Alexandre Herculano

download Alexandre Herculano

If you can't read please download the document

description

s

Transcript of Alexandre Herculano

ddLanguage: Port==0000946ffddsssssddsdsdhdsProduced by Mike Silvadssssssdsss ALEXANDRE HERCULANO POR DIOGO ROSA MACHADO PROFESSOR DE LINGUA E LITTERATURA PORTUGUEZA PREO 200 REIS LISBOA LIVRARIA EDITORA TAVARES CARDOSO & IRMO 5--LARGO DE CAMES--6 MDCCCC ALEXANDRE HERCULANO CONFERENCIA PBLICA REALIZADA NO ATHENEU COMMERCIAL DE LISBOA, NA NOITE DE 15 DE JULHO DE 1900 POR DIOGO ROSA MACHADO PROFESSOR DE LINGUA E LITTERATURA PORTUGUEZA LISBOA LIVRARIA EDITORA TAVARES CARDOSO & IRMO 5--LARGO DE CAMES--6 MDCCCC Typ a vapor da Empreza Litteraria e Typographica Rua de D. Pedro, 184--Porto. MEUS SENHORES.O homem nasceu para viver em sociedade. Apesar de todos os paradoxossustentados por Joo Jacques Rousseau contra o estado social, incontestavel que s neste estado que elle se pde aperfeioarintellectual e moralmente. O selvagem feroz, cruel e sanguinario.Com as naes succede o mesmo que com os individuos. Assim como osindividuos isolados no progridem, assim tambem as naes que vivemseparadas das outras permanecem estacionarias. Quanto mais amplas foremas relaes sociaes maior ser o desenvolvimento da intelligenciahumana. Se o commercio abre o caminho para a civilizao e fraternidadedos povos, a mais alta cultura litteraria e scientifica que poderfaz-las attingir o seu auge. A cultura litteraria, alm de serindispensavel a todo o homem, seja qual fr a sua posio social, ofactor mais poderoso da solidariedade universal. Quando as obraslitterarias e scientificas em que se revela a maior pujana do espiritohumano estiverem vulgarizadas em todos os paises, ento afraternidade universal no ser certamente um sonho vo, prestar-se-ha oculto mais ardente liberdade e egualdade, finalizaro as guerras,que so verdadeiros crimes sociaes. So os eloquentes escriptores, ossublimes poetas e os eminentes sabios que mais tm contribuido para oprogresso intellectual e moral do genero humano; devemos pois tributaras mais ardentes homenagens a todos os bemfeitores da humanidade, atodos os grandes homens que a tm honrado com o seu genio litterario,scientifico ou philosophico.So rarissimas as manifestaes populares que no so excitadas pelaspaixes politicas. Este facto um triste symptoma da profundaignorancia que ainda lavra no nosso pais.As homenagens prestadas aos grandes escriptores e aos sabios eximiosdevem ter por unica origem a gratido popular pelos relevantissimosservios que prestaram, pelos grandes esforos por elles envidados parainstruir e moralizar a sociedade.Bem sei que a politica indispensavel para o progresso dos povos, mastambem certo que no campo da politica se pem ordinariamente aspaixes partidarias acima dos affectos mais nobres e sublimes do coraohumano, acima do amor da verdade e da justia, da rectido e daimparcialidade que devem caracterizar todo o homem de bem, todo ocidado honrado e virtuoso. um espectaculo asss desagradavel o vrque, no campo da politica vil e mesquinha, de um lado se encontramhomens sempre promptos a adular os poderosos da terra, todos ostyrannos; seja qual fr a denominao que se lhes d; do outro,individuos que, sob a mascara das doutrinas mais avanadas, procuramlisonjear as paixes muitas vezes ignobeis e mesquinhas das turbasanalphabetas, ignorantes e fanaticas. O homem que s procura a verdade eo bem, que no se deixa dominar pelas paixes politicas, que imparciale recto, que ousa fallar ou escrever sem preconceitos contra a profundacorrupo do seu seculo e do seu pais, que no hesita em vituperar osvicios de todas as classes sociaes, que no vende a sua consciencia nomercado dos poderosos nem procura illudir a plebe ignorante e fanatica,que muitas vezes applaude inconscientemente os discursadores frivolos,cujo merito apenas consiste na verbosidade vacua e na habilidade paraafagar as preoccupaes populares, o homem que considera a mentira umcrime, que louva ou vitupera com toda a sinceridade e justia,forcejando por no faltar verdade, que no mercadeja com a suaintelligencia, que Deus s lhe deu para conhecer o bello, o verdadeiro eo justo, aquelle que assim procede com toda a dignidade sempre o alvodas censuras mais acres e injustas, chega a ser muitas vezes calumniadopelos fanaticos de todas as escolas e de todos os partidos; mas, no meiod'estas grandes miserias sociaes, ha sempre um grupo de homens sensatose moderados, illustrados e honestos, que comprehendem o seu modo depensar e de sentir e lhe fazem a devida justia; quando isto nosuccedesse, bastar-lhe-hia a pureza da sua consciencia para o consolar,para lhe suavizar as amarguras provenientes da injustia dos homens,porque a consciencia para todo o homem sincero, imparcial e recto afonte dos prazeres mais intensos e duradouros, porque a voz daconsciencia que o impelle a proseguir denodado e imperturbavel o caminhoda verdade e da justia, sem lhe importarem os murmurios, os vituperiosque em volta d'elle possam levantar todos os ignorantes e maus, todos oshomens dominados pelo fanatismo religioso, philosophico ou politico.Ha uma cousa muito mais nobre e elevada do que a politica, uma occupaoque no degrada os caracteres nem corrompe os costumes, em que no preciso sacrificar a consciencia nem praticar a injustia, que nos servede consolao no meio de todas as angustias: a cultura litteraria escientifica. Sem esta cultura to proveitosa no poderiam realizar-senas sociedades transformaes beneficas, solidas e duradouras, noteriam os povos consciencia dos seus direitos e dos seus deveres, noconheceriam o seu passado nem saberiam como proceder para se tornaremmais moralizados e felizes, no poderia haver politica liberal e sensata.Quando se trata de prestar homenagens quelles grandes vultos que tantaluz irradiaram nos seus escriptos, todos, sem distinco de partidos, deescolas philosophicas e litterarias, devem unir-se para mostrar a suagratido para com aquelles que to poderosamente contribuiram para oprogresso intellectual e moral da sua patria e da humanidade.Ninguem mais digno das nossas homenagens do que o grande vulto de cujasvirtudes e meritos litterarios e scientificos venho hoje fallar-vos.Ninguem mais digno das nossas homenagens do que o eminente escriptor quese chamava Alexandre Herculano de Carvalho e Araujo. Ninguem mais dignodas nossas homenagens do que aquelle cidado illustre que foi a maiorgloria portuguesa d'este seculo e uma das maiores glorias portuguesas detodos os seculos.Lisboa, que foi o bero de Cames e de Vieira, de Diogo de Couto e de D.Francisco Manuel de Mello, tambem possue a gloria de ser a terra ondenasceu um escriptor em cuja alma se achavam, por assim dizer,conglobados muitos dos predicados que adornavam os espiritos d'aquellesgrandes homens; um escriptor que chegou a adquirir na litteraturauniversal um dos nomes mais illustres; um grande lyrico, cujo sentimentoreligioso profundo como o de Lamartine, cujo amor da liberdade vehemente como o de Victor Hugo, cujo patriotismo ardente como o deBranger; um romancista que, alem de rivalizar com Walter Scott naerudio e no estylo, revela, na pintura das grandes paixes, a energiade Shakspeare e Byron, e nas descripes de batalhas se parece comHomero; um historiador eloquente como Tito Livio, vigoroso como Tacito,conciso como Sallustio, elegante como Xenophonte, claro como Taine,consciencioso e erudito como Thierry, imparcial como Maccaulay,philosophico como Guizot e poetico como Michelet; um epistolographosentimental como Rousseau e sobrio como Voltaire; um polemista cujoestylo no menos grandioso que o de Lamennais e que na vehemencia daindignao rivaliza com Juvenal. Ser tudo isto ao mesmo tempo umdos phenomenos mais raros e maravilhosos que nos pde apresentar ahistoria litteraria. Pois tudo isto foi Herculano; este phenomenoextraordinario e verdadeiramente maravilhoso -nos apresentado pela suaobra monumental e complexa. immensa a gloria de Herculano, mas tambem immensa a gloria dePortugal por ter sido a patria de um escriptor to insigne e de um varoto austero. Herculano foi incontestavelmente um dos principaes mestresda nossa lingua, um dos pensadores mais profundos da nao portuguesa eum dos historiadores mais eloquentes, exactos e imparciaes que o mundotem produzido. A immensidade do seu genio levou o grande historiadoringls, o illustre Maccaulay, to sobrio em louvores, a proferir estaphrase enthusiastica: A Hespanha deveria esforar-se por conquistarPortugal s para possuir Herculano.O principe dos historiadores portugueses nasceu no dia vinte e oito demaro de mil e oitocentos e dez. Ha por consequencia noventa annos queneste bello pais, nesta formosa cidade banhada pelo Tejo, debaixo d'esteceu puro e limpido, nasceu um escriptor em cujo corao se abrigava asensibilidade ardente de um poeta e em cujo cerebro fulgia aintelligencia profunda de um philosopho. Ha noventa annos que nasceu emPortugal um dos seus escriptores mais brilhantes, fecundos e eruditos eo seu prosador mais eminente. Ha noventa annos que veiu ao mundo um dosartistas mais varonis, um dos caracteres mais austeros, um doscoraes mais sensiveis, energicos e apaixonados, um dos maisbrilhantes luminares da sciencia historica.A natureza difficilmente produz os grandes homens; so rarissimos emtodas as naes. Por isso devemos admir-los e glorific-los como entesextraordinarios que a Providencia destinou para conduzir a humanidadepela estrada do progresso e da civilizao.Se attendermos pequenez do territorio que occupamos na Europa e respectiva populao, Portugal uma das naes que maior numero dehomens illustres tm produzido. O nosso pais tem sido o bero dos maisarrojados heroes e dos mais eloquentes escriptores. A litteraturaportuguesa to rica e luxuriante como o solo da nossa patria.A excellente posio geographica do nosso pais, o delicioso clima quepossuimos, as bellezas naturaes que adornam esta abenoada terra sulcadade rios ora graves e imponentes, ora risonhos e graciosos, os vallesamenos e serras magestosas de que ella matizada e que despertam em nso sentimento do bello, esse vasto e profundo oceano que nos offerece oespectaculo mais grandioso tornando-nos scismadores e melancolicos eimpellindo-nos s mais altas cogitaes e ao mais profundosentimentalismo, a aptido assimiladora da nossa raa, cujo vigor nopoude ser completamente destruido por mais de duzentos annos de educaojesuitica e de tyrannia inquisitorial, tudo ha contribuido poderosamentepara que Portugal tenha produzido grande numero de homens distinctos emtodos os ramos de litteratura, especialmente na poesia e na historia,que so os generos litterarios que mais se coadunam com a nossaindole nacional. No meio de tantos poetas e prosadores eminentes occupaHerculano incontestavelmente um dos primeiros logares.Alexandre Herculano era um d'aquelles homens em quem se acham reunidosos predicados mais oppostos; possuia uma sensibilidade ardente e umaprofundeza admiravel, uma imaginao vulcanica e uma grande perspicaciana investigao da verdade; a sua intelligencia era eminentementeanalytica e synthetica; o seu espirito era simultaneamente poetico ephilosophico; nas suas obras encontra-se um estylo ao mesmo temposimples e solemne, conciso e energico, claro e imaginoso, sobrio eelegante. Era verdadeiramente assombroso o poder e a harmonia das suasfaculdades. Herculano foi um dos genios mais notaveis do seu seculo e doseu pais; ninguem ainda revelou uma sensibilidade mais energica evaronil do que elle. Em todas as litteraturas rarissimas vezes seencontra um escriptor dotado ao mesmo tempo de aptides to elevadas enumerosas.No se deve estudar a vida de Herculano independentemente das suasobras, porque em todas se revela o fogo sagrado que o anima, a suagrande imaginao, a poderosa energia do seu temperamento, a rigidez doseu caracter, o seu ardente enthusiasmo por tudo quanto nobre e bello,o seu amor da sciencia e da virtude, a sua paixo pela liberdade e a suaprofunda abnegao; numa palavra, porque em todas as suas obras estvigorosamente estampado o seu nobre caracter e o seu grandioso espirito.A indole eminentemente poetica e philosophica de Herculano revelou-sedesde a infancia; as impresses que se experimentam nos primeiros annosda vida tm grande analogia com as inclinaes dos ultimos annos: nastendencias infantis j se descobre o que se ha de vir a ser na edade dehomem.Pelos escriptos de Herculano conhecemos muitos factos da sua vida,narrados com a sinceridade que caracterizava o eminente escriptor. NoMonge de Cister diz elle, referindo-se aos dias-santos dos seus tenrosannos: tarde corria pela relva com os outros moos da minha edade, etravava luctas e gritava e ria e suava e tripudiava nos jogos ebrinquedos, que so proprios d'aquella edade; mas, quando o sol desciapara o horizonte, ia assentar-me sombra de uma grande nogueira,ssinho, a ouvir cair num tanque uma pequena bica d'agua, e alli ficavamuito tempo a scismar. Em que? Eu sei l! Em nada, provavelmente. Masscismava e sentia levantar-se-me no corao um fumosinho de tranquillamelancolia, fumosinho que se condensava brevemente nos olhos emlagrimas, que no chegavam a rolar, mas que nelles bailavam. E alli meachava a noite, e buscavam-me, e desfaziam-me o encanto, mas ficava-mec a saudade...Estas palavras eloquentes e repassadas da mais vehemente poesiamostram-nos que j na sua infancia Herculano revelava uma grandetendencia para a solido, um temperamento melancolico, um espirito asssmeditabundo, um corao muito impressionavel, uma alma verdadeiramentepoetica, onde se comeava a accender o amor da natureza. As suastendencias infantis no denunciariam j o grave e austero solitario deValle de Lobos? Aquella creana prodigiosa, que se afastava dos seuscompanheiros para meditar, havia de ser mais tarde o vigoroso cantor da_Semana Santa_ e da _Arrabida_, o sublime idealista do _Eurico_ e orenovador dos estudos historicos em Portugal.Para bem se avaliarem os escriptos e as opinies de Herculano misterque examinemos a sua educao. No ha homem algum, por maior que seja oseu espirito, em quem a educao no exera uma poderosa influencia; soprofundos os vestigios que deixam no espirito os primeiros habitos e idas.Herculano era naturalmente religioso como a maior parte dos grandespoetas, mas a educao que recebeu contribuiu poderosamente para que noseu espirito ficassem profundamente gravadas as crenas christs. Estascrenas foram certamente modificadas pelo espirito philosophico de que anatureza o dotara, mas, embora chegasse a combater com a maior energiaos novos dogmas que Roma introduziu no catholicismo, nunca em seuespirito se extinguiu a religiosidade, nunca renegou um s dosprincipios fundamentaes do verdadeiro christianismo. Em toda a sua vidafoi um crente sincero, um enthusiasta da moral evangelica, umespiritualista ardente. Era um velho catholico, um sectariointransigente da igreja primitiva. Foi considerado hereje por uma grandeparte do clero, mas aquelle hereje era um verdadeiro christo, que noadmittia innovaes no catholicismo nem transigia com a Companhia deJesus.A lucta que se travava no seu espirito entre a f e o raciocinio, entrea religio e a philosophia, e que s pde ser devidamente avaliada poraquellas almas apaixonadas que, depois de receberem uma educaoeminentemente christ, se acham invadidas pelo verme roedor doscepticismo, essa lucta dolorosa em que se estorce a alma do crenteillustrado est admiravelmente descripta no magnifico prologo doParocho d'aldeia, onde se encontra o seguinte trecho, cuja sublimidaderivaliza com a dos mais bellos monumentos da poesia religiosa de todosos seculos:Feliz a intelligencia vulgar e rude, que segue os caminhos da vida comos olhos fitos na luz e na esperana postas pela religio alm da morte,sem que um momento vacille; sem que um momento a luz se apague ou aesperana se desvanea! Para ella no ha abraar-se com a cruz em impetode agonia, e clamar a Jesus:--Creio, creio, oh Nazareno! Creio em ti,porque a tua moral sublime; porque eras humilde e virtuoso; porque,filho da raa soffredora e austera chamada o povo, eras meu irmo, e nopodias, to bom, to singelo, to puro, enganar teu pobre irmo. Creio,creio, oh Nazareno! porque at hora de expirar na ignominia, at hora da grande prova, nunca desmentiste a tua doutrina. Creio, creio, ohNazareno! porque tu s nos explicaste o mysterio d'esta associaomonstruosa da saude, do ouro, do poderio e dos crimes a um lado, e a daenfermidade, da pobreza, da servido e da innocencia a outro; porque nosexplicaste como os destinos humanos se compensavam alm dosepulchro. Creio, creio, oh Nazareno! porque s tu soubeste revelar aconsolao extrema miseria sem horizonte, e os terrores completafelicidade sem termo na vida collocando no logar do destino aProvidencia, e no do nada a immortalidade! Creio, creio, oh Nazareno!porque a intensidade do teu viver um impossivel humano; a victoria datua doutrina severa contra a philosophia e o paganismo, um milagre; agloria do teu nome de suppliciado maior que todas as glorias das maisaltas e virtuosas intelligencias do mundo. Mas foste na verdade um Deus?Como profundamente arrebatador este bellissimo trecho, onde osentimento religioso expresso com tanto vigor como nos Pensamentos dePascal ou nos Sermes de Bossuet e onde a conciso e a harmonia sereunem do modo mais assombroso! No eloquentissimo prologo do Parochod'aldeia ha mais profundeza, energia e solemnidade do que nos maisbellos capitulos do Genio do christianismo de Chateaubriand. Esteadmiravel prologo um verdadeiro poema philosophico, onde se revela umraciocinio vigoroso alliado a uma pujante imaginao e ardentissimasensibilidade.Como Pascal, Herculano caiu no scepticismo philosophico e, vendo quoprofundas eram as dores que a duvida produzia na sua alma e quo grandeera a fraqueza da razo humana, abraou-se com a cruz, procurandorefugio na religio, que era para elle uma fonte perenne de consolaese onde encontrava tudo quanto havia mais bello e grandioso para o seucorao ardentissimo, tudo quanto podia satisfazer a sua grandeimaginao de poeta. Para Herculano o christianismo era no s a maissublime de todas as religies mas a causa principal da civilizaomoderna. No ensinou Christo que todos os homens eram eguaes peranteDeus, isto , perante a Justia eterna? No foi elle quem primeiroprgou a fraternidade universal e a tolerancia? No causaram as suaspalavras vibrantes e sonoras, os seus discursos profundamente liberaestanto susto aos tyrannos e hypocritas?Para Herculano o christianismo era um facto altamente grandioso no spelo lado poetico mas tambem pelo lado social; para elle tinham umasignificao profundamente analoga estas duas palavras: redempo eliberdade.Em Herculano havia duas almas, que mantinham entre si um perfeitoequilibrio: uma, religiosa e poetica; outra, philosophica e propensa aoscepticismo. A primeira fez d'elle um escriptor de primeira ordem; asegunda, um pensador profundo, que eliminou da nossa historia tudoquanto nella havia phantastico e milagroso.Herculano no era certamente um inimigo da philosophia; o que apenasteve em vista no prologo do Parocho d'aldeia foi exprimir as agoniasintimas produzidas pelo scepticismo involuntario e mostrar quo doce eraa tranquillidade gerada pela crena viva. O homem que introduziu emPortugal a philosophia da historia e que to eloquentemente advogounalguns dos seus escriptos a causa da instruco popular, deu bastantesprovas de quanto amava a cultura scientifica e philosophica. Aquelleprologo apenas um desabafo de poeta, uma manifestao sincera eprofundamente lancinante dos tormentos que opprimiam a sua alma, quegemia na duvida, embora nella estivesse profundamente gravado osentimento religioso.Os escriptores mais eloquentes tm ordinariamente sido religiosos. Se anossa imaginao se transportar Grecia, patria da poesia, daeloquencia e da philosophia, l encontraremos a propagar o idealismo odivino Plato, aquelle grande philosopho a quem Mithridates levantou umaestatua e Aristoteles um altar e cujo estylo poetico, enthusiastico,doce e harmonioso ainda hoje causa a admirao do mundo. Com que energiano expresso o sentimento religioso nas sublimes odes de Pindaro e nassolemnes e magestosas tragedias de Eschylo!Passemos a Roma, e l acharemos o sentimento religioso revelado nasobras de Virgilio, de Cicero e de Tito Livio. O grande Lucrecio, o maisprofundo e um dos mais eloquentes poetas romanos, que no seu brilhantepoema Da natureza das cousas romanizou o epicurismo, negou aexistencia dos deuses e a immortalidade da alma, divinizou a materia,explicou a origem do mundo sem interveno divina e aconselhou osuicidio, foi sem duvida uma excepo.Mas em nenhuma litteratura da antiguidade se exprimiu o sentimentoreligioso com tanta simplicidade, fora, doura, nobreza e sublimidadecomo na litteratura hebraica. Ainda nenhum escriptor antigo ou modernoconseguiu ser mais sublime do que Isaias, nem mais sentimental eterno do que David, nem mais magestoso do que Moyss, nem maismelancolico do que Jeremias.Na edade mdia apparece-nos o sublime Dante, o cantor do catholicismo,produzindo essa obra prima intitulada _A Divina Comedia_, que levar onome do seu auctor mais remota posteridade e que uma das mais bellasproduces do espirito humano.Nos tempos modernos foi o sentimento religioso que inspirou a Milton asua maravilhosa e sublime epopeia _O Paraizo Perdido_, a Bossuet assuas eloquentes _Oraes funebres_ e a Pascal os seus profundos emagestosos _Pensamentos_.No seculo dezoito, nesse seculo philosophico e revolucionario em quefizeram grandes progressos o scepticismo e a incredulidade e sepropagaram com immensa actividade as doutrinas que deviam produzir asgrandes tempestades politicas e sociaes, nesse grande seculo, ao qualdevemos comtudo immensos beneficios, Joo Jacques Rousseau, um dos maiseloquentes prosadores franceses, defendeu com muito enthusiasmo aexistencia de Deus e a immortalidade da alma e exaltou a moralevangelica, distinguindo-se pelo seu deismo ardente, que elle manifestounum estylo to suave e harmonioso que faz lembrar o de Plato.No seculo dezanove, o seculo dos estudos historicos e da philosophiapositiva, vemos o sentimento religioso expresso com uma vivacidadeadmiravel nas obras de Victor Hugo, Lamartine, Chateaubriand, Manzoni,Walter Scott, Lamennais, Renan, Thierry, Guizot, Michelet,Flammarion, Tolstoi e muitos outros. Este sentimento sublime do coraohumano existe no s nos que professam o christianismo ou qualquer outrareligio positiva mas tambem em todos os sectarios da religio natural.Como a religio tem raizes profundas no corao do homem, ho de existirsempre, por mais alto que se eleve a sua intelligencia, almasapaixonadas que se comprazam em estar abrasadas no fogo sagrado dosentimento religioso. Eu no creio que este venha a extinguir-se no seioda humanidade mas estou profundamente convicto de que com o progresso dacivilizao a religio individual se ha de tornar cada vez mais pura,isto , se ha de ir libertando das supersties com que a tm deturpadoa imaginao e a ignorancia dos povos e os interesses sacerdotaes.Embora se derribassem os altares e se destruissem os templos, areligiosidade havia de existir perpetuamente no corao do homem porquebastaria a contemplao da natureza magestosa e bella que nos circumdapara despertar em ns a ida mais sublime a que se elevou aintelligencia humana, a ida de Deus.Se Herculano, alm de ser um grande poeta, foi um dos prosadores maispoeticos e eloquentes que tm existido em todos os seculos, que admiraque o seu espirito fosse eminentemente religioso? Todas as crenas sodignas do maximo respeito comtanto que haja sinceridade naquelles que asprofessam. O homem que no respeita as opinies alheias inimigo datolerancia e da liberdade, por mais avanadas que paream as suasidas. O fanatismo philosophico para mim to reprehensivel como ofanatismo religioso. Considero pois injusto, absurdo e ridiculo odeprimir Herculano por causa da sua paixo ardente pelo christianismo,da sua crena em Deus e na immortalidade da alma, como o tm feitoalguns d'esses criticos superficiaes ou mal intencionados que costumamapparecer em todas as epochas para depreciar as obras mais excellentesque tem produzido o genio do homem. indubitavel que o christianismo exerceu uma influencia benefica nogenio litterario de Herculano. Foi nas paginas sublimes da Biblia queHerculano bebeu uma parte das suas inspiraes; foi no estylo biblicoque elle escreveu o terrivel e eloquente opusculo _A Voz do propheta_ eos sublimes e dolorosos cantos do presbytero de Carteia, que fazem partedo seu mais bello e magestoso romance, a que deu o titulo de _Eurico_.Mas, no emprego do estylo biblico, Herculano, longe de ser um simplesimitador, revelou sempre a poderosa originalidade que caracteriza todosos seus escriptos.O sr. Theophilo Braga, na sua _Historia do romantismo_, diz queHerculano no se elevou acima da metaphysica christ; mas o distinctoprofessor esqueceu-se de accrescentar que no tempo de Herculano a maiorparte dos grandes espiritos que tanto illustraram o seu seculo nospaizes mais adiantados da Europa e da America, se achavam no mesmoestado psychologico e que a philosophia positiva ainda no conseguiuderribar o espiritualismo.Em todas as escolas philosophicas tem havido pensadores profundos. Oespiritualismo christo no impediu Herculano de ser um dos maiseminentes historiadores do seu seculo, assim como no tirou maismodernamente ao immortal Pasteur a glria de ser um sabio de primeiraordem, um dos maiores bemfeitores da humanidade. No obstante as grandesmodificaes por que passou o altissimo espirito de Victor Hugo, euconsidero o seu christianismo, embora philosophico, incomparavelmentemais puro do que o de Torquemada e S. Domingos de Gusmo, cujoprocedimento fanatico estava em completo antagonismo com os principiossublimes, com as maximas sacrosantas proclamadas no Evangelho. VictorHugo, apesar do seu espiritualismo ardente e do seu enthusiasmo pelamoral evangelica, foi um dos escriptores mais eloquentes e philosophicosque a Frana tem produzido. Se Guizot e Thierry na Frana, Cantu naItalia, Maccaulay na Inglaterra, Herder e Niebuhr na Allemanha, Prescottnos Estados-Unidos da America puderam ser ao mesmo tempo historiadoresde primeira ordem e espiritualistas christos, porque no poderiasucceder o mesmo em Portugal a Alexandre Herculano? Condemnar estegrande homem pelo seu espiritualismo ardente e pelas suas crenasreligiosas seria o mesmo que condemnar a sua epocha e a escola romanticade que elle foi um dos mais distinctos ornamentos, seria faltar justia e imparcialidade que deve ter o verdadeiro critico.Creio que, em quanto a humanidade existir, ha de haver semprediscordancia em materia philosophica. A historia da philosophia, dizHerculano, a historia de um edificio comeado ha milhares d'annosem que um seculo revolve os fundamentos que outro lanou, para lanar osseus, os quaes egualmente so revolvidos pelo seculo seguinte, cujostrabalhos condemnar o que vier aps elle. A duvida, a que o espirito deHerculano era naturalmente propenso, como se revela em muitos dos seusescriptos, impedia-o de se deixar dominar completamente pelas crenasreligiosas, que nunca exerceram a minima influencia nas suasinvestigaes historicas. Esta minha opinio completamente opposta que o sr. Theophilo Braga manifesta na Historia do romantismo quandonega a Herculano a possibilidade de comprehender a vida politica do povoportuguez pelo facto de ser um christo fervoroso e poetico. Mas odistincto escriptor contradiz-se na mesma pgina quando, para deprimirHerculano, faz os maiores elogios a Agostinho Thierry, que no era menoschristo do que o principe dos historiadores portugueses.Nenhum escriptor do romanticismo foi apreciado to injustamente pelosseus adversarios como Alexandre Herculano, o que para mim mais umaprova do seu immenso valor. Herculano, que foi accusado de impio pelospartidarios da reaco ultramontana e do jesuitismo, tem sido criticadoinjustamente por alguns escriptores que, declarando-se sectarios dopositivismo, esto muito longe de seguir as pisadas de Taine e deLittr, dois positivistas eminentes que, pelo seu caracter austero,espirito philosophico e estylo elegante, primoroso, correcto e limpido,se tornaram dignos da venerao no s da Frana mas de todo o mundo.Venero todos os grandes homens, seja qual for a sua escola, porquetodos tm contribuido poderosamente para o progresso; o que detesto ainjustia, a maledicencia e o fanatismo. O critico, para ser eminente,deve pr a sua consciencia acima de todos os preconceitos, de todo oespirito do partido.O amor da verdade a principal qualidade do historiador. Foi estaqualidade, associada a muitas outras, que fez com que Herculano fosse umdos maiores historiadores do mundo. Eu no quero dizer que elle no seenganasse, porque isso seria contrario natureza humana; no ha ningueminfallivel, a no ser o padre santo para os partidarios doneo-catholicismo ou do catholicismo influenciado pela Companhia deJesus. O que certo que Herculano examinava com a mais profundaatteno tudo quanto escrevia, empregava todos os meios de no falsear ahistoria, tudo sacrificava ao amor da verdade, fazia fallar os factos,no enchia a historia de generalizaes falsas, intempestivas eabsurdas; tudo quanto dizia firmava-se em documentos que elle criticavacom a maior severidade e de cuja authenticidade estava profundamenteconvicto; no fazia syntheses que no se estribassem na mais profunda erigorosa analyse. O mais abalisado analysta historico que Portugal temproduzido teve sempre receio de cair nessa laborao subjectiva, falsa eimaginosa, que caracteriza muitos espiritos do seculo dezanove.Quantas obras historicas se no tem escripto, que, em vez da verdadeiraphilosophia da historia, nos apresentam a philosophia dos seus auctores!Os trabalhos historicos de Herculano foram incomparavelmente maissyntheticos do que tudo quanto no seu genero se havia escriptoanteriormente em Portugal; mas, se a generalizao philosophica noexiste nelles mais copiosamente porque ainda se no tinham realizadocom a amplitude indispensavel as investigaes eruditas sem as quaestoda a philosophia da historia seria apenas um edificio sem base; porque ainda escasseavam os materiaes sufficientes para se poderem fazerem larga escala syntheses profundas, exactas e rigorosas.Quantas syntheses formuladas no seculo dezanove no sero materia deriso para o seculo vigesimo! Os escriptores gongoricos e nebulosos, quetm falsificado a historia com syntheses falsas e temerarias, parecem-secom aquelle fidalgo da Mancha, chamado D. Quichote, que em cada moinhode vento via um gigante, em cada rebanho um grande exercito; no seufuror de generalizar, os modernos gongoristas em cada facto vem uma lei.Diz o snr. Theophilo Braga que Herculano no possuia disciplinaphilosophica; eu estou profundamente convicto do contrario. Foi adisciplina philosophica que deu a Herculano o mais excellente methodo nomodo de escrever historia; foi ella que fez com que o nosso grandehistoriador procedesse sensatamente, comeando pelo exame rigoroso dosdocumentos, passando anlyse exacta e minuciosa dos factos e por fim generalizao philosophica, de que elle usou com a devida sobriedade. Oshistoriadores que, em vez de ter o maximo rigor na investigao dosacontecimentos, enchem a historia de syntheses phantasticas eplagiadas, que revelam falta de disciplina philosophica.O methodo seguido por Herculano est em perfeita harmonia com asdoutrinas de um dos maiores luminares da philosophia, o grande Bacon,que sustentava que a generalizao se devia fazer vagarosamente,considerando as syntheses feitas pressa como um grande obstaculo aoprogresso das sciencias e uma causa poderosa da multiplicao daspolemicas.S um genio historico verdadeiramente prodigioso como Herculano, poderiarealizar em Portugal o que l fra se fez com muito mais elementos. Oeminente historiador estava num pais atrazadissimo em estudos historicose philosophicos, num pais em que uma parte do clero ora roubavadocumentos ora se recusava energicamente a entreg-los, num pais em queos monumentos historicos dispersos pelas collegiadas e mosteirosdesappareceriam completamente se Herculano os no tivesse colligido.Pde alguem, diz Oliveira Martins, avaliar o trabalho do obreiro semferramenta nem trabalho so?O amor da verdade e da justia predominava de tal modo em Herculano queseria capaz de sacrificar-lhe todos os outros affectos do seu corao;elle punha a verdade acima de tudo. Herculano nunca teve em mirasacrificar a sua consciencia ao servio de qualquer seita ou partido; noseu rigoroso espirito a paixo pela verdade estava acima da religio edo patriotismo. A grande imparcialidade com que Herculano apreciava nos os papas mas tambem aquelles homens a quem a igreja canonizou,mostra-nos evidentemente que o espirito catholico no suffocou nellea paixo mais nobre do verdadeiro historiador, o amor da verdade. Oseguinte trecho do segundo volume da _Historia de Portugal_ uma provada veracidade da minha assero:Ao passo que um homem de genio, Innocencio III, se assentava no soliopontificio para manter a aco da jerarchia sacerdotal, surgiam daobscuridade outros dous homens que haviam de hasteiar de novo a bandeirada abnegao e fazer abraar pelos seus sectarios a rigorosa pobrezarepellida das congregaes monasticas, instituindo em frente d'ellas ascongregaes mendicantes. Ninguem ignora os nomes d'estes dousindividuos: Francisco de Assis e Domingos de Gusmo: aquelle, humildemas abastado burgus italiano que, depois de convertido ao mysticismo,seguia com tanto ardor a vereda da mortificao como antes seguira aespaosa estrada dos deleites; este, nobre e altivo hespanhol, jrevestido de dignidades ecclesiasticas e que se arrojara grandeempreza da reforma sem perder os caracteres da sua raa. Austero einflexivel, homem cujos avs pelejaram sempre contra os sarracenos com oferro numa das mos e o facho do incendio na outra, dir-se-hia que malsabe combater de diverso modo os que no crem como elle. A suaexaltao religiosa intolerante: a luz suave do Evangelho no pdev-la seno reflexa na espada polida, seno retincta em sangue. O gemidodo hereje no patibulo para elle um hymno ao manso cordeiro doCalvario: para elle o algoz exerce um sacerdocio.Neste eloquentissimo parallelo, um dos mais concisos, energicos eclaros de todas as litteraturas, mostra-nos Herculano a profundadifferena que houve entre os fundadores das duas ordens dosfranciscanos e dominicanos. O fanatismo do terrivel S. Domingos deGusmo foi por elle estigmatizado num estylo vigorosamente poetico; ofacto da igreja ter posto este homem feroz, cruel e sanguinario nonumero dos santos no impediu Herculano de pint-lo com toda a fidelidade. de admirar que, referindo-se o eminente historiador a estes doisvultos da igreja, no fizesse a mais leve meno do santo mais popularpara os portugueses, de Santo Antonio, que no s pertenceu ordemfranciscana mas tambem viveu no reinado de D. Affonso II e cuja gloria oclero portugus quasi que olvidou durante seculos deixando-o envolto nalenda milagreira e chegando apenas a occupar-se dos seus escriptos e aenaltecer a sua influencia social quando pretendeu fazer manifestaesreaccionarias e jesuiticas. Estou profundamente convicto de que, se ograve historiador, apesar de ser eminentemente christo e patriota, nose occupou do referido santo, porque, relativamente a esta glorianacional, no encontrou nos cartorios que to activamente revolveudocumentos que satisfizessem o seu espirito extremamente severo erigoroso. Aquelle grande philosopho, a quem o sr. Theophilo Braga chamacatholico ferrenho, punha sempre o amor da verdade acima do propriocatholicismo. At no modo de considerar a religio christ se revela apoderosa autonomia da sua vasta e profunda intelligencia. Com queenergia no combateu Herculano as ambies clericaes, a politica daigreja! O catholicismo, que elle apreciava no s poeticamente mastambem debaixo do aspecto prtico, no o impediu de tirar concluses,como pretende o auctor da _Historia do romantismo_. O espirito deHerculano era ainda mais positivo do que o de alguns positivistas que sedeixam seduzir pelas miragens da sua imaginao e muitas vezes daimaginao alheia.Nas Questes de litteratura e arte diz o sr. Theophilo Braga que asprimeiras impresses do espirito de Herculano o tornaram um padre pordentro. Porque motivo o distincto escriptor no deu este epitheto atantos outros portugueses illustres que no s foram catholicos masnunca luctaram com os padres, nunca ousaram combater energicamente areaco ultramontana e o jesuitismo, nunca se preoccuparam com osprogressos que a Companhia de Jesus tem feito em Portugal? Que um homemrude, sem instruco, tendo apenas algumas idas superficiaesministradas pelo jornalismo politico, chegue a confundir a religio como jesuitismo, isso no me admira; o que me causa verdadeiro assombro, oque me impressiona muito desagradavelmente que o sr. Theophilo Braga,cujo talento asss notavel, procure deprimir Herculano dando-lhe oepitheto de padre. O grande lyrico Joo de Deus, vivendo numa epochamenos religiosa, foi um catholico fervoroso que nunca desagradou aoclero como Alexandre Herculano; mas quem se lembrou de dar aoespontaneo, singelo e mavioso poeta do _Campo de flores_ o epitheto depadre? Almeida Garrett, o glorioso reformador do theatro nacional,escreveu um elegantissimo tratado de educao, onde no se revelamenos catholico do que Herculano; todavia qual foi o critico queprocurou deprimi-lo chamando-lhe padre? No me consta que alguem dsseeste epitheto nem a Rebello da Silva por ter sido o auctor dos _Fastosda Igreja_ nem a Camillo Castello Branco por haver escripto uma obrareligiosissima, a _Divindade de Jesus_. A seguirmos a critica do sr.Theophilo Braga, no s poderiamos affirmar que o mosteiro dos Jeronymosficaria em breve repleto de padres se quizessemos continuar a trasladarpara aquelle sumptuoso monumento os restos mortaes dos nossos grandeshomens, mas tambem dariamos o referido epitheto maior parte dessesgenios prodigiosos cujos descobrimentos scientificos contribuiram topoderosamente para o progresso da humanidade como Kepler, Newton,Leibnitz, Pascal, Descartes, Claude Bernard, Pasteur e tantos outros,cujo espirito eminentemente religioso bem notorio.Herculano era da maxima tolerancia para com aquelles cujas opiniesdivergiam das suas; no admittia restrices para a livre manifestaodo pensamento. Foi um catholico liberal como o celebre historiador etheologo allemo Doellinger, que fazia d'elle o mais alto conceito e oadmirava enthusiasticamente, consultantando-o sobre muitos pontoshistoricos e chegando a occupar-se, nos Annaes historicos de Munich, davida e obras do nosso eminente prosador, a quem fez os maiores elogios.Na questo religiosa, Doellinger, o grande historiador da igreja, um dosmais profundos theologos da Allemanha, desempenhou um papel semelhanteao de Herculano; foi o denodado campeo do partido dos velhoscatholicos allemes, que ousaram arrostar as furias de Roma; comoescriptor e lente de theologia, exerceu um grande prestigio no seu pais,combatendo energicamente as novas modificaes feitas no christianismo eprocurando assim desviar a mocidade catholica allem da influencianefasta dos jesuitas; por isso era mal visto em Roma, era detestado pelopartido jesuitico, pelos sectarios do neo-catholicismo.Herculano foi o adversario mais temivel que os jesuitas tiveram emPortugal; era dentro do christianismo que elle os combatia com o maximovigor; os seus vastos e profundos conhecimentos de theologia e dehistoria ecclesiastica foram as armas mais poderosas por elle manejadaspara demonstrar os erros dos ultramontanos e a grande differena queexistia entre as doutrinas jesuiticas e as que haviam professado oschristos dos primeiros seculos; era expondo lucidamente as opinies dosPadres da Igreja e dos antigos papas que elle dava os golpes maisprofundos na Companhia de Jesus e no partido ultramontano. Na verdade osjesuitas tm-se afastado tanto da igreja primitiva que no mister sairdo christianismo para combat-los; com o Evangelho na mo que maissolidamente se podem refutar os seus erros gravissimos. O Manifesto daAssociao popular promotora da educao do sexo feminino, redigido porHerculano, o qual se acha inserto no segundo volume dos _Opusculos_, aobra mais eloquente e profunda que em Portugal se tem escripto contra aeducao jesuitica; um livro que deve ser lido por todos aquelles queainda se preoccupam com o futuro da nossa patria e prezam amoralidade da familia portuguesa. D'este brilhante opusculo voureproduzir o seguinte trecho, que sem duvida um dos mais eloquentesque se tm escripto em todas as linguas:O procedimento dos poderes publicos durante dez annos e as suas tristeshesitaes na actual conjunctura legitimam, santificam a nossaresoluo; porque se trata do envenenamento moral da sociedade peloenvenenamento moral da familia. Uma lei d'esta terra, uma lei de seteseculos, uma lei cuja durao representa um profundo sentimento dehonra, diz que se pde ser homicida sem crime quando a prostituio doadulterio vai ennodoar o seio da familia. que a familia a moleculasocial, e gangrenada ella, a sociedade esphacela-se num monte depodrido. Vamos muito menos longe que a lei. E todavia o perigo maior;porque nos seminarios da reaco no se hostiliza s a liberdade:ensina-se tambem a revelar donzella e me de familia delicias maismonstruosos que o adulterio. Defendemos nossas mulheres, nossas irms,nossas filhas: defendemos as mulheres, as irms e as filhas dos que hode vir depois de ns. Onde estar aqui o crime, a violencia, o erro, omotivo sequer de suspeio? No dissimulamos, no tergiversamos; a nossalinguagem simples e explicita como as nossas intenes.Herculano foi inimigo acerrimo da hypocrisia e do fanatismo; o seu cultoera incomparavelmente mais interno do que externo; pela contemplao danatureza que elle principalmente se elevava ida de Deus.Diz o sr. Theophilo Braga que Herculano mandou construir uma capellaem Valle de Lobos. Isso no admira porque, sendo Herculano toda a vidaum grande poeta, como o revelam as suas obras tanto em verso como emprosa, devia comprazer-se em ter deante dos olhos objectos que lherecordassem os bellos e saudosos tempos da sua infancia. Na casa ondeHerculano nasceu e passou os seus primeiros annos havia uma ermida ondeum frade arrabido costumava dizer missa os dias-santos. No _Monge deCister_ pinta-nos elle com as mais vivas cres a profunda saudade quelhe causava a lembrana dos dias-santos da sua infancia, do altar ondeno sabbado noite se punham jarras de flores, do frade que lhe contavalindas historias ao almoo. Os verdadeiros poetas, os grandessentimentalistas amam sempre o passado. Os homens demasiadamentepositivos no podem comprehender o sentimentalismo vehemente das grandesalmas. Se a cruz era para Herculano o symbolo da liberdade, dafraternidade e do progresso, no de admirar que elle a amasseentusiasticamente, como o revelou na sua eloquente e philosophica poesia_A cruz mutilada_, escripta na sua mocidade. O ter mandado Herculanoconstruir uma capella em Valle de Lobos no pois uma prova de que oseu espirito retrocedesse com a edade. Alem d'isso o grande escriptorno deixou de ser christo em epocha alguma da sua vida. Rousseau, aquem os padres chamam impio, nunca zombava da religio como Voltaire. porque o auctor do _Emilio_ era um sentimentalista ardente comoHerculano. Littr, apesar de positivista, no queria perturbar suamulher quando ella estava deante do oratorio fazendo orao. Foi ainstancias de sua esposa que Herculano mandou construir a capella de quej fiz meno. Ainda que elle no fosse catholico, haveria porventuraneste procedimento alguma cousa digna de censura? O verdadeirophilosopho, o amigo da tolerancia e da liberdade conserva sempre no seucorao o mais profundo respeito pelas crenas alheias. A liberdade deconsciencia um dos principios mais sacrosantos, um dos direitos maissagrados, no s na sociedade mas at no lar domestico, no sanctuario dafamilia. O chefe de familia no um despota nem a mulher uma escrava. Areligiosidade uma tendencia natural da mulher, a crena uma dascondies da sua vida moral; se quizerem extinguir-lhe no corao osentimento religioso, lanar-se-ha no caminho do jesuitismo, o quecertamente ser um grande mal para a familia e para a sociedade. Areligio um instrumento poderoso nas mos do jesuita; quem conseguirarrancar-lhe esta arma prestar incontestavelmente um grande servio sgeraes futuras. por meio da propaganda verdadeiramente religiosa quese do os golpes mais profundos na Companhia de Jesus. A religio nascedo corao e a philosophia da intelligencia. Se a mulher mais dominadapelo sentimento do que pela ida, como poder ella comprehender systemasphilosophicos que estejam em antagonismo com o seu estado psychologico,com as grandiosas aspiraes do seu nobre corao? Embora todas asopinies sinceras sejam para mim respeitaveis, eu entendo que, em vez dese aggredir o christianismo, falsificadores, que so os jesuitas etodos os padres cujas doutrinas sejam identicas s dos filhos de Loyola.Herculano, com a sua crena religiosa, ficou profundamente impressionadopelos estragos que a Companhia de Jesus fazia no christianismo; por issomostra-nos, em muitas das suas paginas immortaes, quo perigosa para ofuturo da nossa patria essa sociedade fundada no seculo dezaseis porSanto Ignacio de Loyola e cujas intrigas obrigaram a sair de Portugal oslentes mais distinctos da Universidade de Coimbra. Na prosa mais poeticae viril que nos apresenta a nossa litteratura, expoz e criticou osfactos mais interessantes da historia do ultramontanismo; com a suavista de aguia previu os progressos que o jesuitismo havia de fazer emnossos dias.O sr. Theophilo Braga censura a Herculano o seu ardor em combater ojesuitismo e os novos dogmas introduzidos na religio catholica, dizendoque elle dispendeu as suas foras contra os moinhos de vento domarianismo, do infallibilismo e do syllabismo e que o jesuitismo setornou para elle uma preoccupapo constante; mas, como o auctor da_Historia do romantismo_ se tem occupado dos mesmos assumptos, evidente que escreve contra si proprio, o que me causa verdadeiro pasmo.Alem d'isto a censura feita a Herculano recae sobre a propria imprensarepublicana, que muito frequentemente narra e estigmatiza escandalosjesuiticos. o poder da igreja to pequeno que se no devam combater com a maximaenergia as suas doutrinas contrarias ao bem social? Tem porventura ojesuitismo to pouca fora que se deva considerar um elementodesprezivel? No tem a Companhia de Jesus progredido assombrosamente nonosso pais? No esto os collegios jesuiticos repletos de alumnos?Leibnitz, um dos genios mais vastos e profundos no s da Allemanha masde todo o mundo, disse muito sensatamente: Dae-me a educao, que eutransformarei a Europa em menos de um seculo. Alexandre Herculano, como seu profundo criterio, conhecia a grande fora da educao; por issoreceava que o jesuitismo viesse causar a decadencia intellectual e moralda sua patria.A moral perversa dos jesuitas foi no seculo dezasete posta a descobertono por um impio, no por um atheu, mas por um dos mais eloquentes eprofundos apologistas do christianismo, por um genio prodigioso que,depois de ter feito os mais assombrosos descobrimentos scientificos,depois de ter penetrado varios segredos da natureza, depois de terresolvido os mais difficeis problemas da mathematica, levantou, em favordo christianismo, esse grandioso monumento philosophico intitulado_Pensamentos_, que, apesar de ter ficado incompleto, revela a profundezado genio que o traou; este grande homem, este escriptor religiosissimo,este moralista austero, que se chamava Blaise Pascal, foi quem maispoderosamente contribuiu para a queda dos jesuitas no seculo dezoito. Assuas _Provinciaes_, escriptas num estylo comico e vigoroso,espalharam-se por toda a Europa e as maximas corruptas dos jesuitasforam ridicularizadas no s nas academias mas at nos palacios dosreis. Como poderia Herculano, o enthusiasta ardente da moral pura esevera do Evangelho, deixar de combater energicamente as doutrinasanti-christs da seita jesuitica?Diz o sr. Theophilo Braga que Herculano, depois de se mostrar partidariodo casamento civil, veiu a casar-se catholicamente; o distinctoprofessor acha este procedimento contradictorio com as opinies deHerculano. Quando, ao ler a _Historia do romantismo_, encontrei estaassero to infundada, fiquei realmente estupefacto. O sr. TheophiloBraga inverte completamente as doutrinas de Herculano, expostas comtanta lucidez nos seus _Estudos sobre o casamento civil_, e colloca-se auma distancia que lhe torna impossivel apreci-lo com exactido.No ha escripto algum em que Herculano tivesse combatido o casamentocatholico; pelo contrario, elle admittia duas especies de casamento: ocatholico e o civil. O que repugnava ao seu espirito profundamenteliberal e tolerante que os individuos que no acreditassem nocatholicismo se vissem obrigados a receber o sacramento do matrimonio, apraticar um acto contrario ao seu modo de pensar e que elle consideravaum verdadeiro sacrilegio, uma offensa religio. Se Herculano era umvelho catholico, se elle estava convicto de que o sacramento domatrimonio remontava aos primeiros seculos do christianismo, comoprocedeu o grande historiador contra as suas opinies casando-secatholicamente? Herculano nunca defendeu leis que prohibissem a qualquerindividuo o seguir as suas crenas, tinha o mais profundo respeitopela liberdade de consciencia, era inimigo de todas as violencias feitasao espirito humano, queria liberdade para todos, no era intolerantecomo os hypocritas da liberdade, que no respeitam a consciencia alheia.Herculano sustentou que devia existir um registo civil especial para oscasamentos dos no catholicos, no admittindo que os nubentes fosseminterrogados cerca das suas crenas religiosas, o que, segundo a suaopinio, seria um attentado contra a liberdade de consciencia, umprocesso verdadeiramente inquisitorial. Quanto ao casamento catholico,considerava-o debaixo de dois aspectos: como sacramento e comocontracto. Estando num pas, cuja maioria era constituida porcatholicos, admittia que o registo ecclesiastico servisse de registocivil. Era assim que o grande historiador procurava conciliar oprincipio sacrosanto da liberdade de consciencia com o respeito religio do estado. Sejam quaes forem as opinies cerca das doutrinassustentadas por Herculano relativamente ao casamento civil, incontestavel que no ha fundamento algum para se affirmar que o seucasamento catholico esteve em contradico com as suas idas.O seguinte trecho dos _Estudos sobre o casamento civil_ uma provaevidente de quanto inexacta a opinio do sr. Theophilo Braga:O catholicismo puro e desinteressado no tem culpa d'esta horrivel eimmensa traio que nas altas regies da jerarchia sacerdotal se estperpetrando contra elle. No tem culpa de que o vendam por trintadinheiros ao anjo mau da reaco politica. O catholicismo no querque forcem os que no crem nelle a receber um sacramento, porque nopede um acto que lhe repugna, que reputa uma profanao; no pede que ospoderes publicos constranjam os membros do proprio gremio a nopeccarem, porque a inquisio para elle a maior affronta que lhe tmfeito os homens. O catholicismo puro no confunde o sacramento, que cousa espiritual, com o contracto, que materia juridica, porque desdeos tempos apostolicos, conforme temos visto, jmais os confundiram astradies legitimas da igreja. Considerada a questo exclusiva luz dodireito, o sacerdote que auctorisa o contracto e o abenoa , noprimeiro caso, official civil, e no segundo, ministro da religio. umacousa simples, clara, inoffensiva. Em nome da liberdade, deixemo-laficar na lei.O sr. Theophilo Braga tambem cae noutra inexactido dizendo queHerculano, tendo-se manifestado contra o direito de propriedadelitteraria, se contradisse vendendo o manuscripto do _Diccionario_ que oconselheiro Ramalho lhe deixra. Mas onde que Herculano confundiu ainnegavel propriedade de um livro, de um manuscripto ou de qualquerobjecto tangivel com o que se chama propriedade litteraria?A questo da propriedade litteraria uma d'essas questes altamentetranscendentes em que ha grande divergencia de opinies; Herculanotratou-a com muita profundeza e originalidade, revelando o seu espiritoeminentemente philosophico, a sua vigorosa dialectica. Ha certamentemais de uma opinio cerca das suas doutrinas, mas o que nenhum criticoimparcial poder affirmar que entre ellas e a venda do_Diccionario_ de Ramalho Academia existiu a minima contradico.Herculano foi de uma coherencia admiravel nas opinies religiosas,philosophicas e politicas que manifestou em toda a sua vida. S queminterpretrar mal as suas palavras poder affirmar o contrario. O seuespirito, que amava ardentemente a luz, nunca deixou de progredir.Diz o sr. Theophilo Braga que foi o ataque do clero por causa dasuppresso do milagre de Ourique que fez com que Herculano de catholicoferrenho se tornasse um christo semi-deista; isto est de accordo com oque tenho ouvido dizer a alguns padres, relativamente aos escriptos emque Herculano condemna a proclamao dos novos dogmas da infallibilidadedo papa e da immaculada Conceio de Maria. Tudo quanto dizem osadversarios de Herculano a este respeito completamente falso: nem socapazes de apresentar prova alguma em favor de tal assero.O caracter de Herculano foi muito superior ao do padre Lamennais, que,tendo defendido com muita eloquencia, no seu Ensaio sobre aindifferena em materia religiosa e noutros escriptos, as doutrinasultramontanas mais retrogadas, abraou quasi de repente o racionalismodepois que lhe foram condemnadas algumas obras. Este padre, to notavelpelo seu talento litterario e philosophico, no recebeu na infancia umaeducao religiosa como Herculano; s aos vinte e dois annos que fez aprimeira communho: pde haver por consequencia muitas duvidas cerca dasua sinceridade. Mas o espirito de Herculano no passou portransformaes to bruscas; em nenhuma epocha da sua vida se mostroupartidario do ultramontanismo; nunca defendeu a infallibilidade do papa;at nas suas poesias simultaneamente religiosas, philosophicas eliberaes, onde esto profundamente gravados os sentimentos e idas dasua ardente mocidade, transluzem referencias aos padres hypocritas efanaticos.Na _Harpa do crente_, nessa magnifica collecco de poesias em que serevela um grande poeta, um profundo metaphysico, um christo ardente eum patriota liberal, encontram-se os seguintes versos que fazem parte doseu bello e magestoso hymno intitulado _Deus_ e nos quaes certamente fazalluso quelles padres que, pondo em pratica a mais ignobil hypocrisiae tendo em mira exercer sobre a plebe fanatica o seu dominio nefasto,procuravam aterroriz-la com a pintura horrivel dos tormentos infernaes: Embora vis hypocritas te pintem Qual barbaro tyranno Mentem, por dominar com ferreo sceptro O vulgo cego e insano. Quem os cr um impio! Recear-te maldizer-te, oh Deus; o throno dos despotas da terra Ir collocar nos cus. Eu, por mim, passarei entre os abrolhos Dos males da existencia Tranquillo, e sem temor, sombra posto Da tua Providencia.O Deus de Herculano no terrivel como o d'aquelles inquisidores quefizeram derramar tantas lagrimas, que condemnaram morte mais horriveltantos milhares de innocentes e procuravam abafar com o sangue de tantosmartyres a ida que procurava expandir-se. O Deus de Herculano no oDeus que os jesuitas pintam como um tyranno para satisfazerem a suainfrene e desordenada ambio, para dominarem a sociedade, paraconverterem o mundo num monto de cadaveres, sobre cujas ruinas seassentariam com um riso hypocrita, satanico e cruel. O Deus de Herculano o Deus de paz e de amor, o Deus do Evangelho, o Deus que derramaos seus copiosos beneficios sobre os justos e os peccadores, o Deus deFnelon e de Lamartine, o Deus das almas generosas e puras, como elleproprio o confessa no seu eloquente e philosophico poemeto _A semanasanta_, escripto quando apenas tinha dezanove annos.Ninguem em Portugal ainda defendeu com tanta eloquencia o espiritualismochristo como Herculano, mas principalmente debaixo do aspecto praticoque elle o considera; pode-se at affirmar que Herculano foi um dosescriptores mais positivos que Portugal tem produzido em todos osseculos: pelo lado pratico, baseando-se em factos que elle encaraespecialmente todas as questes religiosas, philosophicas e politicas;por isso a convico que produz no animo dos leitores profundissima;sem se engolphar nas mais transcendentes abstraces metaphysicas, quemuitas vezes so inuteis, nem cair nas syntheses abstrusas enebulosas, que falsificam o criterio, analysa os factos com talclareza e severidade, que neste ponto ainda ninguem o excedeu nemegualou em Portugal; no se deixa arrastar pela imaginao como algunspositivistas; possue no mais alto grau uma qualidade bastanterecommendavel: o bom senso.Herculano pouca importancia ligou discusso cerca da parte dogmaticado christianismo; o que lhe attrahiu principalmente a atteno foi amoral christ. Sejam quaes forem as opinies cerca d'esta materia, oque certo que nenhum critico sensato pde contestar a Herculano apureza das intenes. O grande escriptor prentendia fazer d'este povo umpovo simultaneamente instruido e moralizado.Se algumas vezes se refere aos dogmas do christianismo, foi ora paramostrar a conveniencia pratica da immutabilidade da f, ora paracombater o jesuitismo, que se ia alastrando em Portugal e cujainfluencia chegou a ser to poderosa em Roma que obrigou o papa Pio IX ea maioria dos bispos do mundo catholico a modificar profundamente ochristianismo, a proclamar como dogmas o marianismo e o infallibilismo,que Herculano considerava duas heresias, a romper com as tradiesapostolicas, a tornar o catholicismo muito differente do de S. Paulo eSanto Agostinho e a condemnar os principios sacrosantos da liberdade noconcilio do Vaticano, nesse concilio que a pagina mais negra evergonhosa da historia ecclesiastica no seculo dezanove.Entre as opinies religiosas que Herculano manifestou no seu eloquenteopusculo cerca da suppresso das conferencias do Casino, escriptono anno de mil e oitocentos e setenta e um, isto , seis annos antes dasua morte, e as que havia exposto nos primorosos artigos cerca dochristianismo, publicados no _Panorama_ muitos annos antes do cleroignorante e reaccionario o ter insultado nos pulpitos por causa dasuppresso do milagre de Ourique, no existe a minima contradico, oque prova cabalmente que no ha raso alguma para que se diga que foi oataque do clero que levou Alexandre Herculano a ser adversario doneo-catholicismo, o que seria contrario ao elevadissimo caracter dogrande escriptor, cujas convices eram profundas e firmes e que punhasempre o amor da verdade acima de todas as vinganas, como o revelou na_Tentativa historica da origem e estabelecimento da inquisio emPortugal_, obra que o sr. Theophilo Braga, no seu _Curso de litteratura_portuguesa, qualifica de capital e cuja exactido scientifica tonotavel que levou o eximio orador sagrado, o sr. Alves Mendes, a chamarno pulpito a Herculano o severo analysta da _Historia da Inquisio_. Agrande imparcialidade com que Herculano escreveu esta obra monumentaldepois de ser ignobilmente injuriado por uma grande parte do clero,mostra-nos quo elevado era o seu caracter. No se devem fazeraffirmaes em desabono de um morto illustre, cuja voz emmudeceu notumulo, sem que se possa demonstrar cabalmente o que se affirma.Herculano era a logica personificada. Depois de admittir um principiotirava d'elle as consequencias com o maximo rigor. Nos seus escriptosno facil achar contradies. Se por vezes modifica as suasopinies, o proprio auctor quem o confessa com toda a franqueza esinceridade, o que a prova mais evidente do seu altissimo caracter. Osr. Theophilo Braga pretende apresentar-nos Herculano como um espiritoincoherente e voluvel, mas quem, depois da leitura da _Historia doromantismo_, ler as obras do mais eminente historiador que Portugal temproduzido, ficar primeira vista profundamente convicto de que a suafirmeza de convices foi to rara e admiravel que poucos escriptores emtodo o mundo o teem egualado neste ponto.No anno de 1843, isto , tres annos antes da publicao do primeirovolume da _Historia de Portugal_, escreveu Herculano no _Panorama_ umexcellente artigo cerca do christianismo e da philosophia, onde mostrano s a grande discordancia que tem reinado entre os philosophos emmateria de moral, mas tambem a constancia e immutabilidade das crenasreligiosas; nelle se encontram os seguintes periodos:Desde a moral de Plato deduzida do amor da formosura divina: desde amoral de Epicuro, moral negativa, que pe o profundo desprezo dahumanidade como pedra angular do proceder humano: desde as escolas daGrecia at o materialismo grosseiro dos encyclopedistas, que maximas,que regra de aces deixou de ter altares, deixou de ser condemnada?Nenhuma.Constancia, perpetuidade s teem os preceitos immutaveis das crenasreligiosas.Estes periodos eloquentissimos provam claramente que, antes de seraggredido pelo clero, j Herculano admittia o principio daimmutabilidade da f; era em virtude d'este principio que elle, semcondemnar a philosophia e a consciencia, que tambem considerava fontesdas boas aces, dava a preferencia religio como instrumento demoralidade.Na carta que Herculano escreveu cerca da suppresso das conferencias doCasino encontra-se o seguinte trecho, que revela a sua grande eadmiravel coherencia e onde censura o papa e os bispos catholicos no spela profunda modificao que fizeram nas doutrinas da igreja primitivamas tambem pela condemnao dos principios sacrosantos da liberdade:Desde a promulgao da Carta tem-se realisado gradualmente umarevoluo na igreja catholica. Com assombro da gente illustrada esincera, vimos transformar em dogma uma superstio dos seculos detrevas, rendoso mealheiro de franciscanos, tinctura de pelagianismo,aproveitada hoje para aviar receitas na botica de S. Ignacio, aimmaculada conceio de Maria, dogma que foradamente conduz ou ruinado christianismo pela base, tornando inconcebivel a Redempo, ou deificao da mulher, mulher Deus, mulher redemptora, recursotremendo nas mos do jesuitismo, que, lisongeando a paixo mais energicado sexo fragil, a vaidade, o converte em instrumento seu para dilacerare corromper a familia, e pela familia a sociedade. Depois, ludibriod'esses homens de trevas, vemos o papa, celebrando uma especie deconcilio disperso, mandar perguntar pelas portas dos bispos que talacham aquelle appendiculo f catholica. Os bispos, pela maiorparte, encolhem os hombros ou riem-se, dizem-lhe que est vistoso evo jantar. Depois, os que falam em nome do pontifice, tendo tornadovirtualmente absurdo, por inutil, o sacrificio do Golgotha para aredempo da humanidade, ou dando ao Christo um adjuncto na sua obradivina, divertem-se em negar no Syllabus os dogmas, um pouco maisverdadeiros, da civilizao moderna, e tendo elevado o erro, apenastolerado, e ainda mal que tolerado, nos dominios do opinativo, a dogmaindisputavel, e sanctificado assim uma opinio peor que ridicula,convidam a sociedade temporal guerra civil. a Companhia de Jesus nasua manifestao mais caracteristica. Os principios da Carta, como detodas as constituies analogas, so condemnados, anathematisados,exterminados in petto. a communa de Paris, perfigurada em Roma, a arrasar e queimar, em vezde edificios, todas as conquistas do progresso social, todas as verdadesfundamentaes da philosophia politica. Ao concilio vagabundo segue-seento o concilio parado. que falta ao Syllabus a sanco divina.Dar-lh'a-ha a infallibilidade indossada pelo episcopado ou sua ordem.Ajuntam-se no sei quantos bispos, muitos bispos; uns reaes, outrospintados: aggremiam-se; e o papa pergunta ao gremio, em vez de operguntar a si mesmo, se infallivel. Os bispos tornam a encolher oshombros ou a rir-se, dizem-lhe que sim e vo ceiar. O papa infallivel,que no sabia se era fallivel, fica emfim, descanado, e os bisposceiados, dormidos e desappressados do _visum est Spiritui Sancto etnobis_ do concilio apostolico de Jerusalem, transferidodefinitivamente para a Casa-professa, voltam a annunciar aos respectivosrebanhos essa nova correco das erroneas doutrinas da primitiva igreja.Taes so os deploraveis e incriveis successos que temos presenciado. Ojesuitismo converte o infeliz Pio IX num Liberio ou num Honorio,induzindo-o a subscrever heresias, e a grande maioria dos bispos,creando na igreja uma situao analoga dos tempos em que o arianismodominava por toda a parte, e abandonando a maxima sacrosanta daimmutabilidade da f, tornam-se em arautos e pregoeiros dos desvarios deRoma. As novidades religiosas vm perturbar as consciencias, e omarianismo e o infallibilismo quasi levam o christianismo de vencida naigreja catholica.Neste trecho energico e ao mesmo tempo graciosamente satyrico revela-seo espirito logico e intransigente de Herculano; no ha ninguem que sejacapaz de provar que entre as idas nelle expendidas e as crenasreligiosas da sua mocidade existe o menor antagonismo. Herculanopermaneceu fiel ao velho catholicismo; foi a igreja quem introduziunovidades na religio; foi ella quem deixou de observar a maxima daimmutabilidade da f, que Herculano considerava sacrosanta, e quedurante muitos seculos foi seguida pela grande legio dos varesillustres da igreja, como S. Boaventura, S. Jeronymo e muitos outros;por consequencia foram os padres obedientes ao pontifice que seafastavam das doutrinas da igreja primitiva. O Espirito Santo illuminouo papa e este obrigou os fieis, sob pena de excommunho, a acreditar emdogmas que d'antes no existiam e sem os quaes se podia muito bementrar no ceu. Os padres chamavam hereje a Herculano mas este, por suavez, considerava heresias todas as novidades introduzidas na religiocatholica. Pio nono era para elle um verdadeiro hereje, um inimigoacerrimo do christianismo puro, um instrumento da Companhia de Jesus.O Chateaubriand portugus, o defensor mais eloquente que o christianismoteve em Portugal e cujo merito litterario comparavel ao de S. Paulo eSanto Agostinho, foi tambem o adversario mais implacavel do jesuitismo eda reaco ultramontana. O sublime auctor da _Harpa do crente_ e do_Parocho d'aldeia_ recebeu do beaterio fanatico e d'aquelles hypocritaspara quem a religio apenas um instrumento de politica os epithetos deimpio, de irreligioso, de anti-christo e at de atheu. porque entre areligio de Herculano e a religio dos jesuitas ha uma differenca enormee considerabilissima. O sentimento religioso de Herculano nascia de umcorao puro, sincero e desinteressado; a religio era para elle umbalsamo suave no meio das amarguras da existencia e a fonte mais caudaldas boas aces. Pelo contrario, para o jesuita a religio a arma maispoderosa de que se serve para corromper e dominar a sociedade. Herculanoamava ardentemente o christianismo, no o christianismo impuro efalsificado dos jesuitas e dos neo-catholicos, no o christianismo deSanto Ignacio de Loyola e de S. Vicente de Paulo, mas o christianismopuro, o christianismo do Evangelho, essa religio sublime que se resumenos principios sacrosantos da liberdade, egualdade e fraternidade,que, embora nunca se possam realizar em toda a sua plenitude, so asmais nobres e grandiosas aspiraes do corao humano. Para Herculano ochristianismo era o grande civilizador dos tempos mordernos.Com effeito, o que a egualdade perante a lei seno uma traduco daegualdade perante Deus, proclamada no Evangelho? No so porventura ospovos christos que caminham na vanguarda do progresso e da civilizao?O que tm produzido as outras religies seno a tyrannia e o despotismo?Que culpa tem o christianismo de que os padres o tenham adulterado efalsificado? Ha porventura alguma comparao entre os padres da igrejaprimitiva, que prgavam a liberdade de consciencia e a tolerancia, e osmodernos jesuitas e lazaristas, que, em vez de explicarem ao povo asmaximas sublimes do Evangelho, fazem consistir a religio principalmentenos exercicios de devoo externa?Poeta e philosopho ao mesmo tempo, Herculano era profundamentemelancolico. Como Bernardin de Saint-Pierre e Rousseau, amavaardentemente a natureza. Como S. Jeronymo e S. Basilio, era apaixonadopela solido campestre; comprazia-se em viver longe do bulicio doshomens. O amor do infinito, que abrasava o corao de Santo Agostinho,tambem incendiava o corao de Herculano.Alexandre Herculano foi um dos principaes representantes da almaportugueza. A tristeza, que tem caracterizado o povo portugus em todosas epochas, tambem caracterizava a grande alma de Herculano.O celebre critico Villemain diz que o portugus era reflectido emelancolico antes da epocha em que todos os povos o deviam ser. Estameditao melancolica, que nos distingue dos outros povos meridionaes enos assemelha aos povos do norte, revelou-se muito cedo na nossalitteratura.A profunda melancolia que se observa nas deliciosas paginas da _Menina emoa_ de Bernardim Ribeiro e nos seus versos singelos e melodiosos, naspoesias sentimentaes de Christovo Falco, de Cames e de Soares dePassos e na maravilhosa relao de naufragios intitulada _Historiatragico-maritima_, essa profunda melancolia tambem vigorosamenteexpressa nas Poesias de Herculano e principalmente no seu magestoso,soberbo e sublime _Monasticon_.No , porm, s na vigorosa expresso da melancolia que Herculano umdos mais notaveis representantes da alma portuguesa; tambem o napoderosa energia com que exprime todos os sentimentos nobres e elevados.O amor, a coragem, o patriotismo e a generosidade so affectoscaracteristicos do povo portugus; Herculano exprimiu-os de um modoverdadeiramente assombroso.Como Cames, foi simultaneamente poeta e soldado. O principe dosprosadores tem muitos pontos de contacto com o principe dos poetas.Cames combateu na Africa e na Asia em prol da patria; Herculano pelejouno crco do Porto a favor da liberdade. Cames esteve desterrado emMacau; Herculano viu-se obrigado a emigrar para se esquivar sperseguies do governo absoluto de D. Miguel. Cames, impellidopelo seu ardente patriotismo e pela immensidade do seu genio, escreveuos _Lusiadas_, narrando em bellos e magnificos versos os feitos maisbrilhantes da nossa historia; Herculano, levado pelas suas tendenciasespeciaes para os estudos historicos e pelo seu grande amor da patria,escreveu num estylo magestoso como o de Barros, harmonioso como o de Fr.Luis de Sousa, vigoroso como o de Tacito, vernaculo como o de Vieira esingelo como o de Ferno Lopes, a _Historia de Portugal_, o maisgrandioso de todos os seus monumentos, a obra mais eminentementenacional que em Portugal se escreveu depois dos _Lusiadas_.O sentimento de dignidade pessoal era egual em ambos os escriptores.Cames nunca lisonjeou os poderosos no meio das maiores privaes;Herculano nunca fez o minimo sacrificio da propria consciencia, foisempre amigo da verdade e da justia.Em ambos brilhou o patriotismo no mais alto grau. Em Cames exerceu umaimpresso dolorosa o desastre de Alcacer-Kibir; Herculano soffreuprofundamente com o progresso da nossa corrupo moral e com a nossadecadencia politica. Cames, numa carta que dirigiu a D. Francisco deAlmeida quando Portugal estava proximo a perder a sua independencia,escreveu: Em fim acabarei a vida, e vero todos que fui to affeioado minha patria que no me contentei de morrer nella mas com ella.Herculano, pouco antes da sua morte, profundamente sensibilizado peladecadencia moral e politica do seu pais, exclamou: Isto d vontadeda gente morrer!Na vivacidade do dialogo, na virilidade do estylo e no ardenteenthusiasmo que transmitte aos leitores, tambem se assemelha Herculanoao grande pico. admiravel a energia com que o nosso mais eminenteromancista historico pinta as almas dos seus heroes, fazendo resurgir oespirito religioso, patriotico e guerreiro de epochas remotissimas. Noseu pequeno mas excellente romance _O castello de Faria_, que faz partedas _Lendas e narrativas_, encontra-se o seguinte trecho, cujaeloquencia simples, magestosa e robusta nos traz memoria as passagensmais eloquentes dos Lusiadas:Um arauto saiu do meio da gente da vanguarda inimiga e caminhou para abarbac; todas as bstas se inclinaram para o cho, e o ranger dasmachinas converteu-se num silencio profundo.--Moo alcaide, moo alcaide! bradou o arauto, teu pae captivo do muinobre Pedro Rodriguez Sarmento, adiantado da Galliza pelo muitoexcellente e temido D. Henrique de Castella, deseja falar comtigo, defra do teu castello.Gonalo Nunes, o filho do velho alcaide, atravessou ento o terreiro,e, chegando barbac, disse ao arauto:A Virgem proteja meu pae: dizei-lhe que eu o espero.O arauto voltou ao grosso de soldados que rodeavam Nuno Gonalves, e,depois de breve demora, o tropel approximou-se da barbac. Chegados aop della, o velho guerreiro saiu d'entre os seus guardadores, efallou com o filho:--Sabes tu, Conalo Nunes, de quem este castello, que, segundo oregimento de guerra, entreguei tua guarda, quando sai em soccorro eajuda do esforado conde de Ceia?--, respondeu Gonalo Nunes, de nosso rei e senhor, D. Fernando dePortugal, a quem por elle fizeste preito e menagem.--Sabes tu, Gonalo Nunes, que o dever de um leal alcaide de nuncaentregar, por nenhum caso, o seu castello a inimigos, embora fiqueenterrado debaixo das ruinas delle?--Sei, oh meu pae! proseguiu Gonalo Nunes em voz baixa, para no serouvido dos castelhanos, que comeavam a murmurar.--Mas no vs que a tuamorte certa se os inimigos perceberem que me aconselhaste a resistencia?Nuno Gonalves, como se no tivera ouvido as reflexes do filho, clamouento:--Pois se o sabes, cumpre o teu dever, alcaide do castello de Faria!Maldito por mim, sepultado sejas tu no inferno, como Judas o traidor, nahora em que os que me cercam entrarem nesse castello sem tropearem noteu cadaver.--Morra! gritou o almocadem castelhano, morra o que nos atraioou!E Nuno Gonalves caiu no cho, atravessado de muitas espadas e lanas.Defende-te, alcaide! foram as ultimas palavras que elle murmurou.Gonalo Nunes corria como louco ao redor da barbac, clamando vingana.Uma nuvem de frechas partiu do alto dos muros; grande poro dosassassinos de Nuno Gonalves misturaram o proprio sangue com o sangue dohomem leal ao juramento.Este trecho eloquentissimo, cuja energia inexcedivel, revela-nos amaravilhosa aptido que Herculano possuia para pintar as grandespaixes, as paixes heroicas. A falla que Nuno Gonalves dirige a seufilho Gonalo Nunes excitando-o a defender corajosamente o castello,embora com sacrificio da propria vida, no produz menos enthusiasmo nomeu corao do que a falla de D. Nuno Alvares Pereira no Conselho deGuerra, que incontestavelmente um dos trechos mais eloquentes dosLusiadas. O estylo de Herculano incomparavelmente mais epico do que ode todos os poetas que em Portugal tm florescido depois de Cames; principalmente pela nobreza e virilidade do seu estylo magico queHerculano ha de ser sempre considerado um dos maiores prosadores domundo. Assim como Plato possuia o enthusiasmo de Homero, assim nasobras de Herculano revela-se o ardente enthusiasmo do principe dosnossos poetas.Todo o homem recebe uma influencia poderosa do meio em que vive;Herculano no podia deixar de receber esta influencia mas, pelos seusvastos e profundos conhecimentos e pela sua eloquencia energica,solemne e magestosa, elevou-se muito acima dos seus contemporaneos,alcanando sobre elles um poder espiritual to assombroso que os seusescriptos eram considerados evangelhos.A influencia que Herculano exerceu neste seculo foi muito superior influencia de S de Miranda no seculo dezaseis porque, apesar da grandesemelhana de caracter que tiveram os dois illustres escriptores,Herculano possuiu um talento mais genial e vasto. Quando Herculanoresidia no seu eremiterio da Ajuda, agrupavam-se em volta d'elle ostalentos mais notaveis que Portugal possuia naquella epocha, e at obondoso e illustrado rei D. Pedro V o visitava frequentemente para lhepedir os seus conselhos. Herculano foi para o nosso pas o grandepatriarcha do seculo dezanove; nenhum escriptor ainda conseguiu nesteseculo exercer sobre a sociedade portuguesa uma influencia egual sua;ninguem, depois de Cames, influiu to poderosamente na nossalitteratura e civilisao.--Disse.ULTIMAS PUBLICAES_MARIA A. V. DE CARVALHO_CARTAS A UMA NOIVA2. edio, melhorada, 1 vol........ 700 ris * * * * *_A. PIMENTEL_DESCOBRIMENTO DO BRASIL2. edio, refundida, 1 vol........ 700 ris * * * * *_CARLOS MALHEIRO DIAS_FILHO DAS HERVAS1 vol. 800 risRomance genuinamente nacional e especialmente dedicado s mes, o _Filhodas Hervas_ incontestavelmente o mais notavel romance portugusd'estes ultimos annos.De uma riqueza incomparavel de vocabulario, cheio de cr e de melodia,tem todas as qualidades para fazer vibrar, at s mais altas notas dosentimento humano, todos os coraes, especialmente os das Mes. * * * * *_E. ZOLA_FECUNDIDADETRADUCO AUCTORISADA1 vol. de 728 pagmas................. 800 ris * * * * *_P. MANTEGAZZA_O PROBLEMA DO CASAMENTO_Arte de escolher esposa e arte de escolher marido_Traducco auctorisada do original italiano por Candido de Figueiredo1 vol........ 700 risFISIOLOGIA DA MULHERTraducco auctorisada do original italiano por Candido de Figueiredo1 vol........ 700 ris * * * * *_COELHO NETTO_SALDUNESACO LEGENDARIA EM 3 EPISODIOS1 vol. luxuosamente impresso a cres e em papel de linho, 500 ris * * * * *_JOAQUIM LEITO__DO CIVISMO E DA ARTE NO BRASIL_1 vol. de 330 paginasEnd of Project Gutenberg's Alexandre Herculano, by Diogo Rosa Machado*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK ALEXANDRE HERCULANO ******** This file should be named 34286-8.txt or 34286-8.zip *****This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/3/4/2/8/34286/Produced by Mike SilvaUpdated editions will replace the previous one--the old editionswill be renamed.Creating the works from public domain print editions means that noone owns a United States copyright in these works, so the Foundation(and you!) can copy and distribute it in the United States withoutpermission and without paying copyright royalties. Special rules,set forth in the General Terms of Use part of this license, apply tocopying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works toprotect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. ProjectGutenberg is a registered trademark, and may not be used if youcharge for the eBooks, unless you receive specific permission. If youdo not charge anything for copies of this eBook, complying with therules is very easy. You may use this eBook for nearly any purposesuch as creation of derivative works, reports, performances andresearch. They may be modified and printed and given away--you may dopractically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution issubject to the trademark license, especially commercialredistribution.*** START: FULL LICENSE ***THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSEPLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORKTo protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the freedistribution of electronic works, by using or distributing this work(or any other work associated in any way with the phrase "ProjectGutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full ProjectGutenberg-tm License (available with this file or online athttp://gutenberg.net/license).Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tmelectronic works1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tmelectronic work, you indicate that you have read, understand, agree toand accept all the terms of this license and intellectual property(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by allthe terms of this agreement, you must cease using and return or destroyall copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a ProjectGutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by theterms of this agreement, you may obtain a refund from the person orentity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only beused on or associated in any way with an electronic work by people whoagree to be bound by the terms of this agreement. There are a fewthings that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic workseven without complying with the full terms of this agreement. Seeparagraph 1.C below. There are a lot of things you can do with ProjectGutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreementand help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronicworks. See paragraph 1.E below.1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of ProjectGutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in thecollection are in the public domain in the United States. If anindividual work is in the public domain in the United States and you arelocated in the United States, we do not claim a right to prevent you fromcopying, distributing, performing, displaying or creating derivativeworks based on the work as long as all references to Project Gutenbergare removed. Of course, we hope that you will support the ProjectGutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works byfreely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms ofthis agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated withthe work. You can easily comply with the terms of this agreement bykeeping this work in the same format with its attached full ProjectGutenberg-tm License when you share it without charge with others.1.D. The copyright laws of the place where you are located also governwhat you can do with this work. Copyright laws in most countries are ina constant state of change. If you are outside the United States, checkthe laws of your country in addition to the terms of this agreementbefore downloading, copying, displaying, performing, distributing orcreating derivative works based on this work or any other ProjectGutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerningthe copyright status of any work in any country outside the UnitedStates.1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediateaccess to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominentlywhenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which thephrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "ProjectGutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,copied or distributed:This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and withalmost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away orre-use it under the terms of the Project Gutenberg License includedwith this eBook or online at www.gutenberg.net1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derivedfrom the public domain (does not contain a notice indicating that it isposted with permission of the copyright holder), the work can be copiedand distributed to anyone in the United States without paying any feesor charges. If you are redistributing or providing access to a workwith the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on thework, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and theProject Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or1.E.9.1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is postedwith the permission of the copyright holder, your use and distributionmust comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additionalterms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linkedto the Project Gutenberg-tm License for all works posted with thepermission of the copyright holder found at the beginning of this work.1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tmLicense terms from this work, or any files containing a part of thiswork or any other work associated with Project Gutenberg-tm.1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute thiselectronic work, or any part of this electronic work, withoutprominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 withactive links or immediate access to the full terms of the ProjectGutenberg-tm License.1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including anyword processing or hypertext form. However, if you provide access to ordistribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official versionposted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.net),you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide acopy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy uponrequest, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or otherform. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tmLicense as specified in paragraph 1.E.1.1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm worksunless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providingaccess to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works providedthat- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works.- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work.- You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works.1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tmelectronic work or group of works on different terms than are setforth in this agreement, you must obtain permission in writing fromboth the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and MichaelHart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact theFoundation as set forth in Section 3 below.1.F.1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerableeffort to identify, do copyright research on, transcribe and proofreadpublic domain works in creating the Project Gutenberg-tmcollection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronicworks, and the medium on which they may be stored, may contain"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate orcorrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectualproperty infringement, a defective or damaged disk or other medium, acomputer virus, or computer codes that damage or cannot be read byyour equipment.1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Rightof Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the ProjectGutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the ProjectGutenberg-tm trademark, and any other party distributing a ProjectGutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim allliability to you for damages, costs and expenses, including legalfees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICTLIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSEPROVIDED IN PARAGRAPH 1.F.3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THETRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BELIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE ORINCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCHDAMAGE.1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover adefect in this electronic work within 90 days of receiving it, you canreceive a refund of the money (if any) you paid for it by sending awritten explanation to the person you received the work from. If youreceived the work on a physical medium, you must return the medium withyour written explanation. The person or entity that provided you witht