram destruídas

as onze grandes canalizações da cidade. Depois disso, os dutos permaneceram por

vários séculos inutilizados e foram se decompondo cada vez mais durante esse tempo.

Só no fim da Idade Média é que se conseguiu, graças à iniciativa de vários papas,

reconstruir três das antigas canalizações. Apenas esses três dutos foram de início,

suficientes para suprir Roma com água potável até o passado recente.

Assim pode-se dizer que a vida nas cidades medievais europeias, de acordo com Duby e

Ariès (1995), implicava uma promiscuidade com dejetos, carcaças de animais mortos e

restos de alimentos atirados a esmo nas ruas e praças. Odores oriundos da putrefação e

do esgoto impregnavam as cidades, acometidas por surtos de peste bubônica e outras

doenças provocadas pela sujeira. Jones (2009, p. 76-77), exemplificando com relação a

Paris, afirma que “[...] a circulação dentro da cidade era notoriamente precária, em

consequência das ruas estreitas e sinuosas, da inexistência de limpeza das ruas e da

dependência excessiva de um número pequeno de pontes” e “[...] o sistema de ruas era

desordenado e incoerente”.

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Para se ter uma ideia da gravidade da situação, em média, cerca de um quarto do total

de mortes nas cidades europeias até o século XIX derivava de doenças relacionadas ao

acúmulo do lixo, afirma Eigenheer (2003).

Segundo Jones (2009), se referindo a Paris, foi apenas no século XV que começaram a

ser pavimentadas as primeiras e mais famosas ruas da cidade. As demais ruas não

passavam de um lodaçal. Havia muitas pranchas de madeira estendidas sobre as ruas e,

com funções de verdadeiros diques, eram levantados grandes muros diante das casas

para evitar que a sujeira as atingisse diretamente. Apesar de essas informações serem

sobre Paris, o mesmo pode ser referido a outras cidades do mesmo porte.

Somente na segunda metade do século XIX, lembra Waldman (2010), é que se

presenciaram modificações substanciais na limpeza urbana, inclusive em aspectos

técnicos. Isto se deveu parcialmente à Revolução Industrial, que trouxe em seu bojo um

acelerado crescimento urbano, com consequências habitacionais e sanitárias pouco

conhecidas até então.

Foram mesmo necessárias medidas para amenizar não só a triste situação dos bairros

operários, mas também a pressão sobre áreas mais nobres da cidade (peste,

contaminação da águas etc.), de acordo com Waldman (2010).

Igualmente decisivo nesse contexto é o surgimento, na segunda metade do século XIX,

da teoria microbiana das doenças, refutando a concepção miasmática e trazendo uma

radical mudança na visão da saúde pública e da atenção em relação aos dejetos,

especialmente urina e fezes, afirma Eigenheer (2003).

Dessa maneira, conclui-se que a disposição dos resíduos marca desde sempre a

paisagem dos agrupamentos humanos. Eles não estavam unicamente dispostos de

maneira desordenada nos meios urbanos. Por vezes, eles se faziam presentes em áreas

restritas ou dispersos em áreas circunscritas.

Essas áreas configuram formas espaciais singulares nem sempre reconhecidas pelo

nosso olhar, a exemplo dos sambaquis no Brasil. Esse é um importante tema da história

brasileira e que interessa a diversos segmentos da cultura.

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Como exemplo, pode ser citado o que é escrito por Vik Muniz12. O documento artístico

que ele produz é tão válido como o de um historiador intenso e rigoroso que pretende

estudar o resto. Com a ajuda do historiador André Bueno, ele traça uma relação entre

essas formas espaciais que eram avistadas no passado e o que se avista hoje nos imensos

lixões das grandes cidades brasileiras. Eles afirmam que “[...] quando os primeiros

navegadores iniciaram o levantamento do litoral brasileiro, encontraram nas vastas

extensões da costa, montanhas de conchas; às vezes relativamente baixas, às vezes de

longa extensão, em alguns casos em espantosas alturas de até trinta metros”. Eram “os

sambaquis, ou concheiros, ‘restos de cozinha’ provenientes dos agrupamentos

humanos” (BUENO e MUNIZ, 2010, p. 25).

Os colonizadores utilizaram essas “montanhas” durante todo o período colonial até

meados do século XX para obter cal (matéria-prima básica de toda a construção). Ao

destroçá-las, deparavam-se com toneladas de cascas de ostras, mexilhões, e outros

mariscos, com esqueletos humanos, instrumentos de pedra, estátuas zoomorfas, restos

de cerâmica. As conchas eram formadas por cálcio puro, tendo sido fundidas por

séculos de penetração das águas das chuvas. Dessa forma, foram erguidas várias das

cidades coloniais do Brasil litorâneo (BUENO e MUNIZ, 2010).

Esse exemplo confirma outro aspecto importante a ser ressaltado com relação ao tipo de

resíduo produzido outrora. Como as sociedades tinham sua sobrevivência garantida pela

caça, pesca, coleta e agropecuária, o lixo produzido por elas era constituído em sua

maior parte de resíduos orgânicos, e eram, portanto, facilmente assimiláveis pela

natureza.

Em Duby e Ariès (1995) são citadas atividades praticadas no mundo antigo que também

produziam outros tipos de resíduos tais como mineração, silvicultura, artesanato e

processamento de matérias-primas. Nessa obra avalia-se que tais atividades utilizavam

técnicas ecologicamente menos onerosas que as de hoje e por isso causavam poucos

12Vik Muniz é um artista plástico sensível ao tema dos resíduos, que lida com eles, propondo ao mundo uma espécie de operação de transcendência. Seu trabalho é uma elaboração e uma arte através do lixo. Elaboração da cultura, denúncia e superação do que não conseguiu ficar recalcado. Atravessamento e subversão do que a sociedade jogou fora e não quis “nem saber”.

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impactos ambientais, além de serem praticadas numa escala bem menor se comparadas

ao nosso tempo.

Também se sabe que a sociedade antiga utilizava seus recursos ao máximo, visto que

muitos deles eram escassos. Com isso se tinha um contínuo reaproveitamento dos

resíduos. Rodrigues (1998) salienta que a identidade característica do mundo antigo não

era a do descarte. A tradição diferia dos elementos característicos da modernidade que,

com a urbanização, trouxe um novo modo de viver marcado pelo consumo e,

consequentemente, pela geração de lixo. Assim, é necessário pontuar os vínculos que

unem modernidade, urbanização e geração de lixo.

Para a psicanálise, também há uma mudança na ordem das coisas. Há uma diferença

qualitativa com o império do processo industrial que caracteriza a modernidade. Ele

funciona para isso, por causa da transitoriedade (que Freud, em 1915, tanto chama a

atenção em seu artigo intitulado “Sobre a transitoriedade”). Freud conclui que “o valor

da transitoriedade é o valor da escassez no tempo”. Por isso, é preciso estar “prontos a

aceitar uma renúncia permanente, porque o que era precioso revelou não ser duradouro”

(FREUD, 1976, p. 345 e 347).

No capitalismo impera uma estratégica obsolescência planejada13. Segundo Churchill e

Peter (2000, p. 42), a obsolescência planejada “significa que a empresa construiu os

produtos para que não durassem, pelo menos não tanto quanto os compradores

gostariam de usá-los”. Schewe e Smith (1982) acrescentam que essa estratégia é usada

pelos empresários para forçar um produto em sua linha a tornar-se desatualizado e,

depois, aumentar o mercado de reposição. Esses autores entendem que a obsolescência

existe em quatro formas: a técnica (quando a empresa efetua melhorias técnicas em um

produto); a física (quando os produtos são feitos para durar apenas um tempo limitado);

a adiada (quando a empresa possui condições de realizar melhorias tecnológicas, mas

não realiza tal introdução até que a demanda pelos produtos existentes não decline, e os

13A obsolescência planejada tem íntima relação com o capitalismo pós-industrial, que detonou, conforme Harvey (1992), com as ideias de durabilidade, qualidade e estocagem. O que antes era permanente passou a ser transitório, efêmero, fugaz. Pois, nesse mundo “[...] Para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma [vitória] deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre. Melhor que permaneçam líquidas e fluidas e tenham ‘data de validade’: caso contrário poderiam excluir as oportunidades remanescentes e abortar o embrião da próxima aventura” (BAUMAN, 2001, p. 74).

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estoques não se esgotem); e a de estilo (quando a aparência física de um produto é

modificada para que os existentes pareçam desatualizados).

O discurso capitalista só sobrevive a partir disso. Ao formalizar a ideia de discurso do

capitalista, está-se chamando a atenção para o modo de organização dos seres falantes

na linguagem, propriamente, o modo de laço social que reúne os sujeitos e seus modos

de gozo na cultura – ou seja, não é tanto a questão das políticas públicas, das formas de

governo ou só dos modos da economia. O sujeito do discurso capitalista vai ter que se

haver com os gadgets, com os lixos, que ele produz, afirma Lacan (LACAN, 1998).

Wolf (1976) lembra que, no passado, a maior parte da população se concentrava no

meio rural, sendo as cidades pouco expressivas. Dessa maneira, o cerne da vida social,

bem como seu código de valores e condutas, era ditado pelo campo. O espaço do mundo

antigo e seus resíduos mantinham forte relação com o meio natural e estavam dessa

forma delimitados às áreas habitadas pelos humanos. Essa situação favorecia a absorção

dos materiais descartados pela natureza.

O campo desfruta hoje, ao contrário do que já se viveu outrora, um papel secundário na

sociedade contemporânea, segundo Moura (1986). Sendo obrigado a fornecer recursos à

cidade de forma rápida e eficiente, o campo se vê levado a uma tecnificação da pecuária

e à industrialização da agricultura. Isso o obriga a uma padronização da produção com

um alto custo financeiro e energético. Essa mesma autora comenta sobre o pensamento

de Marx quanto ao meio rural moderno, afirmando que, inversamente ao que houve no

passado, o campo é um espaço crescentemente urbanizado, reprodutor das prefigurações

simbólicas e da própria espacialidade urbana.

Essa alteração da dinâmica do meio rural foi acompanhada de mudanças no perfil dos

seus resíduos. Chayanov (1974) acrescenta que o avanço da agropecuária moderna

ocorre com lastro em agrotóxicos, maquinário agrícola, fertilizantes artificiais,

desmatamentos em escala industrial (utilizando-se de tecnologias que propiciam uma

ação em escala “macro”).

Com isso, os fazendeiros se vêem às voltas com problemas como a disposição final de

embalagens, peças sem serventia e confinamento de produtos químicos, transtornos que

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normalmente não frequentavam a mente do homem do campo tradicional. O lixo rural,

que anteriormente continha uma baixa quantidade de produtos artificiais, foi investido

de forte componente técnico. Assim, tornou-se inevitável uma dependência do meio

rural para com o aparato urbano e suas dinâmicas.

Kaustsky (1986) aponta para outra importante questão relacionada à subordinação do

campo à cidade: os problemas relacionados ao gerenciamento dos resíduos orgânicos

(produção de esterco), resultado direto do consumo exagerado das elites e da expansão

da dieta ocidental, tendo por carro-chefe o consumo de proteína animal – basicamente

de origem bovina (hambúrguer) – apoiado pelas redes de lanchonetes fast food. Com o

aumento do consumo de sanduíches, se faz necessário o aumento proporcional de bois

no pasto. E com isso a quantidade de esterco na propriedade rural passa a exigir um

gerenciamento. O que antes era parte de um processo natural, agora se torna um

problema.

Também são dignas de nota as transformações ocorridas a partir do processo de

modernização quanto aos hábitos e modos de vida das pessoas na zona rural. A

alimentação, os hábitos de higiene bem como outros hábitos de consumo transformaram

a quantidade e a composição dos resíduos sólidos domésticos no meio rural. Hoje a

presença de embalagens diversas, vidros, plásticos, papel, latas etc., é uma constante,

fazendo com que tanto no campo como no meio urbano sejam necessárias medidas

urgentes de gestão dos resíduos sólidos.

2.2.2 O lixo nos dias de hoje: “a era do lixo”

“Pois o espírito das coisas mortas ergue-se sobre a terra e sobre as águas, e seu hálito é um agouro do mal.”

(KLÍMA, 1993).

O lixo no mundo moderno assumiu uma proporção dantesca. Levando em consideração

outras eras pelas quais a humanidade já passou – de acordo com o cerne da produção de

um dado período da história, por exemplo: a era da pedra lascada, a era do bronze –, o

geógrafo Frances Jean Gottman certa vez definiu provocativamente a época atual como

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a “Era do Lixo e do Refugo”, como cita Waldman (2010, p. 69). Hoje, os resíduos, por

integrarem a cadeia de produção e consumo próprios do nosso tempo, se estendem por

todo o planeta e, por serem artificiais, resistem à degradação. Assim, pode-se dizer que

não existe nenhuma parte do globo a salvo do lixo.

No passado, como citado anteriormente na introdução, os resíduos mantinham forte

relação com o meio natural e estavam limitados às áreas habitadas pelos humanos. Uma

característica da espacialidade na Antiguidade é que a territorialidade estava imersa na

naturalidade. Até as regiões de maior adensamento humano estavam perto de áreas

naturais e, portanto, dispunham de facilidades para reinserção dos materiais descartados

nos ciclos naturais.

Nesse contexto, que exige mudanças urgentes, as estratégias de gestão de resíduos têm

enfrentado problemas por todos os lados, mesmo com a existência de tecnologias cada

vez mais sofisticadas para auxiliar na solução desses problemas.

A questão dos resíduos, como mencionado na introdução deste trabalho, não é apenas

um problema técnico. Ao estudo do lixo se articulam questionamentos a respeito das

expectativas humanas diante do mundo e da visão que se tem sobre os resíduos e seu

papel na dinâmica da sociedade. Vive-se um paradoxo: é preciso consumir cada vez

mais para manter a vida moderna, ao mesmo tempo em que se torna necessário evitar

que o produto final desse consumo – o lixo – ameace e destrua a humanidade.

Quanto mais produtos forem consumidos, mais funcionará a engrenagem formada pela

relação produção-consumo. Uns poucos obtêm lucro, mas todos pagam por isso. O

ritmo com que os produtos advindos do consumo exagerado se tornam inúteis é

proporcional aos custos ambientais causados por sua produção e descarte (eles

rapidamente viram lixo). Dessa forma, a ciranda dos bens de consumo é marcada pela

relação entre lixo, tempo e mercado. Assim deve-se considerar que o lixo não é de

forma alguma despossuído de função; ao contrário, possui uma finalidade estrutural no

sistema: realimentar a cadeia produtiva, e quanto mais intensamente, melhor. Por essa

razão, cabe aproximar o questionamento entre qualidade de vida e a lógica do consumo:

quanto mais bens uma família possui melhor será sua qualidade de vida?

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Novamente se pode fazer menção ao Discurso do Capitalista14, um dos discursos

formulados por Lacan (2003). Segundo Quinet (1999), Lacan se utiliza do termo

empregado por Karl Marx para falar de uma posição do sujeito. Nesse discurso o sujeito

goza da integralidade do objeto sendo estimulado a ter a ilusão de completude não mais

com a constituição de um par, e sim com um parceiro conectável e desconectável ao

alcance da mão.

Dessa maneira, os resíduos não deveriam ser considerados como “aquilo que sobra”,

pois são, justamente, não o “fim”, mas o “meio” que permite a manutenção da

sociedade de consumo tal como está instituída. Eles estão completamente articulados a

uma lógica maior, não são subprodutos resultantes de um inesperado processo

desconhecido.

Por esse prisma, um dos aspectos que melhor permite a verificação dos diferentes

modos de gerar lixo e mapear seus efeitos é o comportamento alimentar. Waldman

(2010) recorda o geógrafo Josué de Castro que afirma que, ao se alimentarem, os seres

humanos não só asseguram sua sobrevivência, mas também constituem vínculos sociais.

Assim, o modo como comem, a opção de determinado alimento e a destinação das

sobras, constituem um rico manancial de informações sobre o comportamento humano.

É preciso estender também o questionamento para a forma como organizamos nossa

economia. Liebmann (1979) já afirmava que a importância primordial que se concede à

economia conduz à catástrofe ecológica. Dito de outra forma, o impulso que dá

predominância à economia provoca a desagregação da ecologia. O autor alerta para que

os erros que impediram o reconhecimento dessa correlação não se repitam, visto

estarem arraigados na natureza humana. O homem do passado, embora tivesse

reconhecido, em crescente proporção, as correlações econômicas, nada sabia sobre suas

premissas ecológicas. Ao contrário dos nossos antepassados, sabe-se hoje quais são

essas correlações. Portanto, não há pretexto que, no momento, permita desconsiderar a

ecologia. Ponderar os interesses opostos de ambos os componentes equivale a equilibrar

14Lacan, em Televisão (1974), preocupa-se com o mal-estar na modernidade, diagnosticando-o como o produto do discurso capitalista.

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os dois pratos de uma balança, cientes de que disso depende a sobrevivência da

humanidade.

2.2.2.1 A modernidade e os resíduos: a possibilidade de uma narrativa estética

Além das questões ambientais presentes em torno da relação que se estabelece com os

resíduos, também pode-se citar outras formas de manifestação diante do tema. Ao

refletir sobre o caráter simbólico presente no estudo dos resíduos, é importante citar

alguns autores e artistas que abrem a possibilidade de abordar a questão como um

aspecto fundamental para se pensar a modernidade.15

Benjamin (1985), por exemplo, relaciona diretamente a questão da modernidade à dos

dejetos. Nas considerações que faz ao quadro de Paul Klee (Angelus Novus), indica

explicitamente as ruínas e dejetos como contrapartida do progresso.

Mas é a partir da reflexão sobre a obra de Baudelaire que Benjamin (1985) vê

explicitada a possibilidade de um olhar sobre a modernidade através de alguém cuja

função está relacionada com o lixo: o “trapeiro”. Ele sinaliza que, se um pesquisador

pretende tecer considerações sobre a vida moderna, não deve deixar de considerar esse

decisivo personagem. Sabe-se que um maior número de trapeiros surgiu nas cidades

desde que, graças aos novos métodos industriais, os rejeitos ganharam certo valor. Os

trapeiros fascinavam à sua época. Encantados, os olhares dos primeiros investigadores

do pauperismo nele se fixaram com a pergunta muda: “Onde seria alcançado o limite da

miséria humana? Naturalmente o trapeiro não pode ser incluído na boêmia. Mas, desde

o literato até o conspirador profissional, cada um que pertencesse à boêmia podia

reencontrar no trapeiro um pedaço de si mesmo” (BENJAMIN, 1985, p. 16-17).

Benjamin (1985) refere-se ao que é dito por Baudelaire em toda a sua obra sobre a

relação entre os poetas e os trapeiros, para refletir sobre o papel do historiador

contemporâneo. Eles encontram no próprio lixo o seu assunto heroico. Com isso, no

tipo ilustre do poeta (ou do historiador), aparece a cópia de um tipo vulgar. Trespassam-

no os traços do trapeiro que ocupou a Baudelaire tão assiduamente: 15Nesse sentido, os artistas possuem uma percepção privilegiada; portanto, são capazes de antecipar a ciência. Eles podem inferir algo que a ciência não pode. Isso é devido à maneira como se estabelece a estrutura própria do discurso científico.

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Aqui temos um homem – ele tem de recolher na capital o lixo do dia que passou. Tudo o que a cidade grande jogou fora, tudo o que ela perdeu, tudo o que desprezou, tudo o que destruiu, é reunido e registrado por ele. Compila os anais da devassidão, o Cafarnaum da escória; separa as coisas, faz uma seleção inteligente; procede como um avarento com seu tesouro e se detém no entulho que, entre as maxilas da deusa indústria, vai adotar a forma de objetos úteis ou agradáveis (BENJAMIN, 1985, p. 78).

Essa descrição é apenas uma dilatada metáfora do comportamento do poeta segundo o

sentimento de Baudelaire. Trapeiro ou poeta – a escória diz respeito a ambos; solitários,

realizam seus negócios nas horas em que os burgueses se entregam ao sono. Ambos

perambulam com um andar abrupto pela cidade; cada um a seu modo, procurando seu

tesouro: “[...] o passo do poeta que erra pela cidade à cata de rimas; deve ser também o

passo do trapeiro que, a todo instante, se detém no caminho para recolher o lixo em que

tropeça” (BENJAMIN, 1985, p. 79).

Cabe dizer então, que, para Benjamin (1985), existem duas formas de associar o tema

dos resíduos com a história. A primeira aproxima o historiador do sucateiro, ou do

trapeiro, como citado anteriormente. Nessa perspectiva, o historiador é visto como

aquele que, revolvendo camadas do tempo e recolhendo as sucatas do homem, faz do

que é constantemente desvalorizado pela cultura, sua matéria-prima. A segunda associa

lixo e memória, essa como um rastro do passado. Por rastro pode-se considerar uma

sequência de impressões deixadas pela passagem de algo ou alguém; é uma lembrança

de uma presença que não existe mais e que corre o risco de se apagar. O rastro aponta

para a permanência de um vestígio humano.

Sendo assim, a tarefa do historiador/lixeiro seria a de procurar manter juntas a presença

do ausente e a ausência da presença. Isso também concerne à lógica psicanalítica. Sabe-

se, seja pela via da psicanálise, seja pela da história, que a memória vive dessa tensão

entre presença e ausência. Essa pode ser considerada a riqueza, mas também a

fragilidade essencial da ligação entre rastro e memória, sendo o estudo dos resíduos a

possibilidade de tecer o campo metafórico dessa ligação.

Berman (2010) é outro exemplo a ser citado como um autor a pensar a modernidade a

partir do viés do descartável. Ele afirma que a modernidade é caracterizada por um

tempo pretérito, esvaziado de sentido, ao contrário das culturas tradicionais, nas quais o

passado era honrado e seu símbolo valorizado por conter a experiência de gerações. O

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mundo atual vive sob o predomínio do tempo sobre o espaço; da noção do privado sobre

o coletivo; do que seria mundial sobre o que é de âmbito local; e, paradigmaticamente,

da dimensão do artificial sobre a esfera do natural. Esse autor faz uma análise do mundo

contemporâneo a partir de vários pensadores da modernidade. Dentre eles, cita Marx

numa afirmativa que dá origem ao título da obra. “Tudo está impregnado do seu

conteúdo. Tudo que é sólido desmancha no ar” (BERMAN, 2010, p. 31).

Berman (2010) também se refere a Nietzsche (influente filósofo alemão do século XIX),

ao descrever sobre o dilema do homem moderno: Nietzsche assevera que o homem

moderno “[...] jamais se mostrará bem trajado [...]”, porque “[...] nenhum papel social

nos tempos modernos é para ele um figurino perfeito. Todos os indivíduos, grupos e

comunidades enfrentam uma terrível e constante pressão no sentido de se reconstruírem

interminavelmente; se pararem para descansar, para ser o que são, serão descartados”

(BERMAN, 2010, p. 33).

Também pode-se citar vários artistas plásticos que criaram uma narrativa estética

mobilizando o lixo para refletir sobre a cultura contemporânea.

Andrés (1998) afirma que não foram poucos os que através do lixo empunharam várias

bandeiras com causas políticas e se envolveram diretamente na proposta de luta armada

difundida pela nova esquerda brasileira, por exemplo. Na Aliança Libertadora Nacional

(ALN), havia um grupo de arquitetos-artistas: Sérgio Ferro, Rodrigo Lefévre, Carlos

Heck, Júlio Barone e Sergio de Souza Lima; na Ala Vermelha: Alípio Freire e Carlos

Takaoka; no Movimento de Libertação Popular (MOLIPO): Antonio Benetazzo; no

Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR): Sérgio Sister; no Movimento

Revolucionário 8 de Outubro ( MR-8): Carlos Zílio e Renato da Silveira.

Os que foram presos continuaram a pintar e desenhar e a criar uma narrativa política, de

resistência e denúncia a partir do lixo. Segundo Andrés, (1998), eles fizeram uma

reflexão sobre a cultura e a sociedade de seu tempo através da arte e do lixo.

Em 1970, afirma Bittencourt (1986), esses artistas criaram um ateliê no presídio

Tiradentes, nesse ateliê muitos, como Carlos Zílio e Rodrigo Lefévre, utilizaram para

criar lascas de madeira, pedaços de lençol, pedaços de papel, papelão ou até pratos de

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comida. O resultado transformou-se em documento de época – o registro estético de

uma experiência política.

Em 1970 também aconteceu o evento “Do corpo a terra” promovido pela Hidrominas

(empresa de turismo de Minas Gerais) e por Maristela Tristão, diretora do setor de artes

visuais do recém inaugurado Palácio das Artes. Andrés (1998) afirma que esse evento

estabeleceu um marco criativo de extrema violência e radicalidade para a produção

experimental brasileira. O evento apresentou uma arte intensa diversa, corajosa,

escandalosa, desesperada, transgressiva, comprometida, vanguardista e que incluiu o

lixo, segundo essa autora. A simples participação dos trabalhos feitos com lixo nos

circuitos fechados de arte provoca a contestação desse sistema em função de sua

realidade estética, afirma Bittencourt (1986).

2.2.3 A percepção do inservível: o lixo e o sujeito

Saint-Preux, personagem de Jean-Jacques Rousseau, 1761 exclama: “Eu começo a sentir a embriaguez a que essa vida agitada e tumultuosa me condena. Com tal quantidade de objetos desfilando diante de meus olhos, eu vou ficando aturdido.

De todas as coisas que me atraem, nenhuma toca o meu coração, embora todas juntas perturbem meus sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o que sou e

qual é o meu lugar. Eu não sei, a cada dia, o que vou amar no dia seguinte. Sonho desesperadamente com algo sólido a que me apegar, mas vejo apenas

fantasmas que rondam meus olhos e desaparecem assim que os tento agarrar”. (citado por BERMAN, 2010)

Ao lado do caráter histórico agregado ao que é considerado “resto”, existem

implicações articuladas ao universo cultural. O lixo não pode ser aferido unicamente a

partir de critérios objetivos. Isto porque as referências que governam os procedimentos

e constroem a percepção do lixo são endossadas por modelos imaginários,

indispensáveis para a compreensão das nuanças relacionadas com os resíduos.

Existem diferentes modos de percepção ambiental e cultural e, consequentemente,

diferentes maneiras de lidar com os resíduos. Dessa forma, o lixo está sujeito aos

padrões de limpeza da sociedade e esses padrões são construídos a partir da cultura de

um grupo. São os grupos que fornecem a identidade étnica de religião, raça e hábitos,

influenciando a maneira de produzir, considerar e tratar os resíduos sólidos.

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Na cultura oriental, como exemplifica o budismo, a sociedade se distingue não só por

sua tolerância pelos resíduos, como pela positividade que lhes reserva em sua

cosmogonia. Para os budistas, todos os elementos que compõem o cosmos estão

interligados (EIGENHEER, 2003). Entretanto, as prefigurações que animaram o

imaginário do homem ocidental se configuram diferentemente. Nesse caso, a noção de

lixo está marcada por uma trama simbólica repleta de valores pejorativos e

incompatíveis com a convivência social.

A visão de mundo ocidental desde tempos antigos, como salienta Liebmann (1979),

exalta traços tidos como desejáveis, tais como o humano, o masculino, o europeu, o

novo, o claro, a força, o bem, o belo, a rapidez, o central, o urbano, a riqueza, o puro, o

reto, o limpo, o superior, a lucidez, a civilidade, o citadino, o cristianismo, o trabalho

intelectual, o artificial, o racional, a ordem e o progresso. Em paralelo, desqualifica o

animal, o feminino, o africano, o velho, o escuro, a fraqueza, o mau, o feio, a

vagarosidade, o periférico, o rural, a pobreza, o impuro, o curvo, o baixo, o sujo, o

inferior, a loucura, o paganismo, o trabalho braçal, o natural, o afetivo e a desordem

com adereços pejorativos.

Essa lista de características pode ser pensada a partir de diversas abordagens teóricas.

De acordo com o pensamento psicanalítico, pode-se considerar as implicações dessa

divisão, ao se compreender que essas referências se organizam em contraposições

binárias imbuídas de antagonismos viscerais. O sujeito se constitui a partir de

significantes que compõem uma trama formada por uma lógica binária muito específica.

Essa lógica não possui a coerência e a linearidade que fariam com que, de um lado,

estivessem todas as características ditas positivas e, de outro, as ditas negativas. A trama

simbólica é tecida de maneira complexa e não possui uma relação maniqueísta com o

bem e o mal, devido ao processo de recalcamento.

Isso pode ser demonstrado através da Banda de Moebius (Seção 2.1.3 – Figura 1). A

partir da compreensão da estrutura moebiana do sujeito ‒ estrutura unilátera ‒ pode-se

perceber que por não haver dois lados distintos no psiquismo, o que é bom, rico, branco

pode também ser sujo e feio. E assim com todos os similares. Há um ponto em que os

significantes são passíveis de uma torção e é justamente nesse ponto em que falha o

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recalque que a falta aparece. O que se queria separado se junta e uma nova significação

pode aparecer. Assim, o que era civilizado, por ser rico, branco e novo, deixa de ser

europeu (visto que a Europa é o velho mundo) e passa a ser o das Américas que são

considerados o novo mundo, mas também o pobre, selvagem, mestiço.

Nessa ótica, o impuro é também sujo, velho, torto, mas pode ser rico; enquanto que o

limpo, parceiro da condição de pureza, riqueza e racionalidade, pode ser mulher; o

pobre, consorciado ao que é periférico, feio, descuidado, mau e subversivo, homem; o

novo se associa ao que se considera progresso, central e superior, pode ser também mau.

Torna-se então possível compreender a razão pela qual os elementos inseridos num

imaginário articulado com essas premissas poderiam sintetizar, junto ao padrão cultural

hegemônico, um amplo rol de complexas estereotipias.

Alguns autores que abordam o tema dos resíduos sólidos, tais como Cintra (2003),

Eigenheer (2003), Waldman (2010), Bueno e Muniz (2010) concordam que o lixo

deveria estar associado com tudo aquilo que se pretende extirpar do espaço habitado.

Por essa razão, pode-se compreender por que se tenta expurgá-lo da pauta psíquica do

comum dos mortais, mas não se consegue fazê-lo.

Através da lógica psicanalítica representada pela Banda de Moebius, percebe-se que

essas características, que de forma pejorativa acompanham o lixo e por essa razão fazem

com que se tenta mantê-lo afastado, por vezes nos assolam. Pois elas também fazem

parte de todos os sujeitos, ainda que seja negado.

No plano cultural, as sobras integram um inventário de noções negativamente

adjetivadas. Elas se mesclam com a sujeira e a inutilidade, miasmas e insetos, feiura e

doenças. Tudo isto para não citar as tenebrosas forças do mal, que lançam sua

intempestividade por toda a Terra. O lixo em nada condiz com a orgulhosa auto-imagem

cultivada pela modernidade. Nos tempos modernos, cultua-se o que é novo e prova

disso são as campanhas mercadológicas onde o culto à juventude é uma constante.

Nessa linha de raciocínio, Eigenheer (2003) afirma que a modernidade ocidental

procurou, paulatinamente, se esconder do drama da morte em seu cotidiano, seja com a

profissionalização das estruturas médico-hospitalares e cemiteriais, seja pelo esforço do

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“sempre novo” da era do consumo. A sociedade regida pelo discurso capitalista se nutre

pela fabricação da busca incessante de gozo, produz sujeitos insaciáveis em sua

demanda de consumo. Consumo de gadgets que essa mesma sociedade oferece como

objetos do desejo, enfatiza Quinet (1999). O discurso capitalista efetivamente não

promove o laço social entre os seres humanos: ele propõe ao sujeito a relação com um

gadget, um objeto de consumo curto e rápido.

Sendo assim, é possível que o lixo, por sua quantidade e complexidade, apareça (ao

remeter à degenerescência das produções e do corpo) como ameaça desse esforço de

esquecimento da morte, devendo ser por isso mantido, apesar das dificuldades

crescentes, afastado e neutralizado, inclusive através do uso de uma nova linguagem e

práticas pedagógicas.

Esforços salutares para incorporá-lo novamente à produção através da reciclagem ou à

natureza como composto orgânico podem ajudar a cumprir essa tarefa. Por vezes se

criam também eufemismos técnicos, intencionando evitar falar do assunto de forma

direta.

Assim, se o lixo na tradição ocidental remete à morte, e se, por outro lado, há um

esforço por “esquecer” a fugacidade da existência, é de se entender que se tente

escamotear não só ele como outros aspectos da vida que possam ter a mesma função.

Logo, não só o lixo, mas doentes, velhos, miseráveis, inválidos, áreas decadentes

merecem ser igualmente encarados como indesejáveis e, portanto, deveriam ser

evitados.

Essa abordagem se relaciona com a noção, numa concepção psicanalítica, dos restos

como referentes aos objetos “caducos” (Seção 2.1.1.2) que, quando contemplados pelo

sujeito, provocam angústia e mal-estar.

Desse modo, como o não enfrentamento da questão da morte não a elimina da vida do

indivíduo, o não querer tomar o lixo como presença decorrente do viver não ajuda a

tornar mais adequada a convivência com ele.

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A sociedade de consumo capitalista contemporânea tende a negar radicalmente as

questões relacionadas ao que não é ideal, porém isso não é possível a partir da estrutura

do sujeito.

2.2.4 O lixo e o mal-estar

“ Nada mais fascinante do que esses seres noturnos que agarram na lixeira não sei o quê, de utilidade impossível de compreender.”

(LACAN, 2003)

Vieira (2008) observa que onde há lixo, há homens. O lixo é, simultaneamente, o que

mais deixamos para a posteridade e o que menos reconhecemos como nosso. Isso nos

embaraça e constrange. Se pudéssemos, consideraríamos a produção de resíduos como

produto de mentes pouco ecológicas devendo ser reduzido ao mínimo e afastado para

bem longe por seres quase “inumanos.” Mas quando afastamos o lixo de nossas casas,

ele leva consigo um pouco (ou muito) do que fomos ou somos. Isto porque um sujeito

também se define por meio do que ele joga fora e dos “lixos” que guarda em seu lar,

escondido dos olhares dos outros. Assim, pode-se pensar que o lixo de cada um é

sempre mais revelador do que os objetos idealizados de consumo. Para confirmar e

ilustrar essa afirmativa pode-se citar Vik Muniz, que, ao fazer um trabalho com os

catadores do Lixão de Gramacho – Rio de Janeiro, relatou que muitos deles conseguem

reconstituir a ambiência do lar original de determinado saco de lixo, a classe social, o

tamanho da família, a idade aproximada de seus componentes, até, às vezes, a atividade

profissional de seus membros (BUENO e MUNIZ, 2010).

Para avançar no tema a respeito das relações estabelecidas entre o lixo e o sujeito, faz-se

necessário considerar também os indivíduos que nos livram do contato com o

indesejado resto: os catadores e demais profissionais que lidam com os resíduos sólidos.

Cabe uma reflexão a respeito dos tipos de pessoas que, ao longo da história da

civilização, sempre estiveram vinculadas diretamente ao trato com os resíduos e à sua

administração e como eram vistas socialmente (preconceitos, interdições etc.).

Eigenheer (2003) ressalta que isso ajuda a entender dificuldades, estigmas e interdições

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que cercam nossa relação com o lixo (em seus diversos aspectos) na atualidade. Para

ilustrar isso, pode-se citar Fialho (1998), ao afirmar que, no Brasil, durante anos, a

atividade de coleta de lixo e sua remoção para fora da cidade foi tarefa que se atribuía

aos segregados do convívio da sociedade: os presos, os loucos, os velhos, os doentes, as

prostitutas e os camponeses. Segundo o mesmo autor, na cidade de São Paulo, no século

passado, sabia-se que a limpeza pública estava sendo realizada quando se ouvia o

barulho das correntes que os presos arrastavam quando se encarregavam dessa tarefa.

Waldman (2010) também endossa essa ideia, salientando que o código simbólico de

exclusão existente no imaginário das pessoas confere uma percepção desqualificante

dirigida contra os que lidam com o lixo. Por esse prisma, prossegue ele dizendo que

catadores, lixeiros, sucateiros, xepeiros, garrafeiros, faxineiros, varredores e demais

grupos vinculados ao lixo não seriam apenas pobres. Por serem considerados excluídos

do sistema, agregariam a uma posição social inferior a condição de ser também uma

série de outros adjetivos, tais como sujo, feio, inculto. Integrariam assim a ralé da

cidade, segmento que, além de ser na visão dominante a camada mais baixa da

sociedade, configuraria um refugo social. Essa definição encontra ressonância na

palavra marginal – definindo “[...] aquele que vive à margem da sociedade, escória da

sociedade e lixo social” (FERREIRA, 2009, p. 538).

Essas estereotipias imputadas àqueles que mantêm inconveniente simbiose com o lixo

transparece nitidamente em relatos como o do “Homem ou Velho do Saco”. Waldman

(2010) recorda que esse é um dos muitos personagens da mitologia urbana brasileira,

utilizados para infundir o terror nas crianças na tentativa de, com isso, torná-las mais

obedientes. O “Homem do Saco” é retratado como um velho maltrapilho, pobre, sem

casa e sem estudo; quase um mendigo, sua rotina se resume a pedir sucata de porta em

porta ou catá-la na rua. Porém, isto nada mais seria do que um disfarce para as suas

malignas intenções. Furtivamente, seu intuito é raptar as crianças e levá-las num saco

para um local desconhecido, do qual jamais retornam.16

16Desde tenra idade aprendemos a associar o lixo com algo indesejável e perigoso. No imaginário infantil, cair no saco do “Homem do Saco” pode equivaler à morte.

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A representação do “Homem do Saco” nos remete à percepção construída por setores

abastados do meio urbano a respeito dos indivíduos que, tendo por única alternativa

retirar seu sustento do lixo, são rejeitados por pertencerem aos segmentos excluídos e

pela promiscuidade mantida com materiais indesejados, mas gerados e lançados no

ambiente por essas mesmas pessoas abastadas.

Outras acusações que pesam contra os catadores dizem respeito a perturbarem o trânsito

com suas carroças puxadas por eles próprios; o que só vem reforçar as fantasias de

desqualificação e desprezo, as quais podem levar à seguinte pergunta afirmativa: Que

consideração merece ter um ser humano que puxa uma carroça? Como se não bastasse,

eles são culpados por enfearem a cidade com suas repulsivas presenças.

O lixeiro é outro trabalhador sobre o qual recaem fortes adjetivações sociais. Perguntam

os pais às crianças que não querem fazer sua lição de casa: O que você vai querer ser

quando crescer, um lixeiro?

Não é só quanto aos trabalhadores que lidam com o lixo diretamente que esses adjetivos

pejorativos e pré-conceitos recaem. Segundo Eigenheer (2003), uma pesquisa feita pelo

jornal Folha de São Paulo, em 18 de agosto de 1990, para saber quais as profissões que

mais sofriam rejeição, apresentou o seguinte resultado: 50% responderam lixeiro, 64%

médico-legista, 33% coletor de exame laboratorial, 30% médico de pronto-socorro. Isso

é um indicativo de que várias atividades que lidam com os “restos e resíduos” do ser

humano sofrem algum tipo de rejeição por parte das pessoas.

Não é por acaso que o trato com os resíduos provoca tanto mal-estar. Bueno e Muniz

(2010), valendo-se da psicanálise, aproximam o lixo do excremento afirmando, baseado

nas teorias freudianas, que há algo de sagrado em ambos. Tem-se um grande medo de

tocá-los, assim como se tem de tocar nos objetos sagrados.

Freud em 1913 afirmou que existe uma analogia entre as fezes e os bens preciosos

(ouro, dinheiro, filhos etc.) no psiquismo humano (FREUD, 1974a). Lacan em 1956 fala

da relação privilegiada que os sujeitos estabelecem com seus objetos de desejo

(LACAN, 1985a). As fezes e, por associação, o lixo, são alguns dos representantes

desses objetos.

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Se considerarmos os excrementos como fruto de uma viagem completa pelo corpo, um

resto produzido a partir da introdução de algo precioso e desejado no organismo, pode-

se dizer que o lixo, fazendo uma analogia com as fezes, são os excrementos da

sociedade de consumo, produzidos nos intestinos da cultura. Lidar com toda essa

sujeira, vencer a repugnância e tocar diretamente no lixo exigem uma adaptação e um

treinamento metódicos.

Assim é possível, metaforicamente, comparar o catador de lixo, bem como o lixeiro e

demais indivíduos que possuem a serventia de eliminar o não desejado – e que estariam

na degradante companhia dos restos da sociedade – à flora intestinal em relação ao

corpo humano, ou aos urubus em relação aos animais alados.

Como afirma Vieira (2008), quando se esquece à mesa o que se passa no banheiro, tudo

vai bem; caso contrário, irrompe a angústia. Lacan aproxima nossa ambiguidade em

relação ao recalcado, com a que temos em relação ao lixo, cujo dom de constituir um

objeto incontornável e jamais assumido é igual ao do primeiro (LACAN, 2005). Do

ponto de vista psicanalítico, o lixo é tanto o fracasso da civilização quanto o coração da

cultura, porque é no lixo que se encontram os restos do que foi consumido. Se fôssemos

completamente civilizados, não produziríamos nenhum lixo. E é justamente a partir das

sobras, porque sempre se tem algo a mais a fazer e a dizer, que a cultura se relança.

Perpetua-se, se recria.

É pela extração do lixo, feita por outro que não o próprio sujeito, que o espaço de onde

ele foi retirado pode sonhar com a perfeição, afirma Vieira (2008). Desse ponto de vista,

ele precede o ideal, sustenta-o. A civilização é decorrente do sucesso parcial da

operação de recalcamento, que tenta deixar de fora o indesejável resíduo. Porém,

estamos vivendo um tempo em que, como nunca, presenciamos o fracasso desse ideal.

Quanto mais retiramos os resíduos do nosso meio, mais lixos aparecem novamente.

Vivemos como na cidade de “Leônia”, contada por Marco Polo a Kublai Khan no livro

“As cidades invisíveis” de Ítalo Calvino (1990):

[...] quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua única forma definitiva: a do lixo de ontem, que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros (CALVINO, 1990, p. 106).

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Esse fracasso não é necessariamente o fim dos tempos, ao contrário, pode ser um

convite a repensar a forma como lidamos com nossos restos e, consequentemente, como

nos estabelecemos em sociedade. Vieira (2008) argumenta que é preciso refletir a partir

do paradoxo promovido pelo “tudo se vende” generalizado.

Relembrando o que foi destacado de Marx por Berman (2010), esse paradoxo se

enuncia da seguinte maneira: “[...] quando tudo é sólido, ele se desmancha, ou quando

em tudo se pode deitar mão, as coisas escorrem por entre os dedos”. Lacan, na

afirmação de Vieira (2008, p. 113), talvez radicalizasse: “quando tudo é mercadoria, só

há lixo”.

A verdadeira inundação de objetos que nos assola, característica da sociedade de

consumo (cujo lema poderia ser: aqui tudo se vende e se compra) acompanha, assim, a

explosão do bem descartável, do gadget, que poderia ser traduzido, segundo Vieira

(2008), por “futilitários”. Somos movidos a futilitários, esquecendo que todos, cedo ou

tarde, irão parar na lixeira.

Assim, uma vez que o lixo essencial de uma vida não pode e nem deve ser eliminado ou

integralmente reciclado, trata-se do que Lacan (1998) define como um saber-fazer na

situação (savoir-y-faire), cuja tradução pode ser: aprender a se virar com seus restos.

2.2.5 De quem é a responsabilidade de gerenciar os resíduos sólidos?

“Se essa rua fosse minha eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de brilhante para o meu amor passar.”

(Cantiga de Roda do Folclore Brasileiro)

Afinal, de quem é a responsabilidade de cuidar do meu lixo? Uma resposta que

infelizmente é comum em nosso meio é a que, desde pequenos, cantamos

(implicitamente) na cantiga de roda, ou seja, “se essa rua fosse minha eu ...” cuidava!

Mas como não é ... quem deve cuidar?

Presente em todos os instantes que marcam a vida humana, mais cedo ou mais tarde o

lixo reclama medidas para a sua gestão.

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A responsabilidade pela coleta e destinação do resíduo gerado pode variar de Estado

para Estado e de Município para Município, de acordo com a legislação local, mas

geralmente se dá da seguinte forma: os municípios são responsáveis pela coleta e

destinação dos resíduos domiciliares, comerciais e públicos enquanto, na maioria das

vezes, os resíduos de serviços de saúde, os industriais, os de portos, aeroportos e

terminais ferroviários e rodoviários, os agrícolas e os entulhos, são de responsabilidade

de quem os gerou.

Tem-se hoje no Brasil a Lei que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólidos – Lei

12.305/2010 (BRASIL, 2010). A sanção dessa lei indica que, em quatro anos, os lixões

deverão ser desativados. Ela também estabelece responsabilidades compartilhadas entre

governo, indústria, comércio e consumidores sobre o destino final dos resíduos. E

determina que União, Estados e Municípios elaborem planos para tratar de resíduos

sólidos, estabelecendo metas e programas de reciclagem. Apresenta também proibição

de práticas como o lançamento de resíduos em praias, no mar ou rios e lagos; o

lançamento a céu aberto sem tratamento, exceto no caso da mineração; e a queima a céu

aberto ou em equipamentos não licenciados. Proíbe ainda a importação de resíduos

perigosos ou que causem danos ao meio ambiente e à saúde pública. A regra sobre a

disposição final adequada dos rejeitos deverá ser implementada em até quatro anos após

a publicação da lei, mas os planos estaduais e municipais poderão estipular prazos

diferentes, com o objetivo de adequá-los às condições e necessidades locais.

A despeito dos avanços conseguidos pelo poder público no que concerne às leis que

deliberam sobre o gerenciamento dos resíduos sólidos, Rodrigues (1998) afirma que,

mediante o conceito de lixo que vigora no cotidiano, as pessoas não se percebem como

geradoras dos subprodutos do seu consumo, nem responsáveis pelo destino que lhes

será dado, atribuindo somente ao Poder Público a solução do problema.

Seria necessário compreender que todo lixo é matéria, esteja ele em estado sólido,

líquido ou gasoso, em qualquer sistema, físico ou químico, e que nunca se cria nem se

elimina matéria, é possível apenas transformá-la. Então, não basta afastar o lixo do

convívio humano. É preciso dar-lhe um tratamento adequado, já que ele não irá

desaparecer. Isso inclui, como já enfatizado, repensar o consumo para que se possa

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produzir menos resíduos. E só os próprios indivíduos, geradores do resíduo, podem

repensar o consumo. Ou seja, cada um é, ou deveria ser responsável pelo lixo que

produz.

2.3 Análise e modelagem de sistemas ambientais

“A complexidade em si mesma produz suas leis que podem ser simples e coerentes.”

(CHRISTOFOLETTI, 1999)

Segundo Christofoletti (1999), as visões acerca do mundo e de suas representações

foram mudando ao longo do tempo. Primeiramente, reinava o pensamento teológico (o

mundo era regido por Deus), depois mecanicista (tudo funcionava como a engrenagem

de um relógio), evoluindo para uma visão organicista (o mundo representado como um

sistema biológico, com veias e artérias), construiu-se uma visão sistêmica no

pensamento moderno e, por fim, chegou-se ao que é chamada pós-modernidade, na era

do caos, do fractal, da complexidade, onde reina o aleatório. Para uma compreensão

mais adequada dessa realidade, é preciso ter em mente a complexidade em que estamos

inseridos a partir do momento em que a “ordem soberana” que regia o universo e todas

as relações existentes foi quebrada. O conhecimento deve enfrentar essa complexidade.

“Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando

elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo” (MORIN, 2007, p. 36). O

conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente.

Para Morin (2007, p. 38) “é preciso situar as informações e os dados em seu contexto

para que adquiram sentido. O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas

partes ligadas a ele de modo inter-retroativo ou organizacional”. Isso observado,

constitui um sistema que, segundo vários autores citados por Christofoletti (1999),

formam um conjunto organizado de elementos e interações entre eles. “O todo tem

qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes, se estas estiverem

isoladas umas das outras, e certas qualidades ou propriedades das partes podem ser

inibidas pelas restrições provenientes do todo” (MORIN, 2007, p. 37).

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Muito se criou e várias técnicas foram desenvolvidas com o intuito de compreender os

vários sistemas presentes no mundo, concluindo-se que a construção de modelos seria

uma alternativa para compreender, representar de forma objetiva e simplificada a

realidade ou um aspecto do mundo real, afirma Christofoletti, (1999). Ele assevera que

um “[...] modelo é uma estruturação simplificada da realidade que supostamente

apresenta, de forma generalizada, características ou relações importantes”

(CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 8). Os modelos, de acordo com esse autor, “[...] são

aproximações altamente subjetivas por não incluírem todas as observações ou medidas

associadas [...]”, porém, são valiosos “[...] por obscurecerem detalhes acidentais e por

permitirem o aparecimento dos aspectos fundamentais da realidade”

(CHRISTOFOLETTI, 1999, p. 8). A complexidade do ambiente em que vivemos, suas

múltiplas relações e estados só podem ser representados por modelos também de alta

complexidade.

Para que a interpretação dos resultados desses modelos seja inteligível em todos os seus

aspectos, é desejável que sejam abordados por diferentes áreas do conhecimento. Isso é

preconizado por Christofoletti (1999) que postula que várias ciências consideram os

modelos como um procedimento teórico e técnico importante para pesquisar, levantar

hipóteses, fazer diagnósticos, previsões e simulações. Por ser uma simplificação da

realidade, constituem uma representação material ou simbólica do mundo,

possibilitando com isso formulações qualitativas e quantitativas acerca do sistema em

questão. A utilização dos modelos favorece a otimização de custos e do tempo.

De acordo com Christofoletti (1999), são características dos modelos: seletividade

(elege prioridades e relevâncias); estruturação (propicia conexões entre os elementos);

enunciação (a estrutura possui um padrão com relações sistêmicas que possibilitam a

ampliação e a generalização); simplicidade e complexidade (simultaneamente

selecionam dados para melhor manipular e compreender a realidade sem deixar de

considerar o que é essencial); analógico (por ser uma simplificação, são diferentes do

mundo real); reaplicabilidade (podem ser usados em outras situações semelhantes).

São funções dos modelos: visualizar e compreender os fenômenos estudados; são

ferramentas promissoras para extrair dos dados o maior número de informações

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possíveis; fornecem previsões para tomadas de decisões; exploram informações a curto

prazo para outras escalas temporais; são eficazes para comunicar as informações e com

isso aproveitá-las em outras situações com logicidade e adequação; possibilitam a

simulação.

Nas últimas décadas, a necessidade da promoção do desenvolvimento, aliada à

preservação dos recursos naturais, encontrou no desenvolvimento de modelos as

ferramentas necessárias à análise dos diversos aspectos, de interesse ambiental, cujas

repercussões econômicas e sociais exigem o entendimento de vários ramos da ciência,

propiciando a composição de um modelo final, que comporte as variáveis necessárias

para a abordagem do tema.

Atualmente, resultado dos ganhos gerados pela evolução tecnológica, tem-se disponível

uma grande massa de dados a serem manipulados na busca de respostas por meio de um

modelo para um sistema ambiental. Essa disponibilidade de dados apresenta-se como

uma vantagem; porém, corre-se o risco de se perder no meio deles e não conseguir

aproveitá-los adequadamente. A evolução tecnológica tem também facilitada a

manipulação desses dados, mas é preciso saber usar e interpretar as informações

disponíveis; caso contrário, pode-se perder no processo e nos resultados dele

decorrentes.

Uma maneira de organizar e manipular essas informações é a utilização do

geoprocessamento. De maneira geral, o geoprocessamento pode ser considerado como

um conjunto de ciências, técnicas e tecnologias utilizadas para aquisição,

processamento, armazenamento e publicação de dados e informações espacialmente

explícitas. Dessa forma, o geoprocessamento trata os problemas ambientais, levando em

conta a localização, a extensão, as relações espaciais e a dinâmica dos fenômenos

analisados, contribuindo para explicá-los no presente e acompanhar sua evolução

temporal (passada e futura).

Para aquisição, processamento, armazenamento e publicação de dados e informações

espacialmente explícitas utiliza-se um sistema computacional denominado de Sistema

de Informação Geográfica (SIG). Esse sistema é composto de um conjunto de

ferramentas com capacidade para fazer a captura, entrada, manipulação, transformação,

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visualização, consulta, análise, modelagem, armazenamento e apresentação de dados

geograficamente referenciados (BURROUGH e MCDONNELL, 1998; MOURA,

2005).

Segundo Burrough e McDonnell (1998), os SIG são mais do que meios de codificar,

armazenar e recuperar dados sobre aspectos da superfície da Terra, eles são sistemas

capazes de representar um modelo do mundo real. Isto porque os dados podem ser

acessados, transformados e manipulados interativamente, servindo como uma base de

testes no estudo dos processos ambientais, para análise do resultado de tendências, ou

para prever possíveis resultados de decisões de planejamento.

Utilizando-se um SIG torna-se possível fazer uma constatação analítica e objetiva da

organização territorial, obtendo-se novos conhecimentos e novas possibilidades de

interpretação de fenômenos socioeconômicos, em função da distribuição no território.

Outra característica dos SIG é a possibilidade de atualização de dados, uma vez que a

realidade está sujeita a evolução contínua, que pode modificar rapidamente a projeção

territorial dos fenômenos socioeconômicos.

São exemplos de procedimentos metodológicos utilizando SIG:

• Análise de Multicritérios: é um procedimento metodológico de cruzamento de

variáveis em análises espaciais; também conhecida como árvore de decisões

ou como análise hierárquica de pesos (AHP, do inglês Analitycal Hierarchy

Process), baseado em variáveis e no grau de pertinência dessas variáveis,

empregando a média ponderada.

• Delimitação de área de influência (buffering): trata-se da definição de uma

área paralela ao elemento que lhe deu origem, segundo uma dimensão

determinada pelo usuário.

• Densidade kernel: O interpolador ou estimador de densidade de kernel provém

do conceito estatístico de função de densidades de probabilidade. É uma

alternativa para analisar o comportamento de fenômenos pontuais, através da

estimativa da intensidade de um processo que ocorre em uma determinada

região de estudo. O processo de interpolação gera uma grade em que cada

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célula representa o valor da densidade de um determinado atributo, conforme

uma função específica que determina uma região de influência num raio, a

partir de um ponto da amostra, dentro da qual os eventos contribuem para o

cálculo da intensidade. Burrough e McDonnell (1998) afirmam que o valor

obtido será uma medida de influência das amostras na célula. Os

interpoladores de kernel vêm sendo utilizados em estudos de análise espacial

que envolvem fenômenos naturais e socioeconômicos, tais como: estudos

epidemiológicos, sociais, demográficos, biológicos, entre outros.

2.4 Modelagem e geoprocessamento aplicados a resíduos sólidos

Nesta seção são apresentados alguns trabalhos que contemplam o uso da modelagem e

do geoprocessamento no trato com os resíduos sólidos, relacionados ao planejamento, à

gestão, ao manejo e à disposição final.

Nunes et al. (2007) abordam e empregam duas metodologias de inferência espacial para

seleção de áreas potenciais para disposição de resíduos sólidos urbanos: a análise de

multicritérios e redes neurais artificiais (RNA). A primeira abordagem é baseada em

transformações das variáveis por lógica fuzzy e cálculo dos respectivos pesos pelo

método AHP (Analitycal Hierarchy Process). O AHP fornece elementos para que se

possa escolher determinada alternativa, através da decomposição e síntese das relações

entre os critérios visando uma priorização dos indicadores, para aproximar-se da melhor

resposta. A segunda abordagem é baseada em RNA, utilizando estruturas multicamadas,

com algoritmo de treinamento baseado em retropropagação de erro. Para a inferência da

RNA, as amostras de treinamento foram os mesmos planos de entrada da análise de

multicritérios. Foi feita uma análise comparativa a partir do cálculo do erro médio

quadrático e tabulação cruzada dos resultados dos dois métodos de análise espacial.

Como resultado, verificou-se que os métodos apresentaram-se bastante coerentes com a

realidade.

Freire (2009) apresenta uma análise da situação dos municípios mineiros em relação aos

lixões, categorizando-os em níveis de risco que permitam a tomada de decisões em

favor da recuperação de áreas críticas, utilizando análise espacial e geoprocessamento

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com base nas condições previstas pela legislação que rege a destinação de resíduos

sólidos urbanos no estado de Minas Gerais.

Moraes et al. (2010) apresentam a aplicação de técnicas e ferramentas de

geoprocessamento para selecionar áreas potenciais para implantação de aterro sanitário,

estabelecendo áreas restritas e áreas possíveis a essa implantação. Os autores afirmam

que essas técnicas e ferramentas, aplicadas a estudos ambientais, subsidiam diversas

demandas do planejamento e gestão territorial, aumentando a capacidade de avaliação,

planejamento e gerenciamento da dinâmica das cidades, incluindo o planejamento e

implantação de soluções relacionadas à destinação final dos resíduos sólidos urbanos.

Em se tratando do tema “gerenciamento dos resíduos”, mais especificamente das

atividades de gerenciamento de resíduos da construção civil, Simões (2009) analisou a

rede de recebimento de pequenos volumes de resíduos da construção civil, composta

pelas URPV (Unidade de Recebimento de Pequenos Volumes), utilizando técnicas de

modelagem e geoprocessamento. O foco do trabalho foi diagnosticar a adequação da

rede, quantidade e localização das unidades, frente aos seus principais usuários (os

carroceiros) e realizar estudos preditivos e propositivos para seu melhor desempenho.

Para apoiar o desenvolvimento desse trabalho, foram aplicados modelos de análises

espaciais para mapear áreas que apresentassem impedâncias no acesso dos carroceiros

às unidades, bem como suas áreas de cobertura de atendimento, simular áreas propensas

à ocorrência de deposições irregulares e áreas potenciais para receberem novas

instalações. A análise espacial baseou-se na técnica de análise de multicritérios e contou

com “conhecimento” de técnicos do setor e carroceiros, por meio de entrevistas

aplicadas por meio do método Delphi (método sistemático e interativo de tomada de

decisão em grupo que se caracteriza por cada membro do grupo apresentar suas ideias,

mas nunca face a face com os demais elementos).

Ornelas (2011) propõe a aplicação de conceitos, técnicas e procedimentos inerentes à

modelagem ambiental, ao geoprocessamento e análise espacial, para auxiliar na gestão

de resíduos sólidos urbanos, por meio de metodologias para seleção de locais para a

implantação de aterros sanitários, definição de pontos de entrega voluntária (PEV) de

resíduos recicláveis e definição de rotas de coleta e destinação dos resíduos sólidos

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urbanos. As metodologias propostas são baseadas em métodos de análise espacial, em

ambiente SIG, segundo normas e diretrizes estabelecidas pelos órgãos competentes

quanto gestão dos resíduos. O autor afirma que as metodologias utilizadas são

ferramentas úteis, uma vez que visam fornecer informações que auxiliam no

planejamento das ações relacionadas à gestão que pressupõem o conhecimento do

espaço geográfico com informações espacialmente distribuídas.

O trabalho de Lorentz (2011) apresenta contribuições para a gestão dos resíduos de

serviços de saúde, oferecendo alternativas para o aprimoramento da atividade de coleta

e transporte, tendo em vista as necessidades decorrentes da implantação do Plano de

Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos (PGRSS) pelos estabelecimentos do setor de saúde

– em especial os hospitais. Nesse trabalho, a autora avalia a aplicação de um método de

roteirização (modelagem de rota) para definição e escolha do percurso de coleta e

transporte dos resíduos de serviços de saúde, a partir da representação espacial da malha

viária urbana (modelo de rede), dos pontos referentes à localização dos

estabelecimentos do setor de saúde e das quantidades de resíduos por eles gerados.

Os trabalhos fornecem uma abordagem objetiva, quantitativa e técnica do tema da

gestão dos resíduos sólidos, principalmente nas questões relativas à destinação final

deles. Os autores, em geral, citam a importância de se analisar esse assunto sob diversas

abordagens e declaram que existe um aspecto qualitativo relevante a ser considerado,

apesar de não o fazerem nessa oportunidade. Salienta-se então a importância de se

avaliar o aspecto social, subjetivo e/ou qualitativo nesses contextos. Considerações

sobre os preconceitos que cercam o assunto, bem como questionamentos sobre a relação

entre produção de resíduos e modos de vida, não são feitas. Os problemas enfrentados

por profissionais que lidam com os resíduos não são abordados. Enfim, os aspectos

qualitativos não são contemplados. Para que se tenham condições de enfrentar o

problema de forma eficiente e eficaz como se propõe nos trabalhos citados, torna-se

necessário aliar às técnicas e métodos da modelagem e do geoprocessamento esses

aspectos referentes às questões sociais. O desafio é poder modelar esses aspectos

qualitativos que envolvem o complexo tema da gestão dos resíduos sólidos.

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Portanto, quanto à abordagem da destinação dos resíduos sólidos nos municípios, a

maior preocupação se concentra, como citado por alguns dos trabalhos apresentados, na

forma de localizar as melhores áreas de disposição final e não na abordagem do

problema na sua origem, ou seja, na comunidade que produz os resíduos.

Cintra (1994) argumenta que é preciso estudar o relacionamento entre o produtor e o

lixo que ele produz, o que irá contribuir para uma melhoria na qualidade ambiental,

degradada pela má disposição da grande quantidade e variedade dos componentes do

lixo. Essa autora ainda assevera que um estudo assim colocado é interdisciplinar e,

portanto, aborda não apenas o homem ou o lixo, mas sim a relação homem x meio

ambiente no qual o lixo está inserido.

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3 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Com o objetivo de fornecer uma caracterização da área de estudo contemplada nesta

pesquisa, neste capítulo são apresentadas a localização e a história da comunidade do

Azevedo, Município de Moeda, Minas Gerais, bem como importantes características da

região17. São abordados também aspectos que tratam da comunidade do Azevedo

quanto à disposição final dos resíduos sólidos.

Na Figura 2 é apresentada a localização geográfica da área de estudo: comunidade do

Azevedo.

Figura 2 – Mapa de localização da área de estudo: comunidade do Azevedo. 17 Esses dados foram obtidos principalmente a partir da consulta ao relatório denominado “Patrimônio natural-cultural e zoneamento ecológico-econômico da Serra da Moeda: uma contribuição para sua conservação”, elaborado pela Brandt Meio Ambiente (2008). Também contou com relatos de moradores da região.

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3.1 Caracterização da Serra da Moeda

3.1.1 Localização da Serra da Moeda

A Serra da Moeda, onde se localiza a comunidade do Azevedo, pertence ao extremo

leste de uma região montana de extensão maior. Essa região é conhecida

geologicamente como Geossinclinal de Moeda. Trata-se de uma elevação do terreno

acima do nível do mar e com certa amplitude, afirma Lazarim (1999), possuindo

altitudes superiores a 1400 metros, com uma área de aproximadamente 65 km2.

A região da Serra da Moeda encontra-se localizada ao sul do município de Belo

Horizonte. A linha de cumeada da Serra da Moeda serve de divisa entre os municípios

de Brumadinho e Nova Lima, Moeda e Itabirito e entre Belo Vale, Ouro Preto e

Congonhas. Além desses municípios, o Sinclinal de Moeda também atinge o território

do município de Rio Acima. A Serra da Moeda é delimitada a leste pelo conjunto

Serrinhas e a oeste pelo rio Paraopeba. Sua cadeia de montanhas pertence ao grupo do

Complexo da Serra do Espinhaço. Em sua vertente ocidental, ela atinge o vale do Alto

Rio Paraopeba, enquanto sua porção nordeste compreende a bacia do Rio das Velhas,

ambos os cursos d'água afluentes do Rio São Francisco (LAZARIM, 1999).

3.1.2 Importância ambiental da Serra da Moeda

Do ponto de vista natural, essa região possui vários aspectos relevantes. Estudos como o

apresentado pela Brandt Meio Ambiente (2008) revelam a singularidade do meio

natural da Serra da Moeda, que conserva um rico patrimônio biológico e genético:

formações vegetacionais como as matas de galeria, os capões, os campos rupestres

sobre quartzito e, em especial, os campos rupestres sobre canga.

Esse conjunto de serras que compreende o Sinclinal Moeda cumpre, hoje, um papel

fundamental para o meio ambiente local e mesmo regional. Ele apresenta um grande

potencial aquífero, tendo se transformado em zonas de cabeceiras de afluentes de dois

importantes rios da hidrografia do estado de Minas Gerais: o rio das Velhas e o

Paraopeba, ambos afluentes do Rio São Francisco (IBRAM, 2003).

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Na macroescala, a borda interna do Sinclinal (aba oriental), forma um grande

semicírculo, abrigando inúmeras nascentes do rio das Velhas. A borda externa (aba

ocidental), por seu lado, constitui a Serra da Moeda propriamente dita, que tem uma

função ambiental de fundamental importância para o equilíbrio do rio Paraopeba. Essas

zonas de cabeceiras, tanto a do rio das Velhas quanto a do Paraopeba, são cruciais para

a alimentação dos rios principais e, por conseguinte, para a manutenção dos fluxos nos

níveis atuais, de acordo com o relatório da Brandt Meio Ambiente (2008).

A região da Serra da Moeda está inserida no limite do bioma Mata Atlântica com o

bioma Cerrado, ocupando ambientes montanos, considerados ecossistemas frágeis.

Esses biomas são considerados internacionalmente como hotspots de Biodiversidade18 e

ocupam apenas 1,4% da superfície da Terra, mas concentram 44% de todas as espécies

de plantas vasculares e 35% de todos os vertebrados, com exceção dos peixes. Todas

elas, no entanto, apresentam pelo menos 70% de sua extensão original já

descaracterizada por atividades humanas (MMA, 2003). Na Serra da Moeda podem ser

encontrados aproximadamente dois terços do total de espécies ameaçadas de extinção

em Minas Gerais (MENDONÇA e LINS, 2000).

A definição das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e

Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira constitui uma das ações

realizadas pelo Brasil em cumprimento às obrigações do país junto à Convenção sobre

Diversidade Biológica, firmada durante a RIO-92. Seu objetivo foi avaliar a situação da

biodiversidade dos vários biomas, identificando os condicionantes ambientais, sociais e

econômicos, e estabelecer propostas para a sua conservação, utilização sustentável e a

repartição dos benefícios decorrentes da sua utilização19. Essas áreas são revisadas

periodicamente.

Por reunir áreas de Mata Atlântica e de Cerrado, a região do Sinclinal Moeda está

incluída, juntamente com o Quadrilátero Ferrífero (área MA-638), como uma área de

18São regiões com grande riqueza de espécies e com alta presença de endemismo e que estão sob ameaça acentuada (FONSECA et al. 1999; MYERS et al. 2000; MITTERMEIER et al. 2004). 19As Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade foram reconhecidas pelo Decreto 5.092/2004, (BRASIL, 2004), e pela Portaria MMA 126/2004 (MMA, 2004).

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importância biológica alta, sendo recomendadas ações conservacionistas como a criação

de unidades de conservação (MMA, 2003).

Outro documento que se refere à região do Sinclinal de Moeda é o Atlas da

Biodiversidade de Minas Gerais (DRUMMOND et al., 2005). Ele constitui um

instrumento básico no planejamento e formulação de políticas públicas20. No mapa

verifica-se que a região do Quadrilátero Ferrífero foi avaliada como uma área de

importância especial para a Biodiversidade de Minas Gerais, sendo uma área prioritária

para conservação. Para essa área foram recomendadas a criação de uma Unidade de

Conservação, a elaboração de plano de manejo e a realização de pesquisa. O atlas

menciona que o Complexo formado pela Cadeia do Espinhaço constitui-se uma

formação única no país, com fauna e flora exclusivas no planeta. A parte mais

significativa desta cadeia concentra-se em Minas Gerais. Além do aspecto puramente

biológico, existe também a riqueza paisagística que varia na direção norte-sul e que

deve ser preservada. É considerado o ambiente que concentra o maior número de

endemismos no país.

A região do Sinclinal de Moeda está inserida na Reserva da Biosfera da Serra do

Espinhaço21. Além dessa Unidade de Conservação Mundial, ocorrem Unidades de

Conservação de Proteção Integral e Unidades de Conservação de Uso Sustentável, tanto

estaduais como municipais. Não constam unidades de conservação federais22, segundo o

relatório Brandt Meio Ambiente (2008).

Especificamente quanto à região do Azevedo, foi criada (como citado na introdução

deste trabalho), uma reserva biológica, e mais recente um Termo de Ajuste de Conduta

20Foi regulamentado através da Deliberação Normativa COPAM 55/2002, estabelecendo normas, diretrizes e critérios para nortear a conservação da Biodiversidade de Minas Gerais. 21Em junho de 2005, a Serra do Espinhaço em Minas Gerais foi reconhecida como Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, integrando o programa "O Homem e a Biosfera/MAB". 22As Reservas da Biosfera no Brasil são definidas pelo Capítulo VI (Das reservas da Biosfera) da Lei 9985/2000 (BRASIL, 2000), do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação. No Art. 41 dessa lei é mencionado que a Reserva da Biosfera é um modelo, adotado internacionalmente, de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com os objetivos básicos de preservação da diversidade biológica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações.

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(TAC)23, transformando a região numa área privilegiada quanto à preservação

ambiental.

3.1.3 A história da Serra da Moeda

A história da Serra da Moeda começa mesmo antes da ocupação portuguesa, que viria a

ocorrer a partir do século XVII. Essa região testemunhou ocupações de grupos

indígenas num período pré-colonial, constatadas nas inscrições rupestres e nos

utensílios encontrados em vários lugares da Serra, de acordo com os registros de Bens

Móveis e Imóveis Tombados pelo IPHAN-MG (PUC-Minas, 2006).

Essa região foi habitada por tribos indígenas de diferentes etnias que pertenciam, com

raras exceções, aos grandes grupos Gê e Tapuia. Muitos topônimos locais se devem a

essa influência indígena, como é o caso do Rio Paraopeba que em tupi-guarani significa

“rio de águas rasas” (BUENO, 1983).

A história do desbravamento português do território conhecido como Serra da Moeda

deu-se através da descoberta de ouro já em fins do século XVII, oportunidade em que

esse mineral atraiu toda sorte de aventureiros, degredados e paulistas que penetraram

nos sertões das Gerais, terras pertencentes em 1711 às capitanias da Repartição Sul com

sede administrativa no Rio de Janeiro. Mais tarde essas terras são desmembradas para

dar origem à Capitania da Coroa de São Paulo e a de Minas do Ouro, segundo Anastasia

(1998).

O espaço estudado serviu, desde o início da colonização de Minas Gerais, de passagem

para os núcleos de extração de ouro e para portos de exportação (LATIF, 1978).

Segundo Fonseca (2011), as viagens entre esses espaços duravam vários dias, fator que

levava as tropas a ter que pernoitar nos lugarejos por onde transitavam e também a se

abastecerem de alimentos para seguirem viagem. A região passa a ser habitada desde o

princípio da colonização de Minas Gerais e sua história está vinculada à produção de

alimentos em suas diversas fazendas. Essa conjuntura dinamizava a economia dos

lugares por onde as tropas passavam, levando, consequentemente, ao aumento da

23Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre o governo do estado de Minas Gerais, o ministério público e a mineradora Gerdau.

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população e, principalmente, das fazendas nesses espaços (LENHARO, 1979). A região

da Serra da Moeda que engloba o Rio Paraopeba serviu de passagem para alguns destes

caminhos no período colonial.

Também chamados de “as bocas de Minas”, segundo Santos (2001), a compreensão

sobre esses caminhos se torna um elemento fundamental para situar o século XVIII.

Esse autor afirma que os principais caminhos usados na época retratada foram:

• “Caminho Novo”: aberto nos primeiros anos do século XVIII por Garcia

Rodrigues Pais, o filho mais velho do bandeirante Fernão Dias Pais Leme,

com o objetivo de conectar a capitania do ouro e dos diamantes ao mundo

exterior que começava nos fundos da baía de Guanabara, no centro da baixada

fluminense, onde hoje é o município de Duque de Caxias.

• “Caminho Geral do Sertão”, também conhecido como “Caminho Velho ou de

São Paulo” que ligava a Vila de São Paulo de Piratininga ao ouro

recentemente descoberto nos ribeirões do Ouro Preto e de Nossa Senhora do

Carmo e nas margens do Rio das Mortes e do Rio das Velhas. O encontro das

estradas de São Paulo com o Rio de Janeiro acontecia na altura das vilas do

Vale do Paraíba, em especial, Taubaté, Lorena, Pindamonhangaba e

Guaratinguetá.

• “Caminho da Bahia”, ou “Caminho dos rios das Velhas e São Francisco”, que

se consolidou como resultado da descoberta do ouro nas Minas. Conhecido

como “Caminho dos Currais do São Francisco”, ligava as fazendas de gado

que beiravam o vale do rio das Velhas e o rio São Francisco ao porto de

Salvador, garantindo ao viajante um percurso mais longo, porém mais

confortável para a região das Minas, já que se tratava de rota de gado.

• O “Caminho do Mato Dentro”, ou “Caminho do Serro Frio e do Tejuco”,

guiou-se pelo conjunto de Serras que formam o maciço do Espinhaço para

ligar Vila Rica à única região da área mineradora capaz de produzir diamantes.

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3.1.3.1 A Serra da Moeda: origens do topônimo

Nas primeiras décadas do século XVIII, esclarece Martins (1989), já se sentia a queda

da produção aurífera devido tanto às fraudes na cobrança dos impostos quanto ao rápido

esgotamento das jazidas aluvionais e, por conseguinte, ao aumento dos custos e das

dificuldades enfrentadas para a extração do ouro.

Os conflitos gerados pela política tributária de Portugal entre os diversos setores da

sociedade mineira acabaram causando, além de conflitos armados, revolta e

insubordinações generalizadas. Acresce-se a isso a presença restrita da Coroa

Portuguesa na região das Minas, aliada à existência de um vasto território cortado por

caminhos informais. Todos esses fatores dificultaram a fiscalização na Capitania,

favorecendo a sonegação.

A instalação das Casas da Moeda em 1720 e a ameaça de severas penalidades para o

extravio de riquezas representavam, para a Coroa, uma tentativa de aumentar a

tributação aurífera e reduzir o contrabando do ouro no interior da colônia. Tudo isso,

porém só resultou no aumento do contrabando de ouro, para fugir ao pagamento do

quinto (LIMA JÚNIOR, 1953).

É nesse contexto de rigor tributário e de constituição de uma "cultura da sonegação"

que, segundo Anastasia (1998), o caso da "Casa de Moeda Falsa do Paraopeba" deve ser

analisado.

Também chamada de "Fábrica do Paraopeba", essa fundição clandestina de moedas

estava localizada nos contrafortes da Serra do Paraopeba (FREITAS, 1963). Segundo

Lima Júnior (1953) essa propriedade situava-se entre matas primitivas, a meia encosta

de uma serrania de difícil acesso.

A fábrica contava com uma sofisticada organização que envolvia não só uma imensa

infraestrutura, mas contava também com a cumplicidade de Manuel de Afonseca,

secretário do então governador da Capitania, Dom Lourenço de Almeida. O trabalho

tornou-se tão sistemático que, segundo relatos, dificilmente poderia ser conhecida a

fraude (FREITAS, 1963).

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Desde o início, o empreendimento liderado por Ignácio Ferreira exigiu grandes

investimentos tanto em infraestrutura quanto na composição da equipe. As instalações

da fábrica contavam, além da própria casa de fundição, com casas de vivenda, cozinha,

senzala, ferraria, carvoaria, olaria, engenho de pilões, ranchos de vigia, açude, pontes e

uma igreja dedicada a São Caetano. No tocante à equipe, o grupo dos envolvidos tinha a

participação direta de aproximadamente duas dezenas de homens livres e um plantel que

reunia em torno de cinquenta escravos (LIMA JÚNIOR, 1953).

Aparentemente, um rigor excessivo quanto às leis e normas de funcionamento para a

fundição está na origem da cisão do grupo que levou à sua perdição. Denunciado pelo

sócio Francisco Borges de Carvalho, o empreendimento foi objeto de devassa e

repressão que culminaram na prisão de muitos dos implicados, alguns dos quais foram

enviados para Lisboa, de acordo Lima Júnior (1953).

A presença da "Casa de Moeda Falsa do Paraopeba" ou "Fábrica do Paraopeba" nos

contrafortes da Serra na localidade de São Caetano da Moeda, entre os anos de 1729 e

1732, foi a responsável pela origem do atual topônimo: Serra da Moeda (VEIGA,

1998).

Várias histórias e lendas são contadas a respeito desses episódios. Dentre elas, a que se

segue: os proprietários da fazenda foram condenados à forca e os demais membros da

sociedade fugiram. Antes da fuga, eles mandaram os escravos enterrarem o ouro e

depois os mataram para que ninguém descobrisse onde foram esconder a riqueza

(RESENDE, 1970). Esse autor também relata que a região, por vezes também

denominada “Fazenda da Boa Memória”, foi posteriormente doada para uma família

portuguesa. Esta família encontrou no local (depois de uma intensa busca) uma panela

com moedas de ouro, o que fez com que o proprietário resolvesse então se fixar na

região na esperança de encontrar outros “tesouros”.

3.1.3.2 A mineração

Martinez (2007) lembra que, nas últimas décadas do século XVII, as notícias das ricas

jazidas auríferas já se espalhavam pela Colônia e pela Metrópole, o que fez com que um

grande fluxo populacional se dirigisse para a região das Minas. Apesar de a mineração

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ter sido o que se convencionou chamar de “atividade nuclear”, a economia da sociedade

mineira colonial foi pautada pela diversidade na medida em que a própria mineração

exigia o respaldo da agricultura, da pecuária e de um grande número de outras

atividades que eram sustentadas pela mão de obra escrava.

A diversificação, afirma Martins (1989), esteve presente não só no plano econômico,

mas também na estrutura social, uma vez que diferentes categorias sociais definidas por

um amplo leque de qualidades e condições interagiam e se interpenetravam, dando o

tom a um contexto social extremamente dinâmico e permeado de conflitos.

Inicialmente, a descoberta do ouro foi o principal fator para o adensamento

populacional na região das Minas. Segundo Veiga (1998), arraiais e núcleos proto-

urbanos começavam a se delinear, seguindo a topografia irregular do terreno e

privilegiando os pontos mais altos da localidade, opção que se deu tanto pelo

favorecimento das condições defensivas quanto em respeito à antiga crença católica que

acreditava que um segundo dilúvio poderia atingir a terra.

Assim foram fundados vários povoados e arraiais nas proximidades e arredores da Serra

da Moeda (LIMA JÚNIOR, 1953).

3.1.3.3 Fazendas da Serra

A agricultura, a pecuária, o comércio, o artesanato e a construção civil foram atividades

fundamentais tanto para o desenvolvimento da mineração quanto para a fixação dos

colonos. As grandes fazendas foram um elemento determinante da dinâmica social.

Eram exploradas pelo trabalho escravo e constituíam unidades voltadas à produção

alimentar, o que não impedia que muitas lavras se desenvolvessem integradas às

fazendas produtoras dos gêneros necessários ao provimento das minas e ao

abastecimento interno. Assim, fazendas de grande e médio porte ou unidades produtivas

menores produziam em seus pastos e lavouras o essencial tanto para o consumo interno

quanto para os núcleos urbanos que começavam a se esboçar (GUIMARÃES e REIS,

1987).

Inúmeras fazendas existentes na região do Alto Vale do Paraopeba poderiam ser citadas.

Dentre elas, a "Fazenda da Serra" ou "Fazenda dos Azevedo" ou ainda "Fazenda dos

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Joaquim Vieira da Serra", de “José Marinho do Azevedo”, de “José de Azevedo Silva”

e de “Joaquim Francisco Vieira”24 (FREITAS, 1963). Nesse contexto, segundo Fonseca

(2011), deve também ser mencionada a Fazenda das Contendas, propriedade localizada

ao sul da freguesia de São Caetano da Moeda nas proximidades do arraial de Nossa

Senhora da Boa Morte (Belo Vale/MG). Pesquisas indicam que essa fazenda, que foi

construída a pedido do chamado “Doutor das Contendas” – homem diplomado em

Agricultura na França – teria abastecido com uma profusão de mantimentos a Vila Real

de Ouro Preto. Seus proprietários, o Capitão Simeão Ribeiro de Carvalho e sua esposa

Joana Tereza de Oliveira, deixaram apenas um herdeiro que se tornou, no final do

século XVIII, o dono da Fazenda das Contendas. Segundo Fonseca (2011) esse herdeiro

era o Padre Silvério Ribeiro de Carvalho – mais conhecido pela corruptela de Padre

Silvério do Paraupeba – que nasceu em Itabira do Campo (atual município de Itabirito)

no ano de 1767 e faleceu em São Caetano da Moeda em maio de 1843. Segundo

informações orais, após a sua morte, a Fazenda das Contendas foi elevada a propriedade

pública, com seus bens revertidos em benefício de instituições religiosas de caridade e

os escravos alforriados. Tais dados, todavia, não foram comprovados pela

documentação histórica levantada. No ano de 1799, quando o vigário já detinha sua

herança, a Fazenda das Contendas possuía um terreno avaliado em torno de 550

alqueires dedicados à produção de gêneros como a farinha de mandioca, o fubá de

milho, a aguardente, além da criação de animais. Em 1831, a Fazenda das Contendas foi

descrita como sendo dedicada à “cultura da terra”, onde “49 pessoas livres e 80

cativos”, fundamentalmente do sexo masculino, empregavam-se na agricultura, de

modo que as mulheres se ocupavam dos serviços da casa como “coser, fiar e tecer”.

Tomando como referência o distrito ao qual pertencia – São Caetano da Moeda que

possuía 112 domicílios e 839 habitantes – a Fazenda das Contendas formada por 129

moradores detinha 15% da população de todo o arraial. Além disso, merece destaque a

grande quantidade de escravos – 80 cativos –, ou seja, aproximadamente 19% do

conjunto de 426 negros existentes em São Caetano da Moeda. Segundo Fonseca (2011),

24Essas fazendas deram origem às comunidades do sopé da Serra: Azevedo (objeto de estudo dessa pesquisa) e Marinho da Serra.

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atualmente, restam apenas as ruínas da sede formada por uma base de pedras que servia

de alicerce da casa assobradada.

Observa-se que, com o passar dos anos, as vastas extensões das propriedades rurais do

século XVIII e meados do XIX, fragmentavam-se cada vez mais na medida em que o

cabedal das linhagens foi repartido entre seus diversos herdeiros e a mão-de-obra

escrava se tornou mais escassa.

Martins (2007) afirma que, a partir das sedes dessas fazendas, instalavam-se no seu

entorno outras unidades produtivas de porte menor, templos destinados aos cultos

religiosos comunitários, locais que posteriormente se transformaram em povoados,

arraiais ou distritos. Santos (2001) afirma que essa dinâmica incentivou também a

abertura de caminhos que ligavam aquelas unidades produtivas aos centros

consumidores, a exemplo de Ouro Preto. Nessas estradas foram instalados retiros com

vastos currais, pousos de descanso para tropeiros e boiadas após enfrentarem longas

jornadas de viagens.

Segundo Santos (2001) essas estradas podem ser classificadas, de modo geral, em dois

grupos: aquelas chamadas de “carroçáveis”, dotadas de pedras mais largas que traçavam

um caminho onde os carros de bois ou carroças poderiam seguir; e as “cavaleiras” ou

“canjicadas”, cujos trechos estritos demarcados por pedras irregulares eram destinados

apenas às tropas de animais.

A Serra da Moeda, por sua proximidade com o sistema denominado “Estrada Real”,

afirma Santos (2001), apresenta um grande conjunto de segmentos de diversos tipos

como trilhas de pedestres, estradas cavaleiras, tropeiras e carroçáveis, com estruturas

arrimadas, calçamentos e galerias pluviais. Desse modo, estradas e trilhas cortavam a

Serra da Moeda e seus vestígios ainda hoje podem ser identificados resistindo à ação do

tempo.

3.2 Município de Moeda

Moeda foi elevada à condição de município em 1954, quando se desmembrou de Belo

Vale. Judiciariamente, Moeda pertenceu a Belo Vale de 1953 a 1970 e a Congonhas de

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1970 a 1975, quando, após a 1ª Revisão Administrativa, optou-se em deixar Congonhas

e ir para a Comarca de Brumadinho e depois voltou a pertencer a Belo Vale. Seus

distritos mais antigos como "Vila Côco", "São Caetano da Moeda” e "Porto Alegre"

também pertenceram administrativamente e judiciariamente a vários municípios: Ouro

Preto, Bonfim, Belo Vale, Congonhas (IBRAM 2003).

O município ocupa, atualmente, uma área de 155,01 km² e sua população encontra-se na

ordem de 5.000 habitantes, somando zona urbana e rural. Como atividade econômica

tradicional é desenvolvida a pecuária, com aplicação na agroindústria de pequeno porte

como a de laticínios, doces e alambiques. Essas informações foram obtidas na Prefeitura

Municipal de Moeda.

Ao se visitar o local pode-se observar que o comércio também merece menção, embora

ainda pouco diversificado. Após a conclusão do asfaltamento da MG 825, que liga o

município à BR 040, na década de 1980, uma nova alternativa econômica se delineou

para a cidade: o turismo. A partir do final dos anos 80, de acordo com entrevistas feitas

com diversas pessoas no municipio, inicia-se uma mudança no perfil de Moeda com o

grande interesse da população das cidades vizinhas (principalmente de Belo Horizonte,

que fica a 61 km), por seu clima puro, pela beleza natural e pela oportunidade de uma

melhor qualidade de vida.

Surgem, então, os sitiantes e uma crescente indústria do turismo que traz novas

oportunidades de trabalho e investimentos. São duas possibilidades que se fortalecem

dia a dia: o ecoturismo e o turismo rural. Uma série de fatores contribui para fomentar o

crescimento dessas atividades: a preservação ambiental e paisagística; o conjunto

hidrográfico formado pelas nascentes, riachos e cachoeiras; as formações rochosas;

flora e fauna diversificadas; o acervo histórico cultural e a paisagem da Serra da Moeda,

assinala o presidente da Associação do Meio Ambiente de Moeda (AMA-Moeda).

3.3 Comunidade do Azevedo

A partir dessa caracterização geral da Serra da Moeda, onde se localiza a área de estudo

desta pesquisa, cabe retratar a região da comunidade do Azevedo.

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“Vem dos gregos a noção de que uma cidade é ao mesmo tempo local e comunidade”

(JONES, 2009, p. 17). Sendo assim, pode-se dizer que “a história de uma cidade é o

resultado da interação entre os indivíduos e o tempo, entre a ecologia e a comunidade”

(JONES, 2009, p. 17). Esse autor ressalta ainda que a experiência de uma cidade é

marcada por expectativas culturais e que existem alguns locais que podem ser

considerados como “local de memória” de uma região: como uma igreja, um campo de

futebol, uma cachoeira onde todos se reúnem para um lazer. Nesses locais, o povo da

região, ao longo do tempo, produziu contínuas incrustações da memória coletiva

(JONES 2009).

Baseando-se nessas afirmações, pode-se, para fazer a análise de uma região, tomar um

local físico e incluir como fonte de informações tanto indivíduos quanto objetos cuja

passagem constitua uma história, sejam eles naturais ou fabricados.

Nessa linha de raciocínio, a seguir é apresentada uma “memória do lugar”, obtida

através de relatos dos moradores da região. Os hábitos, os costumes, as tradições

relatadas fazem parte da história do Azevedo, são fatos que marcaram um tempo e

construíram uma cultura.

A região do Azevedo começa a se apresentar no seu nome: nome próprio, de família.

Por vezes dito no singular, por outras, no plural. Seja “Azevedo” ou “Azevedos” 25, o

fato é que eles são mesmo muito diversos em alguns aspectos e muito parecidos em

outros. Vieram parar por aqui há muito tempo. Uns dizem que vieram de Portugal direto

para o local, outros já afirmam que passaram antes por São Paulo. Mas é fato que

quando chegaram, e isso se deu no século XVIII, tomaram posse das terras e das águas.

Segundo Jones (2009, p. 18) “[...] o poder e o status sociais nunca foram simplesmente

distribuídos entre os moradores de uma cidade. Um grupo de elite dominante pode ter a

pretensão de incorporar de certa forma a comunidade ou ter direitos especiais”. Esse foi

o caso dos que primeiro aqui chegaram.

25Nesse trabalho é adotado o nome no singular (“Azevedo”) por se tratar da forma mais comumente adotada nos documentos consultados; porém, podem ser encontradas as duas escritas.

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No Azevedo acontece o que costuma ocorrer com a maioria dos habitantes de um lugar,

eles não sabem da sua trajetória histórica. É como se tivessem simplesmente esquecido

ou nunca aprendido o significado dos locais de memória a seu redor.

Assim, do pouco que se sabe, ou ouviu dizer, é relatado que os “Azevedos” construíram

uma fazenda muito próspera e por aqui plantavam e produziam “de tudo”. Criavam

gado, cultivavam horta e roça; construíram moinhos de pedra no caminho do rio e

desenvolveram o método e a técnica de fazer o fubá de moinho d’água. Com o milho

que plantavam era produzido o fubá, a canjica, o farelo para alimentar o gado. Também

faziam azeite numa grande pedra de moer, que ainda hoje está “largada no meio do

mato”, segundo relato de alguns moradores. Para fazer o azeite, usavam mamona e soja.

Usavam, além do azeite feito dessa forma, gordura de porco para cozinhar. Plantavam e

torravam café. Esse produto, por sua vez, não era de grande qualidade e nem tampouco

em grande quantidade, somente para subsistência.

Todos eram muito habilidosos. Homens e mulheres sabiam muitos ofícios. Com o

passar do tempo, a família foi aumentando, os casamentos foram acontecendo e as terras

foram sendo divididas entre os novos núcleos. Cada um com sua particularidade. Assim

se formou a região habitada pelos “Azevedos” e que mais tarde se tornou também o lar

dos “Antunes”. Então por aqui, dizem os mais antigos: “nós somos todos Azevedo-

Antunes”.

Dos ofícios, pode-se citar o manejo com o gado, as roças de feijão, milho, mandioca,

cana etc., para os homens; e os doces feitos com o leite e frutas (figo, limão, laranja,

mamão, abóbora etc.), os quitutes e merendas como as roscas, o cobu, a broa, o pão de

queijo, o biscoito de polvilho, os diversos tipos de rosquinhas, o queijo, o requeijão “de

rapa” etc., para as mulheres.

Eram habilidosos quanto ao manejo do bambu, que era cortado sempre “nos meses sem

erre”, afirmam os mais antigos moradores do Azevedo. Com eles, faziam cercas,

peneiras, cestarias etc. As mulheres costuravam e bordavam muito bem, além de

fazerem tricô e crochê.

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Também produziam xampus, sabonetes e cremes com ervas aromáticas e medicinais.

Inclusive uma receita ficou muito famosa por seus efeitos quase milagrosos atuando no

problema de queda de cabelo: a “loção do Vicentino” que ganhou projeção e trouxe

muitos dividendos para os que a fabricavam.

Era uma região próspera e que garantia sua subsistência.

A estrada que ligava o lugarejo à cidade de Moeda era de acesso difícil e o caminho

para Belo Horizonte era distante e muito íngreme. Isso os obrigava a serem de fato

independentes. Por ali tinham que conseguir resolver todas as necessidades da vida

cotidiana.

Pariam seus filhos em casa, com parteiras; cuidavam de seus males com chás e ervas. O

médico era uma raridade e o dentista também. A lei era posta e mantida por eles

mesmos. O que dava espaço para desenvolver figuras de poder quase ditatoriais. As

propriedades das terras eram demarcadas com muros de pedra e os conflitos eram

resolvidos “à bala”.

As casas eram simples, construídas com uso de pedras nos alicerces e pau a pique ou

adobe nas paredes. Também eram produzidos tijolos e telhas de barro cozido (também

denominadas de “telhas de cocha”, por serem moldadas na perna, na cocha) numa olaria

situada perto do rio. Em todas era comum o uso do fogão à lenha e da varanda ou

alpendre. O banheiro era do lado de fora e a água vinha sempre da bica, que, por sua

vez, a recebia da montanha.

A religião predominante era a católica e por isso foi construída uma igrejinha numa das

muitas regiões de “Bela Vista”, o que inclusive deu nome a outra região no local: Bela

Vista. Dizem que as festas em honra dos santos e da padroeira eram celebradas com

muita música e dança. Uma senhora de 90 anos relatou que “[...] havia por ali um

violeiro que fazia até as pedras dançarem! E nas quermesses as moças se esquivavam

dos pais para dar esperanças aos moços solteiros”.

Desde sempre a região possuía costumes machistas e a tradição era patriarcal. Ou seja,

os homens coordenavam a vida pública e às mulheres cabia a vida doméstica. Os

relacionamentos eram tradicionais e “[...] traição feminina era motivo de morte,

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enquanto que a masculina ... nem era traição, era coisa da natureza”, relata uma senhora

de 80 anos.

Por sua localização geográfica sempre foi difícil o contato com o mundo exterior. Isso

criou por ali uma cultura própria e manteve-se assim por muito tempo. “[...] Até bem

pouco tempo atrás não existia lixo no Azevedo”, disse um homem de menos de 40 anos.

Ele relatou que quase tudo de que se necessitava era produzido em casa, ou nos

arredores e, portanto, não possuía embalagem ou invólucro artificial.

Segundo vários relatos, “o lixo surgiu quando passou a ter facilidade de comprar na

cidade”, com a possibilidade de ir pela estrada para a cidade de Moeda. Isso se deu nos

anos 80. “As pessoas acharam mais fácil comprar do que produzir”, declara um senhor

de mais de 80 anos. Onde antes era uma região em que o dinheiro não era à base da vida

familiar e, portanto vivia-se com simplicidade, dignidade e fartura, passou a ser

considerada uma região quase pobre. Pois agora era preciso dinheiro para pagar o que

antes se produzia.

Não foi só o resíduo sólido que chegou ao Azevedo com as facilidades de acesso. Por

ali também chegou a escola: “[...] a escola rural do Azevedo acolhe crianças a partir de

seis anos até o quarto ano de grupo”, afirma a professora e moradora do local. O

médico: “[...] ele vem de vez em quando e atende na escola”, conta a zeladora da escola

que mora no quintal desse estabelecimento. Têm também o sinal de telefone, apesar de

ainda ser muito precário, e da televisão e com ela novos hábitos. Os bares (por ali

existem dois), a igreja evangélica e seus adeptos, os times de futebol que fazem um bom

uso do campo gramado, localizado perto da escola, local de vista privilegiada e orgulho

de todos.

As famílias cresceram e foram dividindo as terras entre os descendentes e, com isso, os

filhos foram ficando por perto, nos quintais dos antepassados. Os filhos dos filhos, por

sua vez, observam em muitos de seus rebentos o desejo de “ganhar o mundo” já que

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vários almejam partir para outros lugares. A partir daí, as terras começaram a ser

vendidas e vieram os sitiantes26.

Ou seja, com o passar do tempo, Azevedo foi sendo integrado à realidade

contemporânea. Por ali chegou quase tudo que se tem no mundo. Não só coisas boas,

mas também problemas como o uso de drogas entre os jovens, o alcoolismo entre os

adultos, assaltos, e um jeito mais individualista de viver.

A comunidade perdeu importantes pontos de encontro em torno de aprazíveis locais do

rio que formavam poços e cachoeiras. Esses locais hoje são propriedades privadas e são

mantidos cercados com uma placa: “proibida entrada”. As terras estão valorizadas e os

moradores por vezes afirmam que não se sentem à vontade no local de seus

antepassados.

Mas com “os forasteiros” (sitiantes, turistas, pesquisadores, ciclistas etc.) também

vieram as preocupações ecológicas, as associações ambientais, a brigada de incêndio, os

empregos e as remunerações mais justas, os direitos trabalhistas e diversas atitudes que

marcam hoje o dia a dia do Azevedo. Pode-se dizer que o Azevedo hoje é um lugar

marcado pela diversidade.

3.4 Caracterização da região quanto aos resíduos sólidos

Nesta seção, é apresentada uma breve caracterização da região do Azevedo e da cidade

de Moeda quanto à produção, coleta e destinação final dos resíduos sólidos.

O levantamento qualitativo da situação dos resíduos sólidos no Azevedo foi feito

através do trabalho de campo para obtenção de informações sobre as possíveis

destinações desses resíduos gerados na área de estudo, além de entrevistas feitas com

moradores e agentes da prefeitura responsáveis pela gestão dos resíduos no município.

Também foram feitas visitas ao lixão de Moeda.27

26Quanto aos sitiantes cabe ressaltar que eles não foram considerados na pesquisa, devido ao objetivo de traçar um perfil dos moradores do local. Percebeu-se que, se fossem considerados os hábitos e costumes dos sitiantes, os resultados seriam muito diferentes e não estariam condizentes com a realidade da comunidade. 27Os dados e demais detalhes quanto aos resíduos são relacionados na análise dos dados, no Capítulo 5.

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O Município de Moeda, com uma população de 4.689 habitantes (IBGE, 2010), onde

está localizado o Azevedo, produz cerca de uma tonelada de lixo ao dia, segundo dados

fornecidos pela Prefeitura de Moeda.

Quanto à coleta e destinação dos resíduos sólidos a observação em campo considerou:

queima nos quintais; disposição nos pontos de coleta pública (lixeira e caçamba);

resíduos lançados nos cursos d’água e estradas; outros.

Na comunidade do Azevedo, existem dois locais públicos para disposição de resíduos

sólidos. Uma caçamba, de responsabilidade da Prefeitura Municipal, e uma lixeira

construída pela Associação do Meio Ambiente de Moeda (AMA-Moeda). Apesar de a

caçamba existir desde 2004, foi somente a partir da implantação da lixeira em 2008 que

a comunidade começou a se organizar, minimamente, para a sistematização da coleta do

lixo.

A caçamba está situada no principal ponto de lazer da comunidade: em frente ao “bar” e

ao lado do campo de futebol e da escola. Ali também se localiza o ponto final do

ônibus. A lixeira foi construída no local onde a população já “deixava” os resíduos, em

frente à cachoeira, numa bifurcação da estrada que liga o Azevedo à estrada asfaltada

para Moeda e para Belo Horizonte, um local de grande tráfego de pessoas e automóveis.

Apesar de estarem localizadas em pontos estratégicos, ao longo da via principal, a

lixeira e a caçamba estão distantes da maioria das residências. Visto que as casas estão

distribuídas ao longo de vias secundárias estreitas e de difícil acesso, além de afastadas

umas das outras; essa distância desfavorece a utilização das lixeiras pelos moradores,

principalmente pela dificuldade em transportar os resíduos até elas.

A lixeira construída possui telas resistentes e portão com trinco, o que dificulta o acesso

de animais, mas não tem cobertura, estando assim os resíduos expostos à chuva. Já a

caçamba é aberta, ficando os resíduos expostos e permitindo que se espalhe devido à

presença de animais e à ocorrência de eventos naturais, como chuva e vento. Tem-se em

ambas a presença de muitos insetos e a exalação de um forte e desagradável odor, por

permanecer o lixo por vários dias na caçamba e na lixeira. Percebe-se, ainda, que o

chorume (líquido de cor escura proveniente da decomposição de matéria orgânica e

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vulgarmente chamado de “choro do lixo”) escorre para fora da lixeira e da caçamba e

percola pelo solo. Isso se dá porque a coleta dos resíduos sólidos na região não é feita

com regularidade pela Prefeitura Municipal, não atendendo assim a necessidade do

local. Segundo informações fornecidas por diversos moradores, a coleta por vezes se dá

quinzenalmente.

Ambos os locais recebem todos os tipos de resíduos: orgânicos, plásticos, metais,

vidros, papéis e outros, não havendo na região nenhuma política de coleta seletiva.

Durante a pesquisa, foram coletadas algumas informações a partir de depoimento dos

moradores, a saber:

• em geral, a Prefeitura recolhe o lixo quinzenalmente; porém, essa

periodicidade varia de acordo com a quantidade de lixo que está acumulado na

lixeira, sendo o motorista do ônibus que circula na região que avisa se tem lixo

a ser recolhido;

• sempre há lixo fora da lixeira;

• o lixo é recolhido por um caminhão basculante que troca a caçamba cheia por

uma vazia;

• o lixo que cai do caminhão no caminho, durante a coleta, não é recolhido;

• maior quantidade de lixo é acumulada nas lixeiras nos finais de semana;

• o lixo da caçamba, na frente do “bar”, é espalhado pelos cachorros e comido

pelas vacas, o que causa a elas graves problemas, “algumas perdem inclusive a

capacidade reprodutiva”;

• os resíduos que se encontram espalhados pelo chão, como cacos de vidro e

restos de construções, costumam ferir os pés das crianças que comumente

andam descalças pelos caminhos.

Também foram feitas observações sobre os resíduos no local durante a realização da

presente pesquisa, constatando:

• a presença de resíduos na cachoeira, importante atrativo natural do Azevedo;

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• os restos do “jardim” (galhos de poda, mato, folhas etc.) são queimados em

vários quintais, transformando-se em perigo de incêndio na região no período

seco, tendo por inúmeras vezes causado queimadas de dimensões alarmantes;

• na maioria dos casos, o lixo orgânico é aproveitado no quintal como alimento

para animais ou adubo para a horta;

• o lixo seco e de sanitários geralmente é queimado no quintal, nem sempre em

locais adequados;

• objetos usados, utensílios domésticos com defeito e móveis velhos são

encontrados nos quintais;

• todos os moradores entrevistados sentem a necessidade de mais lixeiras e/ou

caçambas e mais próximas;

• no riacho próximo à igreja foram encontrados vários resíduos inorgânicos

como plásticos, latas e vidros e também resíduos orgânicos como folhas e

gravetos jogados no local;

• próximo ao bar, foram encontrados resíduos em área com cobertura vegetal

nativa;

• no entorno da Escola Municipal, foram encontradas embalagens de alimentos,

papel de bala, copos plásticos, garrafas PET, entre outros; também havia

entulho de construção civil em frente ao prédio;

• no entorno do campo de futebol, foram encontradas muitas embalagens de

alimentos, copos e garrafas PET;

• na Pousada e no córrego próximo a ela, foram vistos restos de churrasco,

fralda descartável, preservativos, embalagens diversas;

• os caminhos estavam “marcados” pelo lixo; foi observada uma criança

caminhando com a mãe e comendo um biscoito, e, ao final, jogou a

embalagem na estrada.

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Numa outra etapa da pesquisa, houve entrevistas com autoridades, técnicos,

funcionários da prefeitura que registraram:

• a Prefeitura faz a coleta duas vezes por semana em Azevedo. O lixo é coletado

em caminhão basculante que leva uma caçamba vazia e troca pela cheia. O

responsável pela coleta e motorista do caminhão é funcionário efetivo da

Prefeitura e também vereador municipal (informação prestada pela Assessoria

de Gabinete – Prefeitura de Moeda). Essa informação não foi confirmada

pelos moradores do Azevedo e nem pelo presidente da AMA-Moeda.

• O lixo de Moeda é recebido uma ou duas vezes por semana no aterro

controlado, situado no Bairro Água Boa no município de Congonhas, numa

média de 21 toneladas por mês. Moeda não paga pelos serviços de

transferência dos resíduos e o convênio venceu em 30/11/2009, sem

perspectiva de renovação (funcionário da Prefeitura de Congonhas,

responsável pela recepção e controle do lixo de Moeda).

• Segundo o presidente da AMA-Moeda, a lixeira foi produzida e idealizada

pela associação, sem apoio de instituições. O trabalho foi voluntário, com

ajuda da comunidade e sitiantes. Segundo ele, a lixeira está cumprindo sua

função e a expectativa dos membros da AMA-Moeda. “Foi um bom começo,

apesar de que ela deve ainda ser coberta. Apesar de a lixeira não atender a

todas as famílias, pois está distante de algumas residências, a recepção é das

melhores e com elogios. É necessário que seja mais organizada a disposição e

a coleta. A comunidade quer mais lixeiras. A coleta feita pela Prefeitura é

insuficiente”.

Também foi feita visita ao “Lixão” em Moeda, situado na Rua Sebastião Coutinho, atrás

da Prefeitura, no centro da cidade e às margens do Ribeirão Contendas. A Fundação

Estadual do Meio Ambiente (FEAM) notificou a Prefeitura de Moeda quanto ao

problema do local onde o "lixão" se encontra. A notificação exige solução do problema

e mudança de local. Segundo a Assessoria de Gabinete da Prefeitura de Moeda, está

sendo elaborado um projeto para transferência do local, mas não apresentou dados. O

problema, afirma a assessoria, é que em Moeda não há área adequada para se construir

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um aterro controlado ou sanitário, as áreas disponíveis são todas de preservação,

próximas a nascentes e córregos. Os resíduos sólidos de Moeda são transferidos para a

cidade de Congonhas duas vezes por semana, em caminhão coberto com lona, e não há

nenhuma forma de tratamento durante a permanência no depósito (lixão). A Assessoria

de Gabinete confirmou a informação, já relatada, de que Moeda não paga a Congonhas

pela transferência dos resíduos. Quanto à quantificação dos resíduos produzidos, a

Assessoria de Gabinete diz não ter controle e, portanto, não sabe a quantidade de

resíduos produzidos no município e transferidos para Congonhas.

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4 METODOLOGIA

Neste capítulo é apresentada a metodologia proposta para alcance dos objetivos do

trabalho.

As etapas da metodologia estão sintetizadas no fluxograma apresentado na Figura 3 e na

sequência é apresentada uma breve descrição de cada uma dessas etapas.

Figura 3 – Fluxograma da metodologia.

Levantamento de Dados

Pré-Processamento

Processamento

Análise dos Resultados

Levantamento Bibliográfico

Processos/Produtos

Elaboração de Hipóteses

Questionário e Entrevistas

Definição da Área e Compilação de Dados

Planos de Informação

Diagnóstico e Discussão

Levantamento de Dados Cartográficos

Análise Espacial

Relatórios

Análise Qualitativa

Etapas

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4.1 Levantamento de dados

Nessa etapa é realizada a coleta de dados necessários à pesquisa, consistindo em:

a) Levantamento bibliográfico relacionado ao tema dos resíduos sólidos e suas

diversas interfaces, assim como aos temas da modelagem ambiental,

cartografia e geoprocessamento, visando ampliar a compreensão e articulação

entre eles. Alguns conceitos ligados à lógica psicanalítica também são

levantados e levados em consideração na elaboração do marco teórico, assim

como em todas as etapas da metodologia de trabalho.

b) Diante do marco teórico e do modelo conceitual construído, são formuladas as

questões a serem investigadas na pesquisa, em itens agrupados por temas e

hierarquizados segundo o grau de importância. Disso resultam os pressupostos

a serem investigados, tendo todos relação com a hipótese norteadora do

trabalho. Esses pressupostos se encontram no Capítulo 5.

c) A partir das hipóteses e pressupostos elaborados e da definição da

metodologia, realiza-se o levantamento dos dados cartográficos existentes da

área de estudos (base cartográfica de referência, mapas temáticos, coordenadas

GPS, fotografias, imagens de satélite).

d) Com o objetivo de registrar de forma consistente e detalhada a comunidade

rural em estudo, para auxiliar na análise qualitativa dos dados, é realizada

também uma documentação fotográfica28.

e) Nesta etapa é também elaborado e aplicado um questionário, para levantar

informações com as famílias residentes na comunidade rural, visando a um

diagnóstico socioeconômico e ambiental, sendo investigados dados sobre

qualidade e modos de vida, saúde, relacionamentos sociais, visão de mundo e

da região, expectativas, capacidades, tendo como referência os resíduos

sólidos. As perguntas são quantitativas e qualitativas, na tentativa de

28Márcia Charnizon, fotógrafa responsável pela documentação fotográfica.

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compreender os significados e características situacionais apresentados pela

pesquisa. O questionário se encontra no Apêndice A.29

4.2 Pré-processamento

Essa etapa consiste no seguinte:

a) Delimitação espacial da área de estudo, a partir da escuta dos moradores da

comunidade, em visita exploratória a campo, e utilizando os dados

cartográficos existentes para a região e outras fontes (imagens de satélite,

mapas mentais, coordenadas GPS referentes, sobretudo, aos pontos que

identificam as casas das famílias entrevistadas).

b) Compilação dos dados cartográficos, definindo-se um sistema de referência

espacial único e compatibilizando-se a escalas dos dados, bem como a

normalização das classes temáticas.

c) Tabulação dos dados qualitativos e quantitativos, referentes aos questionários

preenchidos na realização das entrevistas na comunidade rural (utilizando-se o

software SPSS – Statistical Package for Social Sciences). Esses dados

tabulados são associados à base cartográfica de referência, utilizando as

coordenadas GPS coletadas na etapa de coleta de dados.

d) Produção de mapas temáticos utilizando-se os dados tabulados e a base

cartográfica construída (no ambiente ArcGIS), compondo assim os planos de

informação a serem utilizados na análise espacial e gráficos (utilizando o

software Excel) para interpretações diversas.

4.3 Processamento

Nessa etapa são realizadas as análises espaciais e qualitativas, utilizando-se os dados e

informações resultantes do pré-processamento – descrito na Seção 4.2.

29A equipe de entrevistadores foi composta em sua grande maioria por pessoas da região, selecionadas e treinadas para obter os dados. Vale dizer que também participaram do processo pessoas de fora da comunidade (profissionais de diversas áreas visando uma percepção holística).

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Na análise espacial são utilizados técnicas e métodos de geoprocessamento, para

obtenção de informação e entendimento da realidade da área de estudo. O objetivo é

chegar a uma síntese através do cruzamento de informações a respeito da situação

ambiental, dos resíduos sólidos, e dos modos de vida na região. O conjunto dessas

informações é utilizado na análise qualitativa da comunidade. São usados os seguintes

métodos para analise espacial (descritos no Capítulo 2 – Seção 2.3):

a) Análise de Multicritérios (nessa pesquisa, quando utilizado esse método, a

ponderação dos valores foi dada pela autora por ser ela considerada uma

especialista em questões ligadas aos aspectos a investigar);

b) Delimitação de área de influência (buffering). No caso dessa pesquisa, foram

considerados os pontos de coleta pública de resíduos (lixeira e caçamba) para

que fossem construídas suas áreas de influência.

c) Densidade kernel.

Por meio da lógica psicanalítica e dos preceitos da modelagem para interpretar os dados,

é realizada a análise qualitativa com o objetivo de confirmar as hipóteses iniciais

(apresentadas na introdução – Capítulo 1 e também no Capítulo 2) e/ou levantar outras

hipóteses que permitam novas pesquisas.

Na analise qualitativa é usado o modelo apresentado na Figura 4:

Figura 4 – Modelo de análise qualitativa.

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O modelo de análise apresentado visa construir dados para um diagnóstico da área de

estudo que contemple o conceito de resto, a relação com os resíduos sólidos e a sua

influência nos modos de vida dos moradores do Azevedo.

4.4 Análise dos resultados

A partir dos resultados obtidos na análise qualitativa, é feito um diagnóstico da região

do ponto de vista ambiental, cultural, social, levando-se em consideração os resíduos

sólidos e a questão do “resto” e como isso se traduz numa cultura local em relação aos

vínculos sociais. Para isso utilizam-se as diversas abordagens envolvidas nessa pesquisa

e ilustradas na Figura 5.

Psicanálise

Modelagem

Resíduos sólidos

Geoprocessamento

Cartografia

Figura 5 – Abordagens para o diagnóstico.

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5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Este capítulo é dedicado à análise qualitativa dos resultados alcançados a partir da

aplicação da metodologia apresentada no Capítulo 5, sobre os dados obtidos através das

entrevistas e das observações de campo feitas durante a pesquisa realizada no período

de maio a julho de 2011.

Para a análise dividiu-se a comunidade do Azevedo em oito regiões, em função da

localização geográfica e das características percebidas nas entrevistas com os

moradores. Esses dois critérios (localização geográfica e características) foram

utilizados para dar nome a cada uma das oito regiões. Além disto, a cada grupo foi

atribuída uma cor, as quais são utilizadas no mapa para facilitar a visualização das

informações obtidas. Portanto, a análise foi feita, observando-se as áreas delimitadas

para cada região, como mostrado no mapa apresentado na Figura 6.

Figura 6 – Mapa das regiões de análise e respectivos grupos de entrevistados.

São utilizados gráficos construídos (no software Excel) a partir dos dados obtidos nas

entrevistas (processados pelo software SPSS). O objetivo da utilização desses gráficos é

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tornar mais clara a visualização das informações, facilitando o processo de análise,

interpretação e compreensão do objeto de estudo. Além dos gráficos, são utilizados

mapas de densidade kernel, mapas de área de influência e mapas sínteses de

multicritérios (esses precedidos de seus diagramas) em análises em que a componente

espacial (o “onde”) pode oferecer informações. A comparação dos gráficos e mapas, na

análise das diversas áreas e da incidência dos fenômenos em cada uma delas, permite

uma visão integrada da região observada.

Foram levantadas seis premissas a partir da hipótese inicial: “A forma como uma pessoa

lida com o lixo é marcada pela relação que ela estabelece com os seus ‘restos

psíquicos’, o que influencia e é influenciado pelos modos de vida que se instauram

numa região”. Essas premissas, que foram elaboradas ao longo do corpo teórico da

pesquisa (Capítulo 2) nortearam o trabalho de campo e também orientaram a análise

geral dos resultados (gráficos e mapas). Elas são resumidas a seguir:

1) Ao estudo do lixo articulam-se questionamentos a respeito das expectativas

diante do mundo e da visão sobre os resíduos e seu papel na dinâmica da

sociedade. Vive-se um paradoxo: consumir cada vez mais e ao mesmo tempo

evitar que o produto final desse consumo – o lixo – nos ameace e destrua. Por

essa razão, cabe aproximar o questionamento entre qualidade de vida e a

lógica do consumo.

2) Quando afastamos o lixo de nossas casas, ele leva consigo algo do que fomos

ou somos. Um sujeito também se define através do que ele joga fora e dos

“lixos” que guarda em seu lar, escondido dos olhares dos outros. Assim, pode-

se pensar que o lixo de cada um é sempre mais revelador do que os objetos

idealizados de consumo.

3) A importância de se considerar os resíduos sólidos na vida e na história da

civilização. Onde há lixo, há homens. O lixo é simultaneamente o que mais

deixamos para a posteridade e o que menos reconhecemos como nosso. Isso

nos embaraça e constrange. Se pudéssemos, consideraríamos a produção de

resíduos como produto de mentes pouco ecológicas devendo ser reduzido ao

mínimo e afastado para bem longe por seres quase “inumanos”.

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4) A noção de lixo no mundo ocidental capitalista, em geral, está marcada por

uma trama simbólica de valores pejorativos e incompatíveis com a

convivência social. O trato com os resíduos provoca mal-estar, não podendo

ser aferido unicamente a partir de critérios técnicos e objetivos. Isto porque as

referências que governam os procedimentos e constroem a percepção do lixo

são endossadas por modelos imaginários, indispensáveis para a compreensão

das nuanças relacionadas com os restos. Essa visão de mundo exalta traços

tidos como desejáveis, tais como o humano, o masculino, o europeu, o novo, o

claro, a força, o bem. Em paralelo, desqualifica o animal, o feminino, o

africano, o velho, o escuro, a fraqueza, o mau, o feio, com adereços

pejorativos.

5) A modernidade ocidental tenta evitar o drama da morte em seu cotidiano. Seja

com a profissionalização das estruturas médico-hospitalares e cemiteriais, seja

pelo esforço do “sempre novo” da era do consumo. Sendo assim, é possível

que o lixo apareça (ao remeter à degenerescência das produções e do corpo)

como ameaça a esse esforço de esquecimento da morte, devendo ser por isso

mantido afastado e neutralizado. Também se escamoteiam outros aspectos da

vida que remetam à mesma função. Doentes, velhos, miseráveis, inválidos,

áreas decadentes, merecem ser igualmente encarados como indesejáveis e,

portanto, devem ser evitados.

6) É fundamental construir um “saber-fazer” na situação, ou seja, dar tratamento

aos seus restos.

Devido à extensão dos dados obtidos, far-se-á uma análise geral deles baseados na

orientação dada por essas afirmativas.

Quanto à forma de descrição e de análise dos dados coletados, cabe ressaltar que

utilizou-se de uma associação de informações: ao relacioná-las entre si foi se formando

o corpo do texto – como a sobredeterminação da causa teorizada em Freud (e citada na

segunda nota de rodapé deste trabalho), em que há uma pluralidade de fatores

determinantes levando à construção do relato. Assim também, na forma da análise dos

resultados, buscou-se um modo de fazer que concerne à psicanálise.

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Partindo dessa introdução é realizada primeiramente uma análise que servirá de base

para outras análises. Ela consiste em analisar a situação da destinação final dos

resíduos sólidos no Azevedo, relacionando outros itens que de alguma forma são

influenciados por esse quesito ou o influenciam.

De acordo com os dados obtidos nas entrevistas, as modalidades de destinação final dos

resíduos sólidos adotadas no Azevedo são: compostagem, alimentação de animais

(cachorro, galinha, vaca, porco, gato), deposição em lixeira pública e queima. Cabe

ressaltar que, nesta pesquisa, será considerada destinação final o modo como o sujeito

na comunidade de Azevedo procede com seus resíduos: para ele, o percurso de seu lixo

“termina” na lixeira, mesmo sabendo que esse lixo será encaminhado para um outro

lugar.

Quanto à compostagem, observando-se o gráfico apresentado na Figura 7 pode-se

constatar que apenas uma pequena parcela dos entrevistados, ou seja, somente 4%

praticam essa modalidade de destinação final dos resíduos sólidos.

Figura 7 – Destinação de lixo: compostagem.

Entretanto, das informações sobre os hábitos de cultivo de alimentos, apresentadas nos

gráficos da Figura 8, tem-se que: 46% dos entrevistados cultivam hortaliças no quintal

(horta), 54% cultivam frutas (pomar) e 10% cultivam outros tipos de alimentos (milho,

feijão, mandioca etc.). Diante dessas observações, pode-se inferir que o uso da

compostagem no cultivo de alimentos é incipiente.

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(a) horta (b) pomar (c) outros

Figura 8 – Cultivo de alimentos: (a) hora; (b) pomar; (c) outras.

Partindo dessas observações, podem-se levantar as seguintes questões:

• O não uso dos resíduos orgânicos na produção de composto demonstra uma

falta de conhecimento da importância da adubação e nutrição do solo com

matéria orgânica?

• Ou, existe uma desinformação quanto ao processo de transformação de lixo

orgânico em adubo para a terra?

• Além da desinformação, podem existir outras razões que levam as famílias do

Azevedo a não agirem de forma supostamente correta com seus resíduos?

Conforme abordado anteriormente nessa seção “um sujeito também se define através do

que ele joga fora e dos ‘lixos’ que guarda em seu lar”. Neste caso, não “guardar”

matéria orgânica para fazer bom uso dela e, ao contrário, dispensá-la na lixeira

demonstra também uma forma de lidar com “o resto”. Existe, além de uma ignorância

sobre o assunto (o que comportaria instrução sobre o tema), um descuido com o meio

ambiente que está à sua volta (por não perceberem os danos causados pela matéria

orgânica exposta sem tratamento nas lixeiras públicas e posteriormente nos lixões e

aterros - tema abordado no Capítulo 2 – Seção 2.1.3) e também é criada com isso uma

situação de mal-estar por não fazerem o correto. A psicanálise nos ensina que não

bastaria informar sobre o tema para que a situação se transforme, visto que um sujeito

bem informado também faz o malfeito.

Ainda quanto à destinação dos resíduos orgânicos, outra modalidade de destinação que

resulta em aproveitamento é a alimentação de animais. No Azevedo tem-se que 85%

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dos entrevistados utilizam esses resíduos para alimentar os animais (cachorro, gato,

galinha, vaca, porco), conforme mostrado no gráfico da Figura 9.

Figura 9 – Destinação de lixo: alimentar animais.

Do levantamento sobre a posse de animais domésticos pelos entrevistados tem-se que a

maioria deles possui cachorro (75%). A segunda maior ocorrência é de galinhas (63%),

seguida de vaca (19%), gato (13%) e porco (12%). Isso pode ser observado nos gráficos

da Figura 10.

(a) galinha (b) porco (c) vaca

(d) cachorro (e) gato

Figura 10 – Posse de animais domésticos pelos entrevistados: (a) galinha; (b) porco; (c) vaca; (d) cachorro; (e) gato.

Dessa forma, pode-se afirmar que essa modalidade de destinação dos resíduos é

bastante praticada na região, tendo margem, todavia, para aumentar. Com esse aumento,

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as famílias teriam a possibilidade de criar maior número de animais (principalmente

galinha e porco), contribuindo assim para uma maior fartura e variedade alimentar.

Quanto aos índices de avaliação de fartura e variedade alimentar, nas entrevistas, foi

pedido aos entrevistados que valorassem a fartura e a variedade alimentar com notas de

zero a dez. De acordo com os relatos dos entrevistados somente 10% da população

possuem baixos índices de avaliação nesses dois quesitos. Isso indica que as pessoas na

comunidade do Azevedo consideram que sua alimentação, tanto do ponto de vista da

fartura quanto da variedade, é boa.

Numa avaliação geral, com um melhor aproveitamento dos resíduos orgânicos esses

índices tendem a melhorar também, uma vez que isso propiciaria uma melhoria quanto à

qualidade (através da produção de alimentos orgânicos), quantidade e fartura de

alimentos, além de um possível aumento de renda, advindo da venda de produtos de

origem animal e vegetal.

De acordo com as informações sobre a renda mensal das famílias, tem-se que a região

se caracteriza por ter, em sua grande maioria, famílias que ganham até três salários

mínimos (94%), conforme pode ser observado no gráfico da Figura 11. Levando em

consideração essa informação, pode-se supor que um aumento na renda advindo da

venda de produtos de origem animal e vegetal faria diferença no orçamento familiar.

Figura 11 – Renda familiar mensal.

A renda familiar é, de certo modo, uniforme na região. Mas é preciso notar como são

variadas as formas de lidar com ela. Para alguns é mais que o suficiente para se ter uma

boa qualidade de vida: possuem fartura em tudo que precisam para viver, a casa é

organizada e o quintal é próspero. A ênfase dessas famílias recai na produção e não no

consumo. Já para outras é pouco e vivem com a sensação de pobreza: isso se traduz na

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forma como organizam a casa e seu entorno; não produzem quase nada e, portanto,

precisam comprar tudo. A ênfase está no consumo.

Nesta pesquisa não foi possível um acompanhamento temporal maior dessas famílias

(uma semana, um mês, por exemplo). Isso poderia fornecer informações que por ora só

podem ser apresentadas como hipótese, com base no que foi observado nas entrevistas:

quanto maior o consumo maior a quantidade de lixo e não necessariamente melhor

qualidade de vida e satisfação. Isso também indica uma forma de se lidar com “os

restos”.

Sobre as demais modalidades de destinação do lixo, deposição em lixeira pública e a

queima dos resíduos, tem-se: 63% dos entrevistados afirmam utilizar a lixeira ou a

caçamba para descartar seus resíduos (Figura 12a); 52% dos entrevistados permanecem

queimando o lixo (Figura 12b).

(a) lixeira pública (b) queima

Figura 12 – Destinação do lixo: (a) lixeira pública; (b) queima.

Nenhum dos entrevistados respondeu que joga seu lixo no rio, porém são encontrados,

com frequência, sacos plásticos, garrafas plásticas e outras embalagens às margens dos

corpos d´água. Isso pode indicar que há um constrangimento em ter esse tipo de atitude,

ou seja, pode-se inferir que as pessoas dessa comunidade se sentem constrangidas por

fazerem algo que, de alguma forma, pensam que não é correto, apesar de continuarem

fazendo, como mostram as evidências em campo. O “resto” se traduz como forma de

mal-estar por não se fazer o que se diz ser o correto, e também por assumir

publicamente uma realidade que não corresponde ao que é observável.

Para poder tecer considerações sobre o perfil da região quanto à destinação dos resíduos

sólidos é útil representar a distribuição espacial das modalidades adotadas pelos

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entrevistados. Para isso foi realizada uma avaliação da destinação dos resíduos sólidos

por meio de uma análise multicritérios (abordada no Capítulo 2 – Seção 2.3 e no

Capítulo 4 – Seção 4.3), considerando as quatro modalidades de destinação, valorando

com nota 10 a presença de procedimentos ambientalmente adequados e com a nota zero

a ausência deles, conforme apresentado no diagrama da Figura 13.

Figura 13 – Diagrama multicritérios para avaliação da destinação de resíduos sólidos.

A representação espacial da avaliação da destinação de resíduos sólidos no Azevedo,

resultante da análise multicritérios, é apresentada na Figura 14.

Figura 14 – Representação espacial da avaliação da destinação de resíduos sólidos em

Azevedo – Moeda/MG.30

30Nessa figura foi escolhido o fundo preto para melhor visualização dos caminhos, em função da escala.

Compostagem (25%)

Alimentação de Animais

(25%)

Queima (25%)

Lixeira (25%)

Sim (10)

Não (0)

Sim (10)

Não (0)

Sim (10)

Não (0)

Sim (0)

Não (10)

Avaliação da Destinação dos

Resíduos

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Observando a representação espacial da Figura 14, pode-se constatar que a região do

Azevedo não apresenta avaliação ótima nem péssima, quanto a destinação dos resíduos

sólidos. Em todas as oito regiões, definidas pelos oito grupos de entrevistados, as quatro

modalidades de destinação de resíduos (compostagem, alimentação de animais,

deposição em lixeira pública, queima) estão presentes.

Dando continuidade ao tema do tratamento dos resíduos na região, quando questionados

a respeito da relação com os resíduos sólidos na região, 58% dos entrevistados

afirmaram que essa relação melhorou a partir da existência dos pontos de coleta pública

de resíduos – lixeira e caçamba. Mas muitos reclamaram da ausência de outros pontos

de coleta e melhor localizados.

Apesar da avaliação positiva da situação dos resíduos sólidos na região, pelos

entrevistados, é importante ressaltar que com os pontos de coleta pública de resíduos

não houve uma diminuição expressiva da prática de queimar o lixo e que continuam

considerando adequada essa prática, não escondendo a sua adoção, como fazem com o

ato de jogar lixo no rio, conforme citado anteriormente nesta seção.

Isso pode ser associado com os dados obtidos na pergunta quanto à relação pessoal

com o lixo: 62% dos entrevistados julgaram que sua relação com o lixo melhorou nos

últimos anos a partir da implantação dos pontos de coleta pública. Comparando com a

avaliação da relação com o lixo na região, pode-se inferir que a melhoria do manejo

público não se fez acompanhar na mesma medida pela melhoria do manejo privado. Os

hábitos apresentados antes não se alteraram de maneira expressiva, mas o fato de ter

alguma organização/gestão no tema, proporcionado pelos pontos de coleta pública,

produz efeitos positivos no trato com os resíduos.

Dos dados obtidos quanto à avaliação da relação pessoal com o lixo tem-se que: 10%

dos entrevistados se abstiveram de responder a essa pergunta; 30% avaliaram que essa

relação é de péssima a média (de 0 a 10, notas abaixo de 6); 62% avaliaram de média a

ótima (notas de 7 a 10). Quanto à relação com o lixo na região, 23% se abstiveram,

19% avaliaram essa relação de péssima a média (notas abaixo de 6), 58% avaliaram de

média a ótima (notas de 7 a 10).

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Fica aqui a pergunta: como fazer para envolver o indivíduo e sensibilizá-lo quanto a

uma mudança de paradigma? Cabe ressaltar que neste trabalho é proposto que a lógica

psicanalítica privilegia a escuta dessas questões, que não apresentam uma solução trivial

e apenas de ordem técnica. Considerá-las, sem contudo deixar de lado a importância de

procedimentos objetivos, é o desafio proposto.

A partir do que foi observado, pode-se inferir que um dos critérios adotados pelos

entrevistados para avaliar a relação com o lixo, tanto pessoal quanto na região, foi a

localização e a quantidade dos pontos de coleta pública de resíduos. Se considerado

somente esse aspecto, pode-se supor que a avaliação seria melhor se houvesse mais

pontos de coleta pública de resíduos, facilitando o acesso das pessoas para realização do

descarte deles.

Será que existem outros fatores a serem considerados para analisar essas questões?

Para melhor visualização e compreensão do tema, foram elaborados dois mapas: um de

distâncias aos pontos de coleta pública de resíduos – lixeira e caçamba (Figura 15) e o

outro da avaliação da situação do lixo na região (Figura 16). No mapa de distâncias, é

apresentada uma “superfície” formada por diferentes distâncias a partir dos pontos de

coleta pública, como mostrado na legenda desse mapa (Figura 15).

Figura 15 – Representação espacial de "distâncias" aos pontos de coleta pública de

resíduos em Azevedo – Moeda: lixeira e caçamba.

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O mapa da situação do lixo na região (Figura16) foi elaborado utilizando-se o estimador

de kernel, baseando-se na avaliação feita pelos entrevistados e transformando as notas

atribuídas em conceitos. Esse procedimento se repetiu nos demais mapas feitos nesta

pesquisa.

Figura 16 – Representação espacial da avaliação da situação do lixo em Azevedo –

Moeda.

Analisando os resultados a partir das oito regiões da pesquisa, pode-se dizer que as

melhores avaliações em relação ao lixo, na região, foram as regiões do condomínio e da

igreja. As piores foram as do sopé da serra, seguidas pelo arvoredo e pela região norte.

Nota-se que essas regiões com as piores avaliações não só são mais distantes dos pontos

de coleta pública, como também o acesso a eles é mais difícil, devido ao relevo e às

condições precárias das estradas.

Porém, ao contrário do que se poderia supor, as famílias que moram perto dos pontos de

coleta não avaliaram de forma positiva a relação com o lixo na região. Através de uma

análise qualitativa das respostas, pode-se concluir que esses entrevistados julgaram que

a proximidade dos pontos de coleta não é desejável, visto que não querem ter contato

com o lixo depois de descartado.

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Isso endossa e confirma a premissa de que “a noção de que, de um modo geral, o lixo

no mundo ocidental capitalista está marcada por uma trama simbólica de valores

pejorativos e incompatíveis com a convivência social”. Outra forma de observar isso se

deu através da análise qualitativa das respostas sobre a questão a respeito de gestos e

sinônimos para a palavra “lixo”. Todas as pessoas falaram palavras de cunho negativo,

pejorativas e fizeram gestos de repulsa e nojo. Essa é uma forma de presentificar o mal-

estar provocado pelo contato com “o resto”, sinalizando que ele deveria permanecer

oculto, longe da percepção do sujeito, mas como isso não é possível, sua presença é

causa de angústia e desconforto

Portanto, pode-se concluir que, do ponto de vista geográfico, quanto à disposição final

dos resíduos, o bom é ter um ponto de coleta nem tão perto e nem tão longe da própria

casa. Mas, do ponto de vista analítico, isso não garante que vez por outra o resto não

apareça sinalizando a incompletude característica da estrutura humana e fonte de

angústia e mal-estar.

A partir dos dados das Figuras 15 e 16, fez-se uma análise de multicritérios, com o

objetivo fazer uma avaliação conjunta da relação com o lixo na região e a distância aos

pontos de coleta (lixeira e caçamba). Na Figura 17, é apresentado o diagrama da análise

multicritérios, valorando a relação com o lixo na região e a distância aos pontos de

coleta de 0 a 10. O resultado da análise multicritérios é apresentado na representação da

Figura 18.

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Figura 17 – Diagrama multicritérios para avaliação conjunta da relação com o lixo na

região e a distância aos pontos de coleta (lixeira e caçamba).

Figura 18 – Representação espacial da avaliação conjunta da relação com o lixo e a

distância aos pontos de coleta (lixeira e caçamba) em Azevedo – Moeda.

De acordo com o mapa da Figura 18, pode-se concluir que, das oito regiões que

compõem a área de estudo, somente duas apresentam uma boa avaliação em relação à

Relação com o Lixo na Região

(50%)

Péssima (1)

Muito ruim (3)

Ruim (5)

Boa (6)

Muito boa (8)

Ótima (10) Avaliação Conjunta da Relação com o Lixo e

Distância aos Pontos de Coleta

Distância aos Pontos de Coleta

(50%)

50 m (0)

100 m (10)

250 m (8)

500 m (2)

1.000 m (0)

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situação do lixo na região, ficando as demais com conceitos mais baixos (bom, ruim): as

regiões da igreja e do condomínio apresentam as melhores avaliações; as regiões da

escola e da pousada apresentam um conceito “bom”, as demais regiões apresentam um

conceito “ruim”.

Como base nesses resultados pode-se dizer que um dos fatores para a avaliação da

relação com o lixo na região é a localização geográfica dos pontos de coleta pública.

Nisso pode estar incluído não só a distância, mas também outros fatores, como por

exemplo o relevo, que dificulta o acesso a esses pontos. Na área de estudo foi observado

que os entrevistados, residentes nas regiões com maiores diferenças de altitude com

relação aos pontos de coleta pública, avaliaram de forma negativa a relação com o lixo:

é o caso das regiões próximas à serra e da cachoeira. Os entrevistados que avaliaram de

forma positiva (com conceitos bom/muito bom e ótimo) residem nas mesmas faixas de

altitude dos pontos de coleta pública.

Ao avaliar a dificuldade para se fazer o correto descarte dos resíduos, cabe considerar o

volume da produção desses resíduos. A seguir é avaliada primeiramente a produção

diária de cada família entrevistada; na sequência é avaliada a composição dos resíduos

na região.

De acordo com as informações obtidas nas entrevistas tem-se que: mais da metade da

população (58%) produz de 5 a 10 litros de lixo diariamente; uma outra parcela da

população (34%) produz menos de 5 litros; e uma pequena parcela (8%) produz mais de

10 litros. No gráfico da Figura 19 é mostrada essa distribuição da produção diária de

resíduos na região do Azevedo – Moeda.

Figura 19 – Produção diária de resíduos em Azevedo – Moeda.

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Quanto à composição desses resíduos, tem-se que a maioria dos entrevistados descarta

latas (94%) e plásticos (92%), seguidos de 87% que descartam papel, 83% descartam

vidro, 81% descartam garrafas PET, 77% descartam resíduos orgânicos e 73%

descartam outros tipos de embalagens. Os gráficos da Figura 20 apresentam essas

informações.

(a) orgânico (b) papel (c) lata (d) vidro

(e) plástico (f) garrafa PET (g) embalagens

Figura 20 – Percentagem de produtores por cada tipo de resíduo presente na composição dos resíduos: (a) orgânico; (b) papel; (c) lata; (d) vidro; (e) plástico; (f) garrafa PET; (g) embalagens.

A partir desses dados (apresentados nos gráficos da Figura 20) pode-se constatar a

grande quantidade de produtos artificiais na composição dos resíduos, caracterizando a

preponderância do consumo de itens industrializados em detrimento de produtos

produzidos na região. Isso confirma e ilustra a premissa de que também o campo, a zona

rural, já se rendeu à lógica do consumo, fazendo, portanto, com que o lixo de todos hoje

seja muito semelhante (conforme abordado no Capítulo 2 – Seção 2.2.1).

A maioria dos entrevistados afirma conter produtos artificiais no seu lixo, mais que a

presença de resíduos orgânicos. Diante desse resultado, cabe considerar outros fatores

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para inferir razões possíveis para compreendê-lo, bem como fazer uma análise

qualitativa das respostas.

Das respostas dos entrevistados tem-se que alguns deles não sabiam o que significava

“resíduo orgânico”. E quando informados sobre o significado, não admitiram jogar

comida fora, fazendo menção ao cunho religioso que traz a questão: “é pecado jogar

comida fora”. Ou ainda não consideram que é lixo o que de alguma forma será

aproveitado, por exemplo, ao servir de alimento aos animais. Essa situação sugere que o

conceito de lixo pode ser relativo e variar de acordo com premissas típicas de cada

região, grupo social etc. (Capítulo 2 – Seção 2.2.3). Também marca uma vertente “do

resto” na linguagem. O que se diz não é o que se escuta. Entre os sujeitos humanos,

sempre haverá espaço para o mal entendido (Capítulo 2 – Seção 2.1.1.2)

Essas atitudes e considerações abrem espaço para se investigar o grau de escolaridade

na região. Através dos dados obtidos, constatou-se que a maioria dos entrevistados

(63%) possui um baixo grau de escolaridade: 6% sem escolaridade; 57% com o ensino

fundamental incompleto; 21% com ensino fundamental completo; 6% com ensino

médio incompleto; 8% com ensino médio completo; e somente 2% possuem curso

superior completo ou em andamento.

A seguir são analisados os mapas de produção de resíduos (Figura 21) e do grau de

escolaridade (Figura 22), visando a uma comparação espacial desses dois temas.

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Figura 21 – Distribuição espacial da produção diária de lixo no Azevedo – Moeda.

A quantidade de pessoas morando em cada região é relativamente uniforme. Sendo

assim, a avaliação das respostas não se deteve nesse quesito. As regiões do condomínio

e da igreja produzem maior quantidade de lixo, seguidas pela da pousada. As demais

são semelhantes no que tange a esse quesito.

Figura 22 – Representação espacial da escolaridade dos entrevistados – Azevedo –

Moeda.

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As pessoas que residem nas regiões do condomínio e da igreja possuem maior grau de

escolaridade se comparadas com as demais. As piores regiões nesse quesito são aquelas

localizadas no sopé da serra e ao norte, ficando as demais com composição semelhante

e em posição intermediária.

Pode-se então concluir que, nesse caso, a escolaridade não influenciou de forma

educativa na produção de resíduos, uma vez que nos locais onde há maior escolaridade

há também maior produção de lixo. Cabe considerar que não é o conhecimento que

garante uma determinada atitude. Talvez seja importante marcar a diferença entre saber

e conhecer, embora não seja possível fazê-la no âmbito deste trabalho. Aqui a lógica

analítica – que privilegia a importância de não se desconsiderar esses aspectos sem uma

coerência aparente, que quando surgem desconcertam e trazem por vezes um “sem

sentido” – merece ser lembrada (abordado no Capítulo 2 – Seção 2.1.1.2).

Diante desse resultado, alguns questionamentos e investigações são cabíveis para que se

possa melhor inferir sobre esse tema. Por exemplo, levantar questões que não foram

abordadas nesta pesquisa para investigar sobre o nível da educação que é dispensada na

região, principalmente quanto às questões ambientais e à da lógica de consumo. Uma

suposição é de que talvez o grau de escolaridade não influencie de forma significativa a

percepção e a consciência ambiental das pessoas dessas regiões.

Um outro fator observado são os hábitos sociais, detendo-se nas relações com a

vizinhança e na frequência de recepção de visitas.

Quanto às relações com a vizinhança, pode-se dizer que a maioria (87%) dos

entrevistados considera boa/muito boa essa relação. Somente 13% não responderam ou

disseram que não têm uma boa relação com seus vizinhos.

Quanto à recepção de visitas, a partir dos dados obtidos e apresentados no gráfico da

Figura 23a, pode-se afirmar que a maioria dos entrevistados recebe visitas em casa

(96%). A frequência dessas visitas é variável, como mostrado no gráfico da Figura 24b:

60% dos entrevistados recebem visitas quinzenalmente; 22% mensal; e 14% raramente.

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(a) recepção (b) frequência

Figura 23 – Visitas: (a) recepção; (b) frequência.

Existe uma relação entre os hábitos sociais e a produção de resíduos e uma análise mais

pormenorizada pode fornecer elementos para essa percepção. A partir da espacialização

dos dados (Figura 24) pode-se analisar quais são as regiões mais sociáveis e comparar

os resultados com as demais informações.

Quanto à frequência de recebimento de visitas, as regiões que mais recebem são as do

condomínio e da igreja, seguidas pela região da cachoeira. As regiões que menos

recebem visitas são as do arvoredo e do sopé da serra, seguidas pela região da escola.

As demais (do norte e da pousada) variam de semestral a anual.

Figura 24 – Representação espacial da frequência com que os entrevistados recebem visitas.

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Na Figura 25 é apresentada a distribuição espacial das relações com a vizinhança. A

partir da análise desse dessa representação pode-se dizer que a única região que

considerou ter uma ótima relação com a vizinhança é a do condomínio; a região da

igreja considera ter uma relação muito boa/boa; as demais têm uma relação boa/ruim

com os vizinhos e somente a região do sopé da serra disse ter uma relação

ruim/péssima.

Figura 25 – Representação espacial das relações com vizinhos.

Analisando esses dados pode-se dizer que a região do condomínio é a que melhor se

relaciona entre si e a que mais recebe visitas, seguida pela região da igreja. No pólo

oposto, tem-se a região do sopé da serra e do arvoredo, seguida pela região norte na qual

a relação com os vizinhos não é boa e os habitantes não recebem visitas frequentemente.

Pode-se observar também que em todas as regiões coincidiu a boa relação com as

pessoas próximas com a frequência de pessoas em casa. Assim, pode-se concluir que se

as pessoas se relacionam bem com seus vizinhos é provável que os recebam em casa

com maior frequência, bem como outras pessoas.

Conclui-se então, a partir do que foi observado, que se há maior convívio social, há

também maior produção de resíduos. Assim sendo, cabe perguntar: receber pessoas em

casa gera resíduo? Famílias sociáveis, abertas, consomem mais? E também: famílias

fechadas são mais contidas em tudo, inclusive no consumo e na consequente produção

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de resíduos? Ou pode-se pensar que talvez o entrevistado omitisse alguns dados aos

entrevistadores, por exemplo, sobre produção de resíduos, devido a um possível caráter

introspectivo? Essa suposição se baseia no sentimento de vergonha que por vezes

caracteriza essas famílias, principalmente quanto ao que não parece admirável, como é o

caso do lixo. Essa é uma maneira de se considerar a relação existente entre resíduo,

resto e modos de vida.

Outra suposição pode recair na percepção do tema. Quando indagados sobre quanto

produziam de lixo por dia, alguns tiveram muita dificuldade em mensurar. Essa

dificuldade pode ter induzido o raciocínio para menos. Seja como for, o objetivo desta

pesquisa é afirmar que nesse contexto existe uma relação de causalidade.

O que também é digno de nota é a coincidência entre relacionamentos sociais e grau de

escolaridade. As regiões em que o nível de escolaridade foi apontado como mais

elevado também foram as que melhor avaliaram o convívio entre seus vizinhos e a

frequência de visitas em casa. O que isso pode indicar? Será possível afirmar que um

nível maior de escolaridade facilita relacionamentos sociais? Ou será que é o contrário,

por ser uma família mais aberta, o estudo é um valor e isso foi priorizado? Podem

existir muitas causas possíveis para um determinado sintoma (“sobredeterminação da

causa”, conceito freudiano descrito no Capítulo 1). Portanto, essa pesquisa aponta a

existência de uma relação a ser estabelecida e principalmente a importância de se

considerar esse e outros fatores que aparentemente não possuem sentido (como o

aspecto do resto que se presentifica nos sonhos, abordado no Capítulo 2 - Seção

2.1.1.2).

Para se ter bons relacionamentos sociais, um fator que pode ser importante observar é o

cuidado com o corpo, tanto com a saúde quanto com a higiene. A seguir, são avaliados e

analisados esses dois quesitos. Primeiramente, é avaliada a saúde dos entrevistados e,

em seguida, os dados sobre higiene e cuidados corporais. O objetivo é complementar os

dados fornecidos até então e investigar a conexão entre os temas saúde, escolaridade,

vínculos sociais e a relação com resíduos e restos.

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Quanto à saúde, mais da metade dos entrevistados (58%) responderam que possuem ou

já possuíram, num passado recente, alguma doença grave, conforme mostrado no

gráfico da Figura 26. Numa análise qualitativa das respostas, percebeu-se que a maioria

delas está relacionada com alimentação e/ou com o estado emocional (diabete, gastrite,

problema de fígado, de vesícula, de rins, cardíaco, hipertensão, “doença dos nervos” 31,

depressão etc.).

Figura 26 – Existência de doenças graves.

Na Figura 27 é apresentada a representação da distribuição espacial da autoavaliação da

saúde dos entrevistados.

Figura 27 – Distribuição espacial da saúde dos entrevistados (autoavaliação).

31Quando indagados sobre o que seria “doença dos nervos”, os entrevistados se referiram a problemas de relacionamento que causavam impossibilidade de convívio, por vezes dificultando inclusive a permanência no trabalho ou na escola. Também foram caracterizadas nessa categoria as pessoas que possuíam algum tipo de problema mental, retardos, ou que eram consideradas “loucas”.

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Observando a distribuição espacial da autoavaliação da saúde (Figura 27), pode-se dizer

que as melhores avaliações (ótima/muito boa/boa) estão na região do condomínio

seguidas pela região da igreja. As regiões que receberam pior avaliação (ruim/muito

ruim) são as regiões do sopé da serra e do arvoredo. As demais avaliaram como

boa/ruim.

Novamente, encontra-se a repetição dos locais com os melhores resultados e com os

piores também. Isso marca a relação entre esse item e os outros analisados

anteriormente sobre hábitos sociais: escolaridade, produção de resíduos, percepção

ambiental quanto aos resíduos etc.

Através da análise da representação espacial da autoavaliação da saúde (Figura 27),

pode-se inferir que quem possui melhor saúde também possui maior grau de

escolaridade e melhor relação com a vizinhança, assim como uma vida social mais

intensa. Esses indivíduos avaliam de forma mais positiva a relação que atualmente se

estabelece com o lixo na região. Em contrapartida, quem tem pior relação com os

vizinhos tem uma escolaridade mais baixa e avalia de forma mais pejorativa sua saúde,

bem como a relação estabelecida com os resíduos na região.

Essa mesma relação, no entanto, quando se pensa em produção ou descarte de resíduos,

não se estabelece. A região como um todo apresenta uma homogeneidade quanto ao

descarte, mas se diferencia quanto à produção de resíduos: as regiões apontadas como

mais sociáveis e “melhores”, de acordo com as análises apresentadas neste capítulo,

produzem mais lixo que as demais.

É importante lembrar que alguns dos principais problemas de saúde apontados pelos

entrevistados, como já citados neste capítulo, estão relacionados com questões de

caráter emocional (depressão, “doença dos nervos”). Sendo assim, a relação com os

vínculos sociais se justifica: quanto mais saudável sobre esse aspecto, melhor será a

convivência com os outros e vice-versa.

Aqui se apresenta um exemplo da relação possível de ser estabelecida entre resíduos,

restos e modos de vida, ilustrando a necessidade de se construir um “saber-fazer” com

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os restos (abordado no Capítulo 2 – Seções 2.1.1.2. e 2.2.3 e reforçado na última

premissa apresentada no início do presente capítulo).

Os outros problemas, em sua maioria, foram relacionados com a alimentação. Nesse

caso, pode-se supor que maior grau de escolaridade pode contribuir para uma

alimentação mais adequada. Também é possível relacionar esse quesito com a saúde

mental. Sabe-se que um sujeito deprimido não tem apetite ou, quando se alimenta, nem

sempre é da forma adequada.

Portanto, pode-se constatar que, apesar da fartura e variedade, a julgar pela quantidade

de pessoas com presença de doenças relacionadas com problemas alimentares, talvez as

pessoas não se alimentem de forma correta no Azevedo.

Também pode-se investigar sobre o tema da saúde dos moradores do Azevedo,

relacionando-o com a quinta premissa, apresentada no início deste capítulo, qual seja:

“A modernidade ocidental tenta evitar o drama da morte em seu cotidiano. Seja com a

profissionalização das estruturas médico-hospitalares e cemiteriais, seja pelo esforço do

‘sempre novo’ da era do consumo. Sendo assim, é possível que o lixo apareça (ao

remeter à degenerescência das produções e do corpo) como ameaça desse esforço de

esquecimento da morte, devendo ser por isso mantido, afastado e neutralizado. Também

se escamoteiam outros aspectos da vida que possam ter a mesma função. Doentes,

velhos, miseráveis, inválidos, áreas decadentes merecem ser igualmente encarados

como indesejáveis e portanto devem ser evitados.”

A seguir, são apresentadas algumas considerações a respeito da presença de pessoas

idosas em algumas residências e da relação estabelecida entre estas e o restante da

família.

O primeiro item a ser observado diz respeito ao constrangimento que essas presenças

causavam. Foram observadas duas atitudes muito explícitas: os idosos queriam se

mostrar e, de alguma forma, participar da situação, muitos inclusive queriam falar nas

entrevistas. Enquanto que os demais membros da família que participavam da cena

queriam escondê-los e se irritavam com a interferência. Tentavam se desculpar e

procuravam terminar a entrevista o mais rápido possível.

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Esse sentimento de vergonha e mal-estar também se apresentava quanto ao cômodo

onde o idoso ficava. Foi observado que em todas as residências onde havia a presença

de um idoso, eles estavam restritos a um quarto muitas vezes pouco iluminado, com

mau cheiro e carecendo de organização.

Percebeu-se que essa forma de tratar a questão não era impune. Havia um desconforto e

um mal-estar com essa atitude. Porém, esses sentimentos não conseguiam produzir um

efeito de mudança na forma de tratar a situação. Por vezes, foi explícito nas entrevistas

esse sentimento de angústia por não saber o que fazer com aquele ser que, apesar de

amado – dava tanto trabalho. Se pudessem gostariam de não viver essa situação. Não

sendo possível, cabia resignar e tentar evitar ao máximo o contato, principalmente

diante de “visitantes”.

Cabe ressaltar que é mantido o anonimato dessas famílias e, por essa razão, elas não

foram localizadas geograficamente. Portanto, não foi possível relacionar esse dado com

os demais, ficando somente o registro da relação estabelecida nesse quesito.

Esse é um exemplo da apresentação “do resto” enquanto impossível de não se viver,

mas extremamente desconfortável e que exige constantemente trabalho (ilustrando a

diferença apontada no Capítulo 2 – Seção 2.1.1.2 deste trabalho entre rejeito e resto.

Também se pode pensar esse exemplo como ilustração de outros aspectos da teoria tais

como os abordados no Capítulo 2 – Seções 2.2.3 e 2.2.4).

Quanto aos hábitos de higiene, conforme pode ser observado no gráfico da Figura 28,

54% dos entrevistados afirmaram que escovam os dentes uma vez por dia; 19%

afirmaram que escovam duas vezes por dia; 15% afirmaram que escovam três vezes; e

12% não escovam os dentes porque não os possuem. A utilização de fio dental e a visita

periódica ao dentista para limpeza e/ou tratamento não são praticadas na região.

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Figura 28 – Frequência da escovação dental.

Quanto ao hábito de tomar banho, todos os entrevistados afirmaram positivamente,

variando, porém, quanto à frequência. A maioria (87%) toma um banho diário e os

demais (13%), duas vezes por dia, como mostrado no gráfico da Figura 29. No que se

refere aos itens de higiene utilizados no banho, todos compram produtos

industrializados, ninguém mais fabrica produtos de higiene e cosméticos. Esse é um fato

relevante, tendo em vista que a região já foi conhecida por produzir itens feitos com

ervas medicinais e aromáticas. Além desses produtos, outros eram feitos em casa, tais

como pomadas e unguentos, segundo relatos dos mais velhos (conforme abordado na

caracterização da área de estudos, no Capítulo 3 – Seção 3.3 deste trabalho). Mas essa

tradição se perdeu e atualmente todos preferem comprar sabonetes e xampus no

“supermercado da cidade”. Uma das consequências desse comportamento, além de se

perder uma tradição, é o aumento da produção de resíduo inassimilável, ao contrário do

que acontecia num passado recente.

Figura 29 – Frequência do banho.

Com relação às perguntas quanto à higiene, cabe ressaltar que elas causaram algum tipo

de mal-estar: tanto os entrevistadores quanto os entrevistados se sentiram incomodados

e constrangidos ao tocarem nesses temas. E pôde-se notar que muitos responderam de

forma irreal a essas questões: disseram o que seria o esperado, ou o ideal, mas nem

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sempre era real. Por exemplo, quando perguntados sobre banho ou escovação dos

dentes: ninguém afirmou não tomar banho diariamente ou não escovar os dentes e, em

determinadas situações, havia fortes evidências que isso não acontecia. Inclusive a

equipe de entrevistadores contou com a presença de uma dentista que chamou a atenção

para o estado precário dos dentes de muitos entrevistados.

A partir dessas informações, pode-se constatar que existe uma compreensão do que se

deve fazer com relação aos “bons hábitos” tanto do corpo quanto do ambiente, mas eles

não são praticados e afirmar publicamente isso não é agradável. Esse desconforto é

compartilhado por todos os envolvidos na situação. Mas, ao mesmo tempo, observa-se

que existe uma condescendência de todos quanto a isso que se considera “errado”.

Portanto, há um mal-estar por não praticar o correto e o esperado, mas não parece haver

intenção de mudança da situação. Será que a condescendência de todos para com o

incorreto é relativa a uma cultura permissiva? Ou será esse um dado de estrutura o que,

portanto, o torna universal?

Cabe indagar: por que não se faz o que se supõe correto, visto que fazer o incorreto

causa mal-estar? A psicanálise aponta para essa importante questão a ser considerada ao

se pensar a gestão dos resíduos, pois se um sujeito não toma banho ou não escova os

dentes, mesmo que isso lhe cause vergonha e mal-estar, é de se esperar que ele também

não consiga cuidar do seu lixo da forma como deveria.

A seguir, é apresentado o resultado do levantamento quanto à procedência dos

entrevistados e outros aspectos da relação deles com o lugar.

Quanto à procedência dos entrevistados, tem-se que 63% nasceram na região, 33%

vieram de outros lugares e 4% não responderam a essa questão. Esses outros lugares são

muitas vezes localidades vizinhas. Quando indagados sobre a trajetória das famílias, de

onde vieram e há quanto tempo estão na região, a maioria dos entrevistados não possuía

essas informações.

Ao serem indagados a respeito da existência de planos futuros na região, somente

13% respondeu não possuir planos, conforme pode ser observado no gráfico da Figura

30. A intenção era investigar o vínculo do entrevistado e de seus familiares com a

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região, norteando-se pela seguinte hipótese: se um sujeito faz planos num lugar, ele tem

intenções de cuidar desse local, pois pretende permanecer lá por muito tempo; se não

intenciona ficar, é natural que não se importe em cuidar. Essa hipótese é abordada no

Capítulo 2 – Seção 2.2.5 desse trabalho.

Figura 30 – Planos futuros na região.

Como a maioria (87%) possui planos futuros na região, caberia saber se viver no

Azevedo era uma escolha, se estavam satisfeitos ou se seria uma falta de opção. A

questão proposta para essa investigação foi a valoração do grau de satisfação em viver

na região. As respostas a essa questão mostram que a grande maioria está bastante

satisfeita em viver na região (84% das notas foram iguais ou maiores que 8, de 0 a 10);

somente uma pequena parcela (10%) respondeu que não é satisfeita e que está ali por

circunstâncias alheias à sua vontade; 6% se absteve de responder.

Na Figura 31 é apresentada a representação da distribuição espacial dos graus de

satisfação dos entrevistados em viver na região. Para essa representação as notas dadas

pelos entrevistados foram convertidas em níveis de satisfação da seguinte forma: as

notas 1, 2 e 3 foram consideradas “péssimo”; 4 e 5 “ruim”; 6 e 7 “bom”; 8 e 9 “muito

bom”; e 10 “ótimo”.

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Figura 31 – Distribuição espacial do nível de satisfação em viver no Azevedo.

Como pode ser observado na distribuição espacial dos níveis de satisfação de viver na

região, ilustrada na Figura 31, o resultado coincide com os demais resultados da pesquisa

como um todo, ou seja, novamente os lugares que foram “valorados” como ótimo/muito

bom e bom são os mesmos: a região do condomínio e da igreja. As piores avaliações

foram dadas pelos entrevistados da região do sopé da serra e do arvoredo, seguidos pela

região do norte (ruim/péssimo). As demais ficaram com uma avaliação mediana

(bom/ruim). Nesse aspecto, cabe ressaltar mais uma relação estabelecida entre resíduos,

restos, e a influência nos modos de vida e nos vínculos sociais, e como eles se traduzem

numa cultura local. As representações dos níveis de satisfação com um lugar e dos

demais aspectos relevantes considerados nos parágrafos anteriores deste capítulo

apontam para a conexão existente eles. Essa percepção pode ser fundamentada e

fundamentar-se (de forma moebiana, como a banda de Moebius citada no Capítulo 2 –

Seção 2.2.1) no modelo conceitual apresentado na metodologia (Capítulo 4 – Seção

4.3).

Para considerar um lugar bom para se viver, é importante que ele tenha o que cada um

considera essencial. Portanto, a pesquisa incluiu questões a respeito de bens de consumo

e os resultados sobre esses quesitos são apresentados a seguir.

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Quanto ao tipo de casa, com relação ao material utilizado na sua construção, tem-se que

a grande maioria das casas (88%) é de alvenaria; somente uma pequena parcela (12%) é

de pau a pique ou adobe (Figura 32). É importante ressaltar que essa região, segundo

relato de alguns moradores mais antigos, era caracterizada por conter excelente argila e

a arte de construir com terra era muito praticada (no Capítulo 3 – Seção 3.3 esse tema

foi citado). Pelo resultado da pesquisa nota-se que também essa tradição está se

perdendo.

Figura 32 – Tipos de casas quanto ao material de construção.

Quanto à infraestrutura, 92% dos entrevistados possuem energia elétrica. Quanto ao

saneamento básico; 77% jogam seu esgoto em fossas negras no quintal.

A água de todos, para consumo humano e demais usos, vem das nascentes na serra e é

avaliada por todos como de ótima qualidade, apesar de não manter a quantidade durante

todos os meses do ano, diminuindo durante o período de estiagem (maio a setembro).

Segundo um morador do Azevedo: “A cada ano ela vem secando cada vez mais durante

os meses de seca (de maio a setembro). Isso se deve às queimadas frequentes na serra e,

consequentemente, nas nascentes. Muitas dessas queimadas se devem ao fato de

queimarem o lixo e perderem o controle do fogo. Mas a grande maioria não se dá conta

dessa associação entre fogo no lixo e diminuição da água.”

Quase todas as casas possuem banheiros dentro de casa (94%), ao contrário do que se

usava antes, quando os banheiros eram construídos do lado de fora de casa. A maioria

possui chuveiro (88%) e vaso sanitário (85%), conforme mostrado no gráfico da Figura

33. Alguns entrevistados moram em casas geminadas (na casa dos pais) e por isso não

possuem banheiro próprio. Todos aqueles que possuem chuveiro informaram possuir

água quente para o banho. Com base nessas informações, pode-se concluir que a região

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hoje possui um “bom” nível de saneamento básico e, quanto aos quesitos que envolvem

água, não existe problema.

(a) chuveiro (b) vaso sanitário

Figura 33 – Banheiros com: (a) chuveiro; (b) vaso sanitário.

Quanto à cozinha, 87% dos entrevistados informaram que possuem fogão a gás e 58%

têm também fogão à lenha; 88% possuem geladeira. A maioria possui mesa (83%),

apesar de quase não a utilizarem para fazer as refeições; somente 21% afirmaram usá-la

para as refeições. Esses dados são mostrados nos gráficos da Figura 34. Isso indica que

também no que diz respeito à cozinha os moradores do Azevedo vivem de forma

confortável.

(a) fogão a lenha (b) geladeira (c) mesa

Figura 34 – Itens presentes na cozinha: (a) fogão a lenha; (b) geladeira; (c) mesa.

Relacionando os hábitos em torno da alimentação, a produção de resíduos sólidos, e os

modos de vida, pode-se dizer que no Azevedo se mantêm alguns hábitos rurais, como o

uso do fogão à lenha e o hábito de comer “com o prato na mão” (não assentado à mesa),

como foi relatado por entrevistados.

A presença do fogão à lenha imprime um modo de vida característico da zona rural. Isso

marca as relações sociais e o trato com alguns dos resíduos sólidos produzidos na casa,

tais como folhas secas, resto de madeira e de papel que são queimados no fogão.

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Enquanto a queima se dá, eles se reúnem em torno do fogo e conversam sobre o dia,

reforçando assim os vínculos sociais.

Outro item que marcou a produção de resíduos sólidos pelas famílias no Azevedo foi a

presença da geladeira na grande maioria dos lares. A partir do uso da refrigeração, a

relação com os alimentos mudou. Isso também altera a produção de resíduos sólidos, ao

contribuir para a conservação dos alimentos, diminuindo assim o desperdício. Há menos

de 30 anos, não havia geladeira nas casas e foi relatada a dificuldade em manter a

comida sem a refrigeração, causando desperdício. Portanto, apesar de alguns hábitos

antigos ainda imperarem e nortearem os modos de vida, outros estão bastante mudados

e colocam o Azevedo em semelhança com o meio urbano.

Ainda quanto aos itens presentes na casa, investigou-se sobre a presença de televisão,

rádio, telefone e computador: 87% dos entrevistados possuem televisão e 79% possuem

rádio, sendo essas as principais formas de “contato com o mundo”, visto que poucos

possuem telefone (29%) e menos ainda possuem computador (6%). Essas informações

estão representadas nos gráficos da Figura 35.

(a) televisão (b) rádio (c) telefone (d) computador

Figura 35 – Percentagem de casas com: (a) televisão; (b) radio; (c) telefone; (d) computador.

Segundo informações dadas pelos entrevistados, os sinais de televisão e telefone não

são estáveis e a conexão com a internet se dá somente com antena própria. Isso indica

que, apesar das conquistas e dos novos hábitos e costumes, o Azevedo (devido em parte

à sua localização geográfica – incrustado nas montanhas), ainda tem dificuldades para

estar “conectado com o mundo”. Alguns afirmam que isso é péssimo, em geral os mais

jovens, outros acham que não é tão ruim assim, pois preserva um pouco dos costumes

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rurais e da convivência (“... quando a televisão não está pegando a gente conversa

mais”, diz um senhor).

Sobre a influência da televisão em relação aos resíduos, as mudanças ocorridas a partir

de sua chegada à comunidade (fato que não se deu há muito tempo atrás), foram

colhidos alguns depoimentos sobre esse tema nas entrevistas. Na avaliação das

respostas quanto a isso, alguns responderam que sim, mudou bastante, pois com os

comerciais eles passaram a querer comprar o que antes não sabiam que existia. Uma

senhora exemplificou com o uso do “amaciante de roupa”, dizendo: “Eu lavei roupa

minha vida inteira, aprendi com minha mãe, que aprendeu com a mãe dela. Nunca usei

essa modernidade. Uma vez a minha filha trouxe de presente. Pronto! Não quero mais

não ter ele”. Outro senhor expressou mais ou menos a mesma opinião sobre as

propagandas de carro.

Pode-se dizer a lógica de consumo do “mundo globalizado” e do discurso capitalista

está presente no Azevedo e isso não é impune. Como abordado anteriormente no marco

teórico (Capítulo 2 – Seções 2.2.1, 2.2.2.e 2.2.3), uma sociedade governada pela lógica

de consumo produz resíduos diversos além do lixo. A partir da análise da produção dos

resíduos, pode-se acompanhar as mudanças ocorridas ao longo do tempo numa

comunidade. Isso ilustra a premissa: “a importância de se considerar os resíduos sólidos

na vida e na história da civilização”.

Para finalizar as considerações sobre as moradias e seus itens, destaca-se que quase 46%

das casas do Azevedo são inacabadas por fora, muitas delas não possuem reboco ou,

quando rebocadas, falta pintura, parecendo que estão sempre em construção. Os

entrevistados com casas nessa situação alegaram a falta de dinheiro para concluir o

acabamento. Mas observou-se que esse não é um item privilegiado, apesar de muitos

afirmarem a vontade de ter uma casa “bonita, pintada”. Pintura na casa parece, na fala

de entrevistados, ser sinônimo de cuidado e riqueza.

Diante disso, pode-se indagar: se gostam e querem uma casa bonita por que não

priorizam isso? Será que existe uma relação entre a aparência “descuidada” da casa em

seu exterior, o descuido com outros aspectos da vida, por exemplo, do corpo ou do

entorno e os resíduos sólidos? Neste trabalho, com base nos dados e informações

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obtidos, pode-se dizer que sim, que pode haver uma relação entre esses itens que se

referem ao cuidado, ao bem-estar, à estética e à relação com os resíduos e restos. Nesse

contexto, pode-se considerar a lógica apontada pela psicanálise, na medida em que

aparece claramente algo enigmático e sem um aparente sentido nesses hábitos que

introduzem um aspecto de inacabado nas casas e, consequentemente, nas vidas das

pessoas dessa comunidade.

A seguir, são apresentados os dados e informações sobre crença religiosa. Com base nas

entrevistas, tem-se que 94% dos entrevistados têm alguma crença.

Na comunidade existem duas igrejas: uma evangélica, instalada há oito anos; e uma

católica, esta antiga na região (aproximadamente 80 anos). Em ambas, a comunidade se

reúne frequentemente para celebrações e festejos religiosos, o que caracteriza que essa é

uma comunidade de pessoas religiosas. É fácil constatar quando ocorreu festa em uma

das igrejas, devido aos “restos” que ficam nos dias seguintes. Os resíduos ficam

espalhados no entorno das igrejas, os quais são restos de festa que não serão facilmente

absorvidos pela natureza. Pode-se dizer que o fervor religioso não alcance esse tipo de

“pecado”: as proibições e as noções do que é “puro” ou “impuro” não se referem ao

cuidado com o meio ambiente (esse tema foi relacionado com as noções de rejeito,

pecado e morte, citadas no Capítulo 2 - Seção 2.1.1.2).

Quando indagados a respeito da paisagem da região, a maioria disse que “adora, acha

lindo, morre de amores, não viveria sem esse lugar”: 96% dos entrevistados a avaliaram

com notas iguais ou maiores que oito (de 0 a 10).

Seria pertinente perguntar: se gostam do lugar onde vivem e se o consideram especial,

por que cuidam mal dele?

Para pensar essa e outras questões apontadas na análise dos dados, cabe citar novamente

os conceitos abordados no marco teórico desta pesquisa sobre o resto. Foi dito que é

inerente ao sujeito (humano) a produção de restos, ou seja, sendo um dado de estrutura,

não há forma de não produzi-los. O resto aparece como resíduo da linguagem; quando,

por exemplo, um sujeito diz algo a outro e alguma parte do que foi dito não chega a ser

transmitido nem para o ouvinte nem mesmo para o próprio falante, fica algo perdido.

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Isso foi registrado nas entrevistas em diversos momentos, por exemplo, quando muitos

dos entrevistados não compreendiam (como pretendia os entrevistadores) o conceito de

resíduos orgânicos e, portanto, não respondiam adequadamente questões a respeito

desse tema. Como algo estranho e familiar simultaneamente, no Capítulo 2 – Seção

2.1.1.2 deste trabalho foi dito que o estranho/familiar seria algo que deveria ter

permanecido oculto, mas veio à luz. Isso foi confirmado em vários momentos das

entrevistas, por exemplo, quando os entrevistados que moravam perto das lixeiras se

mostravam incomodados por estarem na presença do lixo; e também quando com a

presença dos idosos em algumas casas.

Tem-se ainda o resto como ligado aos objetos caducos (que quando perdem sua

importância “caem”), e ao que foi descartado pela consciência e que reaparece como

enigmático; e, por fim, o resto como uma falta estrutural do sujeito, que demanda

constante trabalho.

Convém ressaltar que a psicanálise se ocupa do tratamento desses restos, tratando de

maneira diferente o sujeito e assim pensar a cultura, ou seja, não retroceder diante da

angústia e do mal-estar.

O resto para a psicanálise é sempre visto como algo que pulsa e impulsiona em direção

ao vivo. A lógica analítica privilegia, como foi salientado, a escuta disso que se

pretende deixar de fora para que o enlace social se faça.

Por esse prisma, ao final dessa análise, pode-se perceber que os moradores do Azevedo

cuidam de suas matas, de suas águas, de suas estradas e caminhos, da mesma forma que

cuidam de suas casas, de seus quintais e de seus corpos, de seus relacionamentos e

vínculos sociais e também de seus resíduos sólidos, de seus rejeitos e restos. Eles

sabem, como os outros habitantes de outros lugares, o que seria correto, o ideal a se

fazer. Sabem que, se fizerem tudo o que devem fazer, serão felizes e não se sentirão

constrangidos ou com mal-estar.

Mas não é assim que as coisas acontecem nem no Azevedo nem em nenhum lugar onde

vive um ser humano dito “normal, o homem ordinário” citado por Certeau (2011, p. 58),

o “sujeito neurótico” da psicanálise.

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Assim, pode-se concluir que os sujeitos não vivem para cumprir o ideal. Como disse

Freud no texto “O mal-estar na civilização” (FREUD, 1974c, p. 95): “Ficamos

inclinados a dizer que a intenção de que o homem seja feliz não se acha incluída nos

planos da Criação”.

Cabe, portanto, a esta pesquisa apontar alguns aspectos relevantes a serem considerados

no trato com os resíduos sólidos, sem, contudo pretender fazer uma apologia ingênua do

ideal.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O mundo só é real no modo como cada um imprime sobre ele sua própria sensibilidade. Cada pessoa vê a terra de acordo com a sua capacidade.”

(COWAN, 1999)

Neste capítulo procura-se elucidar a lógica adotada neste trabalho, considerando e

valorizando a multiplicidade de saberes envolvidos no processo. Lançou-se mão de

algumas áreas do conhecimento: a cartografia, o geoprocessamento, a modelagem de

sistemas ambientais, e a teoria dos resíduos sólidos. A isso se acrescentou o saber da

psicanálise, cuja lógica possibilita considerar o que não é apresentado de forma explícita

e que pode, então, revelar outros elementos que nos colocam em direção ao cerne da

questão.

As conclusões apresentadas a seguir levam em consideração a hipótese levantada, ou

seja: a forma como uma pessoa lida com o “lixo” ou seus “resíduos” é marcada pela

relação que ela estabelece com os seus “restos psíquicos”, e isso, por sua vez, influencia

os modos de vida que se estabelecem numa região e é por eles influenciado.

Diante disso foi proposto como objetivo geral elaborar um modelo de análise

qualitativa, visando ampliar a abordagem do tema dos resíduos sólidos, utilizando

“ferramentas” da análise e modelagem ambiental e do geoprocessamento. Para

considerar as influências dos resíduos nos modos de vida e na cultura da região utilizou-

se da lógica psicanalítica e do conceito de resto em psicanálise.

Foi proposto como objetivos específicos fornecer subsídios para formulação de políticas

públicas pelos órgãos competentes no que se refere à gestão dos resíduos sólidos em

zona rural em área de preservação; contribuir para uma melhor compreensão do perfil

do lugar, tendo como eixo condutor a destinação dos resíduos sólidos; compreender a

questão do “resto”, como ele está constituído e como ele se traduz numa cultura local

em relação aos vínculos sociais.

O modelo de análise proposto e utilizado neste trabalho foi apresentado no Capítulo 4 e

sintetizado na Figura 4.

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Quanto à compreensão do perfil do lugar, tendo como eixo condutor os resíduos sólidos,

pode-se considerar que um sujeito se define por seus rastros, suas pegadas, pelas marcas

que ele deixa por onde passa. Só se chega a compreender a estrutura de um sujeito pelas

escolhas que ele faz e pela forma como sustenta essas escolhas. É a elas que se pode

associar a produção de resíduos, visto serem eles frutos do consumo e, portanto, do que

se escolheu. Assim se associam lixo e memória, esta como um rastro do passado. O que

se fez nesta pesquisa foi procurar esses rastros na comunidade. Através de seus esgotos,

aterros, lixões, pode-se saber como de fato foi aquela sociedade. Como realmente as

pessoas viveram; o que valorizaram; o que descartaram; os hábitos que tiveram, aquilo

que se escondeu e o que se revelou.

Por todos os quintais visitados, a presença dos resíduos sólidos se fez notar. A maioria

dos resíduos encontrados foi proveniente de alimentos industrializados ou produtos de

higiene. Isso denuncia uma mudança de hábitos que marca o meio rural. Ou seja, as

pessoas no campo por vezes estão preferindo comprar os alimentos ou produtos em vez

de produzí-los ou prepará-los, propiciando o surgimento de um ciclo de artificialidade

que por ora se transmite para as novas gerações. Com isso, o consumo se instala como

algo almejado e desejado.

A “era do consumo” marca as famílias de várias maneiras. Por exemplo, nas

construções das casas (a região já foi conhecida pelas construções de “arquitetura de

terra” – adobe, pau a pique); no desconhecimento das técnicas de compostagem para

aproveitamento dos resíduos sólidos orgânicos (técnica quase não mais praticada pelas

famílias entrevistadas). A produção de composto na região pode resgatar hábitos e

modos de vida, além de criar solos férteis para plantar. Por meio desse procedimento, as

famílias podem reiniciar um novo ciclo de relação com a terra, bem como com a

produção e o consumo. Ao se reciclar um tipo de resíduo, pode-se abrir o

questionamento a todos os tipos de “lixo” produzidos na propriedade e, com isso,

questionar também os valores e hábitos da família que levam à produção desse lixo, ou

seja, ao consumo.

Por sua vez, questionados os hábitos de consumo, talvez seja possível alterar os modos

de inserção na cultura e no mundo. Se não for essencial “consumir cada vez mais para

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ser feliz”, as famílias talvez possam se estruturar de outras maneiras. Os valores mudam

de acordo com o que se almeja. Uma gama de fatores psíquicos, sociais e históricos, nos

quais o sujeito humano se insere, determina a produção do valor e, logo, do desejável.

Pode o poder público, associado às organizações de base (sindicatos, cooperativas,

associações de moradores) e às instituições civis (partidos políticos, escola, igrejas),

fazer frente a esse imperativo do consumo? Será possível, ao lado da ordem financeira,

baseada nas trocas monetárias, ressurgir outras trocas?

A psicanálise nos permite traçar uma relação entre os atos, suas origens e

consequências. Juntamente com outros campos do conhecimento, ela pode enfocar,

além do sujeito, também um povoado, uma comunidade, uma região. O saber

psicanalítico permite ler para além do que está dito, e sobretudo nos convida a ver

principalmente o que não está dito, mas marca um lugar de mal-estar. A psicanálise é

um saber que se ocupa disso, não para escondê-lo, recalcá-lo, mas de modo a dar

tratamento a ele.

Esse mal-estar ficou evidente em muitos trechos das entrevistas. Quanto aos

entrevistadores (ainda que fossem moradores da região) eram considerados como

visitas, e existe uma clara diferença entre os que são “de fora e os de casa”. Para uns,

não existe pudor em mostrar sua intimidade e, consequentemente, seus “lixos”. Para

outros, constrói-se uma fachada de bons hábitos. Isso dificulta o avançar do tema na

região, pois ninguém se responsabiliza pelo “malfeito”. Por exemplo, quando foram

analisadas as relações entre lixo, escolaridade e vínculos sociais, através do cruzamento

dos dados e da análise dos mapas, ficaram evidentes as ambiguidades e o que se queria

mostrar ou esconder. Concluiu-se que também, no Azevedo, as pessoas escondem o que

não acham correto. O mal-estar por fazerem algo considerado errado, no entanto, não as

impede de continuar fazendo.

Foram levantadas algumas hipóteses sobre o relacionamento das pessoas com o que é

considerado ruim e vergonhoso (por exemplo: a relação com os idosos em casa, o ato de

jogar lixo no rio, produzir lixo orgânico etc.). No caso de uma comunidade, essa escuta

seria impossível sem o cruzamento dos dados que fazem surgir as informações não ditas

de forma explícita, mas deixadas nas entrelinhas do discurso.

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Outro exemplo em que foi possível constatar tal fato refere-se ao tema da renda mensal:

observou-se que na região existe uma homogeneidade quanto à renda, o que faz supor

que não existam grandes diferenças econômicas. Essa situação fornece um perfil

semelhante em toda a comunidade quanto a possibilidades de consumo. Isso, inclusive,

pode dar a impressão de que a comunidade seja “pobre”, tendo em vista os valores da

renda mensal (quase todos ganham até três salários mínimos) e alguns dos hábitos e

costumes existentes (quanto à estética das moradias, por exemplo). Porém, uma análise

mais pormenorizada de outros itens forneceu informações complementares, que indicam

a real situação.

Trata-se de uma comunidade que possui um bom nível de vida, a julgar, por exemplo,

quanto ao saneamento básico, à moradia, incluindo bens de consumo e alimentação. Por

ali ninguém passa fome, pois não há escassez de alimento. Isso indica que seria

possível, com as novas gerações, desenvolver e resgatar antigos hábitos alimentares

perdidos, haja vista ser o cuidado com a alimentação uma preocupação da região.

Apesar da homogeneidade aparente, existem diferenças importantes entre as famílias.

Essas diferenças devem ser consideradas na proposição de ações.

A última premissa constituída na análise dos dados (Capítulo 5), alerta para a

importância de “um saber-fazer na situação, ou seja, dar tratamento aos seus restos”.

Esse é o caso do propósito desta pesquisa: fazer uma análise holística de dados

qualitativos e quantitativos, tendo como fundamento a análise e a modelagem

ambiental. Por meio da utilização de modelos organizou-se os dados em relatórios,

mapas e planilhas, propiciando melhor aproveitamento desses dados por profissionais

de diversos setores, e trazendo uma orientação quanto ao que fazer na área de estudo,

não só quanto ao problema dos resíduos sólidos, mas também quanto à situação

socioeconômica ambiental. Um saber-fazer na situação do Azevedo passa por uma

implicação maior da comunidade no trabalho que irá produzir um saber sobre eles

próprios – afinal, só um sujeito (e a comunidade é o sujeito nessa situação) pode dizer o

que é bom para si.

Quanto aos objetivos específicos, pode-se dizer que diversas informações obtidas

podem servir para orientar o poder público e associações comunitárias, visando à

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construção de políticas públicas para a implantação de planos de gestão dos resíduos

sólidos na região, quanto: a coleta (inclusive a seletiva); ao aproveitamento dos resíduos

sólidos orgânicos para produção de compostos, em conformidade com as exigências de

sustentabilidade previstas em área de preservação; à educação ambiental (oficinas e

cursos para os alunos das escolas públicas do município sobre a relação entre o sujeito e

seus descartes e a necessidade de mudança de hábitos – como o de queimar o lixo).

Com resultados obtidos nessa comunidade acredita-se que seja viável aplicar os

preceitos em outras localidades no município de Moeda e também em outros municípios

com preocupações ambientais. Com isso, espera-se fazer avançar as discussões e

soluções sobre o problema contemporâneo e urgente do trato com os resíduos sólidos.

Dessa forma, visa-se que um novo jeito de fazer se institua por meio dessa parceria que

envolve saberes diversos e por vezes vistos como antagônicos. Esses saberes podem ser

colocados a serviço da comunidade e, assim, as propostas e projetos de atuação

ambiental têm a chance de se tornarem mais eficazes.

Cabe afirmar que obter informações através do lixo, e não só de dados puramente

quantitativos, é tarefa das mais valiosas e difíceis. E que, ao final, se possa dizer como

Edgar Morin (2007, p. 29): “[...] que possamos fazer o impossível se tornar possível

para que o possível não se torne impossível”.

Como sugestões para futuros trabalhos têm-se:

• investigar as relações entre vida social e produção de resíduos, através do tema

das visitas (quanto ao tempo de permanência, ao hábito alimentar em “dias de

festa” etc.); as relações entre relacionamentos sociais e grau de escolaridade; o

conceito de lixo para os habitantes da região em investigação, bem como sobre

quanto produzem de lixo por dia (e as variações entre os dias de trabalho e os

finais de semana ou feriados);

• pesquisar a influência da televisão em relação aos resíduos, as mudanças

ocorridas a partir de sua chegada na comunidade;

• acompanhar, por uma temporada, o cotidiano de algumas famílias com

situação de “boa qualidade de vida com produção de subsistência” e outras

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com situação contrária, observando principalmente os hábitos de consumo e a

produção de resíduos, visando relatar, de forma comparativa, os efeitos dos

modos de vida em diversos aspectos (como por exemplo na alimentação, na

saúde, na educação, na relação com os vizinhos, na religiosidade etc.).

• pesquisar as mudanças ocorridas a partir da análise da produção dos resíduos

sólidos ao longo do tempo numa comunidade, visando o resgate da memória

do local, bem como à demonstração da importância dos resíduos sólidos

enquanto instrumento de pesquisa histórica e cultural.

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A APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO SOBRE O PERFIL DOS MORA DORES DE AZEVEDO – MOEDA – MG

Questionário “Perfil Moradores de Azevedo – Moeda”

Local: _______________________________________________ Data:____/____/____ Hora:____:____

1) Sexo: (..) Masculino ( ) Feminino

2) Estado Civil: ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Viúvo ( ) Separado(a) ( ) Outro: ______

3) Faixa etária: ( ) até 15 anos ( ) 16 a 21 anos ( ) 22 a 30 anos ( ) ( ) 31 a 50 anos ( ) cima de 51 anos

4) Qual a sua ocupação atual (quanto tempo)? __________ ( ) presença ( ) ausência Qual a ocupação anterior(quanto tempo)? ____________ ( ) presença ( ) ausência Ocupação da família? _____________________________ ( ) presença ( ) ausência Chefe da família? ________________________________ ( ) presença ( ) ausência Satisfação (0 a 10) ________

5) Grau de escolaridade: Básico ( ) Completo ( ) Incompleto Fundamental de 1ª a 4ª ( ) Completo ( ) Incompleto Fundamental de 5ª a 8ª ( ) Completo ( ) Incompleto Médio de 1º ao 3º ( ) Completo ( ) Incompleto Superior ( ) Completo ( ) Incompleto Sem escolaridade ( )

6) Renda mensal (familiar)? (salário mínimo R$545) ( ) até R$ 1.635,00 (3 salários) ( ) R$ 1.636,00 a R$ 2.725,00 (5 salários) ( ) R$ 2.726,00 a R$ 3.815,00 (7 salários) ( ) R$ 3.816,00 a R$ 5.450,00 (10 salários) ( ) acima R$ 5.451,00 (>10 salários)

7) Há outras fontes de renda? ( ) sim ( ) não Se sim, descreva: __________________________________________________________________

8) Descreva a composição familiar? (quantos moram na casa, quantos filhos, netos, sobrinhos, etc.) _________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________

9) Hábitos de higiene? (banho, escovação) Escovação: ( ) diária ( ) 2 vezes ( ) 3 vezes ( ) outro:____ Banho: ( ) diário ( ) 2 vezes ( ) 3 vezes ( ) outro:____

( ) quente ( ) frio utensílios do banho: ___________________________

Fabrica os produtos: ( ) sim ( ) não

10) Avaliação saúde 0 a 10: ________

11) Doença grave: ( ) presença ( ) ausência

12) Plano de saúde: ( ) presença ( ) ausência

13) Avaliação do Serviço Público de saúde 0 a 10? ______

14) Frequência no médico/dentista: ( ) quinzenal / ( ) ( ) mensal / ( ) ( ) bimestral / ( ) ( ) semestral / ( ) ( ) anual / ( ) ( ) raramente / ( )

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15) Crença religiosa: ( ) presença ( ) ausência E a família? ( ) presença ( )ausência

16) Movimento social: ( ) presença ( ) ausência E a família? ( ) presença ( ) ausência

17) Onde nasceu? ( ) na região ( ) fora E a família? ( ) na região ( ) fora

18) A quanto tempo mora no Azevedo? ___anos

19) Morte recente (quem, motivo, quando): ( ) presença ( ) ausência

20) Relação com vizinhança (0 a 10)?____________________________________________________

21) Relação com autoridades (0 a 10)? Político (0 a 10)? Professor (0 a 10)? ____________________

22) Relação com entidades (0 a 10)? _____________________________________________________

23) Como você avalia a escola (0 a 10)? __________________________________________________

24) Satisfação para viver no local (0 a 10)? _______________________________________________

25) Planos futuros no local? ( ) sim ( ) não

26) Planos futuros fora do local? ( ) sim ( ) não

27) Material da casa? ( ) alvenaria ( ) madeira ( ) outro: __________________________________

28) Tamanho da casa? ( ) muito pequena ( ) pequena ( ) média ( ) grande ( ) muito grande

29) Casa: ( ) própria ( ) alugada

30) Opinião a respeito da situação (0 a 10): ( ) águas ( ) matas ( ) paisagem

31) Organize as palavras: ( ) natureza ( ) pessoas ( ) animais ( ) trabalho ( ) família ( ) renda ( ) casa ( ) segurança ( ) outros: _________________________________

32) Divisão interna: ( ) quartos ( ) sala ( ) banheiros ( ) área de serviço ( ) cozinha ( ) outros: __________________

33) Acabamento: ( ) pintura ( ) piso ( ) portas ( ) janelas ( ) telhado ( ) outros: __________

34) Quintal: ( ) horta ( ) jardim ( ) roça ( ) vasos ( ) pomar

35) Animais: ( ) galinha ( ) porco ( ) cachorro ( ) gato ( ) vaca ( ) outros __________________

36) Mobiliário (dispositivo): − cozinha (fogão a gás, a lenha, geladeira, forno, eletrodomésticos, mesa, cadeiras, brancos,

armários) − quarto (cama, armário, cômoda, criado) - sala (televisão, rádio, telefone, computador − banheiro (chuveiro, aparelho eletrônico, vide, vaso sanitário, box (cortina)) − área de serviço (máquina de lavar, tanquinho maquina de secar, ferro elétrico de brasa) − livros - espelhos - enfeites - tapetes − roupa de cama (cobertor, colcha, lençol) 0 a 10? − roupa de banho (toalha de rosto, de corpo) 0 a 10? − roupa de mesa, jogo de bandeja etc.) 0 a 10?

37) Transporte: ( ) carro ( ) ônibus ( ) moto ( ) bicicleta ( ) outros ___________________

38) Hábitos alimentares: onde: ( ) mesa ( ) fora fartura (0 a 10) _____ variedade (0 a 10) _____ qualidade (0 a 10) _____ frequência: ( ) 1x ( ) 2x ( ) 3x ( ) 4x ( ) outra __________________________

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39) Infra-estrutura básica: luz elétrica: ( ) sim, desde ____ ( )não esgoto: ( ) sim, desde ____ ( ) não fossa: ( ) séptica ( ) comum ou negra disposição da fossa comum: ( ) rio ( ) quintal água: ( ) encanada ( ) bica ( ) cisterna origem água: ( ) fonte /nascente ( ) rio tratamento água: ( ) sim ( ) não fartura de água (0 a 10) _________ qualidade da água (0 a 10)______

40) Lixo: gesto e palavra: ______________________________________________________________ Produção diária: ( ) opção 1 ( ) opção 2 ( ) opção 3 Descrição: ( ) orgânico (comida, restos de plantas, fezes) ( ) papel ( ) garrafa pet ( ) lata ( ) embalagens ( ) vidro ( ) plástico ( ) outros

41) Relação com lixo: Relato da memória que se tem: (como era, até quando, porque mudou etc.) Avaliação (0 a 10): para você: ____ para região: _____ Melhorou? ( ) sim ( ) não Pq? _____________________________________________________________________________

42) Destinação do lixo: ( ) compostagem ( ) alimentação animal ( ) queima ( ) lixeira pública ( ) rio

43) Desenvolvimento social: Descreva hábitos da família relacionados a pontos de visita/lazer/atrativos turísticos regionais. (onde, quando, quem) _______________________________________________________________

44) Você/sua família recebe visitas? ( ) sim ( ) não ( ) quinzenal ( ) mensal ( ) bimestral ( ) semestral ( ) anual ( ) raramente

45) Saberes locais (culinária, artesanato, outros): __________________________________________

46) Outros hábitos sociais? ____________________________________________________________

47) Saberes locais (culinária, artesanato, outros) __________________________________________

48) Você tem alguma sugestão para melhoria do bairro? _________________________________________________________________________________

49) O que significa a palavra Serra da Moeda para você?

_________________________________________________________________________________

50) Onde começa e onde termina o Azevedo?

_________________________________________________________________________________

51) Onde é o centro do Azevedo?

_________________________________________________________________________________

52) Como você avalia a estrutura do Azevedo? (principalmente em relação ao asfalto)

_________________________________________________________________________________

53) Qual a relação de Azevedo com a Serra da Moeda para você?

_________________________________________________________________________________

54) Quais os principais problemas de Azevedo e se você pudesse o que você mudaria?

_________________________________________________________________________________