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A. Garcia; C. Bitencourt Neto & D. C. Góes 3
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (1), jan - jun, 2013,3- 19
Amizades de brasileiros residindo no exterior:
significado, dificuldades e origem
Friendships of Brazilians living abroad:
meaning, difficulties and origin
Agnaldo Garcia 1; Cloves Bitencourt Neto &
Dominique Costa Góes
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil
Resumo
Esta pesquisa teve como objetivo investigar as relações de amizade de brasileiros residindo no exterior
com brasileiros ou pessoas de outras nacionalidades. Sessenta brasileiros residindo na Ásia, Europa e
América do Norte havia pelo menos seis meses responderam a um questionário sobre o início e
episódios marcantes das amizades, dificuldades e o significado da amizade e a descrição dos amigos.
Os episódios marcantes geralmente estavam ligados a experiências compartilhadas ou apoio social. As
dificuldades encontradas ocorreram principalmente na comunicação e foram atribuídas a diferenças
culturais, diferenças individuais, distância geográfica e falta de tempo. O significado da amizade estava
associado ao companheirismo ou compartilhar atividades e interesses e apoio social. A descrição dos
amigos atribui a estes uma série de características relacionais, como proximidade, companheirismo e
disponibilidade para ajudar. Com base nas propostas de Hinde (1997), busca-se discutir a relação
entre os aspectos estudados em um modelo teórico para amizade no contexto de migração.
Palavras-Chave: Relações interpessoais, Amizade, Migração humana.
Abstract
This research aimed at investigating the friendships of Brazilians living abroad with other Brazilians
or people from other countries. Sixty Brazilians living in Asia, Europe and North America for at least
six months answered a questionnaire about the beginning and remarkable episodes of their
friendships, difficulties and the meaning of friendship, and described friends. The remarkable
episodes were often linked to shared experiences or social support. The difficulties encountered were
mainly in communication, due to cultural and individual differences, geographic distance and lack of
time. The meaning of friendship is associated with companionship or sharing activities and interests,
and social support. The description of friends involves a series of relational characteristics, such as
closeness and companionship and willingness to help. Based on Hinde’s proposals, the paper
discusses the possible relation among the aspects studied in a theoretical model for friendship in the
context of migration.
Keywords: Interpersonal relations, Friendship, Human migration.
1 Contato: [email protected]
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De acordo com o Ministério das Relações
Exteriores (2011), com base em consultas
feitas no final de 2010 a Embaixadas e
Consulados do Brasil, havia 3.122.813
brasileiros vivendo no exterior. Por outro
lado, o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (2011), com base no Censo 2010,
chegou a uma cifra muito inferior,
totalizando 491.645 emigrantes brasileiros, o
que possivelmente é um número
subestimado, em função da metodologia
adotada para a estimativa. A falta de
informações sobre brasileiros no exterior
não se restringe a dados populacionais, mas
atinge também a vida social desses
brasileiros no exterior, de modo geral, e suas
amizades, em particular.
A literatura acerca da rede social de
brasileiros no exterior e, particularmente,
suas amizades, ainda é escassa. A figura do
amigo tem estado presente em vários
estudos sobre migração internacional de
brasileiros, indicando sua participação no
processo migratório, tanto no local de
origem quanto no local de destino dos
migrantes. Fazito e Rios-Neto (2008), ao
revisar a literatura sobre o tema,
identificaram um sistema de migração
internacional de brasileiros para os EUA
envolvendo emigrantes, familiares e amigos
no Brasil, familiares e amigos nos EUA,
agentes independentes, agências de turismo,
falsificadores, retornados, igrejas na
comunidade de imigrantes, pastores e
coiotes (mexicanos). Dentro desse sistema,
as redes pessoais, baseadas nos laços
familiares e de amizade, ocupariam espaços
importantes.
A presença de amigos também foi
verificada entre os motivos da emigração
por mulheres brasileiras que migraram para a
Europa (Lisboa, 2007), além do acesso à
educação ou a oportunidades de maior
qualificação profissional, experimentar
diferentes sensações e ir atrás da rede
familiar que já se encontra no país.
Diversos autores reconheceram a
participação e a relevância de amigos nas
migrações internacionais de brasileiros.
Segundo Soares (2002), o indivíduo, ao
migrar, tende a seguir as rotas traçadas por
parentes e amigos antes dele, indo com
conhecidos ou à procura de conhecidos,
servindo as relações pessoais de ponto de
apoio à movimentação espacial,
especialmente as redes em torno de relações
de parentesco, de amizade, de trabalho e de
origem comum. Segundo Fusco (2009), a
maior parte dos indivíduos que ingressa em
fluxos migratórios internacionais,
especificamente para os Estados Unidos,
pertence a determinados grupos sociais de
familiares ou de amigos. Para Siqueira, Assis
e Campos (2010), os emigrantes brasileiros
se utilizam das redes sociais para minimizar
os riscos presentes na migração de longa
distância, indicando a existência, no caso de
Estados Unidos e Japão, de uma ampla rede
migratória, que envolve agências de turismo,
intermediários, instituições religiosas, redes
de parentesco, amizade e solidariedade
étnica ligada à migração, com destaque para
os laços informais com parentes, amigos e
conterrâneos. Apesar da participação de
amigos no processo de emigração de
brasileiros, pouco se sabe sobre o significado
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dos amigos e da amizade para brasileiros no
exterior.
Mesmo considerando outros grupos
nacionais, são poucos os estudos
relacionando diretamente amizades e o
processo de migração internacional. Kugele
(2006) analisou as amizades de jovens
adultos nômades e os efeitos da mobilidade
social em suas amizades, discutindo a
relevância dos amigos na reintegração social
e o significado da comunicação para manter
e estabelecer amizades. Haug (2003)
considerou amizades interétnicas como um
indicador de integração social entre jovens
imigrantes italianos e turcos na Alemanha,
com base em amizades desses jovens com
alemães. Investigando jovens imigrantes de
Taiwan vivendo nos Estados Unidos, Tsai
(2006) aponta o papel do contexto
sociocultural para o jovem imigrante
reconstruir suas redes de amizade, vivendo
com a sua comunidade étnica, devido à
limitação no conhecimento de inglês, o que
aumentava as redes de novas amizades, o
que foi considerado como um fator de
proteção para esses imigrantes.
Outros autores têm investigado amizades
entre diferentes raças ou etnias, sem
referência direta ao processo de imigração
propriamente dito, investigando grupos
étnicos diversos dentro de um mesmo país.
Nesse caso, alguns estudos têm indicado a
identificação racial e étnica como um fator
nas escolhas de amigos (Fong & Isajiw,
2000; Kao & Vaquera, 2006). Em outros
casos, têm sido destacadas as dificuldades de
comunicação entre pessoas de diferentes
grupos étnicos, dificultando a formação de
amizade (Vorauer & Sakamoto, 2006).
Contudo, quando amizades entre membros
de diferentes grupos étnicos se formam,
essas servem para reduzir o preconceito
entre os grupos envolvidos (Aberson,
Shoemaker & Tomolillo, 2004),
contribuindo positivamente para a
compreensão de atitudes multiculturais, de
cuidado e simpatia por pessoas de outras
etnias (Verkuyten & Martinovic, 2006).
Algumas investigações recentes
conduzidas no Brasil relacionaram amizade e
migração e são relevantes para a presente
pesquisa. Garcia e Goes (2010) investigaram
amizades de universitários de Guiné-Bissau e
de São Tomé e Príncipe residindo no Brasil.
Doze entrevistas foram conduzidas sobre a
rede de amigos e as amizades mais próximas
desses estudantes. A maioria dos amigos era
da mesma nacionalidade ou brasileiros,
residia na mesma cidade e foi conhecida no
Brasil e foi percebida pelos próprios
participantes como relevante para a
adaptação ao Brasil. Os autores concluíram
que os amigos são fundamentais para a
adaptação social e cultural desses estudantes.
Garcia e Rangel (2011) investigaram
amizades de universitários cabo-verdianos
residindo e estudando no Brasil, destacando
a predominância de amigos da mesma
nacionalidade residindo na mesma área
metropolitana. Os participantes destacaram
o valor da amizade e a ajuda recebida. As
dificuldades percebidas nas amizades
estavam relacionadas à distância dos amigos,
características pessoais e dificuldades de
comunicação. Os episódios marcantes
estavam ligados a lazer e ajuda do amigo. A
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maioria das amizades foi considerada como
relevante para a adaptação ao Brasil.
Garcia, Goes, Moura e Pepino (2010)
investigaram os episódios marcantes nas
amizades de universitários africanos no
Brasil, considerados importantes por revelar
aspectos internos à díade de amigos e
pontos relacionados ao contexto social. Os
autores destacaram apoio e companheirismo
como as principais propriedades do
relacionamento em suas dimensões diádicas
e as festas e demais eventos sociais, como o
contexto social mais amplo dessas amizades
e a existência de diferenças culturais no
conteúdo das amizades.
Esta pesquisa tem como referencial
teórico a obra de Hinde (1997) sobre
relacionamento interpessoal e as propostas
de Adams e Blieszner (1994) sobre amizade.
Hinde (1997), referindo-se ao
relacionamento interpessoal, destaca a
importância dada aos aspectos descritivos e
a consideração de diferentes níveis de
complexidade e suas relações mútuas.
Adams e Blieszner (1994), tratando de
amizades, também propõem investigar
aspectos internos e externos (contexto),
incluindo estrutura e processos. Segundo
Hinde (1997), diferentes níveis de
complexidade, incluindo processos
intraindividuais, interações, relacionamentos,
grupos e sociedade, além de estruturas
socioculturais e o ambiente físico, afetariam
e seriam afetados uns pelos outros de forma
dialética.
Assim como Hinde (1997), Adams e
Blieszner (1994) também buscam um
modelo integrador para o estudo da amizade
entre adultos, integrando aspectos internos
ao relacionamento (como as dimensões
tradicionalmente estudadas, como
intimidade, compromisso, satisfação, entre
outras) e aspectos externos (de contexto,
como aspectos culturais, sociais, históricos,
religiosos, entre outros).
Adams e Blieszner (1994) consideram
estrutura e processos nas díades de amigos e
nas redes de amizade. A estrutura da
amizade envolve o grau de similaridade entre
amigos, sua proximidade emocional, status e
diferenças de poder e intimidade. Os
processos interativos da amizade são
dinâmicos e incluem processos cognitivos,
afetivos e comportamentais. Finalmente,
deve-se levar em conta o contexto estrutural
e cultural das interações de amizade,
incluindo suas mudanças no tempo. Esses
elementos são similares aos propostos por
Hinde (1997), cujo arcabouço conceitual
para os relacionamentos em geral também
integra aspectos internos e externos à díade
(incluindo aqui o grupo e a sociedade como
níveis de complexidade mais abrangentes
que o do relacionamento, além de fatores
sociais, culturais e ambientais). O autor
também inclui aspectos cognitivos, afetivos e
comportamentais como elementos do
relacionamento a ser investigados.
O objetivo desta pesquisa foi investigar as
relações de amizade de brasileiros residindo
no exterior com brasileiros ou pessoas de
outras nacionalidades. Os objetivos
específicos foram investigar a descrição dos
amigos, os episódios marcantes e o
significado da amizade, as dificuldades e a
origem da amizade. Com base nos modelos
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propostos pelos autores acima, são
propostos alguns elementos a ser
considerados em modelos de amizades
relacionadas ao processo de migração
internacional.
O trabalho se justifica pela falta de
informações sobre amizades em contexto de
imigração, especialmente em torno de
brasileiros, contribuindo particularmente
para a consideração de fatores culturais nas
amizades. Do ponto de vista social,
conhecer em maior detalhe as amizades de
brasileiros no exterior pode contribuir para a
busca de melhores condições de vida para
cidadãos brasileiros vivendo em outros
países.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa sessenta brasileiros
residindo no exterior havia pelo menos seis
meses, com idades entre 17 e 56 anos, sendo
37 mulheres e 23 homens, 32 casados e 28
solteiros, sendo que 20 residiam na Ásia, 20
na Europa e 20 residiam na América do
Norte, conforme Tabela 1.
Tabela 1: País de residência dos participantes
Ásia
Participantes Europa Participantes América
do Norte
Participantes
China 10 França 4 EUA 16
Japão 4 Itália 4 México 3
Indonésia 1 Espanha 4 Canadá 1
Timor Leste 1 Áustria 2
Malásia 1 Inglaterra 2
Tailândia 1 Alemanha 1
Índia 1 Dinamarca 1
Emirados Árabes 1 Hungria 1
Portugal 1
Total 20 20 20
Procedimento de coleta e análise de
dados
Os participantes foram identificados a
partir de indicações de amigos ou parentes
de brasileiros residindo no exterior e a partir
de comunidades de brasileiros no exterior.
Os possíveis participantes foram contatados
via internet (e-mail) e foram convidados a
responder um questionário com questões
fechadas e abertas sobre suas relações de
amizade no exterior (com estrangeiros e/ou
brasileiros), assim como preencher um
Termo de consentimento informado para
participação na pesquisa. Um questionário
com questões abertas e fechadas foi
especialmente desenvolvido para a realização
da presente pesquisa. A pesquisa foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Universidade Federal do
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Espírito Santo (UFES).
Trata-se de pesquisa de natureza
exploratória, descritiva e qualitativa. Os
dados foram tratados buscando-se descrever
e discutir alguns aspectos dessas amizades.
O material obtido foi organizado e analisado
de acordo com os pontos abaixo. Os dados
foram discutidos à luz da literatura sobre
amizades internacionais. Os seguintes
pontos foram analisados: descrição dos
amigos, o significado e a origem das
amizades, episódios marcantes e dificuldades
com amigos.
Com base em estudos preliminares,
alguns tópicos foram selecionados para
serem investigados considerando-se sua
contribuição para a construção de uma base
descritiva sobre amizades na situação
investigada, conforme proposto por Hinde
(1997). Assim, a descrição dos amigos e o
significado da amizade visavam conhecer a
concepção dos participantes acerca dos
amigos e da amizade de modo mais
conceitual, como a origem das amizades, os
episódios marcantes nas amizades e as
dificuldades na amizade também são
elementos descritivos, mas de natureza mais
episódica. Dessa forma, buscou-se uma base
descritiva mais ampla para as amizades.
Quanto ao procedimento de análise, os
dados foram objeto de análise de conteúdo
(Bardin, 1977; Franco, 2008; Flick, 2009),
buscando-se identificar as categorias
emergentes em cada um dos aspectos
investigados, de modo indutivo, de acordo
com sua similaridade.
Resultados
De acordo com o referencial empregado
(Hinde, 1997), foram investigados três níveis
em relação às amizades de brasileiros no
exterior: a pessoa do amigo, episódios
marcantes (interações) e o significado da
amizade (relacionamento). A origem ou
início das amizades se mostrou relacionado
ao contexto social, que reúne as
características que Hinde (1997) denominou
de grupo, com suas estruturas socioculturais
e ambiente físico, dentro de uma sociedade
mais ampla.
A descrição dos amigos
Considerando-se os três continentes, os
amigos quase sempre foram descritos de
modo positivo, com a utilização de um
grande número de adjetivos ou
características. Procurou-se organizar o
conteúdo das descrições em grupos ou
categorias. Três grupos são propostos:
características relacionais, características
relacionadas à atração interpessoal e
similaridades.
No primeiro grupo, uma ampla gama de
adjetivos e expressões foi empregada para
descrever as características relacionais ou a
forma como o amigo se relaciona com
outras pessoas. Primeiramente, um grupo de
qualificações reafirma a condição de amigo
ou determina o tipo de amigo considerado,
como o amigo de todos os momentos ou
horas, bom amigo, melhor amigo, grande
amigo, alguém que valoriza a amizade, amigo
verdadeiro, amigo para todas as horas, além
de amigo, ótimo amigo, amigo mesmo,
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amigo-surpresa, primeiro amigo, amigo mais
marcante, alguém que vale a pena conhecer e
ter como amigo e amigo para tudo. Outras
características atribuídas ao amigo foram sua
proximidade (muito próximo, presente,
como irmão, mãe ou pai), a intimidade com
ele (íntimo) e sua lealdade (fiel ou leal).
Também frisaram o amigo como alguém que
gosta, respeita e cuida do outro (querido,
tem carinho e respeito, trata bem, preocupa-
se comigo, anjo). O valor do amigo é
destacado ao ser considerado fundamental,
precioso e raro.
O companheirismo é enfatizado em
expressões como companheiro,
companheiro de aventuras, super
companheiro, parceiro, compartilhar
“alegrias de estar em outro lugar e tristezas
de estar longe da família e dos amigos”,
compartilhar o “choque cultural”,
experiências e atividades, além de fazer
“descobertas juntos”.
Outro traço do amigo é sua
disponibilidade para ajudar, sendo prestativo,
ajudando muito ou dando apoio, sendo
conselheiro, disponível, pronto ou disposto
a ouvir, sempre apoiando ou disposto a
ajudar, que sabe ouvir e dar conselho, sendo
alguém com quem se pode contar, com
quem se aprende muito, aquele que “ensinou
as primeiras palavras em alemão” ou que
ajuda em relação ao trabalho.
Além das características já mencionadas
nos parágrafos anteriores, uma série de
adjetivos e expressões caracteriza a forma
como o amigo se relaciona com outras
pessoas, como o fato de ser confiável ou de
confiança, sincero, carinhoso,
compromissado, comunicativo, sociável,
sensível, agradável, amigável, atencioso,
educado, generoso, “ter um coração
imenso”, ser acolhedor, humano, “de ótima
convivência”, transparente, comprometido,
um “amor de pessoa”, doce, caloroso, gentil,
extrovertido, compreensivo, amoroso,
verdadeiro, paciente, “sem preconceitos”,
meigo, jovial e discreto. E ainda reservado,
fechado, impaciente, carente, tímido,
teimoso e autoritário. Há aqui, a menção de
diversas facetas do relacionamento, como
confiança, sinceridade, carinho,
compromisso, comunicação, entre outras.
Um segundo grupo de características
atribuídas aos amigos, de natureza positiva,
poderiam ser consideradas como elementos
de atração interpessoal, como o fato de ser
uma pessoa simpática, carismática, ótima,
admirável, interessante, inteligente, tranquila,
calma, despreocupada, batalhadora,
determinada, firme em suas decisões,
autoconfiante, constante, alguém que
“coloca seus interesses em primeiro lugar”,
livre, culta, séria, muito especial, com muita
energia, que “gosta de coisas sofisticadas”,
criativa, enérgica, forte, introspectiva,
positiva, perfeccionista, organizada, simples,
sistemática, centrada, concentrada,
desapegada, responsável, “aberta a novas
coisas ou novidades”, “aberta a novas
culturas”, aventureira, espiritualista, madura,
“gente boa”, “personalidade boa”, ágil,
audaciosa, curiosa, esperta, sagaz, excêntrica,
louca e pirada (ousada), conservadora,
política, romântica e inocente. O humor é
uma característica do amigo que se mostra
alegre, bem-humorado, divertido, engraçado,
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de alto astral, animado, contente, feliz, de
bem com a vida e brincalhão.
Alguns descreveram o amigo apontando
similaridades com ele, como “a gente se
identifica muito”, ou possui “ritmo quase
semelhante ao meu” ou é aquele que tem “o
gosto musical mais parecido com o meu”.
Ou ainda apontaram interesses em comum,
como “boas conversas”, gostar de “contar
histórias interessantes”, “dedicação à
família”, “estar com várias mulheres ao
mesmo tempo”, também possuir “ex-mulher
e filho”, além de “guardar dinheiro para
voltar para seu país”. Também foi pontuada
uma vez a diferença entre os amigos, ao ser
descrito como “um pouco diferente de
mim”. Em poucos casos, os interesses e
atividades do amigo serviram para descrevê-
lo, como o fato de ser “o maior bebedor que
conheço” ou ser alguém “interessado pela
cultura brasileira” ou que gosta de “curtir a
vida”.
Finalmente, raras vezes, a nacionalidade e
a cultura serviram para descrever o amigo,
como ser “um húngaro um pouco diferente
dos outros” ou “a melhor representante da
cultura americana que poderia ter
conhecido” ou ainda “bem aculturada”.
Raramente os amigos foram descritos com
base em características físicas, de idade ou
preferência sexual, como ser bonito, “um
senhor de idade” ou gay, e poucas
características do amigo eram aparentemente
negativas, como o fato de ser preguiçoso,
irresponsável, orgulhoso, medroso,
pessimista, teimoso, nervoso e irônico.
Em suma, a descrição dos amigos é
ampla e diversificada, destacando-se
propriedades que foram denominadas
“relacionais”, pois qualificam o amigo como
alguém que apresenta certas propriedades ao
se relacionar. Outras características parecem
indicar algo que se admira no amigo,
possivelmente servindo como um fator de
atração interpessoal, sendo raras as possíveis
críticas. Alguns aspectos são, por vezes,
associados à condição específica do
imigrante, como o companheirismo
(incluindo o compartilhar interesses e
atividades com o amigo) e a disponibilidade
para ajudar.
O significado da amizade
Os participantes descreveram o
significado da amizade de modo
diversificado e positivo. Contudo, três
aspectos principais podem ser identificados:
reconhecimento da relevância da amizade,
companheirismo e apoio social.
Um primeiro aspecto a ser mencionado é
a importância ou relevância da amizade e
dos amigos em suas vidas. Segundo os
participantes, as amizades significavam
muito, era algo maravilhoso, importante,
inesquecível, um patrimônio, de modo que
amigos não podem faltar. Ainda são um
sentido ou parte importante da vida, cuja
opinião faz diferença na vida. O amigo
completa o outro em vários aspectos, é
alguém de quem se que gosta e com quem
quer passar a vida. Para alguns, a amizade
significava tudo ou muito, algo importante,
especial ou indispensável. Em poucos casos,
amizades foram consideradas como pouco
significativas, não significando muito ou o
participante “não esperava muito das
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amizades estrangeiras”. Ainda destacaram a
amizade verdadeira, baseada em um
sentimento verdadeiro, forte, genuína.
Amigos também foram comparados com
uma figura familiar, irmão, irmã, pai ou mãe,
com o intuito de destacar sua importância.
O companheirismo foi outro elemento
central para o significado das amizades.
Esteve presente em expressões como
“alguém sempre presente”, com quem se
pode contar ou confiar. O amigo é “alguém
com quem se mantém boas conversas”, uma
“companhia que me entende”, um
“companheiro para horas difíceis”, com
quem “se dá bem”. O fato de se estar em
outro país estava relacionado com
“compartilhar dificuldade de morar em
outro país” e “compartilhar a dificuldade do
idioma e treinar juntas a nova língua”. O
significado da amizade envolvia diversão e
alegria e a amizade também foi associada a
apoio, segurança, bem-estar, carinho,
atenção, amor, sinceridade, proteção,
respeito mútuo, conforto e união.
O apoio foi outra dimensão central da
amizade. Amigos foram considerados “fonte
de sabedoria, conselho e crescimento
individual”, ajudando o outro a crescer. O
apoio específico do amigo em um país
estrangeiro também foi indicado de diversas
formas, como “ajudar a conhecer o país e se
relacionar com seus habitantes”,
“fundamental para adaptação no país”, e
ainda “ponto de referência para a cultura
local, permitindo o aprendizado e
conhecimento de uma nova cultura”. O
amigo também foi visto como o primeiro
contato em uma nova cultura, apoio nas
questões burocráticas, tutor em um mundo
desconhecido, quem apresentou os amigos
estrangeiros, contribuindo para a vida social,
a melhor companhia que encontrou no país,
“por um longo período foi o único amigo”.
O amigo também representou “ajuda com o
idioma ou para conhecer ou se aproximar de
outras culturas”. Amigos ainda permitiam o
contato com a própria cultura, com o Brasil,
a família e as raízes brasileiras.
De forma geral, ao tratar do significado
da amizade como algo mais amplo, não
apenas apontaram a importância da amizade
em si, como destacaram algumas dimensões
específicas das amizades, especialmente o
companheirismo e o apoio, centrais para o
significado das amizades, inclusive no
contexto de migração internacional.
A origem das amizades
A origem das amizades foi associada a
um contexto institucional, a um grupo
social, a um evento social, à internet ou a
pessoas específicas. Os participantes se
referiram a um contexto institucional
específico, como o contexto
escolar/universitário, incluindo cursos de
idiomas, aulas de dança e atividades
relacionadas a intercâmbio cultural. O
trabalho e a igreja também foram indicados
como contextos onde amizades tiveram
origem, assim como a vizinhança e o
condomínio. Grupos sociais indicados
foram associações de brasileiros ou latinos, a
própria família e um grupo musical (banda
de jazz) como a origem das amizades.
Outras formas pelos quais esses amigos se
conheceram foi através de eventos sociais,
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como festas, feiras e viagens. A internet
também foi indicada, incluindo o Orkut e
um site de troca de conhecimentos
linguísticos português-inglês.
O contato pessoal também foi apontado
como a origem de amizades. Nesse caso, um
amigo ou parente serviu de elo para formar
uma nova amizade. Na Ásia, quatro amigos
se conheceram através de outro amigo e um
amigo foi apresentado por um familiar do
participante. Na Europa, em seis amizades,
um amigo apresentou o participante para
outros amigos.
Episódios marcantes nas amizades
Os episódios marcantes se referiam
principalmente a experiências
compartilhadas e a apoio social. As
experiências compartilhadas foram
classificadas em quatro grupos e duas
formas de apoio foram indicadas.
Um primeiro grupo de experiências
compartilhadas diz respeito às atividades
cotidianas, como dividir a mesma moradia,
dormir na casa do outro, compartilhar
refeições e trabalho voluntário, estudar ou
trabalhar juntos, compartilhar caronas,
conviver diariamente e partilhar atividades
religiosas (oração e revelação).
Um segundo grupo diz respeito a
compartilhar dificuldades ou experiências
relacionadas a um momento especial de
vida, como compartilhar dúvidas e
inseguranças e apuros passados juntos,
casamento e maternidade na mesma época,
partilhar “a experiência de ser estrangeiras,
mulheres e ter um companheiro nativo”, de
morar no exterior, compartilhar “a falta de
seus parceiros românticos que moravam em
países diferentes”.
Um terceiro grupo se refere a
experiências compartilhadas relacionadas a
lazer e à diversão, como festas, viagens ou
visitas a pontos turísticos, passar férias
juntos, comer ou beber juntos (churrascos,
jantares), ir a bares ou boates, passeios,
shows, festivais culturais, concertos, locais
para dançar, além de praticar esportes, ver
filmes e jogar (jogos e videogame).
Um quarto grupo de experiências
compartilhadas estava relacionado a
conversas sobre diversos assuntos pessoais
(como acontecimentos marcantes da vida,
trabalho, relacionamentos, perspectivas
futuras, perdas e expectativas familiares,
família, assuntos íntimos, experiência de
vida, desabafos, repartir sentimentos
profundos, segredos compartilhados) ou
culturais (história do país, filmes, livros,
diferenças culturais e dificuldades no país).
Ainda se referiram a gargalhadas e rir juntos.
Vários episódios se referiam a alguma
forma de apoio social recebido ou
fornecido, frente às dificuldades e
problemas. Esses episódios foram divididos
em dois grupos: episódios em que os
participantes reconheciam o apoio como
relacionado à adaptação ao novo país e
episódios de apoio sem explicitar a condição
de migrante.
Nos episódios relacionados à adaptação
ao novo país, o apoio foi considerado
marcante para ajudar a lidar com outra
cultura e sociedade. Nesse sentido, o apoio
de amigos foi importante para encontrar
emprego em outro país para lidar com a
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saudade de casa, para se sentir acolhido
nessas condições, para realizar estudos e
viagens em outro país, para enfrentar
momentos de tensão de guerra no país, para
enfrentar momentos difíceis no país,
inclusive em situação de ilegalidade ou
renovação do visto.
Contudo, os amigos também forneceram
apoio em diversas situações que não foram
relacionadas diretamente à condição de
migrante. Nesses casos, o apoio se deu
frente a dificuldades familiares (como
casamento ou namoro, separação,
nascimentos, perdas), dificuldades pessoais
ou de saúde (gravidez, problemas de saúde,
acidentes, vulnerabilidade e dor), problemas
no trabalho ou estudos (mudanças de
emprego e acidente de trabalho), problemas
com propriedades ou animais de estimação
(resgate de moto após acidente ou
automóvel, conserto de computador, pintura
da casa, cuidar do cão do amigo). De forma
geral, reconheceram o apoio de amigos em
alguma forma de crise, necessidade ou uma
situação difícil.
Duas dimensões se destacam nos
episódios marcantes das amizades de
brasileiros no exterior: compartilhar de
experiências e apoio social. Enquanto a
situação de imigrante aparece em algumas
experiências compartilhadas em um país
estranho, o fato de viver em outro país está
presente em diversos episódios de apoio
dado e recebido de amigos.
Com base nos episódios relatados, os
amigos fornecem apoio social aos amigos na
condição de migração. Por outro lado, os
amigos também compartilham uma série de
experiências em comum. Nesse sentido,
pode-se supor que, mesmo em uma situação
estranha, os amigos permitem compartilhar
uma série de atividades, desde conversar até
atividades mais complexas, permitindo assim
a manutenção do curso e qualidade de vida.
Assim, os amigos parecem suprir um meio
social estável e familiar, que serve de
proteção social, permitindo uma variedade
que atividades e de companheirismo. Assim,
os amigos parecem desempenhar duas
funções complementares: ajudar ou apoiar o
amigo e servir de parceiros em uma
diversidade de atividades e interesses
compartilhados. Os amigos forneceriam um
ambiente social protetor e mantenedor da
vida normal.
Dificuldades na amizade
Poucas foram as dificuldades citadas nas
amizades investigadas. Aquelas que foram
mencionadas podem ser classificadas em
cinco grupos. O primeiro grupo se refere a
dificuldades na comunicação, especialmente
em relação a idioma. O segundo grupo se
refere a diferenças culturais. Um exemplo
diz respeito ao jeito caloroso das brasileiras,
o que podia ser mal interpretado. Outras
diferenças apontadas foram o senso de
humor e tipos de piadas. Ainda foram
consideradas diferenças culturais a falta de
intimidade, postura fechada e ser
independente e exigente, apresentar
tradições e costumes diferentes, além da
forma de se pensar, o que se considerava
politicamente correto ou incorreto e mesmo
o nível de higiene e a religião. Em terceiro
lugar, algumas dificuldades foram associadas
Amizades de brasileiros residindo no exterior: significado, dificuldades e origem 14
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (1), jan - jun, 2013,3- 19
a diferenças pessoais ou individuais. Nesse
caso, foram apontadas características
pessoais como o amigo ser inflexível,
fechado, instável, preguiçoso ou muito ativo.
Um quarto tipo de dificuldades foi a falta de
similaridade com o amigo, em que o
participante reconhecia a “falta de pontos
em comum”, não compreendia “a visão de
mundo do participante” (possivelmente por
ser diferente da sua), além de diferenças de
opinião e interesses diferentes. Finalmente,
uma quinta categoria inclui a distância
geográfica e falta de tempo para se
encontrarem.
De forma geral, as dificuldades ocuparam
um lugar secundário na descrição das
amizades e parecem estar ligadas a fatores
individuais e culturais. Nesse caso, os
participantes atribuíram características
individuais (como ser mais independente e
exigente) à cultura.
Discussão
Com base no modelo proposto por
Hinde (1997), para relacionamentos
interpessoais, procuramos analisar a amizade
em três níveis diferentes: a pessoa do amigo,
a interação entre amigos (episódio marcante)
e o relacionamento de amizade (significado
da amizade). Primeiramente, com a
descrição dos amigos, esperava-se ver as
características atribuídas à pessoa do amigo,
como parte do fenômeno da amizade.
Houve uma grande diversidade na descrição
dos amigos, predominando o caráter
positivo. Diversas características foram
consideradas de natureza relacional,
indicando que, ao descrever o amigo, os
participantes já atribuem a eles propriedades
que revelam como eles se relacionam.
Assim, há a menção de diversas
características ligadas diretamente à amizade,
partindo da descrição do outro como amigo
ou um determinado tipo de amigo. Várias
outras características apontam para traços
que se manifestam na amizade e que são
atribuídas aos amigos. Assim, enquanto a
diversão e o lazer são indicados como parte
da amizade, os amigos são vistos como
divertidos e engraçados. Enquanto o apoio
está presente na amizade, ao amigo se atribui
a característica de ser prestativo ou alguém
disposto a ajudar ou apoiar. O
companheirismo é visto na pessoa do amigo
ao ser tratado como companheiro. Há uma
série de características relacionais que já
atribui ao amigo o que ocorre plenamente
na amizade. Outras características parecem
indicar fatores que estariam associados à
atração interpessoal, como ser inteligente ou
determinado. Poucas vezes são citados
interesses e atividades para descrever o
amigo.
Assim, ao descrever um amigo, várias das
características da amizade já são vistas na sua
pessoa, relacionadas a apoio, proximidade,
companheirismo, humor, entre outros. Ao
falar sobre o amigo, fala-se dessa pessoa em
relação de amizade.
Os episódios marcantes também foram
de natureza diversa, a maior parte
relacionada a lembranças de alguma forma
de apoio social (recebido ou fornecido)
relativo à adaptação ao novo país e
experiências de companheirismo marcantes,
incluindo momentos de lazer vividos com
A. Garcia; C. Bitencourt Neto & D. C. Góes 15
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (1), jan - jun, 2013,3- 19
esses amigos, experiências compartilhadas e
conversas com amigos. Os episódios
revelam uma menor diversidade de
características, especialmente ligadas a apoio
e companheirismo ou compartilhar diversos
aspectos da vida. Os episódios estão
diretamente relacionados às características
dos amigos (como ser prestativo e
companheiro), indicando de forma mais
sintética, e possivelmente mais próxima da
experiência concreta, momentos ou
interações importantes.
Apesar de o significado da amizade ser
diversificado, geralmente foi positivo, assim
como a figura do amigo e os episódios
marcantes. Ao se referirem ao significado da
amizade, os participantes enfatizaram-na
como algo importante, apontando para a
necessidade de sua autenticidade, a presença
do companheirismo, além do apoio, carinho,
união, atenção, sinceridade, confiança,
segurança, bem-estar, amor, proteção e
conforto, além de lazer e alegria. Em relação
aos significados específicos do apoio do
amigo em um país estranho, referiram-se à
ajuda com o idioma ou para conhecer ou se
aproximar de outras culturas. De forma
geral, os participantes apontaram a
importância da amizade em si e destacaram
algumas dimensões específicas das amizades,
especialmente o companheirismo e o apoio.
Os dados referentes à descrição dos
amigos, dos episódios (interações) e do
significado da amizade (relacionamento)
indicam como os amigos são percebidos por
brasileiros no exterior. Do ponto de vista
teórico, esses três elementos mostram
relações dialéticas no sentido de a amizade já
ser vista na pessoa do amigo, nos episódios
vividos e no significado da amizade, vista
como um tipo de relacionamento. As
relações entre pessoas (descrição do amigo),
interações (episódios marcantes) e
relacionamentos (o significado da amizade)
são dialéticas, no sentido de que cada nível
afeta o estágio seguinte e é por ele afetado
(Hinde, 1997).
A pessoa do amigo é descrita de forma
ampla e diversa, sendo proposto que parte
dessa descrição se faz com base em
características relacionais. Assim, a pessoa
do amigo é, ao menos em parte, descrita
como alguém que apresenta determinadas
características ao se relacionar, como ser
atencioso ou generoso. Características
similares aparecem na descrição do amigo e
dos episódios marcantes, como o fato do
amigo ser prestativo e o episódio se referir a
um evento de ajuda. Também há
características em comum entre as interações
e o relacionamento como um todo.
Levando-se em conta os três níveis, dois
pontos se destacam nos dados ao se
referirem às amizades no contexto de
migração, o apoio e o companheirismo, no
sentido de compartilhar experiências.
Ambos são vistos como exercendo funções
importantes no contexto da imigração. Já na
descrição dos amigos, aparecem
informações sobre o papel do amigo
relacionado à condição específica do
imigrante, como o companheirismo
(incluindo o compartilhar interesses e
atividades com o amigo) e a disponibilidade
para ajudar.
Os episódios marcantes também, por
Amizades de brasileiros residindo no exterior: significado, dificuldades e origem 16
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (1), jan - jun, 2013,3- 19
vezes, explicitam o contexto da imigração,
especialmente episódios relatando
experiências compartilhadas e apoio social.
Enquanto o apoio social parece mais
evidente nessa situação, os episódios
também se referem a uma diversidade de
experiências compartilhadas com amigos,
sugerindo que estes podem formar uma
“microssociedade”, que permite ao migrante
viver uma vida social rica e diversificada.
Assim, os amigos serviriam de apoio frente a
situações adversas, inclusive aquelas
decorrentes da condição de migrante, mas
também forneceriam um meio social
positivo para o exercício de uma vida social
ampla e diversificada.
Apoio social e experiências
compartilhadas relacionadas ao contexto de
migração estão presentes nas descrições de
amigo, nos episódios marcantes e no
significado da amizade em torno de
companheirismo (compartilhar atividades e
interesses). De forma geral, as dificuldades
ocuparam um lugar secundário nas amizades
e se referem à falta de compartilhamento de
algo, seja tempo, espaço, idioma,
características individuais ou características
culturais. Problemas de comunicação têm
sido reconhecidos como obstáculos à
formação de amizade entre grupos
diferentes (Vorauer & Sakamoto, 2006).
Enquanto a discussão até o momento
destacou as características individuais, a
interação e o relacionamento, o contexto
social ficou evidente ao se tratar da origem
das amizades. Esta foi associada a dois
fatores principais, a um contexto social ou
institucional, como o trabalho,
escola/universidade ou igreja, e a pessoas
em particular que servem de elo para
apresentar novos amigos, como os próprios
amigos ou parentes.
Se os amigos já têm seu papel
reconhecido antes da migração, seu papel
para os brasileiros que já se encontram no
exterior parece amplo, representando não
apenas uma fonte de apoio social em uma
situação especial, o que aparece no
significado das amizades, nas interações e na
descrição dos amigos, mas também
permitindo compartilhar experiências em
diversos sentidos, desde conversar até
atividades de lazer, em várias instâncias da
vida cotidiana. Esse papel dos amigos
complementaria o papel já apontado por
diversos autores.
Assim, os amigos no local de destino não
apenas motivariam a migração (Fazito &
Rios-Neto, 2008), mas exerceriam um papel
importante e diversificado na vida diária do
imigrante brasileiro no exterior, amigo esse
que pode ser brasileiro, nativo do país de
destino ou outro imigrante. Como indicado
por Lisboa (2007), os amigos fazem parte de
experimentar diferentes sensações em um
novo país, proporcionando uma diversidade
de atividades. Assim, como indicado por
Soares (2002), o migrante tem nos amigos
um ponto de apoio à sua movimentação
espacial. Mais do que isso, os amigos
formariam uma “microssociedade” que
permitiria uma série de atividades sociais.
Esse fato também está relacionado com as
observações de Fusco (2009), quanto a
maior parte dos migrantes pertencer a
determinados grupos sociais de familiares
A. Garcia; C. Bitencourt Neto & D. C. Góes 17
▲ Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 6 (1), jan - jun, 2013,3- 19
ou de amigos. Também, como apontado por
Siqueira, Assis e Campos (2010), os amigos,
entre outros, minimizam os riscos presentes
na migração de longa distância, não somente
quanto a condições de sobrevivência básica,
como emprego e salário, mas também
quanto à manutenção de uma visa social
diversificada.
O presente trabalho contribui para a
literatura sobre amizade e migração
indicando como os amigos são percebidos
pelos brasileiros vivendo no exterior,
indicando um amplo e diversificado papel,
que não apenas responde pela motivação
para migrar, mas também a motivação para
continuar no lugar. Assim como apontado
por Kugele (2006), os amigos auxiliam na
inserção ou reinserção social dos migrantes,
sejam através de amizades com pessoas da
mesma nação ou de outras etnias (Haug,
2003). O amplo papel dos amigos como
rede de proteção também foi apontado por
Tsai (2006) para esses imigrantes.
Em relação a outros estudos relacionando
amizade e migração, os dados sobre as
amizades de brasileiros no exterior
apresentam similaridades com amizades de
estrangeiros no Brasil. Assim, Garcia e Goes
(2010) indicaram que amizades de
universitários de Guiné-
-Bissau e de São Tomé e Príncipe
residindo no Brasil eram percebidas como
relevantes para a adaptação ao Brasil. O
mesmo foi observado por Garcia e Rangel
(2011) quanto às amizades de universitários
cabo-verdianos residindo no Brasil, cujos
participantes destacaram o valor da amizade
e a ajuda recebida. De forma similar, os
episódios marcantes também estavam
ligados a experiências compartilhadas (lazer)
e apoio (ajuda do amigo). Garcia, Goes,
Moura e Pepino (2010), investigando os
episódios marcantes nas amizades de
universitários africanos no Brasil, também
destacaram apoio e companheirismo como
propriedades do relacionamento.
Com base em Hinde (1997) pode-se
propor a existência de relações dialéticas
entre os três níveis considerados (a pessoa
do amigo, episódios e relacionamento de
amizade) e a possibilidade de considerar os
três conjuntamente como forma de
enriquecer os estudos sobre amizade. Os
dados referentes à origem das amizades
também indicaram o papel relevante de
outras pessoas e de instituições, como
grupos de pessoas realizando atividades
específicas em um dado ambiente, de modo
que os dados sugerem que os fatores
apontados por Hinde, como grupos,
estruturas socioculturais e ambiente físico
também surgiram de modo integrado e
devem ser considerados nos estudos sobre
relações de amizade, especialmente no
contexto de migração internacional, em que
os relacionamentos ocorrem em um
ambiente culturalmente mais complexo.
Considerações finais
Amigos são elementos importantes na
rede social das pessoas em todas as fases da
vida, inclusive em situação de migração
internacional. Conforme indicado na
literatura, os amigos já têm seu papel
reconhecido antes da migração, ao
contribuir para motivar as migrações de
Amizades de brasileiros residindo no exterior: significado, dificuldades e origem 18
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brasileiros. Os dados da presente
investigação sugerem que os amigos
continuam a ser importantes durante a vida
dos brasileiros no exterior, fornecendo
apoio social em uma situação especial e
também contribuindo para a construção de
uma rede ou grupo social que permite
compartilhar uma ampla gama de
experiências.
Enquanto os estudos sobre migração têm
identificado o papel dos amigos e familiares
como fatores afetando a migração, o
presente estudo indicou que os amigos
desempenham um papel complexo na vida
daqueles que deixaram seu país de origem
para viver em outro país. Por outro lado, os
estudos têm focado mais as relações entre
diferentes etnias sem uma maior atenção aos
movimentos migratórios. Os resultados
indicam um papel importante dos amigos
em contexto de migração e ajudam a
compreender as relações entre amizade e
cultura.
Outras pesquisas sobre o tema são
necessárias, como investigar as diferenças
entre a primeira e a segunda geração de
imigrantes quanto a suas amizades em um
novo país, as diferenças nas amizades entre
aqueles que estão temporariamente no
exterior e os que pretendem permanecer e as
diferenças nas amizades de brasileiros de
acordo com a cultura do país para o qual
migraram.
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Recebido em: 22/05/2012 Aceito em: 12/09/2012