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ESCOLA TCNICA DRA. MARIA AUGUSTA SARAIVA CURSO TCNICO EM SERVIOS JUDICIRIOS

AMICUS CURIAE: INSTRUMENTO DEMOCRATIZADOR NO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

LOURIVAL VITOR CARDOSO

So Paulo 2008

LOURIVAL VITOR CARDOSO

AMICUS CURIAE: INSTRUMENTO DEMOCRATIZADOR NO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

Trabalho

de

Concluso

de

Curso

apresentado ao

Curso Tcnico em

Servios Judicirios da ETEC Dra. Maria Augusta Saraiva, sob a orientao da Prof Priscila de Souza.

So Paulo 2008

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RESUMOEste trabalho estuda a figura do amigus curiae como pea fundamental no controle abstrato da constitucionalidade pela sociedade brasileira. Calcado nos moldes do direito estadunidense, o amicus curiae literalmente o amigo da corte, uma espcie de auxiliar da justia, portanto, desvinculado das partes do processo, sendo sua finalidade fornecer ao magistrado elementos fticos, jurdicos e tcnicos para aperfeioar sua deciso. Apesar de no ser uma figura nova no universo jurdico brasileiro, seus contornos ainda no esto bem delineados pelo ordenamento legal e continua sofrendo um processo de contnua evoluo jurisprudencial. Por sua importncia como instrumento de participao social no controle da constitucionalidade, o interesse na evoluo desta figura importante, no apenas para os profissionais do direito, mas tambm para todo o cidado que, no fim, deve ser o principal guardio da Constituio

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SUMRIO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

ABREVIATURAS .................................................................................................. 5 JUSTIFICATIVA ................................................................................................... 6 METODOLOGIA................................................................................................... 7 INTRODUO....................................................................................................... 8 CONCEITUAO ................................................................................................. 9 PRECEDENTES HISTRICOS DO AMICUS CURIAE................................. 12 O AMICUS CURIAE NO DIREITO ESTRANGEIRO..................................... 14 O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO ..... 16 8.1. Comisso de Valores Mobilirios (CVM) ................................................... 16 8.2. Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE) ......................... 16 8.3. Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) ................................ 17 8.4. Controle da Constitucionalidade................................................................. 17 8.5. Tribunais de Justia...................................................................................... 22 8.6. Juizados Especiais Federais ......................................................................... 23 9. NATUREZA JURDICA DO AMICUS CURIAE.............................................. 24 10. LEGITIMIDADE PARA INTERVIR COMO AMICUS CURIAE.............. 26 11. PODERES E LIMITAES DO AMICUS CURIAE ................................... 27 12. CONCLUSES................................................................................................. 31 13. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................. 32

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1. ABREVIATURAS

ADC ADI ADPF AgR AI art. CADE CF /88 CVM ED JEF LADIn MC Min. Rel. TJ STF STJ

Ao Declaratria de Constitucionalidade Ao Direta de Inconstitucionalidade Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental Agravo Regimental Agravo de Instrumento Artigo Conselho Administrativo de Defesa Econmica Constituio Federal da Repblica Federativa do Brasil 1988 Comisso de Valores Mobilirios Embargos de Declarao Juizados Especiais Federais Lei 9.868/99 (Controle de Constitucionalidade) Medida Cautelar Ministro Relatrio Tribunal de Justia Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justia

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2. JUSTIFICATIVAOriginria do direito anglo-saxo, a figura do amicus curiae no novidade no direito brasileiro. Surgiu de forma restrita atravs da Lei 6.385, de 07.12.1976, que prev a participao da CVM (Comisso de Valores Mobilirios), como terceiro estranho lide, em processos que dizem respeito ao mercado de valores mobilirios. Foi consagrada atravs da Lei 9.868 de 10.11.1999 como figura fundamental para a pluralizao e democratizao dos processos de controle abstrato da constitucionalidade. Apesar de sua importncia e de no ser figura novel no direito brasileiro, o amicus curiae virtualmente desconhecido pela comunidade jurdica, como pudemos constatar ao longo da pesquisa realizada para esta monografia. Baseados nestes dois pressupostos: o desconhecimento da figura do amicus curiae na comunidade jurdica brasileira e a importncia do amicus curiae para a participao da sociedade nos debates sobre controle da constitucionalidade, este trabalho monogrfico tem o propsito de ampliar a discusso sobre amicus curiae e tornar esta figura mais conhecida, uma vez que ainda no foi vastamente abordada pela doutrina nacional e objeto de constante evoluo jurisprudencial.

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3. METODOLOGIAA metodologia utilizada neste trabalho foi: pesquisa bibliogrfica; pesquisa de artigos em revistas jurdicas e Internet; pesquisa na jurisprudncia; atualizao dos dados obtidas nas pesquisas; organizao sistemtica do material obtido; redao; reviso

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4. INTRODUOA manuteno de um sistema de controle de constitucionalidade est diretamente relacionada com o conceito de Estado Democrtico de Direito, com o conceito de cidadania e com a prpria idia de liberdade.1

O controle da

constitucionalidade - mais que um direito - um dever de toda a sociedade. Entre ns, o controle da constitucionalidade pela via de ao s acessvel a uns poucos legitimados, nomeados no art. 103 da Constituio. A vedao de uma participao mais ampla da sociedade em um controle legal to importante sempre foi uma preocupao para todos os envolvidos na construo de nossa democracia. A Lei 9.868/99 serviu para a consagrao da presena do amicus curiae como instrumento de participao da sociedade no processo de controle da constitucionalidade. Este trabalho monogrfico tem o objetivo de ampliar o debate e aprofundar o conhecimento sobre a figura do amicus curiae, estudar sua natureza jurdica, seus poderes e limitaes. Inicialmente vamos definir seu conceito, os antecedentes histricos, seu posicionamento no ordenamento jurdico estrangeiro e nacional e, por fim, sua natureza jurdica no direito brasileiro.

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MOTTA, 2006

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5. CONCEITUAOConceituar a figura do amicus curiae, na forma como se manifesta no direito brasileiro, torna-se um problema por se tratar de um instituto ainda no sistematizado, cujos contornos no esto claramente definidos, ainda esto em construo. uma figura em plena evoluo jurisprudencial O termo amicus curiae significa literalmente amigo da cria, ou amigo da corte, conforme o direito norte americano. Ento, o amicus curiae ..pessoa, fsica ou jurdica, estranha lide e alheia ao processo e que nele ingressa, legitimada pela funo de prestar auxlio ao rgo julgador atravs da apresentao de informaes sobre questes jurdicas, esclarecimentos fticos ou mesmo interpretaes normativas. 2 Institucionalizada pela Lei 9.868/99, atuao do amicus curiae ainda restrita a algumas poucas hipteses relacionadas em diplomas legais distintos, abrangendo quase sempre matrias de interesse pblico. A pluralizao desta participao colaborativa e o incremento das informaes adicionadas ao processo significam um salto qualitativo nas decises judiciais, garantindo maior efetividade e legitimidade nas decises do judicirio. A respeito, importante transcrever parecer esclarecedor do Ministro Celso de Mello: No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (Lei 9.868/99, art. 7, 2) permitindo que terceiros desde que investidos de representatividade adequada possam ser admitidos na relao processual, para efeito de manifestao sobre a questo de direito subjacente prpria controvrsia constitucional. A admisso de terceiro, na condio de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimao social das decises da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obsquio ao postulado democrtico, a abertura do processo de fiscalizao concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva2

AGUIAR, 2005

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eminentemente pluralstica, a possibilidade de participao formal de entidades e de instituies que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. [...] A regra inscrita no art. 7, 2 da Lei 9.868/99 que contm a base normativa legitimadora da interveno processual do amicus curiae tem por objetivo pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha dispor de todos os elementos informativos possveis e necessrios resoluo da controvrsia. [...] Na verdade, consoante ressalta PAOLO BIANCHI, em estudo sobre o tema (Un Amicizia Interessata: Lamicus curiae Davanti All Corte Suprema Deglli Stati Uniti, in

Giurisprudenza Constituzionale, Fasc. 6, Nov/dez de 1995, Ano XI, Giuffr), a admisso de terceiro, na condio de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimao social das decises do Tribunal Constitucional, viabilizando, em obsquio ao postulado democrtico, a abertura do processo de fiscalizao concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize a possibilidade de participao de entidades e de instituies que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. [...] Tenho para mim, contudo, na linha das razes que venho de expor, que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, no s garantir maior efetividade e atribuir maior agilidade s suas decises, mas, sobretudo, valorizar, sob uma perspectiva eminentemente pluralstica, o sentido essencialmente

democrtico dessa participao processual, enriquecida pelos elementos de informao e pelo acervo de experincias que o amicus curiae poder transmitir Corte Constitucional, notadamente em um processo como de controle abstrato de constitucionalidade cujas implicaes polticas, sociais, econmicas, jurdicas e culturais so de irrecusvel importncia e de inquestionvel significao 3

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STF ADI-MC 2.130-SC Rel. Min. Celso de Mello

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Temos ento que amicus curiae um colaborador do juiz que se envolve na construo de argumentos tcnicos, jurdicos ou factuais ainda no abordados pelas partes, com o objetivo de auxiliar o magistrado em seu julgamento, sem a preocupao no resultado da lide em si.

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6. PRECEDENTES HISTRICOS DO AMICUS CURIAEO amicus curiae uma figura antiga no direito, cujas razes remontam ao direito romano, numa configurao certamente diferente da que chegou at ns. Mais precisamente podemos localizar sua presena no direito ingls medieval, nos chamados Year Books, nos sculos XIV e XVI. Nesta poca, o amicus curiae participava do processo apontando aspectos no mencionados pelas partes ou ignorados pelo magistrado. Cumpria um papel informativo e supletivo, mas de suma importncia para a corte. No havendo previso legal para a admisso e atribuies do amicus curiae, valia a discricionariedade do juiz. Ento, o amicus curiae surgiu como uma forma de auxlio corte no deslinde de fatos e questes de direito, sem manifestao de interesse particular no resultado do processo. A falta de sistematizao legal permitiu a evoluo gradual do instituto por obra da jurisprudncia, dando flexibilidade no atendimento aos problemas e anseios que eventualmente se apresentavam. A partir de sua absoro pelo direito norte-americano, o amicus curiae experimentou um gradual abandono da neutralidade de sua funo, agindo em favor de interesses no representados em juzo pelas partes, sejam estes pertencentes a uma coletividade ou a um particular. Nos Estados Unidos o amicus curiae experimentou um amadurecimento propiciado por algumas peculiaridades do sistema legal americano. Um dos aspectos negativos deste sistema que um litigante bem assessorado e com mais recursos leva grande vantagem sobre um adversrio carente destes mesmos recursos. Caso o interesse do litigante em desvantagem englobasse interesses de outras pessoas, o risco extrapolaria sua esfera para abarcar a de todos quantos fossem prejudicados. Ento, esses interesses poderiam vir a ser defendidos pela participao de terceiros alheios ao processo que, defendendo o interesse do litigante defenderiam o interesse de todos os prejudicados no representados no processo. Exemplo desta participao encontra-se no clebre caso Gideon v. Wainwright (1963)4 onde, tendo sido negado ao ru o direito

Esse caso ganhou o mundo, sendo objeto de livro e filme. Mostra a persistncia de um homem (Clarence Earl Gideon) na defesa de seus direitos, em contraste com a dureza da lei (estadual). Tambm mostra a sensibilidade de um juiz (Hugo Black) que soube garimpar em julgados anteriores e ver nas Emendas Constitucionais ns. 6 e 14 a imperiosa necessidade de assistncia de advogado, como direito fundamental, para se atingir julgamento justo (fair trial). Advogados em julgamentos criminais so necessidade, no superfluidade, arrematou Black.

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constitucional assistncia de um advogado, a Suprema Corte dos Estados Unidos nomeou-lhe um defensor dativo, tendo havido a participao de dezenas de amici curiae. Essa evoluo representou um importante avano, rompendo os limites da defesa de interesses individuais dos litigantes para a defesa de interesses de toda uma coletividade, emprestando ao instituto um sentido de democratizao ou socializao. Essa funo passou a ser desempenhada tambm quando da assimilao do amicus curiae pelos pases de tradio romano-germnica. A partir dessa evoluo, podemos identificar um atributo indissocivel da figura do amicus curiae, que instrumento de participao em processos em que so debatidas questes que possuam carter, transcendncia ou interesse pblico, ainda que se trate de lide individual. 5

A emenda n. 6 Constituio dos Estados Unidos, que faz parte do Bill of Rights, garante julgamento penal rpido, imparcial, por juiz competente, assegurando ao acusado o direito de arrolar testemunhas e de ter assistncia de um advogado para sua defesa (to have the assistence of counsel for his defense). At 1963, pode-se dizer, para simplificar, que o entendimento da Suprema Corte era de que o preceito constitucional (assistncia de advogado) se aplicava obrigatoriamente aos tribunais federais. Quanto aos Estados-Membros, cada um tinha sua lei. Em cinco unidades federadas a lei no previa a presena de advogado para processos criminais com pena no-capital: Alabama. Flrida, Mississippi, North Carolina e South Carolina. Gideon foi acusado perante a justia da Flrida de ter invadido domiclio, cometendo um crime grave (felony) no punvel com pena de morte. Pela lei local, ele poderia pois no se trata de crime capital ser condenado sem assistncia tcnica de advogado. O acuso pediu ao tribunal local que lhe nomeasse advogado dativo, pois era indigent (miservel, na terminologia brasileira). Famosa ficou a resposta do relator sua splida: Senhor Gideon, sinto muito, mas eu no tenho como indicar um advogado para o senhor neste caso. Sob as leis do Estado da Flrida, a nica modalidade em que o Tribunal tem de nomear um advogado para o ru quando ele est sendo acusado de um crime capital. Sinto muito, mas tenho que indeferir seu pedido para que um advogado possa defend-lo (dativamente) neste caso. Gideon acabou por fazer sua prpria defesa. Foi condenado a cinco anos de priso. No se conformou. Interps um habeas corpus perante a Suprema Corte da Flrida, insistindo que condenao sem assistncia tcnica (advogado) feria a Constituio e o Bill of Rights, que se aplicam aos Estados. Tornou a perder. Sua causa chegou Suprema Corte (federal) atravs de um writ of certiorari. Por ser pobre, a Suprema Corte nomeou-lhe um advogado dativo, o grande Abe Fortas (mais tarde juiz da Suprema Corte). Como amici curiae figuraram J. Lee Rankin, que falou pela American Civil Liberties Union, e outras entidades. Engrossaram a fileira dos defensores da tese sustentada por Gideon: Norman Dorsen, John Dwight Evans Jr., Melvan Wulf, Richard J. Medalie, Howard W. Dixon e Richard Yale Feder. Pelo Ru (Wainwright), sustentou Bruce R. Jacob, assistente do Attorney General (uma mistura de secretrio estadual da Justia e procurador-geral), que foi coadjuvado por Richard W. Erwin, Attorney General, e A. Spicola Jr., seu assistente. Com amici curiae em defesa de tese de que um crime no punido com pena capital no era obrigatria a presena de advogado, porfiaram George D. Mentz, do Ministrio Pblico de Alabama. Tambmreforaram a defesa do ru (certiorari) Macdonald Gallion (Attorney General do Alabama), T. W. Bruton (Attorney General da Carolina do Norte), e Ralph Moody (Assistant Attorney General da Carolina do Norte). As intervenes no ficaram nisso. Cerca de 22 Estados e entidades pblicas pasmem! foram admitidos como amici curiae... Cada um apresentou suas razes... (MACIEL, 2008) 5 DEL PR, 2008

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7. O AMICUS CURIAE NO DIREITO ESTRANGEIROEm sua evoluo, o amicus curiae assume funes diferentes na medida em que vai sendo absorvido pelos sistemas jurdicos de diversos pases. Neste captulo vamos apontar e entender as principais caractersticas desta instituio em alguns ordenamentos jurdicos estrangeiros. Nos Estados Unidos admite-se a participao do amicus curiae em qualquer tipo de causa, independente da transcendncia social da questo debatida. Note-se, tambm, que sua participao dar-se- apenas nas Supremas Cortes, estadual e federal, e tribunais de apelao, nunca nas instncias inferiores.6 No direito norte americano as regras no so muito bem delineadas, podendo variar de Estado para Estado e de Tribunal para Tribunal. De um modo geral, o terceiro que tenha interesse que a deciso judicial favorea determinado ponto de vista, sumariza um pedido (brief) ao juiz trazendo suas razes de convencimento. Tanto o magistrado como as partes podem recusar seu ingresso. O regulamento da Suprema Corte dos Estados Unidos, em sua regra 37 traz alguns itens que podem nos servir de paradigma: a) o amicus curiae deve trazer matria relevante, ainda no suscitada pelas partes; b) o amicus curiae deve trazer, por escrito, o assentimento das partes em litgio. Caso o consentimento seja negado, ter de juntar os motivos da negao para apreciao da Corte; c) mesmo se tratando de pedido para sustentao oral, deve ser juntado o consentimento das partes, por escrito; d) o Solicitor General e outros representantes de rgos governamentais legalmente autorizados no necessitam de consentimento das partes para intervir em nome da Unio; e) o arrazoado no deve ultrapassar 5 pginas;

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DEL PR, 2008

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f) se for o caso, o amicus curiae deve ser munido de autorizao de seu representado alm de pagar custas processuais, se a entidade no for isenta. 7 Na Itlia e na Frana, o fundamento da participao do amicus curiae est no reconhecimento da necessidade do juiz valer-se de outras informaes, alm das fornecidas pelas partes, para o seu convencimento. Assim, o amicus curiae representa instrumento disposio do julgador para aperfeioamento da deciso, assumindo ou no uma funo ativa, mas agindo sempre em benefcio da prpria corte e no em benefcio prprio ou de outras pessoas. Como se v, nestes casos, a funo desenvolvida pelo amicus curiae parece identificar-se com a fisionomia original do instituto.8 Na Argentina a figura do amicus curiae surgiu em meados da dcada de 90, quando dois organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, o Center for justice and International Law e o Human Rights Watchs/Amricas, solicitaram e foram atendidos sua interveno em um feito que tramitava na Cmara Federal Criminal e Correcional da Capital Federal sobre os fatos ocorridos no mbito da Escuela de Mecnica de La Armada, no perodo da ditadura militar. A esse precedente, seguiram-se outras solicitaes, sem que, contudo, resultasse em edio de lei regulamentadora. No entanto, entendendo que a regulamentao da matria era, de fato, importante, a Corte Suprema de Justia da Nao editou, em 14.07.2004, norma interna (Acordada 28/2004), onde foi autorizada a participao de um terceiro na qualidade de Amigo Del Tribunal. Na Argentina a participao do amicus curiae parece comportar funo mais abrangente e alargada do que na Frana ou Itlia, agindo no s em benefcio da prpria corte, mas tambm representando uma forma de fiscalizao e controle da funo jurisdicional.9 O que se observa na evoluo do amicus curiae nos ordenamentos jurdicos de diferentes pases que a figura, sem abandonar sua funo original, mostrase importante instrumento de participao e fiscalizao da sociedade em assuntos de interesse coletivo, social e pblico.

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MACIEL, 2008. DEL PR, 2008. 9 Idem.

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8. O AMICUS CURIAE NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIROO estudo da figura do amicus curiae novidade no direito brasileiro. No obstante, existe previso para sua interveno embora em mbito muito restrito desde 1976. Neste captulo vamos estudar as diversas manifestaes do amicus curiae no ordenamento jurdico brasileiro.

8.1.

Comisso de Valores Mobilirios (CVM)A Lei 6.385/76, que disciplina o mercado de valores mobilirios, prev: Art. 31 - Nos processos judicirios que tenham por

objetivo matria includa na competncia da Comisso de Valores Mobilirios, ser esta sempre intimada para, querendo, oferecer parecer ou prestar esclarecimentos, no prazo de quinze dias a contar da intimao. Vemos neste dispositivo legal a previso de interveno de terceiro estranho lide (CVM) com o fim de disponibilizar ao juzo informaes e esclarecimentos sobre aspectos especializados que provavelmente escapariam sua apreciao, tudo com o objetivo de proporcionar uma soluo segura e consciente questo. A doutrina identifica esta como a primeira manifestao do amicus curiae no direito positivo brasileiro.10

8.2.

Conselho Administrativo de Defesa Econmica (CADE)Aponta-se tambm como hiptese de manifestao do amicus curiae a

previso contida na Lei 8.884/94: Art. 89. Nos processos judiciais em que se discuta a aplicao desta lei, o Cade dever ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.

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Idem.

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Devemos observar que a interveno do CADE ocorre de forma provocada, ou seja, dever ser intimado, o que distingue esta forma de assistncia daquela prevista no CPC, que sempre voluntria.11 A interveno do CADE dar-se- em benefcio da prpria corte, auxiliando na tarefa de compreender os fatos que configuram prtica econmica abusiva, que constituem conhecimento tcnico estranho maioria dos magistrados. Da mesma forma que no caso da CVM, a doutrina considera como manifestao de amicus curiae.12

8.3.

Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)Outra manifestao considerada como de amicus curiae a prevista na

Lei 9.279/96: Art. 57. A ao de nulidade de patente ser ajuizada no foro da Justia Federal e o INPI, quando no for autor, intervir no feito. O INPI no integra a relao jurdica do processo, ou seja, no tem interesse em manter ou desconstituir registro ou no sucesso especfico de nenhuma das partes, mas apenas na observncia da legalidade. A situao do INPI assemelha-se s da CVM e do CADE.13

8.4.

Controle da ConstitucionalidadeO controle da constitucionalidade refere-se ao exame da compatibilidade

entre a lei ou atos normativos e a Constituio Federal. Este se far pela anlise da lei ou ato normativo frente Constituio ou a algum de seus princpios e preceitos, afirmando-se - ou no a possibilidade de sua coexistncia no mesmo sistema jurdico de forma harmnica, conseqente e coerente. Este controle pode ser exercido por via direta ou indireta.

Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurdico em que a sentena seja favorvel a uma delas, poder intervir no processo para assisti-la. (Art. 50, CPC) 12 Del Pr, 2008 13 Idem.

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O controle de constitucionalidade por via direta, que o que interessa no mbito deste trabalho, exercido em tese, contra lei ou ato normativo, independentemente da ocorrncia de qualquer caso concreto levado a juzo. Trata-se do controle abstrato, promovido pelos seguintes instrumentos legais: Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI)14, Ao Declaratria de Constitucionalidade (ADC)15 e Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental16. A corte competente para apreciar estas aes o Supremo Tribunal Federal17 e a Constituio Federal determina quem legitimado para prop-las: o Presidente da Repblica; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Cmara dos Deputados; a Mesa da Assemblia Legislativa ou da Cmara Legislativa do Distrito Federal; o Governador de Estado ou do Distrito Federal; o Procurador-Geral da Repblica; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido poltico com representao no Congresso Nacional; confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional.18

Esta relao representa um avano em relao ao texto constitucional anterior, que s legitimava o Procurador-Geral da Repblica. No entanto, diante da complexidade da sociedade moderna, estes legitimados esto longe de esgotar a discusso sobre todos os aspectos envolvidos no controle da constitucionalidade. De fato, a limitao do acesso jurisdio constitucional e a restrio ao debate era preocupante19. A pluralidade nos debates tornava-se indispensvel e, atenta ou no a isso, a lei 9.868/99 introduziu novidades de grande relevncia nos processos de controle da constitucionalidade, como veremos a seguir.14 15

Art. 102, I, CF/88. Idem. 16 Art. 102, 1, CF/88. 17 Art. 102, I , CF/88 e Art. 102, 1, CF/88. 18 Art. 103, CF/88 19 BUENO FILHO, 2008

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Ao Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Bem antes de qualquer regulamentao legal da figura do amicus curiae, j havia jurisprudncia do STF admitindo a juntada por linha de memoriais de entidades no participantes da lide, em ADI, sem que com isso configurasse a interveno formal de terceiros, refutada por seu Regimento Interno. Na ADI 748-4 RS, de 1994, o relator, Min. Celso de Mello, recebeu estudos tcnicos, pareceres e relatrios da Comisso de Constituio e Justia da Assemblia Legislativa do Rio Grande do Sul e determinou a juntada, por linha, desta documentao ao processo. Em seu voto, em agravo regimental contra essa deciso, o Min. Celso de Mello identifica textualmente a tal juntada de documentos como interveno de amicus curiae: No se pode desconhecer, neste ponto e nem h possibilidade de confuso conceitual com esse instituto ( interveno assistencial observao nossa ) que o rgo da Assemblia gacha claramente atuou, na espcie, como verdadeiro amicus curiae, vale dizer, produziu informalmente, sem ingresso regular na relao processual instaurada, e sem assumir a condio jurdica de sujeito do processo de controle normativo abstrato, peas documentais que, desvestidas de qualquer contedo jurdico, veiculam simples informaes ou meros subsdios destinados a esclarecer as repercusses que, no plano social, no domnio pedaggico e na esfera do convvio familiar, tem representado, no Estado do Rio Grande do Sul, a experincia de implantao do Calendrio Rotativo Escolar.20 Ento, a Lei 9.868 de 10 de novembro de 1999 (LADIn) apenas consagrou um instituto que j estava jurisprudencialmente consolidado quando em seu art. 7 prev: Art. 7o No se admitir interveno de terceiros no processo de ao direta de inconstitucionalidade. 1o (VETADO) 2o O relator, considerando a relevncia da matria e a representatividade dos postulantes, poder, por despacho irrecorrvel,

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STF ADI 748-4 AgR RS Voto Min. Celso de Mello 01/08/1994

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admitir, observado o prazo fixado no pargrafo anterior, a manifestao de outros rgos ou entidades. [...] Art. 9o Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lanar o relatrio, com cpia a todos os Ministros, e pedir dia para julgamento. 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matria ou circunstncia de fato ou de notria insuficincia das informaes existentes nos autos, poder o relator requisitar informaes adicionais, designar perito ou comisso de peritos para que emita parecer sobre a questo, ou fixar data para, em audincia pblica, ouvir depoimentos de pessoas com experincia e autoridade na matria. Os artigos citados referem-se especificamente a ADI. A simples leitura do texto legal nos permite vislumbrar dois tipos de situaes: a participao voluntria (art. 7, 2) e por requisio do juiz (art. 9, 1). A participao voluntria, por seu carter democrtico, a inovao mais festejada, e tambm a mais aplicada. O legislador, mais que simples adaptao procedimental em auxlio da Corte, outorgou a outros autores ferramenta de participao aberta no controle abstrato da constitucionalidade.21 Ao Declaratria de Constitucionalidade (ADC) A mesma Lei 9.868/99 tambm prev, tratando de ADCs: Art. 20. Vencido o prazo do artigo anterior, o relator lanar o relatrio, com cpia a todos os Ministros, e pedir dia para julgamento. 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matria ou circunstncia de fato ou de notria insuficincia das informaes existentes nos autos, poder o relator requisitar informaes adicionais, designar perito ou comisso de peritos para que emita parecer sobre a questo ou fixar data para, em audincia pblica, ouvir depoimentos de pessoas com experincia e autoridade na matria.21

DEL PR, 2008

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Este dispositivo legal repetio do art. 9, 1, no qual prevista a interveno do amicus curiae por requisio do juiz. Porm, a jurisprudncia do STF permite a aplicao, por analogia, do art. 7, 2 nas ADCs.22

Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) A lei que trata de processo e julgamento da ADPF a Lei 9.882 de 3 de dezembro de 1999 que dispe: Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitar as informaes s autoridades responsveis pela prtica do ato questionado, no prazo de dez dias. 1o Se entender necessrio, poder o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argio, requisitar informaes adicionais, designar perito ou comisso de peritos para que emita parecer sobre a questo, ou ainda, fixar data para declaraes, em audincia pblica, de pessoas com experincia e autoridade na matria. 2o Podero ser autorizadas, a critrio do relator, sustentao oral e juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo. O 1 estabelece a participao do amicus curiae por requisio juiz, de forma semelhante aos Art. 9, 1 e Art. 20, 1, LADIn. Da mesma forma que para as ADCs, a jurisprudncia do STF aplica, por analogia, o Art. 7. 2, LADIn23. A novidade a previso expressa de possibilidade de sustentao oral.

Esclareo, que, como regra, o pedido de admisso como amicus curiae deve ser feito no prazo das informaes (arts. 6 e 7, 2, Lei n 9.868/99). (STF ADC 18 Rel. Min. Menezes Direito 10/10/2007) 23 Seria dado versar sobre a aplicao, por analogia, da Lei n 9.868/99, que disciplina tambm processo objetivo ao direta de inconstitucionalidade e ao declaratria de constitucionalidade. (STF ADPF 54 DF Rel. Min. Marco Aurlio 10/06/2004)

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8.5.

Tribunais de JustiaA Lei 9.868/99 modificou a Art. 482 do Cdigo de Processo Civil

(CPC), acrescentando, entre outros, o 3: Art. 482. Remetida a cpia do acrdo a todos os juzes, o presidente do tribunal designar a sesso de julgamento. [...] 3o O relator, considerando a relevncia da matria e a representatividade dos postulantes, poder admitir, por despacho irrecorrvel, a manifestao de outros rgos ou entidades. Este dispositivo semelhante ao Art. 7, 2, LADIn, que prev a interveno voluntria do amicus curiae. Como o Artigo 482 est dentro do Ttulo IX do CPC, que trata de Processo nos Tribunais, pode-se concluir que o legislador estendeu tambm aos Tribunais de Justia das unidades federadas a possibilidade de interveno de amicus curiae nos processos de controle da constitucionalidade no mbito estadual.24 Gustavo Bnenbojm argumenta que, em razo da competncia privativa da Unio para legislar sobre direito processual ( Art. 22, CF/88 ), incide plenamente a lei federal de regncia (LADIn) no que se refere a representaes por inconstitucionalidade estaduais.25

24 25

TJSP MS 376.952-5/0 Rel. Walter Swensson 14/03/2005) BNENBOJM, 2008

22

8.6.

Juizados Especiais FederaisNa esfera infraconstitucional o amicus curiae poder atuar em processos

de uniformizao de interpretao de lei federal.26 A Lei 10.259 de 12 de julho de 2001 prev: Art. 14. Caber pedido de uniformizao de interpretao de lei federal quando houver divergncia entre decises sobre questes de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretao da lei. [...] 7o Se necessrio, o relator pedir informaes ao Presidente da Turma Recursal ou Coordenador da Turma de Uniformizao e ouvir o Ministrio Pblico, no prazo de cinco dias. Eventuais interessados, ainda que no sejam partes no processo, podero se manifestar, no prazo de trinta dias. importante notar como o mister de velar pela aplicao e correta interpretao da lei federal , antes exclusivo do STF, vem tendo suas fronteiras expandidas, tornando-se funo de cada cidado, que poder exerc-la intervindo tambm nos incidentes de uniformizao.

26

STJ -AgR - MS 12459 DF Rel. Min. Carlos Fernando Mathias DJ 24/03/2008

23

9. NATUREZA JURDICA DO AMICUS CURIAEA definio da natureza jurdica do amicus curiae um dos aspectos mais controversos na construo desta figura, estando longe de obter uniformidade de interpretao, tanto da doutrina como da jurisprudncia. Os julgados do STF tanto podem considerar a interveno do amicus curiae como interveno de terceiros27

, como no28. Tambm podem considerar como

assistncia29 ou como auxiliar do juzo30. Dirley da Cunha Jnior considera o amicus curiae como terceiro especial que pode intervir no feito para auxiliar a Corte 31. Adhemar Ferreira Maciel considera que o amicus curiae, por sua informalidade e peculiaridades, no guarda verossimilhana com nossa interveno de terceiros, que se desdobra em diversos institutos processuais (CPC, arts. 56/80)32

. Na mesma linha de pensamento, Nelson

Oscar de Souza considera que a figura do Amigo da Corte um colaborador, de essncia inteiramente diferente do terceiro interessado 33. Outros identificam o amicus curiae como uma forma qualificada de assistncia 34. Carlos Gustavo Rodrigues Del Pr adota uma soluo salomnica ao atribuir ao amicus curiae a natureza de terceiro interveniente quando sua interveno voluntria, na hiptese do Art. 7, 2, LADIn, e de auxiliar do juzo, quando sua participao acontece por requisio da corte, conforme o Art. 9, 1, LADIn35 . O Professor Fredie Didier Jr atribui ao amicus curiae a natureza de auxiliar do juzo:

...porque a qualificao como amicus curiae que constitui terceiro interveniente prescinde, por isso mesmo, ao contrrio do que pretendido pelo eminente Advogado-Geral da Unio, da necessidade de possuir legitimao ativa para a ao de controle abstrato. (STF ADI 3.045 voto do Min. Celso de Mello DJ 01/06/2007) 28 ...acolher ou no pedido de interessados para que atuem na situao de amici curiae, hiptese diversa da figura processual da interveno de terceiros. (STF ADI 3.494 Rel. Min. Gilmar Mendes DJ 08/03/2006) 29 No se admitir a assistncia a qualquer das partes. [...] Pois bem, a recente Lei 9.868/99 trouxe baila a possibilidade de interveno. (STF ADI 2.220-MC Rel. Min. Marco Aurlio DJ 02/08/2000) 30 A sua atuao nesta via processual como colaborador informal da corte no configura, tecnicamente, hiptese de interveno ad coadjuvandum. (STF ADI 2.581-AgR Rel. Min. Maurcio Corra DJ 18/04/2002) 31 CUNHA JR, 2008. 32 MACIEL, 2008. 33 SOUZA, 2006. 34 PEREIRA, Milton Luiz apud DEL PR, 2008. 35 DEL PR, 2008.

27

24

O amicus curiae compe, ao lado do juiz, das partes, do Ministrio Pblico e dos auxiliares de justia, o quadro dos sujeitos processuais. Trata-se de outra espcie, distinta das demais, porquanto sua funo seja de auxlio em questes tcnico-jurdicas. Municia o magistrado com elementos mais consistentes para que melhor possa aplicar o direito ao caso concreto. Auxilia-o na tarefa hermenutica. Esta ltima caracterstica o distingue dos peritos, uma vez que esses tm a funo clara de servir como instrumento de prova, e, pois, de averiguao do substrato ftico. [H, ainda, outros elementos de distino: a) a sua interveno pode dar-se a partir de sua solicitao; b) no se submete a exceo de suspeio ou impedimento; c) no tem direito a honorrios profissionais; d) no tem prazo para entregar laudo (na verdade, o amicus curiae entrega os memoriais).] 36. Diante desta indefinio, vamos nos reportar o Art. 7, LADIn, onde expressamente vedada a interveno de terceiros. Deve se entender por terceiros os relacionados nos Arts. 50/80, CPC, que so pessoalmente interessados no resultado da lide e ingressam no processo para atuar ao lado da parte ou substituindo a parte. Este tipo de comportamento inteiramente diverso do conceito de amicus curiae. Tambm podemos nos socorrer da prpria etimologia do termo, que quer dizer amigo da cria, amigo da corte, amigo do juzo. Ento, parece-nos que o mais acertado identificar o amigo da corte como uma nova espcie de auxiliar da justia, ao lado do perito, do escrivo, do intrprete e outros, relacionados no Art. 139, CPC

36

DIDIER JR, Fredie apud AGUIAR, 2005.

25

10. LEGITIMIDADE CURIAE

PARA

INTERVIR

COMO

AMICUS

Nelson Nery Jr considera como legtimos para intervir como amicus curiae qualquer pessoa fsica, jurdica, professor de direito, cientista, rgo ou entidade, desde que tenha respeitabilidade,37

reconhecimento

cientfico

ou

representatividade para opinar sobre a matria

. Na mesma linha opina Dirley da

Cunha Jr, que considera que amicus curiae pode ser qualquer pessoa, humana ou jurdica, inclusive os legitimados no proponentes da ao 38. A ampla abertura pretendida por estes autores tem clara inspirao no direito americano, que inspirou mais proximamente o legislador brasileiro. Este, porm, deu ao amicus curiae um regime prprio, do qual o intrprete no pode se afastar.39 O Art. 7, 2, LADIn prev a manifestao de outros rgos ou entidades, considerando a relevncia da matria ou representatividade. Em relao a representatividade so legtimos em primeiro lugar as entidades relacionadas no Art. 103, CF/88, pois sua representatividade foi reconhecida pelo texto constitucional. Quanto s demais, o critrio de representatividade subjetivo e o relator deve analisar sob uma perspectiva eminentemente pluralstica, a possibilidade de participao formal de entidades e de instituies que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais 40. Ento, ao contrrio do que pretendem alguns doutrinadores, no caso de participao voluntria, pessoas fsicas no so legtimas para atuar na qualidade de amicus curiae. Sua interveno fica restrita a requisio do magistrado, conforme prev o Art. 9, 1, LADIn.

37 38

NERY JR. NERY, 2007. CUNHA JR, 2008. 39 DEL PR, 2008. 40 STF ADI 3.921 Rel. Min. Joaquim Barbosa DJ 31/10/2007.

26

11. PODERES E LIMITAES DO AMICUS CURIAEFormas de interveno A primeira prerrogativa processual que se reconhece ao amicus curiae a de apresentar manifestao escrita em forma de memorial, que ser juntada formalmente aos autos, no podendo, portanto, ser ignorada pela Corte 41. Inicialmente, a sustentao oral no era admitida. Porm, a partir de 2003, o Tribunal, por maioria, resolvendo questo de ordem suscitado no julgamento das aes diretas acima mencionadas, admitiu, excepcionalmente, a possibilidade de realizao de sustentao oral por terceiros admitidos no processo abstrato de constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae42

. Alm disso, o 3 do Art. 131 do Regimento Interno do STF

estabelece o seguinte: 3 Admitida a interveno de terceiros no processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado produzir sustentao oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do 2 do artigo 132 deste Regimento.43 As formas de manifestao do amicus curiae nos autor so, portanto a apresentao de memoriais e sustentao oral. Momento da interveno Embora no haja previso legal, o entendimento pacfico que a manifestao dos amici curiae deve ser feita no prazo das informaes44

. Entretanto,46

dependendo da relevncia da participao, o STF tem admitido o ingresso destes atores aps e trmino deste prazo 45, aps a incluso do feito na pauta do julgamento47

e, at

mesmo, quando j iniciado o julgamento, para a realizao de sustentao oral, logo depois da leitura do relatrio . A conseqncia da interveno tardia a

impossibilidade de praticar atos processuais cujo prazo j se esgotou, ou seja, o interessado recebe o processo no estado em que se encontra.48

41 42

BNENBOJM, 2008. STF ADI 2.777 Rel. Min. Cezar Peluso DJ 26/11/2003. 43 STF Emenda Regimental n 15 30/03/2004. 44 STF ADI 2.791-ED Rel. Min. Gilmar Mendes DJ 11/02/2008. 45 STF ADI 3.474 Rel. Min. Cezar Peluso DJ 19/10/2005. 46 STF ADI 2.548 Rel. Min. Gilmar Mendes DJ 24/10/2005. 47 STF ADI 2.777 QO Rel. Min. Cesar Peluso 48 STF ADI 3.977 Rel. Min. Menezes Direito 27/05/2008.

27

Prazo para interveno O Art. 7, 2 LADIn, estabelece como prazo para a manifestao do amicus curiae o fixado no pargrafo anterior. Como o pargrafo anterior foi vetado, criou-se uma lacuna. Ento, adota-se o prazo estabelecido no Art. 6, nico, LADIn, que de 30 dias, contado da data da admisso ao processo.49 Capacidade postulatria A entidade que pretenda intervir na qualidade de amicus curiae dever fazer-se representar por advogado alguma ajuda Corte.51 Capacidade Recursal O art. 7, 2, LADIn, menciona expressamente como despacho50

. Embora no haja previso expressa na lei, uma

exigncia lgica, pois a matria exigir a utilizao de argumentos tcnicos para ser de

irrecorrvel (na verdade, trata-se de deciso interlocutria, no de mero despacho) a deciso que admite a manifestao do amicus curiae, ou seja, a deciso de contedo positivo. A deciso de contedo negativo que indefere a admisso formal do amicus curiae pode ser impugnada pelo postulante atravs do recurso cabvel do agravo regimental. Gustavo Bnenbojm acrescenta trs slidos argumentos em favor deste entendimento literal: O primeiro argumento, formulado a partir da regra elementar de hermenutica segundo a qual as interpretaes demandam previso expressa e devem ser interpretadas restritivamente. dizer: como exceo regra geral da irrecorribilidade das decises, a irrecorribilidade deve ser interpretada restritivamente, para alcanar apenas as decises de contedo positivo. O segundo argumento, derivado da lgica e da sistemtica processual, porquanto, ao contrrio das decises de contedo positivo, as decises denegatrias do ingresso do amicus curiae causam um agravoBUENO FILHO, 2008. ... indeferi a sua admisso nos autos como amicus curiae, uma vez que no se fazia representar por advogado... (STF ADI 3.977 Rel. Min. Menezes Direito 27/05/2008. ) 51 BUENO FILHO, 2008.50 49

28

especfico ao postulante. Assim, havendo sofrido um agravo em seu suposto direito, h que ser reconhecido ao postulante o direito de obter o pronunciamento do colegiado a respeito de sua postulao. Por fim, o terceiro argumento, baseado em uma filtragem constitucional do texto do art. 7, 2. Com efeito, por uma interpretao conforme Constituio do dispositivo, que prestigie o direito ao contraditrio e ampla defesa, bem como a garantia do devido processo legal, h que se lhe dar a inteligncia mais benfica aos postulantes, permitindo-se-lhes que, por meio de agravo regimental, submetam a deciso indeferitria do relator ao plenrio da corte.52 Bnenbojm entende a natureza jurdica do amicus curiae como terceiro especial, que deve dispor dos meios e recursos prprios assegurados aos terceiros em geral. Em decorrncia deste entendimento, Bnenbojm atribui ao amicus curiae legitimidade para manejar o agravo regimental contra decises interlocutrias do relator, bem como embargos de declarao contra os acrdos cautelares e de mrito. Tambm admite a utilizao dos recursos especial e extraordinrio no plano estadual.53 Neste trabalho entendemos a natureza jurdica do amicus curiae como auxiliar do juzo. Por isso, como elemento neutro no processo, ele no titular de um direito passvel de sofrer impacto direto das decises proferidas durante o processo, exceto, claro, a deciso que nega sua participao como amicus curiae, conforme podemos verificar nas transcries a seguir: Embargos de declarao. Legitimidade recursal limitada s partes. No cabimento de recurso interposto por amici curiae. 54 A jurisprudncia deste Supremo Tribunal assente quanto ao no-cabimento de recursos interpostos por terceiros estranhos relao processual nos processos objetivos de controle de constitucionalidade. Exceo apenas para impugnar deciso de no admissibilidade de sua interveno nos autos. 55

52 53

BNENBOJM, 2008. Idem. 54 STF ADI 2.591-ED Rel. Min. Eros Grau DJ 13/04/2007. 55 STF ADI 3.615-ED Rel. Min. Carmen Lucia DJ 17/03/2008.

29

Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, no possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informaes relevantes ou dados tcnicos. 56 Conclumos, ento, que o nico recurso cabvel na interveno de amicus curiae o agravo regimental contra a deciso denegatria de sua admisso no processo, conforme jurisprudncia tanto do STF quanto das cortes estaduais.

56

TJSP Proc. 320.01.012809-7/000000-00 Juza Michelli Vieira do Lago DJE 06/06/2008.

30

12. CONCLUSESA interveno do amicus curiae no controle de constitucionalidade propicia a pluralizao, maior abertura e democratizao do debate dos principais temas de direito constitucional. Permite ao cidado evoluir de mero destinatrio das normas constitucionais condio de seu intrprete. No entender do Ministro Gilmar Mendes, ..a admisso de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe carter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realizao de garantias constitucionais em um Estado Democrtico de Direito. 57 Neste trabalho vimos que o amicus curiae no figura novel no ordenamento jurdico brasileiro, vimos que sua interveno tem previso em diversas leis e que, apesar disso, no tem ainda seus contornos claramente estabelecidos pelas normas legais. Vimos que uma figura em construo pela jurisprudncia e pela doutrina, sofrendo constante evoluo, tanto no direito nacional quanto no direito estrangeiro. Conclumos que figura do amicus curiae envolve diferentes fenmenos (instrumento de informao disposio do juiz e de participao ativa da sociedade em assuntos de seu interesse), mas todos caracterizados pelo auxlio em benefcio da corte. Conclumos, tambm, que a natureza jurdica do amicus curiae a de uma nova espcie de auxiliar da justia. Finalmente, podemos concluir que a evoluo do amicus curiae no direito brasileiro de fundamental importncia para a participao democrtica da sociedade nas questes que dizem respeito guarda da sua Lei Maior.

57

STF ADIN 3.998/DF Rel Min. Gilmar Mendes

31

13. BIBLIOGRAFIA

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