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153 Econômica, v. 4, n. 2, p. 153-176 , dezembro 2002 - Impressa em dezembro 2003 Ainda sobre os conceitos de paradigma e cânon como instrumentos de reconstruçªo da História do Pensamento Econômico * Ana Maria Bianchi ** Rubens Nunes * ** Este artigo resultou do projeto de pesquisa desenvolvido pelos autores acerca dos conceitos de paradigma e cânon, vistos como instrumentos apropriados à reconstruçªo da história do pensamento econômico. Analisa-se, inicialmente, o conceito de paradigma, com apoio nos trabalhos clÆssicos de Thomas Kuhn so- bre a estrutura das revoluçıes científicas e a tensªo essencial que caracteriza o trabalho científico. A sessªo seguinte Ø consagrada ao conceito de cânon, cuja etimologia Ø investigada. Esta segunda maneira de pesquisar e contar a história do pensamento econômico adquiriu popularidade entre os economistas graças ao avanço do programa de pesquisas retórico. A comparaçªo entre os dois conceitos Ø objeto da sessªo final do artigo, onde se conclui que os conceitos de paradigma e cânon servem a propósitos diferentes: decifrar o progresso da ciŒncia (paradigma); restaurar a relaçªo entre o discurso e seu tempo (descanonizaçªo). Palavras-chave: Paradigma. Cânon. Canonizaçªo. História do pensamento econômico. This article resulted from the research project that was undertaken by the authors on the concepts of paradigm and canon, seen as appropriate tools for recon- structing the history of economic thought. It begins by analysing the concept of paradigm, based on Thomas Kuhn·s classical works on the structure of scientific revolutions and the essential tension that characterizes scientific work. The next section is devoted to the concept of canon, starting with the investigation of its etymology. This second way of researching and telling the history of economic thought gained popularity among economists thanks to the so-called rhetorical turn in economics. The final session compares the two concepts, leading to the conclusion that they serve different purposes: to decipher scientific progress (para- digm); and to restore the link between discourse and its time (decanonization). Keywords: Paradigm. Canon. Canonization. History of economic thought. * Agradecemos os comentÆrios de A. W. Coats, Angela Ganem, Leda Paulani e Ramón Vicente Garcia Fernandez, cujas sugestıes de mudança foram parcialmente incorpora- das, e aos dois pareceristas anônimos do Journal of the History of Economic Thought. ** Universidade de Sªo Paulo. E-mail: [email protected]. *** Universidade de Sªo Paulo. E-mail: [email protected].

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Ainda sobre os conceitos de paradigma ecânon como instrumentos de reconstruçãoda História do Pensamento Econômico*

Ana Maria Bianchi* *

Rubens Nunes * **

Este artigo resultou do projeto de pesquisa desenvolvido pelos autores acercados conceitos de paradigma e cânon, vistos como instrumentos apropriados àreconstrução da história do pensamento econômico. Analisa-se, inicialmente, oconceito de paradigma, com apoio nos trabalhos clássicos de Thomas Kuhn so-bre a estrutura das revoluções científicas e a tensão essencial que caracteriza otrabalho científico. A sessão seguinte é consagrada ao conceito de cânon, cujaetimologia é investigada. Esta segunda maneira de pesquisar e contar a história dopensamento econômico adquiriu popularidade entre os economistas graças aoavanço do programa de pesquisas retórico. A comparação entre os dois conceitosé objeto da sessão final do artigo, onde se conclui que os conceitos de paradigmae cânon servem a propósitos diferentes: decifrar o progresso da ciência (paradigma);restaurar a relação entre o discurso e seu tempo (descanonização).Palavras-chave: Paradigma. Cânon. Canonização. História do pensamentoeconômico.

This article resulted from the research project that was undertaken by the authorson the concepts of paradigm and canon, seen as appropriate tools for recon-structing the history of economic thought. It begins by analysing the concept ofparadigm, based on Thomas Kuhn´s classical works on the structure of scientificrevolutions and the essential tension that characterizes scientific work. The nextsection is devoted to the concept of canon, starting with the investigation of itsetymology. This second way of researching and telling the history of economicthought gained popularity among economists thanks to the so-called rhetoricalturn in economics. The final session compares the two concepts, leading to theconclusion that they serve different purposes: to decipher scientific progress (para-digm); and to restore the link between discourse and its time (decanonization).

Keywords: Paradigm. Canon. Canonization. History of economic thought.

* Agradecemos os comentários de A. W. Coats, Angela Ganem, Leda Paulani e RamónVicente Garcia Fernandez, cujas sugestões de mudança foram parcialmente incorpora-das, e aos dois pareceristas anônimos do Journal of the History of Economic Thought.

** Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].*** Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected].

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Antes de mais nada, vale a pena explicar o título do presente artigo.Ele nasceu em 1999, como fruto das reflexões que fizemos durante o pro-cesso de desenvolvimento da dissertação de mestrado de Rubens Nunes(NUNES, 1995). Esta primeira versão foi apresentada no encontro anual daSociedade de Economia Política (SEP) e logo em seguida publicada emperiódico brasileiro (NUNES e BIANCHI 1999). Versões posteriores foramexpostas em encontros realizados nas universidades de Vancouver, Stirlinge Buenos Aires e serviram de base para a elaboração do novo texto.

Em sua primeira versão e nas que a sucederam, o artigo teve opropósito de explorar dois conceitos que podem ser utilizados na recons-trução do passado de uma disciplina científica: paradigma e cânon. A or-dem das sessões que se seguem respeita essa dupla divisão, começandopelo mais conhecido conceito de paradigma, para em seguida focalizar ode cânon. Na conclusão, discutimos as vantagens comparativas dos doisconceitos.

Paradigmas como exemplaresGraças à leitura dos dois mais importantes livros de KUHN, a saber,

The Structure of Scientific Revolutions (1970) e The Essential Tension (1977), apren-demos a complementar uma reconstrução puramente intelectual das idéiaseconômicas com elementos de história econômica, política econômica,instituições que organizam a profissão, bem como redes de comunicaçãoentre especialistas e entre especialistas e leigos. A difusão desses livros en-tre os economistas fez com que as várias teorias deixassem de ser vistascomo construções puramente abstratas, e passassem a ser enxergadas comoum produto localizado e datado do trabalho desenvolvido por comunida-des de especialistas.

Como é sabido, a ambigüidade da noção de paradigma exposta porKuhn em seu primeiro livro foi apontada por inúmeros críticos. Em res-posta a essas críticas, KUHN (1977, p.297) debruçou-se novamente sobre oconceito, para definir paradigma como �matriz disciplinar�. O adjetivo�disciplinar� denota o fato de ser propriedade intelectual dos membros deuma determinada comunidade científica; o substantivo �matriz�, por suavez, ressalta a natureza do paradigma como um conjunto de elementos

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ordenados de diferentes tipos, entre os quais generalizações simbólicas,crenças ontológicas e exemplares (exemplars) de realizações passadas.

Kuhn admite que a expressão paradigma poderia ser excluída dovocabulário da história da ciência, desde que o papel desempenhado pelasrealizações exemplares de uma determinada tradição de pesquisa fossemantido. Os exemplares compartilhados pela comunidade de especialistasseriam assim, em termos estritos, os elementos cruciais da matriz discipli-nar. Sua função seria essencialmente cognitiva. KUHN (1970, p. 187) ilustraessa idéia referindo-se a uma lista de exercícios a que os estudantes dedeterminada especialidade científica devem submeter-se durante seu trei-namento, acompanhada de suas soluções técnicas. O autor dá também oexemplo de uma criança que vai com seu pai ao zoológico e aprende aestabelecer regras de correspondência para distinguir diferentes categoriasde pássaros. A visita ao zoológico permite à criança ter acesso àquilo quesua comunidade potencial já sabe, em grande medida na forma de conhe-cimento tácito: que animais como patos, cisnes e gansos formam famíliasnaturais discretas.

A cada momento da ciência normal, algumas das realização cientí-ficas passadas tornam-se um modelo de como a �boa� ciência é conduzida(ARGYROUS, 1992, p.232). Elas também apontam para novas pistas de in-vestigação. Paradigmas são instituídos porque são mais bem sucedidos doque seus competidores na resolução dos problemas que o grupo de cientis-tas reconhece como significativos. Entretanto, ser bem sucedido não im-plica ser completamente bem sucedido em relação a um único problema,nem ser notavelmente bem sucedido em relação a um grande número dosmesmos. Uma teoria não precisa passar em todos os testes aos quais éexposta. Aliás, argumenta Argyrous em sua interpretação de Kuhn, essacaracterística pode constituir uma fonte de atração.

Embora o grau de consenso requerido pelas comunidades de espe-cialistas varie substancialmente, sua condição mínima é a coesão propicia-da pelo reconhecimento dos problemas relevantes e da forma que sua so-lução legítima deve assumir. Na determinação de como a soluçãoparadigmática será transposta para novos contextos, abre-se um vasto campopara o exercício da liberdade e da criatividade dos cientistas, que pode ge-rar desacordos1 .

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Uma comunidade científica que compartilha um mesmo paradigmatem como seu maior valor uma �carteira� de questões dotadas de sentido,que pode ser aberta a cada momento. Com o paradigma, a comunidadecientífica adquire �um critério para a escolha de problemas, cuja soluçãopode ser presumida enquanto o paradigma é tomado como dado� (KUHN

1970, p.37). Em parte, a ciência normal é construída com vistas à expansãode seu conjunto de quebra-cabeças com solução assegurada. A cada mo-mento, contudo, tal conjunto é finito, fornecendo assim um critério dedemarcação para os ramos da ciência e um estímulo para o avanço doconhecimento.

Essa perspectiva pode ser ilustrada com o período da história dopensamento econômico que corresponde às três primeiras décadas do sé-culo XIX, período esse marcado por um movimento de articulação doparadigma proposto por Adam Smith2 . Qual o cimento desta articulação?Talvez o mais importante seja a qualidade de realização exemplar presentena obra A Riqueza das Nações (daqui em diante designada por RN). O livroexerceu um verdadeiro fascínio para a geração de intelectuais que, nas pri-meiras décadas do século XIX, aglutinou-se em torno dele. Foi percebidoe saudado como uma ruptura radical, definitiva, exemplar em suma, comas tradições mercantilista e fisiocrática.

Referências a Smith são recorrentes nos textos econômicos produ-zidos no período, onde muitos autores o identificam como o fundador damoderna economia política. Vale a pena citar alguns exemplos. ParaMCCULLOCH ([1825]1965, p.12), o êxito de Smith decorreu do fato de terrefutado opiniões populares, ao distinguir entre valor de uso e valor detroca e ao questionar o conceito mercantilista de riqueza. SAY ([1803]1983,p.52) compartilha desse entusiasmo, e diz que antes de Smith não haviaeconomia política. Ele admite, é verdade, que RN �pecou� ao combinarprincípios �saudáveis� de economia política com noções estatísticas curio-sas, passagens obscuras e noções equivocadas. Da obra de Smith não esta-va ausente, na avaliação de seus seguidores, aquele ingrediente essencial doparadigma, que é sua incompletude. Muito havia por fazer e por consertar,pois se tratava de �um imenso caos de idéias corretas misturadas com co-nhecimento positivo�. (SAY, 1983, p.41) Era uma obra em relação à qual os

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herdeiros de Smith estavam prontos a arregaçar as mangas � o esforçovalia a pena.

A mesma disposição de trabalhar sobre o feito de Adam Smith éencontrada em James MILL ([1821]1965) e BUCHANAN ([1817]1966). Millpropôs-se a isolar os princípios essenciais desenvolvidos em RN. ParaBUCHANAN (1966, p.i), Smith conseguiu reconciliar opiniões em uma ciên-cia até então sujeita a preconceito e controvérsia. Contrariamente a Say eJames Mill, contudo, Buchanan sentiu-se atraído pela coleção de verdadespráticas contidas em RN. Sua fonte de motivação foi a possibilidade deaplicar os ditames da razão aos negócios do mundo, uma vez que RN con-tinha �lições para o governo bem como para a vida comum� (BUCHANAN,1966, p.viii).

A necessidade de atualizar a mensagem de Smith era tão presenteno início do século XIX que Buchanan e Malthus prepararam, indepen-dentemente um do outro e sem saber disso, edições comentadas de RN.Em 1814, ao descobrir que Buchanan iria publicar seu trabalho, Malthusdecidiu abandonar seu projeto.

A influência pioneira de Smith é observada no homem que podeser considerado o principal economista clássico do século XIX. DavidRicardo começa seus Princípios reproduzindo uma citação da obra de Smith.�Foi observado por Adam Smith que...� são as primeiras palavras de seulivro clássico (RICARDO, [1817]1951, p.11).

Mesmo um autor distanciado do contexto britânico, como Karl H.Rau, da Universidade de Heidelberg, prestou o devido tributo a Smith. Elequalificou seu �sistema� como decididamente superior aos que o antece-deram (RAU, 1839, p.32). Certas partes poderiam ser retificadas, certos prin-cípios não haviam sido satisfatoriamente definidos, a obra como um todopoderia ser mais sistematicamente organizada, mas a solidez de suas basesexplicaria a rápida difusão das idéias de Smith (RAU, 1839:33-4).

Segundo ROSNER (2000, p.114), Rau foi autor do primeiro livro-texto alemão cujo título mencionava a expressão �economia política�. Ofato de ter usado essa expressão para dar título ao livro constituiu maisuma expressão de simpatia pelas teorias de valor de Smith e Ricardo.

Ao publicar seus Princípios, em 1848, John STUART MILL ([1848]1965,p.xvii) disse que gostaria que o livro fosse para seu tempo o que RN havia

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sido para o tempo de Smith. Ele menciona Smith � e nenhum outro eco-nomista � duas vezes nas observações preliminares de sua obra.

Foi portanto por volta da primeira década do século XIX, comorelata DEANE (1978, p.71), que uma comunidade autoconsciente de econo-mistas surgiu na Europa. Quem quer que tentasse vê-los como um conjun-to, enxergaria um grupo muito heterogêneo. Uma das poucas coisas que osunia era o fato de que haviam lido RN e feito um esforço para analisar osproblemas econômicos de seu tempo à luz do mesmo.

Das observações anteriores conclui-se que a maior realização deSmith e, ao mesmo tempo, aquela que mais aproxima o período das condi-ções de ciência normal, foi ter montado uma agenda de pesquisas para oseconomistas. Eles não precisavam ter pontos de vista perfeitamenteharmônicos para se interessarem pela leitura das opiniões uns dos outros.Nem mesmo cobravam todas as respostas de Smith; antes, apostavam nomodelo explicativo construído por seu ilustre antecessor e confiavam napossibilidade de resolver problemas para os quais haviam sido alertadospela leitura de sua obra.

Não foram poucos os economistas que se entusiasmaram com omodelo de progresso da ciência proposto por Kuhn. GORDON (1965),COATS (1969) e ARGYROUS (1992) investigaram a ocorrência de revoluçõescientíficas na economia, concluindo pela predominância de um únicoparadigma, o do equilíbrio decorrente da ação de indivíduos movidos peloauto-interesse. Em BRONFENBRENNER (1971: 138) existe a referência a trêsepisódios da história da economia que poderiam ser interpretados comopossíveis revoluções científicas: o aparecimento da ciência econômica, coma publicação dos Political Discourses de Hume, em 1752, e de RN, em 1776;a revolução marginalista, em que se dá a substituição da escola clássica pelaneoclássica em 1870; e o colapso da escola neoclássica de Cambridge du-rante a Grande Depressão, marcado pela publicação da Teoria Geral e pelostrabalhos de Joan Robinson e Chamberlin sobre concorrência imperfeita,durante a década de 1930. Este último movimento tem sido considerado oexemplo favorito de revolução científica na economia (BIANCHI, 1992, p.137). Por outro lado, autores como KUNIN e WEAVER (1971), BLAUG (1975)e REDMAN (1991) mostraram-se céticos em relação à aplicabilidade domodelo de progresso por meio de revoluções científicas. Segundo Blaug,

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�qualquer período do desenvolvimento científico é marcado por um gran-de número de ´paradigmas´ que se sobrepõem e se interpenetram�.

O modelo kuhniano de progresso da ciência enfatiza a dinâmicainterna da ciência normal, impulsionada pelas anomalias reveladas em seuexercício. Ficam em segundo plano motivos externos à lógica da investiga-ção, tais como os interesses do Estado ou de grupos sociais, ou ainda pro-blemas suscitados pela tecnologia. Em relação ao período da articulaçãodo paradigma clássico, NUNES (2003) examina três episódios em que o de-bate político e a discussão sobre o caráter das instituições serviram de ins-piração para a teoria econômica, no período em que os economistas pro-curavam sistematizar e aprofundar as idéias de Adam Smith. São eles: naInglaterra, as discussões das leis dos cereais e das leis dos pobres e a emer-gência de conflitos de classes; na Alemanha, a política industrial, destinadaa superar o atraso econômico. Em cada caso, as interpretações da obra deSmith foram condicionadas por interesses e pontos de vista distintos �com resultados muito diferentes em natureza, apesar do ponto de partidacomum. Assim, as diferentes interpretações das idéias seminais de Smithforam moduladas por questões que a sociedade colocou na ordem do dia.

Cânon, cânones, canonizaçãoAté aqui, definimos brevemente o conceito de paradigma e sua

aplicação na economia. Passamos agora a definir o conceito de cânon, queintroduz uma segunda maneira de contar a história do pensamentoeconômico e adquiriu alguma popularidade entre os economistas graças aoavanço do programa de pesquisas retórico.

Toda a discussão a respeito do conceito de cânon começa por des-tacar a etimologia da palavra. Na língua grega, o termo Qaneh-kanõn desig-nava originalmente o caule de plantas como o bambu e a cana-de-açúcar,que crescem retos. Logo assumiu o sentido figurado de regra normativa,padrão para verificar a retidão das coisas. O latim isolou esses dois sentidosao adotar as palavras canna, cannæ para designar a parte da planta e cânon,canonis para regra ou lei3 .

Assim, na linguagem corrente, a palavra cânon tem dois significa-dos principais: (i) padrão, regra, modelo ou norma e (ii) lista, catálogo outabela. A lista de santos da Igreja Católica, por exemplo, é um cânon.

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PSALIDOPOULOS (2000, p.xi) ressalta a origem teológica do conceito, simbo-lizada pela expressão �lei canônica�. Ele explica a formação de um cânoncomo um processo que envolve uma seqüência de passos:

Primeiro, identifica-se um problema, que é analisado por certo(s)autor(es). Disso resultam certas codificações, na forma de texto,ensaio ou panfleto. Estes são comunicados para uma audiênciamaior e, se forem aceitos como sólidos e válidos por uma maio-ria de pensadores, são canonizados. Hoje em dia, livros-textos etratados que focalizam certos temas com o auxílio de determina-dos instrumentos reproduzem canonicamente a sabedoria-padrãoem um campo de investigação específico.

A Bíblia constitui o exemplo mais clássico de cânon, o que indica aorigem teológica do conceito. Trata-se, diz SANDERS (1987), de um textoliterário final, estabilizado, que contém um registro compacto de dois milanos da luta dos cristãos contra vários tipos de politeísmo. Neste como emoutros cânones religiosos, a idéia básica é a repetição: �[...] Um cânon é umcânon não apenas porque sobrevive, mas porque confere poder de sobre-vivência à comunidade que o recita.� (SANDERS, 1987, p. 19) Esta citaçãoaproxima o cânon da definição de �mito� proposta por ELIADE (1972), queassinala que a principal função do mito é revelar os modelos exemplares detodos os ritos e atividades humanas significativas4 . Tais modelos são trans-mitido por meio de relatos das façanhas dos ancestrais míticos. A analogiaque aqui propomos joga luz sobre o fato de que a comunidade científicatem seus heróis, exemplos a serem imitados. O sentido do mito, que éessencialmente uma narrativa dotada de poder �explicativo�, revela-se nosritos que desencadeia, que se exprimem nas práticas sociais.

Na economia, o termo �cânon� assumiu o sentido de regra, princí-pio ou padrão segundo o qual algo é avaliado, como nota AROUH (2000,p.204). O primeiro economista a adotar esse conceito foi Samuelson, emartigo publicado no Journal of Economic Literature de 1978, sob o título �Thecanonical classical model�.

Nesta como em qualquer disciplina, dentro e fora do domíniocientífico, a existência de um cânon confere à comunidade de especialistasum papel de primeira grandeza na disseminação de idéias e normas. Elachama atenção para o fato de que as teorias não são construídas no ar, mas,

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ao contrário, brotam no solo plantado por um grupo de pensadoresativamente engajados nessa atividade. Este é o fórum no qual a coletividadeelege os textos que valoriza como trabalhos de mérito. O estabelecimentode um cânon foi crucial para que a economia pudesse ver-se como unidadediscursiva. Deu a esta disciplina credenciais, em relação às quais conquistase avanços são registrados no estado das artes que a caracteriza no momento5 .

Como fotografia retocada da disciplina na sua melhor forma, ocânon encontra sua identidade e define sua tradição intelectual. RUCCIO

(1991, p.506) aponta o papel central que o conceito desempenha na histó-ria do pensamento econômico: �Como na literatura, o cânon serve paraordenar no presente o que pode e o que não pode ser dito � indicando oque de importante já foi dito no passado.� Vale acrescentar que parte daliteratura produzida a cada momento do tempo não adquire status canônico,permanecendo à margem do processo de canonização.

A despeito da presença de fortes elementos de estabilidade nesteprocesso, contudo, a forma assumida pelo cânon não é necessariamentefixa ou estática no tempo. SAMUELS (1999) chega a definir o cânon comofenômeno mutável. O que quer dizer isso? À medida que a disciplina ama-durece, seu cânon primário pode ser suplementado ou mesmo questiona-do por uma série de cânones menores, que refletem os interesses e as prá-ticas correspondentes de dissidentes dentro de uma comunidade de espe-cialistas. Além disso, certos autores podem ser submetidos a um processode renascimento, como mostram COATS (1992) e PEIL (2000) a respeito deAdam Smith. Em 1976 as revisões bicentenárias desafiaram a visão canônicade Smith, e uma nova leitura foi introduzida. A interpretação hermenêuticade RN, proposta por Peil, teve como objetivo promover uma nova inter-pretação canônica. Movimentos desse tipo ilustram o ciclo de vida �que-brado� dos cânones.

Um dos aspectos mais notáveis da construção de um cânon é queela dá um sentido de continuidade histórica a uma seqüência de obras quede outra forma deixariam de tê-la. Em contraste com o atual estado dasartes, os textos do passado parecem sofrer de falta de rigor; são toscos,imperfeitos, anêmicos. Constituem um embrião, necessariamente defeitu-oso e incompleto, da forma final assumida pelo discurso do presente.

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Uma vez instituído, o cânon perde toda sua temporalidade. Emoutras palavras, ele liga o presente ao passado de uma forma unilinear,essencialmente distorcida. A imagem adequada para ilustrar essa caracte-rística é a de um seminário de especialistas. Tudo se passa como se a dis-cussão de textos importantes produzidos em determinada disciplina tives-se lugar em um seminário aberto, no qual os autores do passado são cha-mados a falar para os autores do presente. BROWN (1993, p.66-67) descreveum processo de �reconstrução racional�, durante o qual os grandes mes-tres são convencidos de seus erros e aceitam a idéia de que o conhecimen-to progrediu no intervalo que os separa de seus iluminados sucessores.Assim, outro aspecto notável da canonização é que ela subverte a cronolo-gia � como se os autores do presente tivessem o poder de influenciar seusprecursores, amaciando as asperezas e eliminando as impropriedades desua obra.

Ao subverter a cronologia, a leitura canônica elimina também anovidade e a ruptura, retirando de seu tempo o autor canonizado. Ossantos também pecam: heróis do positivismo como Kepler e Newtongastaram tempo e energia procurando a �música das esferas� ou desenhan-do um mapa do inferno. Nas palavras do historiador da ciência BernardCOHEN (1967, p. 140), Kepler era um �místico torturado, que chegou àssuas grandes descobertas por um estranho tatear�. O autor acrescenta queKepler valorizava mais sua �descoberta� de que as órbitas dos planetas dosistema solar inscreviam-se em sólidos regulares � uma simples coincidên-cia, na visão de hoje �, do que as três leis pelas quais ele é reconhecido nahistória da astronomia. Ora, o discurso científico tem, antes mesmo de serpronunciado, um lugar: o real tem uma estrutura, socialmente construída,que demarca objetos e sistematiza o conhecimento. Essa condição de pos-sibilidade do discurso científico muda no tempo: constatam-se erupçõesde novas formas de organizar e validar o conhecimento. FOUCAULT ([1966],s.d.) vale-se da expressão �arqueologia do saber�, em lugar de �história dasciências humanas�, para eliminar a ilusão de continuidade. Sua empreitadavisa reconstituir a estrutura dos discursos e suas referências cruzadas, semse perguntar pela origem das idéias.

Aqui faz sentido adotar a expressão consagrada por ARIDA (2003),para apontar a semelhança existente entre os processos de canonização e

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superação positiva, que seria característico da evolução das ciências �du-ras�. O horizonte retrospectivo de uma ciência como a física � em cujomodelo a economia se espelha � é dado por uma noção peculiar de frontei-ra do conhecimento. Nesta, o estado atual da teoria incorpora tudo o quede relevante foi dito no passado. Nas palavras de ARIDA (2003, p. 17),

Se todas as contribuições positivas do passado encontram-seassimiladas ao estado presente da teoria, a historiografia do pen-samento econômico reduz-se a um inventário de erros eantecipações. Erros quando a doutrina que se presumia verda-deira no passado discrepa daquela que integra o estado atual dateoria; antecipações quando prefigura a fronteira. Mudanças nateoria afetam a avaliação do passado nesse processo de ilumina-ção retrospectiva; reescreve-se a história do pensamentoeconômico, como inúmeras vezes se observou, a cada geração.

A permanente atividade de construção e reconstrução do cânontambém tem sido associada, em termos metodológicos, à abordagem �whig�.O termo faz clara alusão à celebração do presente em detrimento do passa-do que caracteriza a idéia de progresso do conhecimento: o passado é con-dicionado pelas necessidades do presente. Na história whig de uma discipli-na, os escritores mais velhos são chamados a colaborar em um debate queé conduzido em termos contemporâneos, em aproximações sucessivas àsrespostas corretas6 . Um dos principais frutos dessa abordagem é que elareduz o número de vozes históricas que devem ser escutadas, tornandohomogêneo aquilo que é heterogêneo.

O argumento é impecável. Como as vozes do passado só são ouvi-das quando engajadas no debate contemporâneo, dois efeitos ocorrem: deum lado, um menor número de vozes participam do seminário; de outro,as próprias vozes canônicas devem ser submetidas a uma sintonia fina paragarantir seu lugar no espectro de ondas do presente. Substitui-se assim odiscurso dialógico (de múltiplas vozes) pelo monológico (uma única voz).A natureza heterogênea do primeiro decorre do fato de que circunstânciassociais, éticas e políticas diferentes dão vazão a diferentes vozes. Em con-traste com isso, no discurso monológico, uma única voz autorizada contro-la o texto comunicativo, e os elementos dialógicos são suprimidos ou, aomenos, notavelmente atenuados. Nas palavras de BROWN (1993, p.67):

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Como as vozes do passado são audíveis apenas se estiveremengajadas no debate moderno, isso significa que menos vozeshistóricas serão ouvidas e, ao mesmo tempo, que as vozescanônicas terão inevitavelmente de ser novamente sintonizadasde tempos em tempos para assegurar sua continuidade nas mo-dernas ondas sonoras7 .

Fica claro que o cânon serve para delimitar um campo específicopara o discurso do presente. Há um elemento pedagógico nesse processo.Na física, uma série de equações concisas, filtradas pelo progresso do co-nhecimento, traduz o ensinamento de Isaac Newton para seus discípulos.Da mesma forma, Adam Smith é merecedor de nosso tributo como funda-dor da economia e criador do cânon correspondente, porque a maioria doseconomistas contemporâneos adere à idéia de que o equilíbrio de mercadoé um produto não intencional do comportamento concreto de indivíduosmotivados pelo auto-interesse. A obra clássica de Smith é lida como umaantecipação da sabedoria econômica contemporânea, e o próprio autor éconsiderado uma versão primitiva dos melhores economistas contemporâ-neos. Os contemporâneos olham para o teorema da mão invisível comouma explicação das condições em que o equilíbrio de mercado é Pareto-eficiente.

Outros bem conhecidos exemplos podem ilustrar esse procedimen-to, tais como o desenrolar da polêmica entre Ricardo e Malthus, na primei-ra metade do século XIX; entre os clássicos e a Escola Histórica, no finaldo século; e entre Keynes e Pigou no século XX. Em cada um dessescasos, o cânon recria o diálogo na forma de um monólogo.

Assim é que citações de um autor submetido ao processo decanonização � sejam elas extraídas de textos publicados, obras póstumas,correspondências, notas pessoais ou depoimentos orais � são retiradas deseu contexto e utilizadas para elucidar o significado de passagens obscurasde outras partes de sua obra. Em outras ocasiões, são expostas como mani-festações de intuições brilhantes, que encontrariam melhor expressão nocânon atual. Este é um processo rotineiro e socialmente legitimado. Ele fazdo processo de canonização uma redução, pois ignora deliberadamenteque um único texto pode adquirir diferentes significados. Há uma espéciede morte do autor � digamos, um autor clássico � que, ao publicar o texto

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que escreve, perde controle sobre o mesmo. Não faz sentido tentar enten-der as intenções do autor, ou encará-lo como �proprietário do texto e cus-tódio de seu significado� (BROWN 1993, p.68). Não importa se Stuart Milldefiniu a busca de riqueza como apenas uma das motivações humanas,questionou a universalidade dessa característica, ou afirmou a existência deum homem �não-econômico� dentro de uma sociedade industrial como aGrã-Bretanha, como aponta MATTOS (1999), pois o pressuposto deracionalidade econômica é parte do processo de canonização namicroeconomia.

Brown destaca que o leitor contemporâneo não é livre para ler osclássicos a seu bel-prazer, da maneira que subjetivamente lhe pareça maisagradável ou conveniente. Os protocolos da comunidade científica e o tipode iniciação que é dada a seus recrutas favorecem certos hábitos de leitura,que consistem em habilidades conceituais, matemáticas e econômicas quedistinguem sua maneira de ler daquela dos não-economistas. Ao ler umtexto, eles se esforçam para impor ordem e coerência à polifonia de vozes,de maneira a comprimi-las em um discurso unificado. Assim, diz BROWN

(1994b, p.380), �As leituras �canônicas� do texto da economia são as leiturasautorizadas, que ajudam a constituir e consolidar a disciplina da economiaem termos de uma forma de discurso integrada, com presençainstitucionalizada na comunidade�.

Assim é que a canonização torna certos conteúdos estáveis ao lon-go da história do pensamento econômico. Como SAMUELS (1999) aponta, ocânon compreende não só uma literatura canônica e autores canônicoscomo também um corpo de interpretações canônicas. Ele contribui parasuprimir elementos de heterodoxia e heterogeneidade, uma vez que pro-duz uma espécie de história na qual os autores do passado falam diretamenteaos interesses e preocupações de seus leitores contemporâneos. Há umadose inegável de ingenuidade na visão canônica, pois ela desconsidera asdiferentes circunstâncias em que as idéias foram lançadas, o timing de cadaobra, concepção ou ponto de vista.

Para o historiador do pensamento, BROWN (1993, p.77) recomenda(e, como historiadora, pratica) o procedimento inverso. Ela propõe a�descanonização� do discurso, que consiste em explorar a riqueza dos tex-tos históricos, desnudando a pluralidade de vozes presentes no discurso do

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passado. Tal procedimento implica desconfiança em relação à história ofi-cial da disciplina, de tal forma a tornar a cronologia histórica descontínuae, até certo ponto, caleidoscópica. A ênfase recai sobre a intertextualidadede diferentes discursos, que são situados na �estrutura discursiva� queensejou sua emergência e em relação à qual seus próprios argumentos po-dem ser lidos. (BROWN, 1993, p.78)

Confiar ou desconfiar? Canonizar ou descanonizar? Adescanonização faz sentido para o historiador de idéias, ou para ometodólogo. TRIBE (1999) argumenta que o historiador da economia, aoreconstruir eventos e teorias do passado, presume que sua significância eseu significado não são imediatamente acessíveis ao leitor contemporâneo.Mas o economista não precisa aderir à prática da descanonização. Na ver-dade, ele tende a participar ativamente do processo inverso, como ummorador constantemente preocupado com a manutenção de sua casa. Eleusa a linguagem e a abordagem analítica com as quais está familiarizado e,�ao fazê-lo, converte teorias do passado em variações daquelas com asquais já tem familiaridade�. (TRIBE, 1999, p.615) Na teologia, na literaturaou no discurso científico, a canonização não é condenável, ainda que ohistoriador possa propor um caminho diferente. (Da mesma forma queKuhn não condena a construção de um paradigma, antes pelo contrário,ele mostra suas vantagens8 ).

Como aplicar o conceito de cânon para entender a repercussão daobra clássica de Adam Smith? BROWN (1994a) analisa o chamado �proble-ma de Adam Smith�, controvérsia originada em fins do século XIX, à luzdo processo de canonização da economia. Essa controvérsia, que ocupouos historiadores da economia durante a década de 1970 e ganhou nova-mente momento na década de 1990, centra-se na hipótese de umadescontinuidade entre as duas obras clássicas de Smith, a saber, A teoria dossentimentos morais (TSM) e RN. Os dois livros de Smith, argumenta Brown,pertencem a estruturas discursivas distintas, que se revelam em diferençasde estilo. TSM pode ser lida como um discurso dialógico, que ilumina odiálogo moral entre o ator e o espectador imparcial. Já RN pode ser lidacomo um discurso monológico � um texto científico �, onde a voz didáticabusca assegurar sua jurisdição sobre o domínio do texto. Não há mais es-paço, na segunda obra, para o discurso moral de TSM.

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Em contraste, a visão canônica de Adam Smith realça a naturezaunificada das duas obras, mostrando que são produzidas pela mesma pes-soa e operam no mesmo espaço discursivo (BIANCHI, 1988). RN represen-taria uma aplicação mais especializada da teoria geral do comportamentosocial do indivíduo subjacente às duas obras. A análise econômica ali con-tida configuraria um retrato agradável, ainda que crítico, dos benefíciosadvindos do desenvolvimento do comércio e da manufatura em um ambi-ente de livre competição. Melhor ainda, a análise de Smith é exposta comoum esqueleto conceitual do capitalismo nascente. Essa circunstância acen-tua a relevância de RN, vista como uma exposição fundamental, ainda queprecariamente articulada, da economia moderna9 .

Qual deles é mais útil?Qual dos dois conceitos aqui discutidos é mais útil para o historia-

dor da economia? Para responder a esta questão, devemos em primeirolugar focalizar as semelhanças e diferenças entre ambos.

Há muitos pontos de identidade entre a metodologia inspirada emKuhn e a idéia de canonização do discurso. Talvez a maior semelhançadecorra do fato de que ambos fazem amplo uso da sociologia do conheci-mento. Eles acentuam o papel primordial da comunidade de especialistas eenfatizam a importância do meio social na gestação de idéias e sua trans-formação no tempo. Mais ainda, descrevem os mecanismos pelos quais acomunidade de especialistas se reproduz no tempo, ao treinar seus recru-tas. Como afirma BAECK (2000, p.1), os cânones estão sujeitos a um ciclode vida, ou seja:

Como todos os produtos da mente humana, eles [cânones] sãoaté certo grau dependentes de contextos e, portanto, codifica-dos por valores, normas, modos de pensar paradigmáticos e aconsciência histórica prevalente na sociedade da qual derivam.

É também possível remeter as duas noções, a despeito do intervalode trinta anos que as separa, à mesma tradição intelectual. O percurso paraa superação de uma concepção positivista de conhecimento já estava laten-te em Kuhn. De modo mais explícito, a aplicação do conceito de cânon àhistoriografia do pensamento econômico é parte deste caminho, que trou-xe para a ciência instrumentos como a retórica clássica, a hermenêutica e a

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análise literária. De resto, esse movimento reflexivo é encontrado em ou-tras ciências sociais, não constituindo privilégio ou idiossincrasia da econo-mia. RUCCIO (1991, p.503) acentua que a crítica pós-moderna dasepistemologias modernistas é responsável por uma atenção maior dada àpalavra escrita.

Sem forçar muito, é possível também ver algumas semelhanças entrea idéia de �tensão essencial�, em Kuhn, e a polaridade discurso monológico/dialógico em Brown. Enquanto Kuhn está voltado para a tensão entre ci-ência normal e ciência revolucionária, que decorre do vínculo entre ambas,autores como Brown destacam a coexistência de forças centrífugas ecentrípetas. Para a autora, cada texto pode ser visto como �o campo detensão entre duas forças opostas, a centrípeta, que produz univocidade e acentrífuga que produz multivocidade� (BROWN, 1993, p.69).

Ironicamente, a metodologia do cânon e a metodologia de Kuhnsão parecidas mesmo nas críticas que recebem. Ambas são acusadas derelativismo. Em Kuhn, os críticos argumentam que, quando a ciência vema ser vista como produto daquilo que os cientistas fazem, o critério dedistinção entre ciência e não-ciência se perde. De forma análoga, o concei-to de cânon mostra o discurso como uma construção social, isto é, umaleitura que é uma hoje, pode ser sua negativa amanhã.

Aqui começa uma das importantes diferenças entre os conceitosde paradigma e cânon. O último é feito de textos, ou, mais precisamente,de leituras dos mesmos expressas em outros textos. O conceito de cânonparece ter despertado o interesse dos historiadores da economia graças aoreconhecimento da dimensão literária do discurso, estimulado pelo pro-grama de pesquisas retórico, que produziu uma vasta literatura recente10 .

Por seu turno, o conceito de paradigma parece ser mais adequadopara abranger, além de textos, práticas, instituições e artefatos. Ele englobauma vertente discursiva, que inclui o relato canônico da evolução da ciên-cia, e uma vertente instrumental, prática. A formulação da lei da conserva-ção da massa está umbilicalmente ligada ao uso da balança no laboratório.A lei de Lavoisier só faz sentido na presença de um procedimento paramedir a massa antes e depois das reações químicas. Por outro lado, só fazsentido pesar reagentes e produtos se a questão da conservação (ou criaçãoe desaparecimento) da massa está colocada. Um segundo exemplo pode

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ser encontrado no desenvolvimento recente da econometria, que não podeser descrito adequadamente sem uma referência à difusão dosmicrocomputadores e dos pacotes econométricos. Assim, muitos elemen-tos da matriz disciplinar não são explícitos, e fogem ao alcance da análisetextual. Em poucas palavras, aquilo que é posto no papel é importante,mas nem tudo que é importante é colocado no papel.

Outra diferença decorre do fato de que a ciência empírica é umdiscurso, mas, diferentemente da maior parte dos produtos literários, tem aintenção de falar sobre o mundo. Isso muda as coisas significativamente,não porque se admita a possibilidade de verificação conclusiva nas ciênci-as, mas porque o discurso científico estrutura-se na relação entre a lingua-gem e seu objeto. Seu poder persuasivo decorre do uso combinado deargumentos lógicos e quase-lógicos com argumentos relativos à estruturada realidade11 . Neste ponto a origem diversa dos dois conceitos deve serconsiderada: enquanto o conceito de paradigma foi inspirado nas ciênciasfísicas, o de cânon teve sua inspiração inicial na teologia e na literatura.

Ora, na literatura, o discurso se estrutura na relação reflexiva dalinguagem consigo mesma. A literatura já foi definida como uma máscaraque aponta o dedo para si mesma12 (ROBRIEUX, 1993). A regra, nesse caso,é a eficiência: os elementos do discurso estarão bem dispostos se provocaremcertos sentimentos no leitor, ou o induzirem a agir de acordo com a vontadedo orador. Na concepção dos sofistas, a verdade é, na melhor das hipóteses,um acordo entre interlocutores: de um lado, um acordo prévio sem o quala comunicação não ocorreria; de outro, um acordo que resulta da própriadiscussão. Na verdade, é exatamente nesse ponto que incide a crítica deAristóteles aos sofistas: na ausência de uma realidade objetiva, o logos, aúnica referência do discurso humano passa a ser seu próprio sucesso.

É pouco, para uma ciência empírica. O discurso da ciência não secontenta com sua função canônica, por exemplo, de proibir a ocorrênciade certos �estados do mundo�. Aspira antes a uma função orgânica, ouseja, a servir como instrumento para a extensão e o aumento do conheci-mento13 .

Talvez a diferença mais importante venha do fato de que o cânonassume a reconstrução do passado da disciplina, enquanto o paradigmaenfatiza o futuro que a comunidade científica planeja para si mesma e para

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a ciência. AROUH (2000, p.204) parece concordar com isso quando observaque o cânon �carrega um peso maior de imutabilidade e intransigência eimplica adesão estrita, como na crença religiosa�. Este não é o caso daconcepção de paradigma, que sinaliza uma pretensão de cientificidade, pormeio da qual a linha fronteiriça entre ciência e religião fica melhordemarcada.

Essa hipótese é reforçada pela proposição de que, enquanto o cânoné feito ex-post, a construção de um paradigma aplica-se a trabalho em pro-gresso. Se a ciência normal é bem sucedida, os melhores membros da gera-ção atual serão canonizados pelas gerações futuras. Isso dá ao cânon umcaráter retrospectivo. Por meio dele, a comunidade científica diz a si mes-ma e a seu auditório: �O caminho trilhado durante os últimos duzentosanos nos trouxe aqui, de onde podemos ver mais claramente a paisagem�.O paradigma parece ser mais prospectivo: �Aqui chegamos; vamos traba-lhar, porque existe ainda um longo caminho à nossa frente�.

Uma boa maneira de resumir as diferenças apontadas é destacarque nossos dois conceitos, paradigma e cânon, servem a propósitos dife-rentes: ao propor a idéia de paradigma, Kuhn estava interessado em deci-frar o progresso da ciência; a descanonização, por sua vez, está interessadaem restabelecer a relação entre o discurso e seu tempo (possivelmente re-presentado por outros discursos), a intertextualidade. No segundo caso, oobjetivo é compreender o discurso em seus próprios termos, daí uma pos-tura um tanto relativista.

Dito de outra forma, a descanonização pensa, à moda dos estrutu-ralistas, as condições de possibilidade de determinado discurso, para, a par-tir daí, torná-lo inteligível. Como observa LEPARGNEUR (1972, p. 6): �Oselementos têm sentido na sua interdependência e resultam muitas vezesdas relações que parecem engendrar. Compreender é [...] situar o relativoem cadeia com outros relativos.� O modelo kuhniano explica a evoluçãoda ciência, em termos da eclosão do novo a partir do rearranjo do materialfornecido pela tradição. A descanonização assume uma perspectivasincrônica, ao recriar relações entre significantes presentes no discurso, emgeral obscurecidas nas interpretações canônicas. Kuhn adota uma pers-pectiva diacrônica, uma vez que ciência normal, anomalias e revoluçõessucedem-se tanto lógica, quanto historicamente. À diferença da história de

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cunho positivista, não se trata de um processo cumulativo. Os novosparadigmas não surgem do nada, mas do legado do paradigma anterior,legado esse que é constituído tanto por seus sucessos quanto por determi-nados fracassos.

Pois bem: o avanço da ciência envolve a possibilidade de transgres-sões e mesmo destituição do cânon dominante. Na história das idéiaseconômicas o cânon sofre descontinuidades periódicas, circunstância quenão é acentuada na literatura sobre canonização. Talvez aqui resida o mai-or trunfo do conceito de paradigma. Afinal de contas, Kuhn insere suaconcepção de paradigma e ciência normal em uma estrutura de revoluçõescientíficas. Disse alguém que os cães da metodologia latem mas a caravanada economia passa. Não é intenção da metodologia obstruir a passagem doparadigma. Mas, se a crítica interna que ela incentiva cria uma atmosferapropícia à sua deposição e substituição por um novo, por que reclamar?

As perspectivas abertas pelos dois conceitos explorados neste arti-go acrescentam uma dimensão conceitual à reconstrução do passado daeconomia. Ao usá-las, o pesquisador quer ir além do ponto de entendercomo as idéias econômicas evolvem a partir de sua própria lógica interna.Ele quer conhecer os processos pelos quais certos significados são criadosem ambientes sociais específicos. Como aponta HANDS (1994, 2001), aoreconhecer que a economia é praticada em um contexto social, e o próprioconhecimento econômico é socialmente construído, o historiador das idéi-as avança pelo campo vizinho da sociologia do conhecimento. Ele pensano conhecimento científico como um tipo de produto social, e rende-se àimportância de considerar as instituições que organizam esse conhecimen-to, a carreira dos economistas cuja obra ele estuda e o clima intelectual emvigor a cada momento do tempo.

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Notas1 KUHN (1977, p.75) rejeita a idéia de que a ciência normal seja um empreendimento

inteiramente monolítico, pois um paradigma pode deslanchar diferentes tradições depesquisa normal, �que coincidem parcialmente, sem serem coexistentes�.

2 Para um relato mais completo e detalhado veja NUNES, 1995.

3 Veja Encyclopédie Théologique, Migne, Petit-Montrouge.

4 Textualmente: �[...] a principal função do mito consiste em revelar os modelos exempla-res de todos os ritos e atividades humanas significativas: tanto a alimentação ou ocasamento, quanto o trabalho, a educação, a arte ou a sabedoria.� (ELIADE. 1972, p. 13)

5 WEINTRAUB (1991, p. 526) realça a importância de artigos que reconstituem a literaturaem uma certa área (os chamados survey articles) na definição dos termos a partir dosquais a canonização ocorre. Se um artigo desse tipo é bem sucedido, o campo passa aser aquilo que foi reconstituído. Assim sendo, a �investigação de fato constrói a história�.

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Ainda sobre os conceitos de paradigma e cânon

Econômica, v. 4, n. 2, p. 153-176 , dezembro 2002 - Impressa em dezembro 2003

6 Sobre a natureza da abordagem �whig� vale a pena consultar a lista de discussão que aHistory of Economics Society mantém na Internet no endereço http://eh.net/lists/archives/hes/dec-1996.

7 Neste ponto, BROWN (1993, p.67) refere-se a Bakhtin, teórico da literatura.

8 Como diz KUHN (1970, p.45), a ciência normal reduz drasticamente a visão do cientista;mas essa redução, nascida da confiança no paradigma, é essencial para o desenvolvi-mento da ciência.

9 Uma revisão recente da literatura sobre o �problema de Adam Smith� pode ser encon-trada em TRIBE (1999).

10 As dimensões epistemológicas do debate sobre a dimensão retórica da economia sãoabordadas por MÄKI (1995 e 1998), que discute a conveniência do realismo nas teoriascientíficas. A esse debate foram consagrados incontáveis escritos em metodologiaeconômica, entre os quais a recente coletânea de GALA e REGO (2003). Em poucaspalavras, o grande risco do debate é cair num movimento pendular entre duas proposi-ções extremas: a de que tudo é fato (e a linguagem os reproduz) e a de que tudo élinguagem (e os fatos são por ela constituídos).

11 Sobre os diferentes tipos de argumentos, veja PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA (1969).Argumentos quase-lógicos atribuem sua validade a sua aparência racional; argumentosbaseados na estrutura da realidade, como o nome indica, apóiam-se nesta estrutura paraestabelecer uma conexão entre os juízos aceitos e aqueles que o orador deseja promover.

12 Ao referir-se ao ensaio �Literatura e metalinguagem�, de Roland Barthes, publicadoem 1959, diz Robrieux: �[...] nossa sociedade, fechada por enquanto numa espécie deimpasse histórico, só permite à sua literatura a pergunta edipiana por excelência: quemsou eu? Ela lhe proíbe, pelo mesmo movimento, a pergunta dialética: que fazer? A verdadeda nossa literatura não é da ordem do fazer, já não é mais da ordem da natureza: ela éuma máscara que se aponta com o dedo.�

13 Se este é o caso, não podemos concordar com BROWN (2002) em sua crítica aointencionalismo, que elimina qualquer esperança de se chegar perto de uma verdadeque não tenha conotação sofística.