Algebra Linear

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DRAFT Notas de ´ Algebra Linear Antonio Caminha M. Neto 4 de setembro de 2015

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Notas de aula do Prof. Caminha

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AFTNotas de Algebra Linear

Antonio Caminha M. Neto

4 de setembro de 2015

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2 Notas de Algebra Linear

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Sumario

1 Espacos Vetoriais 1

1.1 O espaco euclidiano Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.2 Espacos vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111.3 Subespacos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181.4 Base e dimensao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

A O Princıpio de Inducao 31

A.1 Somatorios e produtorios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31A.2 Inducao finita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

B Numeros Complexos 41

B.1 Definicao e propriedades elementares . . . . . . . . . . . . . . . . 41B.2 A forma polar de um numero complexo . . . . . . . . . . . . . . 48

Referencias 57

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0 Notas de Algebra Linear

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Capıtulo 1

Espacos Vetoriais

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2 Notas de Algebra Linear

1.1 O espaco euclidiano Rn

Definicao 1.1. Um ponto ou vetor n−dimensional e uma n−upla u =(u1, u2, . . . , un) de numeros reais. Os ui sao as coordenadas ou, ainda, ascomponentes do vetor u. A colecao de todos os vetores n−dimensionais e on−espaco Rn.

Para u = (u1, . . . , un) e v = (v1, . . . , vn) em Rn, observe que u = v se, eso se, ui = vi, para 1 ≤ i ≤ n. Doravante, sempre que nao houver perigo deconfusao, ao considerarmos vetores u, v, w etc em Rn, suporemos implicitamenteque u = (u1, . . . , un), v = (v1, . . . , vn), w = (w1, . . . , wn) etc.

Definicao 1.2. Para u, v ∈ Rn definimos sua soma u + v ∈ Rn como o vetorn−dimensional

u+ v = (u1 + v1, . . . , un + vn),

onde, no segundo membro, ui + vi denota a soma usual dos numeros reais ui evi.

Definicao 1.3. Se α e um numero real e u ∈ Rn, definimos o produto por

escalar αu ∈ Rn como o vetor n−dimensional

αu = (αu1, . . . , αun).

Nesse contexto, usualmente nos referiremos a α como um escalar (real).

Proposicao 1.4. As operacoes de adicao e multiplicacao por escalar,

+ : Rn × Rn −→ Rn

(u, v) 7−→ u+ ve

· : R× Rn −→ Rn

(α, u) 7−→ αu,

definidas como acima, gozam das seguintes propriedades:

(a) + e comutativa e associativa.

(b) O vetor nulo 0 = (0, . . . , 0) e o unico elemento neutro para +. (Ob-serve que estamos utilizando um mesmo sımbolo para denotar dois objetosdistintos. O contexto sempre deixara claro a que estamos nos referindo.)

(c) Dado u ∈ Rn, o vetor (−1)u e seu unico inverso aditivo, i.e., e o unicovetor n−dimensional tal que u + (−1)u = 0. Doravante, denotaremos(−1)u simplesmente por −u.

(d) Para todos α, β ∈ R e u ∈ Rn, vale a associatividade (αβ)u = α(βu).

(e) Para todos α, β ∈ R e u, v ∈ Rn, valem as distributividades

α(u+ v) = αu+ αv e (α+ β)u = αu+ βu.

(f) Para todo u ∈ Rn, temos 1u = u.

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Prova. Exercıcio.

Definicao 1.5. Para u, v ∈ Rn a diferenca u−v ∈ Rn e o vetor n−dimensional

u− v = u+ (−v) = (u1 − v1, . . . , un − vn).

Verifique que u− u = 0, u− v = −(v− u) e u− (v+w) = (u− v)−w, paratodos u, v, w ∈ Rn.

Definicao 1.6. Um vetor geometrico em Rn e um par de pontos de Rn,denominados suas extremidades, tais que um deles e designado como ponto

inicial ou origem e o outro como ponto final. Ao lidarmos com vetoresgeometricos, em geral utilizaremos letras latinas maiusculas para denotar suasextremidades. Nesse sentido, se A e o ponto inicial e B o ponto final de um

vetor geometrico, denotaremo-lo por−→AB (veja a figura 1.1).

A

B

Figura 1.1: o vetor geometrico−→

AB.

Nas notacoes da definicao anterior, observe que−→AB 6=

−→BA, se A 6= B.

Identifiquemos R2 como o conjunto dos pontos (i.e., pares ordenados denumeros reais) de um plano euclidiano, munido com um sistema cartesianode coordenadas. Para A,B,C,D ∈ R2 tais que B − A = D − C, uma facil

congruencia de triangulos garante que os vetores geometricos−→AB e

−→CD tem,

no sentido euclidiano usual, mesmos comprimento, direcao e sentido. De outraforma, veja que tal condicao equivale a que ABDC seja um paralelogramo (vejaa figura 1.2). Isso motiva a definicao a seguir.

Definicao 1.7. Em Rn dizemos que os vetores geometricos−→AB e

−→CD sao

equivalentes1 se B −A = D − C.

Lema 1.8. Dados A,B ∈ Rn, existe um unico C ∈ Rn tal que−→AB e equivalente

a−→OC, onde O = 0.

Prova. Exercıcio.

1Para o leitor interessado, observamos que o conceito de equivalencia de vetores geometricose uma relacao de equivalencia. Discutiremos relacoes de equivalencia mais pormenorizada-mente na secao ??.

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4 Notas de Algebra Linear

A

B

C

D

Figura 1.2: igualdade dos vetores geometricos−→

AB e−→

CD.

Gracas ao lema anterior, doravante, identificaremos o vetor n−dimensional

u ∈ Rn com o vetor geometrico−→OU , onde U = u (a essse respeito, veja a figura

1.3).

O

U

u

Figura 1.3: interpretando geometricamente os vetores n−dimensionais.

Voltando a identificacao de R2 com os pontos de um plano euclidiano munidocom um sistema cartesiano de coordenadas, sabemos (veja a figura 1.4) que asoma dos vetores u e v e o vetor w, tal que OUWV e um paralelogramo.

Extrapolaremos tal interpretacao geometrica ao caso de Rn, com n ∈ N

qualquer. Mais precisamente, sempre que se fizer necessario representar geo-metricamente a adicao de vetores em Rn, o faremos por meio do uso dessa lei

do paralelogramo. Analogamente (veja a figura 1.5), para a subtracao e amultiplicacao por escalar, utilizaremos representacoes geometricas similares asrepresentacoes geometricas usuais em R2.

A discussao acima tambem motiva a definicao a seguir.

Definicao 1.9. Os vetores u, v ∈ Rn tem mesma direcao, ou que sao pa-

ralelos se existir α ∈ R tal que u = αv. Nesse caso, dizemos que u e v temmesmo sentido se α > 0 e sentidos contrarios se α < 0.

Introduzamos, agora, uma especie de operacao de multiplicacao com vetoresde Rn. Nesse ponto, o leitor pode achar util revisar a notacao de somatorio, nasecao A.1.

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O

U

uV

v

W

w = u+ v

Figura 1.4: interpretacao geometrica da soma de vetores.

O

U

uV

v

W

w = u− vO

V

U

v

u = αv

Figura 1.5: representando geometricamente a subtracao e a multiplicacao por escalar.

Definicao 1.10. Para u = (u1, . . . , un) e v = (v1, . . . , vn) em Rn, definimos oproduto escalar dos vetores u e v, denotado u · v, como o numero real

u · v =

n∑

i=1

uivi.

Proposicao 1.11. A operacao de produto escalar de vetores,

· : Rn × Rn −→ R

(u, v) 7−→ u · v ,

definida como acima, goza das seguintes propriedades, para todos u, v, w ∈ Rn

e todo α ∈ R:

(a) u · v = v · u.

(b) u · (v + w) = u · v + u · w.

(c) u · (αv) = (αu) · v = α(u · v).

(d) u · u ≥ 0, ocorrendo a igualdade se, e so se, u = 0.

Prova. Exercıcio.

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6 Notas de Algebra Linear

O fato mais importante acerca do produto escalar de vetores em Rn e que elesatisfaz a desigualdade do teorema a seguir, conhecida como a desigualdade

de Cauchy-Schwarz.

Teorema 1.12 (Cauchy-Schwarz). Para u, v ∈ Rn, temos

(u · v)2 ≤ (u · u)(v · v),

ocorrendo a igualdade se, e so se, u e v sao paralelos.

Prova. Se u = 0, nada ha a fazer. Senao, temos

(xu + v) · (xu + v) ≥ 0, (1.1)

para todo x ∈ R, com igualdade se, e so se, existir α ∈ R tal que αu + v = 0,i.e., se, e so se, u e v forem paralelos. De qualquer modo, segue de (1.1) que

(u · u)x2 + 2(u · v)x + (v · v) ≥ 0, (1.2)

para todo x ∈ R. Denotando por f(x) o primeiro membro de (1.2), temos, peloteste da primeira derivada, que f ′(x) = 0 se, e so se, x = x0 := − u·v

u·u . Mas,como f(x0) ≥ 0, temos

(u · u)(−u · vu · u

)2+ 2(u · v)

(−u · vu · u

)+ (v · v) ≥ 0

ou, ainda,−(u · v)2 + (u · u)(v · v)

u · u ≥ 0.

Por fim, observando que u ·u > 0, obtemos −(u ·v)2+(u ·u)(v ·v) ≥ 0, conformedesejado.

O corolario a seguir interpreta a desigualdade de Cauchy-Schwarz em termosde coordenadas.

Corolario 1.13. Dados numeros reias u1, . . . , un, v1, . . . , vn, temos

(n∑

i=1

uivi

)2

≤(

n∑

i=1

u2i

)(n∑

i=1

v2i

),

ocorrendo a igualdade se, e so se, existir α ∈ R tal que vi = αui, para 1 ≤ i ≤ n.

Se u = (u1, u2, u3) ∈ R3 e u′ = (u1, u2, 0), entao, pelo teorema de Pitagoras(veja a figura 1.6), temos

OU2= OU ′2 + U ′U

2=√|u1|2 + |u2|2 + |u3|2 = u2

1 + u22 + u2

3 = u · u.

Temos, pois, a definicao a seguir.

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x2

x3

x1

U ′(u1, u2, 0)

U(u1, u2, u3)

O

Figura 1.6: interpretando u · u como quadrado de distancia.

Definicao 1.14. Para u ∈ Rn, definimos a norma euclidiana de u como onumero real nao negativo ||u||, dado por ||u|| = √

u · u.Observe que ||u|| = 0 se, e so se, u = 0 e

||αu|| =√(αu) · (αu) = |α|

√u · u = |α| · ||u||.

Por outro lado, em termos do conceito de norma, a desigualdade de Cauchy-Schwarz pode ser escrita como

|u · v| ≤ ||u|| · ||v||,

para todos u, v ∈ Rn. Mais importante e o seguinte resultado, conhecido comoa desigualdade triangular.

Proposicao 1.15. Para u, v ∈ Rn, temos ||u + v|| ≤ ||u|| + ||v||, ocorrendo aigualdade se, e so se, u e v forem paralelos e de mesmo sentido.

Prova. Podemos supor que u, v 6= 0. Portanto,

||u+ v|| ≤ ||u||+ ||v|| ⇔ ||u+ v||2 ≤ (||u||+ ||v||)2

⇔ (u+ v) · (u+ v) ≤ ||u||2 + ||v||2 + 2||u|| · ||v||⇔ u · u+ 2u · v + v · v ≤ ||u||2 + ||v||2 + 2||u|| · ||v||⇔ u · v ≤ ||u|| · ||v||.

Pela desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos u · v ≤ |u · v| ≤ ||u|| · ||v||, esegue a desigualdade do enunciado. Observe, agora, que ha igualdade se, e sose, u ·v = |u ·v| e |u ·v| = ||u|| · ||v||, i.e., se, e so se, u ·v ≥ 0 e (pela condicao paraa igualdade na desigualdade de Cauchy-Schwarz) u = αv, para algum α 6= 0.Mas aı, temos

0 ≤ u · v = (αv) · v = α||v||2,de forma que α > 0.

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8 Notas de Algebra Linear

A norma euclidiana de Rn mune esse conjunto com uma nocao de distanciad, definida do seguinte modo:

d(U, V ) = ||U − V ||,

para todos U, V ∈ Rn. Veja que, para todos U, V,W ∈ Rn, temos:

(1) d(U, V ) ≥ 0 e d(U, V ) = 0 ⇔ U = V .

(2) d(U, V ) = d(V, U).

(3) d(U,W ) ≤ d(U, V ) + d(V,W ).

Os itens (1) e (2) sao imediatos, ao passo que (3) decorre da desigualdadetriangular. De fato, temos

d(U, V ) = ||U −W || = ||(U − V ) + (V −W )||≤ ||U − V ||+ ||V −W ||= d(U, V ) + d(V,W ).

Gracas as propriedades dos itens (1), (2) e (3), dizemos que (Rn, d) e umespaco metrico. Observamos, ainda, que d generaliza as nocoes usuais dedistancia em R2 e R3. Doravante, sempre que conveniente, denotaremos d(U, V )simplesmente por UV e diremos que Rn, munido com a distancia d, e o espaco

euclidiano real n−dimensional.

Sendo O a origem de R3, a lei dos cossenos da geometria euclidiana garanteque, para U, V ∈ R3, temos

UV2= OU

2+ OV

2 − 2OU · OV cosUOV,

igualdade que, traduzida em termos de normas euclidianas, equivale a

||u− v||2 = ||u||2 + ||v||2 − 2||u|| · ||v|| cosUOV.

Substituindo ||u− v||2 = (u− v) · (u− v) = ||u||2 − 2||u|| · ||v||+ ||v||2, obtemos

u · v = ||u|| · ||v|| cosUOV. (1.3)

Essa ultima igualdade sugere a extensao da nocao de angulo entre dois vetoresnao nulos de Rn, dada pela definicao a seguir.

Definicao 1.16. Se u, v ∈ Rn \ {0}, definimos a medida do angulo UOV comoo unico arco θ ∈ [0, π] tal que

u · v = ||u|| · ||v|| cos θ. (1.4)

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Observe que (1.3) faz sentido gracas a geometria euclidiana. Entretanto,em princıpio nao sabemos se (1.4) faz sentido em Rn, para n geral, pois (1.4)e uma definicao e cos θ ∈ [−1, 1]. Veja, contudo, que, pela desigualdade de

Cauchy-Schwarz, temos |u·v|||u||·||v|| ∈ [0, 1], de sorte que (1.4) realmente garante

que cos θ ∈ [−1, 1].Ainda a partir de (1.4), segue que

UOV =π

2⇔ cosUOV = 0 ⇔ u · v = 0,

e temos mais uma definicao importante.

Definicao 1.17. Dois vetores u, v ∈ Rn\{0} sao ortogonais se u ·v = 0; nesse

caso, denotamos u⊥v. Analogamente, dois vetores geometricos−→AB e

−→CD sao

ortogonais se (b − a)⊥(d− c), i.e., se (b − a) · (d− c) = 0.

Exemplo 1.18. Para calcular o angulo entre os vetores u = (1, 0, 2,−√2) e

v = (0, 0, 1,−√2) de R4, note que ||u|| =

√7, ||v|| =

√3 e u · v = 4. Portanto,

cosUOV = u·v||u||·||v|| =

4√21

e, daı, UOV = arccos 4√21.

A nocao de angulo entre vetores de Rn \ {0} nos permite definir a projecaoortogonal de um vetor nao nulo paralelamente a outro.

Definicao 1.19. Sejam u, v ∈ Rn. Se v 6= 0, a projecao ortogonal de uparalelamente a v (veja a figura 1.7) e o unico vetor w ∈ Rn tal que w e paralelo

a v e−→WU⊥v.

O

V

v

Uu

Ww

Figura 1.7: a projecao ortogonal de u paralelamente a v.

Para obter explicitamente a projecao ortogonal w de u na direcao de v 6= 0,

faca w = αv. Segue de−→WU⊥v que

0 = (u− w) · v = (u− αv) · v = u · v − α||v||2

ou, ainda, α = u·v||v||2 . Portanto,

w = αv =u · v||v||2 v.

Um vetor u ∈ Rn \ {0} e unitario se ||u|| = 1. Em Rn, ha uma colecaomuito importante de vetores unitarios e dois a dois ortogonais.

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10 Notas de Algebra Linear

Definicao 1.20. Os vetores canonicos em Rn sao e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 =(0, 1, 0, . . . , 0), . . . , en = (0, . . . , 0, 1).

A importancia dos vetores canonicos reside no fato de que todo u ∈ Rn

pode ser escrito, de uma unica forma, em termos deles. De fato, sendo u =(u1, . . . , un), temos prontamente

u = u1e1 + · · ·+ unen =n∑

i=1

uiei. (1.5)

(Observe que, na igualdade acima, u1, . . . , un denotam numeros reais, ao passoque e1, . . . , en denotam vetores. O contexto dirimira quaisquer duvidas.) O fatode que e1, . . . , en sao unitarios e dois a dois ortogonais se reflete em que, em(1.5), temos ui = u · ei, para 1 ≤ i ≤ n.

Por analogia com R2 e R3, ao trabalharmos com os vetores canonicos, e comose fixassemos, em Rn, eixos coordenados cartesianos Ox1, Ox2, . . . , Oxn, ondea origem O representa o vetor nulo 0 = (0, . . . , 0). Evidentemente, nao podemosfazer um esboco acurado de um tal sistema de eixos quando n > 3, uma vezque nossa percepcao da realidade e tridimensional. Contudo, e por vezes utilpensarmos geometricamente em Rn como dotado desse sistema de eixos, a fimde construir uma imagem mental mais concreta desse espaco de vetores.

Exercıcios – Secao 1.1

1. Prove a proposicao 1.4.

2. Prove o lema 1.8.

3. Prove a proposicao 1.11.

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1.2 Espacos vetoriais

Os objetos centrais de estudo em Algebra Linear sao os espacos vetoriais, defi-nidos a seguir.

Definicao 1.21. Um espaco vetorial real e um conjunto nao vazio V , mu-nido com duas operacoes + : V × V → V e · : R × V → V , respectivamentedenominadas adicao e multiplicacao por escalar, satisfazendo os seguintesaxiomas2:

(a) + : V × V → V e comutativa e associativa, i.e., e tal que u+ v = v + u eu+ (v + w) = (u+ v) + w, para todos u, v, w ∈ V .

(b) + : V ×V → V possui elemento neutro, i.e., existe um elemento e ∈ Vtal que u+ e = u, para todo u ∈ V .

(c) Todo elemento de V possui um inverso aditivo, i.e., dado u ∈ V , existeu′ ∈ V tal que u+ u′ = e.

(d) · : R× V → V satisfaz a associatividade α · (β · u) = (αβ) · u, para todosα, β ∈ R e todo u ∈ V .

(e) · : R× V → V satisfaz as distributividades

(α + β) · u = α · u+ β · u e α · (u+ v) = α · u+ α · v,

para todos α, β ∈ R e todos u, v ∈ V .

(f) 1 · u = u, para todo u ∈ V .

Doravante, sempre que nao houver perigo de confusao, ao tratarmos comum espaco vetorial real V , denominaremos os α ∈ R de escalares e os u ∈ Vde vetores. Tambem sempre que nao houver perigo de confusao, escreveremosαu, em vez de α · u, para denotar o resultado da multiplicacao do vetor u peloescalar α.

Antes de apresentarmos alguns exemplos iniciais de espacos vetoriais (outrosaparecerao na proxima secao), e conveniente estabelecer algumas propriedadesuteis para as operacoes de um espaco vetorial qualquer.

(1) O elemento neutro da adicao e unico: de fato, se e e e′ forem elementosneutros da adicao, entao

e = e+ e′ (pois e′ e elemento neutro)

= e′ (pois e e elemento neutro).

Portanto, por analogia com o elemento neutro da adicao de vetores emRn, doravante denotaremos o elemento neutro da adicao de um espacovetorial real V simplesmente por 0, e o denominaremos de vetor nulo.

2Um axioma ou postulado e uma propriedade imposta como verdadeira. A utilizacao dometodo axiomatico e uma das caracterısticas fundamentais da Matematica como corpo deconhecimento.

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12 Notas de Algebra Linear

(2) Fixado u ∈ V , o inverso aditivo de u e unico: realmente, se u′ e u′′ foreminversos aditivos de u, entao

u′ = u′ + 0 (pois 0 e o elemento neutro)

= u′ + (u+ u′′) (pois u′′ e inverso aditivo de u)

= (u′ + u) + u′′ (pela associatividade da adicao)

= 0 + u′′ (pois u′ e inverso aditivo de u)

= u′′ (pois 0 e o elemento neutro).

Gracas a essa unicidade, e por analogia com a notacao para inversos adi-tivos de numeros reais, doravante denotaremos o inverso aditivo de u ∈ Vpor −u, de forma que u+ (−u) = 0.

(3) 0u = 0, para todo u ∈ V : denotando 0u = v, temos

v + v = 0u+ 0u = (0 + 0)u = 0u = v

e, daı,

v = v + (v + (−v)) = (v + v) + (−v) = v + (−v) = 0.

(4) −u = (−1)u, para todo u ∈ V : segue do item (3) e do ultimo axioma dadefinicao de espaco vetorial que

u+ (−1)u = 1u+ (−1)u = (1 + (−1))u = 0u = 0.

Mas, como ja sabemos que o inverso aditivo de u e unico, sendo denotadopor −u, a unica possibilidade e que seja −u = (−1)u.

(5) α0 = 0, para todo α ∈ R: se u = α0, entao, como 0 e o elemento neutroda adicao, temos

u = α0 = α(0 + 0) = α0 + α0 = u+ u.

Argumentando como no item (3), concluımos que u = 0, conforme dese-jado.

(6) Para α ∈ R e u ∈ V , temos que αu = 0 ⇒ α = 0 ou u = 0: se α 6= 0,segue de (5) e da hipotese αu = 0 que

0 = α−10 = α−1(αu) = (α−1α)u = 1u = u.

(7) Para α ∈ R e u, v ∈ V , temos que αu = αv ⇒ α = 0 ou u = v: exercıcio.

(8) Para u, v ∈ V , escrevendo u − v para denotar u + (−v), temos que u =v ⇔ u− v = 0: se u = v, entao

u− v = u+ (−v) = u+ (−1)v = u+ (−1)u = 0.

Reciprocamente, se u− v = 0, entao

v = 0 + v = (u− v) + v = (u+ (−v)) + v

= u+ (−v + v) = u+ 0 = u.

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(9) (−α)u = −(αu) = α(−u), para todos α ∈ R, u ∈ V : exercıcio.

(10) −(u+ v) = −u− v, para todos u, v ∈ V : exercıcio.

(11) Para n ∈ N e u1, . . . , un ∈ V , o valor da soma u1+u2+ · · ·+un, independeda ordem em que efetuemos as adicoes: e bem mais simples entender oque essa propriedade quer dizer do que formalizar uma demonstracao paraa mesma. Por exemplo, para n = 3, ela significa que u1 + (u2 + u3) =(u1+u2)+u3, igualdade que e valida pela associatividade da adicao. Paran = 4, segue do caso n = 3 que

u1 + (u2 + (u3 + u4)) = (u1 + u2) + (u3 + u4) = ((u1 + u2) + u3) + u4,

e assim por diante. O caso geral pode ser tratado de maneira similar.

(12) Para n ∈ N e u ∈ V , temos u+ u+ · · ·+ u︸ ︷︷ ︸n

= nu: facamos a prova por

inducao3 sobre n. O caso n = 1 se resume a u = 1u, igualdade que e umdos axiomas da definicao de espaco vetorial. Suponha, por hipotese deinducao, que a igualdade do enunciado e valida, quando n = k, para todou ∈ V . Para n = k + 1, segue do item (11) e da hipotese de inducao que

u+ u+ · · ·+ u︸ ︷︷ ︸k+1

= (u+ u+ · · ·+ u︸ ︷︷ ︸k

) + u

= ku+ u = ku+ 1u

= (k + 1)u.

Exemplo 1.22. Seja dado n ∈ N. Conforme o leitor atento deve ter observado,a discussao da secao anterior garante que o n−espaco Rn e um exemplo deespaco vetorial real.

Exemplo 1.23. Seja dado n ∈ N. Se C denota o conjunto dos numeros com-plexos4, definimos

Cn = {z = (z1, z2, . . . , zn); zj ∈ C, para 1 ≤ j ≤ n}.

Para z = (z1, . . . , zn), w = (w1, . . . , wn) ∈ Cn, e α ∈ R, as igualdades

z + w = (z1 + w1, . . . , zn + wn) e αz = (αz1, . . . , αzn)

definem, em Cn, operacoes + : Cn × Cn → Cn e · : R × Cn → Cn que tornamCn um espaco vetorial real. (Exercıcio!)

3O leitor pode revisar o princıpio da inducao finita na secao A.2.4Para rever a definicao e as principais propriedades de numeros complexos, referimos o

leitor ao apendice B.

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14 Notas de Algebra Linear

Exemplo 1.24. Se X e um conjunto nao vazio e

F(X ;R) = {f : X → R; f e funcao},

entao F(X ;R) e um espaco vetorial real, quando munido com as operacoesusuais de adicao de funcoes reais e multiplicacao de uma funcao real por umaconstante real, i.e., tais que, para f, g ∈ F(X ;R) e α ∈ R,

(f + g)(x) = f(x) + g(x) e (αf)(x) = αf(x),

para todo x ∈ X.

Prova. Chequemos a validade de algumas das condicoes definidoras de umespaco vetorial, deixando a verificacao das demais como exercıcio para o leitor.

Para f, g ∈ F(X ;R) e x ∈ X , segue da comutatividade da adicao de numerosreais que

(f + g)(x) = f(x) + g(x) = g(x) + f(x) = (g + f)(x);

logo, f + g = g + f .Para f, g, h ∈ F(X ;R) e x ∈ X , a associatividade da adicao de numeros

fornece

(f + (g + h))(x) = f(x) + (g + h)(x) = f(x) + (g(x) + h(x)

= (f(x) + g(x)) + h(x) = (f + g)(x) + h(x)

= ((f + g) + h)(x);

logo, f + (g + h) = (f + g) + h.Denotemos por 0 : X → R a funcao nula, i.e., tal que 0(x) = 0 para todo

x ∈ X . Para f ∈ F(X ;R), temos

(f + 0)(x) = f(x) + 0(x) = f(x),

para todo x ∈ X , de sorte que f + 0 = f . Logo, a funcao nula e o elementoneutro da operacao de adicao de funcoes.

Exemplo 1.25. Dados m,n ∈ N, considere o produto cartesiano Xmn ={1, 2, . . . ,m} × {1, 2, . . . , n}, formado pelos pares ordenados (i, j), tais que 1 ≤i ≤ m e 1 ≤ j ≤ n. Denotamos o espaco vetorial F(Xmn;R) por M(m× n;R),de forma que um elemento de M(m × n;R) e uma funcao A : Xmn → R, de-nominada uma matriz m × n. Escrevendo aij para denotar a imagem do parordenado (i, j) pela funcao A, i.e., pondo aij = A(i, j), para 1 ≤ i ≤ m e1 ≤ j ≤ n, obtemos a notacao usual

A =

a11 a12 · · · a1na21 a22 · · · a2n· · · · · · · · · · · ·am1 am2 · · · amn

,

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Antonio Caminha M. Neto 15

de sorte que diremos que A = (aij) e uma matriz de m linhas e n colunas. Osnumeros reais aij sao as entradas da matriz A, que por vezes sera dita umamatriz m× n com entradas reais.

Sejam dadas A = (aij) e B = (bij), duas matrizes m × n, e α ∈ R. Umavez que o espaco vetorial M(m× n;R) e um caso particular do espaco vetorialmais geral F(X ;R) do exemplo anterior, temos

A+B = (aij + bij) e αA = (αaij),

para todos 1 ≤ i ≤ m, 1 ≤ j ≤ n. De outro modo,

a11 · · · a1na21 · · · a2n· · · · · · · · ·am1 · · · amn

+

b11 · · · b1nb21 · · · b2n· · · · · · · · ·bm1 · · · bmn

=

a11 + b11 · · · a1n + b1na21 + b21 · · · a2n + b2n

· · · · · · · · ·am1 + bm1 · · · amn + bmn

e

α

a11 a12 · · · a1na21 a22 · · · a2n· · · · · · · · · · · ·am1 am2 · · · amn

=

αa11 αa12 · · · αa1nαa21 αa22 · · · αa2n· · · · · · · · · · · ·αam1 αam2 · · · αamn

.

Em particular, a adicao de matrizes m × n gozam de todas as propriedadesconstantes da definicao de espaco vetorial real (comutatividade, associatividadeetc), o mesmo sucedendo para a multiplicacao de uma matriz m × n por umescalar.

E importante observarmos que tudo o que fizemos ate aqui, nesta secao,permanece valido se trocarmos o conjunto R dos numeros reais pelo conjuntoC dos numeros complexos. Assim e que, trocando R por C na definicao 1.21,obtemos o importante conceito de espaco vetorial complexo, para o qualpermanecem validas as propriedades (1) a (12), elencadas acima.

De outra forma, a diferenca fundamental entre as nocoes de espaco vetorialreal e espaco vetorial complexo reside no seguinte fato: para munirmos um certoconjunto nao vazio V de uma estrutura de espaco vetorial real, temos que definiruma maneira de multiplicar elementos de V por numeros reais, maneira esta quesatisfaca os axiomas dos itens (d) e (e) da definicao 1.21; por outro lado, paramunirmos V de uma estrutura de espaco vetorial complexo, temos que definiruma maneira de multiplicar elementos de V por numeros complexos, tal que estamultiplicacao novamente satisfaca os axiomas dos itens (d) e (e) da definicao1.21, ao trocarmos α, β ∈ R por α, β ∈ C.

Exemplo 1.26. Pode ocorrer de um mesmo conjunto nao vazio poder ser mu-nido com estruturas de espaco vetorial real e espaco vetorial complexo. Oexemplo mais simples desse fenomeno e fornecido por Cn (n ∈ N), que javimos, no exemplo 1.23, poder ser munido com uma estrutura de espaco ve-torial real. Para munir Cn com uma estrutura de espaco vetorial complexo,defina + : Cn × Cn → Cn como naquele exemplo e · : C × Cn → Cn pondoαz = (αz1, . . . , αzn), para todos α ∈ C e z = (z1, . . . , zn) ∈ Cn. Deixamos ao

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16 Notas de Algebra Linear

leitor a tarefa de verificar que, munido com tais operacoes, Cn e um espacovetorial complexo. Contudo, mais adiante veremos que, ao considerarmos Cn

como espaco vetorial real e espaco vetorial complexo, obtemos dois objetos bemdiferentes.

Exemplo 1.27. Trocando R por C nos exemplos 1.24 e 1.25, obtemos osespacos vetoriais complexos F(X ;C) = {f : X → C; f e funcao} (X um con-junto nao vazio), das funcoes complexas com domınio X, e M(m × n;C), dasmatrizes m × n com entradas complexas. As operacoes de adicao de vetorese multiplicacao de vetores por escalares (complexos) sao analogas as definidasnaqueles exemplos.

Observacao 1.28. Concluımos esta secao observando que tudo o que fizemosaqui pode ser generalizado, se considerarmos espacos vetoriais sobre um corpo K

qualquer. Aqui, dizemos que um conjunto K e um corpo se K tiver pelo menosdois elementos e estiver munido de operacoes + : K×K → K e · : K×K → K,respectivamente denominadas adicao e multiplicacao, as quais satisfazem osseguintes axiomas:

(i) A adicao e comutativa, associativa e possui elemento neutro. (Argumen-tando como na prova da propriedade (1), mostra-se que o elemento neutroda adicao e unico, pelo que o denotamos por 0 e o denominamos zero.)

(ii) Todo x ∈ K possui um inverso aditivo.

(iii) A multiplicacao e comutativa, associativa e possui elemento neutro. (Ar-gumentando tambem como em (1), mostra-se que tal elemento neutro eunico, pelo que o denotamos por 1 e o denominamos um.)

(iv) Todo x ∈ K \ {0} possui um inverso multiplicativo.

(v) A multiplicacao e distributiva em relacao a adicao.

Como na propriedade (3), mostra-se que x · 0 = 0, para todo x ∈ K, e, a partirdaı, que 1 6= 0.

Os conjuntos R e C sao exemplos de corpos, assim como o e o conjunto Q

dos numeros racionais. Para uma classe infinita de exemplos, fixe um numeroprimo p (recorde que ha infinitos primos) e defina

Q(√p) = {a+ b

√p; a, b ∈ Q}.

Munindo Q(√p) com as operacoes usuais de adicao e multiplicacao de numeros

reais, e utilizando o fato de que√p e um numero irracional, nao e difıcil mostrar

que Q(√p) e um corpo.

A partir daı, pode-se definir e estudas as propriedades de espaco vetorial so-bre K exatamente como nos casos real ou complexo. Contudo, por simplicidadee devido as aplicacoes que temos em mente, nestas notas nos restringiremossomente aos casos em que K = R ou C.

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Antonio Caminha M. Neto 17

Exercıcios – Secao 1.2

1. Prove as regras operatorias (7), (9) e (10) para elementos de um espacovetorial.

2. Verifique que Cn, munido com as operacoes definidas no exemplo 1.23,e um espaco vetorial real. Verifique tambem que Cn, munido com asoperacoes definidas no exemplo 1.26, e um espaco vetorial complexo.

3. Seja X um conjunto nao vazio. Complete a verificacao (consoante o exem-plo 1.24) de que o conjunto F(X ;R), das funcoes f : X → R, e um espacovetorial real.

4. Dados m,n ∈ N, escreva explicitamente os axiomas de espaco vetorialpara M(m× n;R).

5. Sejam V1, V2, . . . , Vn espacos vetorias reais (resp. complexos) dados, cadaum munido com suas proprias operacoes de adicao de vetores e multi-plicacao de vetores por escalares reais (resp. complexos). No produtocartesiano V = V1 × V2 × . . .× Vn, defina as operacoes

(u1, u2, . . . , un) + (v1, v2, . . . , vn) = (u1 + v1, u2 + v2, . . . , un + vn)

eα(u1, u2, . . . , un) = (αu1, αu2, . . . , αun),

para todos uj , vj ∈ V , 1 ≤ j ≤ n, e todo α ∈ R (resp. α ∈ C). Mostreque V e um espaco vetorial real (resp. complexo) quando munido comtais operacoes. Tal espaco vetorial e denominado o produto direto dosespacos vetoriais V1, V2, . . . , Vn.

6. Fixado um numero primo p, mostre que o conjunto Q(√p), munido com as

operacoes usuais de adicao e multiplicacao de numeros reais, e um corpo.

7. Sejam K um corpo, m,n ∈ N e X um conjunto nao vazio. Defina Kn,F(X ;K) e M(m × n;K) e mostre que tais conjuntos podem ser munidoscom operacoes de adicao e multiplicacao por escalares (i.e., elementos deK) que os tornam espacos vetoriais sobre K.

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18 Notas de Algebra Linear

1.3 Subespacos

A partir desta secao, salvo mencao explıcita em contrario, K denota R ou C.A definicao a seguir encerra o objeto central de interesse nesta secao.

Definicao 1.29. Se V e um espaco vetorial sobre K, um subespaco (vetorial)de V e um subconjunto nao vazio de V que e fechado para as operacoes deespaco vetorial de V . Mais precisamente, um subconjunto nao vazio W de V eum subespaco de V se as duas condicoes a seguir forem satisfeitas:

(a) u, v ∈ W ⇒ u+ v ∈ W .

(b) u ∈ W,α ∈ K ⇒ αu ∈ W .

O resultado a seguir deixa clara a importancia do conceito de subespaco deum espaco vetorial.

Proposicao 1.30. Se V e um espaco vetorial sobre K e W e um subespaco deV , entao W , munido com as operacoes herdadas de V , tambem e um espacovetorial sobre K.

Prova. Como W e fechado para as operacoes de espaco vetorial de V , pode-mos considera-las como operacoes em W , i.e., podemos ver + : W ×W → We · : K ×W → W . Resta provarmos que tais operacoes satisfazem os axiomasimpostos pela definicao de espaco vetorial sobre K:

(i) A adicao + : W × W → W e comutativa e associativa, uma vez que elasatisfaz tais propriedades tambem em V , e V ⊃ W .

(ii) ComoW 6= ∅, podemos tomar u ∈ W . Entao, o fechamento deW em relacaoa multiplicacao por escalares, juntamente com a propriedade (3) da secao an-terior, garante que 0 = 0u ∈ W . Mas, como 0 (o vetor nulo) e o elementoneutro da adicao em V e 0 ∈ W , concluımos que + : W ×W → W tambem temelemento neutro.

(iii) Tome u ∈ W qualquer. Novamente pelo fechamento de W em relacao amultiplicacao por escalares, temos que −u = (−1)u tambem pertence a W .Mas, uma vez que −u e o inverso aditivo de u em V e −u ∈ W , concluımos que−u tambem e inverso aditivo de u em W .

(iv) e (v) A multiplicacao por escalar · : K×W → W satisfaz as associatividadese distributividades dos itens (d) e (e) da definicao de espaco vetorial sobre K,uma vez que · : K× V → V tambem as satisfaz.

(vi) Por fim, 1u = u para todo u ∈ W , uma vez que 1u = u para todo u ∈ V .

A seguir, colecionamos alguns exemplos de subespacos vetoriais de espacosvetoriais ja conhecidos. Gracas a proposicao anterior, tais exemplos aumentamnossa lista de exemplos de espacos vetoriais.

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Antonio Caminha M. Neto 19

Exemplo 1.31. Se V e um espaco vetorial sobre K, entao {0} e o proprio Vsao subespacos de V , denominados seus subespacos triviais. Observe que ofechamento de {0} em relacao as operacoes de espaco vetorial de V segue daspropriedades (3) e (5) da secao anterior.

Exemplo 1.32. Dado n ∈ N, temos que Rn e subespaco de Cn, consideradocomo espaco vetorial real (exercıcio). Entretanto, Rn nao e subespaco de Cn,quando consideramos Cn como espaco vetorial complexo. Para verificar essaultima afirmacao, basta observar que, sendo i ∈ C a unidade imaginaria eu = e1 = (1, 0, . . . , 0) ∈ Rn, temos que iu /∈ Rn. Logo, Rn nao e fechado para amultiplicacao por escalares complexos.

Exemplo 1.33. Se S ⊂ Rn \ {0} e S⊥ = {u ∈ Rn; u · v = 0, ∀ v ∈ S}, entaoS⊥ e um subespaco vetorial de Rn. Realmente, e claro que 0 ∈ S⊥, de formaque S⊥ 6= ∅. Por outro lado, se u, u1, u2 ∈ S⊥ e α ∈ R, as propriedades doproduto escalar de vetores em Rn fornecem, para v ∈ S, as igualdades

(u1 + u2) · v = u1 · v + u2 · v = 0 e (αu) · v = α(u · v) = 0.

Logo, u1 + u2, αu ∈ S⊥, de sorte que S⊥ e fechado para as operacoes de espacovetorial de V .

Exemplo 1.34. Um sistema linear homogeneo sobre K, com m equacoes en incognitas, e um sistema de equacoes da forma

a11x1 + a12x2 + · · ·+ a1nxn = 0a21x1 + a22x2 + · · ·+ a2nxn = 0· · · · · · · · ·am1x1 + am2x2 + · · ·+ amnxn = 0

,

com aij ∈ K, para 1 ≤ i ≤ m, 1 ≤ j ≤ n. O espaco de solucoes de umtal sistema e o subconjunto W de Rn, formado pelos vetores n−dimensionais(x1, x2, . . . , xn) que sao solucoes do sistema. Observe que W 6= ∅, uma vezque 0 = (0, 0, . . . , 0) ∈ W . Tambem, calculos simples garantem que, se x =(x1, x2, . . . , xn) ∈ W , y = (y1, y2, . . . , yn) ∈ W e α ∈ K, entao x + y, αx ∈ W .De outra forma, W ⊂ Kn e um subconjunto nao vazio, o qual e fechado para asoperacoes de espaco vetorial sobre K de Kn. Logo, W e um subespaco vetorialde Kn.

Exemplo 1.35. Denote por K[x] o conjunto das funcoes polinomiais sobre (i.e.,com coeficientes em) K, de sorte que um elemento tıpico de K[x] e uma funcaof : K → K da forma

f(x) = anxn + an−1x

n−1 + · · ·+ a1x+ a0, (1.6)

para certos n ∈ Z+ e a0, a1, . . . , an ∈ K. Uma vez que a soma de duas funcoespolinomiais e o produto de uma funcao polinomial por um elemento de K aindasao funcoes polinomiais, concluımos que K[x] e fechado para as operacoes deespaco vetorial de F(K;K). Logo, K[x] e um subespaco vetorial de F(K;K).

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20 Notas de Algebra Linear

Exemplo 1.36. Dado um intervalo I ⊂ R, definimos C(I) como o conjuntodas funcoes contınuas f : I → R. Tambem, para k ∈ N, definimos Ck(I) comoo conjunto das funcoes f : I → R de classe Ck, i.e., funcoes que sao k vezesderivaveis em I, tais que f (k) : I → R (a k−esima funcao derivada de f) e umafuncao contınua. Como a soma de duas funcoes contınuas (resp. de classe Ck)f, g : I → R ainda e contınua (resp. de classe Ck), o mesmo sucedendo paraum multiplo de uma funcao contınua (resp. de classe Ck, concluımos que C(I)(resp. Ck(I)) e fechado para as operacoes de espaco vetorial de F(R;R). Assim,C(I) (resp. Ck(I)) e subespaco vetorial de F(R;R). De fato, convencionandodenotar C0(I) = C(I), temos Ck+1(I) ⊂ Ck(I) para todo k ∈ Z+, de sorte queCk+1(I) e um subespaco vetorial de Ck(I), para todo k ∈ Z+.

Exemplo 1.37. Sejam I ⊂ R um intervalo aberto e f1, f2, . . . , fn : I → R

funcoes contınuas dadas. O conjunto das funcoes em Cn(I) que resolvem aequacao diferencial ordinaria (abreviamos EDO)

y(n) + f1(x)y(n−1) + · · ·+ fn−1(x)y

′ + fn(x)y = 0

e um subespaco vetorial de Cn(I). Realmente, sendo S tal conjunto de solucoes,temos S 6= ∅, uma vez que a funcao identicamente nula com domınio I e umelemento de Cn(I) que resolve a EDO em questao; por outro lado, se y, y1, y2 ∈Cn(I) resolvem tal EDO e α ∈ R, entao as regras de derivacao garantem que

y1 + y2, αy ∈ Cn(I), com (y1 + y2)(k) = y

(k)1 + y

(k)2 e (αy)(k) = αy(k), para

0 ≤ k ≤ n. Portanto, pondo f0(x) = 1 para todo x ∈ I, temos

n∑

k=0

fk(x)(y1 + y2)(k) =

n∑

k=0

fk(x)(y(k)1 + y

(k)2 )

=

n∑

k=0

fk(x)y(k)1 +

n∑

k=0

fk(x)y(k)2 = 0

en∑

k=0

fk(x)(αy)(k) =

n∑

k=0

fk(x)αy(k) = α

n∑

k=0

fk(x)y(k) = 0,

de forma que y1+y2, αy ∈ S. Logo, S e nao vazio e fechado para as operacoes deespaco vetorial em Cn(I), de forma que se constitui em um subespaco vetorialde Cn(I).

Voltando ao desenvolvimento da teoria, precisaremos do resultado a seguir.Para o enunciado do mesmo, dado um conjunto nao vazio Λ, definimos umafamılia indexada por Λ como uma famılia5 {Xλ; λ ∈ Λ} de conjuntos, umpara cada λ ∈ Λ. Nesse caso, nos referimos a Λ como o conjunto de ındices

da famılia. Por exemplo, se Λ = N, entao {Xλ; λ ∈ Λ} = {X1, X2, X3, . . .}.5Em Teoria dos Conjuntos, uma famılia e um conjunto cujos elementos sao, eles mesmos,

conjuntos. Para os rudimentos de Teoria dos Conjuntos necessarios a leitura destas notas,sugerimos ao leitor a referencia [5].

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Proposicao 1.38. Seja {Wλ; λ ∈ Λ} uma famılia de subespacos de um espacovetorial V sobre K. Se W =

⋂λ∈Λ Wλ, entao W e um subespaco de V .

Prova. E suficiente provar que, se u, v ∈ W e α ∈ K, entao u+v, αu ∈ W . Paratanto, observe que, pela definicao de intersecao, u, v ∈ W implica u, v ∈ Wλ,para todo λ ∈ Λ. Entao, como Wλ e subespaco de V , segue que u+v, αu ∈ Wλ,para todo λ ∈ Λ. Logo, novamente pela definicao de intersecao, temos

u+ v, αu ∈⋂

λ∈Λ

Wλ = W.

Agora, temos a seguinte definicao importante.

Definicao 1.39. Sejam V um espaco vetorial sobre K e S um subconjunto deV . O subespaco de V gerado por S, denotado 〈S〉, e a intersecao de todosos subespacos de V que contem S.

A proposicao 1.38 garante que a definicao anterior tem sentido, uma vez quesempre ha pelo menos um subespaco de V que contem S, qual seja, o proprioV . Em particular, S ⊂ 〈S〉 e, como 〈S〉 e um subespaco, temos tambem que0 ∈ 〈S〉. Por outro lado, se S = ∅, entao todo subespaco de V contem {0} e {0}e um subespaco de V que contem S, de forma que 〈S〉 = {0}.

Ainda nas notacoes da definicao anterior, dado um subespaco W de V , di-zemos que S e um conjunto de geradores de W se W = 〈S〉.Exemplo 1.40. Seja A = (aij) ∈ M(m × n;K). O espaco das linhas de Ae o subespaco de Kn gerado pelos m vetores n−dimensionais (a11, a12, . . . , a1n),(a21, a22, . . . , a2n), . . . , (am1, am2, . . . , amn), os quais constituem as linhas deA. Analogamente, o espaco das colunas de A e o subespaco de Km ge-rado pelos n vetores m−dimensionais (a11, a21, . . . , am1), (a12, a22, . . . , am2),. . . , (a1n, a2n, . . . , amn), os quais constituem as colunas de A.

Exemplo 1.41. Se V e um espaco vetorial sobre K e W1, . . . ,Wn sao subespacosde V , a soma de W1, W2, . . . , Wn, denotada W1+W2+ · · ·+Wn, e o subespacode V gerado por S =

⋃n

i=1 Wi. Nao e difıcil verificar que

W1 +W2 + · · ·+Wn = {u1 + u2 + · · ·+ un; ui ∈ Wi, para 1 ≤ i ≤ n}. (1.7)

De fato, por um lado, dados u1 ∈ W1, . . . , un ∈ Wn, e claro que u1, u2, . . . , un ∈S. Mas, como 〈S〉 e subespaco de V , temos que u1 + u2 + · · ·+ un ∈ 〈S〉. Issogarante que o conjunto W , definido pelo segundo membro de (1.7), esta contidoem W1 + W2 + · · · + Wn. Por outro lado, nao e difıcil verificar que W e umsubespaco de V que contem S. Assim sendo, W e um dos subespacos de V cujaintersecao define W1 +W2 + · · ·+Wn, de forma que W1 +W2 + · · ·+Wn ⊂ W .Logo, nao resta outra possibilidade alem da igualdade em (1.7).

A fim de darmos uma descricao mais concreta do subespaco gerado por umsubconjunto, precisamos de mais uma definicao.

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22 Notas de Algebra Linear

Definicao 1.42. Se V e um espaco vetorial sobre K e S ⊂ V , uma com-

binacao linear de elementos de S e um vetor da forma∑n

i=1 αiui, para certosα1, . . . , αn ∈ K e u1, . . . , un ∈ S.

Proposicao 1.43. Se V e um espaco vetorial sobre K e S e um subconjuntonao vazio de V , entao 〈S〉 coincide com o conjunto das combinacoes lineares deelementos de S.

Prova. Seja W o conjunto das combinacoes lineares de elementos de S, de sorteque um elemento tıpico de W e um vetor u ∈ V da forma u =

∑n

i=1 αiui, paracertos α1, . . . , αn ∈ K e u1, . . . , un ∈ S. Como 〈S〉 e um subespaco de V eu1, . . . , un ∈ S, e imediato que u ∈ 〈S〉. Mas, como isso vale para todo u ∈ W ,concluımos que W ⊂ 〈S〉.

Reciprocamente, recorde que 〈S〉 e definido com a intersecao de todos ossubespacos de V que contem S. Portanto, para concluir que 〈S〉 ⊂ W , e sufici-ente mostrar que S ⊂ W e W e um subespaco de V . A primeira parte decorredo fato de que todo elemento u ∈ S e, trivialmente, uma combinacao linear deelementos de S, qual seja, u = 1u; portanto, u ∈ W . Para o que falta, dadosu, v ∈ W e α ∈ K, temos de mostrar que u+ v, αu ∈ W . Mas, se u =

∑n

i=1 αiui

e v =∑m

j=1 βjvj , com u1, . . . , un, v1, . . . , vm ∈ S e α1, . . . , αn, β1, . . . , βm ∈ K,entao

u+ v =

n∑

i=1

αiui +

m∑

j=1

βjvj e αu = α

n∑

i=1

αiui =

n∑

i=1

(ααi)ui,

de sorte que u + v e αu tambem sao combinacoes lineares de elementos de S.Logo, u+ v, αu ∈ W .

Exemplo 1.44. Em Rn, sejam e1, e2, . . . , en os vetores canonicos. A relacao(1.5), garante que todo u ∈ Rn e uma combinacao linear de e1, e2, . . . , en. Por-tanto, se S = {e1, e2, . . . , en}, a proposicao anterior garante que 〈S〉 = Rn.

Exercıcios – Secao 1.3

1. Verifique a validade de todas as afirmacoes enunciadas sem demonstracoesao longo dos exemplos desta secao.

Para o proximo exercıcio, seja dado f ∈ K[x] como em (1.6). Se an 6= 0,dizemos que f e uma funcao polinomial de grau n. Em particular, observeque nao definimos a nocao de grau para a funcao polinomial identicamentenula.

2. Para n ∈ N, seja Pn(K) = {f ∈ K[x]; f = 0 ou ∂f ≤ n}. Prove quePn(K) e um subespaco vetorial de K[x], gerado por S = {1, x, x2, . . . , xn}.

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Para o proximo exercıcio, dada uma matriz A = (aij) em M(m × n;K),definimos sua transposta como a matriz A⊤ = (a′ij) em M(n × m;K),tal que a′ij = aji, para todos 1 ≤ j ≤ m, 1 ≤ i ≤ n. Se m = n,denotamosM(n×n;K) simplesmente porM(n;K), e dizemos um elementode M(n;K) e uma matriz quadrada de ordem n sobre K. Ainda nessecaso, dizemos que A ∈ M((n;K) e simetrica se A⊤ = A.

3. Seja Sym(n;K) = {A ∈ M(n;K); A⊤ = A} o conjunto das matrizesquadradas de ordem n sobre K e simetricas. Prove que Sym(n;K) e umsubespaco vetorial de M(n;K).

4. Sejam V um espaco vetorial sobre K e S, T ⊂ V . Prove que:

(a) 〈〈S〉〉 = 〈S〉.(b) S ⊂ T ⇒ 〈S〉 ⊂ 〈T 〉.

5. Nas notacoes do exemplo 1.33, prove que S⊥ = 〈S〉⊥.

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24 Notas de Algebra Linear

1.4 Base e dimensao

A definicao a seguir e central para tudo o que segue.

Definicao 1.45. Seja V um espaco vetorial sobre K. Um subconjunto S deV e dito linearmente independente (abreviamos LI) sobre K se, para todosn ∈ N e todos u1, . . . , un ∈ S dois a dois distintos e α1, . . . , αn ∈ K, tivermosque

n∑

i=1

αiui = 0 ⇒ αi = 0, ∀ 1 ≤ i ≤ n.

Caso contrario, S e dito linearmente dependente (abreviamos LD) sobre K.

Nas notacoes da definicao anterior, se S ⊂ V e LD sobre K, entao existemcertos n ∈ N, u1, . . . , un ∈ S dois a dois distintos e α1, . . . , αn ∈ K nao todosnulos, tais que

∑n

i=1 αiui = 0. Ainda em relacao a definicao anterior, se S ={u1, . . . , un} e LI (resp. LD) sobre K, diremos, por vezes (e sempre que K

estiver subentendido), simplesmente que os vetores u1, . . . , un sao LI (resp. LD).Temos, tambem, as seguintes propriedades simples de conjuntos LI e LD:

(1) Se 0 ∈ S, entao S e LD: realmente, o axioma (f) da definicao de espacovetorial garante que α1 · 0 = 0, com α1 = 1.

(2) Se S e LD e S ⊂ T , com T ⊂ V , entao T tambem e LD: de fato, se∑k

i=1 αiui = 0, com α1, . . . , αk ∈ K e u1, . . . , uk ∈ S e nem todos os αi

iguais a 0, entao S ⊂ T ⇒ u1, . . . , uk ∈ T , e a mesma combinacao lineargarante que T e LD.

(3) Se T ⊂ V e LI e S ⊂ T , entao S tambem e LI: basta ver que essaafirmacao e a contraposicao6 da afirmacao do item (2), a qual ja sabemosser verdadeira.

No que segue, veremos alguns exemplos de conjuntos LI e LD.

Exemplo 1.46. Em R4, afirmamos que os vetores u1 = (1, 0, 2,−1), u2 =(0, 1,−3, 1), u3 = (2, 3,−5, 1) sao LD. Para tanto, e suficiente encontrar reaisα1, α2, α3, nao todos nulos e tais que α1u1 + α2u2 + α3u3 = 0. Mas, comoα1u1 + α2u2 + α3u3 = (α1 + 2α3, α2 + 3α3, 2α1 − 3α2 − 5α3,−α1 + α2 + α3),tal igualdade equivale ao problema de encontrar uma solucao nao identicamentenula para o sistema linear homogeneo

α1 + 2α3 = 0α2 + 3α3 = 02α1 − 3α2 − 5α3 = 0−α1 + α2 + α3 = 0

.

6Em Logica, a contraposicao de uma sentenca do tipo A ⇒ B e a sentenca (∼ B) ⇒

(∼ A), onde ∼ P denota a negacao da proposicao P . Prova-se que essas duas sentencassao equivalentes, no sentido de que uma e verdadeira se, e so se, a outra o for. Portanto,para demonstrar a validade de uma afirmacao do tipo A ⇒ B, basta provarmos a validadede sua contraposicao (∼ B) ⇒ (∼ A). Para maiores detalhes, sugerimos ao leitor consultar areferencia [5].

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Antonio Caminha M. Neto 25

Posteriormente, desenvolveremos um algoritmo geral para resolver sistemas li-neares homogeneos de maneira eficiente. Por ora, observe que as duas primeirasequacoes fornecem α1 = −2α3 e α2 = −3α3 e, com tais valores, as duas ultimasequacoes sao automaticamente satisfeitas. Portanto, fazendo α3 = 1, por exem-plo, obtemos α1 = −2 e α2 = −3 como uma solucao nao identicamente nula dosistema.

Para o que segue, introduzimos a notacao delta de Kronecker δij definindo

δij =

{1, se i = j0, se i 6= j

.

Conforme comprovaremos varias vezes ao longo destas notas, a vantagem ope-racional dessa notacao reside no fato de que, dados n ∈ N e numeros reaisα1, . . . , αn, temos

n∑

i=1

δijαi = αj .

Exemplo 1.47. Se u1, u2, . . . , uk ∈ Rn \ {0} sao vetores dois a dois ortogo-nais, entao u1, u2, . . . , um sao LI sobre R. Para verificar este fato, observeinicialmente que, para 1 ≤ i, j ≤ k, temos ui · uj = δij ||ui||2. Portanto, se

α1, . . . , αk ∈ R sao tais que∑k

i=1 αiui = 0, entao, fixado 1 ≤ j ≤ k, as propri-edades do produto escalar em Rn fornecem

0 =

(k∑

i=1

αiui

)· uj =

k∑

i=1

αiui · uj =k∑

i=1

δijαi||ui||2 = αj ||uj||2.

Mas, como ||uj ||2 > 0 (pois uj 6= 0), devemos ter αj = 0. Por fim, como oargumento acima e valido para todo 1 ≤ j ≤ k, segue que α1 = · · · = αk = 0, eos vetores u1, . . . , uk sao LI.

Exemplo 1.48. Como caso particular do exemplo anterior, se e1, . . . , en deno-tam os vetores canonicos de Rn, entao os vetores e1, . . . , en sao LI sobre R.

O proximo exemplo mostra que um conjunto LI pode ser infinito.

Exemplo 1.49. No espaco vetorial K[x] das funcoes polinomiais f : K → K,o conjunto S = {1, x, x2, x3, . . .} e LI sobre K. Para verificar a validade dessaafirmacao, tome n ∈ N e a0, a1, . . . , an ∈ K tais que

anxn + an−1x

n−1 + · · ·+ a1x+ a0 = 0,

onde 0, no segundo membro, denota a funcao identicamente nula de K em simesmo. Em ambos os casos K = R ou C, a igualdade acima significa que afuncao polinomial dada pelo primeiro membro possui uma quantidade infinitade raızes (quais sejam, todos os elementos de K). Conforme veremos posterior-mente, isso so e possıvel se an = an−1 = · · · = a1 = a0 = 0.

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26 Notas de Algebra Linear

De posse do conceito de conjunto LI, podemos enunciar a definicao a seguir,a qual e central para tudo o que segue.

Definicao 1.50. Seja V um espaco vetorial sobre K. Um subconjunto B de Ve uma base de V sobre K se as duas condicoes a seguir forem satisfeitas:

(a) B e LI sobre K.

(b) B e um conjunto de geradores para V .

Exemplo 1.51. Se e1, . . . , en denotam os vetores canonicos de Rn, ja vimosque B = {e1, . . . , en} e LI sobre R e gera Rn. Logo, B e uma base para Rn. Eum exercıcio simples mostrar que B tambem e uma base para Cn, visto comoespaco vetorial complexo. Em ambos esses casos, dizemos que B = {e1, . . . , en}e a base canonica de Kn sobre K. Observamos ainda que, conforme sera vistona proposicao 1.57, B nao e base de Cn, visto como espaco vetorial real.

Exemplo 1.52. Vimos, no exercıcio 2, pagina 22, que o conjunto Pn(K) dasfuncoes polinomiais f ∈ K[x] tais que f = 0 ou ∂f ≤ n e um subespaco vetorialde K[x], gerado por B = {1, x, x2, . . . , xn}. Por outro lado, mostramos, noexemplo 1.49, que B e LI sobre K. Portanto, de acordo com a definicao anterior,temos que B e uma base de Pn(K).

E possıvel provar que, se B1 e B2 sao bases (possivelmente infinitas) de ummesmo espaco vetorial V sobre K, entao existe uma bijecao f : B1 → B2; emparticular, B1 e finita se, e so se, B2 tambem o e.

Aqui, nosso interesse primordial sera no estudo de espacos vetoriais que pos-suem bases finitas. O estudo de espacos vetoriais com bases infinitas pertencemais propriamente ao ambito da Analise Funcional, e foge ao escopo destas no-tas. Contudo, sugerimos ao leitor a referencia [4] para uma introducao bastanteelementar as principais ideias e resultados da Analise Funcional.

Para espacos vetoriais V sobre K que possuem uma base finita, o teorema1.54 mostrara que todas as bases de V sobre K sao finitas e tem um mesmonumero de elementos, o que possibilitara, para tais espacos, a introducao doimportante conceito de dimensao. Antes, contudo, precisamos de um resultadopreliminar.

Lema 1.53. Sejam V um espaco vetorial sobre K e S um subconjunto de Vcom k elementos. Se S e LI, entao todo subconjunto de 〈S〉 com mais de kelementos e LD.

Prova. Pela propriedade (2), basta mostrarmos que, se T ⊂ 〈S〉 tem k + 1elementos, entao T e LD. Para tanto, facamos inducao sobre k ≥ 1.

Para k = 1, seja S = {u1} e T = {v1, v2} ⊂ 〈S〉. Entao, temos v1 = α1u1 ev2 = α2u1, para certos α1, α2 ∈ K, nao ambos nulos (pois, se fosse α1 = α2 = 0,o conjunto T teria somente um elemento). Entao, α2v1 + (−α1)v2 = 0, comα2 6= 0 ou −α1 6= 0, e segue que T e LD.

Por hipotese de inducao, suponha que, para um certo inteiro l ≥ 2, a pro-posicao seja valida quando k = l − 1. De outra forma, suponha que, se S ⊂ Vtem l − 1 elementos e e LI, entao todo T ⊂ 〈S〉 com l elementos e LD.

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Antonio Caminha M. Neto 27

Para o passo de inducao, tome S = {u1, . . . , ul}, um subconjunto LI de Vcom l elementos, e T = {v1, . . . , vl+1} ⊂ 〈S〉. Entao, para 1 ≤ j ≤ l+1, existem

escalares α1j , . . . , αlj ∈ K tais que vj =∑l

i=1 αijui. Para mostrarmos que T eLD, consideremos dois casos separadamente:

(i) α1j = 0, para 1 ≤ j ≤ l+1: entao, T ⊂ 〈{u2, . . . , ul}〉 e, como {u2, . . . , ul} ⊂S, a propriedade (3) garante que {u2, . . . , ul} ainda e LI. Mas, como {u2, . . . , ul}tem l− 1 elementos, segue da hipotese de inducao que T e LD.

(ii) α1j 6= 0, para algum 1 ≤ j ≤ l + 1: suponha que α11 6= 0 (os demais casospodem ser analisados de modo totalmente analogo). Entao,

vj −α1j

α11v1 =

l∑

i=1

αijui −α1j

α11

l∑

i=1

αi1ui =

l∑

i=1

(αij −

α1jαi1

α11

)ui

=

l∑

i=2

(αij −

α1jαi1

α11

)ui,

de sorte que

{v2 −

α12

α11v1, . . . , vl+1 −

α1,l+1

α11v1

}⊂ 〈{u2, . . . , ul}〉.

Agora, como no item (i), o conjunto {u2, . . . , ul} ainda e LI. Portanto, temospor hipotese de inducao que, na inclusao acima, o conjunto do primeiro membroe LD. Logo, existem reais β2, . . . , βl+1, nao todos nulos, tais que

β2

(v2 −

α12

α11v1

)+ · · ·+ βl+1

(vl+1 −

α1,l+1

α11v1

)= 0.

Agrupando os termos semelhantes, obtemos

l+1∑

j=2

βjα1j

α11

v1 + β2v2 + · · ·+ βl+1vl+1 = 0.

Na ultima igualdade acima, obtivemos o vetor nulo como uma combinacao li-near dos elementos de T . Como os escalares β2, . . . , βl+1 nao sao todos nulos,concluımos que T e LD.

Teorema 1.54. Seja V um espaco vetorial sobre K. Se V possui uma basefinita, com n elementos, entao:

(a) Toda base de V sobre K tem n elementos.

(b) Todo subconjunto de V LI sobre K pode ser completado em uma base.

(c) Todo subconjunto de V LI sobre K e com n elementos e uma base.

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28 Notas de Algebra Linear

Prova.

(a) Sejam S = {u1, . . . , uk} e T = {v1, . . . , vn} bases de V sobre K, de formaque T ⊂ V = 〈S〉. Como S e LI sobre K e |S| = k, o lema anterior garante quetodo subconjunto de 〈S〉 com mais de k elementos e LD sobre K. Mas, comoT ⊂ 〈S〉 e LI, concluımos que n = |T | ≤ k. Analogamente, trocando os papeisde S e T , concluımos que k ≤ n e, daı, que k = n.

(b) Seja S′ ⊂ V um subconjunto de V LI sobre K e T uma base de V comn elementos. Como S′ ⊂ V = 〈T 〉, apelando novamente para o lema anterior,concluımos que |S′| ≤ |T | = n.

Agora, fixe um subconjunto S1 de V LI sobre K, de forma que S1 ={u1, . . . , uk}, com k ≤ n.

Se 〈S1〉 = V , entao S1 e uma base de V , e nada mais havera a fazer. Se〈S1〉 6= V , tome uk+1 ∈ V \〈S1〉 e defina S2 = S1∪{uk+1} = {u1, . . . , uk, uk+1}.Afirmamos que S2 ainda e LI. Para tanto, sejam α1, . . . , αk, αk+1 ∈ K tais que

α1u1 + · · ·+ αkuk + αk+1uk+1 = 0.

Se αk+1 6= 0, entao

uk+1 = − α1

αk+1u1 − · · · − αk

αk+1∈ 〈S1〉,

o que contradiz a escolha de uk+1. Portanto, αk+1 = 0 e, daı,

α1u1 + · · ·+ αkuk = 0.

Mas, como S1 e LI sobre K, essa ultima igualdade fornece α1 = · · · = αk = 0, eS2 e LI sobre K.

Sendo LI sobre K, se 〈S2〉 = V , entao S2 sera uma base de V sobre K, enada mais havera a fazer. Se 〈S1〉 6= V , entao, argumentando como no paragrafoanterior, obtemos uk+2 ∈ V \ 〈S2〉 tal que S3 := S2 ∪ {uk+2} ainda e LI sobreK.

Prosseguindo desse modo, chegamos a uma das duas possibilidades a seguir:

(i) Obtemos uma cadeia finita de subconjuntos S1 ⊂ S2 ⊂ . . . ⊂ Sm de V ,todos LI sobre K e tais que 〈Sm〉 = V : entao, Sm sera uma base de Vcontendo S1.

(ii) Obtemos uma cadeia infinita de subconjuntos S1 ⊂ S2 ⊂ S3 ⊂ . . . deV , todos LI sobre K e tais que |Si+1| = |Si| + 1, para todo i ≥ 1: entao,|Si| = |S1|+(i−1), de forma que |Si| > n para um ındice i suficientementegrande. Mas isso contradiz o primeiro paragrafo da prova do item (b), oque garante que esse caso nunca ocorre.

(c) Seja S ⊂ V um subconjunto LI sobre K e com n elementos. Pelo item (b),existe uma base T de V tal que S ⊂ T . Pelo item (a), temos |T | = n. Portanto,n = |S| ≤ |T | = n, de forma que |S| = |T | = n. Mas, como S ⊂ T e |S| = |T |,a unica possibilidade e que seja S = T . Logo, S e uma base.

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Antonio Caminha M. Neto 29

Conforme mencionamos acima, o teorema anterior suscita a definicao a se-guir.

Definicao 1.55. Se um espaco vetorial V sobre K possui uma base com nelementos, diremos que n e a dimensao de V sobre K, e denotaremos n =dimK(V ). Se V nao tiver base finita, diremos que V tem dimensao infinitasobre K, e escreveremos dimK(K[x]) = +∞.

Exemplo 1.56. Segue dos exemplos 1.51 e 1.52 que

dimK(Kn) = n e dimK(Pn(K)) = n+ 1.

Por outro lado, segue do exemplo 1.49 e do exercıcio 3 que dimK(K[x]) = +∞.

Seja V um espaco vetorial complexo, com operacoes + : V × V → V e· : C × V → V . E imediato verificar (exercıcio!) que + e a restricao de · a R

tornam V um espaco vetorial real. A proposicao a seguir relaciona as dimensoesreal e complexa de V , e sua demonstracao mostra como construir uma base deV sobre R a partir de uma base de V sobre C.

Proposicao 1.57. Seja V um espaco vetorial complexo de dimensao (sobre C)finita. Entao, considerado como espaco vetorial real, V tambem tem dimensao(sobre R) finita. Mais precisamente,

dimR(V ) = 2 dimC(V ).

Prova. Se B = {u1, u2, . . . , un} e uma base de V sobre C, defina u′1 = u1,

u′2 = u2, . . . , u

′n = un, u

′n+1 = iu1, u

′n+2 = iu2, . . . , u

′2n = iun. Afirmamos que

B′ = {u′1, . . . , u

′n, u

′n+1, . . . , u

′2n} e uma base de V sobre R. Para tanto, temos

de mostrar que B′ e LI sobre R e gera V sobre R, assumindo que B e LI sobreC e gera V sobre C.

(i) B′ e LI sobre R: sejam a1, . . . , an, b1, . . . , bn ∈ R, tais que

a1u′1 + · · ·+ anu

′n + b1u

′n+1 + · · ·+ bnu

′2n = 0 (1.8)

Entao, a1u1 + · · · + anun + b1(iu1) + · · · + bn(iun) = 0 ou, ainda, (a1 +ib1)u1 + · · · + (an + ibn)un = 0. Mas, como B e LI sobre C, concluımos, apartir dessa ultima igualdade, que a1 + ib1 = · · · = an + ibn = 0. Logo,a1 = · · · = an = b1 = · · · = bn = 0, e segue que a combinacao linear do primeiromembro de (1.8) e trivial.

(ii) B′ gera V sobre R: seja dado u ∈ V . Como B gera V sobre C, existemz1, z2, . . . , zn ∈ C tais que u = z1u1+z2u2+ · · ·+znun. Para 1 ≤ j ≤ n, escrevazj = aj + ibj, com aj , bj ∈ R. Entao,

u = (a1 + ib1)u1 + (a2 + ib2)u2 + · · ·+ (an + ibn)un

= a1u1 + a2u2 + · · ·+ anun + b1(iu1) + b2(iu2) + · · ·+ bn(iun)

= a1u′1 + a2u

′2 + · · ·+ anu

′n + b1u

′n+1 + b2u

′n+2 + · · ·+ bnu

′2n.

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30 Notas de Algebra Linear

Logo, u e uma combinacao linear, com coeficientes reais, dos vetores de B′.Mas, como u ∈ V foi escolhido arbitrariamente, concluımos que B′ gera V sobreR.

Doravante, salvo mencao explıcita em contrario, todos os espacos vetoriaissob consideracao serao de dimensao finita sobre o corpo envolvido.

Exercıcios – Secao 1.4

1. Decida se S = {(1, 1, 1, 0), (0, 1, 1, 1), (1, 1, 0, 0), (1, 2, 3, 4)} e uma base deR4. Justifique sua resposta.

2. Em F(R;R), seja S = {eα1x, eα2x, eα3x, . . . , }, onde α1, α2, α3, . . . saonumeros reais dois a dois distintos. Mostre que S e LI. (Sugestao: se∑n

i=1 βieαix = 0, com β1, . . . , βn ∈ R, suponha, sem perda de generali-

dade, que α1 < α2 < · · · < αn. Entao, escreva∑n−1

i=1 βie(αi−αn)x+βn = 0

e faca x → +∞ para concluir que βn = 0. Em seguida, conclua analoga-mente que βn−1 = · · · = β1 = 0.)

3. Seja V um espaco vetorial sobre K. Se V possui um subconjunto LIinfinito, explique porque V nao possui dimensao finita.

4. Em Km, sejam u1 = (a11, a21, . . . , am1), u2 = (a12, a22, . . . , am2), . . . ,un = (a1n, a2n, . . . , amn). Mostre que {u1, u2, . . . , un} e LI sobre K se, eso se, o sistema linear homogeneo

a11x1 + a12x2 + · · ·+ a1nxn = 0a21x1 + a22x2 + · · ·+ a2nxn = 0· · · · · · · · ·am1x1 + am2x2 + · · ·+ amnxn = 0

,

nao possui solucao nao trivial (i.e., nao identicamente nula) em K. Apartir daı, conclua que, se n > m, entao tal sistema possui uma solucaonao trivial em K.

5. Se V e um espaco vetorial sobre K e S ⊂ V , prove que S e LI se, eso se, a seguinte condicao for satisfeita: todo u ∈ 〈S〉 pode ser escritocomo uma combinacao linear de elementos de S de uma unica maneira.Em sımbolos, prove que S e LI se, e so se, para todos u1, . . . , uk ∈ S eα1, . . . , αk, β1, . . . , βk ∈ K, temos que

k∑

i=1

αiui =k∑

i=1

βiui ⇒ αi = βi, ∀ 1 ≤ i ≤ k.

Page 35: Algebra Linear

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Apendice A

O Princıpio de Inducao

Este apendice discute as notacoes Σ e Π, para somatorios e produtorios, bemcomo a elaboracao de demonstracoes por inducao. Essas tres ferramentas saoutilizadas varias vezes nestas notas, de forma que sugerimos ao leitor assenhorar-se, o mais rapidamente possıvel, do material aqui discutido. Para alem do queapresentamos aqui sobre tais temas, sugerimos ao leitor a referencia [1].

A.1 Somatorios e produtorios

Nesta secao, revisamos as notacoes∑

(le-se sigma) para somas e∏

(le-se pi)para produtos, as quais se revelam muito uteis para estas notas.

Definicao A.1. Dada uma sequencia (ak)k≥1, escrevemos∑n

j=1 aj para deno-tar a soma a1 + a2 + · · ·+ an, e lemos o somatorio dos aj, para 1 ≤ j ≤ n.Assim,

n∑

j=1

aj =

{a1 , se n = 1a1 + a2 + · · ·+ an , se n > 1

.

Como caso particular da definicao acima, se (ak)k≥1 for uma sequencia cons-tante, digamos com ak = c para todo k ≥ 1, teremos claramente

n∑

j=1

aj =

n∑

j=1

c = nc.

Uma das utilidades da notacao∑

deve-se ao fato dela tornar facil a ma-nipulacao de somas com grande numero de parcelas, ainda mais quando cadaparcela for, ela mesma, uma soma. Por exemplo, dadas sequencias (ak)k≥1 e(bk)k≥1, a associatividade e a comutatividade da adicao de reais garantem que

(a1+a2+ · · ·+an)± (b1+ b2+ · · ·+ bn) = (a1± b1)+ (a2± b2)+ · · ·+(an± bn);

Page 36: Algebra Linear

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32 Notas de Algebra Linear

com o uso da notacao∑

, essa igualdade pode ser escrita de forma bem maiscompacta, como

n∑

j=1

aj ±n∑

j=1

bj =n∑

j=1

(aj ± bj). (A.1)

Por outro lado, dado c ∈ R, a distributividade da multiplicacao em relacao aadicao fornece

c(a1 + a2 + · · ·+ an) = ca1 + ca2 + · · ·+ can,

igualdade que se escreve, com a notacao∑

, como

cn∑

j=1

aj =n∑

j=1

caj. (A.2)

Em outras palavras, e possıvel partir um somatorio de somas em dois outrossomatorios, bem como por uma constante em evidencia em um somatorio.

Exemplo A.2. Calcule o valor da soma∑n

k=1(2k + 1) em funcao de n ∈ N.

Solucao. Aplicando as propriedades acima, obtemos

n∑

k=1

(2k + 1) =

n∑

k=1

2k +

n∑

k=1

1 = 2

n∑

k=1

k + n

= 2 · n(n+ 1)

2+ n = n2 + 2n,

onde a penultima igualdade segue da formula para a soma dos termos de umaPA finita.

A notacao∑

e particularmente util para fazermos cancelamentos em somas.Mais precisamente, dada uma sequencia (ak)k≥1, efetuando os cancelamentosintermediarios na soma

(a2 − a1) + (a3 − a2) + (a4 − a3) + · · ·+ (an−1 − an−2) + (an − an−1),

obtemos an − a1 como resultado. Com o uso da notacao∑

, podemos escrevera igualdade acima como

n−1∑

j=1

(aj+1 − aj) = an − a1. (A.3)

Uma formula equivalente (obtida da formula acima escrevendo n + 1 no lugarde n), que sera por vezes utilizada no lugar de (A.3), e

n∑

j=1

(aj+1 − aj) = an+1 − a1. (A.4)

Page 37: Algebra Linear

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Antonio Caminha M. Neto 33

Uma qualquer das formulas (A.3) ou (A.4) e conhecida como a formula parauma soma telescopica. A ideia por tras do nome e a seguinte: assim comoolhando num telescopio encurtamos a imensa distancia de um corpo celeste anossos olhos, a formula acima encurta o caminho entre uma soma inicial demuitas parcelas e o calculo do resultado da mesma.

A formula da soma telescopica e uma das principais vantagens da notacao∑. Vejamos dois exemplos.

Exemplo A.3. Deduza a formula para o termo geral de uma PA utilizando aformula da soma telescopica.

Solucao. Se a sequencia (ak)k≥1 e uma PA de razao r, entao (A.4) fornece

an − a1 =

n−1∑

j=1

(aj+1 − aj) =

n−1∑

j=1

r = (n− 1)r,

e segue que an = a1 + (n− 1)r.

Tambem podemos introduzir uma notacao bastante util para representarprodutos, conforme ensina a definicao a seguir.

Definicao A.4. Dada uma sequencia (ak)k≥1, escrevemos∏n

j=1 aj para deno-tar o produto a1a2 . . . an, e lemos o produtorio dos aj, para 1 ≤ j ≤ n.Assim,

n∏

j=1

aj =

{a1 , se n = 1a1a2 . . . an , se n > 1

.

Assim como com somatorios, a utilidade da notacao∏

reside no fato delacomutar formalmente com os sımbolos de multiplicacao e divisao. De fato, dadosum numero real c e sequencias (ak)k≥1 e (bk)k≥1, temos

(a1a2 · · · an)(b1b2 · · · bn) = (a1b1)(a2b2) · · · (anbn),a1a2 · · ·anb1b2 · · · bn

=a1b1

a2b2

· · · anbn

ecn(a1a2 · · · an) = (ca1)(ca2) · · · (can)

(a segunda igualdade acima desde que os bj sejam todos nao nulos). Escre-vendo ambos os membros dessas identidades usando produtorios, obtemos asigualdades

n∏

j=1

aj

n∏

j=1

bj

=

n∏

j=1

(ajbj),

∏n

j=1 aj∏n

j=1 bj=

n∏

j=1

ajbj

e cnn∏

j=1

aj =

n∏

j=1

(caj).

Analogamente ao caso de somatorios, a notacao∏

e particularmente utilpara a realizacao de cancelamentos em produtos, de acordo com a formula paraprodutos telescopicos, colecionada na seguinte

Page 38: Algebra Linear

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34 Notas de Algebra Linear

Proposicao A.5. Se (ak)k≥1 e uma sequencia de reais nao nulos, entao

n∏

j=1

aj+1

aj=

an+1

a1. (A.5)

Prova. Como com somas telecopicas, basta observarmos que os fatores inter-mediarios do produto do primeiro membro acima se cancelam. Em sımbolos,

n∏

j=1

aj+1

aj=

a2a1

· a3a2

· a4a3

· · · anan−1

· an+1

an=

an+1

a1.

Exemplo A.6. Para simplificar∏n

k=1

(2 + 2

k

), observe inicialmente que

n∏

k=1

2

(1 +

1

k

)=

(n∏

k=1

2

n∏

k=1

(1 +

1

k

)= 2n

n∏

k=1

(k + 1

k

).

Agora, definindo a sequencia (ak)k≥1 por ak = k, segue de (A.5) que

n∏

k=1

(2 +

2

k

)= 2n

n∏

k=1

(ak+1

ak

)= 2n · an+1

a1= 2n(n+ 1).

Exercıcios

1. Seja (ak)k≥1 a sequencia definida por a1 = 1 e an+1 = an + 3n − 1 paratodo inteiro positivo n. Calcule, em funcao de n, o n−esimo termo dessasequencia.

2. A sequencia (an)n≥1 e dada por a1 = 1 e an+1 = an + 8n para n ≥ 1.Calcule an em funcao de n.

3. Calcule, em funcao de n ∈ N, o valor da soma∑n

k=21

(k−1)k .

4. Dado n > 1 natural, calcule em funcao de n o valor de∏n

k=2

(1− 1

k2

).

A.2 Inducao finita

Varias sao as maneiras de demonstrarmos uma proposicao. Podemos fazer umaprova direta ou uma prova por contradicao, por exemplo. O princıpio de inducaosera, para nos, mais uma ferramenta para demonstracoes, ademais muito util.

Para entender como ele funciona, considere um conjunto A ⊂ N tal que1 ∈ A. Suponha ainda que saibamos que toda vez que um certo natural k estiver

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Antonio Caminha M. Neto 35

em A, entao k+1 tambem esta em A. Entao, 1 ∈ A assegura que 2 ∈ A. Por suavez, 2 ∈ A nos permite concluir que 3 ∈ A. Assim por diante, concluımos queA contem todos os naturais, ou seja, A = N. A discussao intuitiva acima podeser formalizada no seguinte axioma de inducao, tambem conhecido como oprimeiro princıpio de inducao.

Axioma A.7. Seja A ⊂ N um conjunto satisfazendo as seguintes condicoes:

(a) 1 ∈ A.

(b) Se k ∈ A, entao k + 1 ∈ A.

Entao, A = N.

Uma pergunta natural nesse momento seria: como aplicar o princıpio deinducao para demonstrar algo em Matematica? Para responder esta pergunta,suponhamos dada uma propriedade P (n) do natural n, a qual queremos provarser verdadeira para todo n ∈ N. Definimos um conjunto A pondo

A = {k ∈ N; P (k) e verdadeira}

e observamos que

A = N ⇔ (P (n) e verdadeira para todo n ∈ N).

Assim, a fim de mostrarmos que P (n) e verdadeira para todo n ∈ N, bastamostrarmos que A = N, ou ainda, pelo primeiro princıpio de inducao, que

• 1 ∈ A;

• k ∈ A ⇒ k + 1 ∈ A.

Por sua vez, a definicao de A garante que mostrar os dois itens acima e o mesmoque mostrar que

• P (1) e verdadeira;

• P (k) verdadeira ⇒ P (k + 1) verdadeira.

A discussao acima pode ser resumida na seguinte receita para demonstra-

cao por inducao.

Proposicao A.8. Dada uma propriedade P (n) do natural n, temos P (n) ver-dadeira para todo n ∈ N se, e so se, as duas condicoes a seguir forem satisfeitas:

(a) P (1) e verdadeira;

(b) P (k) verdadeira ⇒ P (k + 1) verdadeira.

Para entender na pratica como funciona uma demonstracao por inducao,vejamos os dois exemplos a seguir.

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36 Notas de Algebra Linear

Exemplo A.9. Para cada n ∈ N, a soma dos n primeiros naturais ımpares eigual a n2.

Prova. Como o k−esimo natural ımpar e o numero 2k− 1, a propriedade P (n)e, nesse caso,

P (n) :

n∑

j=1

(2j − 1) = n2.

Para fazer uma demonstracao por inducao, temos de verificar que:

i. P (1) e verdadeira.

ii. P (k) verdadeira ⇒ P (k + 1) verdadeira.

A verificacao de i. e imediata: o primeiro natural ımpar e 1, o mesmo que12. Para provarmos ii., supomos que P (k) e verdadeira, i.e., que

1 + 3 + · · ·+ (2k − 1) = k2

e queremos deduzir que P (k + 1) tambem e verdadeira, i.e., que

1 + 3 + · · ·+ (2k − 1) + (2(k + 1)− 1) = (k + 1)2.

Mas, uma vez que estamos supondo a validez de P (k), segue que

1 + 3 + · · ·+ (2k − 1) + (2k + 1) = k2 + (2k + 1) = (k + 1)2.

Portanto, por inducao, P (n) e verdadeira para todo n ∈ N.

Exemplo A.10. Para cada n ∈ N, a soma dos n primeiros quadrados perfeitose igual a

1

6n(n+ 1)(2n+ 1).

Prova. Como o k−esimo quadrado perfeito e o numero k2, a propriedade P (n)e, nesse caso,

P (n) :

n∑

j=1

j2 =1

6n(n+ 1)(2n+ 1).

Como antes, para fazer uma demonstracao por inducao temos de verificar que:

i. P (1) e verdadeira.

ii. P (k) verdadeira ⇒ P (k + 1) verdadeira.

Verificar i. e novamente imediato: 12 = 1(1+1)(2·1+1)6 . Para verificar ii.

supomos que P (k) e verdadeira, i.e., supomos que

k∑

j=1

j2 =1

6k(k + 1)(2k + 1),

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Antonio Caminha M. Neto 37

e queremos deduzir que P (k + 1) tambem e verdadeira, i.e., que

k+1∑

j=1

j2 =1

6(k + 1)[(k + 1) + 1][2(k + 1) + 1].

Como estamos supondo a validez de P (k), podemos verificar a igualdade acimado seguinte modo:

k+1∑

j=1

j2 =

k∑

j=1

j2 + (k + 1)2 =1

6k(k + 1)(2k + 1) + (k + 1)2

=1

6(k + 1)[k(2k + 1) + 6(k + 1)] =

1

6(k + 1)(k + 2)(2k + 3).

Portanto, por inducao P (n) e verdadeira para todo n ∈ N.

Uma forma ligeiramente mais geral do primeiro princıpio de inducao podeser enunciada como abaixo.

Axioma A.11. Sejam a ∈ N e A ⊂ {a, a+1, a+2, . . .} um conjunto satisfazendoas seguintes condicoes:

(a) a ∈ A.

(b) Se k ∈ A, entao k + 1 ∈ A.

Entao, A = {a, a+ 1, a+ 2, . . .}.

Essa variante do princıpio de inducao da mais versatilidade a sua aplicacaocomo metodo de demonstracao. Mais uma vez, suponhamos dada uma proprie-dade P (n) do natural n, a qual queremos demonstrar ser verdadeira para todonatural a partir de um certo a (ou seja, para todo natural n ≥ a). Para issodefinimos o conjunto

A = {k ∈ N; P (k) e verdadeira}

e observamos que

A = {a, a+ 1, a+ 2, . . .}m

P (n) e verdadeira para todo n ≥ a natural.

Obtemos, assim, a seguinte variante mais geral da receita de demonstracaopor inducao.

Proposicao A.12. Dados a ∈ N e uma propriedade P (n) do natural n, temosP (n) verdadeira para todo natural n ≥ a, se, e so se, as duas condicoes a seguirforem satisfeitas:

(a) P (a) e verdadeira;

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38 Notas de Algebra Linear

(b) P (k) verdadeira ⇒ P (k + 1) verdadeira.

Essa forma mais geral de demonstracao por inducao e, por vezes, realmentenecessaria, e o proximo exemplo ilustra esse ponto. Para o enunciado do mesmo,para n ∈ N denotamos por n! (le-se n fatorial) o produto de todos os inteirosde 1 ate n; assim, 1! = 1, 2! = 2, 3! = 6, 4! = 24 etc.

Exemplo A.13. Para todo natural n ≥ 4, temos n! > 2n.

Prova. Observe primeiro que temos realmente de comecar com pelo menosn = 4, pois a desigualdade nao e valida para n = 1, 2, 3. A propriedade P (n)que desejamos provar e:

P (n) : n! > 2n.

Para uma demonstracao da mesma por inducao, temos de provar que P (4)e verdadeira e que P (k) verdadeira ⇒ P (k+1) verdadeira. A validade de P (4)segue de 4! = 24 > 16 = 24. Suponhamos agora que P (k) e verdadeira para umcerto k ∈ N, ou seja, que

k! > 2k.

Queremos deduzir a veracidade de P (k+1), i.e., que (k+1)! > 2k+1. Para issoveja que, pela veracidade de P (k), temos

(k + 1)! = (k + 1) · k! > (k + 1) · 2k;

por outro lado, segue de k ≥ 4 que

(k + 1) · 2k ≥ 2k+1

(na verdade, essa ultima desigualdade vale para todo inteiro k ≥ 1). Portanto,combinando as duas ultimas desigualdades acima, obtemos que (k+1)! > 2k+1,i.e., que P (k+ 1) e verdadeira. Logo, por inducao P (n) e verdadeira para todointeiro n ≥ 4.

Antes de apresentar outro exemplo, facamos uma pequena observacao quantoa terminologia: numa demonstracao por inducao, o passo P (k) ⇒ P (k + 1) e,em geral, denominado passo de inducao. Para executa-lo, supomos que P (k)e verdadeiro (o que constitui nossa hipotese de inducao) e, entao, deduzimosque P (k + 1) tambem e verdadeiro. Assim, uma prova por inducao nos moldesda proposicao A.12 pode ser resumida do seguinte modo:

• identificacao da propriedade P (n) a ser provada;

• caso inicial: verificacao da validade de P (a);

• hipotese de inducao: suposicao da validade de P (k).

• passo de inducao: deducao da validade de P (k + 1) usando a hipotese deinducao.

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Antonio Caminha M. Neto 39

Uma vez que a propriedade P (n) esta, em geral, bastante clara no enunciadode cada problema, uma prova por inducao utiliza, via de regra, os ultimos tresitens do esquema acima, nao se fazendo mencao explıcita a P (k) ou ao passoP (k) ⇒ P (k + 1).

Ha, ainda, uma outra forma importante de inducao, o segundo princıpio

de inducao (tambem chamado princıpio de inducao forte), que passamosa descrever agora.

Axioma A.14. Seja A ⊂ N um conjunto satisfazendo as seguintes condicoes:

(a) 1 ∈ A.

(b) Se {1, . . . , k} ⊂ A entao k + 1 ∈ A.

Entao, A = N.

Neste ponto, o uso do segundo princıpio de inducao em demonstracoes deveestar claro para o leitor. Vejamos mais dois exemplos, a guisa de ilustracao.

Exemplo A.15. Seja x um real nao nulo tal que x + x−1 ∈ Z. Prove quexn + x−n ∈ Z, para todo inteiro n.

Prova. Para n ∈ Z, seja an = xn + x−n. Mostremos primeiro, por inducao,que an ∈ Z para todo n ∈ N. A hipotese do problema fornece a1 ∈ Z. Entao,

a2 = x2 +1

x2=

(x+

1

x

)2

− 2 = a21 − 2 ∈ Z.

Agora, suponha, por hipotese de inducao (forte!), que a1, a2, . . . , ak ∈ Z paraum certo k ≥ 2. Entao,

ak+1 = xk+1 +1

xk+1

=

(xk +

1

xk

)(x+

1

x

)−(xk−1 +

1

xk−1

)

= aka1 − ak−1,

o qual e inteiro por hipotese de inducao. Portanto, pelo segundo princıpio deinducao, segue que an ∈ Z para todo n ∈ N.

Para concluir, basta ver que a0 = 2 e, se n < 0 e inteiro, entao an = a−n, oqual ja provamos ser um inteiro. Assim, an ∈ Z para todo n ∈ Z.

Exemplo A.16. Mostre que, para todo n ∈ N, o numero (7+4√3)n+(7−4

√3)n

e um inteiro positivo e par.

Prova. Se u = 7+4√3 e v = 7− 4

√3, entao u+ v = 14 e uv = 1. Segue, pois,

que u e v sao as raızes da equacao de segundo grau x2 − 14x+1 = 0. Segue daıque u2 = 14u− 1 e v2 = 14v − 1, de modo que, para todo k ≥ 2 inteiro,

uk = 14uk−1 − uk−2 e vk = 14vk−1 − vk−2.

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40 Notas de Algebra Linear

Sendo sj = uj+vj e somando as duas relacoes acima, obtemos, para todo inteirok ≥ 2, que

sk = 14sk−1 − sk−2.

Agora, s0 = 2 e s1 = u+v = 14 sao inteiros. Suponha, por hipotese de inducao,que sk ∈ Z para todo 1 ≤ k < n. Entao, a recorrencia acima fornece

sn = 14sn−1 − sn−2,

donde concluımos que sn ∈ Z, por ser a soma de dois numeros inteiros.Para o que falta, note que u, v > 0 garante que sn = un+ vn e positivo para

todo n. Por fim, a recorrencia para a sequencia (sk)k≥1 tambem garante que ske sk−2 tem mesma paridade (i.e., ou sao ambos pares ou ambos ımpares). Mas,uma vez que s0 e s1 sao ambos pares, segue novamente por inducao que sn epar para todo n natural.

Exercıcios

1. Prove por inducao que a soma dos n primeiros naturais e igual a n(n+1)2 .

2. Prove que, para n ∈ N, temos 13 + 23 + · · ·+ n3 =(

n(n+1)2

)2.

3. Mostre que, para cada inteiro n > 1, temos

1 · 2 + 2 · 3 + · · ·+ (n− 1)n =1

3(n− 1)n(n+ 1).

4. Mostre que, para cada inteiro n > 1, temos

12 + 32 + 52 + · · ·+ (2n− 1)2 =1

6(2n− 1)2n(2n+ 1).

5. A sequencia (an)n≥1 de reais e definida por a1 = 2 e, para n ≥ 1 inteiro,an+1 = a2n − an + 1. Prove que, para todo inteiro n ≥ 1, temos:

(a) an+1 = 1 + a1 . . . an.

(b)∑n

k=11ak

= 2− 1a1a2...an

.

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Apendice B

Numeros Complexos

E um fato obvio que o conjunto dos numeros reais resulta pequeno demais parauma descricao completa das raızes de funcoes polinomiais reais; por exemplo, afuncao x 7→ x2 + 1, x ∈ R, nao possui raızes reais. Historicamente, afirmacoessimples como essa motivaram o desenvolvimento dos numeros complexos, coro-ado pela demonstracao, por Gauss1, do famoso teorema fundamental da algebra,sobre raızes complexas de funcoes polinomiais com coeficientes complexos.

Neste apendice, construımos o conjunto dos numeros complexos e discutimossuas propriedades mais elementares. Para alem do que faremos aqui, sugerimosao leitor a referencia [3].

B.1 Definicao e propriedades elementares

Em geral, pensamos no conjunto R dos numeros reais como uma reta numerada:temos uma reta qualquer (entidade geometrica) disposta horizontalmente, naqual marcamos um ponto (correspondente ao zero). A partir daı, escolhemosum comprimento padrao (que correspondera a unidade) e duas regras distintaspara operar dois pontos da reta (denominadas adicao e multiplicacao de numerosreais), de modo a obter um terceiro ponto como resultado. Entao, chamamosos pontos da reta de numeros e verificamos que as operacoes definidas gozamde varias propriedades uteis: comutatividade, associatividade etc.

A discussao acima suscita a seguinte pergunta natural: haveria alguma formade introduzir operacoes com propriedades uteis para os pontos de um plano?Mais precisamente, se considerarmos a reta real como o eixo horizontal de umplano cartesiano, haveria um modo de definirmos operacoes com os pontos desseplano, generalizando as operacoes com os pontos da reta real? A resposta e sime o conjunto resultante, que passamos a descrever, e o conjunto dos numeroscomplexos.

1Apos J. F. C. Gauss, matematico alemao do seculo XIX.

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42 Notas de Algebra Linear

Considere o plano cartesiano, visto como o conjunto R× R dos pares orde-nados (a, b) de numeros reais. Defina em tal plano as operacoes ⊕ e ⊙ por

(a, b)⊕ (c, d) = (a+ c, b+ d), (a, b)⊙ (c, d) = (ac− bd, ad+ bc), (B.1)

onde + e · denotam a adicao e a multiplicacao usuais de numeros reais.Podemos verificar sem dificuldade que ⊕ e ⊙ sao operacoes associativas

e comutativas e que ⊙ e distributiva em relacao a ⊕, i.e., que, para todosa, b, c, d, e, f ∈ R, valem as seguintes propriedades:

i. Associatividade de ⊕ e⊗: (a, b)⊕((c, d)⊕(e, f)) = ((a, b)⊕(c, d))⊕(e, f)e (a, b)⊙ ((c, d) ⊙ (e, f)) = ((a, b)⊙ (c, d)) ⊙ (e, f).

ii. Comutatividade de ⊕ e ⊗: (a, b)⊕(c, d) = (c, d)⊕(a, b) e (a, b)⊙(c, d) =(c, d) ⊙ (a, b).

iii. Distributividade de ⊗ em relacao a ⊕: (a, b)⊙((c, d)⊕(e, f)) = ((a, b)⊙(c, d)) ⊕ ((a, b)⊙ (e, f)).

Tambem e imediato verificar que (0, 0) e (1, 0) sao, respectivamente, os elemen-

tos neutros de ⊕ e ⊙, i.e., que

(a, b)⊕ (0, 0) = (a, b) e (a, b)⊙ (1, 0) = (a, b),

para todos a, b ∈ R. Podemos ainda checar (faca isto!) que vale a seguinte lei

de cancelamento para ⊙:

(a, b)⊙ (c, d) = (0, 0) ⇒ (a, b) = (0, 0) ou (c, d) = (0, 0).

Considere, agora, nossa reta real como sendo o eixo das abscissas, o queequivale a identificar cada real x com o ponto (x, 0). Temos, entao, que ver seessa identificacao e boa, no sentido de os resultados das operacoes ⊕ e ⊙ coin-cidirem com os correspondentes das operacoes usuais de adicao e multiplicacaode numeros reais. Isto se resume a verificarmos se

(x, 0)⊕ (y, 0) = (x+ y, 0) e (x, 0)⊙ (y, 0) = (xy, 0), (B.2)

o que e imediato fazer.Em palavras, as expressoes acima dizem que, ao identificarmos os numeros

reais com os pontos do eixo das abscissas e executarmos as operacoes ⊕ e ⊙acima definidas, obtemos os mesmos resultados que obterıamos se, primeiro,executassemos as operacoes usuais de adicao e multiplicacao com os numerosreais e, so entao, identificassemos os resultados assim obtidos com os pontos doeixo das abscissas.

Portanto, podemos considerar R, com suas operacoes usuais de adicao emultiplicacao, como um subconjunto de R × R com as operacoes ⊕ e ⊙, defi-nidas como em (B.1), e tambem chamar os pontos do plano de numeros, maisprecisamente de numeros complexos. Denotamos o conjunto dos numeroscomplexos por C.

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Antonio Caminha M. Neto 43

No que segue, vamos obter um modo mais comodo de representar os numeroscomplexos e suas operacoes. Para tanto, denotaremos doravante por i o elemento(0, 1) do conjunto dos complexos e o denominaremos a unidade imaginaria2.Denotando por ≈ nossa identificacao dos pontos do eixo das abscissas com osnumeros reais e levando em conta a definicao de ⊙, somos forcados a concluirque

i2 = (0, 1)⊙ (0, 1) = (0 · 0− 1 · 1, 0 · 1 + 1 · 0) = (−1, 0) ≈ −1. (B.3)

Veja, ainda, que

(a, b) = (a, 0)⊕ (0, b) = (a, 0)⊕ ((b, 0)⊙ (0, 1)) ≈ a+ bi. (B.4)

Doravante, denotaremos as operacoes ⊕ e ⊙ simplesmente por + e ·, e escre-veremos a + bi para denotar o numero complexo (a, b), nao mais utilizandoidentificacoes. Segue, a partir de (B.4), que

a+ bi = 0 ⇔ (a, b) = (0, 0) ⇔ a = b = 0.

Por outro lado, veja que, de acordo com a discussao acima, no conjunto C dosnumeros complexos a equacao

x2 + 1 = 0

tem o numero i por raiz. Conforme antecipamos na introducao a este apendice,nesse fato reside a importancia dos numeros complexos.

Uma boa justificativa para podermos escrever (a, b) ∈ C como a + bi e quepodemos operar com os complexos escritos na forma a + bi como fazemos comnumeros reais, lembrando que i2 = −1: os calculos feitos desse modo levam aosmesmos resultados que os calculos feitos usando diretamente as definicoes dasoperacoes + e · de C. Senao, vejamos:

• Calculo de (a, b)+(c, d): por definicao, temos (a, b)+(c, d) = (a+c, b+d).Por outro lado, operando como usualmente fazemos com numeros reais,obtemos

(a+ bi) + (c+ di) = (a+ c) + (b+ d)i.

Mas, como estamos escrevendo (a+ c, b + d) = (a + c) + (b + d)i, os doisresultados coincidem.

• Calculo de (a, b)·(c, d): por definicao, temos (a, b)·(c, d) = (ac−bd, ad+bc).Operando novamente como com numeros reais, temos

(a+ bi)(c+ di) = ac+ adi+ bci+ bdi2 = (ac− bd) + (ad+ bc)i,

uma vez que i2 = −1. Mas, como estamos escrevendo (ac− bd, ad+ bc) =(ac− bd) + (ad+ bc)i, os resultados novamente coincidem.

2As nomenclaturas imaginaria e complexos tem origens historicas. Mais precisamente,quando os primeiros matematicos comecaram a utilizar numeros complexos, ainda sem umadefinicao precisa do que tais numeros seriam, chamaram-nos complexos ou imaginarios exa-tamente pela estranheza que causara cogitar-se a existencia de “numeros” cujos quadradospudessem ser negativos.

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44 Notas de Algebra Linear

Levando em consideracao as identificacoes feitas acima, podemos escreverR ⊂ C, vendo x ∈ R como x+0i ∈ C. Ademais, por analogia com as operacoesde adicao e multiplicacao dos reais, tambem denominaremos as operacoes + e ·sobre complexos de adicao e multiplicacao, respectivamente.

Prosseguindo nosso estudo, vamos introduzir em C outras duas operacoes,semelhantes a subtracao e a divisao de numeros reais.

Dados z, w ∈ C, subtrair w de z significa obter um complexo z − w (adiferenca entre z e w) tal que z = (z −w) +w. Sendo z = a+ bi e w = c+ di eoperando como com numeros reais, ve-se facilmente que

z − w = (a+ bi)− (c+ di) = (a− c) + (b− d)i.

Assim, sendo z = a+ bi e w = c+ di, o numero complexo z − w, definido por

z − w = (a− c) + (b − d)i, (B.5)

e denominado a diferenca entre z e w.Para z, w ∈ C, com w 6= 0, dividir z por w significa obter um numero

complexo z/w (o quociente entre z e w), tal que z = (z/w) ·w. Sendo z = a+ bie w = c + di e operando como quando fazemos racionalizacoes com numerosreais, obtemos imediatamente

z

w=

a+ bi

c+ di=

(a+ bi)(c− di)

(c+ di)(c− di)

=(ac+ bd) + (bc− ad)i

c2 + d2

=ac+ bd

c2 + d2+

bc− ad

c2 + d2i.

Sendo z = a + bi e w = c + di, com w 6= 0, o numero complexo z/w, definidopor

z

w=

ac+ bd

c2 + d2+

bc− ad

c2 + d2i, (B.6)

e o quociente entre z e w.Examinando o caso particular da divisao de 1 por um numero complexo

nao nulo, concluımos que todo complexo z 6= 0 possui inverso em relacao amultiplicacao. Sendo z = a + ib 6= 0, segue de (B.6) que tal inverso, o qualdenotaremos z−1 ou 1/z, e dado por

z−1 =a

a2 + b2− b

a2 + b2i.

Lembre-se de que nao precisamos nos preocupar em decorar as formulas acima.E so operar como quando operamos com numeros reais.

A fim de simplificar muitos de nossos calculos posteriores, introduzimos,agora, a seguinte notacao: para z = a + bi ∈ C, denotamos por z o complexoz = a− bi e o denominamos o conjugado de z. Em particular, temos z = z.

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Antonio Caminha M. Neto 45

Observe ainda que, ao multiplicar z por z, obtemos como resultado o numeroreal a2 + b2:

z · z = (a+ bi)(a− bi) = a2 − (bi)2 = a2 + b2.

Denotamos |z| =√a2 + b2 e denominamos |z| o modulo de z. Quando z ∈ R, e

imediato que a nocao de modulo de um numero complexo, definida como acima,coincide com a nocao usual de modulo de um numero real. Note tambem que,em resumo,

z = a+ bi ⇒ |z|2 = zz = a2 + b2. (B.7)

Olhando os pontos do plano Cartesiano como o conjunto C dos complexos,obtemos uma representacao geometrica de C conhecida como o plano com-

plexo3.

Re

Im

z

z

b

−b

a

0

Figura B.1: conjugacao de numeros complexos.

Os eixos horizontal e vertical do plano complexo sao denominados, respecti-vamente, eixos real e imaginario. O eixo real e formado pelos numeros com-plexos reais (i.e., os pares ordenados (x, 0) ≈ x), ao passo que o eixo imaginarioe formado pelos numeros complexos da forma yi, onde y ∈ R (i.e., os paresordenados (0, y) = (y, 0) · (0, 1) ≈ yi); tais numeros complexos sao denominadosimaginarios puros.

Ainda em relacao ao plano complexo, sendo z = a + bi = (a, b), segue dez = a− bi que z e z sao simetricos em relacao ao eixo real (cf. figura B.1). Poroutro lado, os numeros reais a e b sao respectivamente denominados a parte

real e a parte imaginaria de z, e denotados

a = Re(z), b = Im(z).

3tambem chamado plano de Argand-Gauss, em homenagem aos matematicos Jean-RobertArgand e Johann Carl Friedrich Gauss.

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46 Notas de Algebra Linear

E, agora, claro que

Re(z) =z + z

2e Im(z) =

z − z

2i. (B.8)

O resultado a seguir traz mais algumas propriedades uteis dos numeros com-plexos. Para o enunciado do mesmo, observamos que a associatividade da mul-tiplicacao de numeros complexos garante a boa definicao de zn, para z ∈ C en ∈ N, como z1 = z e

zn = z · . . . · z︸ ︷︷ ︸n vezes

,

para n > 1. Tal definicao pode ser facilmente estendida a expoentes inteiros n,pondo, para z ∈ C \ {0}, z0 = 1 e

zn = (z−n)−1 =1

z−n,

para n < 0 inteiro. Entao, uma facil inducao permite mostrar que as regrasusuais de potenciacao continuam validas, a saber, que

(zm)n = zmn e (zw)n = znwn, (B.9)

para todos z, w ∈ C \ {0} e m,n ∈ Z.Podemos, finalmente, enunciar e provar o resultado desejado.

Lema B.1. Se z e w sao complexos nao nulos quaisquer, entao:

(a) z ∈ R ⇔ Re(z) = 0 ⇔ z = z.

(b) z + w = z + w, zw = z · w e z/w = z/w.

(c) zn = (z)n, para todo n ∈ Z.

(d) |z| = 1 ⇔ z = 1/z.

Prova.

(a) Seja z = a+ bi. Temos z ∈ R ⇔ b = 0 ⇔ a+ bi = a− bi ⇔ z = z.

(b) Sendo z = a+ bi e w = c+ di, temos

z + w = (a− bi) + (c− di) = (a+ c)− (b+ d)i = z + w

e

zw = (ac− bd) + (ad+ bc)i

= (ac− bd)− (ad+ bc)i

= (a− bi)(c− di) = z · w.

A partir daı, vem z/w · w = z/w · w = z, de maneira que z/w = z/w.

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Antonio Caminha M. Neto 47

(c) Para n = 0 o resultado e imediato e, para n ∈ N, segue facilmente de (b),por inducao. Para n < 0 inteiro, observe inicialmente que, pelo item (b), temos1 = 1 = zz−1 = z · z−1, de sorte que z−1 = (z)−1; portanto, pondo u = z−1, aprimeira parte acima, juntamente com (B.9), fornece

zn = u−n = (u)−n = ((z)−1)−n = (z)(−1)(−n) = (z)n.

(d) Uma vez que (cf. (B.7)) z · z = |z|2, concluımos que |z| = 1 ⇔ z · z = 1 ⇔z = 1/z.

Exemplo B.2. Se z e w sao numeros complexos de modulo 1 e tais que zw 6=−1, mostre que z+w

1+zwe um numero real.

Prova. Se a = z+w1+zw

, basta mostrarmos que a = a. Para tanto, note que, pelolema anterior, temos

a =z + w

1 + zw=

z + w

1 + z · w =z−1 + w−1

1 + z−1w−1=

w + z

zw + 1= a.

Nosso proximo resultado da uma interpretacao geometrica bastante util domodulo da diferenca de dois numeros complexos.

Proposicao B.3. Dados z, w ∈ C, o numero real |z−w| e igual a distancia eu-clidiana de z a w no plano cartesiano subjacente ao plano complexo em questao.

Prova. Se z = a+ bi, w = c+ di, entao

|z − w| = |(a− c) + (b− d)i| =√(a− c)2 + (b− d)2.

Por outro lado (cf. figura B.2), formula da Geometria Analıtica para a distanciaentre dois pontos do plano cartesiano (veja a proposicao 6.5 de [2]) garante quea distancia de z a w tambem e dada por

√(a− c)2 + (b− d)2.

A desigualdade (B.10), a seguir, e conhecida como a desigualdade trian-

gular para numeros complexos.

Corolario B.4. Se u, v e z sao numeros complexos quaisquer, entao

|u− v| ≤ |u− z|+ |z − v|. (B.10)

Prova. De acordo com a proposicao B.3, o corolario diz apenas que qualquerlado de um triangulo (possivelmente degenerado) e menor ou igual que a somados outros dois lados, o que ja sabemos ser verdadeiro (veja a proposicao 2.26de [2]).

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48 Notas de Algebra Linear

Re

Im

z

w

|a− c|

|b− d|

Figura B.2: modulo da diferenca entre dois complexos.

Exercıcios

1. Em relacao as operacoes de adicao e multiplicacao de numeros complexos,verifique, a partir da definicao, a associatividade e comutatividade, bemcomo a distributividade da multiplicacao com respeito a adicao. Verifique,ainda, que (0, 0) e (1, 0) sao, respectivamente, seus elementos neutros e quevale a lei do cancelamento para a multiplicacao.

2. * Para z, w ∈ C, prove que:

(a) |zw| = |z| · |w|.(b) |z + w|2 = |z|2 + 2Re(zw) + |w|2.

3. * Use o item (b) do problema anterior para provar, para todos z, w ∈ C,a validade da desigualdade |z+w| ≤ |z|+ |w|, a qual tambem e conhecidacomo a desigualdade triangular para numeros complexos. Em seguida,use essa desigualdade para:

(a) Deduzir a validade de (B.10).

(b) Provar que ||z| − |w|| ≤ |z − w|, para todos z, w ∈ C.

B.2 A forma polar de um numero complexo

Dado z = a+ bi ∈ C \ {0}, seja α ∈ [0, 2π) a menor determinacao, em radianos,do angulo trigonometrico entre o semieixo real positivo e a semirreta que une 0a z (cf. figura B.3).

Escrevendo

z = |z|(

a√a2 + b2

+b√

a2 + b2i

),

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Antonio Caminha M. Neto 49

Re

Im

zb

a

α

0

Figura B.3: forma polar de um numero complexo.

segue que

cosα =a√

a2 + b2e senα =

b√a2 + b2

,

de maneira que

z = |z|(cosα+ i senα). (B.11)

Como sen (α + 2kπ) = senα e cos(α + 2kπ) = cosα para todo k ∈ Z, aigualdade (B.11) ainda vale com α+2kπ no lugar de α. Por essa razao, diremosdoravante que os numeros da forma α + 2kπ, com k ∈ Z, sao os argumentos

do complexo nao nulo z e que α e o argumento principal de z. Ademais,sendo α um argumento qualquer de z, denominaremos a representacao (B.11)de forma polar (ou trigonometrica) de z. Veja, ainda, que

| cosα+ i senα| = 1, (B.12)

para todo α ∈ R. Tambem doravante, denotaremos o complexo cosα + i senαsimplesmente por cisα. Assim, sendo α um argumento de z ∈ C, segue de(B.11) que

z = |z| cisα.

O exemplo a seguir traz um uso interessante, ainda que elementar, da nocaode argumento de um numero complexo.

Exemplo B.5. Dentre todos os complexos z tais que |z − 25i| ≤ 15, obtenha ode menor argumento principal.

Solucao. Os complexos satisfazendo a condicao do enunciado sao aqueles situ-ados sobre o disco fechado de centro 25i e raio 15;

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50 Notas de Algebra Linear

Re

Im

0

25i

z

destes, o de menor argumento principal e aquele z ∈ C tal que a semirretade origem 0 e que passa por z tangencia tal cırculo no primeiro quadranteCartesiano.

Como o raio do cırculo e 15, o teorema de Pitagoras, aplicado ao trianguloretangulo de vertices 25i, z e 0, nos da |z| = 20. Agora, sendo z = a + bi,temos que a e igual a altura desse triangulo retangulo relativa a hipotenusa;portanto, as relacoes metricas em triangulos retangulos (cf. proposicao 4.9 do[?]) garantem que 25a = 15 · 20, de onde segue que a = 12. Como |z| = 20,temos que

202 = |z|2 = a2 + b2 = 122 + b2

e, daı, b = 16. Logo, z = 12 + 16i.

A formula (B.13) a seguir, conhecida como a primeira formula de de

Moivre4, estabelece as vantagens computacionais da representacao polar denumeros complexos.

Proposicao B.6 (de Moivre). Se z = |z| cisα e um complexo nao nulo e n ∈ Z,entao

zn = |z|n cis (nα). (B.13)

Prova. O caso n = 0 e trivial. Supondo que tenhamos provado a formula paran > 0, mostremos sua validade para n < 0. Para tanto, seja n = −m, comm ∈ N. Dado θ ∈ R, segue do item (d) do lema B.1 e de |cis θ| = 1 que

(cis θ)−1 = cis θ = cos θ + i sen θ = cos θ − i sen θ

= cos(−θ) + i sen (−θ) = cis (−θ).(B.14)

Portanto, como estamos assumindo a validade de (B.13) com m no lugar de n,segue que

zn = z−m = (|z| cisα)−m = |z|−m( cis (mα))−1

= |z|n cis (−mα) = |z|n cis (nα).4Apos Abraham de Moivre, matematico frances do seculo XVIII.

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Antonio Caminha M. Neto 51

Para o caso n > 0, facamos inducao sobre n, sendo o caso n = 1 trivial.Supondo o resultado valido para um certo n ∈ N, temos

zn+1 = z · zn = |z| cisα · |z|n cis (nα)= |z|n+1 cisα · cis (nα),

e basta mostrarmos que cisα · cis (nα) = cis (n+ 1)α, i.e., que

(cosα+ i senα)(cos(nα) + i sen (nα)) = cos(n+ 1)α+ i sen (n+ 1)α.

Mas, esta ultima igualdade e imediata a partir das formulas trigonometricas deadicao de arcos (veja a proposicao 7.18 de [2]).

O corolario a seguir fornece a interpretacao geometrica usual para a multi-plicacao de numeros complexos, um dos quais de modulo 1. Para o caso geral,referimos ao leitor o problema 1.

Corolario B.7. Sejam α um real dado e z ∈ C \ {0}. Se u e o vetor de origem0 e extremidade z, entao o ponto do plano complexo que representa (cisα) · ze a extremidade do vetor obtido mediante a rotacao trigonometrica5 de u peloangulo α (cf. figura B.4).

Re

Im

z

z · cisαθ

αu

Figura B.4: interpretando geometricamente a multiplicacao por cisα.

Prova. Sendo z = |z| cis θ, temos da primeira formula de de Moivre que

z · cisα = |z| cis θ · cisα = |z| cis (θ + α).

Mas, este ultimo complexo e exatamente a extremidade do vetor obtido pelarotacao de u do angulo α, no sentido trigonometrico.

5Quer dizer, giramos u de um angulo de medida α radianos, no sentido anti-horario seα > 0 e no sentido horario se α < 0.

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52 Notas de Algebra Linear

Corolario B.8. Se z = |z| cisα e w = |w| cis β sao complexos nao nulos quais-quer, entao

zw = |zw|cis (α+ β) ez

w=

|z||w| · cis (α− β).

Em particular, α + β (resp. α − β) e a medida em radianos de um argumentopara zw (resp. z/w).

Prova. Facamos a prova para zw, sendo o outro caso totalmente analogo. Para

tanto, basta ver que, por (B.14),

z

w= |z| cisα · |w|−1 cis (−β) =

|z||w| · cis (α− β).

Dados n ∈ N e z ∈ C \ {0}, entendemos por uma raiz n−esima de z umcomplexo w tais que wn = z. Contrariamente ao que ocorre com numerosreais, cada complexo nao nulo z tem exatamente n raızes n−esimas, as quaisdenotaremos genericamente por n

√z. A formula (B.15) a seguir, conhecida como

a segunda formula de de Moivre, nos ensina a calcula-las.

Proposicao B.9 (de Moivre). Se z = |z| cisα e um complexo nao nulo e n eum inteiro positivo qualquer, entao ha exatamente n valores complexos distintospara a raiz n−esima de z. Ademais, tais valores sao dados por

n

√|z| · cis

(α+ 2kπ

n

); 0 ≤ k < n, k ∈ N, (B.15)

onde n

√|z| e a raiz real positiva de |z|.

Prova. Se w = r cis θ, entao

wn = z ⇔ (r cis θ)n = |z| cisα⇔ rn cis (nθ) = |z| cisα⇔ rn = |z| e nθ = α+ 2kπ, ∃ k ∈ Z.

Estas ultimas duas igualdades ocorrem se, e so se, r = n

√|z| e θ = α+2kπ

n,

para algum k ∈ Z. Portanto, havera tantas raızes n−esimas de z distintasquantos forem os numeros cis

(α+2kπ

n

)distintos. Mas e facil ver que

cis

(α+ 2kπ

n

)= cis

(α+ 2(k + n)π

n

)

e

cis

(α+ 2kπ

n

)6= cis

(α+ 2lπ

n

)

para 0 ≤ k < l < n, de maneira que basta considerarmos os inteiros k tais que0 ≤ k < n.

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Antonio Caminha M. Neto 53

Em que pese a formula acima, vale frisar que nem sempre ela se constituina melhor maneira de calcularmos as raızes de um certo ındice de um numerocomplexo; isto porque nem sempre a forma trigonometrica de complexo e efeti-vamente util para calculos. Veja o que ocorre no exemplo a seguir.

Exemplo B.10. Calcule as raızes quadradas de 7 + 24i.

Solucao. Se tentarmos utilizar a segunda formula de de Moivre, teremos decomecar observando que

7 + 24i = 25(cosα+ i senα),

onde α = arctg 247 . Mas, como tal arco nao e um arco notavel, os calculos

trigonometricos que teremos de fazer para utilizar a segunda formula de deMoivre serao mais trabalhosos do que a utilizacao direta da definicao de raizquadrada de um numero complexo. Senao, vejamos:

Seja 7 + 24i = (a+ bi)2, com a, b ∈ R. Desenvolvendo (a+ bi)2 e igualandoem seguida as partes real e imaginaria, obtemos o sistema de equacoes

{a2 − b2 = 7ab = 12

.

Elevando a segunda equacao ao quadrado e substituindo a2 = b2+7 no resultado,chegamos a equacao (b2 + 7)b2 = 144, de sorte que b2 = 9. Mas, como ab =12 > 0, concluımos que a e b devem ter sinais iguais e, a partir daı, que ospossıveis pares (a, b) sao (a, b) = (3, 4) ou (−3,−4). Logo, as raızes quadradasprocuradas sao os numeros complexos ±(3 + 4i).

Como caso particular importante da discussao sobre raızes de numeros com-plexos, dizemos que o numero complexo ω e uma raiz da unidade se existirum natural n tal que ωn = 1. Neste caso, ω e denominado uma raiz n−esima

da unidade.

Como 1 = cis 0, a segunda formula de de Moivre nos diz que ha precisamenten raızes n−esimas distintas da unidade, as quais sao dadas por

ωk = cis

(2kπ

n

); 0 ≤ k < n, k ∈ Z. (B.16)

Denotando ω = cis 2πn, segue imediatamente de (B.16) e da primeira formula

de de Moivre que as raızes n−esimas da unidade sao os numeros complexos

1, ω, . . . , ωn−1. (B.17)

A guisa de fixacao, vejamos dois exemplos.

Exemplo B.11. Dado n ∈ N, ache, em funcao de n, as solucoes da equacao(z − 1)n = zn.

Page 58: Algebra Linear

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54 Notas de Algebra Linear

Solucao. Como z = 0 nao e raiz, a equacao equivale a(1− 1

z

)n= 1. Portanto,

sendo ω = cis 2πn, segue da discussao acima que 1− 1

ze igual a um dos numeros

ω, ω2, . . . , ωn−1 (note que 1 tambem nao e raiz da equacao dada). Como 1− 1z=

ωk se, e so se, z = 11−ωk , segue que z e igual a um dos numeros complexos

1

1− ω,

1

1− ω2, . . . ,

1

1− ωn−1.

Para o que segue, observamos que a demonstracao da formula para a somados n primeiros termos de uma PG de numeros reais e razao diferente de 0 e 1e valida, ipsis literis, para uma PG de numeros complexos, i.e., uma sequencia(zn)n≥1 de complexos, tal que zk+1 = qzk para todo k ≥ 1, onde q ∈ C \ {0, 1}.Temos, portanto, o exemplo a seguir.

Exemplo B.12. Para z ∈ C \ {0, 1}, temos

1 + z + z2 + · · ·+ zn−1 =zn − 1

z − 1.

Em particular, se ω 6= 1 e uma raiz n−esima da unidade, entao ωn = 1, demaneira que

1 + ω + ω2 + · · ·+ ωn−1 = 0. (B.18)

O proximo resultado usa a segunda formula de de Moivre para dar uma belainterpretacao geometrica para as raızes n−esimas de um complexo nao nulo.

Proposicao B.13. Se z e um complexo nao nulo e n > 2 e um natural, entaoas raızes n−esimas de z sao os vertices de um n−agono regular centrado naorigem do plano complexo.

Prova. Sendo α um argumento de z, segue da segunda formula de de Moivreque as raızes n−esimas de z sao os complexos z0, z1, . . . , zn−1 tais que

zk = n

√|z| · cis

(α+ 2kπ

n

),

para 0 ≤ k < n.A partir de (B.12), obtemos

|zk| = n

√|z|∣∣∣∣ cis

(α+ 2kπ

n

)∣∣∣∣ =n

√|z|,

de sorte que os pontos zk estao todos situados sobre o cırculo de centro 0 e raion

√|z| do plano complexo. Por outro lado, segue do corolario B.8 que

zk+1

zk= cis

(2π

n

),

para 0 ≤ k < n. Entao, sendo uk o vetor de origem 0 e extremidade zk, seguedo corolario B.7 que o angulo entre uk e uk+1, medido em radianos e no sentidoanti-horario, e, para 0 ≤ k < n, igual a 2π

n.

A proposicao decorre imediatamente desses dois fatos.

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Antonio Caminha M. Neto 55

Exemplo B.14. Na figura B.5, representamos, no plano complexo, as raızesquartas de −1. Observe que z1 =

√| − 1|cis π

4 = 1+i√2.

Re

Im

z1z2

z3 z4

Figura B.5: disposicao geometrica de raızes quartas de −1.

O corolario a seguir isola uma consequencia importante do resultado anterior.

Corolario B.15. As raızes n−esimas da unidade se dispoem, no plano com-plexo, como os vertices do polıgono regular de n lados, inscrito no cırculo deraio 1 centrado na origem e tendo o numero 1 como um de seus vertices.

Exemplo B.16. Na figura B.6, temos ω = cis 2π6 = 1+i

√3

2 , de sorte que osnumeros complexos 1, ω, . . . , ω5 sao as raızes sextas da unidade. Os numeros1, ω2 e ω4 sao as raızes cubicas da unidade, ao passo que os numeros ω, ω3 = −1e ω5 sao as raızes cubicas de −1.

Exercıcios

1. Para r ∈ R \ {0}, definimos a homotetia de centro 0 e razao r comoa funcao Hr : C → C, tal que Hr(z) = rz, para todo z ∈ C. Paraθ ∈ R \ {0}, definimos a rotacao de centro 0 e angulo θ como a funcaoRθ : C \ {0} → C \ {0}, tal que Rθ(z) = (cis θ)z, para todo z ∈ C \ {0}.

(a) Seja u o vetor de origem 0 e extremidade z. Se w = Hr(z), proveque o vetor de origem 0 e extremidade w e ru.

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56 Notas de Algebra Linear

Re

Im

1

ωω2

ω3

ω4 ω5

Figura B.6: raızes sextas da unidade.

(b) Se w = r cis θ e um complexo nao nulo, prove que, para todo z ∈C \ {0}, temos

wz = Hr ◦Rθ(z).

2. Seja ω um numero complexo tal que ω2 + ω + 1 = 0. Calcule o valor doproduto

∏27k=1

(ωk + 1

ωk

).

3. Seja n um natural multiplo de 3. Calcule o valor de (1+√3i)n−(1−

√3i)n.

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Referencias Bibliograficas

[1] A. Caminha. Topicos de Matematica Elementar, Volume 1: Numeros Reais,segunda edicao. Rio de Janeiro, SBM, 2013.

[2] A. Caminha. Topicos de Matematica Elementar, Volume 2: GeometriaEuclidiana Plana, segunda edicao. Rio de Janeiro, SBM, 2013.

[3] A. Caminha. Topicos de Matematica Elementar, Volume 6: Polinomios,primeira edicao. Rio de Janeiro, SBM, 2012.

[4] E. Kreyszig. Introductory Functional Analysis, with Applications. NewYork, John Wiley & Sons, 1989.

[5] E. Scheinerman. MatemA¡tica Discreta, uma IntroduA§A£o. Sao Paulo,Cengage Learning, 2010.