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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
ALFABETIZAÇÃO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM
ESCRITA, SOB UMA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA
SANDRA IARA ARÊAS DOURADO
ORIENTADOR:
Prof. Mestre Robson Materko
RIO DE JANEIRO
AGOSTO/2001
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO “A VEZ DO MESTRE”
ALFABETIZAÇÃO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM
ESCRITA, SOB UMA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA
SANDRA IARA ARÊAS DOURADO
Trabalho monográfico apresentado como
requisito parcial para a obtenção do Grau
de Especialista em Psicopedagogia.
RIO DE JANEIRO
AGOSTO/2001
Agradeço a Deus que tem me
oferecido o maior dos desafios:
desvendar e fazer a Sua vontade
Dedico este trabalho a todos os
profissionais que acreditam na
construção de uma sociedade
justa e democrática.
“Se não posso pintar de azul as
ruas por onde andarei, pintarei
de azul os meus sapatos”.
Autor Desconhecido
SUMÁRIO
Página
RESUMO........................................................................................................ 6
INTRODUÇÃO ............................................................................................... 7 1. AS TEORIAS CONSTRUTIVISTA SOCIOINTERACIONISTA NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ........................................................................ 9
1.1. Piaget – interação social e trocas ................................................ 9 1.2. O pensamento de Vygotsky ........................................................14 1.3. Emilia Ferreiro e a concepção de construção da escrita ........... 21
2. O PAPEL DO PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DO CONHE- CIMENTO DA CRIANÇA ............................................................................. 30 CONCLUSÃO .............................................................................................. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................ 35
RESUMO
Considerando os aspectos abordados, o presente trabalho tem como
proposta evidenciar os elementos fundamentais inerentes à teoria
sociointeracionista, com a intenção de analisar as contribuições desta abordagem,
para a construção da linguagem escrita.
Nessa perspectiva tornou-se imprescindível repensar a prática
pedagógica, que envolve a alfabetização inicial, pois a investigação nos aponta
novas idéias e conceitos, referentes ao desenvolvimento cognitivo,
A construção do conhecimento requer envolvimento dos aspectos
internos e externos do indivíduo, portanto é no âmbito dessas estruturas que a
aprendizagem acontece. Considerando esse pressuposto, para a teoria
sociointeracionista, o conhecimento é construído pelo indivíduo, num processo
contínuo e dinâmico, no decorrer de sua vida, na interação com o meio em que
vive.
Sendo assim, o sujeito é considerado um ser ativo, que age sobre seu
objeto de conhecimento, interagindo dialeticamente em sua realidade social. E é
nessa interação que o conhecimento é construído e que o sujeito torna-se
autônomo em seu processo cognitivo.
Contextualizado nessa dinâmica, o professor assume a tarefa de
propiciar situações que favoreçam a construção dessa relação de troca, visando o
pleno desenvolvimento intelectual do indivíduo, que consequentemente perceber-
se-á, enquanto sujeito histórico.
Este estudo utilizou o método dedutivo, como proposta metodológica,
através de uma pesquisa qualitativa com uma abordagem descritiva. O
levantamento de dados, se deu através de um levantamento bibliográfico.
INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa refere-se ao processo de alfabetização de crianças em
idade de 7 a 8 anos, em escolas públicas que utilizam como método de
intervenção pedagógica, instrumentos da teoria sociointeracionista.
Esta proposta de alfabetização tem como fundamentação teórica as
contribuições de Piaget, Vygotsky, Wallon, Emilia Ferreiro e outros.
Um dos entraves principais do desenvolvimento cognitivo do indivíduo
ainda é a alfabetização. Desta forma, se torna necessário construirmos escolas e
formarmos professores que ensinem a pensar e a aprender.
Aplicar a teoria de Piaget e Vygotsky em sala de aula e, principalmente,
na alfabetização de crianças constitui um verdadeiro desafio para os educadores
que atuam de forma direta ou indireta nas classes de alfabetização. Neste
contexto a descoberta da psicogênese da escrita, realizada pela pesquisadora
Emilia Ferreiro, desempenha papel fundamental no processo de aquisição da
escrita.
Apesar do discurso nacional sobre a necessidade de mudanças no
sistema educacional do país, pouco se tem feito para apresentar alternativas
concretas, principalmente no que diz respeito ao fracasso escolar na
alfabetização.
Nossa proposta é estarmos refletindo sobre a possibilidade de não só
alfabetizar, mas promover o desenvolvimento das potencialidades do aluno
visando sua formação enquanto sujeito capaz de construir seu processo de
aprendizagem, e principalmente se construir enquanto cidadão capaz de se
apropriar do conhecimento desenvolvido socialmente. Assim nos apropriaremos
das contribuições dos pesquisadores citados para que possamos repensar,
desvelar e aprofundar os mistérios da arte de ler e escrever, objetivando o
desenvolvimento da prática pedagógica, reconhecendo o papel do professor
nesse processo.
Nosso objetivo consiste em tentar mostrar as contribuições da teoria
sociointeracionista para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem,
partindo do pressuposto de que esta teoria procura contribuir, na perspectiva de
formar um sujeito crítico, garantindo assim a autoria da construção de seu
conhecimento e de sua história.
1. AS TEORIAS CONSTRUTIVISTA SOCIOINTERACIONISTA NA PRÁTICA
PEDAGÓGICA
1.1. Piaget – interação social e trocas
Jean Piaget formado em biologia e psicologia, foi formulador da teoria
do desenvolvimento da inteligência humana e é, hoje, considerado por muitos
como o mais importante teórico da educação. Este cientista descobriu que o
aprendizado é um processo gradual no qual a criança vai se capacitando a níveis
cada vez mais complexos do conhecimento, seguindo uma seqüência lógica de
pensamento. Ele mostra, em seu estruturalismo genético, que todas as crianças
passam por estágios estáveis de estruturação de pensamento em crescente
complexidade psicogenética, que são:
• Estágio sensório-motor – de 0 a 2 anos aproximadamente
• Estágio pré-operatório – de 2 a 7 anos aproximadamente
• Estágio das operações concretas – de 7 a 9/12 anos aproximadamente
• Estágio lógico-formal – a partir de 12 anos aproximadamente
Piaget (1999) explica que entre um estágio e outro existe um
intermediário no qual convivem , em esta do de desequilíbrio, as concepções do
estágio anterior ou posterior. A criança parte de uma posição egocêntrica, aquela
em que ainda não distingue a existência do mundo externo separado de si
própria, vai formando sua inteligência através de processos de adaptações,
assimilações e acomodações, chegando a uma interação com o mundo externo, e
portanto, diminuindo seu egocentrismo.
Seus estudos partiram de uma teoria biológica sobre a construção do
conhecimento humano, ou seja, da epistemologia genética. Ele explica que é no
estágio sensório-motor que se inicia o desenvolvimento da inteligência da
criança. Nessa fase, o conhecimento se dá pelo contato físico do sujeito com o
objeto. No estágio pré-operatório, as crianças entram em contato com o
conhecimento produzido pelas pessoas que as cercam através de atividades de
representações, como o jogo simbólico, o desenho e a linguagem. Num
intercâmbio mais ativo com o meio ambiente, surgem os primeiros ensaios de
operações abstratas. O pensamento passa a ser elaborado com uma linguagem
interior e um sistema de signos, alcançando, assim o estágio operatório-
concreto. Nesse estágio, a criança é capaz de reconstituir as ações por meio de
imagens e experiências mentais. Gradativamente, vão alcançando também
desenvolvimento nos conhecimentos lógico-matemático e social-arbitrário. A
criança passa, então, a retirar conhecimentos na relação estabelecida entre os
objetos e não diretamente dos objetos. Assim, ela começa a desenvolver os
níveis operatórios de classificação, seriação e conservação. No conhecimento
lógico-matemático e no social-arbitrário torna-se capaz, desde que já tenha
desenvolvido os conhecimentos prévios necessários, de agir sobre as
informações e os símbolos, transformando-os e incorporando-os aos seus
conhecimentos prévios, como por exemplo, as regras de convivência e os fatos
históricos. No estágio operacional formal, a última fase de construção da
inteligência, a criança ou o pré-adolescente já é capaz de fazer uma operação ao
contrário, ou seja, lidar com a reversibilidade, ser capaz de retornar ao seu início.
Só nesse estágio e a partir dele é que o sujeito poderá trabalhar com atividades
mentais mais abstratas, porque começa a desenvolver estrutura mental para
realizar tal tarefa.
Piaget em seus estudos preocupou-se em elaborar uma teoria sobre a
natureza do desenvolvimento de todo conhecimento. Suas pesquisas voltaram-se
para o estudo dos processos de pensamento desde a infância até a idade adulta.
Seus escritos permitiram diferentes interpretações acerca do desenvolvimento.
Embora o objetivo não seja discutir intensamente essas abordagens, torna-se
necessária a citação de alguns pontos importantes, para um melhor entendimento
da prática pedagógica proposta neste trabalho.
A principal questão levantada tanto por teóricos como por professores
refere-se aos mecanismos da aprendizagem. E ao tratar desta questão, uma
interpretação da teoria de Piaget, afirma que a evolução de um estágio de
desenvolvimento a outro não é determinada pelos estímulos e informações do
estágio mais avançado. Segundo esta corrente a evolução para um novo nível de
desenvolvimento é resultado de um novo equilíbrio que surgiu de um desequilíbrio
produzido pelas ações no próprio nível anterior: “... o desequilíbrio que torna
possível uma mudança evolutiva do indivíduo não é fruto de ações e/ou
informações relativas a um nível superior.” (Silva, 1991, p. 9 )
Para Piaget, o ser social é aquele que consegue se relacionar com
seus semelhantes de forma equilibrada. O equilíbrio de uma troca de pensamento
supõe um sistema comum de signos e definições, uma reciprocidade de
pensamento entre interlocutores e uma mesma operação mental.
Estudos piagetianos apontam para o fato de que o equilíbrio das
relações sociais somente é possível entre sujeitos que tenham atingido o
pensamento operatório, que representa, o grau máximo de socialização do
pensamento. Ou seja, a maneira de ser social de uma criança é diferente da
maneira de ser social de um adolescente. Desta forma, explica que no estágio
sensório motor é impossível esperar da criança uma real socialização da
inteligência. A criança age individualmente, não sendo ainda capaz de realizar
“trocas sociais”. Só a partir da aquisição da linguagem é que a criança inicia uma
troca efetiva de inteligência, assim a compreensão da linguagem infantil envolve,
necessariamente, o entendimento de sua relação com o pensamento.
No estágio pré-operatório as trocas sociais se ampliam, mesmo com
algumas limitações comuns em crianças dessa fase, entre elas estão: a utilização
das mesmas palavras com definições diferentes sem avaliar as diferenças, a
incapacidade de aderir a uma escala comum de referência (no jogo de regras,
cada criança segue as suas próprias regras, não sendo capaz de partir de uma
referência única e comum); a criança na fase pré-operatória não mantém, durante
uma conversa, as definições e afirmações que ela mesma faz; a criança pequena
apresenta dificuldade em colocar-se no ponto de vista do outro. Essas limitações
próprias do estágio interferem na comunicação e afetam o diálogo com crianças
maiores num intercâmbio social.
As trocas intelectuais entre crianças nessa fase são restritas e refletem
um grau de socialização precário. Só mais tarde, quando ingressarem no estágio
operatório-concreto, é que começam a efetuar trocas intelectuais mais
consistentes e, paralelamente alcançam o que Piaget denomina personalidade –
que é o produto mais refinado da socialização – quando a criança é capaz de
submeter-se voluntariamente às normas de reciprocidade e de universalidade. O
processo de socialização descrito nos estudos de Piaget passa por diversos
graus, partindo do “grau zero” (recém-nascido) para o grau máximo, representado
pelo conceito de personalidade.
As diversas etapas que definem as qualidades diferenciadas do ser
social, acompanham as etapas do desenvolvimento cognitivo, intercaladas pelas
interações sociais. Assim, a lógica representa a forma final do equilíbrio das
ações. Esse caminho em busca do equilíbrio inicia-se no período sensório-motor,
quando a criança constrói esquemas de ação que constituem uma espécie de
lógica e das percepções. Essa primeira organização da inteligência anuncia o
próximo estágio, o pré-operatório, no qual as ações serão interiorizadas, ou seja,
efetuadas mentalmente. Nessa fase, embora a criança já seja capaz de empregar
símbolos e signos, ainda lhe falta a reversibilidade, ou seja, a capacidade de
pensar simultaneamente o estado inicial e o final de alguma transformação
efetuada sobre os objetos. A reversibilidade será construída nos estágios
operatório-concreto e formal. Primeiro, a criança raciocina de forma coerente
desde que possa manipular os objetos ou imaginar-se nessa situação de
manipulação, depois já é capaz de raciocinar sobre simples hipótese (formal-
abstrato). Para Piaget, esse processo em busca do equilíbrio é próprio de todo
sistema vivo e por isso tem bases biológicas.
Neste contexto, as relações individuais exercem um papel onde o
sujeito precisa construir conhecimentos em resposta a uma demanda social de
qualquer tipo e também precisa comunicar seu pensamento, cuja correção e
coerência serão avaliados pelos outros. Piaget distingui dois tipos de relação
social: a coação e a cooperação.
A coação social é definida como toda relação entre dois ou maios
indivíduos na qual intervém um elemento de autoridade ou de prestígio.
“Isso acontece, por exemplo quando um aluno vê no professor ou em outro adulto, uma pessoa digna de confiança ou um portador de poder, esse aluno passa a tomar tudo que essa pessoa diz como ‘verdade’, acreditando piamente nela.” (Ribeiro, 1999, p. 21)
A coação só possibilita a permanência de crenças e dogmas. Esse tipo
de relação impede o desenvolvimento da inteligência, além de empobrecer as
relações sociais e reforçar o egocentrismo. A cooperação, por sua vez, constitui-
se de relações sociais que propiciam o desenvolvimento da inteligência, através
da discussão, trocas de ponto de vista, controle mútuo dos argumentos e das
provas. A cooperação é o tipo de relação interindividual que representa o mais
alto nível de socialização, possibilitando chegar à verdade. Entretanto, a coação
representa uma etapa obrigatória e necessária para a socialização da criança,
dada a simetria pai/filho ou adulto/criança, que na infância é relação dominante,
Todavia, se somente houvesse coação, não se compreenderia o desenvolvimento
da operações mentais.
Para Piaget, a cooperação necessária a esse desenvolvimento tem seu
início nas relações entre crianças, principalmente nos trabalhos de grupo como
recurso pedagógico. Piaget pensa o social e suas influências sobre os indivíduos
pela perspectiva da ética não remetendo a fatores culturais, ideológicos,
religiosos, socioeconômicos, de riqueza ou pobreza do meio ambiente, entre
outros, como é enfocado por Vygotsky. Para ele ser coercitivo ou cooperativo,
depende de uma atitude moral. O indivíduo deve querer ser cooperativo.
O desenvolvimento cognitivo é condição necessária ao pleno exercício
da cooperação, mas não uma condição suficiente, pois uma postura ética deverá
completar o quadro. A dimensão ética está sempre presente nas relações
interindividuais que pressupõem regras. Por isso, cabe às escolas e instituições
valorizar a igualdade e a democracia. Piaget procura demonstrar, em sua teoria,
que a democracia é condição necessária ao desenvolvimento cognitivo e à
construção da personalidade dos indivíduos.
1.2. O pensamento de Vygotsky
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), habilitado em Direito, Filosofia,
Medicina e psicologia, foi professor de Psicologia e Pedagogia em Moscou, no
período de 1925 a 1934. Iniciou seus estudos buscando uma alternativa dentro do
materialismo histórico dialético para o conflito entre as concepções idealistas e
mecanicistas na Psicologia. Em seus estudos, construiu propostas teóricas
inovadoras no tocante à relação entre pensamento e linguagem, à natureza do
processo de desenvolvimento da criança e ao papel da instrução no
desenvolvimento.
Um pressuposto básico da obra de Vygotsky é que as origens das
formas superiores de comportamento consciente, tais como pensamento,
memória, atenção voluntária e outros; formas essas que diferenciam o homem de
outros animais, devem ser encontradas nas relações sociais que o homem
mantém. Entretanto, o homem não é visto enquanto um ser passivo,
conseqüência dessas relações. Entende-se o homem como um ser ativo, que age
sobre o mundo, sempre em relações sociais e transformando essas ações para
que se constitua o funcionamento de um plano interno.
Desta forma, a teoria defendida por Vygotsky acredita que o ser
humano encontra-se imerso num contexto histórico e cita a pedagogia, enquanto
ciência fundamental para o estudo do desenvolvimento humano, visto que integra
os aspectos biológicos, psicológicos e antropológicos do desenvolvimento infantil,
trata-se de uma síntese de todas as diferentes disciplinas que estudam a criança.
“Para Vygotsky, o sentido de síntese estava ligado à emergência de algo novo para a psicologia, algo que integrasse, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente; enquanto ser biológico e ser social; enquanto
membro da espécie humana e participante de um processo histórico.” (Ibid., 22)
Neste sentido, o desenvolvimento infantil é visto a partir de três
aspectos: instrumental, cultural e histórico.
O instrumental se refere à natureza basicamente mediadora das
funções psicológicas complexas. Não apenas respondemos aos estímulos
apresentados no ambiente, mas alteramos e usamos suas modificações como um
instrumento de nosso comportamento. Para exemplificar podemos citar o costume
que temos de amarrar uma fita no dedo para lembrar de algo importante. Este
estímulo, representado pela fita no dedo, objetivamente significa apenas que o
dedo está amarrado, entretanto ele adquire sentido, a partir de sua função
mediadora, ou seja, fazer lembrar de algo importante.
O aspecto cultural da teoria envolve os meios socialmente estruturados
pelos quais a sociedade organiza os tipos de tarefa que a criança em crescimento
enfrenta, e os tipos de instrumento, tanto mentais como físicos, de que a criança
dispõe para dominar aquelas tarefas. Um dos instrumentos básicos criados pela
humanidade é a linguagem. Por isso, Vygotsky deu ênfase, em toda sua obra, à
linguagem e sua relação com o pensamento.
O elemento histórico, funde-se com o cultural, pois os instrumentos que
o homem usa para dominar seu ambiente e seu próprio comportamento, foram
criados e modificados ao longo da história social da civilização. Os instrumentos
culturais expandiram os poderes do homem e estruturaram seu pensamento, de
maneira que, se não tivéssemos desenvolvido a linguagem escrita e a aritmética,
por exemplo, não possuiríamos hoje a organização dos processos superiores que
dispomos.
Assim, para Vygotsky, a história da sociedade e o desenvolvimento do
homem caminham juntos e estão de tal forma intrincados, que um não seria o que
é sem o outro. Com essa perspectiva, é que Vygotsky estudou o desenvolvimento
infantil.
As crianças, desde o nascimento, estão em constante interação com os
adultos, que ativamente procuram incorporá-las a suas relações e sua cultura. No
início, as respostas das crianças são dominadas por processos naturais,
especialmente aqueles proporcionados pela herança biológica. É através da
mediação dos adultos que os processos psicológicos mais complexos tomam
forma. Inicialmente, esses processos são interpsíquicos (partilhados entre
pessoas), isto é, só podem funcionar durante a interação das crianças com os
adultos. À medida que a criança cresce, os processos acabam por ser executados
dentro das próprias crianças, ou seja, processos intrapsíquicos. É através desta
interiorização dos meios de operação das informações, meios estes,
historicamente determinados e culturalmente organizados, que a natureza social
das pessoas tornou-se igualmente sua natureza psicológica.
No estudo feito por Vygotsky (1999), sobre o desenvolvimento da fala,
sua visão fica bastante clara: inicialmente, os aspectos motores e verbais do
comportamento estão misturados. A fala envolve os elementos referenciais, a
conversação orientada pelo objeto, as expressões emocionais e outros tipos de
fala social. Como a criança está cercada por adultos na família, a fala começa a
adquirir traços demonstrativos, e ela começa a indicar o que está fazendo e de
que está precisando. Após algum tempo, a criança, fazendo distinções para os
outros com o auxílio da fala, começa a fazer distinções para si mesma. E a fala
vai deixando de ser um meio para dirigir o comportamento dos outros e vai
adquirindo a função de autodireção.
Fala e ação, que se desenvolvem independentes uma da outra, em
determinado momento do desenvolvimento se convergem, e esse é o momento
de maior significado no curso do desenvolvimento intelectual, que dá origem às
formas puramente humanas da inteligência. Forma-se então um amálgama entre
fala e ação; inicialmente a fala acompanha as ações e, posteriormente dirige,
determina e domina o curso da ação, com sua função planejadora.
O desenvolvimento está fundamentado sobre o plano das interações. O
sujeito faz sua ação que tem inicialmente um significado partilhado. Assim, a
criança que deseja um objeto inacessível apresenta movimentos de alcançá-lo, e
esses movimentos são interpretados pelo adulto como “desejo de obtê-lo”, e
então lhe dá o objeto. Os movimentos da criança afetam o adulto e não o objeto
diretamente, e a interpretação do movimento pelo adulto permite que a criança
transforme o movimento de agarrar em gesto de apontar. O gesto é criado na
interação, e a criança passa a ter controle de uma forma de sinal, a partir das
relações sociais.
Todos os movimentos e expressões verbais da criança, no início de
sua vida, são importantes, pois afetam o adulto, que os interpreta e os devolve à
criança com ação e/ou com fala. A fala egocêntrica, por exemplo, foi vista por
Vygotsky como uma forma de transição entre a fala exterior e a interior. A fala
inicial da criança tem, portanto, um papel fundamental no desenvolvimento de
suas funções psicológicas.
Para Vygotsky, as funções psicológicas emergem e se consolidam no
plano da ação entre pessoas e tornam-se internalizadas, isto é, transformam-se
para constituir o funcionamento interno. O plano interno não é a reprodução do
plano externo, pois ocorrem transformações ao longo do processo de
internalização. Do plano interpsíquico, as ações passam para o plano
intrapsíquico. Considera, portanto, as relações sociais como constitutivas das
funções psicológicas do homem. Essa visão de Vygotsky justificou o título de
sócio-interacionismo à sua teoria.
Vygotsky deu ênfase, como mecanismo que intervém no
desenvolvimento das funções psicológicas complexas, ao processo de
internalização. Esta é a reconstrução interna de uma operação externa e tem
como base a linguagem. O plano interno, para Vygotsky, não preexiste, mas é
constituído pelo processo de internalização, fundado nas ações, nas interações
sociais e na linguagem.
O referencial histórico-cultural apresenta, portanto, uma nova maneira
de entender a relação entre sujeito e objeto, no processo de construção do
conhecimento.
Enquanto no referencial construtivista o conhecimento se dá a partir da
ação do sujeito sobre a realidade, sendo o sujeito considerado ativo, para
Vygotsky, esse mesmo sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constitui
conhecimentos, e se constrói a partir de relações intra e interpessoais. É na troca
com os outros sujeitos e consigo próprio, que vão se internalizando
conhecimentos, papéis, funções sociais, o que permite a constituição do
conhecimento e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do
plano social – relações interpessoais – para o plano individual interno – relações
intrapessoais.
Desta forma, o sujeito do conhecimento, para Vygotsky, não é apenas
passivo, regulado por forças externas que vão moldando; não é somente ativo,
regulado por forças internas; ele é interativo.
Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura, a
história e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se
caracterizam como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao
longo dessa construção estão presentes: as experiências, os hábitos, as atitudes,
os valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu
grupo familiar. Estão, ainda, presentes nesta construção a história e a cultura de
outros indivíduos com quem a criança se relaciona em outras instituições
próximas, como por exemplo a escola.
Mas, não devemos entender este processo como um determinismos
histórico e cultural em que, passivamente, a criança absorve determinados
comportamentos para reproduzi-los, posteriormente. Ela participa ativamente da
construção de sua própria cultura e de sua história, modificando-se e provocando
transformações nos demais sujeitos que com ela interagem.
Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de
desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vygotsky (1987), a aprendizagem
favorece o desenvolvimento das funções mentais:
“O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer.” (in: Multieducação, 1996: 53)
Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem em
Vygotsky, torna-se necessária a compreensão do conceito de “zona de
desenvolvimento proximal”.
Aprendizado ou aprendizagem é o processo pelo qual o indivíduo
adquire informações, habilidades, atitudes e valores, a partir de seu contato com a
realidade, com o meio ambiente e com as pessoas. Para Vygotsky, a idéia de
aprendizado inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo, ou
seja, a relação entre aquele que aprende e aquele que ensina. Isto significa que a
aprendizagem ocorre na interação social. É preciso ainda destacar nesse
processo, a importância ao papel do “outro” no desenvolvimento dos indivíduos,
pois considere-se que um indivíduo só se desenvolve em relação ao ambiente
cultural em que vive com o suporte de seu grupo social.
Vygotsky aponta para o conceito de Zona de Desenvolvimento
Proximal como um conceito básico para compreender as relações entre
desenvolvimento e aprendizado, colocando que é no âmbito dessa zona proximal
que pode ocorrer a aprendizagem, referindo-se principalmente, à construção de
um conhecimento que se dá quando um adulto desafia o aprendiz com
questionamentos levando o mesmo a um desempenho além do que sua estrutura
de pensamento naquele momento, permitiria. Desta maneira é que salienta a
importância da linguagem e da presença do “outro” para essa construção. Nesse
sentido, é que ele afirma que o conhecimento é construído pelo sujeito em
interação com o meio social em que vive, desenvolvendo, ao mesmo tempo, sua
inteligência. É através da própria história de vida, do seu cotidiano, resolvendo
questões, descobrindo, tentando, fazendo, pensando e representando que o
sujeito chega ao conhecimento, apreendendo.
A partir dessa visão, cabe ao educador o papel de interventor,
desafiador, mediador e provocador de situações que estimulem os alunos a
aprenderem a aprender. O trabalho didático deve, portanto, propiciar a construção
do conceito pelo aluno. Aprender é de certa forma, descobrir por seus próprios
instrumentos de pensamento, conhecimentos institucionalizados socialmente.
Vygotsky atenta para o fato de que, para compreendermos
adequadamente o desenvolvimento de um indivíduo, devemos considerar
também seu nível de desenvolvimento “real” e “potencial”. Caracteriza-se como
Zona de Desenvolvimento Real a capacidade que o indivíduo tem de realizar
tarefas independentemente. Esse nível caracteriza o desenvolvimento decorrente
de etapas já alcançadas, já conquistadas pelo indivíduo. Na escola. Isso é
evidenciado nas tarefas e atividades que o aluno realiza sozinho, corretamente e
sem dificuldades. Já a Zona de Desenvolvimento Potencial é caracterizada como
sendo a capacidade que o indivíduo tem para desempenhar atividades com a
ajuda dos adultos ou de colegas mais capazes. Esse nível de capacidade é
constituído por aspectos do desenvolvimento que num determinada momento,
estão em processo de realização. Ou seja, a partir das intervenções de um colega
ou de um adulto, a criança alcança resultados mais avançados do que aquele que
conseguiria caso realizasse a atividade sozinha. Essa intervenção é fundamental
para que o indivíduo aprenda.
Desta forma, verificamos o quanto a aprendizagem interativa permite
que o desenvolvimento avance. Ressaltando a importância das trocas
interpessoais, na constituição do conhecimento, Vygotsky mostra, através do
conceito de zona proximal, o quanto a aprendizagem influencia no
desenvolvimento.
Este conceito traz uma série de implicações para a prática pedagógica,
porque o processo de constituição de conhecimento passa a ter uma importância
vital e, portanto, deve ser considerado tão importante quanto o produto. A partir
dessa concepção, muda-se radicalmente o papel do professor, que não é mais
aquele que se coloca no centro do processo, ensinando para que os alunos
aprendam passivamente. Ele passa a ser o agente mediador do processo,
propondo desafios e ajudando a resolvê-los, fazendo com que suas intervenções
contribuam para o fortalecimento de funções ainda não consolidadas ou para a
abertura de zonas de desenvolvimento proximal.
1.3 – Emilia Ferreiro e a concepção da escrita.
Os anos 80 registraram, tanto em solo nacional como em todo
continente latino americano, um crescente interesse pelo tema da alfabetização
inicial. Este interesse pode ser fundamentado pela realização de inúmeros
debates sobre este tema específico, desenvolvendo vários espaços para
aprofundamentos das discussões acerca da alfabetização. Neste contexto, a
difusão das idéias de Emilia Ferreiro dirigiu grande parte das reflexões teóricas e
da discussões sobre o tema em questão, não só entre os pesquisadores
científicos, mas também atraindo grande parte dos professores envolvidos com
esta questão.
Emilia Ferreiro é argentina e formada em psicopedagogia. Doutora pela
Universidade de Genebra, foi orientada por Jean Piaget, de quem se tornou
colaboradora no desenvolvimento de seus estudos. Seu primeiro livro traduzido
no Brasil, foi “Psicogênese da língua escrita”, que representou uma grande
evolução conceitual nas referências teóricas sobre alfabetização, iniciando a
instauração de um novo paradigma para a interpretação da forma como a criança
aprende a ler e a escrever.
O objetivo fundamental de suas pesquisas não é a prescrição de novos
métodos para ensino da leitura e da escrita, mas sim o entendimento da evolução
de idéias construídas pelas crianças a respeito da natureza do objeto social, que
é o sistema de escrita. Assim, sua proposta é estudar o desempenho das
crianças, com a intenção de elaborar uma teoria sobre suas competências, no
marco da visão construtivista de evolução da escrita, rompendo com o mito de
que a aprendizagem da escrita seria apenas uma técnica dependente dos
métodos de ensino.
“...Ao estudar a gênese psicológica da compreensão da língua escrita da criança, Ferreiro desvenda a “caixa-preta” desta aprendizagem, demonstrando como são os processos existentes nos sujeitos desta aquisição.” (Azenha, 1998:36)
As pesquisas de Emilia Ferreiro articulam-se para demonstrar a
existência de mecanismos do sujeito do conhecimento (sujeito epistêmico), que,
na interação com a linguagem escrita (objeto de conhecimento), explicam a
emergência de formas idiossincráticas de compreender o objeto. Ou seja, as
crianças interpretam o ensino que recebem, transformando a escrita convencional
dos adultos, produzindo escritas estranhas e diferentes. Segundo seus estudos,
essas transformações são exemplos dos esquemas de assimilação descritos por
Piaget. O que Emilia desvenda é o porquê destas transformações e a logicidade
utilizada pela criança, ou os processos psicológicos que produzem tais condutas.
Assim conclui-se que a escrita produzida é resultado da aplicação de esquemas
de assimilação ao objeto de aprendizagem (a escrita), ou seja, formas
encontradas pelo sujeito para interpretar e compreender o objeto. Dentro desta
perspectiva, considerar escritas desviantes do padrão (como PT, AO, PO para
PATO) é entender uma nova concepção do desenvolvimento da escrita infantil.
Esses “erros” passam agora a constituir fases de aquisição da língua escrita.
A interpretação do acesso ao conhecimento da escrita, fundamenta-se
na idéia da existência de um processo evolutivo ao longo do desenvolvimento
infantil, como nos relata Ferreiro & Teberosky:
“(...) Pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como questionamento a respeito da natureza, função e valor desse objeto cultural que é a escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que, além dos métodos, dos manuais,
dos recursos didáticos, existe um sujeito que busca a aquisição de conhecimento, que se propõe problemas e trata de solucioná-los, segundo sua própria metodologia (...) Insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente de um sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica particular. Um sujeito que a psicologia da lecto-escrita esqueceu (...)” (In: Azenha, Construtivismo de Piaget a Emilia Ferreiro,1998: 38)
Nesse enfoque, a aprendizagem converte-se na apropriação de um
novo objeto de conhecimento, ou seja, torna-se uma aprendizagem conceitual.
Sendo assim, alfabetizar é construir conhecimento e considerar as conseqüências
do desenvolvimento psicogenético, significa perceber as crianças, com seus
esquemas de assimilação, no centro do processo de aprendizado.
Emilia Ferreiro identificou níveis na evolução da escrita, sendo que, no
nível mais evoluído, a criança já é capaz de ler e escrever, embora sua escrita
não esteja ainda de acordo com os padrões convencionais. Isto porque, até esse
momento o envolvimento da criança era com o processo de construção. A partir
de então, estará atenta às questões ortográficas, buscando, na maioria das
vezes, por si própria, elaborar a forma convencional da escrita. São eles:
Nível Pré-silábico - é o primeiro dos quatro níveis definidos por Emilia
ferreiro na psicogênese da alfabetização. Existem dois níveis pré-silábicos: pré-
silábico 1 e pré-silábico 2. Isso acontece porque o desenvolvimento do processo
de alfabetização tem dois patamares bem nítidos.
No nível pré-silábico 1, a criança ainda não estabelece uma relação
necessária entre a linguagem falada e as diferentes formas de uma
representação, acreditando que se escreve com desenhos, isto é, a grafia deve
conter os traços figurativos daquilo que se escreve.
No nível pré-silábico 2, a criança já usa sinais gráficos, abandonando
no traçado os aspectos figurativos daquilo que quer escrever. É considerado
como nível intermediário e representa a maneira de passar de um nível a outro de
maior complexidade. É o momento de tomada de consciência de incoerências
entre suas hipóteses e os dados da realidade. A criança descobre que desenhar
não é escrever, que os adultos não escrevem desenhando objetos e as coisas
que os rodeiam.
Nos níveis intermediários, a criança busca equilibrar-se. Nesta fase, o
comportamento dos alunos, costuma ser de rejeição e recusa Quanto a produzir
algo escrito, afirmando que não sabem escrever e que com desenhos não se
escreve. Quando uma criança faz sinais gráficos com desenho junto a eles, já
superou o conflito. Saiu do impasse, sabe que desenho não é escrita, e
acrescenta-o às letras ou quaisquer outros traçados sem conotação figurativa do
que está sendo escrito com o desenho. Passa então a escrever apenas com
sinais gráficos.
Esse nível considera ainda dois eixos: eixo qualitativo – onde a criança
acredita que para que seja possível ler ou escrever uma palavra, torna-se
necessária uma variedade de caracteres gráficos; eixo quantitativo – onde as
crianças de um modo geral, exigem um mínimo de três letras para ler ou escrever
uma palavra. É importante ressaltar que os critérios de variedade e quantidade
permanecerão durante bastante tempo e concorrerão para o aparecimento de
muitos conflitos para as crianças; entretanto, eles são benéficos por gerarem
situações de incoerência e insatisfação, forçando a busca de novas formas de
interpretação.
O rompimento da criança com um esquema anterior de interpretação,
face aos conflitos que surgem, constitui um momento precioso de evolução dentro
do processo de construção, ou seja, da reinvenção do sistema.
Nível silábico – quando a criança sai do nível pré-silábico e entra no
nível silábico, ela deixa de apoiar-se em idéias de vinculação de aspectos
figurativos do referente à palavra que o representa; superou a visão global da
palavra como um todo para considerá-la formada por segmentos; encontrou um
suporte que garante a estabilidade da escrita das palavras – cada palavra é
sempre escrita com as mesmas letras e percebe que tudo que se fala se escreve.
Isso significa uma revolução na forma de pensar do sujeito que está investindo
sobre a escrita.
O que leva a criança à estabilidade de escrita é o seu enfrentamento
com um conjunto de problemas referentes a escrita possíveis de ser por ela
trabalhados, que estejam à altura de sua capacidade de compreendê-los e sejam
socioafetivamente ricos de sentido e valor para ela. Para chegar à estabilidade da
escrita das palavras a criança precisa superar a concepção de que cada ente é
representado por escrito de modo individual.
As análises sonoras, tanto sobre as letras iniciais dos nomes como
sobre o desmembramento oral das palavras em sílabas, constituirão a porta de
entrada para a vinculação pronúncia-escrita.
No nível silábico a criança encontra uma nova fórmula para entrar no
mundo da escrita, descobrindo que pode escrever uma letra para cada sílaba da
palavra e uma letra por palavra na frase. É uma solução incompleta para explicar
o sistema que estrutura nossa língua escrita, mas isso satisfaz a criança naquele
momento. À medida que vai escrevendo, ela mesma cai perceber que sua
hipótese não é completa, pois não permite a decodificação, visto que é impossível
ler o que a criança escreve neste nível, nem ela própria consegue ler o que
escreveu.
A criança que evolui no nível silábico vai descobrir que a leitura do que
escreve não é possível porque faltam elementos discriminativos nas sílabas. Não
é preciso que o professor aponte ou marque com quaisquer sinais as letras que
estão faltando. O aluno precisa descobrir as letras que faltam ao seu tempo, pois
só assim poderá perceber a incompletude de sua hipótese. É preciso deixar que o
aluno possa esgotar por si mesmo o desejo de utilizar a hipótese silábica, o que
representa um passo muito significativo no seu processo de aquisição da escrita.
Essa segunda fase intelectual - silábica - é o que Piaget denomina
fase discursiva, e ela pode ser sustentada, a fim de que se propiciem ajustes das
várias hipóteses sobre os vários aspectos da construção do sistema de escrita.
Nível silábico-alfabético – a passagem da hipótese silábica para a
alfabética constitui-se num momento fundamental da evolução psicogenética da
leitura e da escrita. A criança abandona a hipótese silábica e descobre a
necessidade de fazer uma análise, que aprofunde a questão da construção da
sílaba.
A criança que escreve de acordo com a fase silábica, à medida que vai
verificando a insuficiência de sua hipótese de associar uma letra para cada sílaba
oral, amplia o seu campo de fonetização. Em vez de fonetizar cada palavra,
preocupando-se com as sílabas orais como unidades lingüísticas, ela inicia a
fonetização de cada sílaba, percebendo-a normalmente constituída de mais de
uma letra. A criança vislumbra assim o princípio alfabético da escrita e avança
para o nível silábico-alfabético. Para chegar a esse nível, o aluno percorre um
caminho longo e amplo chamado psicogênese, em que interferem,
simultaneamente, o corpo, a afetividade e a inteligência, assim como o contexto
social e cultural em que o aluno está inserido.
Dois fatos explicam a passagem do nível silábico para o silábico
alfabético:
1 - A impossibilidade de ler o que se escreve silabicamente, que se
situa em dois casos: a) impossibilidade de leitura pela própria criança que
produziu uma certa escrita do tipo silábico; a criança esquece o que quis
escrever, não decodifica a sua própria escrita, porque lhe faltam elementos
discriminatórios; b) impossibilidade da leitura por outras pessoas daquilo que a
criança produziu.
É importante ressaltar que, a não decodificação do que a criança
escreve constitui-se num enorme e doloroso conflito para ela.
2 – A impossibilidade de ler o que as pessoas já alfabetizadas
escrevem.
Para a criança silábica, é impossível ler o que as pessoas escrevem
convencionalmente, pois acredita que sobram letras no escrito convencional.
Desta forma está gerado o conflito, porque a criança sabe que nos livros ou em
outro portador de texto, a grafia é correta e que as pessoas alfabetizadas têm a
autoridade de saber ler e escrever.
É muito importante para a criança que avança para o nível conceitual
silábico-alfabético conhecer a grafia adequada de algumas palavras através da
autoridade do contexto cultural que a cerca, ou seja, a autoridade dos
alfabetizados. O confronto entre as grafias corretas de palavras e o tipo de escrita
silábica produzida pela criança é fonte de reflexão e ajuda na passagem para o
nível silábico-alfabético, porque a criança percebe a necessidade de acrescentar
mais letras do que as que põe no nível precedente.
No nível silábico-alfabético toma-se como ponto de partida o aspecto
em que a escrita funciona como um sistema de representação da linguagem oral.
Ainda nessa fase a criança escreve, nas palavras, algumas sílabas só com uma
letra e outras sílabas com duas letras, persistindo ainda a dificuldade de
decodificação daquilo que escreveu. É o momento transitório da oralidade para a
escrita. E é no âmbito da oralidade para a escrita que as produções escritas das
crianças, quer enquanto representação dos “pedaços” de sua fala, quer no
contexto de vida para interpretação, ganham significação por menores e mais
fragmentados que sejam.
Nível alfabético – a hipótese silábico alfabética também não satisfaz
completamente a criança, e ela prossegue sua pesquisa em busca de uma
solução mais completa que só será alcançada por intermédio da fonetização da
sílaba, ou seja, a constituição alfabética das sílabas.
Essa fonetização da sílaba não é instantânea e definitiva. O aluno
começa a escrever alfabeticamente algumas sílabas, enquanto escreve outras na
hipótese silábica. São escritas silábico-alfabéticas, mas já fazem parte do nível
alfabético, mesmo em se tratando do uso de dois tipos de concepções.
O nível alfabético caracteriza-se pelo reconhecimento do som da letra.
Entretanto, a criança não consegue, nesse nível, a solução de todos os
problemas no que se refere à leitura e escrita.
O primeiro problema que a criança enfrenta refere-se aos tipos de
sílabas. As crianças de modo geral, generalizam que todas as sílabas têm sempre
suas letras e dificilmente concluem, automaticamente, que existem sílabas de
uma, duas, três, quatro ou cinco letras.
O segundo problema vivenciados pelas crianças diz respeito à
separação das palavras na produção de textos. Durante a escrita de textos
espontâneos, as crianças ora emendam palavras, ou seja realizam as chamadas
junturas, ora dividem palavras em duas ou três partes, o que podemos chamar de
segmentação. Isso acontece porque, quando a criança escreve, concentra-se na
sílaba, assim, as palavras tendem a desaparecer como um todo. Essa é uma
característica muito comum das crianças ao ingressarem no nível alfabético e já
são trabalhadas visando à construção da base ortográfica.
O terceiro problema refere-se à ênfase sobre a escrita fonética. A
criança ao realizar a adequação fonética do escrito ao sonoro, enfrenta questões
ortográficas. Descobre que uma mesma letra pode ter som de outra, como, por
exemplo o s com som de z.
Por último, a criança enfrenta dificuldades na escrita e na leitura de
sílabas complexas. A compreensão de grupos consonantais é fruto de muito
lógico de raciocínio e não de memorização ou fixação mecânica. A aquisição da
base ortográfica envolve a inter-relação de componentes lógicos, perceptivos
motores, afetivos, sociais e culturas na aprendizagem. É preciso um trabalho
constante com a construção das sílabas com dígrafos e encontros consonantais
nesse nível de conceitualização.
O nível alfabético constitui o final da evolução construtiva do
aprendizado da leitura e escrita. Uma aprendizagem marcada pela reelaboração
pessoal do aluno e da reflexão lógica.
Analisando a descrição dos processos utilizados pela criança para
compreender a escrita e a leitura, podemos dizer que esta é uma das principais
contribuições de Emilia Ferreiro, demonstrando o papel ativo do sujeito com a
construção do seu próprio conhecimento, ou seja percebemos que a criança ao
se apropriar de leitura e da escrita não estabelece apenas uma relação de
memorização, ao contrária ela age, interage e reflete sobre o objeto de
conhecimento. Portanto, os estudos de Emilia Ferreiro quanto à psicogênese da
leitura e da escrita, constituem uma mudança de paradigmas cognitivos que,
consequentemente exige uma reformulação da prática pedagógica.
Pensando na construção de uma prática pedagógica que se aproprie
dessas novas idéias sobre a alfabetização, no próximo nos aprofundaremos no
papel do professor na construção desse conhecimento produzido pelo aluno.
2. O PAPEL DO PROFESSOR NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO DA CRIANÇA
Analisando a prática pedagógica de qualquer professor podemos
perceber que, por trás de suas ações, sempre existe um conjunto de idéias, ou
seja, concepções que orientam essas ações, mesmo que não se tenha
consciência delas. Por isso, podemos afirmar que a prática educativa é
essencialmente política, visto que diz respeito a uma determinada concepção de
homem, de mundo e de sociedade que acredito e quero construir com meu aluno.
Para compreendermos a ação do professor é preciso desvelar qual
concepção que ele expressa acerca do conteúdo que espera que o aluno
aprenda; do processo de aprendizagem, ou seja, como acredita que a
aprendizagem acontece; e de como deve ser o ensino. Assim, entendemos que
qualquer prática pedagógica pode ser analisada a partir do trio: conteúdo,
aprendizagem e ensino.
Segundo a teoria empirista, que historicamente vem imprimindo suas
idéias sobre o processo ensino-aprendizagem de forma mais intensa, há três
concepções que se articulam para fundamentar a prática do professor onde, o
processo de aquisição da linguagem investe na transcrição da fala, a
aprendizagem acontece pelo acúmulo de informações e o ensino caracteriza-se
pela memorização.
Na teoria sociointeracionista, os estudos da psicogênese, no que se
refere ao conceito da escrita, oferecem informações importantes para o professor
desenvolver suas atividades de modo mais coerente. As pesquisas mostram a
necessidade de mudança conceitual da prática pedagógica, neste sentido é
preciso também uma transformação total na concepção do objetivo da
aprendizagem, do sujeito que aprende e consequentemente do professor.
Entretanto, é preciso ressaltar que romper com antigos e enraizados paradigmas
constitui-se em uma tarefa árdua e difícil, exigindo do professor dedicação e
empenho no estudo e compreensão desse novo paradigma teórico, de forma a
buscar a reconstrução de uma nova prática pedagógica. Se o professor procura
inovar sua prática, considerando que o ensino é algo construído pelo sujeito
epistêmico sem compreender as fundamentações dessa teoria, pode equivocar-
se metodologicamente, como nos confirma Telma Weisz:
“Quando se tenta sair de um modelo de aprendizagem empirista para um modelo construtivista, as dificuldades de entendimento às vezes são graves. De uma perspectiva construtivista, o conhecimento não é concebido como uma cópia do real, incorporado diretamente pelo sujeito: pressupõe uma atividade, por parte de quem aprende, que organiza e integra os novos conhecimentos aos já existentes. Isso vale para o aluno quanto para o professor em processo de transformação” (Weisz, 2001: 58)
A partir do conhecimento de uma série de fatos vinculados à evolução
psicológica, é necessário pensar outros termos na intervenção pedagógica e em
todos os elementos presentes nessa intervenção, considerando que o importante
é compreender o desenvolvimento das idéias da criança sobre a escrita como um
processo evolutivo.
Assim, sabemos que na prática empirista, a desenvolvimento da
criança é “medido” a partir daquilo que ela sabe ou não, o que torna muito difícil
compreender, o que ela apresenta enquanto evolução cognitiva e que certos
elementos presentes em sua escrita são normais dentro desse conceito de
evolução, mesmo que seja considerado “erro” em relação à escrita convencional
do adulto.
Portanto, o professor deve sempre interpretar a produção gráfica dos
alunos de maneira positiva, respeitado-o enquanto produtor de seu próprio
conhecimento, de forma a valorizar seu esforço para compreender o sistema
alfabético da escrita. Essa perspectiva aponta o sujeito como autor do
conhecimento, o que não significa que a intervenção pedagógica seja
desnecessária, ao contrário, o papel do professor no processo de construção do
conhecimento consiste em facilitar o intercâmbio entre o sujeito e o objeto desse
processo.
Partindo do pressuposto, de que para a teoria sociointeracionista o
aprendiz é o protagonista do seu próprio processo de aprendizagem, logo, é
aquele que irá transformar as informações em conhecimento. Entretanto, essa
construção não acontece por si só, é preciso que seja propiciada situações em
que o sujeito possa interagir, agir e refletir sobre seu objeto de conhecimento.
É nesse contexto que a presença do professor e sua intervenção torna-
se determinante, pois ele será o agente mediador dessa relação cognitiva, como
podemos compreender pelas palavras de Paulo Freire (2000: 52) que revela sua
arte mais singela e autêntica: “Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Essa postura que o professor tem que assumir diante dos outros, é
exigente e difícil, principalmente pelo exercício permanente de ser fazer
instrumento desafiador e estimulador, em busca da autonomia do aluno enquanto
sujeito do processo de aprendizagem. Esse exercício constante requer que o
professor se perceba, também, enquanto um ser em processo, ou seja,
inacabado, predisposto ao novo, ao diferente e à mudança.
CONCLUSÃO
Tendo em vista os aspectos observados, podemos analisar a
contribuição da teoria sociointeracionista, a partir de uma perspectiva dialética
que propõe como essencial estarmos atentos para o processo de
desenvolvimento da criança e paralelamente para o nosso próprio processo,
considerando que estamos imersos e em interação com a realidade social, e
portanto, estamos em permanente construir e reconstruir.
Dentro deste debate, é importante ressaltar a contribuição deste
estudo para o trabalho cotidiano do profissional de educação, que necessita
estimular, desafiar e instigar constantemente seus alunos, para que estes se
interessem pela a aprendizagem, de forma a desejar a busca incessante do
conhecimento. Esta é uma tarefa árdua e cheia de obstáculos, sejam eles
administrativos, pedagógicos, econômicos, sociais ou até mesmo pessoais.
A concepção de aprendizagem, segundo a teoria sociointeracionista,
se estrutura a partir de uma abordagem global, articulada e coerente de como os
alunos aprendem em situação escolares, e de como os professores podem
contribuir para que seus alunos aprendam mais e melhor. Esse é exatamente o
nó da questão, pois ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as
possibilidades para sua própria produção.
Reconhecer esta verdade, é reconhecer que a prática educativa é
ideológica e política, diz respeito à concepção do homem e do mundo que se quer
construir. Neste processo o papel do educador é de formador do sujeito que será
capaz de fazer suas escolhas, de construir sua própria história, de ser autônomo.
A educação escolar cumpre múltiplas funções, entre outras, a de ser
instrumento para contribuir para o desenvolvimento e para a socialização de
novas gerações. Através dela, é necessário que a sociedade se esforce em
colocar ao alcance de TODOS, os conhecimentos fundamentais para que possam
se construírem enquanto cidadãos. Nesta concepção o educando é responsável
último por sua aprendizagem. Porém, reconhece-se que o aluno não constrói o
conhecimento sozinho, mas na sua relação com o outro. O aluno está imerso em
um meio cultural e o professor é o guia que o auxilia a explorá-lo, reconstruí-lo e a
situar-se nele. Por isso aprender não é apenas construir, mas também
COMPARTILHAR.
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