Ana Cristina Cesar - Literatura não é documento - Desafinar o coro

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    DESAFINAR 0 CORO

    A diferen~a se introduz no momento em que 0 cinema recua da posi~o onl-potente da aula, da comprova~o, da reduplica~io, da naturalidade. Nio h6registro obJetivo, mas manipula~o, leitura, recorte - a diferen~ seintroduza partir desse reconhecimento. Muda a rela~o com 0 objeto "eutor" ou 0conceito subJacente de "literatura". A diferen~ se produz no sentldo inversodo document6rio.[t.o inv4s de retratar, expor, explicar, naturalizar, poderA ,,_.entio subjetivar, metaforizar, silenciar, encenar, ignorar, ironizar ou iritervircritlcamente nos monumentos, documentos e outros tra~os do museu do ~u~:tor; recusar erigir esse museu; assumir a parcialidade de toda leitura; busearurna analogia com 0 proeesso fragment6rio de produt;io do literario; menelo-nar a proprio filme, tornar consciente a interven~io, referir-se IIfeitura cine-matognifica; de5biografizar, como que de5fazendoa complementaridade sadiaentre vidae obra: hi tensOesneste jogo, e tensaes que nao "limpam" a fun~odocumental, com todo 0 seu poder de registro verdadeiro, mas se fazem noseu intefio!Jo processo de produ~o de um filme document6rio sobre autor de lite-ratura nlo e visto como fixa~o de momentos reais de um eseritor ou de mo-numentos (dentre os quais a literatura) que indieiem seus momentos reais,mas como forma peculiar de represf'nta~io de uma leltura de textos produzl-dos pelo autor. A propria pessoa do autor, se presente na sua fotogenla, naose expoe como comprova~io natural de um evento, I'l1(Ise situa no quadro deuma Interpreta~io.Mesmoque haia 0desejo de reconstltui~io, ela nao se basta a 51mesma,nao justifica 0 filme. "0 Bello poeta nasceude um eleneo consideravelde fo-tografias, informat;iSese documentos e, desde 0 principio, apesar de preten-der reconstituir a trajet6ria da viagembrasileirade Cendrars,elegeucomo per-sonagem principal 0 texto. \Nao deve pareeer estranho que 0 destaque numfilme sobre eseritor seja 0 t'ex'toj(1) A pe sa r d e: 0 filme se centra no textoapesar do peso da documenta~o. Em tensio com este peso: nao sefurtando( 1) C ar lo . A ug us to calli c ome nt a s eu f llm e so br e B la ls 8 C en d ra rs n o 8 rt ig o "C an d ra rs :f lt a e r e8 l1 da de ", p u bl lc ad o n o I Iv ro d e A l ex an d re Eu l6 1 10A aventura bra,f le lm deBI.I,. ClJndr.rlS. Brasnia /S6 'o Paulo , Qulron/IN I., 1978, p. 243.

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    ao documento, 0 fllmei ousa ser ficc;ao. Mais: 0 filme se reconhece fundamen-. talmente ficc;io. CJndrars ou 0 texto de Cendrars ou a Iconografia consldera-vel sio personagens dess!! reconheclmento. Nao se considere a frase final dacitac;io apenas ret6rica: E note-se que a enfase preve 0 seu reverso: nao deveparecer estranho que 0 ~estaque num fi lme sobre escritor seja 0 texto. 1sto edito porque tern parecido estranho.o documento fascina porque deia sensa~o de que e a fonte do discursoverdadeiro , excluindo insensatos mediadores, f ingimentos, f i~oes. H4 quepassaropor este fasc(nio. A passagem padrfo cola a presenc;a do documento aimanencia da verdade vis(vel do mundo, e IIsua explicac;io sempre plaus(vel.Passa pelo documento como prova. J4 a passagem cr(tica mexe com 0 do-cumento como personagem de uma trama talvez passional. "0B elJ o p o ets .exlste a partir de urn contraponto. Enquanto 6 documenteirio anteclpa 0f ie- ,cional. Quando IS ficc;ao remete ao documento, ao passado pr6ximo, visto e :vivido. Esta tensio est ' presente em todos os momentos porque fol assumida I'pelo cine-olho. Nao Ireiimpedir que se configure 0 genero clnematogr4fico :conhecido como docuinentcirio." (2) Serla preciso explicitar mais esta trama? )Corri jome: a diferenc;a nao se lntroduz exatamente no sentldo inverso do do- . .cument6rlo, porque nao apaga 0 genero, mas inc!ui 0 desejo documenteirioentre os seus desejos. Usa 0documento como astucla do diseurso, reinveste-ode flcc;ao.0documento nao 6 mals a fonte de verdade por excelencia. "0Bef-10 poeta nao e isento de paixao."o Po et a d o C as te lo , 1959: (3) Manuel Bandelra encena 0 seu cotidiano.As imagens dessa eneenac;ao nao se apresentam como fixac;6es de momentosreals de Bandelra quel.cumprla registrar 'para a etarnldade (embora possamcircular assim). Se nao' , por que montar 0 pr6dlo sujo do Castelo com a formade trempe vazla de paWelas, fotografados do mesmo ingulo, justapostos comoformas estranhas assemelhadas por um gesto? Alguma colsa nestas seqaancias

    (2) EULALIO. Alexandre. A all8ntura brasilelra de SIal,tI CIIndran.Bras((lelSio Paulo.Qurron}INL, 1978, p. 245.

    (3) Na manobra hlstbrlca que favo no capitulo 1,Iocallzando dola "surtos" de fllmes so-bre autor IItar6rlo, nfo menclonel asrara. Inlclatlvas Isoladas que nfo sa Inserem emnanhum dos dois momento.: os document6rlos de Joaqulm Pedro de Andrade soweManuel Bandalra a Gllberto Freyre, patroclnadol palo INL (1959): os documentA-r ios da Ruy Santol , sobra Gracil iano Ramos (1946) , dalaparecldo no Incindlo daBandelrantas, a sobre A Csle dtl M4rlo de Andrade (19551. E 0 fllma de Nalson P.reira dos Santos, O,Rlo de Machado de Altl" que 0 diretor n4'o gos18 da lumbrar(1964). Se meu Interesse fosse hlstorlografar essa produyJ'o, au podarla panser em 1.fUmes de Humberto Mauro: 2. Inlclatlval lsoladas em 50/60: 3, fUmes "enga'ados"- 0 Velho tI 0 novo, Ume Barreto (1970), Monteiro Lobato 119711: 4. fllmes lig.dos ao 'desbunda' pbs-68 ("contracultura". - &JrlHlro II nOlSo (1969); 5. fllmas doS1J"0 de cultura de.70. Esta cl8SJlfl~o fol referincla malo Impllcl18 ao 10n9Odotrabelho, embora 0unfoque nfo sa'e especlflcamante aste. Por curlosldade, ver 0 In-dice cronolbglco de fllmas, onde 18pode ver IImltas Indeflnldos. Interpeneu..;&s damomentos.

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    I!I

    n50 se confunde com 0 "slmples estar-em da eena, excede a c6pia do motivoreferencial constringe a uma leitura interrogativa" (4), em suma, se distancias~bitamen~e do referente - 08UtOf.'A~ncena~lo silenciosa do cotidiano, cor-tada por acidentes que parecem nlo "slmbolizar" nada, que parecem estilha-c;ar os sentidos imediatos, se desenvolve em contrapontu a !~Itura em ~ff depoemas. e, por que nr o dizer, A . ausencia da voz do narrador sabido. Poemasou versos que nao fazem apanhado, antologia O U representatividade, masapontam para um determlnado ponto de vista, para a op~o de um angulo.Leia-se "Belo belo", "Testamento" e "Voume embora pra Pasargada", ali so-bre as Imagens ensaiadas pelo ator Bandeira a representar um personagem.s~li-tario mas nao depresslvo; 0 que se configura sio as margens de uma lelturaque insiste em certos signos: 0 nl'o ter, a falta, 0 obst6culo, 0 jogo da falta edo deseJo, a conseiencia de inacessibllidade, sem que esses signos precisem ser"ensinados" a um bran co espectador. Urn certo Bandelra: uma certa repre-enlio de certa marca de sua poesla. '

    A biografia nlo comparece como suplemento explicativo. 0que entra f:uma alusio, uma re~~~~'!t~~~_~_~_g~! '.~_ cE~!i~_que se eontrap6em atematizac;io p06tica da falta, instaurando a presenc;a de desencalxes entre 0signo do vivido e a produc;io do Iiter' rio. Cinematografieamente, 0 texto nlioilustra a imagem, embora a rela~ao entre os dois produza novos Sentidos. Assim 'como 0 Iiterario nao reffete 0 biogr6fico, a reelabora~ao cinematogr4ficade uma leitura de Bandeira nlo reflete 0proprio Bandelra. Recombina, juntafragmentos, Insiste, e inclusive introduz 0 arbitrario, 0 propriamente "p06tico"- aquele elemento de sentido que se afasta de um referente, que nao eopianada. Cinematograficamente, constr61se um personagem, pela representaciodo ator Bandelra e pela narracao atraves de uma camara que busea identifiear-se ao olhar do personagem. Uma pretensa ou "fingida" objetlvldade (="captarno filme a personalidade espiri tual de M B") (5), e laborada a partlr' da t6cnicada subjetiva livre indireta, explode afinal num momento de "subjetivldadenua e crua" (6).' I

    f ) A mesma subjetivldade que a verslo Bem-Te-Vf procura aplacar ao en-I {{I xertar no filme (por que voci delxou, Joaquim?) ,as chSssicas fotos flxas de i. "bum de famnia, as caras do autO! plntadas por artlstas consagrados, a voz do.~ J narrador que explica , e logia, conduz. A mesma subjetividade que Joaquim reoavallaria severamente anos depois, num momento de "politizacA'o", critlcan-do-a pela identificac;ao incondicional a f igura do autor, como alias e de praxenesse tipo de doeumentarto: "No Manue l Bande lr a h4 uma visio embarcada -

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    ji1I. ,{ (4) BARTHES, RoIand..O Tircelro senti do. In: E,crltora,. Intelectullis, professores.Usboa, Presa~e, p. 196. .(5) Joaqulm Pedro de Andrada, no anteproJeto do fllme 0poeta do Casttllo, apresentado 80Instltuto Naclonal do Llvro.(6' PASOLINI. Plor Paolo. A poesle do nOlloclnerrID.Rell/staC/lllllzaf6D Srulleifll. Riode Janeiro. 111. malo 1966.

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    .d e certa m an eira, 'en gaJad a com ele. Faltaria u m p ro ces so m ais d ial'tico d ec r{ tl ca , e m q ue e ss es v .a lo re s fo ss em e on fro nt ad os m ai s a gre ss lv am en te c omo utro s v alo res q ue J6 ag rfld iam - d e ord em m oral, 6 tica, p oU tica etc. U m fil-m . d e a mi go , i nc on di cio na lm en te s oli d6 rio " (7 ). D ei xe i a c it a;i o e mb ora e laJi tan ha cad ucado . A tu alm en te Jo aq uim 1 11 0en do ssa a auto crh ica e fech acom 0 fllm e: n ro h i p or q ue co nd en 4- lo em n om e d e um aflito en gajam en topol {tlco.A s ilb je tiv a~ o a ss um id a n a a bo rd ag em d oc um en ta l p od er 4 s er a cu sa dade detu rp a~ o d o real. G ilberto F rey re, n a 6 po ca em q ue fo i film ad o p qr J oa-q ulm P ed ro , re cl am ou d a n fo fi de lid ad e d o d oc um en t4 ri o A su a r ea ti d ade, ouseja, d a d esn eu traliza~ o d o o lh ar d o d lreto r: "A go ra q ue est6 s endo a cu sad?( em v ir tu de d e uma a pr es en ta ~o c in ema to gr !f ic a da su a p esso a e d e su a reu -n a d e v id a q ue, co m o s co rteS q ue so freu , p arece ter resu ltad o com efeito ' n ap eq ue na 'd et ur pa (: io ' t an to d o e ss en ci at d a s ua p es so a c omo d o c ar ac te r( st ic od e s ua ro ti na re cif en sa d e v id a, d es ta ca da s p ar ~ org e Am ad o) d o m ai s f eio d ose sn ob is mo s - 0d e q uerer p arecer rico - 0mo ra do r d e Ap ip ue os , i nd av id a-m en te ch am ad o d e 'm estre' n o film e d o M in lst6 rlo d a E du cacio , sa sen te n ao br ig a(: io d e p or e st es p on to s n os Ii"(8 ). A o d esm entir q ue fo sse rico o u 8$0' Jn ob e, G ilb erto F rey reteria en tfo d eseo berto , m as nr o a pre cia do , a f un da \mental deturpa~o .que todo docum ent4rio produz, e que Joaquim Pedro nfo .h ou ve p or b em m as ca ra r, v ei cu la nd o a fin al a s ua le it ura " Iu xu ri an te " d a fig u-ra do escritor. D a m alm a form a, a prop6sito do Poets'do Castelo, B an deira r ee lamar la c om JOaqu i.m de uma c er ta d ramat lc id a de . con fe ri da pe la f ot ogr aW,aa p el a mu si ca a cena d a- co mp ra d o leite q ue, n a v id a real - arg um en tav a - eraum h6b it o s am amar gu ra s. Am ig av elmen ie , 0p oe ta , a s eu m od o, la me nt av a 0que entendla ser a deturpa~o de urn gesto seu pela 6tica einem atogr6fi

    R etom o outras .encena~ s. A pequena tarsa do professor. 0 cen6rioe sc ol ar e st' e om p le to . A c ha ma da fi ca p ar a 0 fim d a a ul a. 0profe ssor Fe rnan-d o P eix oto d is cu rs a a os b ra do s, o ra a cu sa t6 ri o, o ra a po lo giS ta , e m h om en a-g em a o 209 a ni ve rs 6r lo d o " pa tr on o d a e sc ol a" : O s -w al d e taA n - dr a- da l, e co amos alu no s em co ra. 0 p ro fe ss or g es ti cu la , c on ge st io na -s e, i nf lama- se c om O s -w ald - em bo ra p esso alm en te p refira G uilh erm e d e A lm eid a. E ssa p arb dia d aau la n o m elo d e um fllm e so bre O sw ald ' m e lem bra d e lam pelo a p ro fesso raa rr uma di nh a q ue a pa ,r ec la em c en a p ar a a pr es en ta r 0Ap6logo d e M achad o d eA ss is . E nt re um e o utrp , 0d oc ume nt 6r io t er ia r ec al ca do a f lg ur a d o p ro fe ss or ,que H um berto M aur~ deixsra bem l m ostra; a terla apagado na voz da nir-

    (7) Joaqulm Padro de Andrada, cltadq por Halo(sa Buarque da Hollanda In:Mllcunl l l l718,dllllttlf8turII 110clnlltrlll. Rio de Janalro,'Jos6 OlympID/Embrafllme, 1978. 0 pt6ptloJoaqulm me renaDou 0 conte6do dussa cl~o.(B) Gllberto Fravre, am 8rtlgo publ lcado no c;,uz, 'ro am 1960. oncle crl tlca 0 fllmao Maltftl de AplpUCDS, cltado por Wills Leal. E,crltOrrn bl'8llle/fOl no cinema. JoloP,uoa, ad., p. 3~.50

    IIi ~r a;l o, io ga nd o a p ara 0 s eu p od er os o a sc on de ri jo em off. A paquena tarsa an -d ra di an a r ein tr od uz n a c an a a fl gu ra e sc on did a e q ue st io na s eu s p od ere s. T ra -jeto crrtico : n fo cab a m als ess a v oz b em -falan te a n eu tra, ed ucan do d os bas -t ldo re s, e c u ja f lu id e z p re ssuplSe a das l' o r ev e re n ta A ma t6 rl a d a n ar r8 (: io e U ' ! ' 8r ela (: io a uto rid rl a c om a p la t6 la : 0 p ro fe ss or 6 a go ra p er so na gem d a p ar 6d la ,r ub ic un do , e mo tlv o, c on tr ad lt6 rlo a nt e a flg ura d o a ut or. H om en ag em e v itu -p'rio se entrecruzam . A farsa sa cham a: de com o a ascola va O sw ald de A ~d rad e? O u: d e co mo 0d oc um en drl o n l'o v i O sw ald d e A nd ra de ?E stou falando de um a das canas de He ro i p 6 s tumo da p ro v In c ia , filmeq ue; co ntra a 1 69 1ca eco no micista, sa In sin uo u d en tro d e u m "G lo bo -S hellE sp ec ia l" , e ntre um G ulm arl'e s R os a a um Man lJ el B an de lra d e e xp ort a(:i o.A fa rs e d o p ro fe ss or, n o f ilm e, s a s eg ue a um a mon ta ge m s en tim en ta l d e fo to sd a v elh a S io P au lo . F oto s q ue n io a st i'o a { p ara " do cume nta r" 0 ambi en te d eO sw ald ou para rechear sua blografia. N ao , Sio Paulo be~o do eseritor que'in terassa, m as an tes a u tU iza;lo afetiva d o do cu mento p ara reco rtar u ~a at-m os fe ra d e p ro v{ ne ia , a tra v6 s d e um f ato m uit o p arti cu la r e nf oc ad o p el a 6 tic ad o escrito r (tex to das m em 6rias d e O sw ald ) e p ela m on tag em r'p id a e b rin es-Ih on a d as fo to s: a c he ga da d o p rim eJ ro b on de n a c ap it al p au lis ta , 0s us to e 0d es luml jr am en to c om o s p rl me iro s p as so s d o p ro gre ss o "A ro da d a m in ha ee -sa". N ao h ' ex pllca;6 es n em ero no lo gia. N um m ov im en to s em elh an te ao Sef-ID poeta, 0Hero i p6 st umo t amb6m cont ra po .e 0 "docum endrio" e a "fic~io". A re co ns tr u~ o s en tim en ta l d a a tm os fe ra in gin ua e p ro vin ci an a, s eg ue -- sa a farsa d o p ro fesso r. N um tereeiro m om en ta d o film e, en tram em ch oq uea s d iv er sa s v oz es d a p ro vr ne ia , a go ra f er oz , d ev or an do a h er 6i .

    ~ tam b6m um film e de contraponto: contrap8em -sa a visio m ansa dai nf in ei a d a p ro v( nc ia , c ol ad a a mem6ri a d o e sc rlto r e A l ev e za do documento ;a v is io d is ta nc ia da d a Im ag em d o e se ri to r p el a e nc en a9 fo te at ra l; a v is io p as -s io na l d o d eb ate e m t or no d a f ig ura e d a p ro du (: io d e, O sw al d, a tr av es d o j og od e cit~ oes in flam ad as e d a im ~g em aleg 6tica d os caeh orrin hos m orto s: e fien al me nte .a v is io c arin ho sa , a b re ve a de sio In co nd ic !o na l d O'fil me d o h er~ i,q ue v ia A n to ni o c an di do e xp li ci ta , t al ve z d es ne ce ss ar iamen te , 0 s eu p r6 pn om o vim en to d e s ub je tiv a~ o: " Es t' f in da a a ve nt ura U ri ea d e O sw al d d e A nd ra d e, g ord o q ui xo te p ro cu ra nd o c on fo rm ar a .re al id ad e a o s on ho . O af a re be ld ia )d os q ue n fo aceitam a o rd en a;fo m 6d ia d os ato s p ela so ciedad e, q ue crio u emtorn o d ele, em rep res6 l1 a, a au ra d o m alu eo atlran do co ntra tu do , co ntra t o - Id os. V ista d e d en tro p orem ele era um m en lno in co nso 14v el em face d o m un .,d o, o nd e nfo cresceu seg un do a d im ens i'o d o im ag in 4rio, d e u m im ag in4 rioq ue f os se 0modelo r aa l d a s c o is as ". N um m ovim en to d e eo ntrad ir;io co m 0 s 'r io f lu ir d o d oc ume nt 4r io , 0f il me p od en \ m en eio na r. a p r6 pri a i nte rv en (: io , d es na tu ra li za nd o se p ela v iac rlt ic a d o a uto re fle tl r- se . F az er d oc um en t'r io e a c m esmo te mp o in da ga r- se(e mb ora d i~ re ta me nte , s am r ad ic all da de) s ob re a q ue e f az er d oc um en t'rio :

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    indagac;:ao basicamente lan~idocumental. 0 Va/ho a 0 now, 1967: fazer um'fi l(ne sobre Carpeaux e ~omesmo tempo acompanhar a feltura do filme sobreCarpeaux. Esse acompi~bamento 58 faz atrav~ do es~ de uma hist6ria:L(gia, estudenta de soelologla. Ir A pesquisar sobre Carpeaux e partlc ipar deum fllme sobre ele. "Mel,! nome 4 L(gia. Estudo soclologia e trabalho em lor-nal . HoJe tudo com~ou, normal mente! Acordei cedo, fui iPUC e agora youpra rua. Daqui at6 a noite meu trabalho seli d iferente. P .reciso colher dados efatos sobre um homem cuJo nome me acoStumei a ouvir. Na reda~lo do Corre lo d a M an h6 , onde ele trabalha, nas livrarlas. nas blbllotecas, preciso desco'brir 0que h6 de mals (ntlmo sobre Otto Maria Carpeaux, Judeu austr(aco ex-pulso do seu pals pelo nazlsmo. Ele tem 66 anos, eu 22. Na PUC, nos Intervalos das aulas, quase sempre falamos de poUtica e eventual mente sabre ele.Descobrl entro que um~ colsa na minha vida ele havla mudado: me t lroudacondi~fo de amante do cinema para asplrante iatr lz. Por causa deste fl lmefiz um teste."

    Camera, a~o. L(gia faz seu teste . Entio , sem linearldade narrativa, semcompromlsso com uma coerencla fleeional. do teste passamos para os traba-Ihos da pesqulsa de L(gia (para 0 "filme sobre Carpeaux"), que incluem a suaparticipa~io. L(gla nSo precise se retirar para dar lugar ao document6rio . 0fllme todo 6 afinal um filme sobre a relayio ent re L(giae Carpeaux, na pars-petiva estudantll empenhada de 67/68. para a qual Interessava sobretudo umcerto Carpeaux, 0 do empenho e da luta. Os depoimentos de grandes nomes(Drummond e Trist io) avalizam Carpeaux sim, mas nessa perspectiva. Ugiarepresenta o-sulelto do. documentArio. 0sujeito nao como elemento externo,lugar de uma verdade que roubei iobJethiidade, e que deslocarla 0centro do.document6rio (D"a vardadelra vardade do documentArlo nlo 4, como se pre-tende, a real objetlvo, mas 0 r~al subjetivo, a subjetividade do dlretor"), massim como um dossignos do document6rio, um dos seus personagens, um dostermos da sua IInguagem; Da mesma forma, Carpeaux nio se fixa como 0ob-jeto do document4rlo por excelincia , e lemento extemo que ser4 reglstrado,mas como ~epresentante desse objeto. Sem explicitar a questio, 0 f ilme sepergunta 0 que e urn document4rio, jogando com os elementos que compare-cem inevltavelmente quando se fala de document6rio: 0 "sujelto" e 0 "ob-jeto",

    Nao ISque a rela~io L{gia/Carpeaux esteja em jogo, pois 0 filme adere aperspectiva empenhada - ISafinal um filme da sua epoca, ao qual lnteressavamais "revelar Carpeaux~ que naqueles dias passava por uma fase dif(cll, e efe-tuar um depoimento sabre a realfdade brasile ira, a partir do fntelectual famo-so, mostrando uma serie de vlolencias que a todos tocava" (9), do que ques-

    (9) Maurrclo GomBI leite deflnlndo 0 objetlvo do leU fllmB 0 Velho fJ 0novo, cltBdoper Wills LBBI. op, cit ., p. 63.62

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    t ionar a linguagem do document6rio. Nao 58 t ra~ do quest ionamento de umarela~So tradicionalmente invocada quando se pensa em document6rio, mas dodeslocamento dessa rela~o para 0 interior do documentArio, em termos ,derepresenta~i 'o . Nem fora, nem inexistente: dentro, como termos de uma (poss(vel) dlscusslo. e com isso a tom engaJado e datado do fllme se enrlquece:nio 0 engajamento dldatlzante, condutor ou discursivo, mas 0movlmento deuma rela~io na qual 0engajamento , nota dominante, e cuJa representa~io d680fllme a vitalidade da ausencla de c4tedra. ICurso do poets, 1976: Joro Cabral de Melo Neto chega ao MAM edirige'se it cinemateca, onde se senta no audit6rio ao lado de gravador e entrevistadora. Apagamse as luzes e come~ a proJet;:io de um fl lme de Imagenspernambucanas. De vez em quando urn poema sobre a tela. Pelo gravador, Jo-10 Cabral comenta Informal mente, no ato da projet;:ro, as Imagens que vi. 0sllencio IS0 pr6prio sllenclo descompassado de Joro Cabral, sem 0 rltmo resplrat6rio dos grandes loootores. Os coment6rios sio errantes: passel minha In-fancia em engenho, nunca consegui cortar eana, esse ve.rde6 fantAstlco, a cana, absolutamente infotograf6vel. A voz do poeta acaba contestando a pretensio do filme (tra~ar 0 "curso do poeta") ao aponter a parcialldade da escolhade imagens/poemas nordestinos: "0 cur~ de minha vida e ~m n8gOOloquecom898 exatamente onde 0 rio Capiberibe acaba, do Recife pra fora. Do Recife fui pro Rio. fui pra Espanha, fui para uma poreio de outros parses. deforma que 0 meu eurse 6 um pouco diferente do curso pernambueanc emgeral". Mais do que um fi lme "sobre" 0 curso de JoSo Cabral (que. como elemesmo indica, deveria comeear onde 0 f ilme acaba, do Nordeste para fora) ,um filme que coloca em cena a rela~o entre a imagem, carregada de desejosdocumentals, querendo a terra do poeta, buscarido rarzes e temas da sua poe-sia, e a palavra incerta na narra~o, sam ordem, .sem did6tlca, sem grandesconteudos, que acaba nio passando a imagem atestado de verda de.

    Junqueira Frei re e Pedro .Kilkerrv. poetas baianos: personagens lnter- \pretados por atores em filmes que nio chegam a constltuir um modelo ficocional. Menos obvlamente do que na farsa que corta ~o meio 0 document6rio(Oswald), mais obviamente do que na constru~io do personagem escritor peloator escritor (Bandelra, Gilberto Freyre), 0 documentArio se apresenta comofi~io sem no entanto deixar de ser document4rio. Subsiste 0desejo de utilizar 05 recursos do document6rio, de trabalhar um roteiro a partir de do-cumentos: mas transformando-os com a presen~ do personagem, que nio viraproprtamente 0 substituto veross{mil do autor morto, mas altera a combina-~o dos elementos: 0 documental se mistura ao ficcional, 0 fieeional questio-na e investe 0documental de sentido, de arbitrariedade, de reinvenc'o, supe-rando 0 seu 8uto-suficiente investlmento de verdade. P6s esmigalham flores; 0corpo nu entrela~se i'rvore; a frelra se despe na cela; a camera vasculha asparedes do claustro. 0 monge Junqueira Freire passeia por Maragogipinho,

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    Monserrate, Salvador. 'A camera invade 0quarto onde Kilkerry vivera, circldapor Nazare, ruas inteiras da Bahia. Namorar 0 documento, 0 local, 0 teste-munho; brincar com eres';relnvestl-Ios; ir 16;deselar uma imposs(vel reconstitul~o. esse real queo'elnema onipotentemente quer p$$car. a documento 6entao cenario, signo de).ceniirio, e nib 0 real brut~, exata localiza~o ondealnda sa veem as pegad~s do vulto. '

    "Eu me senti obrigado a' ir a Alagoas. Eu nSo precisava ir a Alagoas.Eu poderia ter f llmado um canavial em Alagoas ou no EstaCiodo Rio. A cenaque 8 U filmel na pra~a Onze. do circa, , mals importante para 0filme e paraa apresenta~l'o da obra de Jorge de L.lmado que 0plano do canavlal em Ala-goas. 1550 porque e um universo mais parecido. Quando voce Ii um poema deJorge de' L.ima e 0 compara com Imagens do canavial e compara esse mesmotexto com imagens de el ree, vOce val ver que casa mais, e mals emeclenante,e mals bonito. 0 fllme passa a respirar a poesla de Jorge de Lima a partir domelo. Quando ele se !ivra de Alagoas, do sertlo. 0 proprio clima do sertio sofunciona, s6 6 entendldo, quando IScomparado com 0 da cldade. au seia,quando voce tem a volta do sertl 'o, voce entende que e 0 eco do sertao dentrodo Jorge de I,.lma. 0 sertao l'nio Iiu!"ldado bruto, ',uma rela~io." (10)

    ~ como se os cineastas se sent lssem fascinados. obrigados a ir la. aoslocals onde viveu 0 escritor , e registra-Ios 'em toda a sua muda visibilidade;como sa esse registro ~vesse alguma eloquincia sobre 0 autor, revelasse algumsegredo da sua obra. Mas de repente nlo: 0 f llme passa a respirar a poesia deJorge de Lima a partir do meio, q ua nd o e le s e liv ra d e A la go as , d o s er ta o, d o 'documento auto- suf ic i en te. 0 filme fica mais "parecido': com a poesia deJorge de Lima. "Parecido" nao trai aqui uma ilustrar;: io , uma contigGidade,um eco (operarlo no poema/operario na fotografia), mas uma semelhan~acom 0 processo de prodw;io dessa poesia, que antes de tudo implica tim atastamento, uma disjun~o: livrer-se da matrlz, do vivido. do '~sertio", estilhaca-1 0 em linguagem, reescrevi:lo atraves de outros textos. Ao emancipar-se dasinjunr;:oesdocumentsisl 0 t iI!" ,e fica mais forte : nl 'o deseja faJar sobre um au-tor, deseja \I for(:a da sua pr6pria linguagem.

    Aos poucosse apaga 0vest(gio da personalidade Jorge de Lima e come-r ; : a a falar urna lelturade textos de Jorge'de Lima, ou a mistura de imagens efragmentos que restalT! dessa leitura. Viose desconectando as similaridadesilustrativas da fotografia com 0 texto. A velha biografia monta com 0delirioclrcense. DeSprende-se'do depoimento da filha uma frase mutilada do contex-to: "Ele nunca disse riada. Absolutamente nada". A frase vern solta, osentidodistorcido, ecoando outra, que se insinua como deslocada ep(grefe: itA poesiade uns depende da aSfixia de outros". A frase e de Jorge de Lima mesmo el101 Joio Carlos Horta , c!iretor da 0 Grsndfl dreo m/,riCQ, em depolmento anexo sobfeofilme.64

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    ~funciona como chave de visao afetiva do biografo: um certo Jorge de Limaque nunca disse nada, cuja matrlz de poesla era talvez a asfixia desses outros.E retorna a voz da filha, descrevendo com obsessiv~, sensual detalhe a barbaespessa do pai. Que importancia informativa 'terla essa descri~io. que verbetea acolheria? Que ml'o a recortou do meio do depoimento vivo da testemunhafamiliar? Note-se: a testemunha nao fol reeusada, mas manejada como ele-mento de leitura. Os recursos tradicionais - testemunho, biografia, terra na-tal. documentos - comparecem como fragmentos. como "textos" que pro-duzem 0 "texto" final do filme, assim como as imagens naodocumentais oudelirantes: um documentario sobre literatura nao reflete um obJeto dado. masreescreve-o a partir de "textos" fragmentarlos (Inclusive 0 texto de tradiQl'odocumental) que um recorte subjetivo recolheu. Um tecido verbaliv isual sub-jetivo se desprende de uma qualquer matriz, asfix iante .e u nlo, e enleia-se notecido verbal/visual objetlvo constltu(do pela materialidade do filme.

    Ao falar em imagens "parecidas", 0 cineasta expressa a inten~So de fazer um filme que de alguma forma se Identlf ique com 0modo de produQio dotexto, OUt nas palavras de outros realizadores, com 0 "universo simb6lico' doautor, 0 "clima" do IiVIO, 0 "tom" do poeta, a "medlda" do discurso litera-rio. A fotografla de um filme sobre Joaquim Cardozo quer ter 0mesmo tom.a mesma luz estourada dos poemas (11). A afoiteza, QS descaminhos e os ex-cessos de um filme sobre Blaise Cendrars no Brasil participam da generosa Ins-pira9So do poeta, falam tamb6m sobre um modo do poeta (12). A finalidadedo filme 0 Guess seria "reproduztr", tanto quanto poss(vel , a obra de Sou-sandrade. A forma rebuseada do filme se identif icaria com a complexidade dotexto de Sousandrade (13). Mas nio h4 similitudes naturais: essa IdentificacSoimpliea uma intervenr;:io arbltrarla do realizador, uma distorr;:io intencional.Trechos do poema de Sousandrade (por eserito, na imagem, e nao bem lidosna trilha sonora). desmontagens irreverentes de epis6dios "cl4ssicos" da histe-ria do Brasil, se alternam com gravuras oficiais dessa hist6ria. cromos quesugerem nossa cronologla escol~r. A biografia de Sousindrade se justapoe aessa alternancia irOnica. a filme evideritemente nao"reproduz nem 0 trajetonem a obra de Sousandrade. H6 como que uma identifiea~io com 0metod,?erftieo de Sousandrande: retomar as figuras dessa hist6ria e desconstru(-Iasno poema. Masao mesmo tempo isto nao ,s 'Sousindrade, nio 0expliea, nao 0engloba. nao 0documenta. a filme seria sobre au para Sousindrade?

    Barbaro e nosso se propoe a ser uma leltura na medida do discurso deOswald de Andrade (14). Trabalha cinematograficamente com a assocja~io e

    1111 Ver depoimento anexo de Helorsa Buarque de Hollanda.112) Segundo comantirlo da Alexandre Eul6lio lobre 0 f ilme de C. A. Calil , no IIvroA AventufB bnullel ra de 81al18CBndran, op. cit .. p. 236.(131 Ver depoimento anexo de S6rgio Santeiro.1141 Ver dapolmento anaxo de M6rclo Souza.65

  • 5/9/2018 Ana Cristina Cesar - Literatura no documento - Desafinar o coro

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    a montagem rAplda que se reconhece nos textos dos Manifestos, l idos em 10 --cu~a:o impossivelmente veloz. Avacalha as cerimonias oficiais. Junta velhoscarnavals e novos baianos, "Teatro for two" e famma enrolada na TV, Super-man e operdrios no ponto, Tiradentes e escada rolante: ' Sugere que 0 debe-chado e cr(tico feroz " tambem um Iibert6rio ao compor cenas de guerra, ee-nas de amor, poemas. Fecha a auto-ironia em forma de garota-propaganda:"Leia Oswald deAndrade. Nas melhores casas do ramo a pre~os de Iiquida~io"(como a lembrar que 0 document4rio tambem funclona para vender a produto autor). Deixo em suspenso a Inscrl~o do filme no cinema boca do Iixo, nasua oposl~ro a "moraJldade ret6rlca, solene e pesadona do Cinema Novo"(15), na sua distribui~io do disctJrso conscientizador sobre imateria' em ques-tlo, nas suas ressonanclas tropicallstas. Hd aqui sobretudo "imagens paraOswald de Andrade".A categorle de "subjetlva~o", que tenho usado para indicar a interfe-rincle no mlto da obJetlvldade no cinema, n'o se refere proprlamente 6 pre-sen~a da sub1etlvldade do dlretor no documentarlo, mas II evldencia~io noInterior do filme de que cinema decumentarlc Iidiscurso (leitura) produzldo,e nio reprodu~io de uma "realldada", "La tache d'un cinema reel sera defal re apparait re dans le!'iI' que nous voyons, Ie 'je' qui se cache et ne se laissejamals voir" (16). No cinema documentario esse je costuma se apagar aindamais, e no cinema document6rio sobre literatura, ao apagar-se , poe em clreu-l lacio novamente 0 conceito dominante d,eque a literatura e um iI,objeto da-do, apendice de um autor, monumento da naeionalidade. A opera~ao interes-sante e arrancar 0 tal je do seu esconderijo , como naquele filme em que 0 pro-fessor e arrancado da tona neutra e recondi ta do off e atirado a propria cena.

    Os deeumentarlos sobre literatura estabelecem determinadas rela~6escom a literatura que articulam uma defini~io au representa~o do llterarlo,mesmo que mascarada. Partindo ja de conceitos dominantes, objetivamenteem circula'Yao, "inescapaveis" por assim dizer, 0documentarlc-pcde refor~a-los au interroga-Ios. Neste capitulo procurei apontar alguns dos movimentosdessa interroga 'YSo, que se caraeterizam fundamentalmente por uma tensSoentre a "documental". e 0 "ficcional" , e pelos quais se pode repensar 0 im-pulso documentarista, jogar com a ment ira do documento e a verdade da fie-~io, cutuear a violenci ,a de certos mitos, e, neste easo especi fico, refazer 0conceito de que IIteratura e leitura, 4 sempre transformat;:io de outros textos,e um lugar de incolneldinelas permanentes; refazer, a nivel da linguagem cine-matogr6flca, 0 processo Iiter6rio, "Imitando" uma forma de produ~ao dediscurso e nfio 0 "mundo"; deseneaixar 0 Mundo organizado do documen-(1SI TAVARES, Zulmira Ribeiro. Cinema brasileiro: empresa ou 8Venwra. Osbate &Crftica, Sio Paulo, 3,'Jul. 1974.1 1 6 1 PINGAUD, Bernard. Nouveau roman et nouveau cln6ma. Cshlfln du Cintlma, Paris,(185), dez. 1966.66

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    t6rio. Fazer documentario sabre IIteratura podera entia impliear, por um la- )do, uma "imitat;:ao" do processo de produ~ao do literario e. por outro, uma"remontagem" de fragmentos que compoem a instancia do IIterario em clrcu-(I~io no Mercado: biografias, cr(ticas, imagens do autor, manuscrito, ambien-test antologias, aulas . resenhas _ Pedac;os do 11ter4rio que 0 filme poder6manipular, sem entretanto assinar embaixo sua Jegitimldade profunda.

    Talvez por meu proprio comprometimento com a litera rio, acabo to-mando partido e encaminhando uma hipotese: a de que 0filme documentariosobre Iiteratura fala mais de literatura na medida em que sa identifiea ao pro-jeto Iiter4rlo de autonomla e Intransltlvldade de Jinguagem, ou seja, na medidaem que, com tods a sua tlmldez, fica menos "documentario", livrando-se,como quer a l inguagem Iiteraria. da obriga~io de dizer (ou ensinar) algumaeoisa. 0 resto 4 cinema. Trata-se afinal de contas de um paradoxo, -uma for- ' I ' ,mula~io de negatividade: nao informar, nr o biografar. nao construir u'm mo-! [) :numento naelenal, transgredlr a cltac;'o e 0depolmento: encenar, de.vlrtuer I Icaptat;:ao natural do escrltor, transer um personagem Uneluslve 0personagem- )texto e 0 personagemdocumento). Onde entio sa velcula, sem purezas Id'alma, uma rela~ro com a Iiteratura como matriz de lelturas possiveis. como /produtlvidade descompassada do "real" , como posslbilidade de descontrut;ao /de entidades metaffsicas: 0Autor. a Cultura, a Naeionalidade.

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