AMAZONIANA, UMA COLEÇÃO EM PROCESSO NA AMAZÔNIA...
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AMAZONIANA, UMA COLEÇÃO EM PROCESSO NA AMAZÔNIA
AMAZONIANA, A COLLECTION IN PROGRESS IN THE AMAZON
Orlando Maneschy / UFPA RESUMO Este artigo pretende traçar um panorama dos processos curatoriais e documentais empreendidos ao longo da instauração da Coleção Amazoniana de Arte da Universidade Federal do Pará e seus desdobramentos em sistemas internos de pesquisa e externos na extravasão para o público, compreendendo que as ações curatoriais em uma coleção atravessam distintos aspectos que ultrapassam o evento exposição, amplificando-se em procedimentos variados de trabalho. Filosofia, teoria da arte, teoria museológica e antropologia são ativadas no processo de trabalho e servem como chaves para a compreensão das múltiplas situações que envolvem esse processo curatorial no período de 2010 a 2017. PALAVRAS-CHAVE: amazoniana; coleção; decolonial; curadoria; museologia. ABSTRACT This article intends to outline the curatorial and documentary processes undertaken during the establishment of the Amazoniana Art Collection of the Federal University of Pará and its developments in internal research and external systems in the extravasation for the public, understanding that the curatorial actions in a collection they cross different aspects that go beyond the exposure event, amplifying themselves in varied work procedures. Philosophy, art theory, museological theory and anthropology are activated in the work process and serve as keys to the understanding of the multiple situations that involve this curatorial process in the period from 2010 to 2017. KEYWORDS: amazoniana; collection; decolonial; curatorship; museology.
MANESCHY, Orlando. Amazoniana, uma coleção em processo na Amazônia, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.3631-3643.
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Partimos da busca do entendimento de que os processos engendrados a partir da
Coleção Amazoniana de Arte da Universidade Federal do Pará – UFPA, constituem
um território de experiências e de construção de conhecimento que se estabelece de
forma dinâmica, colaborativa e em fluxo. Vale apresentar, logo de imediato, que a
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA se compôs a partir do ensejo e das
trajetórias socioculturais de artistas na região amazônica brasileira e de mergulho
denso destes em questões que afetam a região, compondo obras a partir da
experiência de viver a Amazônia, bem como de um conjunto de documentos
arrolados a partir de pesquisas científicas e de articulações na esfera pública. Vários
saberes são ativados no processo de trabalho e servem como chaves para a
compreensão dos mais variados procedimentos que envolvem o processo de
pesquisa curatorial no período de 2010 a 2017.
Para além dos objetos artísticos e suas trajetórias históricas, a Coleção Amazoniana
de Arte da Universidade Federal do Pará, que deste momento em diante
passaremos a chamar apenas de Amazoniana, vem se desenhando e expandindo-
se a partir de questões que vão ocorrendo e apontando à necessidade de reflexão
sobre seu lugar enquanto território irradiador de processos e agregador de
experiências e documentos. Neste sentido, o papel do ]Arquivo[ dentro desta
coleção é de suma importância, pois, fruto de desdobramento de pesquisas na
Universidade, de relações de atravessamentos entre ensino, pesquisa e ações
extensivas, incluem a percepção e o acompanhamento da história que acontece no
fazer vivo da arte em contato com seus atores, e que alimenta este ]Arquivo[, em
operação contínua, e que cresce a partir da fricção provocada pelos próprios atores
sociais (artistas, pesquisadores, críticos) em relação com a Amazoniana,
estabelecido por demandas suscitadas na própria cena local. Além disto, vale
destacar o profícuo trabalho desenvolvido dentro do acervo, que vem gerando
desdobramentos em pesquisa e trabalhos de iniciação científica, amplificando a
reflexão para além de seus objetos musealizados.
De volta ao começo A Amazoniana nasce no desejo de dar voz a uma produção em arte contemporânea
que se configura na região e que, em grande parte, só chegava a população em
projetos individuais ou curadorias específicas, muitas vezes, fora da região. Cabe
destacar que a fotografia, uma das linguagens de maior expressão no Pará, com
MANESCHY, Orlando. Amazoniana, uma coleção em processo na Amazônia, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.3631-3643.
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destaque nacional e internacional, é pouco consumida por colecionadores se formos
comparar à aquisição de pinturas. Esta observação, bem como o acompanhamento
da produção contemporânea nos levou a perceber a existência de uma produção
que detinha grande valor estético, simbólico e político que ainda não tinha sua
representatividade em museus em coleções com um perfil curatorial mais definido,
salvo representações pontuais, em conjuntos que não sinalizavam um projeto
continuado de articulação dentro do desenho das respectivas coleções. Assim,
nasceu o desejo de firmar uma coleção em um espaço público que revelasse a
potência da criação artística que olha para a região ressaltando a densidade das
experiências empreendidas por artistas que se colocam em fricção com o ambiente
amazônico, em um plano de continuidade de projeto, em que a coleção é
afetivamente fruto de pesquisa ininterrupta.
Então, configuramos projeto para aquisição de obras de seis artistas iniciais,
submetido ao edital Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça / Prêmio
Procultura de Estímulo às Artes Visuais 2010, da Fundação Nacional de Artes –
FUNARTE, Claudia Andujar, Luiz Braga, Oriana Duarte, Armando Queiroz, Maria
Christina e Rubens Mano. O desejo pessoal de articular uma coleção de arte
produzida a partir da experiência de estar na Amazônia vinha sendo nutrido
há tempos, impulsionando-me ao desenvolvimento de pesquisas à consequente
reflexão sobre a arte produzida na região, gerando projetos, textos, publicações e
curadorias. O projeto Amazônia, Lugar da Experiência surgiu como um modo de
configurar uma materialidade à Amazoniana, compilando obras significativas a
partir de experiências distintas, vivenciadas por artistas que se permitiram adentrar
na região e mergulhar em suas diferenças, dialogando com as mais amplas
referências, seja com o vernacular, seja com perspectivas assentadas na história da
arte. Esta coleção, mesmo tendo como ponto deflagrador a Amazônia, aborda
questões que concernem à experiência humana, o que garante, consecutivamente,
sua universalidade.
Longe de se estabelecer em um colecionismo emergencial, (sem questionar aqui
este tipo de legitimidade), menos ainda um “gabinete de curiosidades”, como o
nome poderia sugerir, esta coleção se distingue por:
MANESCHY, Orlando. Amazoniana, uma coleção em processo na Amazônia, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.3631-3643.
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[...] Não desejar agregar todos e quaisquer procedimentos artísticos constituídos na Amazônia, mas aqueles em que os artistas, provenientes ou não da região, se deixaram atingir pela força e pela dimensão desse lugar, projetando suas vivências em forma de arte. São múltiplas “Amazônias” que se apresentam e suscitam distintas experiências, desdobrando-se em práticas artísticas que ocorrem na fricção, no contato íntimo e, ainda, no estranhamento com este território. (Maneschy, 2012 A, p.1).
Instaurar essa coleção em uma instituição cuja missão é a construção do saber,
como é a Universidade Federal do Pará, para nós foi fundamental, pois refletiu um
compromisso que articula o conhecimento em suas múltiplas plataformas. Assim,
entende-se uma coleção em que a arte é a matéria do conhecimento e os
experimentos dos artistas alimentam pesquisas, ensino e se desdobram em
projetos para a sociedade, reiterando as práticas dos artistas que se atraíram e
imergiram em questões da Amazônia.
O porque do nome A Coleção Amazoniana de Arte da UFPA tem este nome por trazer em sua gênese a
ideia de uma coleção de arte específica, concebida, articulada e localizada nesta
região, dentro de uma perspectiva crítica e em diálogo com várias questões
pertinentes ao campo da arte, aos museus e ao patrimônio, bem como acerca da
formação de acervos, especialmente a partir de criações retiradas de colônias,
considerando inúmeros processos engendrados ao longo da história em que a
constituição de coleções, dentro de uma ideia de “museu universal”, foram fundadas
por meio de apropriações e saques, dentro de procedimentos coloniais. Sabemos
que ainda hoje práticas de poder mediam determinadas coleções, que envolvem
complexas articulações político-econômicas-culturais.
Do passado até os dias atuais vários procedimentos foram empreendidos nas
elaborações de coleções “Brasiliana” tanto no Brasil, quanto fora, cujo estudo daria
uma tese, entretanto, aqui iremos apenas pontuar que algumas destas experiências
apontam para uma legitimação de processos de monumentalização de um
determinado conjunto de obras, em muitas vezes deslocadas de seu lugar de
origem, por meio de ações individuais ou institucionais, fruto, em alguns casos, de
processos colonialistas que intencionavam possuir objetos para dar conta de um
conjuntura específica, como já apontamos. A despeito de como algumas foram
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constituídas, é notório que diversas coleções vem sendo colocadas em plataformas
digitais, facultando o amplo acesso aos documentos colecionados, como temos no
Brasil a Brasiliana Iconográfica, fruto de parceria entre a Biblioteca Nacional, o
Instituto Moreira Salles, o Itaú Cultural e a Pinacoteca de São Paulo ou ainda a
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, que recentemente passaram a
disponibilizar acervos para consulta digital. Diante do acompanhamento de
discussões acerca de patrimônios brasileiros fora do país, e da legitimidade dessa
riqueza estar em outros países, como o caso dos mantos Tupinambás presentes no
acervo do Nationalmuseet, em Copenhague, Dinamarca, bem como tantos outros
bens separados de seus países em ações do período colonial, pensamos
criticamente sobre a pertinência de uma coleção sobre a Amazônia, sedimentada na
região. Isto nos levou a optar por batizá-la de Amazoniana, numa crítica a estas
estratégias de retirada de peças de um país para compor acervos em outros lugares.
Figura 1: Miguel Chikoka (1950 - ).
Hagakure, 2003. Fotografia/objeto, 45 x 30 cm.
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
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Figura 2: Roberto Evangelista (1946 - ). Matter Dolorosa - in Memoriam II, 1978.
Filme. Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
Todavia, nos procedimentos do projeto Amazônia, Lugar da Experiência, momento
embrionário da Amazoniana, tivemos que lidar com distintas questões que acabaram
por alterar o projeto original premiado. Primeiro por situações de dificuldades nas
negociações com a galeria de Claudia Andujar, que nos fez ficar desfalcados da
obra; entretanto, por outro lado, agregamos outros artistas, iniciando por Acácio
Sobral e Paula Sampaio, cujas obras foram doadas pela própria curadoria, o que
levou a um movimento de envolvimento de diversos artistas que foram convidados a
participar da coleção, por meio de doação de obras. Com isto, na primeira mostra,
com nome homônimo ao projeto, e com seu maior núcleo de artistas, no Museu da
Universidade Federal do Pará (de outubro de 2012 a janeiro de 2013), somaram-se
vinte artistas: Miguel Chikaoka, Dirceu Maués, Rubens Mano, Danielle Fonseca,
Thiago Martins de Melo, Alberto Bitar, Roberto Evangelista, Luiz Braga, Paula
Sampaio, Raquel Stolf, Victor de La Rocque, Alexandre Sequeira, Acácio Sobral,
Lucas Gouvêa, Lúcia Gomes, Maria Christina, Armando Queiroz, Grupo Urucum,
Oriana Duarte e Jorane Castro, (que ainda estava no Cinema Olympia com o seu
filme Invisíveis Prazeres Cotidianos). Também aconteceram duas intervenções
urbanas no período, protagonizadas por Lucas Gouvêa com lambe-lambes e Éder
Oliveira com uma pintura mural. Esta primeira mostra, já inicia com obras que nos
levam a pensar sobre como enxergamos, o que vemos, e como nos relacionamos
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com nossos territórios, com experiências em grupos sociais específicos,
comunidades, história, política e filosofia.
Figura 3: Armando Queiroz (1968 - ).
Aparelho para Escutar Sentimentos, 2008. Fotografia e objeto.
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
Todavia uma segunda exposição se sucedeu, Entre Lugares [Amazônia, Lugar da
Experiência], no Espaço Cultural Casa das Onze Janelas (de dezembro de 2012 a
fevereiro de 2013), reunindo Luciana Magno, Roberta Carvalho, Melissa Barbery,
Sinval Garcia, Val Sampaio, Armando Queiroz, Patrick Pardini, Elza Lima, Keyla
Sobral, Jorane Castro, Octávio Cardoso, Cláudia Leão, Éder Oliveira e Victor de La
Rocque. Nesta segunda mostra questões do sujeito, memória, especificidades de
lugar, tipologias, discussões sobre o corpo e subjetividade são pontos disparadores
para as criações exibidas. Assim, esta nova exibição complementava e tornava
ainda mais complexo o contexto do projeto, amplificando as conexões apresentadas
no momento anterior e que também foi realizada graças à repercussão da
premiação na FUNARTE, tendo sida aprovada no edital de Circulação | Mediação do
Instituto de Arte do Pará – IAP - 2012, alargando o raio de ação de Amazônia, Lugar
da Experiência.
Em paralelo, constituímos um site relativo ao projeto, em que cada artista conta com
uma pagina, na qual, além das informação sobre o mesmo e sobre a(s) obra(s)
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apresenta(s), textos referenciais para dowload sobre a produção de cada um dos
participantes. O compromisso do livre acesso contribui nas decisões do desenho do
site, buscando tornar acessíveis imagens das obras, críticas, bem como
disponibilizar vídeos completos para serem assistidos na íntegra. Este
entendimento, do favorecimento ao acesso de informações sobre os artistas está
dentro dos princípios da universidade e do que acreditamos ser o papel de um
projeto público. Assim, os resultados desse primeiro momento que gerou a
amazoniana encontra-se disponível no endereço www.experienciamazonia.org.
Figura 4: Site correspondente ao projeto Amazônia, Lugar da Experiência.
<www.experienciamazonia.org>. Publicado em 2012.
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
Contudo, como sinalizamos anteriormente, estas mostras do projeto Amazônia,
Lugar da Experiência formam o embrião da coleção, que ainda desdobrou-se nos
Seminários CONVERSAÇõES – Olhares sobre a Amazônia, realizado em dois
como parte integrante do projeto:
o seminário é mais um dos pontos de suma importância, pois ele estabelece um campo de trocas de ideias, de diálogo entre pessoas que estão pensando a Amazônia, com seus lugares do olhar. É uma oportunidade para nos escutarmos, para olharmos o outro que está desejando pensar esse lugar e conversar” (Maneschy, 2012 B).
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Esses seminários aconteceram entre novembro de 2012 e fevereiro de 2013,
colocando em contato artistas e pesquisadores que se propõem a pensar o fazer
artístico e cultural na região. “Reuniremos pessoas de gerações diferentes,
propiciando a troca, estimulando o intercâmbio de pensares e distintas visões”
destaca Keyla Sobral, Assistente Adjunta do projeto e uma das idealizadoras do
Seminário, que também articula com a Casa Fora do Eixo – Amazônia e PosTV a
transmissão simultânea do seminário na internet.
No primeiro Seminário CONVERSAÇõES – Olhares sobre a Amazônia (28/11/2012), tomaram parte a artista, professora e museóloga Rosangela Britto, o
historiador de arte Gil Vieira da Costa, a cineasta Jorane Castro, o artista Armando
Queiroz e a arte educadora Vânia Leal, que lançaram seus pontos de vista a partir
de suas experiências no ambiente amazônico. Rosangela Britto, mestre em
Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO/MEC), artista, e professora da UFPA articulou sobre a Amazônia e suas
diversidades culturais a partir do ponto de vista da museologia e das possibilidades
de se pensar e viver essa campo na região; já Gil Vieira Costa, mestre em artes pela
UFPA, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e crítico
observou os processos que vem sendo engendrados pelos artistas no
contemporâneo; Jorane Castro, fotógrafa e cineasta, abordou os processos de
entendimento da região, enquanto um complexo sistema de construção que se dá
na história e na cultura, questões que norteiam sua pesquisa e alimentam seu olhar,
bem como Armando Queiroz, artista, que se deteve a olhar os fluxos políticos e os
processos violentos que se manifestam no cotidiano do amazônida, sobre os quais
reflete com sua obra; junto a estes, a mestre em Comunicação Linguagem e Cultura
- UNAMA e curadora educacional Vânia Leal articulou sobre os processos de
difusão cultural e as necessidades do fortalecimento de propostas educacionais por
meio da arte.
Já no segundo seminário, (21/12/2012) contou-se com a presença das artistas
Danielle Fonseca, Maria Christina, do filósofo Ernani Chaves, do poeta e crítico João
de Jesus Paes Loureiro e do cineasta e escritor Vicente Cecim. Entendemos que
estas participações refletem um desenho curatorial no que acena para perspectivas
dialógicas e expandem a compreensão de que a coleção não é um fim em si
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mesma, enquanto conjunto de objetos, mas seu processo curatorial distende-se para
conversas e documentos.
Neste cenário, somou-se o livro Amazônia, Lugar da Experiência: Processos
Artísticos na Região Norte dentro da Coleção Amazoniana de Arte da UFPA,
lançado em 2013, a partir da premiação do edital Conexões Artes Visuais – Minc
Funarte Petrobrás, que viabilizou, em parceria com a UFPA, a realização de um
documento em que obras, mostras e textos de pesquisadores somam-se ao pensar
esse território. Este livro foi disponibilizado para estudantes, pesquisadores,
artistas, bibliotecas e interessados em geral de forma gratuita, bem como seu
arquivo digital em PDF está disponível na internet para livre acesso.
Figura 5: Convite do lançamento do livro Amazônia, Lugar da Experiência.
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
A partir de 2014, em associação com a professora e pesquisadora Msc. Yorrana
Maia, do curso de Moda da Universidade da Amazônia, foi traçada uma estratégia
de distribuição do acervo do estilista paraense André Lima, por diversos acervos do
país, como da Amazoniana; do Museu de Arte do Rio de Janeiro – MAR; do Museu
de Arte Brasileira da FAAP, dentre outros. Mais do que selecionar diversas peças,
como roupas, adereços, objetos e documentos dos mais variados tipos, como
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convites, estudos, etc., constituiu-se, com este movimento, a Seção Moda da
Coleção Amazoniana de Arte da UFPA, que vem sendo trabalhada, ainda, pela
professora e pesquisadora do curso de Museologia da UFPA, Msc. Marcela Cabral,
criando novas perspectivas e sendo localizada, neste momento, no acervo do curso
de museologia da Faculdade de Artes Visuais da UFPA-FAV, criando espaço para
discentes de museologia, artes visuais e moda. Lá, na FAV, também está
depositado e em processo de construção o ]Arquivo[, no qual toda uma centena de
vídeos catalogados em pesquisa encontram-se depositados. O ]Arquivo[ também
coleciona documentos dos artistas presentes na coleção, bem como publicações
significativas acerca de fatos e eventos ocorridos na Amazônia. O processo da
constituição desse arquivo é realizado de forma coletiva, recebendo doações de
diversas procedências, visando olhar para o viver e o fazer estético, ético e político
nesse território, dentro de uma perspectiva decolonial.
Pensar criticamente a produção em artes visuais realizada na Amazônia, por meio
de pesquisas concebidas dentro de um procedimento diferenciado, dialogal e
horizontal, de acordo com estratégias para subverter as relações de poder que
ainda estabelecemos em relação ao outro, nos leva a buscar transcender os
padrões de força da colonialidade que persistem nos dias atuais. Articular esta
coleção, sem a existência específica de um museu que a agregue como um todo,
com seu acervo estando dividido entre vários ambientes, nos lança a novos
desafios de reflexão acerca do papel dos museus, suas configurações,
espacialidades, metodologias, para além do mero prédio, para além dos ambientes
engessados e sem vida, em direção a todo um conjunto de práticas e constituições
que movimentam, a partir da Amazoniana, e que apontam para a instauração do
Museu de Arte da Amazônia, porque de fato, ele já existe no fluxo destas relações
vivas.
Novas doações Desde o primeiro momento em que a coleção foi instaurada, novas doações vem
sendo empreendidas por artistas, colecionadores e fundo. Isso vem ocorrendo pelo
amplo diálogo que a Amazoniana tem como a sociedade. Neste contexto, artistas
como Ionaldo Rodrigues, Keyla Sobral, Luciana Magno, Paulo Meira, Victor de La
Rocque, Éder Oliveira estão com novas obras adentrando na coleção, sendo que
algumas detém desdobramentos para o ]Arquivo[, como a dissertação de mestrado
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de Armando Queiroz e o livro de Luciana Magno, dentre outros. Além disso, há
ainda doações de obras do artista falecido Acácio Sobral.
Figura 6: Éder Oliveira (1983 - ).
Intervenção urbana | Pintura Mural, 2012. Coleção Amazoniana de Arte da UFPA.
Vale destacar a significativa doação do Fundo Z (leia-se José Roberto Marinho),
com obras de: Aluísio Carvão, Anna Kahn, Fernando Lindote, Jair Júnior, Kurt
Klagsbrun, Milton Guran, Osmar Dillon, Oswaldo Goeldi, todas em um projeto
curatorial desenhado por Paulo Herkenhoff para a 36a edição do Projeto Arte Pará
2017, em que o curador empreendeu uma ação em prol do Espaço Cultural Casa
das Onze Janelas, o espaço do estado voltado à arte contemporânea. Esta Casa
estava em vias de ser fechada para a criação de um polo gastronômico e após um
longo processo de debates, manifestações coletivas de artistas, abaixo-assinado
de apoio circulando nas redes sociais e reuniões com autoridades, a situação foi
revertida. Herkenhoff reitera a importância da Casa articulando uma significativa
doação de obras de arte de autoria de artistas da região e de outros que por aqui
transitaram ou lançaram seu olhar, transformando sua curadoria numa articulação
política de fortalecimento do espaço através da doação ao seu acervo. Nesse
momento, por sua aproximação com a Amazoniana, estabelecemos um diálogo
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acerca de obras que viriam também somar ao acervo desta coleção, em um
processo dialogal e compartilhado via Fundo Z.
Nesse contexto, evidenciamos que todo um processo de forças internas e externas
operam nos distintos fluxos presentes no desenho curatorial da Amazoniana; são
métodos horizontais de diálogo que se estabelecem entre o curador geral,
curadoria adjunta e propostas transversais que acontecem ao longo do processo.
Estamos em diálogo com artistas para a ampliação de suas participações, bem
como o cotejar de artistas que percebemos necessários para a coleção. Em
paralelo, a constituição do ]Arquivo[ que se materializa a partir da ordenação de
documentos de artistas, acervos de pesquisa, publicações e resultados de outros
processos, como coleções de fotografia, mapeamento de obras de videoarte e
videoinstalações e que envolvem e cativaram diversos atores, de discentes de
iniciação científica - como os atuais João Polaro e Stephanie Lobato -, como outros
jovens pesquisadores, como Danilo Baraúna e Keyla Sobral, que também é artista
e curadora adjunta da Amazoniana; além de professores que se tornaram parceiros
ao longo de projetos, como já citadas Yorrana Maia, curadora adjunta da seção
Moda, Marcela Cabral, museóloga responsável por esta última seção, além de
outros colaboradores como a artista e pesquisadora Maria Christina, e outros
pesquisadores baseados em diferentes estados, como Sávio Stoco e Carmen
Palumbo. Contamos também com a contribuição de professores pesquisadores da
UFPA que vem contribuindo em ações, palestras e discussões sobre curadoria em
reuniões de grupos de pesquisa, como Rosângela Britto, Marisa Mokarzel e Luzia
Gomes.
Como pode-se perceber, ao longo deste artigo, a Coleção Amazoniana de Arte da
UFPA é um território composto por múltiplas vozes, operando em diferentes esferas
e modos de participação dinâmica, contígua e que se entende como um território
de diálogos em busca de reflexão e de ruptura com um único modelo de articulação
no entendimento da ideia de curadoria e de dinâmicas. Ela expande-se tanto na
perspectiva museológica de curadoria de acervo, quanto no âmbito da museologia
social, buscando um aprofundamento da reflexão sobre a Amazônia por meio da
arte, estabelecendo um território de trocas para os distintos atores que se
relacionam com a Amazoniana em seus múltiplos lugares de experiência.
MANESCHY, Orlando. Amazoniana, uma coleção em processo na Amazônia, In Anais do 27o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, 27o, 2018, São Paulo. Anais do 27o Encontro da Anpap. São Paulo: Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Artes, 2018. p.3631-3643.
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