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  • 1. UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAOAMANDA CRISTINA TEAGNO LOPES MARQUESA Construo de Prticas de Registro e Documentao noCotidiano do Trabalho Pedaggico da Educao InfantilSO PAULO 20101

2. 2 3. AMANDA CRISTINA TEAGNO LOPES MARQUESA Construo de Prticas de Registro e Documentao noCotidiano do Trabalho Pedaggico da Educao InfantilTese apresentada Faculdade de Educao daUniversidade de So Paulo como requisito obteno dottulo de Doutor em Educao Verso Corrigida (aoriginal se encontra disponvel na FEUSP)Linha de Pesquisa: Didtica, Teorias de Ensino e PrticasEscolaresOrientador: Prof Dr Maria Isabel de Almeida SO PAULO20103 4. Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e Documentao Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo371.21 Marques, Amanda Cristina Teagno LopesM357c A construo de prticas de registro e documentao no cotidiano do trabalho pedaggico da educao infantil / Amanda Cristina Teagno Lopes Marques ; orientao Maria Isabel de Almeida So Paulo : s.n., 2010. 390 p. : il., fotosTese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Educao. rea de Concentrao : Didtica, Teorias de Ensino e Prticas Escolares) Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo).1. Educao infantil 2. Prtica de ensino 3. Cultura escolar 4. Cotidiano escolar 5. Pedagogia - Projeto I. Almeida, Maria Isabel de, orient. 4 5. MARQUES, Amanda Cristina Teagno Lopes. A Construo de Prticas de Registro eDocumentao no Cotidiano do Trabalho Pedaggico da Educao Infantil. Teseapresentada Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulode Doutor em Educao.Aprovado em: Banca ExaminadoraProf. Dr. ____________________________________Instituio: ______________________Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________Prof. Dr. ____________________________________Instituio: ______________________Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________Prof. Dr. ____________________________________Instituio: ______________________Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________Prof. Dr. ____________________________________Instituio: ______________________Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________Prof. Dr. ____________________________________Instituio: ______________________Julgamento: _________________________________ Assinatura: ______________________5 6. 6 7. Agradecimentos Prof Dr Maria Isabel de Almeida, pela orientao segura e afetiva ao longo daelaborao desta tese, compartilhando todos os desafios e conquistas de quatro anos dededicao. Meu especial obrigada! Aos participantes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formao de Educadores GEPEFE-FEUSP, por dividirem momentos de estudo e orientao coletiva da tese. Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal de Ensino Superior CAPES pelofinanciamento da pesquisa no exterior, e pela concesso de bolsa para a finalizao dodoutorado aps meu retorno. A todos os profissionais da educao que abriram suas portas realizao da pesquisa,em especial queles do Centro de Documentao e Pesquisa de Bolonha, da ScuoladellInfanzia Don Milani, e das EMEIs Quintino Bocaiva, Joo Mendona Falco e DomJos Gaspar, sem os quais a investigao no teria sido realizada. Agradeo o acolhimento, areceptividade e a colaborao quando de minha insero em seus espaos. Muito obrigada! Secretaria Municipal de Educao de So Paulo, pela autorizao realizao dapesquisa nas escolas. Professora Milena Manini, e Universidade de Bolonha, pela recepo e orientaono exterior; no momento de dificuldade em encontrar interlocutores na Itlia, pude contar coma generosa colaborao de pessoas daquela instituio. Obrigada! Prof Dr Jlia Oliveira-Formosinho, Associao Criana, e aos profissionais queme receberam em Lisboa e Braga e se dispuseram a compartilhar um pouco de suas prticas eseus projetos. Aos professores participantes da banca de qualificao Prof Dr Maria Isabel deAlmeida, Prof Dr Jlia Oliveira-Formosinho e Prof. Dr. Jos Cerchi Fusari pela orientaoem um momento crucial da pesquisa. minha famlia, em especial a meu marido e a meus pais, pelo incentivo constante.7 8. 8 9. ResumoMARQUES, Amanda Cristina Teagno Lopes. A Construo de Prticas de Registro eDocumentao no Cotidiano do Trabalho Pedaggico da Educao Infantil. Tese (Doutoradoem Educao). Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.Trata-se de uma pesquisa de doutorado que tem por objeto o registro de prticas e adocumentao como elemento da cultura pedaggica no contexto da Educao Infantil e visaa responder seguinte questo: De que maneira o registro de prticas e a documentao vmsendo construdos no cotidiano do trabalho pedaggico para a Educao Infantil, e qual arelao entre documentao pedaggica e a construo de uma pedagogia para a infnciano contexto de um projeto poltico-pedaggico em ao? Tem como objetivo geral analisaras possibilidades relacionadas insero de prticas de registro e documentao na EducaoInfantil enquanto elemento constitutivo do projeto poltico-pedaggico em ao, e comoobjetivos especficos a) identificar e analisar experincias de registro e documentao comoparte da cultura organizacional de instituies de Educao Infantil; b) compreender aspossibilidades decorrentes do registro como cultura organizacional e como cultura pedaggicapara a Educao Infantil; c) refletir sobre o processo de construo de uma "cultura doregistro" no contexto da Educao Infantil; d) indicar elementos a serem considerados porpolticas pblicas para a Educao Infantil. Como procedimento metodolgico, foi realizadoestudo de caso coletivo (STAKE, 1994, 1999), ou estudo de casos mltiplos (YIN, 2005), noqual foram investigadas quatro pr-escolas municipais (trs em So Paulo e uma em Bolonha)que desenvolvem prticas de registro e documentao como elemento de seu projeto coletivo.A investigao pautou-se na concepo de criana como pessoa, sujeito de direitos eprodutora de cultura, e de infncia como categoria social (QVORTRUP, 1993; SARMENTO,2007; CORSARO, 2002). No campo da Educao Infantil, partimos do reconhecimento dafuno social de creches e pr-escolas, concretizado em um projeto poltico-pedaggico apto aconferir identidade a essa etapa educacional e pautado na promoo de mltiplas experinciasde aprendizagem e desenvolvimento, considerando as especificidades da criana pequena(KRAMER, 1986, 1997). Partimos, ainda, do conceito de documentao pedaggica comoatividade de recuperao, escuta e reelaborao da experincia por meio da narrao de umpercurso e da explicitao de pressupostos das escolhas realizadas (PASQUALE, 2002;OLIVEIRA-FORMOSINHO, AZEVEDO, 2002; BENZONI, 2001, entre outros), atividadeque se relaciona ao planejamento, avaliao e reconstruo do projeto poltico-pedaggico. Como resultados, apontamos para a historicidade das prticas de registro edocumentao construdas pelos diferentes coletivos institucionais em sua interao com osdesafios concretamente vivenciados pelos sujeitos; a documentao pedaggica, portanto,relaciona-se ao projeto poltico-pedaggico institucional, e configura-se em diferentesmodalidades, no se podendo falar em um nico modo de fazer, por se tratar de uma posturaou concepo. O registro e a documentao pedaggica possibilitam a construo de memriae autoria, a reflexo sobre as prticas, a visibilidade do trabalho pedaggico, a comunicao ea aproximao s famlias, o que pode ser potencializado quando a atividade assumida peloscoletivos institucionais. Em ltima instncia, h que considerar o registro e a documentaocomo aspectos inerentes a um projeto pedaggico para a infncia, o que deve ser reconhecido,valorizado e estimulado pelas polticas pblicas a partir da considerao das reaisnecessidades de cada contexto.Palavras-chave: Educao Infantil registro de prticas documentao pedaggica projetopoltico-pedaggico prticas pedaggicas na Educao Infantil.9 10. 10 11. AbstractMARQUES, Amanda Cristina Teagno Lopes. The Development of Practices Register andDocumentation in the Daily Preschool Pedagogical Work. Tese (Doutorado em Educao).Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2010.The subject of this doctoral research is the register of practices and the documentation as acomponent of Preschool pedagogical culture. This research is aimed to answer the followingquestions: How the register of practices and the documentation have been built in the dailyPreschool pedagogical work; and what is the relationship between pedagogical documentationand the development of a pedagogy for childhood in the context of an ongoing political-pedagogical project? The general purpose of this research is to analyze the possibilitiesassociated with the introduction of register of practices and documentation in the Preschool ascomponents of the ongoing political-pedagogical project. The specific purposes are: a) toidentify and to analyze register and documentation experiences as a component of theorganizational culture of Preschool institutions; b) to comprehend the possibilities resultingfrom registering as an organizational culture and as a pedagogical culture for Preschool; c) todeeply think about the development process of a registering culture in the Preschool; d) toindicate elements to be considered in the Preschool public policies. The methodologicalprocedure consists of collective case study (STAKE, 1994, 1999), or multiple case studies(YIN, 2005). For the production of these case studies, four municipal preschools that developregister of practices and documentation as part of their collective project were analyzed (threeamong them located at Sao Paulo and one at Bologna). The analysis was based on theconception of child as a person, subject of rights and producer of culture, and childhood as asocial category (QVORTRUP, 1993; SARMENTO, 2007; CORSARO, 2002). In the childeducation area, we started from the acknowledgement of the daycares/creches and preschoolssocial function, achieved through a political-pedagogical project capable of attributingidentity to this educational phase, and based on the promotion of several learning anddeveloping experiences, considering the specificities of the child in its early ages (KRAMER,1986, 1997). We also started from the concept of pedagogical documentation as a revival,listening and re-elaboration activity of the experience by the use of the narration of a path andmaking clear the prerequisites from the options taken (PASQUALE, 2002; OLIVEIRA-FORMOSINHO, AZEVEDO, 2002; BENZONI, 2001, among others), activity that is relatedto planning, assessing, and rebuilding the political-pedagogical project. As results, we pointout the historical feature of the register of practices and documentation built by differentinstitutional collectives in their interactions with the challenges faced by the subjects;therefore, the pedagogical documentation is related to the institutional political-pedagogicalproject, and assumes different formats, being impossible to assert that there is a unique way toperform it, since it is posture or concept. The register and pedagogical documentation enablememory formation and authorship, reflection about practices, pedagogical work visibility,communication and nearness to families, which can become stronger whenever the activity isdeveloped by institutional collectives. Finally, register and documentation must be consideredas inherent features of a childhood pedagogical project, and this should be recognized,treasured and incited by public policies taking into consideration the actual needs of eachcontext.Key-words: Child education register of practices pedagogical documentation political-pedagogical project child educations pedagogical practices. 11 12. 12 13. NDICEPARTE I INTRODUO1. Contextualizando a proposta: objeto e problema da pesquisa ................................... 192. Objetivos da Pesquisa .................................................................................................. 283. Justificativa ...................................................................................................................284. Percurso Metodolgico ................................................................................................ 354.1 Sobre o Estudo de Caso ...................................................................................374.2 Sobre o Estudo da Escola ................................................................................ 454.3 Sobre as entrevistas com crianas ..................................................................485. Estrutura da tese ...........................................................................................................50PARTE II SOBRE OS REFERENCIAIS TERICOS1. Infncia como categoria de anlise ............................................................................. 51 1.1 Sobre o conceito de infncia ..........................................................................51 1.2 A criana: de objeto a sujeito de direitos ......................................................58 1.3 Sobre as culturas infantis ............................................................................... 632. Infncia e Educao Infantil ........................................................................................66 2.1 A institucionalizao da infncia .................................................................. 66 2.2 Um projeto poltico-pedaggico para a Educao Infantil ...........................74 2.3 Desafios atuais: uma proposta pedaggica e curricular para a Educao Infantil ..................................................................................................................78 2.4 A construo da boa qualidade ...................................................................... 883. Registro e Documentao Pedaggica ........................................................................973.1 Sobre o registro: situando a investigao ........................................................973.2 A Documentao Pedaggica na Educao Infantil: a abordagem italiana ..115A. A Abordagem italiana para a educao de crianas pequenas:consideraes gerais ........................................................................................116B. Documentao enquanto rea do conhecimento ...................................... 120C. Aspectos da histria da documentao no mbito pedaggico ................121D. Sentido e significado da documentao educativa ....................................123E. A Documentao e suas Funes ............................................................... 128F. A documentao como processo e como produto ..................................... 133 3.3 Em busca de marcas no passado: a documentao em Freinet ...................... 137 A. O homem e sua poca ................................................................................. 139 B. Elementos da Pedagogia Freinet ................................................................ 148 C. O papel da documentao .......................................................................... 152 13 14. PARTE III AS ESCOLAS ESTUDADAS1. A Educao Infantil em Bolonha: mapeando o contexto ..........................................158 1.1 Dos asilos de custdia ao direito educao ................................................ 159 1.2 Estrutura e Organizao das Pr-Escolas Municipais em Bolonha ............165 1.3 Laboratorio di Documentazione e Formazione Bologna .........................1672. O estudo de uma escola italiana: a Scuola dellinfanzia Don Milani - A documentao como cultura organizacional .............................................................172 2.1 A Escola e o seu Projeto .................................................................................173 2.2 O Trabalho com a Documentao ................................................................. 190 A. A documentao produzida pela Scuola dellInfanzia Don Milani .......190 B. A documentao no cotidiano de trabalho .............................................194B.1 A concepo das professoras .............................................................. 194B.2 A fala das crianas .............................................................................. 206B.3 A viso das famlias ............................................................................208C. A Documentao Pedaggica: um projeto dentro de um projeto ............ 210C.1 Documentar para construir memria, para avaliar e paraprogramar: a documentao da escola .................................................... 211C.2 Documentar para comunicar: documentar para as famlias ........... 212C.3 Documentar para crescer: as crianas documentam .......................213C.4 Escrever para refletir: o dirio ..........................................................214C.5 Documentao como pesquisa: a documentao como projetocoletivo ..................................................................................................... 2143. Experincias de Documentao e Registro em Escolas Municipais de Educao Infantil em So Paulo: a construo de caminhos ..................................................... 217 3.1 A Educao Infantil em So Paulo: dos Parques Infantis s Escolas Municipais ...................................................................................................... 222 3.2 Estrutura e Organizao das Pr-Escolas Municipais em So Paulo ........... 2264. O estudo de um caso: A EMEI Quintino Bocaiva documentar como projeto ....238 4.1 A Escola e seu Projeto .................................................................................... 239 4.2 O trabalho com o registro e a documentao ...............................................252A. Modalidades de Registro e Documentao Produzidas ............................252B. O PEA/ 2009: a documentao pedaggica como meta ............................ 259C. O desafio de registrar a prpria prtica .....................................................267D. O apoio da direo ...................................................................................... 272E. A percepo das crianas sobre a escola e a documentao .....................275F. A articulao entre projeto pedaggico e documentao ......................... 276 14 15. 5. O estudo de um caso: A EMEI Joo Mendona Falco o portflio e a avaliao .. 278 5.1 A Escola e o seu Projeto .................................................................................279 5.2 O Trabalho com a Documentao os Portflios ........................................292 A. Em busca de uma nova forma de avaliar .................................................292 B. A autoria do professor na elaborao de seu portflio: a diversidadena unidade ................................................................................................297 C. A viso das crianas ..................................................................................301 D. Os desafios ................................................................................................ 303D.1 O envolvimento das famlias ............................................................ 304D.2 O acompanhamento do processo de aprendizagem edesenvolvimento de cada criana ............................................................ 3066. O estudo de um caso: A EMEI Dom Jos Gaspar o registro reflexivo e a documentao como comunicao ............................................................................. 312 6.1 A Escola e o seu Projeto .................................................................................312 6.2 A documentao pedaggica tornando visvel a aprendizagem das crianas ...........................................................................................................330A. A formao em contexto no espao da escola e as snteses reflexivas ... 330B. O PEA 2010: conferindo visibilidade s aprendizagens das crianas ....334C. As prticas de registro presentes na escola: o trabalho coletivo e os modos individuais de apropriao ...........................................................337D. O registro como elemento da cultura organizacional: conquistas e desafios ...................................................................................................... 349PARTE IV - CONSIDERAES FINAIS .........................................................................3551. Os diferentes modos de fazer e pensar a documentao pedaggica: uma prtica em contexto ................................................................................................................. 3582. Entre reproduo e criao: a importncia da autonomia das escolas ...................... 3603. Entre estrutura e ao: o papel dos agentes individuais e das polticas pblicas .....3624. O registro e a documentao como elementos do Projeto Poltico-Pedaggico da Educao Infantil ........................................................................................................365POSFCIO ........................................................................................................................368REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................................374ANEXO .............................................................................................................................. 38715 16. 16 17. De tudo, ficaram trs coisas: a certeza de que ele estava semprecomeando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupo um caminho novo. Fazer da queda um passo de dana, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.FERNANDO SABINO17 18. 18 19. PARTE I - INTRODUO1. Contextualizando a proposta: objeto e problema da pesquisaSer autor significa dizer a prpria palavra, cunhar nela sua marca pessoal emarcar-se a si e aos outros pela palavra dita, gritada, sonhada, grafada... Ser autor significa resgatar a possibilidade de "ser humano", de agir coletivamente pelo que caracteriza e distingue os homens... Ser autor significa produzir com e parao outro... SNIA KRAMERUma investigao possibilita responder, provisoriamente, a algumas questes e,simultaneamente, lana outras, abrindo portas a novos questionamentos. Em pesquisaanterior1, com o intuito de responder questo-problema da pesquisa qual a contribuiodo registro de prticas pedaggicas realizado pelo professor em seu processo de formaoem servio e desenvolvimento profissional? empreendemos uma reflexo sobre o objeto oregistro de prticas docentes em suas mltiplas perspectivas, explicitando sua relao comas temticas formao de professores, memria, linguagem. Eleger o registro de prticascomo objeto de estudo no mestrado implicou analisar suas possibilidades no processo dedesenvolvimento profissional de professores, e refletir sobre sua insero em minha histriade vida e trajetria profissional. Descobri-me, ento, no apenas como pesquisadora, mastambm como sujeito da investigao, professora que produz registros de prticas.Foi como professora de Educao Infantil da Rede SESI SP, aps a concluso docurso de Magistrio e ainda cursando a graduao em Pedagogia na Universidade de SoPaulo, que tive o primeiro contato com a prtica do registro atravs da produo de registrosdirios e portflios/ dossiers de projetos realizados junto s crianas. Essa postura foiincorporada ao meu trabalho como professora em outros espaos, na atuao como auxiliar naEscola da Vila/ SP, e posteriormente, com o ingresso na Rede Municipal de Educao de SoPaulo, em 2002, como professora de Educao Infantil.Ser professor de Educao Infantil educar e cuidar, observar as crianas, construir prticas, procedimentos, atividades, criar e recriar, e tambm registrar, produzirmarcas, construir histria. Em um contexto de reconhecimento da complexidade da prticapedaggica, do professor como intelectual crtico-reflexivo (PIMENTA, 2002), pensar o1 Investigao de mestrado intitulada "Registro de Prticas: Formao, Memria e Autoria Anlise de registrosno mbito da Educao Infantil", defendida em 2005, na FEUSP, sob orientao do Prof. Dr. Jos Cerchi Fusari. 19 20. registro de prticas valorizar o trabalho docente, concebendo-o como profisso que demandaconhecimento, estudo, reflexo sistemtica. valorizar o professor como produtor de saberes,autor de sua prtica. ainda reconhecer a influncia das condies de trabalho na qualidadedo processo educativo, o ensino como prtica social concreta constituda pelas dimensestcnica, poltica, tica, esttica (RIOS, 2001). Registrar a prtica conferir-lhe um status at ento inexistente, sem cair nopraticismo. O registro deve possibilitar a construo de um saber vlido, tecido a partir dareflexo e do dilogo com a teoria. E isso certamente no tarefa fcil, demanda intervenoe tempo, pois construo, processo, e no apenas tcnica. O registro precisa serexperimentado, vivido. Na investigao supracitada, a anlise de meus registros produzidos como professorapossibilitou identific-lo como instrumento favorvel reflexo, investigao da prtica, produo de conhecimentos, a sistematizao e divulgao de saberes, construo dememria e de histria, autoria sobre o processo educativo. Nos registros analisadospuderam ser identificados elementos que tornam explcito o papel desse instrumento nareflexo sistemtica sobre a prtica, no desenvolvimento profissional do professor, nareconstruo de sua profissionalidade. A escrita emerge como instrumento para o pensarsistemtico sobre a prtica e a partir da prtica. No processo de anlise, elementos referentes ao contexto vieram tona na tentativa decompreender as possibilidades e os limites do registro de prticas. A percepo dodesenvolvimento do professor como articulao entre as dimenses pessoal, profissional eorganizacional (NVOA, 1992), e a considerao das instituies escolares subjacentes produo dos registros levaram-nos a perceber que os limites e as possibilidades da prticado registro dependem em parte do contexto no qual se insere, que pode favorecer/ estimular/valorizar ou no o trabalho docente e a prtica do registro. Apontamos, ento, a necessidadede caminhar do registro como postura individual ao registro como projeto institucional,analisando-o no apenas no contexto do desenvolvimento profissional, mas tambm comopossibilidade de desenvolvimento organizacional. preciso que o registro seja incorporadoao projeto poltico-pedaggico em ao, e cultura escolar. 20 21. No basta, portanto, ser o professor reflexivo se a escola ainda no o 2, ou no criacondies para; no basta o professor registrar suas prticas se na escola ainda no h espao/tempo para o trabalho a partir desses registros, se ainda no h a possibilidade deinterlocuo, de troca, de parceria. Pensar o registro enquanto postura/ proposta assumida pelocoletivo implica refletir sobre a escola enquanto organizao aprendente, espao deaprendizagem e formao no apenas para os alunos, mas tambm para os professoresenquanto indivduos e para a escola enquanto grupo.A mudana na escola implica no apenas o investimento nos professoresindividualmente, mas sobretudo o investimento na escola enquanto organizao. A partir dasrepercusses do conceito de profissional reflexivo (SCHN, 1992), e da identificao docarter coletivo, dialgico e interacional do agir do professor e de seu desenvolvimentoprofissional, Alarco (2002) conceitua escola reflexiva como organizao que continuamentese pensa a si prpria, na sua misso social e na sua estrutura e se confronta com o desenrolarda sua atividade num processo heurstico simultaneamente avaliativo e formativo. (id: 220).Portanto, uma escola reflexiva pensa-se no presente para se projetar no futuro (id), e avaliao passado.A autora retoma o conceito de organizao aprendente, que se refere capacidade deuma organizao evoluir atravs de suas prprias aprendizagens, e de promover a seusmembros condies de aprendizagem coletiva e individual. Por coletivo entende-se oresultado de mltiplas interaes entre os indivduos que trabalham e convivem naorganizao. A aprendizagem, por sua vez, processo individual realizado em cooperaocom a coletividade. A organizao, ao assumir-se como aprendente, pode oportunizarformao e qualificao a seus membros, e qualificar-se tambm.A cultura emerge como contexto e, ao mesmo tempo, resultado da colaborao que,baseada no pensamento reflexivo e contextualizada na ao, gera novos saberes. No possvel mudar as organizaes e as pessoas sem mudar as culturas; ao mesmo tempo, no semudam as culturas e as organizaes sem se mudarem as pessoas (ALARCO, 2002).Cultura e indivduos encontram-se implicados, pois so as pessoas que constroem e2 As limitaes do conceito de professor reflexivo so apontadas em PIMENTA, Selma G. Professor reflexivo:construindo uma crtica. In: PIMENTA, Selma G.; GHEDIN, Evandro (org.). Professor Reflexivo no Brasil:gnese e crtica de um conceito. So Paulo: Cortez, 2002. 21 22. participam da cultura, e tambm a cultura contribui para a formao das pessoas, indicandomodos de pensar, ser, agir. Nesse sentido, uma cultura de escola em aprendizagemorganizacional (...) cria-se pelo pensamento e prtica reflexivos que acompanham o desejo deresolver, colaborativamente, os problemas que se colocam (id: 222).Entendemos que o registro precisa ser incorporado no apenas prtica de professoresisolados, mas cultura organizacional da instituio. As culturas colaborativas(HARGREAVES, 1998), entendidas como espao de reflexo, estudo e desenvolvimento,precisam ser construdas, cultivadas no interior das escolas, assim como os processos deformao. No de maneira autoritria e impositiva, mas de forma cuidadosa e essencialmentedemocrtica.Partimos do pressuposto de que o registro de prticas elemento essencial ao trabalhodocente, e de que preciso avanar no sentido de consider-lo tambm elemento da culturaorganizacional e, mais ainda, da cultura pedaggica da Educao Infantil enquanto elementodo processo de construo de uma escola de boa qualidade para crianas, educadores 3 efamlias.O termo registro de prticas deriva das produes de Madalena Freire, que no livroObservao, registro e reflexo (1996), apresenta o registro como instrumento metodolgicodo trabalho docente ao lado de outros, a saber, planejamento, observao e reflexo. Osquatro elementos integram-se na ao pedaggica, j que a observao e a reflexo sobre aprtica, possibilitadas pelo registro, que fornecem elementos para o planejamento, e este, porsua vez, indica pontos para observao, reflexo e avaliao. Em suma, para Madalena Freire,registrar a prtica significa estudar a aula, refletir sobre o trabalho, e abrir-se ao processo deformao. Apesar de j anteriormente apontado por Paulo Freire (2001), o tema foisistematizado por Madalena Freire e encontrou repercusso, ainda que no de maneiraexaustiva, no cenrio educacional brasileiro.As possibilidades implicadas no registro de prticas vm sendo discutidas de maneiramais intensa nas ltimas dcadas, em um contexto de mudana de paradigma em relao compreenso da prtica pedaggica, formao de professores, profissionalidade docente.3Chamamos de educadores todos os profissionais que atuam na escola, incluindo professores, gestores,auxiliares e demais funcionrios, entendendo que todos exercem funes educativas nesse espao.22 23. O reconhecimento da complexidade da prtica e da impossibilidade de aplicao imediata detcnicas e saberes tericos levou construo de conceitos como o de professor reflexivo(SCHN, 1992), professor pesquisador (ZABALZA, 1994), professor intelectual crtico-reflexivo (PIMENTA, 1992), e considerao da formao como um continuum no qual soproduzidos saberes de diferentes naturezas. na interao entre os saberes e as situaesproblemticas do cotidiano que se d a formao, e a experincia passa a ser entendida comoespao de desenvolvimento profissional e de produo de conhecimentos. Lembramos que o registro de prticas, mesmo antes do desenvolvimento de pesquisasou da publicao de referenciais legais, existiu em outras pocas na realidade das escolas, sejacomo iniciativa individual (professoras que produzem/ produziam seus registros), seja poriniciativa do coletivo da instituio ou da gesto (municipal, estadual), seja como forma decumprimento de obrigaes legais. Os Boletins dos Parques Infantis, por exemplo, continhamrelatos de educadoras dos Parques, e traziam indicaes de como preencher fichas deobservao das crianas (LOPES, 2005). Podemos encontrar, tambm, educadoras queproduziam seus cadernos contendo planejamento, relatos de observaes, lembretes,informaes pontuais, materiais esses no-oficiais, de domnio privado e, portanto, nopublicizados (com raras excees encontramos algumas dessas produes publicadas; em suamaioria, correspondem a relatos autobiogrficos). A importncia da prtica do registro tem sido apontada no campo da EducaoInfantil, fazendo-se presente em documentos oficiais como os Referenciais Curriculares paraa Educao Infantil (BRASIL, MEC, 1996), e em experincias desenvolvidas em escolasprivadas e pblicas. O ingresso, em nosso meio, de produes acerca da experincia italianapara a Educao Infantil, em especial aquela desenvolvida na cidade de Reggio Emilia,certamente constituiu grande impulso ideia de documentao pedaggica, entendida comoelemento inerente proposta pedaggica para a Educao Infantil (MALAGUZZI, 1999).Tambm as publicaes e palestras da professora Jlia Oliveira-Formosinho e da atuao daAssociao Criana4 ajudaram a fortalecer a importncia da documentao e, em especial, doportflio, como instrumento do trabalho pedaggico da Educao Infantil, ampliando aconcepo inicial de registro apontada por Madalena Freire (1996).4Instituio no governamental filiada Universidade do Minho (Portugal). 23 24. Nesse sentido, podemos identificar aproximaes e distanciamentos entre os conceitosde registro de prticas, dirio de aula, documentao e portflio, entre outros. Podemosafirmar que o termo registro em sentido estrito derivado, no Brasil, das formulaes deFreire (1996) tem como foco o professor como produtor de relatos reflexivos sobre suaprtica, e aproxima-se ideia de dirios de aula de Zabalza (1994). A centralidade recaisobre o professor que, individualmente, produz narrativas atravs das quais estuda sua aula,em um processo de autoformao com base na reflexo que possibilita a interao entre teoriae prtica.O conceito de documentao pedaggica cujo processo de maior desenvolvimento edivulgao pode ser relacionado abordagem italiana para a Educao Infantil e, em especial, produo do pedagogo Loris Malaguzzi tem como foco a ideia de sistematizao depercursos, elaborao da experincia e comunicao. Relatos de situaes, fotografias,produes das crianas constituem os dados/ materiais para a documentao, que implica asaes de seleo, organizao e elaborao. Ressalte-se tambm a existncia de diferentesmodalidades de documentao a depender de objeto, objetivos e destinatrios: adocumentao pode incidir mais diretamente sobre a criana em seu processo de pensamento,ou sobre o projeto pedaggico da escola; pode-se documentar para as crianas (e com elas),para as famlias, para os prprios professores (BRESCI et al., 2007).Os portflios, por sua vez, constituem uma modalidade de documentao, vinculando-se de maneira mais imediata ao acompanhamento de processos de aprendizagem. Naexperincia da Associao Criana5, em Portugal, os portflios individuais, construdos pelaseducadoras em parceria com crianas e famlias, vieram responder necessidade de registro eacompanhamento dos percursos de aprendizagem e desenvolvimento das crianas,caminhando ao lado de outras modalidades de documentao de experincias (como osdossiers de projetos).Em sntese: o registro que o educador faz sobre o seu trabalho pode ser uminstrumento da documentao, entendida como um processo mais amplo de sistematizao econstruo de memria sobre o trabalho pedaggico, sobre o processo de desenvolvimento dacriana, sobre a trajetria de um grupo ou de uma escola. A documentao pode estar a5Visita a escolas e Associao em dezembro de 2008. 24 25. servio do educador na reflexo sobre a prtica, na avaliao do processo de aprendizagemdas crianas, no planejamento, contribuindo para seu processo de formao edesenvolvimento profissional e melhoria da ao , das crianas quando elaboram, porexemplo, seu portflio de aprendizagem, selecionando produes, imagens, textos que irocompor o documento, construindo, junto com o educador, a memria de seu percurso deformao , e dos pais, como instrumento de acesso ao trabalho pedaggico desenvolvidopela escola e trajetria da criana naquele grupo. No texto da tese, empregaremos o termo registro ao fazermos referncia escrita doprofessor sobre sua prtica, ou a outras modalidades de produo de relatos/ narrativas sobresituaes ou acontecimentos (por exemplo, registros de observao de crianas, registro dediscusses no horrio coletivo etc.), na perspectiva apontada por Madalena Freire (1994), mastambm fazendo referncia a outras marcas produzidas no cotidiano de trabalho comofotografias, produes das crianas, murais, incluindo as diversas linguagens (LOPES, 2009).Falaremos em documentao quando se tratar de materiais elaborados, sistematizados,construdos a partir dos diferentes registros produzidos em processo, tomando por base oconceito presente na abordagem italiana. importante destacar que nosso foco, na pesquisa, no apenas o registro dirio doprofessor, ou o portflio da criana, ou o dossier de um projeto realizado em uma turma, masa diversidade de registros e documentaes presentes no contexto da Educao Infantil, comreferncia s concepes acima apresentadas. Nesse sentido, temos um interesse bastanteespecfico pois, dentro da multiplicidade de documentos, papis ou registros presentes emuma escola, interessam-nos aqueles estritamente pedaggicos porque relacionadosdiretamente prtica do professor junto s crianas e que extrapolam os que podemosconsiderar como mais imediatamente burocrticos como registro de frequncia, livro deocorrncias etc. No desejamos contrapor burocrtico a pedaggico uma vez que,considerando a escola instncia de educao formal cuja ao caracterizada pelaintencionalidade, tudo que nela se passa , ou deve ser, pedaggico , mas apenas destacar odirecionamento assumido nas observaes efetuadas. Considerando o entrelaamento entre essas concepes de registro de prticas edocumentao com os pressupostos que fundamentam a investigao, resumidos em 1. aimportncia do registro e da documentao no trabalho pedaggico, e 2. a necessidade de 25 26. caminhar do professor que registra escola que documenta seu fazer, propomos como objeto/tema da pesquisa o registro de prticas e a documentao como cultura pedaggica nocontexto da Educao Infantil, elegendo a escola como unidade de anlise na aproximao aoobjeto de estudo. Defendemos a documentao pedaggica enquanto elemento no apenas dos projetosinstitucionais, mas da cultura pedaggica da Educao Infantil; a opo pela escola comoponto de partida analtico no significa a desconsiderao das condies contextuais comopolticas pblicas e organizao do sistema. Porm, acreditamos que no h como falar emregistro ou documentao pedaggica como elemento inerente profissionalidade docente eao projeto poltico-pedaggico da Educao Infantil de modo abstrato, como se essa culturapedaggica pudesse existir enquanto entidade independentemente das prticas cotidianasconstrudas nas escolas; partimos do movimento oposto, que diz que s podemos falar emuma cultura pedaggica em um sentido mais amplo a partir do momento em que esta estiverenraizada no projeto em ao da escola enquanto organizao situada e contextualizada. Na configurao da problemtica que precede a formulao do problema dapesquisa sintetizado em uma questo mobilizadora , apontamos ainda mais um elemento,alm daqueles explicitados nos pargrafos anteriores: de que maneira construirdocumentao em contextos como o brasileiro, que se diferencia daquele apresentado emReggio Emilia ou em Portugal, por exemplo? Essa questo remete-nos necessria reflexoacerca das condies concretas subjacentes produo de registros e documentao em umaproposta pedaggica para a Educao Infantil, indicando-nos que, se importante odesenvolvimento de uma postura ou atitude relacionada documentao, tambm nopodem ser desconsideradas as condies objetivas de existncia que permeiam esse trabalhocomo tempo, espao, recursos, materiais, organizao, equipe. No estamos com issoquerendo dizer que basta disponibilizar ao professor uma mquina fotogrfica e horrio deservio remunerado para que ele produza documentao, mas simplesmente que o contextoenquanto campo de possibilidades e de limitaes no pode ser desprezado. Com isso queremos afirmar a necessidade de um olhar crtico para propostas quechegam at ns e, por vezes, acabam sendo assumidas como modelos de excelncia a seremperseguidos em nossas prprias realidades, desconsiderando o contexto subjacente sexperincias. Precisamos, ento, construir nossos prprios caminhos a partir das condies 26 27. que nos so dadas, e simultaneamente atuar no sentido de transformar essas mesmascondies. Diante do objeto e da problemtica elucidada, sintetizamos o problema da pesquisana seguinte questo: De que maneira a documentao pedaggica e o registro de prticasvm sendo construdos no cotidiano do trabalho pedaggico para a Educao Infantil, e quala relao entre documentao pedaggica e a construo de uma pedagogia para a infnciano contexto de um projeto poltico-pedaggico em ao? Da questo central da pesquisa decorrem outras, que nos auxiliam a explicitar o objetoda investigao: O que representa o registro no contexto do trabalho da Educao Infantil?Quais as possibilidades da prtica do registro quando inserida no projeto poltico-pedaggicoem ao? Que implicaes a prtica do registro traz ao desenvolvimento organizacional e aosdesenvolvimentos pessoal e profissional do professor? E ao processo de aprendizagem edesenvolvimento da criana? Faz-se necessrio, ainda, analisar o tempo docente e as condies de trabalho. Em quemomento registram os professores? De que maneira o fazem? Para que registram? De queforma esses registros so empregados no processo de formao em servio? Em quecontribuem para o aprimoramento das prticas? Partimos da hiptese de que as possibilidadesdo registro de prticas podem ser ampliadas quando a proposta assumida pelo coletivo dainstituio, e mais ainda quando o registro reconhecido como instrumento de construo deautoria e de reconstruo de uma profissionalidade, de modo a conferir maior visibilidade aotrabalho pedaggico da Educao Infantil. Torna-se imprescindvel a percepo do educadorcomo produtor de escrita, de linguagem; preciso "permitir que os professores contem suashistrias, escrevam suas prticas" (KRAMER, 1996: 157), deixando de ser ouvintes eespectadores para se tornarem autores. At que ponto interferem as caractersticas pessoais do professor (histria pessoal,formao, crenas e valores)? De que modo o coletivo da escola pode contribuir para esseprocesso? Qual o papel desempenhado pela equipe coordenador pedaggico, diretor,professores? Qual o papel do sistema secretaria de ensino na valorizao e divulgao deregistros produzidos por professores? so algumas das questes decorrentes do problema em 27 28. questo. Em relao formao da criana: quais as contribuies da documentao para seuprocesso de aprendizagem? Explicitamos, a seguir, os objetivos da investigao.2. Objetivos da PesquisaObjetivo GeralAnalisar as possibilidades relacionadas insero de prticas de registro e documentaopedaggica na Educao Infantil enquanto elemento constitutivo do projeto poltico-pedaggico em ao.Objetivos Especficos Identificar e analisar experincias de registro e documentao como parte da cultura organizacional de instituies de Educao Infantil. Compreender as possibilidades decorrentes do registro e da documentao como cultura organizacional e como cultura pedaggica para a Educao Infantil. Refletir sobre o processo de construo de uma "cultura do registro" no contexto da Educao Infantil. Indicar elementos a serem considerados por polticas pblicas para a Educao Infantil.3. JustificativaS a mudana organizacional se traduz em mudana eficaz.ISABEL ALARCO A citao que abre este captulo indica de forma sinttica aquilo que nos motivava noincio desta pesquisa: a necessidade de perceber as relaes entre registro e documentaopara alm do professor individualmente considerado, caminhando-se deste escola viaprojeto pedaggico institucional. Acreditvamos que pensar a documentao enquantoelemento da cultura organizacional possibilitaria ampliar suas possibilidades em termos deformao, desenvolvimento profissional e melhoria do trabalho pedaggico, o que nosignifica desconsiderar o professor do ponto de vista individual, uma vez que so os28 29. indivduos em suas identidades, histrias e projetos que compem uma organizao e que,em ltima instncia, produzem registros. Nesse sentido, elegemos como unidade de anlise a escola, entendendo-a comoorganizao complexa; s seria possvel pensar o registro como elemento de uma culturaorganizacional tomando a escola como elemento fundamental a ser considerado na pesquisa.Para tanto, apoiamo-nos nas formulaes de autores como Alarco (2002), Oliveira-Formosinho (2002), Fullan e Hargreaves (2002). Apresentamos, a seguir, a fundamentaoterica que nos orientou ao estudo da escola, explicitando a relevncia desse contexto. Acreditamos que no espao da escola que a pedagogia se concretiza e ganha forma; nesse cenrio que se d a ao pedaggica, onde se encontram professores, alunos e famlias ese estabelecem interaes, experincias, trocas, onde se d o processo educativo-pedaggico.Tal percurso se efetiva a partir da ao individual de professores, imediatamente, e degestores e funcionrios mediatamente, cuja atuao contextualizada de maneira direta naescola, e indireta no sistema de ensino e na sociedade. Com a inteno de pensar o registropara alm do professor individualmente considerado, passamos ento escola, espao no qualdiretamente se insere e que, portanto, configura o contexto mais prximo de sua atuao. A opo pela escola como ponto de partida analtico certamente se deve tambm sformulaes tericas presentes no movimento da pesquisa em educao que colocam nfase necessidade de se considerar o contexto de trabalho no qual se insere o professor como fatorrelevante em seu processo de desenvolvimento profissional e construo da profissionalidade.Nossas anlises so tambm contextualizadas, localizadas em um determinado perodohistrico, reflexo de um paradigma epistemolgico situado, portanto. Caminha-se doprofessor reflexivo (SCHN, 1992) escola reflexiva (ALARCO, 2002), compreendendo-se a articulao entre desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional. (NVOA,1992). Da mesma forma, a perspectiva da "escola como organizao aprendente"(ALARCO, 2002) sobrepe-se s abordagens que centralizam a ateno unicamente sobre oprofessor de forma individual, desconsiderando os condicionantes do contexto mais prximo,a instituio na qual atua. Trata-se de uma superao por incorporao, uma vez que, a nossover, a chamada escola reflexiva pressupe a existncia de professores e gestores reflexivos,implicando a construo de percursos de desenvolvimentos organizacional e profissional quecaminham de maneira concomitante e reciprocamente influentes mas no idnticos.29 30. A considerao do desenvolvimento profissional do professor vinculado aodesenvolvimento organizacional da instituio trouxe consigo a emergncia do movimento deformao centrada na escola, tomando o professor como sujeito de uma formaocontextualizada (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002a). Glickman e Kanawati (1998 apudOLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002a), apontam quatro tendncias na superviso quedemonstram a relao com o desenvolvimento profissional e o desenvolvimentoorganizacional:deslocamento do foco do indivduo para o grupo;deslocamento da preocupao com a avaliao e a inspeo para a funo de facilitao do desenvolvimento profissional;mudana de foco do micro para o macro do contexto da superviso.criao de comunidades de aprendizagem.Apesar de no termos como foco o papel da superviso, e pontuadas as distinesexistentes entre as realidades brasileira e portuguesa quanto funo 6, acreditamos que asconsideraes lanadas podem nos ajudar a reconceitualizar o papel da escola enquantoorganizao e, portanto, enquanto portadora/ construtora de uma cultura, no processo deformao e de desenvolvimento profissional de professores. A cultura organizacional exerceinfluncia no apenas sobre a formao de professores, mas sobre as prticas e os modoscomo se desenvolve o processo educacional que ela prope. A cultura da instituio podeestimular, favorecer, dificultar e talvez, em ltima instncia, impedir a construo dedeterminadas aes por meio da imposio de condicionantes, apresentados implcita ouexplicitamente em falas e posturas. A cultura organizacional, portanto, pode favorecer acooperao ou a competio, agregar ou desagregar pessoas; da sua centralidade nosprocessos de mudana e desenvolvimento.Oliveira-Formosinho (2002b), inspirada em Bronfenbrenner (1979 apud OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002b), prope o modelo ecolgico de superviso, considerando que odesenvolvimento do ser humano se relaciona aos seus contextos vivenciais. O ambiente6 Por superviso entendemos no o cargo assumido por um profissional, mas a funo por ele desempenhada. Nocaso brasileiro, consideraremos o coordenador pedaggico e o diretor escolar como os responsveis diretos pelodesenvolvimento da superviso na formao em servio de professores no contexto da escola. A superviso podeser caracterizada como um processo de apoio ao processo de aprendizagem profissional (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002: 117), a servio da aprendizagem dos alunos. 30 31. ecolgico consiste no conjunto de estruturas concntricas (microssistema, mesossistema,exossistema, macrossistema) e nas interaes entre elas. O microssistema, enquanto primeiraestrutura do ambiente ecolgico, o local onde os indivduos podem estabelecer relaes facea face a sala de aula, por exemplo. Por mesossistema entende-se o conjunto demicrossistemas a escola, no caso. O exossistema refere-se aos contextos que influem e soinfluenciados pelo que ocorre nos micro e mesossistemas, mesmo que no vivenciadosdiretamente pelo indivduo a Secretaria de Educao, as polticas pblicas, por exemplo. Omacrossistema, por sua vez, diz respeito a crenas, valores, hbitos que caracterizamdeterminada sociedade e so veiculados pelas demais estruturas. A partir da concepo ecolgica de desenvolvimento podemos afirmar que influem nomodo como o professor percebe o registro de prticas e/ ou a documentao pedaggica noapenas suas experincias pessoais dentre elas, a relao que foi estabelecendo com a escritaem sua vida , mas tambm as caractersticas dos contextos nos quais est inserido a escola,o sistema de ensino, a sociedade. Os diferentes espaos vivenciais do indivduo exerceminfluncia, portanto, em seu desenvolvimento; consider-los implica conceber a pessoa emsuas especificidades, abrindo-se s diferenas individuais e culturais. Ainda com base nessemodelo, a interao emerge como dimenso fundamental do desenvolvimento profissional deeducador, considerando-se os mltiplos contextos e os mltiplos sujeitos implicados. Para Fullan e Hargreaves (2000), o envolvimento dos professores em suas escolas, oapoio ao que fazem, a valorizao e a ajuda para que trabalhem mais unidos aos colegascausam um impacto na qualidade do ensino e da aprendizagem. Porm, segundo os autores,no h oportunidades nem encorajamento suficientes para os professores atuarem emconjunto, para aprenderem com os outros e para melhorarem sua qualificao como umacomunidade (id: 15), consequncia de alguns desafios, a saber: 1. Sobrecarga como consequncia da intensificao do trabalho, das constantes reformas, modismos e solues fragmentadas. 2. Isolamento enquanto dado historicamente inerente s rotinas de trabalho e reiterado em funo de elementos como arquitetura (isolamento fsico das salas de aula), horrios pouco flexveis e sobrecarga de trabalho. 3. Pensamento de Grupo, que pode significar a desconsiderao dos indivduos em suas singularidades; a colaborao no , por si s, positiva, pois pode ser imposta,31 32. ou servir a fins particulares. A colaborao traz consigo a necessidade de estmulo tambm capacidade de pensar e de trabalhar de maneira independente. 4. Competncia no-utilizada, e a incompetncia negligenciada. 5. Limitao do papel do professor e liderana, que se desdobra em dois problemas: a) a falta de estimulao externa levando reduo do comprometimento e da motivao do professor; b) a necessidade de que a escola seja eficiente para que as aulas tambm possam s-lo. preciso, pois, aproximar lderes e liderados e valorizar a liderana dos professores, sua capacidade e comprometimento para contribuir para alm da prpria sala de aula. 6. Reforma Fracassada, caracterizada pela falta de condies para mobilizar os professores, aos quais atribuda a carga de responsabilidade pela mudana e pelo aperfeioamento nas escolas. Os professores, como elementos fundamentais da mudana so, paradoxalmente, excludos do processo decisrio. Esses fatores so apontados como dificultadores do desenvolvimento do trabalhocoletivo nas escolas, contribuindo, portanto, para a reproduo de uma situao de isolamentoe desmotivao. Pensando na realidade brasileira, talvez pudssemos acrescentar outros como,por exemplo, a problemtica da formao docente; a forma de organizao das escolas emdois, trs e at quatro turnos; a falta de funcionrios; a alta rotatividade do corpo docente; anecessidade de trabalho em diferentes escolas, nos diferentes perodos, entre outros. Arealidade das pr-escolas italianas, por exemplo, pode favorecer a colaborao ou o trabalhoconjunto na medida em que cada turma conta com ao menos dois professores, e cadaprofessor vincula-se a apenas uma escola, em regime de dedicao exclusiva. Alm desses elementos, os autores indicam que grande parte das iniciativas dedesenvolvimento dos profissionais assume a forma de algo feito para os professores, e nocom eles ou por eles, em uma viso do educador como sujeito passivo e carente dehabilidades. Como forma de superao do problema, propem a considerao do professortotal, o que envolve o reconhecimento de trs elementos: 1. O propsito do professor; 2. Oprofessor como pessoa; 3. O contexto do ensino. O primeiro aspecto implica considerar ascrenas iniciais dos professores, apoi-las, confront-las, aprender a partir da viso doseducadores, fortalecendo-os e fortalecendo a escola para que assumam a responsabilidade32 33. decisria sobre o currculo e o ensino. Em ltima instncia, significa criar uma comunidade deprofessores que discuta e desenvolva em conjunto seus propsitos, o que no tarefa fcil. A concepo do professor como pessoa, por seu turno, demanda considerar idade,estgio profissional, experincia de vida, questes de gnero como aspectos que compem apessoa total e afetam o interesse e a reao dos indivduos mudana e busca deaperfeioamento. Nesse sentido, o modo como o professor realiza seu trabalho no representaapenas uma srie de habilidades tcnicas, mas relaciona-se a comportamentos fundados notipo de pessoa que os professores so. Entre os vrios fatores que contribuem para a formaoda pessoa e do professor, para Fullan e Hargreaves (2000) um dos mais importantes amaneira como as escolas e os diretores os tratam; professores desvalorizados, tratados comindiferena, podem se tornar maus professores. Quanto ao ltimo aspecto o contexto de ensino , salientam que as caractersticas docontexto estabelecemlimites importantesao que os professores podem fazer,institucionalizando algumas realidades. Faz-se necessrio, portanto, a construo de umcontexto que corporifique um conjunto de relaes de trabalho que conecte os indivduoscomo uma comunidade de apoio e de questionamento, com metas comuns e comaperfeioamento contnuo. Ou seja, uma cultura de apoio ao desenvolvimento do professor eda escola, pautada em um projeto compartilhado por todos. As ideias de formao ecolgica, formao em contexto, integrao entredesenvolvimentos profissional e organizacional parecem-nos extremamente interessantes porpossibilitarem pensar a formao do professor e o desenvolvimento da escola de maneiraconcomitante, considerando a influncia do primeiro sobre a organizao e desta sobre oseducadores que nela atuam. Para tanto, preciso que haja uma partilha entre os envolvidos,um "genuno propsito de aceitar uma caminhada em comum" (OLIVEIRA-FORMOSINHOe FORMOSINHO, 2002: 27) por ambas as partes. Abertura, parceria, colaborao podem serconsiderados condio primeira de qualquer processo de formao contnua. Na concepo de formao ecolgica proposta e desenvolvida pela AssociaoCriana tambm h espao para a documentao pedaggica. Oliveira-Formosinho eAzevedo (2002) propem a realizao de portflios, entendidos como "instrumentos dedocumentao sistemtica, colaborativa, contextual, portanto referente a um espao, a um33 34. tempo e suas experienciaes, que guardam a memria da interveno cooperada comorecurso para avaliar a formao em contexto e sustentar a pesquisa" (OLIVEIRA-FORMOSINHO, AZEVEDO, 2002: 109). A documentao possibilita a construo damemria partilhada do processo formativo e de construo e reconstruo do pensamento eda prtica, o que torna possvel a mudana a partir da reflexo sistemtica e rigorosa sobre otrabalho pedaggico. O registro constitui, portanto, ponto de partida para a reconstruo daprtica pedaggica. Em passagem pelo Brasil em dezembro de 2003, Jlia Oliveira-Formosinho7 apontoucomo pressupostos do portflio reflexivo documentao sistemtica do professor einstrumento auxiliar em seu trabalho os seguintes elementos: 1. A pessoa do professor. Motivaes pessoais, desejo interno de conhecer seusalunos, de aprimorar seu trabalho conduzem o profissional a produzir registros e envolver-secom a proposta. 2. O contexto de trabalho. A instituio pode ou no favorecer/ estimular o trabalhocom registros, incentivando os professores e criando condies para essa produo. 3. O dilogo. Cooperao, presena da superviso, reconhecimento da diversidade(ritmo, nvel de envolvimento e interesse expressam-se de diferentes maneiras nos diferentesprofessores), respeito produo, abertura e parceria como elementos imprescindveis proposta. Como aponta a autora, para que alcance seu objetivo formativo faz-se necessrio que oregistro no seja unicamente tarefa individual, mas que faa parte da cultura da escola, de seuprojeto poltico-pedaggico e de seu currculo. Registro demanda interveno, escuta,socializao para que possibilite efetivamente a construo coletiva do conhecimento e aemancipao, a autoria. Talvez possamos, por meio dessa documentao, resistir aocontinusmo e construir rupturas significativas em nossas prticas, conferindo algum estatutoao saberes nascidos da experincia, reconstruindo nossa profissionalidade. Ao considerarmos a escola espao onde os professores ensinam e aprendem(CANRIO, 1998), e os professores como produtores de conhecimento, conferimos aossaberes docentes novo estatuto e legitimidade, produzindo ento uma concepo de formao7Entrevista pessoal.34 35. em servio como possibilidade de estudo, reflexo, aprendizagem e construo, desconstruoe reconstruo permanentes do modo de ser e estar na profisso. Com base nesses argumentos, que reposicionam a escola como local privilegiado demudana e de formao tambm para os educadores, propomos nesta pesquisa a consideraoda instituio escolar como unidade de anlise para se pensar o registro de prticas e adocumentao pedaggica como elementos no apenas da cultura organizacional, mastambm da cultura pedaggica da Educao Infantil. A seguir, apresentamos o percursometodolgico construdo a partir do referencial e da problemtica expostos.4. Percurso Metodolgico Ao iniciarmos esta pesquisa havamos apontado como procedimento metodolgico arealizao de estudo de caso em uma escola na qual o registro de prticas e a documentaopedaggica se fizessem presentes como elemento do projeto pedaggico institucional, sendoportanto assumida/ vivenciada pelos professores individualmente, mas com o respaldo docoletivo. Tnhamos tambm a inteno de aproximarmo-nos de experincias que vm sendodesenvolvidas em contextos internacionais, em especial aquelas de cidades do norte da Itlia,regio na qual concepo e prtica da documentao pedaggica foram aperfeioadas edivulgadas. Neste caso, o objetivo era o de entender de fato o que se denomina pordocumentao, considerando a escassez e limitao da bibliografia que atravessa o oceano,incapaz de dar conta satisfatoriamente da complexidade do conceito em seu contexto, e deseus reflexos na prtica pedaggica cotidiana. Com o desenvolvimento da investigao a partir da pesquisa bibliogrfica e dasondagem do campo no sentido de identificar experincias que vm sendo desenvolvidas empr-escolas pblicas de So Paulo deparamo-nos com questionamentos que abalaraminicialmente algumas certezas, dentre elas a da adequao do estudo de caso ao problema eaos objetivos da pesquisa. Aps a realizao do estudo em uma escola da cidade de Bolonha/Itlia e o incio da pesquisa em uma pr-escola municipal de So Paulo, comeamos a nosquestionar se estar em apenas uma escola em So Paulo seria suficiente para coletar dadosacerca da documentao enquanto elemento do projeto pedaggico. 35 36. Em funo do avano das formulaes tericas sobre a documentao que nosapontaram para a multiplicidade de formas, instrumentos e modalidades de registro,sistematizao e elaborao do trabalho pedaggico , e da considerao do real enquantocampo de possibilidades e da escola como contexto complexo, nico, que constri caminhosos mais diversos , consideramos que enriqueceria a pesquisa o acesso a outras realidades quede alguma forma pudessem indicar: 1. a multiplicidade de possibilidades relacionadas documentao pedaggica; 2. a diversidade de caminhos que vm sendo construdos porequipes de pr-escolas municipais no sentido de incorporar ou aprimorar a documentao emseu trabalho pedaggico. Isto porque concebemos nosso objeto enquanto processo,considerando-o em sua historicidade, e no como um dado pronto a ser coletadoimediatamente no real; trata-se de realidade em permanente construo. No acreditamos naexistncia de padres ou modelos de documentao ou registro, mas em posturas ouconcepes que podem ser concretizadas em mltiplas maneiras portflio do grupo, vdeopara as famlias, caderno de registro dirio, entre outras , em percursos construdos emcontexto. Apresentar mais de uma realidade ou experincia talvez pudesse reforar esseentendimento, acrescentando uma gama maior de dados que permitiriam uma anlise maisprofunda e abrangente o que no significa exaustiva, j que no esse nosso propsito.Some-se a essas inquietaes corroboradas pela banca examinadora ocasio doexame de qualificao , a alterao nas condies concretas da pesquisadora, agora comdedicao integral ao doutorado8. Isso possibilitou estar em mais de uma instituio,conhecendo e analisando experincias com registro e documentao que vm sendodesenvolvidas por pr-escolas municipais.Como elucidado acima, a investigao contou com um estgio de pesquisa no exterior,junto Universidade de Bolonha/ Itlia. A realizao de parte da pesquisa no exterior9possibilitou-nos a aproximao ao conceito de documentao e a elementos da propostapedaggica para a Educao Infantil italiana, em especial aquela construda por cidades daregio Emilia Romagna. Alm da realizao de estudo de caso em uma pr-escola municipalda cidade, procuramos investigar o contexto mais amplo no qual a pesquisa bibliogrfica e aexperincia vivenciada na escola inserem-se; realizamos visitas, entrevistas e pesquisa8A partir de maro de 2009 como bolsista da CAPES, afastando-se do trabalho como professora de EducaoInfantil da Rede Municipal de So Paulo.9Com financiamento CAPES, no perodo de agosto a dezembro de 2008. 36 37. documental em Centros de Documentao Pedaggica das cidades de Modena, ReggioEmilia, Ferrara e Bolonha; acompanhamos uma disciplina na universidade10; efetuamosvisitas a servios educativos oferecidos na cidade de Bolonha a crianas e suas famlias.Integramos ao texto da tese o estudo de caso realizado no exterior como forma deampliar a discusso sobre nosso objeto de pesquisa. No se trata de estudo comparativo, masda descrio de experincias que, situadas em contextos diversos, revelam o real como campode possibilidades; no contexto brasileiro, a possibilidade de construo de uma cultura doregistro na Educao Infantil, em que pesem os desafios relacionados s condies detrabalho, tambm presentes, ainda que em outras propores, na realidade italiana estudada. Partindo da hiptese de que no basta investir nos professores individualmente apenas,mas preciso tambm investir no contexto no qual se d sua insero profissional,procuramos compreender de que maneira se d a construo de prticas de registro noscoletivos institucionais, e que significado assumem no trabalho pedaggico da EducaoInfantil. Analisamos as formas de utilizao desses registros no processo de reflexo sobre aprtica, de produo de conhecimento, de transformao da ao, de elaborao daexperincia, de construo da autoria e de reconstruo de uma profissionalidade. Avaliamoslimites da proposta, procurando identificar fatores que favorecem ou dificultam suaconcretizao. Aps esta primeira explanao, passamos a explicitar de que maneira o percursometodolgico foi reconfigurado diante dos impasses apresentados. Caberia ainda o estudo decaso? Se no se trata de estudo de caso, do que estaramos falando, ento? 4.1 Sobre o Estudo de Caso Fomos, ento, procura de referenciais que pudessem fundamentar o trabalho decampo, essencial coleta de dados em funo do objeto a ser investigado. Encontramos emStake (1999, 1999) e Yin (2005) algumas respostas. Para Stake (1994), o estudo de caso no uma escolha metodolgica, mas a escolhado objeto a ser estudado; em outras palavras, trata-se da opo por estudar o caso, e no outra10 Teorie e metodi di valutazione e programmazione scolastica, ministrado pela Prof Dr Ira Vannini.37 38. realidade. O que define o caso no o fato de ser nico, mas o interesse pelo caso em si,escolhido em funo de critrios e no de maneira aleatria. Nesse sentido, nem tudo umcaso (STAKE, 1999: 2); o caso um sistema integrado, complexo e especfico, que pode sertomado como objeto de estudo devido a caractersticas que lhes so particulares, ou comoforma de acessar outro tipo de conhecimento, entender algo diverso do caso em si. Naprimeira situao, trata-se do estudo de caso intrnseco, caracterizado pelo interesse dopesquisador sobre um caso em particular; na segunda hiptese, temos o estudo de casoinstrumental, pois o interesse uma questo que um caso pode ajudar a elucidar. Stake refere-se ainda ao estudo de caso coletivo, que ocorre quando o pesquisador no se concentra emapenas um caso, mas em vrios como forma de investigar um fenmeno. Trata-se de umestudo instrumental estendido a diversos casos (STAKE, 1994: 237), no qual os casosindividuais so escolhidos porque se acredita que entend-los conduza a uma melhorcompreenso do fenmeno e ao refinamento da teorizao. Apresenta critrios para a escolha do caso, diferenciando esse procedimento daamostragem; no estudo de caso intrnseco, o caso selecionado anteriormente pesquisa, porapresentar caractersticas especficas que constituem, por si s, objeto do interesse dopesquisador; no estudo de caso instrumental, o caso escolhido de forma a maximizar aspossibilidades de aprendizagem sobre o fenmeno a ser investigado e, em ltima instncia, ospropsitos da pesquisa (STAKE, 1999). Mesmo no estudo de caso coletivo, a pergunta a serfeita no acerca da representatividade dos casos escolhidos face totalidade, mas se o grupode casos selecionados vai nos ajudar a entender o problema da pesquisa; o critrioprimordial a oportunidade de aprender oferecida pelo(s) caso(s) (id), lembrando que ofenmeno/ o problema antecede a escolha do caso em si (STAKE, 1994). Outra deciso a ser tomada diz respeito ao quanto da complexidade do caso precisa serinvestigada, pois nem tudo sobre o caso deve ser estudado (STAKE, 1994: 238), ao menosem profundidade. Isso no significa desconsiderar a complexidade da situao que implica aapreciao de elementos contextuais e de subsees do caso que produzem a unidade. Mas,esclarece o autor, para realizar estudos de caso no necessrio examinar os diversoscontextos e aspectos, apenas aqueles que digam respeito problemtica investigada. Quanto possibilidade de generalizao do estudo de caso, Stake (1999) enfatiza queseu objetivo a particularizao, e no a generalizao; a preocupao primeira entender o38 39. caso em si, em sua unidade e complexidade. Em especial no estudo de caso intrnseco nocabe ao pesquisador fazer generalizaes, mas descrever o caso de modo a possibilitar aoleitor construir suas prprias concluses a partir da reflexo sobre suas experincias econtextos, dando espao emergncia daquilo que Stake chama de generalizaonaturalstica. Sem desconsiderar a contribuio dos estudos de caso no processo deaprimoramento terico e de extenso s experincias pessoais dos leitores, o autor alerta paraos limites da generalizao, pois o propsito do estudo de caso no representar o mundo,mas representar o caso (STAKE, 1994: 245). Antes de apresentar concluses apressadas, importante que o estudo de caso qualitativo esteja sempre aberto a novos pontos de vista,preservando as mltiplas realidades, as diferentes e at mesmo contraditrias vises sobre oque est acontecendo (STAKE, 1999: 12). Para Yin (2005), o estudo de caso emerge da necessidade de se compreenderfenmenos sociais complexos, enquanto mtodo que permite uma investigao que preserveas caractersticas significativas e holsticas dos acontecimentos da vida real (p. 20); emoutras palavras, recorre-se ao estudo de caso ao estar-se diante do objetivo de compreenderprocessos complexos, contemporneos e em situao natural sobre a qual o pesquisador tempouco ou nenhum controle (p. 28). Na definio do autor Um estudo de caso uma investigao emprica que investiga um fenmeno contemporneo dentro de seu contexto da vidareal, especialmente quando os limites entre o fenmeno e o contexto no esto claramente definidos(YIN, 2005: 32) O estudo de caso uma estratgia de pesquisa abrangente (id: 33), que tem por basediversas fontes de dados e variveis coletadas a partir de um referencial terico expresso emproposies de estudo capazes de direcionar a ateno sobre os elementos a seremconsiderados no estudo e na coleta do que o autor denomina evidncias. A definio docaso enquanto unidade de anlise relaciona-se s questes iniciais da pesquisa, ao fenmenoestudado e s proposies tericas que fundamentam a investigao. Quanto possibilidade de generalizao, Yin acredita que os estudos de caso sogeneralizveis a proposies tericas, e no a populaes ou universos. O estudo de caso norepresenta uma amostragem e, nesse sentido, tem por objetivo expandir e generalizarteorias (generalizao analtica) e no enumerar frequncias (generalizao estatstica) (id:39 40. 30). Tem por escopo desenvolver ou testar a teoria (id: 49), sendo esta o ponto de partida etambm o de chegada do estudo:A utilizao da teoria, ao realizar estudos de caso, no apenas representa uma ajuda imensa na definio do projeto de pesquisa e na coleta de dados adequados, como tambm se torna o veculo principal para a generalizao dos resultados do estudo de caso (id: 54). Para Yin (2005), os estudos de caso podem ser nico ou mltiplos; trata-se apenas devariantes dentro da mesma estrutura metodolgica (id: 68). O caso nico utilizado 1.quando existir um nico caso que seja suficiente para testar a teoria; 2. quando o casorepresenta um caso raro ou extremo; 3. quando se trata de um caso representativo ou tpicodiante do objetivo de se capturar circunstncias e condies de uma situao comum; 4.quando se est diante de um caso revelador; 5. na situao de estudo longitudinal de um caso.O estudo de um caso nico pode se dar de forma holstica quando objetiva examinar anatureza global de um programa ou uma organizao ou integrada quando o mesmoestudo de caso envolve mais de uma unidade de anlise, ou as subunidades que compemaquele sistema. Nos casos mltiplos, cada contexto objeto de um estudo individual que ir compor ainvestigao como um todo. Cada caso deve ser selecionado de modo a prover resultadossemelhantes (ao que Yin denomina lgica da replicao) ou produzir resultadoscontrastantes por razes previsveis, numa replicao terica (id: 69). Nesse sentido, oscasos so selecionados de acordo com os propsitos da investigao, e no por amostragem,considerando-se o escopo global da pesquisa. Aponta as vantagens dos projetos de casosmltiplos por possibilitarem o aprofundamento de concluses analticas e a ampliao dacapacidade de generalizao. Quanto aos procedimentos, o estudo de caso exige do pesquisador a utilizao dediversas fontes de informao e a capacidade de interpretar os dados medida que estosendo coletados, em aluso metfora do detetive. Por se tratar de estudos de eventos em seuscontextos de vida real, a complexidade, a dinamicidade e a multiplicidade de informaesexigem do pesquisador clareza quanto a propsitos do estudo e encaminhamentos para coletae anlise de dados. Alerta para a distino entre o estudo de caso e a etnografia enquantomtodo especfico de coleta dos dados: nem todo estudo de caso depende exclusivamente dedados etnogrficos ou de observadores participantes, assim como nem toda pesquisa 40 41. etnogrfica produz estudos de caso (id: 34). Para o autor, possvel realizar um estudo decaso vlido e de alta qualidade sem deixar a biblioteca e o telefone ou a Internet, dependendodo tpico que est sendo utilizado (id: 30). A partir dessas formulaes, entendemos que o interesse da investigao extrapola ocaso individual, mas faz uso desse tipo de anlise para alcanar uma compreenso maisabrangente e aprofundada de um fenmeno complexo e atual: o registro de prticas e adocumentao pedaggica enquanto elementos do projeto poltico-pedaggico em ao deinstituies de Educao Infantil. Trata-se de estudo de caso coletivo, na denominao deStake (1994, 1999), ou estudo de casos mltiplos, para Yin (2005), e apresenta as seguintescaractersticas: 1, nosso interesse uma questo particular expressa no problema dapesquisa e no um caso especfico; os casos, portanto, foram escolhidos com base nosobjetivos e questes propostas, de modo a fornecer dados para a investigao; 2, o objetivodo estudo foi possibilitar ao pesquisador e ao leitor inicialmente uma aproximao ao casoespecfico insero da documentao pedaggica na escola em questo e, em umsegundo momento, emergncia dos registros de prticas e da documentao como proposta/postura inerente proposta pedaggica da Educao Infantil. Os casos, portanto, serviramcomo fonte de dados a uma questo mais ampla. Nosso objetivo no o de comparar os casos no sentido de estabelecer rankings frentea um contexto considerado ideal; ao contrrio, os casos foram escolhidos por apresentaremelementos que, frente aos objetivos da pesquisa, poderiam indicar aspectos relevantes. Ouseja, escolhemos os casos por oferecerem possibilidade de aprendizagem frente ao problema.Certamente outros poderiam ser escolhidos em substituio aos que ora apresentamos e quetalvez pudessem responder de maneira mais adequada aos objetivos apresentados, mas, dentreas limitaes e dificuldades de acesso a informaes sobre escolas que produzem ou tmprocurado produzir registros de suas prticas, os casos selecionados foram aqueles que maisse ajustaram a nossas necessidades (ao problema, ao objeto e ao objetivo da investigao). Os critrios de escolha dos casos considerando as pr-escolas em Bolonha e em SoPaulo foram assim definidos: 1. Ser uma escola da rede pblica de ensino; 2. Ser uma escolade Educao Infantil (pr-escola, preferencialmente, de forma a restringir um pouco mais asvariveis); 3. Existir, na instituio, a prtica do registro no cotidiano de trabalho pedaggicode maneira mais ou menos estruturada (que o registro no fosse uma prtica isolada de alguns41 42. professores, mas fizesse parte do projeto poltico-pedaggico em ao da escola, que fosseassumido pelo coletivo de educadores); 4. Existir, na instituio, disponibilidade e interesseem receber a pesquisadora. Na fase exploratria, alm de definir os critrios de escolha, passamos a procurarinstituies que atendessem aos requisitos acima especificados. Na Itlia, o setor responsvelpelo acompanhamento de estgio da Faculdade de Cincias da Formao da Universidade deBolonha encaminhou-me a uma escola na qual a prtica da documentao e do trabalhocoletivo faziam-se presentes. Em So Paulo, o procedimento foi realizado diretamente pelapesquisadora atravs de contato com profissionais da Rede, identificao de possveis campospara a pesquisa, apresentao do projeto s equipes das escolas. No caso bolonhs, a pesquisa foi realizada no perodo de agosto a dezembro de 2008,com financiamento CAPES, e representou uma imerso intensa em campo em seus diferentesnveis estruturais: microssistema a sala de aula , mesosistema a Scuola dellInfanzia DonMilani , exossistema o sistema municipal de educao da cidade , e macrossitema acultura da cidade, da regio, do pas. No caso brasileiro, a pesquisa foi desenvolvida em trscontextos distintos, trs Escolas Municipais de Educao Infantil, considerando apossibilidade de estar em campo por um perodo superior quele da investigao na Itlia. Os estudos de caso contaram com observao de turmas, participao em reunies docoletivo de educadores, leitura de documentao disponvel nas escolas. Em um segundomomento, foram realizadas entrevistas com foco em nosso objeto de investigao o registrode prticas e a documentao pedaggica , tendo por escopo compreender a concepo dossujeitos sobre o tema, e as inter-relaes entre dimenso subjetiva (a pessoa do professor),dimenso coletiva (a atuao do professor na instituio escolar), e o contexto (condies detrabalho). Algumas questes orientaram a coleta de dados, a saber: De que maneira vm sendo construdas formas de documentar o trabalho pedaggico emescolas de Educao Infantil? Como esse registro est relacionado ao projeto pedaggico e concepo de currculo para a Educao Infantil? Como as equipes tm vivenciado esse processo?Quais as dificuldades e contradies enfrentadas? Quais os avanos e as possibilidades?Considerando a escola pblica instituio contextualizada, parte do sistema de ensino e da sociedade, 42 43. qual tem sido o papel desempenhado pelas polticas pblicas no processo de construo de umprojeto poltico pedaggico para a infncia em especial, para a pr-escola , e de que maneira adocumentao pedaggica tem sido contemplada nesse processo?Ao longo da pesquisa em campo foram sendo produzidos registros dirio de bordo,anotaes, descries, fotografias, transcries de entrevistas que, aps primeirasistematizao, deram origem a um relatrio. Para compor a tese, os dados foram elaboradosselecionando-se informaes consideradas relevantes compreenso do caso e do objeto deestudo. Ressaltamos que o que se pretende apresentar uma das possveis verses dos casos,construda com base nos dados obtidos, no posicionamento do pesquisador, e na negociaocom os participantes. Lembramos tambm que a generalizao no sentido de construir leisuniversais no o objetivo das abordagens qualitativas de pesquisa; a generalizao se aplicano sentido de que os dados de um estudo podem ser teis para compreender outras situaesou realidades como sugere Stake , e fornecer indcios para o avano do ponto de vistaepistemolgico em relao ao objeto da pesquisa que se aproxima ao que prope Yin11. Seno podemos estabelecer proposies universalmente vlidas a partir de casos especficos econtextualizados ainda mais se tratando de um fenmeno complexo como a educao -,tambm no podemos desconsiderar a contribuio que a anlise dessas situaes particularespode trazer aos campos terico e prtico, sugerindo caminhos e fornecendo indicadores aserem considerados em outros contextos. No se trata nem da lgica da replicao, comoprope Yin, nem da generalizao naturalstica de Stake, mas da busca de um meio-termo quepermita superar os casos individuais em direo a reflexes mais amplas sobre o objeto dapesquisa que podem, porque no, compor um corpo de conhecimentos vlidos, extrapolandoconcepes existentes, esclarecendo conceitos, sugerindo possibilidades.Cada um dos casos, situando-se em contextos distintos, certamente traz elementos quedizem respeito no apenas escola em questo, mas totalidade das escolas que integram omesmo sistema de ensino, em especial nas questes referentes a estrutura organizacional porexemplo, horrio de funcionamento, profissionais que integram a equipe, nmero de crianaspor sala, entre outros. A pr-escola municipal em Bolonha, por exemplo, traz elementos quelhe so prprios porque construdos historicamente pelos sujeitos particulares que delafazem ou fizeram parte, pelo contexto mais amplo no qual se insere e, simultaneamente,11Importante destacar que os autores filiam-se a paradigmas interpretativos distintos: o construcionismo socialno caso de Stake, e o ps-positivismo em Yin (ALVES-MAZZOTTI, 2006).43 44. apresenta caractersticas tambm presentes em outras escolas municipais bolonhesas porqueinseridas em um mesmo sistema de ensino. O mesmo podemos dizer a respeito das pr-escolas municipais em So Paulo. So casos particulares, especficos, que no correspondem totalidade do real, casos escolhidos como significativos e capazes de trazer contribuies pesquisa, mas que, de alguma forma, relacionam-se realidade mais ampla na qual se inserem os sistemas municipais de educao do qual fazem parte, a cidade na qual esto localizados,a cultura na qual esto imersos. importante traar essas consideraes pois verificamos que,em que pensem as caractersticas estruturais impostas pelo sistema e que implicamdeterminadas condies de trabalho , os sujeitos que constroem a cultura da organizaoescolar imprimem sobre ela marcas capazes de tornar aquele contexto um verdadeiro campode possibilidades no qual se fazem presentes estratgias, tticas e maneiras de fazer(CERTEAU, 1994). Estudar a escola no , pois, tarefa simples. Quanto aos procedimentos de coleta de dados, destacamos a observao participanteem turmas/ sees e reunies da equipe, a pesquisa de documentao da escola (projetopedaggico, documentaes produzidas em anos anteriores, informaes em murais e paredesetc.), a entrevista (como professoras, diretor, coordenador pedaggico e crianas). Permearama coleta de dados em campo, ainda, as conversas informais com professoras, crianas egestores, observao de espaos e interaes, participao em eventos ou atividadesextraclasse (como passeios e festas), fotografia de espaos. Pude contar com a acolhida gentile afetiva nos diferentes contextos no qual realizei a investigao, desde bibliotecrios daUniversidade de Bolonha, funcionrios dos Centros de Documentao em Ferrara, Modena,Reggio Emilia e Bolonha, equipe da Diviso de Orientao Tcnica Educao Infantil darede municipal de So Paulo, passando pelas professoras das diferentes escolas,coordenadoras pedaggicas, diretoras e crianas. A pesquisa em campo tornou-se possvelgraas colaborao dessas muitas pessoas que estiveram comigo, abrindo seus espaos emostrando-se sempre dispostas a compartilhar um pouco de seus projetos e de suas prticas. Foi com humildade e, sobretudo, com a disponibilidade para aprender com essaspessoas que cheguei a esses espaos, ciente de que todos ali teriam muito a dizer sobreeducao por vivenciarem esse processo cotidianamente em sua totalidade, complexidade econtradio enquanto prxis na qual se emaranham teorias e prticas, memrias e projetos,possibilidades e desafios. A natureza do objeto e do problema, e as concepes subjacentes pesquisa expressas em paradigmas tericos e metodolgicos relacionados ao que44 45. entendemos por educao e por pesquisa em educao demandaram o uso e a coleta de umaampla variedade de materiais empricos e prticas interpretativas (DENZIN; LINCOLN,2006) com o intuito de melhor entender e analisar o fenmeno. Na concepo de Denzin eLincoln (2006), a pesquisa qualitativa envolve uma multiplicidade de prticas metodolgicas,materiais empricos e perspectivas12 enquanto tentativa de assegurar uma compreenso emprofundidade do fenmeno em questo (DENZIN; LINCOLN, 2006: 19), considerando aimpossibilidade de captar a realidade objetiva, pois nenhum mtodo capaz de compreendertodas as variaes sutis na experincia humana contnua (id: 33). Se toda pesquisa interpretativa (id: 34), importa indicar concepes, crenas e princpios que orientam ainterpretao. Antes de classificar em um ou outro paradigma, a inteno a de que essemodo de ver o mundo perpasse todo o texto da tese, no se limitando ao captulometodolgico. Nesse sentido, entendemos que o mtodo no se restringe a uma srie deprocedimentos ou estratgias de coleta e elaborao de dados, mas implica umposicionamento terico e poltico que deve garantir a necessria coerncia entre teoria eprtica, discurso e ao.4.2 Sobre o Estudo da EscolaO interesse recente pela escola enquanto organizao tem indicado o reconhecimentodessa instituio como espao privilegiado de coordenao e regulao do sistema de ensino ecomo lugar estratgico para sua mudana. Para Barroso (1996), o movimento deterritorializao, ao nvel da escola, das polticas e prticas administrativas insere-se nocontexto de transformaes sociais no qual tem destaque a crise do Estado educador, aredistribuio de poderes, a relao Estado-sociedade, a pauperizao das fontes tradicionaisde financiamento, a oposio entre as lgicas de mercado e de servio pblico. A escolatorna-se foco de polticas pblicas13 muitas das quais equivocadas.Nas pesquisas em educao, o reconhecimento da escola enquanto objeto de estudo relativamente recente. Para Lima (1996), a escola, enquanto objeto de anlise, tem sidofrequentemente ignorada, ou subentendida face a perspectivas de anlise macro oumicroestrururais. No caso portugus no qual o autor se situa , a emergncia da sociologia12 Os autores utilizam a metfora do bricoleur para caracterizar o pesquisador qualitativo.13 Um exemplo recente da realidade brasileira o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE/ MEC), que preva transferncia de recursos diretamente escolas que cumprirem as metas intermedirias referentes ao ndice dedesenvolvimento da educao bsica (Ideb/ Inep). Fonte: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pde/pdde.html#top.Acesso em 21/03/2007.45 46. da educao aps a revoluo de 1974 conduziu ao predomnio de tendnciasmacroestruturais de estudo da estrutura social, influenciadas pela teoria da reproduo; aanlise centrada na escola representaria seu isolamento face s estruturas sociais e aosfenmenos de poder. O mesmo fenmeno pode ser evidenciado no contexto brasileiro. Com a redemocratizao tanto em Portugal como no Brasil , no final da dcada de80 tem-se a revalorizao da escola como objeto de estudo, no apenas no sentido deinvestigao sobre a escola, mas como investigao com a escola, na escola e a partir daescola. Nesse sentido, a defesa da perspectiva de uma sociologia das organizaes educativasvisa superao da oposio entre abordagens de tipo macro e micro, compreendendo aescola no como lugar de sntese, mas um terreno especfico porque articulado ao sistema, deum lado, e sala de aula, de outro (LIMA, 1996). Essa perspectiva traz consigo a necessidade de ultrapassar a atomizao da escolaenquanto universo fechado e isolado do contexto, e tambm os determinismos sociais quereduzem dimenses organizacionais e condenam os atores adaptao e reproduo (id). Aescola tambm instncia de tomada de deciso, de criao, de construo, de autonomiarelativa. , portanto, espao de tenso entre campo (Estado/ estruturas macrossociais xcontextos locais e organizacionais/ atores), de construo de consensos, de estabelecimento dealianas. O reconhecimento da existncia de uma margem de autonomia de ao presente nocotidiano, marcado por estratgias e tticas que podem favorecer a criao de possibilidades ede identidades, no significa desconsiderar que a escola e o cotidiano so influenciados pelamacroestrutura social, que pode legimitar ou no as aes desenvolvidas em seu interior. Aescola, portanto, precisa ser compreendida como fenmeno social (SIERRA, 1996) quedesempenha uma funo sistmica de reproduo do sistema via transmisso cultural , euma funo simblica quando capaz de transformar os sentidos coletivos e os esquemasinterpretativos da sociedade (SIERRA, 1996: 118). Para Canrio (1996), cabe distinguir a escola enquanto objeto social da escolaenquanto objeto cientfico; a escola, enquanto objeto social, no corresponde a um objeto deestudo, mas a mltiplos objetos advindos da multiplicidade de olhares tericos. A constituioda escola como objeto de estudo, por sua vez, um processo em que convergem condies de 46 47. natureza social (associadas chamada crise da escola), e a condies de natureza terica(contribuio da abordagem sistmica e percepo da escola como concretizao de uma redede relaes). Para o autor, a problemtica da formao centrada na escola constituiu aprincipal porta de entrada para uma focalizao sobre a escola como objeto social e suaposterior transformao em objeto cientfico.A partir de Canrio (1996), cabe questionar: nosso objeto a escola ou adocumentao? O estudo da escola apenas um meio para pensar a documentao? Aindaque a escola no seja, em si, o foco da pesquisa, ela unidade de anlise da investigao,meio e fim desta; tomamos a escola como o espao no qual se concretizam prticas dedocumentao pedaggica, mas vislumbramos que esta no deve estar restrita a esse espao, aequipes e projetos de escolas isoladas. Ao considerarmos a escola como elo de ligao entresala de aula e sistema, ponderamos tratar-se de um espao privilegiado tendo em vista oproblema da pesquisa, sem que isso signifique restringir as anlises a esse campo. Partir daescola como ponto de vista14 para tratar da documentao pedaggica enquanto projeto deescola pode indicar-nos caminhos de forma a tornar essa mesma documentao projeto desistema ou de polticas pblicas, considerando-a elemento inerente a uma