Analise Batismo Infantil Nozima
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HELDER NOZIMA PEREIRA
UMA ANLISE HISTRICO-TEOLGICA DO BATISMO INFANTIL
BRASLIA 2006
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HELDER NOZIMA PEREIRA
UMA ANLISE HISTRICO-TEOLGICA DO BATISMO INFANTIL Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia do Seminrio Presbiteriano de Braslia, como requisito parcial obteno do grau de bacharel. Orientador: Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa.
BRASLIA 2006
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TERMO DE APROVAO
O BATISMO INFANTIL: PRTICA BBLICA OU RESQUCIO DO CATOLICISMO ROMANO?
Por
HELDER NOZIMA PEREIRA Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Teologia do Seminrio Presbiteriano de Braslia, como requisito parcial obteno do grau de bacharel, sob avaliao da seguinte banca examinadora: ___________________________________________________________ Rev. Osvaldo de Oliveira Reis ____________________________________________________________ Rev. Luciano Carneiro Ximenes ____________________________________________________________ Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa Orientador: Prof. Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa.
Braslia, 02 de outubro de 2006
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iv
Dedico esta monografia:
Ao Deus nico, o qual me escolheu antes dos tempos eternos, enviou o Seu Filho para morrer em meu favor, selou-me com o Seu Esprito e me separou para o ministrio. A
Ele toda a honra e toda a glria!
Aos irmos da lista Cristos Reformados, em especial o Pb. Anamim Lopes Silva, e ao Rev. Marcos Alexandre dos Reis Guimares Faria, que me conduziram ao
presbiterianismo.
minha famlia, pelo apoio, cuidado e incentivo para que eu chegasse at aqui. Obrigado pelas suas oraes! Amo vocs!
Luciane Oliveira Bertulino.
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AGRADECIMENTOS
Quero comear agradecendo ao Senhor. Ele a razo deste trabalho, e sem a Sua
permisso, no poderia conclu-Lo. Que esta monografia sirva para o engrandecimento
de Seu Santo nome.
Agradeo tambm ao Rev. Geraldo Henrique Lemos Barbosa, pelo amor e
pacincia com que orientou as minhas leituras.
No poderia deixar de me lembrar da reviso feita pela minha namorada,
Luciane Bertulino, que, pacientemente, leu este trabalho. Deixo a ela a minha gratido.
Agradeo tambm aos meus colegas de Seminrio pelo apoio e incentivo. Foi
muito bom poder caminhar com vocs nestes anos.
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SUMRIO
RESUMO............................................................................................................ vii
INTRODUO.................................................................................................. 01
1) A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTRIA......................................... 03
1.1) Antecedentes........................................................................................... 03
1.2) No Novo Testamento.............................................................................. 04
1.3) No Perodo Patrstico.............................................................................. 05
1.4) Na Idade Mdia....................................................................................... 08
1.5) Na Reforma Protestante.......................................................................... 09
1.6) No Perodo Puritano................................................................................ 13
1.7) Na poca Atual....................................................................................... 14
2) O PONTO DE VISTA CATLICO ROMANO.......................................... 16
2.1) Definio de Sacramento............................................................................. 16
2.2) Evoluo do Conceito de Sacramento......................................................... 18
2.3) Definio de Batismo.................................................................................. 21
2.4) Viso Bblico-Teolgica do Batismo.......................................................... 22
3) O PONTO DE VISTA BATISTA.................................................................. 26
3.1) Batismo: Sacramento ou Ordenana?.......................................................... 26
3.2) Definio de Batismo.................................................................................. 27
3.3) Viso Bblico-Teolgica do Batismo.......................................................... 28
3.4) Argumentos Contra O Pedobatismo............................................................ 34
4) O PONTO DE VISTA REFORMADO.......................................................... 45
4.1) Definio de Sacramento............................................................................. 45
4.2) Definio de Batismo.................................................................................. 48
4.3) Viso Bblico-Teolgica do Batismo.......................................................... 50
4.4) Respostas s Objees Batistas.................................................................. 64
CONCLUSO.................................................................................................... 68
BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 72
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RESUMO
Esta monografia uma anlise histrico-teolgica da doutrina do batismo infantil, com a finalidade de descobrir qual a forma de entendimento mais bblica acerca deste assunto. A introduo trata da problematizao, relevncia, metodologia e objetivos deste trabalho. A seguir, feita uma anlise histrica do desenvolvimento da doutrina e prtica do batismo de crianas. A posio catlica estudada, com o uso de documentos oficiais, como O Catecismo Para a Igreja Catlica: Compndio e o pensamento de telogos como Rgis Duffy. O mesmo feito com a posio batista, usando a Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira, a Confisso de F de Londres de 1689 e o trabalho de vrios telogos representativos, como Millard Erickson e Wayne Grudem. A posio reformada analisada, partindo do Cap. XVIII, Art. IV da Confisso de F de Westminster e as obras de Joo Calvino, Charles Hodge e outros. Por fim, na concluso h uma anlise sobre qual a posio mais bblica.
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INTRODUO
Esta monografia uma anlise histrica e teolgica da prtica do batismo
infantil (pedobatismo) nas igrejas crists, a partir de um estudo de trs concepes sobre
o assunto: a catlica, a reformada e a batista, com o objetivo de apontar qual destas
concepes a mais prxima do ensino da Bblia. A seguinte definio de termos foi
adotada: por catlico, deve-se entender as posies assumidas pela Igreja Catlica
Apostlica Romana (ICAR). J por reformado deve-se entender as igrejas
protestantes que praticam o pedobatismo, o que neste trabalho inclui no apenas aquelas
ligadas ao pensamento de Joo Calvino (reformadas, presbiterianas, anglicanas e
outras), mas tambm aquelas que seguem os ensinos de Martinho Lutero (luteranas). O
termo batista usado para todas as igrejas e telogos protestantes que condenam a
prtica do pedobatismo.
A motivao desta pesquisa o desejo do autor de apontar qual a viso mais
bblica sobre este tema, tendo em vista a diversidade de vises presentes nas igrejas
crists.
Esta diversidade leva a uma srie de desdobramentos prticos. praxe, por
exemplo, das igrejas afiliadas Conveno Batista Brasileira (CBB), negar a Ceia do
Senhor aos presbiterianos batizados na infncia enquanto os ltimos no forem
rebatizados, de acordo com as crenas da CBB. Se uma pessoa batizada na infncia
pedir transferncia para uma igreja da CBB, ela ter que definir se aceita ou no o
rebatismo. A aceitao ou rejeio do pedobatismo tambm traz implicaes sobre qual
o conceito correto de Igreja, e qual o lugar das crianas no Corpo de Cristo. At mesmo
a forma como os diferentes pactos entre Deus e o Seu povo so vistos, ou qual o
verdadeiro papel dos sacramentos so questes influenciadas por este tema.
Portanto, o objetivo geral deste trabalho analisar as vises catlica, batista e
reformada sobre o batismo, luz da Escritura, da histria eclesistica e da teologia
sistemtica.
Inicialmente, ser mostrado como o conceito e a prtica do batismo se
desenvolveram ao longo da Histria, desde a poca do Novo Testamento at os dias
atuais, verificado como cada posio usa os textos da Escritura que tratam do batismo, e
qual a argumentao teolgica construda em cima deste alicerce. Tambm ser
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analisado como a formulao doutrinria e a prtica destas diferentes vises foram
estruturadas ao longo da Histria da Igreja.
A seguir, ser mostrado como os catlicos argumentam teologicamente o seu
ponto de vista sobre o pedobatismo, considerando as Escrituras, os documentos de f da
ICAR e os escritos de autores representativos desta viso. O mesmo ser feito nos
captulos subseqentes em relao s vises batista e reformada.
A metodologia utilizada ser a reviso bibliogrfica de credos, confisses de f e
livros de autores representativos das trs posies. Inicialmente, ser descrito o
desenvolvimento histrico do conceito e da prtica do batismo. A seguir, cada posio
receber um captulo parte, onde sero analisados seus credos ou confisses de f,
juntamente com exemplos de autores que seguem os padres confessionais. No final, o
autor apontar qual destas posies a mais bblica e argumentar em favor de uma
delas.
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1) A DOUTRINA DO BATISMO NA HISTRIA
Ao longo da Histria, a elaborao teolgica e a prtica litrgica do batismo
sofreram modificaes. Uma investigao histrica sobre estas mudanas ajudar a
entender quais as indagaes que levaram consolidao das posies catlica,
reformada e batista.
1.1) ANTECEDENTES
Na poca do Novo Testamento, o batismo era um ritual usado por vrios grupos.
Ele era praticado por religies orientais de mistrio como um rito de iniciao, muitas
vezes em sangue1. Cerimnias similares eram realizadas por egpcios, persas e hindus,
mas eram mais comuns nas religies greco-romanas, por meio de banhos de mar ou
asperses2. Os judeus tambm estavam familiarizados com esta cerimnia, usada na
converso de proslitos. Os judeus sectrios de Qumran usavam os batismos em seus
rituais de purificao3. Entretanto, isso ainda objeto de discusso entre os eruditos.
Watson, por exemplo, questiona se o batismo de proslitos era praticado antes
dos dias de Jesus:
A investigao neste obscuro assunto tem continuado, desde a poca de Fairbain e Lindsay, e agora a maioria dos eruditos, batistas e pedobatistas, concorda que existe suficiente evidncia para comprovar que o batismo de proslitos do judasmo era conhecido e praticado durante as ltimas dcadas do primeiro sculo D.C. Se era ou no uma prtica conhecida antes da destruio de Jerusalm, em 70 D.C., isto ainda assunto de debates. No momento, podemos dizer que no existe prova segura de que os judeus batizavam proslitos, antes da vinda de Cristo.4
Watson tambm lembra que os filhos de proslitos que tivessem nascido aps o
batismo de seus pais, no recebiam o batismo, pois j eram nascidos em santidade5. Se o
batismo cristo uma cpia do batismo judeu, seria de se esperar que as crianas
nascidas aps o batismo de seus pais cristos no recebessem este sacramento. Esta
hiptese, a saber, que os filhos nascidos aps a converso de seus pais no eram
batizados, foi defendida por Oscar Cullmann: No caso que se refere a 1 Co 7.14 no se
trata de uma evoluo que vai do batismo de adultos ao de crianas, mas que a primitiva 1 DOCKERY, David S. (ed.), Manual Bblico Vida Nova, p.719. 2 BERKHOF, Louis. Teologia Sistemtica, p.575. 3 Dockery, p.719. 4 WATSON, Bebs devem ser batizados?, p.15. 5 Idem, p.16.
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comunidade crist, como a comunidade Israelita, renunciava o batismo dos filhos
nascidos de pais cristos, mas que depois passou ao batismo das crianas, sempre
segundo a mesma noo coletiva de santidade6.
Contudo, altamente provvel que o batismo ou banho de purificao dos
proslitos (pagos convertidos ao judasmo) fosse algo comum na Palestina do sculo I.
Joachim Jeremias o prova citando uma disputa entre as escolas rabnicas de Shamai e
Hilel acerca da converso de trs pagos:
para a Jerusalm das ltimas dcadas antes de nossa era que nos conduz o relato da converso ao judasmo de trs pagos rejeitados por Shamai, mas acolhidos por Hilel. Alm desse, um caso particular, objeto de uma discusso entre shamatas e hilelitas, pertence ao ano 30 de nossa era. Os shamatas declaravam lcito o banho do proslito no dia de sua circunciso; os hilelitas, por seu lado, exigiam um intervalo de sete dias entre a circunciso e o banho, pois, atribuam ao pago a impureza do cadver (...) Uma nica coisa certa: so pagos que se converteram ao judasmo, e o fato se deu antes de 30, pois, conforme mostra o Novo Testamento, o critrio shamata no servia mais de regra no tempo de Jesus7.
Donald Bridge e David Phypers concordam:
Nos dois sculos que antecederam e se seguiram ao nascimento de Jesus, o batismo de proslitos foi amplamente praticado. Para os gentios, nascidos pagos, que eram atrados para a f no nico Deus vivo, o batismo marcava a entrada na aliana dos judeus. Esse banho cerimonial era acrescentado circunciso, a fim de cobrir a impureza cerimonial sofrida aps a converso8.
A comprovao deste fato de grande importncia porque os filhos dos
proslitos tambm eram batizados:
De acordo com as autoridades judaicas citadas por Wall em History of Infant Baptism (Histria do Batismo Infantil), esse batismo tinha que ser ministrado na presena de duas ou trs testemunhas. As crianas cujos pais recebiam esse batismo, desde que nascidas antes da administrao do rito, tambm eram batizadas, solicitao do pai, contanto que no fossem de idade (os meninos, treze anos e as meninas doze), mas se fossem de idade, somente solicitao delas prprias. As crianas nascidas aps o batismo do pai ou dos pais, eram tidas por limpas e, da, no necessitavam do batismo9.
1.2) NO NOVO TESTAMENTO
6 Barth e Cullmann, p.94. 7 JEREMIAS, Joachim. Jerusalm nos tempos de Jesus, p.425. 8 BRIDGE, Donald e PHYPERS, David. guas que dividem: uma reflexo sobre a doutrina do batismo, p.19-20. 9 Berkhof, Teologia Sistemtica, p.575.
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Assim sendo, quando Joo Batista iniciou o seu ministrio, a novidade que ele
trazia no era o ritual do batismo, mas sim o duplo significado dado por ele. Joo
batizava para arrependimento, exortando os judeus a deixarem seus pecados e se
voltarem para a Lei, uma nfase similar s lavagens de purificao tpicas do
judasmo10. Por outro lado, Joo batizava para anunciar a vinda do Messias. Enquanto
ele batizava com gua, o Messias viria para batizar com o Esprito Santo e com fogo
(Mt 3:11; Mc 1:8; Jo 1:33)11.
O ministrio pblico de Jesus comeou exatamente com o seu batismo. Ali, ele
recebeu o Esprito Santo e foi proclamado como Messias por Joo Batista. O Evangelho
de Joo diz que Jesus, ou melhor, seus discpulos, batizavam, mas no h mais nenhum
relato nos Evangelhos que mostre Jesus batizando pessoas. O batismo s reaparece no
final da presena de Jesus na terra, quando Ele, j ressurreto, d a Grande Comisso,
com a ordem de batizar os seus discpulos (Mt 28:18-20)12.
Os apstolos foram fiis ordem, e o livro de Atos repleto de relatos de
batismos. Assim como Joo, os apstolos enfatizavam o arrependimento (At 2:38). O
Esprito Santo prometido agora se fazia presente. Em Atos 2:38, Pedro disse aos judeus
para serem batizados, e, ento, receberiam o dom do Esprito Santo. Na converso de
Saulo, Ananias disse que ele veio orar para que Saulo fosse curado e cheio do Esprito
Santo (At 9:17). A seguir, ele batizou-o (At 9:18). Depois que Cornlio e os seus
receberam o Esprito Santo, Pedro ordenou que eles fossem batizados (At 10:45-48) e
os homens de feso tambm receberam o Esprito quando Paulo orou por eles, aps o
batismo deles (At 19:5-6). O mesmo Paulo diz que todos ns fomos batizados em um
nico Esprito (1 Co 12:13) e fala do lavar regenerador e renovador do Esprito
Santo (Tt 3:5,7). Embora outros textos mostrem o batismo e o recebimento do Esprito
Santo como sendo dois eventos distintas, como enfatizam os pentecostais e
carismticos, o ensino do Novo Testamento enxerga um forte relacionamento entre
ambos13.
O batismo tambm relacionado salvao, regenerao, ao perdo dos
pecados (Tt 3:4-5). Paulo afirma que no batismo os cristos so unidos a Cristo em sua
morte e ressurreio (Rm 6:1-4; Cl 2:12ss). Desta forma, o Novo Testamento une a f
ao batismo, embora haja casos de batismos de famlias, onde h considervel disputa 10 Dockery, p.719. 11 Idem. 12 Ibidem. 13 Bridge e Phypers, p.23-4.
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sobre a possibilidade de crianas pequenas terem ou no sido batizadas nestes
momentos14:
Os lares mencionados no que diz respeito ao batismo em Atos so os de Ldia (16:15) e do carcereiro filipense (16:33).Os textos parecem pressupor que as famlias (no sentido amplo, inclusive os servos e parentes) inteiras se entregaram f. Este fato parece evidente no que diz respeito ao ltimo caso, pois Atos 16:31-34 conta como a casa inteira foi evangelizada e entrou na alegria do principal convertido. Se for correta esta interpretao e o debate acerca do batismo das crianas ainda continua entre os estudiosos do Novo Testamento e os historiadores da Igreja ento a idade dos membros das famlias ficar sem importncia; o fato de que entraram na comunho dos crentes de suma importncia para a teologia de Atos como um todo15.
1.3) NO PERODO PATRSTICO
No perodo patrstico, o batismo foi colocado como o mais importante dos
sacramentos, por ser o rito de iniciao da Igreja. Comeou a ganhar corpo a idia da
regenerao batismal, ou seja, que o batismo d o perdo dos pecados e promove o novo
nascimento16. deste perodo a primeira referncia explcita ao pedobatismo, feita por
Tertuliano (nascido por volta de 155 d.C., falecido em 222 d.C.), em sua obra De
baptismo, onde ele condena a prtica de batizar as crianas17. Entretanto, o ponto de
vista de Tertuliano se deve sua viso sobre o batismo perdoar pecados. Se o batismo
perdoa pecados, quanto mais tarde ele for praticado, melhor:
O caso de Tertuliano especialmente interessante. Ele disse que o batismo era uma prtica da igreja primitiva. Mais tarde, quando ele comeou a ter umas idias teolgicas estranhas, ele argumentou contra o batismo infantil. Ele achava que os cristos deveriam esperar at logo antes da morte para serem batizados. Agora, se o batismo infantil fosse uma inveno recente, Tertuliano ficaria muito satisfeito em apontar que no era uma prtica apostlica! Um ponto de vista deve ser dito a respeito de Tertuliano antes de mudar de assunto: ele era contra o batismo infantil no por uma questo doutrinria, mas pela praticidade (esperar at logo antes da morte era melhor, ele acreditava, pois os pecados ps-batismo seriam bem mais perigosos do que os cometidos antes do batismo e tinham que ser evitados)18.
Landes aponta um testemunho ainda mais antigo. Irineu (130-200 d.C.), um dos
bispos da Igreja no sculo II, discpulo de Policarpo, bispo de Esmirna que viu o
apstolo Joo ainda vivo, escreveu em Cinco Livros Contra as Heresias: Ele (Cristo)
14 Idem, p.24-7. 15 MARTIN, Ralph P. Adorao na Igreja Primitiva, p.118-9. 16 BERKHOF, Louis. A Histria das Doutrinas Crists, p.222. 17 Bridge e Phypers, p.66. 18 SARTELLE, John e outros. O Batismo Infantil: O Que Os Pais Deveriam Saber Acerca Deste Sacramento, p.70.
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veio para salvar todas as pessoas por si mesmo: todas, digo eu, que por Ele renascem
para Deus (renascuntur in Deum); infantes, crianas, jovens e pessoas idosas19.
Segundo Landes, a expresso renascem para Deus era usada pelos pais da Igreja para
se referirem ao batismo20. Assim como Tertuliano, para Irineu, o batismo purifica tanto
a alma quanto o corpo, outorgando o Esprito como garantia da ressurreio21
Por outro lado, Justino, o Mrtir (100-165 d.C.) disse que o batismo deveria ser
administrado a todos os que fossem convencidos e cressem nas doutrinas da Igreja, o
que excluiria as crianas22. Hiplito (falecido em 235 d.C.) escreveu a Tradio
apostlica, onde ele descreve um ritual bastante elaborado de batismo, com uno de
leo para exorcismo, orao pelo afastamento de espritos, questionrios sobre o Credo
Apostlico, outra uno com leo para ao de graas e imposio de mos por parte
dos bispos, com oraes23. Havia um longo processo de catecumenato, que durava por
volta de trs anos, o que presumia uma certa idade para que os candidatos se
submetessem a todo o processo, o que, em um primeiro momento, afasta a idia do
pedobatismo. Entretanto, Hiplito cita a iniciao de crianas24. Tanto Justino quanto
Hiplito defendiam que o batismo conferia a remisso dos pecados25.
J na poca de Orgenes (185-253 d.C.), o batismo de crianas era considerado
uma prtica normal, vinda do tempo dos apstolos. Se o batismo purificava pecados,
surgiu a pergunta sobre qual era o pecado do qual deviam ser perdoadas as crianas.
Cipriano (nascido por volta de 200 a 210 d.C. e falecido em 258 d.C.) respondeu que
elas deveriam ser perdoadas do pecado de Ado, o que acabou se transformando na
doutrina do pecado original, formulada por Agostinho (354- 430 d.C.)26. Para ele, todos
os descendentes de Ado herdaram sua alma pecaminosa, a qual transferida dos pais
para os filhos, e a prtica do pedobatismo era uma prova da existncia deste pecado
original. Ao invs de uma doutrina provocar uma prtica, ocorreu o contrrio: uma
prtica foi o ponto de partida para uma doutrina, a qual aceita por catlicos e
protestantes27.
19 IRINEU in LANDES, Philippe. Estudos bblicos sobre o batismo de crianas, p.83. 20 Landes, p.83. Para defender este ponto de vista, ele se vale das explicaes do Dr. Fairchild, que era batista. 21 KELLY, J.N.D. Doutrinas centrais da f crist: origem e desenvolvimento, p.146. 22 Bridge e Phypers, p.68. 23 Idem. 24 FIORENZA, Francis e GALVIN, John P. (orgs.) Teologia Sistemtica: Perspectivas Catlico-Romanas, Volume II, p.290-1. 25 Bridge e Phypers, p.71. 26 Idem, p.72-3. 27 Idem, p.73.
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No sculo V, Agostinho pensava que a prtica, j rotineira em seus dias, do
batismo infantil, era uma prova de que elas nasciam com o pecado original, o qual
antecedia os demais pecados. medida em que a Igreja e a convico de que o batismo
purificava as crianas do pecado original se expandiam, vrios costumes batismais
foram alterados. O batismo deixou de acontecer somente nas festas da Pscoa e do
Pentecostes, e, em conseqncia disso e do aumento no nmero de batizados, o bispo
nem sempre estava presente. Comeou-se a batizar as crianas o mais cedo possvel,
nem sempre se esperava pelo bispo, particularmente no caso de crianas moribundas
(batismo clnico). Entretanto, aps a carta de Inocncio I a Decncio, em 416, o bispo
manteve a prerrogativa de dar a uno final da iniciao, a qual passou a ser feita na
cerimnia da crisma ou confirmao. A nfase do batismo passou a ser o perdo dos
pecados, o que eclipsou outros significados, como a incluso no corpo de Cristo ou o
papel do Esprito Santo na converso do batizado28.
Agostinho usou vrios termos militares para se referir aos sacramentos, tais
como nota, signum ou signaculum, de onde ele tirou vrias analogias: a finalidade do
sacramento no recompensar a boa conduta, nas assegurar fidelidade a Deus; ele
aponta para o dom que no se pode perder e uma marca externa e irremovvel; e, no
futuro, apontar para a glria ou vergonha final do fiel. Assim, toda ao sacramental
ao singular e exclusiva de Cristo, h distino entre o ritual e seus efeitos e h um
equilbrio teolgico entre o poder do nome trinitrio e a dignidade do indivduo no
sacramento. Estas concluses so extradas de uma prxis litrgica e mostram o
contexto eclesial em que viveu Agostinho29. Na Idade Mdia, os ensinos agostinianos
sobre o carter ocuparam a ateno dos telogos. A tendncia foi a de interiorizar o
carter, fazendo com que sua qualidade externa original se perdesse30.
1.4) NA IDADE MDIA
Agostinho entendia que a f e o arrependimento eram essenciais para o batismo
de adultos, mas, no caso das crianas, parece que ele supunha que o sacramento
eficaz ex opere operato31. Ele tambm defendeu a idia de que o batismo confere um
carter indelvel s crianas que o recebem, que passam a ser de Cristo e da Igreja por 28 Fiorenza e Galvin, p.290-2. 29 Idem, p.292-4. 30 Idem, p.294-5. 31 Berkhof, A Histria das Doutrinas Crists, p.222.
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direito32. Estas idias foram desenvolvidas na Idade Mdia, no perodo escolstico.
Nesta poca, os sacramentos foram considerados eficazes ex opere operato e o batismo
foi colocado como o sacramento da regenerao e da iniciao Igreja33. Os
escolsticos tambm continuaram com a doutrina agostiniana do carter indelvel e
confirmaram que o batismo livra do pecado original e outros cometidos at a sua
ministrao, da poluo do pecado (embora no possa limpar o homem da
concupiscncia do pecado) e das punies eternas e castigos temporais decorrentes de
prticas pecaminosas. O batismo renovaria espiritualmente a pessoa e, por meio dele, o
fiel incorporado Igreja34.
Contudo, dois grupos cristos da Idade Mdia se opuseram a esta viso. Os
valdenses rejeitavam o sacerdotalismo e sacramentalismo catlicos, a tal ponto que
rebatizavam os catlicos adultos que se convertiam ao movimento. Todavia, eles
batizavam os seus filhos em suas aldeias35. J os paulicianos, que habitavam a Europa
Oriental, recusavam-se a batizar os seus filhos. Para eles, primeiro deveria vir o
arrependimento, em segundo lugar, o batismo, e, por fim, a comunho36.
1.5) NA REFORMA PROTESTANTE
No sculo XVI, os reformadores reacenderam os debates sobre o batismo de
crianas. No cerne da questo, estava a pergunta de como o pedobatismo podia ser
justificado, se a participao nos sacramentos pressupunha f. O pensamento
agostiniano do pecado original era uma resposta satisfatria? O surgimento dos
anabatistas tornou estas questes ainda mais graves.
A Reforma Protestante marcou um rompimento ainda maior com o ponto de
vista desenvolvido pelos pais e escolsticos. Martinho Lutero (1483-1546) reduziu o
nmero de sacramentos de sete para apenas dois: o batismo e a Ceia. Atacou a idia de
que os sacramentos eram eficazes por si mesmos, ou seja, ex opere operato. Os
sacramentos precisavam ser recebidos, cridos e apropriados de modo pessoal, e no
eram indispensveis salvao (como, de certa forma, defendia o Conclio de Trento,
32 Idem. 33 Berkhof, A Histria das Doutrinas Crists, p.223. 34 Idem. 35 Bridge e Phypers, p.85. 36 Idem, p.86-7.
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confirmando um pensamento que se desenvolveu no perodo medieval), mas o seu
carter objetivo ainda era profundamente valorizado:
O batismo e a santa comunho so garantias da promessa de Deus e, nesse sentido, completamente independentes da disposio do receptor. As jias de ouro no perdem nada de sua pureza quando usadas por uma prostituta! Da mesma maneira, a eficcia dos sacramentos no depende da santidade do ministro que os preside. A santidade dos sacramentos, como a da igreja, reside em Cristo, no naquele que administra de forma que, mesmo que Judas, Caifs, Pilatos, o papa ou o prprio diabo batizassem verdadeiramente, ainda assim eles receberiam o batismo verdadeiro e santo37.
No seu Catecismo Menor, Lutero vai alm. Em resposta pergunta Que d
ou aproveita o batismo?, ele diz: Opera a remisso dos pecados, livra da morte e do
diabo, e d a salvao eterna a quantos crem na graa, conforme dizem as palavras e
promessas de Deus. Como pode a gua operar tal maravilha? Certamente no a gua
que o faz, mas a Palavra de Deus unida gua comunica a graa ao que tem f38.
Lutero tambm defendeu a manuteno da prtica do pedobatismo. Segundo ele,
o batismo de crianas no foi proibido nem ordenado pelas Escrituras, e Deus no
deixaria Sua Igreja na ignorncia em um assunto de tal importncia39. O batismo
anlogo circunciso, um selo das promessas pactuais de Deus. Quanto questo da
f, Lutero cria que A f, por assim dizer, imputada criana no batismo, mesmo que
ela no esteja consciente de tal fato40. A criana recebe o batismo sola gratia (somente
pela graa), uma vez que no pode crer por si mesma, o que faz do batismo infantil uma
excelente analogia da salvao que Deus d a Sua Igreja41.
Outro reformador, o suo lrico Zunglio (1484-1531) promoveu um
distanciamento ainda maior da viso catlico-romana. Para ele, sacramentos so apenas
sinais exteriores, que no podem comunicar graa alguma, deixados por Deus como
uma concesso fragilidade do homem. No so, de modo algum, meios de graa. O
batismo , assim, um voto pblico ou testemunho de f42. Atualmente, pode-se dizer que
a concepo adotada pelas igrejas batistas sobre os sacramentos muito prxima da
adotada por Zunglio. Entretanto, ele foi um dos mais frreos combatentes dos
anabatistas. Assim como Lutero, ele defendia o pedobatismo tendo como base a idia de
37 GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, p.93-4. A citao de Lutero usada por George foi extrada de Luther Works 41, p.218. 38 LUTERO, Martinho in KLEIN, Carlos Jeremias. Os Sacramentos na Tradio Reformada, p.71-2. 39 George, p.95 40 Idem. 41 Ibidem. 42 Klein, p.44-6.
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que o batismo a circunciso dos cristos. Ele tambm condenou severamente a prtica
do rebatismo, instituda pelos anabatistas43
A teologia batismal de Joo Calvino (1509-1564) foi uma espcie de meio-termo
entre os pontos de vista luterano e zuingliano. Ele reconhecia que os sacramentos eram
um sinal externo, um selo, uma forma de testemunhar aos outros a f crist. Mas
tambm os via como meios de graa, embora no da maneira luterana. Em outras
palavras, no so meros smbolos, pois Deus, efetivamente, confere graas queles que
os recebem com f. Para Calvino, o batismo o equivalente neotestamentrio da
circunciso, o que justificaria o pedobatismo. Mas ele vai alm, e retomando o
pensamento agostiniano, enxerga no batismo um testemunho da remisso dos pecados.
Como as crianas nascem em pecado, elas tambm tm necessidade da remisso, e, uma
vez que elas realmente necessitam dela, por que negar-lhes o sinal? Se a realidade no
lhes pode ser negada, muito menos o seu sinal44.
Todavia, as posies defendidas pelos principais reformadores no contentaram
a uma parte da populao alem, que julgou insuficiente a reforma feita por Lutero. Para
este grupo, os anabatistas, ou aqueles que rebatizam, a Igreja da Reforma ainda no
era a Igreja do Novo Testamento, e, no cerne da questo, estava o pedobatismo:
Os anabatistas do sculo XVI apresentam-nos problemas desconcertantes. Essa palavra significa aquele que rebatiza. Seu uso assinala duas caractersticas comuns a um grande nmero de movimentos radicais distintos. Todos condenavam a Reforma como algo incompleto e aptico. Todas rejeitavam o pedobatismo e batizavam, ou rebatizavam, somente aqueles que tivessem uma experincia decisiva de compromisso com a f. Essas duas caractersticas tambm se aplicam aos pentecostais, aos batistas, s igrejas em clulas, aos cristadelfos, aos mrmons e aos testemunhas-de-jeov, no sculo XX45.
Os anabatistas foram violentamente perseguidos em sua poca, e muitos
chegaram a morrer por sua causa:
Primeiro Zunglio e depois Lutero pediram ajuda ao poder civil contra os anabatistas. Usando as armas do aprisionamento e do banimento, descobriram que a primeira s atraa simpatia para a causa e que a segunda s provocava uma expanso ainda maior do sectarismo. A deciso inevitvel foi tornar a heresia passvel de pena capital. Decapitar, afogar ou queimar passaram a ser punies comuns para aqueles que pregavam a f radical46.
43 Idem, p.47. 44 Idem, p.87-91. 45 Bridge e Phypers, p.91. 46 Idem, p.99.
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Isso levou a um recrudescimento da questo em ambos os lados. Os anabatistas
passaram a considerar os reformadores como o anticristo. Os protestantes no permitiam
que os anabatistas entrassem em seus templos. Para os ltimos, o pedobatismo era visto
como o sustentculo do poder papal, o smbolo de um cristianismo falso, um empecilho
para a verdadeira Reforma47.
A tenso cresceu em intensidade, at que explodiu a Revolta de Mnster. Em
1533, os habitantes desta cidade alem, prxima fronteira com a Holanda, se
declararam luteranos, e expulsaram o bispo da cidade. Um grande nmero de
anabatistas afluiu para a cidade, que se tornou o refgio de todo tipo de herege ou
pessoa perseguida por suas idias religiosas. Tropas luteranas e catlicas foram
chamadas para sitiar a cidade, a pedido do bispo deposto. Neste cenrio, o padeiro
holands Jan Matthew e o alfaiate Jan de Leiden assumiram a liderana dos revoltosos.
Eles diziam ter vises e diziam que Mnster era a Nova Jerusalm, que, em breve, seria
resgatada pelo retorno de Cristo. Tambm coletivizaram as propriedades, permitiram a
poligamia e impuseram leis severas. Aps dois anos de cerco, a cidade caiu48. A
rebelio trouxe um preo muito alto para o anabatismo: Aos olhos de pessoas
respeitveis, Mnster comprovou que todos os anabatistas eram revolucionrios
assassinos, fanticos insanos e libertinos morais49.
Aps este incidente, comea a ganhar vulto a figura de Meno Simons. Ele era
um tpico padre catlico, que vivia relaxadamente a sua vida crist. Aps conhecer as
opinies de Lutero, Simons leu, pela primeira vez em sua vida, a Bblia inteira, mas ele
no desejava abandonar o conforto de sua vida para se arriscar no luteranismo. Tudo
isso mudou quando Simons assistiu a execuo do anabatista Sicke Synder e ficou
impressionado com a conduta e as idias por ele defendidas. Contudo, Simons receava
unir-se a um movimento que lhe parecia to estranho e radical. Apesar disso, ele
rompeu com o catolicismo e foi rebatizado em 1536, unindo-se ao anabatismo50. Por
meio dele, o movimento ganhou moderao e estabilidade:
Meno percebeu que quatro coisas seriam necessrias para que seus seguidores sobrevivessem ao escndalo de Mnster. Teria de haver o completo abandono do fanatismo e dos sonhos profticos. Teria de haver um absoluto repdio ao uso da fora,
47 Idem, p.99-100. 48Idem, p.108-9. 49 Idem, p.109. 50 Idem, p.105-9.
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ainda que em defesa prpria. Seria necessria uma organizao visvel com um ministro capacitado e qualificado. Precisaria haver disciplina nas congregaes51.
O trabalho de Meno Simons garantiu a sobrevivncia do movimento anabatista,
dando origem aos menonitas. As idias de Simons tambm influenciaram muito a
formao das igrejas batistas52.
Assim, aps o sculo XVI, os trs pontos de vista estavam formados. Os
catlicos amadureceram os conceitos desenvolvidos nos perodos patrstico e
escolstico, e reafirmaram estas crenas no Conclio de Trento (1545-1563). As igrejas
ligadas aos reformadores mantiveram o pedobatismo, baseados, principalmente, na
analogia entre a circunciso e o batismo. Passadas as tenses iniciais, os anabatistas, sob
a liderana de Simons, tambm garantiram a sua sobrevivncia pelos sculos
subseqentes.
1.6) NO PERODO PURITANO
A discusso permaneceu ativa nos sculos seguintes, mas com as linhas de
debate j bem definidas. Entretanto, a intensidade dos debates comeou a arrefecer. Por
exemplo, no sculo XVII, John Owen (pedobatista) defendeu que as igrejas aceitassem
na celebrao da ceia os membros de outras comunidades, mesmo que tivessem uma
viso batismal diferente da sua53. Na mesma poca, John Bunyan (batista) recebia em
sua igreja cristos batizados na infncia, sem exigir deles o rebatismo54. A discusso
ainda causava divises, mas j se ouviam vozes procurando o consenso.
No sculo XVIII, com a expanso do protestantismo para as colnias britnicas e
os reavivamentos de George Whitefield e John Wesley defendiam a necessidade de
converso. Ambos relataram experincias onde, j na idade adulta, se sentiram
perdoados por Deus ou aquecidos, eventos esses que marcaram o curso posterior de
suas vidas. Tais experincias acabaram gerando questionamentos idia defendida por
vrios anglicanos, de que as crianas nasciam de novo no batismo. Ambos mantiveram
o pedobatismo, mas sua teologia acabou colaborando para que batistas e pedobatistas
convivessem lado a lado55.
51 Idem, p.110. 52 Idem, p.111. 53 Idem, p.122. 54 Idem, p.124. 55 Idem, p.130-7.
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Findo este perodo, verificou-se que, apesar das discordncias, batistas e
pedobatistas j no se tratavam mais como hereges: O fim da era puritana ps um
limite na controvrsia sobre o batismo. No quer dizer, claro, que a controvrsia
tivesse sido solucionada, mas os pontos estavam claros, e as linhas divisrias ficariam,
dali para a frente, cada vez mais fixas56.
1.7) NA POCA ATUAL
A questo permaneceu aberta no sculo XX. Jeremias fez vrios estudos
histricos, onde entendeu que o pedobatismo era uma prtica difundida na Igreja
primitiva, mas foi contestado por Aland, que usou, praticamente, as mesmas fontes.
Barth voltou a reacender a discusso, condenando o batismo de crianas, adotando uma
viso eclesiolgica que via no batismo uma comunidade que livremente ouvia e acolhia
o dom de Cristo. Esta posio foi fortemente combatida por Oscar Cullmann e Heinrich
Schlier, ambos se valendo de Romanos 6:1-11. Cullmann defendeu que os efeitos do
batismo independem da deciso da f, o que justifica o batismo de crianas, ao passo
que Schlier viu no batismo um instrumento de salvao ex opere operato57.
O Conclio Vaticano II levou reafirmao de uma perspectiva clssica sobre a
iniciao: o batismo de crianas a prxis costumeira, mas a norma teolgica o fiel
solicitar a recepo do sacramento; o batismo, a confirmao e a eucaristia esto unidos
como sacramentos da iniciao; a comunidade eclesial possui importncia neste
processo; e a converso um processo gradual58.
Sonhando em reunir o cristianismo debaixo de uma s Igreja, surgiu o Conselho
Mundial de Igrejas (CMI), em 1946. Em 1982, a Comisso de F e Ordem do CMI
produziu o documento Batismo, eucaristia e ministrio, em uma tentativa de comear
a levar catlicos, reformados, batistas e outros grupos a dialogarem para chegar a uma
frmula batismal nica59. Em seu captulo IV, artigo V, h um apelo para que as
diferentes igrejas aceitem o batismo uma das outras, o que implica no abandono do
rebatismo:
56 Idem, p.130. 57 Fiorenza e Galvin, p.297-8. 58 Idem, p.299-301. 59 Bridge e Phypers, p.150-2.
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As Igrejas so cada vez mais capazes de reconhecer o batismo umas das outras como o nico batismo de Cristo, na medida em que o candidato confessa Jesus Cristo como Senhor, ou, no caso de um batismo de criana, quando essa confisso feita pela Igreja (os pais, os responsveis, padrinhos, madrinhas e a comunidade) e afirmada mais tarde na f pessoal e no compromisso. O reconhecimento mtuo do batismo evidentemente um sinal importante e um meio de exprimir a unidade batismal dada em Cristo. Em toda a parte onde isso possvel, as Igrejas deveriam exprimir de maneira explicita o reconhecimento mtuo de seus batismos60.
Apesar deste apelo, o rebatismo continua sendo praticado por muitas igrejas
batistas, como as da Conveno Batista Brasileira (CBB) e at mesmo por algumas
pedobatistas, caso da Igreja Presbiteriana do Brasil no tocante a catlicos, apesar de
Calvino ser contrrio a esta prtica, como ser demonstrado no captulo quatro. Quando
o presbiterianismo chegou ao Brasil, em 1859, os missionrios, que vieram dos Estados
Unidos, haviam crescido em uma atmosfera profundamente anticatlica:
Entre 1800 e 1860 desencadeou-se verdadeira cruzada anticatlica nos Estados Unidos. A literatura produzida foi abundante e virulenta. Esse anti-catolicismo militante foi superado pelo debate abolicionista e pelos horrores da Guerra Civil. Mas a perspectiva de nossos pregadores j estava estabelecida. Da o carter severamente polmico, anti-tridentino (pois que o catolicismo norte-americano era tridentino), de nossa literatura protestante de ento61.
Assim sendo, ser protestante no Brasil do sculo XIX significava, antes de tudo,
romper com a Igreja Catlica. A forma mais clara de se mostrar isso era por meio do
rebatismo. Foi o que aconteceu com o primeiro presbiteriano convertido brasileiro,
Serafim Pinto Ribeiro. Ele foi rebatizado a pedido, pois dizia ter sido batizado na f
idlatra e queria receber o batismo da f em Cristo62. Tais fatos podiam, inclusive,
servir como oportunidades de evangelismo, como ocorreu no rebatismo do primeiro
padre convertido no Brasil, Jos Manoel da Conceio63. Este princpio est de tal
forma enraizado na Igreja Presbiteriana do Brasil, que est presente no Art.12 do
Cap.VI dos Princpios de Liturgia":
Todo aquele que tiver de ser admitido a fazer a sua profisso de f ser previamente examinado em sua f em Cristo, em seus conhecimentos da Palavra de Deus e em sua experincia religiosa e, sendo satisfatrio este exame, far a pblica profisso de sua f, sempre que possvel em presena da Congregao, sendo em seguida batizado, quando no tenha antes recebido o batismo evanglico64.
60 Conselho Mundial de Igrejas. Batismo, eucaristia e ministrio, p.28-9. 61 RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana do Brasil: da autonomia ao cisma, p.8. 62 FERREIRA, Jlio Andrade. A Histria da Igreja Presbiteriana do Brasil, Vol.I, p.29. 63 Idem, p.49. 64 Igreja Presbiteriana do Brasil. Manual Presbiteriano, p.114. Grifo meu.
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Tal fato mostra o quanto catlicos, reformados e batistas ainda esto distantes de
seguirem a proposta defendida pelo Conselho Mundial de Igrejas no documento
Batismo, Eucaristia e Ministrio.
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2) O PONTO DE VISTA CATLICO-ROMANO
A Igreja Catlica Apostlica Romana (ICAR) pratica o batismo de crianas e
bebs, pelo menos desde o sculo V, quando a prtica era considerada ortodoxa e
apostlica. A viso catlica est alicerada, principalmente, na tradio e no
pensamento teolgico de Agostinho, de acordo com a interpretao dada pelos
escolsticos.
2.1) DEFINIO DE SACRAMENTO
De acordo com o Catecismo da Igreja Catlica: Compndio65, os sacramentos
so sinais sensveis e eficazes da graa, institudos por Cristo e confiados Igreja,
mediante os quais nos concedida a vida divina66. A Igreja Catlica Apostlica
Romana (ICAR) reconhece sete sacramentos: o batismo, a confirmao, a eucaristia, a
penitncia, a uno dos enfermos, a ordem e o matrimnio67.
O fundamento dos sacramentos so os mistrios da vida de Cristo68. De acordo
com Leo Magno, o que era visvel no nosso Salvador passou para os seus
sacramentos69. Os sacramentos foram confiados por Jesus Cristo Igreja, e so, ao
mesmo tempo, ao da Igreja e de Cristo. So tambm meios pelos quais a Igreja
edificada70.
O batismo, junto com a confirmao e a ordem, possui o que se chama de
carter sacramental. O carter uma espcie de selo espiritual, promessa e garantia
de proteo divina e indelvel, por esta razo, tais sacramentos s podem ser recebidos
uma nica vez. Por meio deste selo, o cristo configurado a Cristo, participa de
diversos modos no seu sacerdcio, e faz parte da Igreja segundo estados e funes
diversas, sendo pois consagrado ao culto divino e ao servio da Igreja71.
No que diz respeito f, os sacramentos supem a sua existncia, mas tambm
servem para aliment-la, fortific-la e exprimi-la. A celebrao dos sacramentos, em si,
65 Extrado de http://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendium-ccc_po.html. Acesso em 23 de setembro de 2006. 66 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 224. 67 Idem. 68 Idem, resposta pergunta 225. 69 MAGNO, Leo in Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 225. 70 Idem, resposta pergunta 226. 71 Idem, resposta pergunta 227.
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j uma confisso da f apostlica, de acordo com o adgio lex orandi, lex credendi, ou
seja, a Igreja cr no que reza72. A eficcia deles ex opere operato, isto , pelo prprio
facto de a aco sacramental ser realizada73. Por esta razo, a santidade pessoal do
ministro no interfere na graa comunicada, pois Cristo quem age e comunica a Sua
graa nos sacramentos. Entretanto, os frutos do ato so dependentes das disposies
presentes no fiel74.
A ICAR reconhece que os sacramentos so necessrios para a salvao75, pois
conferem as graas sacramentais, o perdo de pecados, a adopo de filhos de Deus, a
conformao a Cristo Senhor e a pertena Igreja76, alm da ao de cura e
transformao efetuada pelo Esprito Santo naqueles que os recebem77. Por graa
sacramental, deve-se entender uma graa do Esprito, dada por Cristo e prpria de cada
sacramento, a qual ajuda o fiel em seu caminho de santidade e a Igreja a crescer na
caridade e no testemunho78. Eles tambm do Igreja uma garantia, um penhor da vida
eterna79. Assim, verifica-se que os sacramentos possuem uma espcie de carter
complementar na obra da salvao, tendo em vista que trazem o perdo dos pecados.
Na viso do sacerdote franciscano Rgis Duffy, os sacramentos devem ser
tratados dentro da vida litrgica da Igreja. A liturgia seria o termo que se refere
totalidade de aes de palavras de louvor e agradecimento que a igreja oferece a
Deus80. Os sacramentos seriam palavras-aes altamente focalizadas nesse contexto
litrgico mais amplo81. Eles seriam retratos de como a Igreja compreendeu,
desenvolveu e aprofundou as formulaes doutrinrias por trs de cada ato
sacramental82.
Deste modo, uma definio de sacramento deveria contemplar alguns aspectos:
Algumas dimenses dessa conscientizao seriam: (1) o carter gratuito e capacitador da oferta de salvao de Deus conforme proclamada pela Palavra do evangelho; (2) o contexto eclesial no qual o sacramento celebrado; (3) restaurao e fortalecimento sacramental conforme dirigido, quer para a misso efetiva da igreja, quer para a
72 Idem, resposta pergunta 228. 73 Idem, resposta pergunta 229. 74 Idem. 75 Grifo meu. O termo usado na resposta pergunta 230: Porque motivo os sacramentos so necessrios para a salvao?. 76 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 230. 77 Idem. 78 Idem, resposta pergunta 231. 79 Idem, resposta pergunta 232. 80 Fiorenza e Galvin, p.246. 81 Idem. 82 Idem, p.247.
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necessidade de redeno do indivduo; (4) a dimenso trinitria de todo sacramento; (5) o mistrio pascal; (6) a ao do Esprito Santo como decisiva; e (7) o impulso escatolgico de todo sacramento.83
Desta forma, pode-se dar a seguinte definio sobre sacramento:
O sacramento, portanto, evento pleno da presena no qual Deus gratuitamente capacita-nos para acolhermos a mensagem da salvao, para adentrarmos mais profundamente no mistrio pascal, e para recebermos agradecidamente aquele poder restaurador e transformador que nos rene como a comunidade do Filho de Deus para anunciarmos o reino de Deus no poder do Esprito.84
As experincias sacramentais, individuais ou comunitrias, no podem ser
separadas da presena autocomunicadora de Deus, e isso se d de forma que elas esto
enraizadas na experincia do mistrio de Deus85. Neles, adaptando uma citao de
Atansio, Deus se torna portador da carne para que os homens possam ser portadores do
Esprito86. Cristo , na verdade, o sacramento bsico, e o Esprito, o doador de todo
sacramento87.
Isto se reflete quando se consideram duas cristologias complementares: uma
descendente, a cristologia-Logos, onde Jesus desce para cumprir o seu papel redentor, e
a outra ascendente, a cristologia-Esprito, que mostra a santificao da humanidade de
Jesus feita pelo Esprito Santo, quando ela elevada at a unio com a Palavra que a
assume88. As comunidades que compreendem estas cristologias compreendem melhor o
papel da epiclese, ou seja, da invocao do Esprito Santo, sobre os sacramentos. As
epicleses presentes nas oraes eucarsticas trazem o princpio de que se deve pedir que
o Esprito desa sobre a comunidade e traga os seus dons, para que a comunidade se
torne, efetivamente, o corpo de Cristo89. De acordo com o Conclio Vaticano II, Jesus
o Sacrosanctum Concilium, ou seja, o sublime sacramento de toda a Igreja90. Assim
como Cristo, a Igreja tambm pode ser vista como um sacramento, pois a sua misso a
misso de Cristo91.
2.2) EVOLUO DO CONCEITO DE SACRAMENTO
83 Idem, p.248. 84 Idem. 85 Fiorenza e Galvin, p.249. 86 Idem. 87 Idem, p.250. 88 Idem, p.250-1. 89 Idem, p.251-2. 90 Idem, p.251. 91 Idem, p.252.
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A forma como a Igreja compreende os sacramentos foi sendo modificada ao
longo dos sculos. Inicialmente, eles eram vistos como o mistrio de Deus (mysterion),
expresso na totalidade da obra redentora de Cristo, que o mistrio pascal. O sangue e a
gua que jorram do lado de Cristo foram vistos por Joo Crisstomo, Agostinho e at
por Calvino92 como smbolos da eucaristia e do batismo93. A partir da, seguem-se
quatro estgios de compreenso: a sntese agostiniana, a sntese medieval, o desafio da
Reforma e a recuperao contempornea94.
No sculo III, Tertuliano escreveu Sobre o batismo e l ele traduziu mysterion
como sacramentum. A partir dele, comeou uma teologia sacramental africana, que se
tornou a base da Igreja Ocidental, com quatro caractersticas relevantes: forte
preocupao eclesiolgica, expectativa de testemunho resoluto diante da perseguio,
honestidade espiritual na participao sacramental e ortodoxia reflexiva como resposta
heresia95. Esta teologia comeou a ser formulada por Tertuliano, mas foi desenvolvida
por Cipriano, e, depois, por Agostinho. Ele teve que enfrentar vrias dificuldades em
seu tempo, em particular as heresias do donatismo e do pelagianismo, o que o levou a
dar respostas sobre a questo dos sacramentos. Influenciado pelo platonismo, Agostinho
ressaltou que as realidades fsicas so como um portal para as espirituais e que h
alguma ligao entre o sinal (sacramento) e o que significado (realidade espiritual)96.
Os donatistas criam que a santidade do ministro poderia anular o sacramento, ou seja,
um sacramento celebrado por um ministro mpio no seria vlido. Para Agostinho, o
sacramento material est ligado a uma realidade espiritual. O batismo purifica o corao
porque a palavra dita, e crida. A Igreja deve se tornar aquilo que ela recebe, logo, ela
uma comunidade sacramental97. H tambm uma distino entre uso e fruto do
sacramento, e alguns sacramentos possuem uma natureza duradoura, e no podem ser
repetidos98.
O perodo medieval marcado pelos debates sobre a opinio de Berengrio
acerca da eucaristia no sculo XI. Ele recuperou a distino agostiniana entre a
realidade visvel (sacramentum) e o fruto invisvel que ela simboliza (res sacramenti) e
92 CALVINO, Joo. As Institutas da Religio Crist, Volume III, p.156. 93 Fiorenza e Galvin, p.252-3. 94 Idem, p.256. 95 Idem, p.258. 96 Ibidem. 97 Fiorenza e Galvin, p.259. 98 Idem, p.260.
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as aplicou ao po e o vinho (realidade) e a presena de Cristo (fruto). Tal opinio era
insustentvel por causa da doutrina da transubstanciao, o que levou os telogos da
poca a usarem a categoria aristotlica de substncia para defender que a presena de
Cristo na eucaristia era real, e no simblica99. Berengrio teve que fazer uma profisso
de f, onde dizia que o po e o vinho eram verdadeiramente o corpo e o sangue de
Cristo, e que eles so manipulados sensivelmente e quebrados pelas mos dos
sacerdotes e esmagados pelos dentes dos fiis, no apenas sacramentalmente, mas na
realidade100. Agostinho descreveu os sacramentos como sinais, Toms de Aquino foi
alm e o descreveu como uma causa instrumental efetuando dinamicamente aquilo que
simboliza e explicou sua caracterizao em termos aristotlicos das coisas sensveis
como matria e as palavras como forma101.
Os abusos da prxis sacramental medieval levaram a denncias feitas pelos
reformadores no sculo XVI. Lutero usava definies sacramentais mais afinadas com a
posio agostiniana. Ele reconhecia trs elementos: o sinal, o significado e a f
responsiva. O sacramento sacramento, no por causa de sua realizao, mas por causa
da f de que Deus efetua o que nele simbolizado102. Lutero entendia que, para ser um
sacramento, a Palavra deveria relacionar o sinal com a promessa de Deus, razo pela
qual ele reduziu os sacramentos de sete para dois, o batismo e a eucaristia103. Calvino
defendia que o sacramento confirma a Palavra de Deus, e o Esprito Santo ilumina os
fiis, para a Palavra ou para o sacramento. Em outras palavras, a Palavra de Deus nos
ensina, os sacramentos confirmam essa Palavra e o Esprito Santo nos capacita a acolher
essa Palavra ordenada104. Calvino tambm combateu a viso escolstica de que os
sacramentos conferiam justificao mesmo com a ausncia de f, contanto que no
houvesse algum obstculo a isso105. A resposta a estes questionamentos dada pelo
Conclio de Trento foi: tratar do abuso dos sacramentos feitos por particulares; entender
que a justificao possibilita a f, e que a f serve como porta para a participao nos
sacramentos; reafirmar o carter singular dos sacramentos cristos; reafirmar a sua
natureza objetiva e eficaz (ex opere operato); sua expresso sptupla; sua importncia
99 Idem, p.261. 100 Enchiridion Symbolorum in Fiorenza e Galvin, p.263. 101 Fiorenza e Galvin, p.262. 102 Idem, p.265. 103 Ibidem. 104 Fiorenza e Galvin, p.265. 105 Idem.
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na salvao; a necessidade de um mnimo de inteno eclesial pelo celebrante; e a
existncia de um carter no batismo, na confirmao e na ordem106.
No sculo XX houve uma ligao maior entre sacramentos e liturgia, e a Igreja
passou a ser vista como comunidade sacramental. Na obra de Edward Schillebeeckx, os
sacramentos passaram a ser vistos como encontros, como dilogos entre Deus e seus
fiis. Eles seriam a face de Deus voltada para o povo, que neles se encontra com
Cristo107. J Karl Rahner enxergou os sacramentos dentro de sua noo sobre smbolos.
Os seres humanos precisam dos smbolos para perceberem a essncia de um ser, e sua
existncia modelada por eles. Jesus seria o smbolo perfeito e perene da ao e amor
redentivos de Deus, e a Igreja a continuao de sua presena simblica no mundo. Os
sacramentos tornariam concreta e real a realidade simblica da Igreja, de modo que a
Igreja tambm sacramento, pois a Palavra no dirigida somente ao indivduo, mas a
toda a comunidade108. Por esta razo, o Conclio Vaticano II tambm entende a Igreja
como sacramento109.
A teologia do batismo, assim, est ligada teologia da Igreja. Os catecmenos
so iniciados e includos na comunidade dos fiis110.
2.3) DEFINIO DE BATISMO
O batismo, juntamente com a confirmao e a eucaristia, compe os chamados
sacramentos de iniciao. Ao batismo, cabe o papel da regenerao: os fiis,
renascidos pelo Baptismo, so fortalecidos pela Confirmao e alimentados pela
Eucaristia111. De acordo com O Novo Catecismo: A F Para Adultos, editado pelos
bispos da Holanda, este nascimento o Esprito Santo indo habitar no cristo, dando-lhe
vida e transformando-o em filho do Pai112.
O termo batizar significa imergir em gua. O batizado imerso na morte de
Cristo e ressurge com Ele como nova criatura (2 Co 5:17)113 e tambm chamado
de banho da regenerao e da renovao do Esprito Santo114 (Tt 3:5) e iluminao,
106 Idem, p.266. 107 Idem, p.270. 108 Idem, p.271. 109 Ibidem. 110 Fiorenza e Galvin, p.282. 111 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 251. 112 O Novo Catecismo: A F Para Adultos, p.286. 113 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 252. 114 Idem.
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pois quem o recebe se torna filho da luz (Ef 5:8)115. A gua tambm simboliza a
abluo, a purificao. De acordo com O Novo Catecismo:
A gua derramada significa, alm de nascimento, tambm abluo. O batismo purifica a pessoa dos pecados cometidos em sua vida. Arranca a raiz do pecado, o pecado original, vencido pelo contato com Jesus. Mesmo que os pecados do homem sejam vermelhos somo o escarlate, Cristo torna-o agora mais branco do que a neve. Doravante so amigos. O homem recomea pgina inteiramente branca.116
A gua tambm carrega consigo um sentido de dilvio, pois batizar-se
morrer. O batismo morrer com Cristo e ser sepultado juntamente com Ele, o que
envolve duas noes: o perdo dos pecados e uma mudana de vida. Isso pode ser
verificado no batismo do prprio Jesus. Cristo consagrado para morrer, para servir, a
ponto de ele chamar a sua morte de batismo (Mc 10:38; Lc 12:50). De modo
semelhante, para o cristo, seu batismo um chamado para a servialidade, a pequenez,
a humildade e a obedincia at a morte117.
2.4) VISO BBLICO-TEOLGICA DO BATISMO
O batismo j era prefigurado no Antigo Testamento, em vrias situaes. Em
No, a gua smbolo de vida e morte, e a arca representa a salvao por meio da gua.
Outras prefiguraes esto presentes na passagem do Mar Vermelho, simbolizando o
fim da escravido, e na travessia do Jordo, onde Israel introduzido na terra
prometida, a qual imagem da vida eterna118. Estas prefiguraes se cumprem em
Cristo, que foi batizado por Joo Batista, verteu gua e sangue quando foi traspassado
na cruz (smbolos do batismo e da eucaristia) e que, aps a ressurreio, ordenou aos
apstolos que batizassem (Mt 28:19-20)119.
A Igreja vem administrando o batismo desde o dia de Pentecostes120, por meio
de imerso ou asperso, invocando a Trindade121. De acordo com o Catecismo da Igreja
Catlica, capaz para receber o Baptismo toda a pessoa ainda no baptizada122. As
crianas esto includas, pois tendo nascido com o pecado original, elas tm 115 Ibidem. 116 O Novo Catecismo: A F Para Adultos, p.286-7. 117 Idem, p.287-8. 118 Idem, resposta pergunta 253. 119 Idem, resposta pergunta 254. 120 Idem, resposta pergunta 255. 121 Idem, resposta pergunta 256. 122 Idem, resposta pergunta 257.
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necessidade de ser libertadas do poder do Maligno e de ser transferidas para o reino da
liberdade dos filhos de Deus123. Logo, sem o batismo, as crianas esto debaixo do
poder de Satans, e a razo principal pelas quais elas devem ser batizadas para que
sejam libertas do pecado original. De acordo com o Catecismo da Igreja Catlica:
O Baptismo perdoa o pecado original, todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado; faz participar na vida divina trinitria mediante a graa santificante, a graa da justificao que incorpora em Cristo e na Igreja; faz participar no sacerdcio de Cristo e constitui o fundamento da comunho entre todos os cristos; confere as virtudes teologais e os dons do Esprito Santo. O baptizado pertence para sempre a Cristo: com efeito, assinalado com o selo indelvel de Cristo (carcter)124.
A negao deste ensino implica em antema, de acordo com a Seo V, artigo
791 do Conclio de Trento:
Se algum negar que se devam batizar as crianas recm-nascidas, ainda mesmo quando nascidas de pais batizados; ou disse que devem ser batizadas, sim, para a remisso dos pecados, mas que nada trazem do pecado original de Ado que seja necessrio expiar-se no lavacro da regenerao para conseguir a vida eterna, donde resulta que neles a forma do batismo no deve ser entendida como em remisso dos pecados seja excomungado, porque no de outro modo que se deve entender o que o Apstolo: Por um s homem entrou o pecado no mundo e pelo pecado a morte e assim a morte passou a todos os homens naquele em que todos pecaram (Rom 5, 12), seno do modo que a Igreja Catlica, espalhada por todo o mundo, sempre o entendeu; porquanto, em razo desta regra de f, segundo a tradio dos Apstolos, ainda as criancinhas que no puderam cometer nenhum pecado, tambm so verdadeiramente batizadas para a remisso dos pecados, a fim de ser nelas purificado pela regenerao o que contraram pela gerao, pois, se algum no renascer da gua e do Esprito Santo, no pode entrar no reino de Deus (Jo 3, 5)125.
O batismo necessrio salvao daqueles que ouviram o Evangelho e possuem
condies de pedir por ele126. Para estas pessoas, a f no sacrifcio de Jesus no
suficiente, o batismo colocado como uma necessidade para que a salvao se efetue.
Sobre isto diz o artigo 861 da Sesso VII do Conclio de Trento: Se algum disser que
o Batismo facultativo, isto , no necessrio para a salvao seja excomungado127.
Entretanto, como, para a ICAR, Jesus Cristo morreu por todos os homens, podem ser
salvos sem o batismo os que morrem por causa da f (batismo de sangue), os
123 Idem, resposta pergunta 258. 124 Idem, resposta pergunta 263. 125 Extrado de http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=trento&lang=bra#sessao24. Acesso em 23 de setembro de 2006. 126 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 261. 127 Extrado de http://www.montfort.org.br/index.php?secao=documentos&subsecao=concilios&artigo=trento&lang=bra#sessao24. Acesso em 23 de setembro de 2006.
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catecmenos e aqueles que, impulsionados pela graa, sem conhecer Cristo e a Igreja,
procuram sinceramente a Deus e se esforam por cumprir a sua vontade128, chamado
de batismo de desejo. As crianas que morrem sem o batismo so confiadas
misericrdia de Deus129, o que mostra o papel do batismo para a salvao na teologia
catlico-romana.
Na viso de Duffy, Paulo liga a compreenso do batismo a uma compreenso da
morte de Jesus e suas implicaes redentivas sobre a humanidade. De acordo com o
Novo Testamento, o batismo serve para o perdo dos pecados e o recebimento do dom
do Esprito Santo (At 2:38). Na carta aos Romanos, aps tratar do problema do pecado
do homem e da soluo trazida pela justificao por meio da morte de Cristo, Paulo
relaciona o batismo com o Salvador crucificado, de tal modo que o evento batismo e o
evento Cristo seriam idnticos130. Como a entrega de Cristo foi radical, a mudana no
estilo de vida dos fiis tambm deve ser radical (Rm 6:12-14). Os cristos so batizados
em Cristo Jesus (Rm 6:3), e no corpo de Cristo (1 Co 12:12-14, 27). Por isso, esto
vinculados ao Senhor Jesus e a Igreja, pois todos so um em Cristo (Gl 3:28), em uma
unio que transcende divises sociais, ticas ou de gnero. Para Duffy, O batismo a
entrada no mistrio pascal da morte e ressurreio com Cristo. A compreenso do
batismo depende da compreenso desse mistrio131
Quando Paulo trata do batismo como sendo um lavar que santifica, ele recupera
uma relao vetotestamentria entre a santificao e o Esprito Santo. O batismo deve
transformar a vida de quem o recebe. O Esprito Santo tambm aquele que torna
possvel a converso que precede e acompanha o sacramento. O Pentecostes foi para os
apstolos o que o Jordo foi para Jesus, o momento em que foram ungidos pelo Esprito
para o servio. Os relatos presentes em Lucas-Atos mostram, no a ineficcia do
batismo em gua, mas a necessidade da ao do Esprito Santo para que a converso
seja autntica e duradoura. O batismo tambm o momento em que o fiel iniciado e
ungido para servir no Reino de Deus132
Para receber o batismo, portanto, a profisso de f deve ser exigida. No caso dos
adultos, o prprio candidato deve faz-la. Em se tratando de crianas, a f vem por parte
128 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 262. 129 Idem. 130 Fiorenza e Galvin, p.286. 131 Idem, p.284-6. 132 Idem, p.287-90.
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dos pais ou da Igreja133. reconhecida uma solidariedade comunitria. Sobre isso, diz
O Novo Catecismo:
A pergunta, pois, que surge, esta: a criana no tem ainda conscincia e, conseqentemente, no capaz de converso, de entrega de f; como pode, no entanto, receber o sinal de converso e de f? Recebe-o da maneira com que vive, atualmente, tda a sua vida: em dependncia dos adultos. Cristo deu-nos sua salvao de modo social, comunitrio. No a pessoas isoladas, mas a um povo. Assim como cada rebanho tem seus carneirinhos, assim tambm cada povo que cresce possui seus filhos, pequenos sres cuja vida ainda carregada pelos outros. Pelo que, os bebs no so batizados porque j crem, mas, porque queremos, naturalmente, transmitir-lhes a nossa f. Trazemos os filhos dentro de nossa f, dentro da f da Igreja.134
medida em que a criana cresce, espera-se dela que se converta, isto , que
faa uma entrega de f consciente. Essa converso sinalizada quando ela for renovar
os seus votos batismais no sacramento da confirmao. Por esta razo, entende-se que o
batismo deve ser acompanhado de uma educao crist135. Assim sendo, os padrinhos e
a comunidade eclesial tambm possuem parte na responsabilidade no preparo do
catecmeno e/ou no desenvolvimento da f e da graa batismal136.
Ordinariamente, o batismo deve ser celebrado pelo bispo e pelo presbtero, mas
o dicono tambm includo. Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode fazer o
batismo, desde que entenda fazer o que faz a Igreja e derrame gua sobre a cabea do
candidato, dizendo a frmula trinitria baptismal: Eu te baptizo em Nome do Pai e do
Filho e do Esprito Santo137.
O Conclio Vaticano II, em sua Constituio Lumen Gentium v no batismo um
trao de unidade entre cristos catlicos e no-catlicos (LG 15)138. O batismo ainda
visto como sendo necessrio salvao: Os Bispos, como sucessores dos Apstolos,
recebem do Senhor, a quem foi dado todo o poder no cu e na terra, a misso de ensinar
todos os povos e de pregar o Evangelho a toda a criatura, para que todos os homens se
salvem pela f, pelo Baptismo e pelo cumprimento dos mandamentos (cfr. Mt 28,18;
Mc. 16, 15-16; Act. 26, 17 ss.). (LG 24)139.
133 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 259. 134 O Novo Catecismo: A F Para Adultos, p.291-2. 135 Idem, p.292. 136 Catecismo da Igreja Catlica, resposta pergunta 259. 137 Idem, resposta pergunta 260. 138 Extrado de http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19641121_lumen-gentium_po.html 139 Idem.
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3) O PONTO DE VISTA BATISTA
Atualmente, os batistas, os menonitas e a grande maioria das igrejas pentecostais
e neopentecostais no batizam crianas, pelo menos at que elas manifestem o desejo de
serem batizadas e faam pblica profisso de f perante a Igreja. Mesmo entre os
adeptos da teologia calvinista ou puritana, possvel achar vrios telogos que, ao
longo da Histria, defenderam esta viso, tais como John Bunyan e Charles Spurgeon.
Esta questo, entretanto, foi mais sensvel para os batistas, que deram a ela tal
importncia, que fizeram de sua doutrina sobre o batismo a marca que os diferencia dos
demais evanglicos.
3.1) BATISMO: SACRAMENTO OU ORDENANA?
H uma relutncia, por parte dos batistas, em usar o termo sacramento para se
referirem ao batismo e ceia do Senhor. Ao invs disso, eles preferem se referir a estas
cerimnias como sendo ordenanas: O batismo e a ceia do Senhor so as duas
ordenanas da igreja estabelecidas pelo prprio Jesus Cristo, sendo ambas de natureza
simblica140. O mesmo termo usado no documento Princpios Batistas, adotado
pela Conveno Batista Brasileira (CBB), a mais antiga denominao batista atuando no
Brasil: O batismo e a ceia do Senhor so as duas ordenanas da igreja141. Millard
Erickson, em sua Introduo Teologia Sistemtica, tambm chama o batismo e a
ceia de ordenanas142. Tal entendimento bem antigo, e j estava presente na Confisso
de F Batista de 1689, feita em Londres: O Batismo e a Ceia do Senhor so ordenanas
que foram institudas de maneira explcita e soberana, pelo prprio Senhor Jesus - o
nico Legislador143.
Grudem tambm segue esta linha de raciocnio. Para ele, o batismo uma
ordenana (pelo fato de ter sido ordenado por Cristo)144 ou, mais precisamente, um
140 Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira, art.IX, nmero 1. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=629&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 141 Princpios Batistas, Sesso IV, Art.3. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=141&sub=632&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 142 ERICKSON, Millard J. Introduo Teologia Sistemtica, p.459. 143 Confisso de F Batista de Londres de 1689, Cap. 28, Art.1. Extrado de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 144 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemtica, p.801.
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meio de graa. Para Grudem, meios de graa seriam quaisquer atividades na
comunho da igreja que Deus usa para distribuir mais graa aos cristos145. Os meios
de graa apenas concedem bnos aos cristos, sem acrescentar nenhuma aptido ou
benefcio quanto ao recebimento da graa divina. A graa s seria dispensada se houver
f por parte das pessoas que administram ou recebem estes meios146. Esta definio no
se restringe apenas ao batismo e ceia do Senhor, mas, de modo no exaustivo, tambm
se aplica ao ensino da Palavra, orao uns pelos outros, adorao, disciplina na
Igreja, oferta, aos dons espirituais, comunho (entre os irmos, e no em um sentido
eucarstico), evangelizao e at mesmo ao ministrio individual147.
3.2) DEFINIO DE BATISMO
Segundo a Declarao Doutrinria da CBB, o batismo simboliza a morte e
sepultamento do velho homem e a ressurreio para uma nova vida em identificao
com a morte, sepultamento e a ressurreio do Senhor Jesus Cristo e tambm
prenncio da ressurreio dos remidos148. tambm um sinal de sua comunho com
Cristo, na sua morte e ressurreio; de sua unio com Ele; da remisso dos pecados; da
consagrao da pessoa a Deus, atravs de Jesus Cristo, para viver e andar em novidade
de Vida.149. Erickson explica melhor:
um rito de iniciao somos batizados no150 nome de Cristo. O ato do batismo foi ordenado por Cristo (Mt 28.19,20). Uma vez que foi ordenado por ele, mais adequado entend-lo como uma ordenana, no como um sacramento. Ele no produz nenhuma mudana espiritual na pessoa que o recebe. Continuamos praticando o batismo simplesmente porque Cristo ordenou e porque serve como uma forma de proclamao de nossa salvao151.
Nesta definio, ressalta a idia de que o batismo um rito de iniciao,
simblico, que no confere nenhuma mudana espiritual na pessoa que o recebe. visto
145 Idem. 146 Idem, p,802. 147 Ibidem. 148 Declarao Doutrinria da Conveno Batista Brasileira, art.IX, nmero 2. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=143&sub=629&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 149 Confisso de F Batista de Londres de 1689, Cap.29, Art.1. Extrado de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 150 Todos os grifos desta citao so do autor. 151 Erickson, p.463.
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como uma oportunidade para testemunho da salvao, e no como uma forma de
abenoar o fiel.
Em seu artigo O Ensino Bblico da Igreja Acerca do Batismo, Barth d a
seguinte definio:
O batismo cristo , em sua essncia, a imagem da renovao do homem devido sua participao, pelo poder do Esprito Santo, na morte e ressurreio de Jesus Cristo; e , portanto, tambm a imagem daquilo que em si executado pelo testamento da graa, e pela comunho da sua Igreja que em Jesus so cumpridos e realizados152.
Para Barth, a palavra grega baptizein tem o significado de imergir
completamente um objeto na gua, retirando-o a seguir153. Esta simbologia ilustra um
perigo eminente de vida, seguido por uma reabilitao ou preservao, de tal forma que
impossvel compreender o significado do batismo se no estiver claro que o batismo
representa um perigo de morte e preservao de vida154. O batismo , em suma, uma
reproduo da participao do batizando na morte e ressurreio de Jesus Cristo.
O salvo aquela pessoa que morre, sepultada e ressuscita juntamente com
Cristo. Este processo real na vida do salvo, a unio dele com Cristo real. No
momento da salvao, o Esprito Santo une o crente a Cristo, de modo que ele nunca
mais pode existir sem Jesus Cristo, porque Jesus Cristo nunca mais pode existir sem ele;
isto , que ele j no est fora, mas em Jesus Cristo e com Ele permanece no incio de
um novo cu e de uma nova terra155. Esta unio acontece no batismo do Esprito
Santo156.
3.3) VISO BBLICO-TEOLGICA DO BATISMO
Para os batistas, o novo nascimento essencial para a compreenso do batismo.
Erickson fundamenta este posicionamento com dois argumentos. O primeiro que, no
Novo Testamento, as nicas pessoas batizadas identificadas pelo nome eram adultas.
Quanto aos batismos de famlias, eles no excluem a possibilidade de que as supostas
crianas presentes pudessem ter exercido a sua f157. Donald Bridge assim o expressa:
152 BARTH, Karl e CULLMANN, Oscar. Batismo em diferentes vises, p.13. 153 Idem. 154 Idem, p.14. 155 Idem, p.15. 156 Ibidem. 157 Erickson, p.463.
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Os relatos neotestamentrios de batismos de famlias e lares no tm valor algum para comprovar o pedobatismo. Ou no havia bebs nas famlias mencionadas, ou eles foram deixados de lado pelo fato de ser bebs. Se foram batizados bebs na casa de Cornlio, a histria exige que acreditemos que eles falaram em lnguas e exaltaram a Deus! (v.At 10.46-48) Se alguma criana foi batizada na famlia do carcereiro filipense, devia ter idade suficiente para crer, pois foi isso que Paulo e Silas disseram a eles! (v.At 16.33) Se havia bebs nos lares batizados em Corinto (1 Co 1.16), eles deviam ser realmente precoces, pois vemos mais tarde que a casa de Estfanas [...] tm se dedicado ao servio dos santos (1 Co 16.15). Ora, se os bebs foram includos no batismo, devem ter partilhado o servio subseqente!158
O segundo argumento usado por Erickson que a Escritura exige a f pessoal e
consciente em Cristo como pr-requisito para o batismo. A Grande Comisso coloca o
batismo aps o fazer discpulos (Mt 28:19). Joo Batista fazia um batismo de
arrependimento e pedia confisso de pecados (Mt 3:2,6). Pedro exigiu arrependimento
antes do batismo (At 2:37-41). O batismo subseqente f em Atos 8:12; 18:8 e 19:1-
7159. Os Princpios Batistas dizem que a observncia do batismo envolve f, exame
de conscincia, discernimento, confisso, gratido, comunho e culto160. Para a
Confisso de F Batista de 1689: Somente podem ser submetidas a esta ordenana as
pessoas que de fato professam arrependimento para com Deus, f e obedincia ao
Senhor Jesus161. Donald Bridge ainda mais enftico: A f, para o batista, est acima
de tudo. Um batismo sem f consciente no o batismo do Novo Testamento, sendo,
portanto, invlido162. Na verdade, crer de modo diferente pode ser um grande perigo
para a f crist:
Ora, o batista cr que a nica forma de impedir que o prprio batismo se transforme numa armadilha e num meio falso de salvao insistir que a relao entre batismo e f clara, reconhecvel, fundamental e inequvoca. Ele teme que no seja esse o caso quando se trata de um beb. No basta que a f seja identificada nos pais, nos padrinhos, na igreja,ou na esperana de que o beb algum dia creia. Isso faria com que existisse um intervalo de tempo ou uma dependncia entre o batismo em si e a f pessoal do candidato. Dessa forma, acabamos por prestar ateno na coisa errada. As bnos associadas, nas Escrituras, tanto f quanto ao batismo, acabam sendo associadas, no pedobatismo, mais ao batismo do que f. Embora se fale muito na f que surge posteriormente, todo o processo comea de forma equivocada. Muitas pessoas batizadas na infncia crescem sem se dar conta da necessidade de ter f pessoal. A nica defesa evitar o batismo at que a f se expresse163.
158 Bridge e Phypers, p.50. 159 Erickson, p.463. 160 Princpios Batistas, Sesso IV, Art.3. Extrado de http://www.batistas.org.br/miolo.php?canal=141&sub=632&c=&d=1. Acesso em 24 de setembro de 2006. 161 Confisso de F Batista de Londres de 1689, Cap.29, Art.2. Extrado de http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm. Acesso em 24 de setembro de 2006. 162 Bridge e Phypers, p.54. 163 Idem, p.61.
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Para Russell Shedd, a f e o batismo so inseparveis:
Para Paulo, o sacramento o que poderamos chamar de f-batismo. Isso evidencia-se em Glatas 3.26, 27: Pois todos vs sois filhos de Deus mediante a f em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo, de Cristo vos revestistes. De igual modo em Romanos 10.8, 9: Porm, que se diz? A palavra est perto de ti, na tua boca e no teu corao; isto , a palavra da f que pregamos. Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu corao creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, sers salvo. Pela confisso de f no batismo, o nefito incorporado no novo Israel; ele torna-se parte do novo homem, ou seja, ele salvo164.
luz de Romanos 6:5, o batismo uma omoiwma (semelhana) da morte de
Cristo, um smbolo, um selo, um sinal, uma figura ou uma representao165. Segundo
Barth:
O batismo santo e santificador, embora ainda tenhamos de ver o por qu, e em que medida. Mas ele no Deus, nem Jesus Cristo, nem o Testamento, nem a Graa, nem a f, nem a Igreja. O batismo d testemunho de tudo isso, como tambm do acontecimento no qual Deus, em Jesus Cristo, faz com que um homem seja Seu filho, Seu Testamento, despertando f pela Sua graa e chamando o homem para a vida na igreja O batismo testifica ao homem que esse acontecimento no um produto da sua imaginao, mas que uma realidade objetiva, a qual nenhum poder terreno pode alterar166.
Assim, o batismo em si no a histria sagrada (Heilsgeschichte), mas a mais
viva e expressiva representao dessa histria167.
O batismo, assim como a ceia do Senhor, a pregao, a orao e outras aes
eclesisticas uma parte da proclamao da Igreja e, portanto, uma atividade humana:
O batismo, como j dissemos, de qualquer maneira, como todos os outros atos da
Igreja, claramente um ato humano168. Contudo, assim como os outros elementos da
proclamao da Igreja, o batismo tambm uma palavra e ato livre de Jesus Cristo,
ainda que de maneira indireta e mediadora169. Assim, Barth afirma:
O batismo de Joo pela gua d testemunho do batismo com o Esprito e com fogo do prprio Jesus Cristo. Por esta razo, o grande dispensador do batismo pela gua no Joo nem a Igreja, mas o prprio Senhor Jesus Cristo, embora mediadora e indiretamente seja realizado atravs do servio de Joo e do servio da Igreja. Quem poderia, seno o prprio Jesus Cristo, testemunhar com eficcia acerca de Jesus Cristo?170
164 SHEDD, Russell. A Solidariedade da Raa, p.173. 165 Barth e Cullmann, p.16. 166 Idem, p.16-7. 167 Idem, p.18. 168 Ibidem. 169 Barth e Cullmann, p.20. 170 Idem.
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Jesus submeteu-se ao batismo para identificar-se com os pecadores, para unir-se
a eles, de forma que os salvos, juntamente com Cristo, podem sair da gua com a
confiana de que possuem a aprovao do Pai e a comunho do Esprito Santo, razo
pela qual o batismo deve ser feito em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo, e no
somente em nome de Jesus171. Todavia, h que se considerar que o batismo uma
representao da morte e ressurreio de Jesus, e no contm a salvao em si mesmo.
O poder do batismo este: o de testemunhar e simbolizar o sacrifcio expiatrio de
Cristo pela humanidade. O poder est na palavra e ao de Cristo no batismo, e no no
ato em si172. Esta palavra e ao presentes no batismo devem ser livres e no podem ser
manipuladas pelos homens, pois somente Cristo pode oferecer estas coisas aos salvos173.
Barth critica Zunglio por limitar a potncia do batismo a uma f que se limita e,
ao mesmo tempo, se fortifica pelo uso do smbolo. Entretanto, o elogia por ver no
batismo um smbolo da f da Igreja e da f dos seus membros em particular, e que a
sua execuo um ato que recorda, e, portanto, um ato de confisso, e
consequentemente, algo que confirma esta f174.
Ele tambm critica a concepo catlico-romana de que a eficcia do batismo
ex opere operato, ou seja, que a eficcia do batismo est no ato em si. Uma das
afirmaes mais fortes de Barth precisamente a de que a eficcia do batismo est no
poder de Deus, e no no poder do ritual em si175.
De modo semelhante, Lutero estaria errado por valorizar excessivamente as
guas batismais, chegando a cham-las de gua de Deus, que chega a eliminar o
pecado, a morte e a misria, ajudando o homem a atingir o cu e a vida eterna176.
Barth tambm critica aqueles que consideram o batismo essencial salvao.
Jesus Cristo no limitado pelo batismo em suas aes, portanto, no se pode condenar
um homem apenas porque ele no recebeu o sinal do que Cristo fez em favor dele177.
O verdadeiro significado do batismo a glorificao de Deus no
desenvolvimento da Igreja de Jesus Cristo atravs da promessa dada ao homem, com a
divina certeza da graa que lhe dirigida, e atravs da promessa de obedincia
171 Idem, p.20-1. 172 Idem, p.21. 173 Idem, p.21-2. 174 Idem, p.22. 175 Idem, p.23. 176 Idem, p.24. 177 Idem, p.25-6.
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pronunciada sobre o homem, com autoridade divina, em referncia ao grato servio que
lhe oferecido178. O batismo no salva o homem mais do que a f o salva, ele no a
causa da salvao, mas sim o cognitio salutis179. Desta forma, se algum confundir
causa e cognitio, imediata e inevitavelmente ignora e confunde a peculiaridade do
propsito do batismo e tambm o da f180. Em outras palavras, a causa da salvao a
palavra e o trabalho de Cristo pela humanidade, o batismo um reconhecimento desta
oferta de salvao, mas, em si mesmo, no salva:
A palavra e trabalho de Cristo, nicos meios de redeno, estendem-se no somente f, mas tambm ad fidei nostrae sensum; pois a prpria f implica deciso e experincia. No batismo, assim como na Ceia do Senhor, na pregao ou em qualquer outra parte da proclamao da Igreja, a palavra e trabalho de Jesus Cristo so uma oferta de salvao que reconhecida uma revelao do testamento da graa, do renascimento, do perdo de pecados, que satisfaz uma confisso ao homem crente, da realidade divino-humana que o cerca e suporta um convite para o homem crente, chamando-o a responder a esta realidade no seu prprio ser e a se tornar obediente ao Esprito Santo, de acordo com o dom que seu181.
O texto de 1 Pedro 3:21 mostraria isso, uma vez que o batismo o apelo de uma
boa conscincia para com Deus. Assim o batismo um evento onde Cristo fala de si
mesmo e de sua ao em favor do batizando, mas tambm onde o batizando convidado
por Cristo para ser, em Cristo, aquilo que Cristo j 182.
O batismo no salva, mas um selo desta salvao, e neste sentido que
devemos entender as passagens do Novo Testamento que falam que o batismo perdoa
pecados:
No batismo, Jesus Cristo sela a carta que escreveu na Sua pessoa com o Seu trabalho e que ns, pela nossa f Nele, j recebemos. Selar obsignare o trabalho especial do batismo. Se for compreendido assim, podemos e devemos dizer a seu respeito, nas palavras da Escritura: salva, santifica, purifica e d o perdo dos pecados e a graa do Esprito Santo, e efetua o novo nascimento, a admisso do homem no Testamento da Graa e da Igreja. Isto tudo verdade, no sentido em que, no batismo, uma palavra autntica nos proferida de maneira decisiva acerca de tudo isto183.
Barth explica isso com a analogia da naturalizao. O batismo seria como o
recebimento de um certificado de naturalizao. O estrangeiro naturalizado suo, por
exemplo, pode perfeitamente viver e sentir como um bom suo antes de ser 178 Idem, p.27. 179 Idem, p.28. 180 Idem. 181 Idem, p.29. 182 Idem, p.30. 183 Idem.
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reconhecido como tal. Entretanto, a naturalizao importante porque o
reconhecimento de sua cidadania. De igual modo, o batismo no faz do salvo um
cristo, mas o meio pelo qual ele reconhecido publicamente como tal184.
Desta forma, h dois aspectos a se considerar no significado do batismo. O
primeiro o de que ele ministrado para a glria de Deus e a edificao da Igreja de
Jesus Cristo, pois no batismo se faz a lembrana da morte e da ressurreio de Cristo, da
graa que oferecida ao batizando e dos benefcios decorrentes desta graa, como o
perdo dos pecados, o renascimento espiritual e o dom do Espr