Agricultura Mineira mostra uma nova força: a Agroecologia · Agricultura Urbana: ações e...
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Construindo o conhecimento agroecológico
CTA-ZM
Agricultura Urbana: ações e aprendizados
da REDE
Uso sustentávelda biodiversidade
do Cerrado
REDE COOPERATIVA GRANDE SERTÃO
revista
ano 1 1ª edição março de 2008
Agricultura Mineira mostra uma nova força: a Agroecologia
Experiências agroecologicas mostram a diversidade das Minas e das Gerais.
articulação mineira de agroecologia
02 março/2008v. 1 nº 1
Í N D I C E
A P R E S E N T A Ç Ã O
03março/2008v. 1 nº 1
A agroecologia se mistura à vida do povo, na história
de uma agricultura de origem camponesa que forjou as
Minas e os Gerais. Desenvolve-se numa estreita intera-
ção com os ecossistemas, as relações sociais, a cultura
e a história do povo de cada lugar. O Estado de Minas é
plural, está inserido numa região com ambientes e con-
textos diferentes, onde a agricultura familiar se molda.
Daí, toda a diversidade de iniciativas agroecológicas,
fruto dessa rica interação, que se traduz em arranjos
produtivos e circuitos econômicos que movimentam
feiras, mercados, centrais de abastecimentos.
Essas iniciativas precisam estar mais articuladas
para ganhar força. A agroecologia precisa ser mais pau-
tada nas políticas públicas e a diversidade dos arranjos
agroecológicos de Minas Gerais, presente nas discus-
sões e no debate nacional. A Articulação Mineira de
Agroeologia - AMA surge da necessidade de juntar for-
ças e costurar uma colcha de retalho com as cores da
agroecologia. Criada em setembro de 2003, a AMA é
uma rede estadual de organizações de apoio e asses-
soria a ONG´s e organizações representativas de agri-
cultores familiares que atuam nas diferentes mesorre-
giões do estado de Minas Gerais.
Muitas dessas entidades e organizações têm expe-
riência de quase duas décadas na implementação de
serviços de organização da produção da agricultura fami-
liar junto a famílias de agricultores, assentados da refor-
ma agrária e populações tradicionais, como indígenas,
vazanteiros, geraizeiros e quilombolas. Esses serviços
são baseados nos princípios agroecológicos e na utiliza-
ção de metodologias participativas que privilegiam a rela-
ção horizontal entre agricultores e agricultoras e a cons-
trução coletiva do conhecimento agroecológico.
A base do trabalho das entidades que compõem a
AMA é a construção coletiva do conhecimento agroe-
cológico. O diálogo e o protagonismo dos agricultores
familiares são os diferenciais da produção do conheci-
mento. O saber nativo dialoga com o acadêmico e pro-
duz o conhecimento e as alternativas adaptadas a cada
realidade. E são esses mesmos agricultores e agriculto-
ras que se transformam também em educadores e mul-
tiplicam o conhecimento produzido nas comunidades e
espaços onde vivem.
Dar visibilidade, tornar conhecida a diversidade
agroecológica de Minas Gerais e fortalecer a AMA co-
mo organização capaz de intervir nas políticas públicas
estaduais são alguns dos objetivos do plano de comu-
nicação da AMA. Esta revista faz parte de uma série de
instrumentos que buscam tornar a articulação mais co-
nhecida. Outros instrumentos como boletim impresso,
site e boletim eletrônico fazem parte desta estratégia.
Tudo isso para fazer ressoar a voz dos agricultores e
agricultoras familiares e divulgar as boas práticas prota-
gonizadas por elas e eles.
Com esta revista você terá a oportunidade de co-
nhecer um pouco da diversidade dos Gerais e das
Minas. Seja bem-vindo ao mundo da diversidade!
agroecológica!
Entidades de Coordenação da AMA:
CTA-ZM - Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata;
CAT - Centro Agroecológico Tamanduá;
CAA-NM - Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas;
CAV - Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica;
CAMPO VALE - Centro de Assessoria aos Movimentos Populares do Vale do Jequitinhonha
ITAVALE - Instituto dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Vale do Jequitinhonha;
SAPUCAI - Centro de Assessoria Sapucaí;
ARMICOPA - Associação Regional Mucuri de Cooperação dos Pequenos Agricultores;
Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais;
CPT - Comissão Pastoral da Terra;
REDE - Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alternativas e
APR - Animação Pastoral Rural
Articulação Mineira de Agroecologia
Articulação Mineira de Agroecologia
Campanha ACTIONAID - Alimentação:Direito de todos
Potenciais e limitações do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado: um estudo de caso da Cooperativa Grande Sertão no Norte de Minas
MASSACRE FELISBURGO:Quatro anos de impunidade
Universidade, extensão e desenvolvimento rural:a experiência da UFLA e do CAV no Vale doJequitinhonha
Povos e comunidades tradicionaismovimentam os sertões de minas gerais:em cena novos sujeitos sociais
Apresentação3Construindo o conhecimento agroecológico:a articulação entre o CTA, a UFV e as organizaçõesde agricultores da Zona da Mata4
9Agricultura Urbana:Ações e aprendizados da Rede10
162526
Da preservação das nascentesao desenvolvimento local 33
36Entrevista com Elmy Pereira Soares48Declaração Final do Encontro Mulheres emLuta por Soberania Alimentar e Energética50
C O N S E L H O E D I T O R I A L
Marcelo Almeida, Marcio Pereira
e Helen Santa Rosa
J O R N A L I S T A R E S P O N S Á V E L
Helen Santa Rosa - Reg. Prof. MG 12639 JP
R E V I S Ã O
Ediane Silva - Reg. Prof. MG 12716 JP
P R O J E T O G R Á F I C O
Cléber Caldeira e Clésio Robert
F O T O S
Arquivo CAA, Itavale, Rede, CTA,
Igor Homem e João Zinclar.
I M P R E S S Ã O
Dejan Gráfica
Tiragem desta edição: 1000 exemplares
REVISTA AMA é uma publicação da Articulação Mineira de Agroecologia.
Site: www.agroecologiamg.org.br
E-mail: [email protected]
Introdução
O respeito, resgate e valorização dos conhecimen-
tos de agricultores e agricultoras é uma das bases da
proposta da agroecologia. A geração de conhecimento
não é uma atividade só de técnicos e cientistas, mas
deve envolver a participação ativa de agricultores/as
desde a definição dos problemas das pesquisas até a
divulgação dos seus resultados. Isso significa o romper
com a idéia de pesquisa, na qual os/as agricultores/as
são considerados apenas como aqueles que vão rece-
ber os conhecimentos ou as tecnologias geradas pela
“ciência”. Essa necessidade de entrelaçar saberes po-
pulares e científicos nos processos de construção do
conhecimento agroecológico é um grande desafio.
Este artigo apresenta a experiência de articulação
entre o Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), alguns
departamentos da Universidade Federal de Viçosa (UFV)
e organizações de agricultores/as familiares da Zona da
Mata de MG. O caminho percorrido nessa parceria, que
já dura quase 20 anos, é rico em ensinamentos sobre os
desafios da pesquisa científica integrada a processos
locais de desenvolvimento agroecológico.
Tecnologias alternativas, mas
metodologias convencionais:
o início da interação
Boa parte da agricultura familiar da Zona da Mata
têm sistemas produtivos baseados na associação da
cafeicultura com a pecuária e o cultivo de culturas
voltadas ao auto-consumo, tais como milho, feijão e a
mandioca. Estes sistemas enfrentam problemas
relacionados à queda da produção das lavouras e à
grande variação do preço do café, sua principal fonte
de renda monetária.
O uso das tecnologias chamadas de “modernas” na
região, como os adubos químicos e agrotóxicos, piora-
ram ainda mais a exploração da natureza e tornaram os
sistemas produtivos mais arriscados, tanto do ponto de
vista econômico como ambiental.
Depois da fundação do CTA, no final da década de
80, a entidade atuou procurando difundir “tecnologias
alternativas”. Essas alternativas eram identificadas jun-
to às próprias famílias agricultoras da região ou já eram
conhecidas pela equipe técnica da entidade.
Nessa fase inicial o CTA criticava as “tecnologias
modernas”, mas não utilizava métodos muito diferen-
tes daqueles que eram empregados pelas empresas
tradicionais de pesquisa e assistência técnica. A noção
de “difusão de tecnologias” ainda estava muito impreg-
nada na formação dos técnicos e na própria entidade. A
idéia de valorização dos conhecimentos populares era
buscada, mas na prática ficava limitada à identificação
de tecnologias alternativas (populares), com o objetivo
de depois difundi-las. Já era um avanço, mas não per-
mitia o estabelecimento de relações de poder mais hori-
zontais entre assessores e agricultores. Apesar do res-
peito à cultura popular, o papel mais ativo no processo
de inovação permanecia com os técnicos.
Das tecnologias alternativas à agroecolo-
gia: uma mudança de estratégia
Para superar estas limitações, o CTA passou a reali-
zar diagnósticos participativos de agroecossistemas.
Com estes diagnósticos procurava aprofundar e siste-
matizar o conhecimento dos técnicos e agricultores,
sobre os problemas e as potencialidades de cada uma
das regiões de atuação da entidade. Os diagnósticos
permitiram definir temas que passaram a orientar a inte-
ração entre agricultores/as, técnicos do CTA e profes-
sores da universidade.
Em 1993 o STR de Araponga solicitou assessoria ao
CTA para a elaboração de um “Plano de Ação”. O traba-
lho foi iniciado com a realização de um diagnóstico de
agroecossistemas do município. Dois temas se desta-
caram nesse diagnóstico: o enfraquecimento das ter-
ras e a preocupação com a criação do Parque da Serra
do Brigadeiro, que significaria a desapropriação das
terras de centenas de famílias. Para buscar solução a
esses problemas, foram criadas duas comissões com-
postas por agricultores, técnicos do CTA e do Departa-
mento de Solos da UFV: a comissão “Terra Forte” e a
comissão do Parque.
A comissão Terra Forte incentivou experiências de
controle da erosão e reposição de nutrientes retirados
pelos cultivos, principais razões encontradas para o
enfraquecimento das terras. Entre as propostas testa-
das nas comunidades destacam-se o cultivo de cana-
de-açúcar em cordão de contorno nas lavouras de ca-
fé, a substituição da capina pela roçagem do mato nas
lavouras, o uso de calcário, o uso de leguminosas e as
práticas agroflorestais.
04 março/2008v. 1 nº 1 05março/2008v. 1 nº 1
Construindo o conhecimento agroecológico:a articulação entre o CTA, a UFV e as organizaçõesde agricultores da Zona da MataIrene Maria Cardoso e Eugênio Alvarenga Ferrari
Sistematização participativa de sistemas agroflorestais
A comissão do Parque buscou a mobilização dos
STR's dos municípios do entorno do futuro parque. Um
diagnóstico sócio-econômico e ambiental da Serra foi
realizado e várias pesquisas foram realizadas, demons-
trando as vantagens do envolvimento das famílias de
agricultores na criação do parque e no desenvolvimen-
to de atividades produtivas sustentáveis. Todo esse pro-
cesso evitou as desapropriações e permitiu a criação
do Parque, de forma participativa.
Monitoramento e sistematização:
ajustando os métodos de trabalho e as
propostas agroecológicas
Após alguns anos de atuação em Araponga, as
instituições parceiras decidiram monitorar as ações
desenvolvidas, propondo aos agricultores/as de regis-
trarem e analisarem as mudanças ocorridas em suas
propriedades, após a incorporação de propostas agro-
ecológicas.
Durante o monitoramento alguns métodos adota-
dos pelos cientistas foram questionados pelos agri-
cultores. Foi preciso então redefinir metodologias pa-
ra garantir que as informações fossem úteis e de rele-
vância local. Essa experiência ajudou muito a clarear
as dificuldades existentes quando agricultores e cien-
tistas se põem em interação para produzir novos co-
nhecimentos. É preciso entrar em acordo em relação
aos métodos de coleta e análise dos dados. Aprende-
mos que o método científico não pode ser o mais im-
portante na interação, senão os agricultores irão ques-
tionar a qualidade de sua participação no processo.
Entre várias atividades desenvolvidas, decidiu-se
monitorar os resultados dos sistemas agroflorestais,
06 março/2008v. 1 nº 1 07março/2008v. 1 nº 1
principalmente seu efeito sobre o controle da erosão
e o aumento da produtividade das culturas. Foi com-
provado que os SAF's controlavam a erosão, mas o
monitoramento mostrou que a produção não era sufi-
ciente e demandava muita mão-de-obra. Para os agri-
cultores, a introdução de grande número de árvores
de uma só vez no sistema dificultou muito o manejo e
não trouxe bons resultados. Alguns tipos de árvores
foram então retiradas e outros foram introduzidos,
especialmente aquelas de mais fácil manejo (por
exemplo as arvores que deixam cair as folhas no in-
verno - que não exigem podas) e aquelas geradoras
de renda, como as frutíferas (abacate, banana e etc).
Atualmente os agricultores possuem seus sistemas
desenvolvidos a partir de suas lógicas e dos seus tem-
pos e não a partir de modelos imaginados como idea-
is, trazidos de outras realidades.
Todo o processo de experimentação com SAF's ge-
rou muitas informações, mas muitas delas estavam dis-
persas, o que dificultava o seu uso por outros agriculto-
res, pelos novos membros da equipe do CTA e por ou-
tras pessoas interessadas. Para superar essa deficiên-
cia e gerar novos conhecimentos foi realizada a siste-
matização da experiência.
Vários aprendizados importantes foram obtidos co-
letivamente nessa sistematização. Entre eles o reco-
nhecimento, por parte dos agricultores, das espécies
de árvores nativas que combinavam melhor com o ca-
fé. Por outro lado permitiu também identificar questões
que ainda precisavam ser melhor compreendidas.
Café com ciência
Para responder algumas das questões identificadas
durante a sistematização, projetos de pesquisa foram
elaborados. Parte destes projetos estão sendo desen-
volvidos em ambientes controlados ou em laboratórios,
mas estão inseridos em um processo mais amplo de
articulação entre as organizações e agricultores/as.
Estes projetos são realizados na mesma região, mas
cada um olha o agroecossistema a partir de um aspec-
to específico. A integração destes olhares não têm sido
fácil. Em um esforço de integração os participantes dos
projetos realizam reuniões para planejar as ações e dis-
cutir os resultados ou assuntos relacionados aos temas
de pesquisa.
Para ampliar esta integração foram realizados en-
contros denominados “Café com Ciência”, que visa-
vam discutir os objetivos e as metodologias dos proje-
Sistematização participativa de sistemas agroflorestais
Agricultores(as) durante encontro denominado “café com ciência”, para discutir metodologias e resultados de pesquisas. Universidade Federal de Viçosa
08 março/2008v. 1 nº 1
tos de pesquisa. O primeiro encontro foi realizado em
Araponga, e procurou discutir dos objetivos e metodo-
logias a serem utilizadas. O “Café com Ciência II” foi
realizado no campus da UFV”, quando as famílias de
agricultores/as tiveram a oportunidade de observar e
manusear parte do instrumental de laboratório adotado
nas pesquisas.
Considerações finais
A longa trajetória de interação entre universidade,
CTA e agricultores/as permitiu estabelecer uma relação
marcada pelo respeito e a confiança mútua, condição
fundamental para a realização de qualquer projeto de
pesquisa dessa natureza. Professores da UFV
passaram a integrar o quadro de associados do CTA e
fazem parte do seu conselho e diretoria, e participam
das instâncias de planejamento e deliberação da
entidade. Tudo isto contribui para o sentido de
compromisso mútuo existente entre os diversos atores
na construção da agroecologia na Zona da Mata de
Minas Gerais.
Muitos desafios ainda permanecem. Entre eles está
a incorporação de pesquisadores de outras áreas do
conhecimento e o aprendizado conjunto na análise dos
agroecossistemas. Para superar esses desafios é pre-
ciso mudanças na organização da pesquisa e nas suas
formas de financiamento, que continuam sendo muito
especializadas e descoladas da realidade. É preciso
também que a universidade reconheça oficialmente o
verdadeiro valor dos agricultores/as no desenvolvi-
mento do conhecimento, desconstruindo o mito da su-
perioridade do conhecimento científico.
1 - Assegurar o direito a alimentação através de leis
2 - Expandir as medidas de proteção social
2.1 - Uma refeição na escola para todas as crianças
2.2 - Transferência de renda
2.3 - Acesso universal ao tratamento, ao cuidado e a prevenção do HIV/AIDS
2.4 - Auxílio emergencial a alimentação
3 - Melhorar a condição e a renda da mulher
Aumentar a produção local de alimentos para o consumo local
4 - Investir em menor escala na agricultura sustentável para impulsionar a produção e os rendimentos
4.1 - Expandir e melhorar o auxílio aos agricultores familiares
4.2 - As tecnologias insustentáveis dos transgênicos e da revolução verde devem ser rejeitadas
5 - Dar suporte às mulheres agricultoras e produtoras
6 - Aumentar gradualmente a mitigação, a adaptação, o financiamento e a tecnologia para responder às mudanças climáticas
Melhorar o sistema global de alimentação
7 - Regular o agronegócio
8 - Os acordos comerciais devem proteger os meios de subsistência rurais
9 - Acabar com as metas e subsídios para os biocombustíveis
10 - Parar com a especulação das commodities internacionais nas bolsas de mercados futuros
09março/2008v. 1 nº 1
Dez ações paraacabar com a fome
Mais de 950 milhões de pessoas serão vítimas da
fome esse ano. A ActionAid estima que mais 750
milhões de pessoas estejam agora correndo o risco
de cair na fome crônica. Assim como 1.7 bilhões de
pessoas, ou 25% da população mundial, pode ago-
ra carecer da segurança básica alimentar.
75% das pessoas vítimas da fome no mundo mo-
ram em áreas rurais, o que sugere que nenhuma
redução sustentável da fome é possível sem uma
ênfase especial na agricultura e no desenvolvimento
rural.
A Assistência Oficial do Desenvolvimento à Agri-
cultura vem diminuindo firmemente ao longo das
duas décadas passadas de US$ 6.7 bilhões em
1984 para US$ 3.9 bilhões em 2006.
O preço global total dos alimentos aumentou
83% nos 36 meses que conduziram até fevereiro de
2008, enquanto o trigo aumentou mais de 181%.
Os recursos alocados para as estratégias de mer-
cado das commodities tem apresentado um índice
de levantamento de US$ 13 bilhões no final de 2003
para US $260 bilhões em relação a março de 2008, e
os preços dessas 25 commodities que compõe es-
se índice levantaram em média 183 por cento nes-
ses cinco anos.
Quase metade do aumento do consumo da co-
lheita dos principais alimentos em 2007 está relacio-
nada com os biocombustíveis.
Fome e má nutrição são o risco número um à saú-
de do mundo inteiro. Maior do que a combinação da
AIDS, da malária e da tuberculose.
Quase cinco milhões de crianças morrem cada
ano de doenças que são evitáveis como a diarréia e
o sarampo.
Mais de 60 por cento das pessoas vítimas da fo-
me crônica são mulheres.
A fome em números
10 março/2008v. 1 nº 1 11março/2008v. 1 nº 1
Agricultura Urbana:Ações e aprendizados da RedeDaniela Almeida e Marcelo Almeida, com colaboraçãode Ana Barros, membros da equipe técnica da REDE
Quando falamos sobre agricultura a primeira ima-
gem que vem à cabeça da maioria das pessoas está
relacionada ao cultivo em áreas rurais. Mas desde o
surgimento das primeiras cidades os/as morado-
res/as realizam atividades agropecuárias no espaço
urbano, produzindo alimentos que são utilizados prin-
cipalmente para consumo da própria família. Estas
atividades, que atualmente vêm sendo consideradas
no conceito de Agricultura Urbana, podem interagir
com vários desafios enfrentados pelas comunidades
urbanas, seja no campo da segurança alimentar e
nutricional (SAN), da saúde, da complementação de
renda, da geração de postos de trabalho, da gestão
da cidade, entre outros.
Este texto apresenta algumas reflexões sobre as
ações e os aprendizados da Rede de Intercâmbio de
Tecnologias Alternativas (REDE) sobre os temas agri-
cultura urbana e segurança alimentar e nutricional, ba-
seadas na sua atuação em comunidades de baixa ren-
da da região metropolitana de Belo Horizonte e nas rela-
ções construídas com diferentes organizações.
A REDE é uma organização não-governamental
(ONG), criada em 1986 por pessoas comprometidas
com o fortalecimento da agricultura familiar e a transfor-
mação da realidade sócio-ambiental de Minas Gerais.
Na época, as contradições das políticas agrárias no
Brasil acentuavam a concentração da terra, o êxodo
rural e a violência contra os trabalhadores e trabalhado-
ras. Atualmente, a partir de uma atuação na região leste
de Minas Gerais, a REDE continua contribuindo para o
desenvolvimento rural, por meio da construção e con-
solidação de experiências agroecológicas na agricultu-
ra familiar.
A experiência da REDE em agricultura urbana inici-
ou-se em 1995, a partir de um convênio com a Prefeitu-
ra de Belo Horizonte para co-gestão do Projeto CEVAE
– Centro de Vivência Agroecológica. A intenção da
REDE com este projeto foi iniciar um trabalho em bair-
ros da periferia de Belo Horizonte, aproveitando o acú-
mulo de conhecimento adquirido com a sua atuação
em processos de desenvolvimento rural.
O Projeto CEVAE, implementado em quatro regiões
da cidade, buscava contribuir para o desenvolvimento
das comunidades a partir das recomendações da Agen-
da 21, através de dois eixos de trabalho principais: ges-
tão ambiental local e consumo alimentar e saúde. O
convênio entre a REDE e a PBH foi encerrado no ano de
2001 e, a partir de então, a REDE manteve uma ação
direta em cinco bairros de Belo Horizonte. Neste perío-
do, a entidade atuou articulada à Rede de Desenvolvi-
mento Local dos bairros Alto Vera Cruz, Granja de Frei-
tas e Taquaril (região leste), onde residem cerca de 80
mil pessoas, e à Rede de Desenvolvimento Comunitá-
rio dos bairros Capitão Eduardo e Beija Flor (região nor-
deste), com aproximadamente sete mil habitantes.
Estas redes, que chegaram a envolver 40 entidades
locais, articulam as iniciativas dos grupos de base, enti-
dades religiosas, organizações não-governamentais,
órgãos públicos e os recursos disponíveis localmente
para elaborar, executar e monitorar propostas para o
desenvolvimento das comunidades.
Uma destas propostas, desenvolvida durante o pe-
ríodo de 2002 a 2004, foi o Projeto de Formação de Edu-
cadoras Comunitárias em Segurança Alimentar e Nutri-
cional e Agricultura Urbana, que envolveu diretamente
60 famílias e uma equipe de nove educadoras comuni-
tárias. O objetivo era consolidar um grupo de educado-
ras/es comunitárias/os com capacidade de incentivar
dinâmicas locais de aprendizagem, experimentação e
criação coletiva de novas idéias, práticas e produtos
(Weitzman, 2005). O Projeto de Formação apresentava
como pilares de sua ação: 1) a parceria entre os diver-
sos atores envolvidos nas redes locais; 2) a definição
de locais pelas redes de desenvolvimento para se expe-
rimentar ações multiplicadoras em diferentes temas; e
3) o protagonismo da comunidade no diagnóstico da
realidade local, no planejamento e avaliação das
ações, no acompanhamento às famílias, na sistemati-
zação e comunicação dos resultados, e na participa-
ção em fóruns temáticos e conselhos.
Neste mesmo período, a REDE participou da cria-
ção da Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana
(AMAU), um espaço permanente de encontro, inter-
câmbio e fortalecimento de grupos e organizações soci-
ais da região metropolitana de Belo Horizonte. Desde
2005, a AMAU vem realizando atividades com o envolvi-
mento de cerca de 120 pessoas e organizações da re-
gião metropolitana. Estes momentos permitiram avan-
çar na identificação de iniciativas de agricultura urbana
e segurança alimentar desenvolvidas por grupos comu-
nitários, movimentos populares, ONGs, prefeituras e
órgãos governamentais na região metropolitana de
Belo Horizonte; criar um espaço de troca de experiênci-
as; e iniciar o debate sobre a formulação de políticas
públicas para promoção da agricultura urbana.
A partir de 2006, a REDE iniciou, em parceria com a
Prefeitura de Belo Horizonte, a implementação do Pro-
grama Cidades Cultivando para o Futuro (CCF), apoia-
do pela Fundação RUAF (Holanda) e pelo IPES (Peru).
Para conhecer melhor a realidade da agricultura urba-
na em Belo Horizonte, o Programa CCF realizou um
“Diagnóstico Participativo” que levantou informações
sobre a situação da agricultura urbana, a legislação
relacionada ao tema, os atores-chave para seu desen-
volvimento e os espaços em que as atividades se de-
senvolvem. A partir da realização do diagnóstico, inau-
gurou-se também um espaço de diálogo em Belo Hori-
zonte, do qual participam vários atores, que tem busca-
do propor e monitorar políticas municipais de agricultu-
ra urbana e instrumentos para sua efetivação.
A ação da REDE na cidade tem por objetivo potenci-
alizar iniciativas comunitárias de agricultura urbana de-
senvolvidas em bases agroecológicas e que incorpo-
ram os princípios da segurança alimentar e nutricional.
As atividades desenvolvidas procuram qualificar as ex-
periências produtivas e organizativas, por meio do
acompanhamento aos grupos comunitários e do de-
senvolvimento de processos de formação que possibi-
litem a incidência política com protagonismo das lide-
ranças. Neste exercício com as comunidades locais se
dá a experimentação e (re)criação de metodologias e
técnicas que buscam adaptar à realidade urbana os
princípios agroecológicos.
Estes processos são favoráveis à construção de
conhecimentos a partir do diálogo dos saberes popula-
res e tradicionais com o conhecimento técnico-
cientifico. Nestas dinâmicas de troca de conhecimen-
Horta da Associação Comunitária da Vila Presidente Vargas – Belo HorizonteCrédito: Marina Utsch / REDE-MG
Encontro de troca de sementes da Articulação Metropolitana de Agricultura UrbanaCrédito: Marcelo Almeida / REDE-MG
12 março/2008v. 1 nº 1 13março/2008v. 1 nº 1
tos, as famílias e grupos comunitários desenvolvem
uma maior autonomia, permitindo identificar se as de-
mandas locais podem ser respondidas por iniciativas
que já existem na própria comunidade ou se há neces-
sidade de buscar uma contribuição em outro local. São
também importantes as ações de planejamento, avalia-
ção e sistematização que buscam refletir, aprender
com o próprio fazer e formular conhecimentos sobre o
processo de organização comunitária e as atividades
que são realizadas. Além de promover mudanças na
qualidade de vida das famílias das periferias da cidade,
estes conhecimentos podem inspirar outras iniciativas
comunitárias, evidenciar a agricultura urbana enquanto
uma estratégia de gestão do espaço urbano e influenci-
ar a formulação de políticas.
A seguir, compartilhamos algumas reflexões rele-
vantes para a implantação de ações governamentais e
não governamentais de agricultura urbana no Brasil,
que surgem da experiência acumulada pela REDE ao
longo de sua atuação.
Características da Agricultura Urbana
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), a população de Belo Horizonte,
que é totalmente urbana, correspondia em 2007 a 2,4
milhões de habitantes, distribuídos em 330 km². As ini-
ciativas de agricultura urbana na cidade são familiares
ou comunitárias, sendo desenvolvidas, na maioria das
v e z e s , d e f o r m a e s p o n t â n e a e c o m o
(re)aproveitamento dos próprios recursos. Os/as mora-
dores/as dos bairros de baixa renda são, principalmen-
te, oriundos da zona rural de outras regiões do estado.
Ainda hoje chegam nas periferias de Belo Horizonte
muitas famílias que relacionam o conhecimento sobre
o manejo dos quintais a uma experiência rural anterior,
na qual aprenderam com os pais, mães ou avós sobre
cultivo de roças, o uso de plantas medicinais e nativas
na alimentação e a criação de animais . Estas famílias
buscam adaptar estes conhecimentos e modos de vida
ao novo contexto urbano, mantendo vivas práticas co-
mo a conservação de sementes, a diversificação de
cultivos, o manejo de plantas medicinais e a transfor-
mação de resíduos orgânicos em composto.
Em várias experiências, constata-se o envolvimento
de pessoas que, mesmo não sendo de origem rural,
apresentam grande interesse pela prática agrícola.
Observamos que uma das principais motivações para a
prática da agricultura urbana está ligada a uma questão
cultural. As pessoas plantam pelo prazer de plantar e
pela importância que dão a valores, costumes e hábitos
referentes à “vida na roça”. Quando viajam para o interi-
or, trazem mudas e sementes para plantarem e troca-
rem com os vizinhos.
As iniciativas, em seu conjunto, demonstram a di-
versidade de atividades relacionadas à agricultura urba-
na, como a produção animal, vegetal e de insumos, o
beneficiamento, a comercialização e a prestação de
serviços.
As condições e espaços urbanos para o uso agro-
pecuário também são bem variados, envolvendo o cul-
tivo em pequenos espaços domésticos, espaços insti-
tucionais públicos e privados (escolas, centros de saú-
de, empresas etc.), e espaços onde não se pode cons-
truir (margens de rios, estradas e ferrovias, debaixo de
redes elétricas, “áreas verdes” etc.). As experiências
mostram que é possível desenvolver tecnologias de
aproveitamento destes pequenos espaços domésticos
(quintais, corredores, varandas e lajes) para a produ-
ção agroecológica de alimentos, plantas medicinais,
ornamentais e criação de pequenos animais. Há quin-
tais grandes e pequenos, planos ou inclinados, com
muito ou pouco solo, onde é bastante comum o plantio
em vasilhames como pneus, bacias, balaios, latas, cai-
xotes de madeira, garrafas PET, caixinhas de leite, latas
de conserva, vasos sanitários
quebrados, carcaças de geladei-
ra e televisão.
O uso produtivo de espaços
urbanos proporciona uma maior
limpeza destas áreas e uma me-
lhoria considerável ao ambiente
local, diminuindo a proliferação
de vetores de doenças e a quan-
tidade de lixo produzido. Muitos materiais, como emba-
lagens, pneus e entulhos, também são utilizados para a
contenção de pequenas encostas e formação de can-
teiros. E os resíduos orgânicos domiciliares são apro-
veitados na produção de composto empregado nas
atividades de agricultura urbana. Há ainda o impacto
na conservação e aumento da biodiversidade urbana,
na recuperação de áreas de risco, no reaproveitamento
da água utilizada nos domicílios, além da ampliação da
área para infiltração e das possibilidade do uso de água
de chuva.
A agricultura urbana é um meio para que as popula-
ções das cidades construam sua própria capacidade
de alimentar-se, com dignidade, de forma alternativa às
vias de mercado ou às práticas assistencialistas ampla-
mente difundidas. Estas iniciativas possuem relação
direta com diferentes dimensões da segurança alimen-
tar e nutricional, como a disponibilidade e acesso a ali-
mentos de qualidade, a educação e cultura alimentar, a
ligação entre alimentação e saúde, entre outros.
Nas dinâmicas de agricultura urbana, a produção
pode ser destinada para o auto-consumo, trocada ou
comercializada. Observa-se que a pequena produção
nos quintais contribui para a renda familiar, por meio da
diminuição dos gastos com alimentação e saúde, atra-
vés das redes de troca e, eventualmente, do beneficia-
mento e comercialização de excedentes da produção.
A relação entre a agricultura urbana e a saúde é bas-
tante significativa e envolve o cultivo de plantas medici-
nais nos quintais e espaços comunitários e a prepara-
ção de remédios caseiros . As/os
moradoras/es relatam que os
hábitos de plantar, mexer na ter-
ra, conversar com as plantas e
animais também são muito im-
portante para a manutenção da
saúde. Há vários exemplos que
mostram a melhoria da pressão
arterial e da depressão de paci-
entes, a melhoria da convivência
na comunidade e a menor ne-
cessidade de procurar o centro
de saúde. Existe também uma
Cultivo de plantas em pequenos espaços – Bairro Capitão Eduardo – Belo HorizonteCrédito: Patrícia Antunes / REDE-MG
Coleta de plantas medicinais em horta no
Bairro Capitão Eduardo – Belo Horizonte
Crédito: Ana Barros / REDE-MG
Plantio na laje – Bairro Capitão Eduardo – Belo HorizonteCrédito: Anadélia de Souza / REDE-MG
Criação de pequenos animais na Regional Barreiro – Belo HorizonteCrédito: Ana Barros / REDE-MG
14 março/2008v. 1 nº 1 15março/2008v. 1 nº 1
preocupação com o embelezamento das casas através
das plantas, sejam elas ornamentais ou não. As famílias
dizem que se sentem melhor se a casa e o quintal estão
cheios de plantas.
A discussão de agricultura urbana também ressalta
a importância das áreas remanescentes de vegetação
nativa que se encontram dentro e ao redor das cidades.
Estas áreas são utilizadas por conhecedores/as de
plantas medicinais e grupos comunitários que buscam
plantas para preparação de remédios caseiros. A incor-
poração deste tema nos processos educativos desper-
tou nas comunidades a necessidade de discutir o aces-
so e o manejo sustentável de plantas medicinais, relaci-
onando com a conservação destas áreas.
Aprendizados e Desafios
A incorporação do enfoque de gênero nas metodo-
logias de trabalho possibilitou identificar as tensões e
papéis assumidos por homens e mulheres nas práticas
da agricultura urbana e segurança alimentar. Essa abor-
dagem permitiu às famílias perceberem o papel impor-
tante que as mulheres desempenham na segurança
alimentar e na saúde da família e da comunidade, e tam-
bém refletirem que os trabalhos em casa, no quintal, ou
comunitários devem ser uma preocupação de todas as
pessoas.
Outro resultado importante dos processos de for-
mação se refere às mudanças de comportamento
dos/as educadores/as comunitários/as. Estas pessoas
desenvolveram a expressão oral e escrita, afetividade,
autoconfiança, maior autonomia e um sentimento de
realização pessoal por estarem contribuindo na melho-
ria ambiental e nas condições alimentares de sua comu-
nidade. Além disso, se tornaram referências nos seus
bairros e para outros grupos e experiências em Belo
Horizonte e mesmo em outras cidades do estado.
No que se refere ao trabalho desempenhado por
educadoras/es e grupos comunitários, é fundamental
aprofundar o debate e a construção de estratégias para
a sua sustentabilidade. Essas pessoas, em sua maioria
mães de família, têm atuado como agentes transforma-
dores da realidade local. Ao incorporar novas práticas
de consumo e de relação com o seu ambiente, elas mo-
bilizam e influenciam outras famílias a mudarem o com-
portamento relacionado ao quintal, ao destino do lixo,
aos hábitos alimentares, ao uso de plantas medicinais
e, por fim, à participação na vida comunitária. Mas ao
longo dos anos, constatamos situações em que pesso-
as capacitadas nas dinâmicas locais de formação tive-
ram que 'abandonar' o trabalho comunitário em função
de oportunidades de empregos formais e informais, em
sua maioria, com baixos salários.
Muitas experiências de agricultura na cidade se ba-
seiam na valorização dos recursos naturais (biodiversi-
dade, solos e água) disponíveis em cada localidade, na
baixa dependência de insumos externos para manter
sua capacidade produtiva e na capacidade criativa,
especialmente das mulheres e famílias com origem ru-
ral, de adaptar conhecimentos anteriores para a prática
agrícola no contexto urbano. Esta realidade indica um
grande potencial de consolidar e ampliar experiências
de agricultura urbana em bases agroecológicas.
Neste sentido, é necessário aprofundar o debate
sobre a agricultura urbana na sociedade civil, incorpo-
rando este tema em espaços que discutem a agroeco-
logia, a segurança alimentar e nutricional, a reforma
urbana, entre outros. Tão essencial quanto ser incorpo-
rada à discussão de outros temas, é importante incenti-
var a criação e consolidação de espaços específicos da
agricultura urbana, que promovam a articulação e o
fortalecimento das experiências comunitárias e qualifi-
quem o protagonismo das lideranças e grupos de base
na formulação de propostas e políticas. Estes espaços
devem ser geradores de novos conhecimentos que
qualifiquem a discussão sobre a contribuição da agri-
cultura urbana para as cidades, constituindo-se em refe-
renciais para estimular novas experiências e qualificar
as ações que já estão em curso.
No diálogo com o poder público para criação de
políticas e programas que promovam todo o potencial
da agricultura urbana é necessário considerar a sua
interface com os diferentes aspectos do desenvolvi-
mento urbano e o envolvimento de variados setores do
governo e da sociedade. Para potencializar a imple-
mentação das ações, deve-se analisar o contexto políti-
co e identificar a entrada mais promissora na estrutura
pública, que terá o desafio de coordenar e articular os
esforços com os outros setores do governo, como as
áreas de planejamento urbano, agricultura, meio ambi-
ente, abastecimento, saúde, educação e assistência
social. É importante reforçar que a construção das polí-
ticas deve ser subsidiada pelos conhecimentos acumu-
lados nas experiências desenvolvidas pela sociedade
civil que incentivam os processos participativos, a expe-
rimentação local e o acesso à insumos, à água e aos
espaços urbanos com potencial produtivo.
Baseada na existência de experiências em diversos
contextos e comunidades, a agricultura urbana é um
processo em constante construção, que demonstra um
potencial aglutinador e uma importante contribuição na
elaboração de propostas para um Brasil mais solidário
e sustentável no campo e na cidade.
ALMEIDA, D. Agricultura Urbana e Segurança Alimentar
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Referências Bibliográficas
Caminhada para identificação de plantas medicinais em área verde de Belo HorizonteCrédito: Ana Barros / REDE-MG
ecológicos das comunidades em sua luta pela vida, conside-
rando “ecologia” como sendo a integração dos aspectos geo-
gráficos, biológicos e econômicos. Dessa forma, identificou
uma relação clara das comunidades com seu habitat, desta-
cando a importância da atividade de coleta de frutos nativos
em suas economias locais.
Dayrell (2000) afirma que as comunidades tradicionais do
Norte de Minas desenvolveram agroecossistemas comple-
xos, frutos de uma interação histórica com a natureza, da ex-
perimentação, da construção e da co-evolução de suas práti-
cas de transformação do meio. Para o autor, estas comunida-
des “nos legaram, até anos recentes, uma paisagem onde as
funções ecológicas dos seus ecossistemas permaneciam
praticamente intactas, fruto de um processo histórico de co-
16 março/2008v. 1 nº 1 17março/2008v. 1 nº 1
Potenciais e limitações do uso sustentável da biodiversidade do Cerrado: um estudo de caso da Cooperativa Grande Sertão no Norte de MinasIgor Simoni Homem de CarvalhoBiólogo, Mestre em Gestão Ambiental, colaborador da Cooperativa Grande Sertão e do CAA-NM
Donald Rolfe SawyerSociólogo (PhD), Professor no Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília (CDS-UnB)
Introdução
O uso da biodiversidade pelo ser humano remete à exis-
tência da própria humanidade. Ainda hoje, muitas famílias
pertencentes a diversas culturas em todo o mundo têm, no
extrativismo vegetal, uma fonte importante de alimentos, re-
médios, utilitários, combustíveis (Hironaka, 2000; Lescure,
2000; Diegues & Arruda, 2001). O bioma Cerrado, um dos
mais biodiversos do planeta (Mittermeier et al., 2004), tam-
bém oferece às suas populações uma grande variedade de
produtos que podem ser importantes aliados na promoção
de meios de vida sustentáveis, onde a geração de renda e a
qualidade de vida estejam em consonância com a conserva-
ção dos recursos naturais (Sawyer et al., 1999).
Este trabalho buscou na região norte do Estado de Minas
Gerais (meso-região Norte de Minas do IBGE) a experiência
da Cooperativa dos Agricultores Familiares Agroextrativistas
Grande Sertão Ltda., que pode ser considerada uma das
experiências mais significativas de organização e comerciali-
zação da atividade extrativa no Brasil, contando com expres-
siva escala produtiva, grande diversidade de espécies utiliza-
das e geração de renda considerável às comunidades envol-
vidas. As atividades produtivas da Cooperativa envolvem
1556 famílias de 148 comunidades pertencentes a 21 municí-
pios diferentes do Norte de Minas. A compra de volumes de
sete espécies de frutos do Cerrado para o beneficiamento e
comercialização gerou, em quatro safras, cerca de R$ 125 mil
aos agricultores extrativistas.
Pode-se dizer que o uso sustentável da biodiversidade
nativa do Cerrado contribui significativamente para a melho-
ria da qualidade de vida de populações pobres habitantes do
bioma e, ao mesmo tempo, para a conservação de seus re-
cursos naturais. Todavia, alguns aspectos apontam para a
necessidade de ações do poder público, da cooperação in-
ternacional e da sociedade civil em prol da viabilização desta
atividade econômica como geradora de amplos benefícios
sócio-ambientais.
Atesta-se também para a grande complexidade da organi-
zação da atividade extrativa na experiência da Grande
Sertão, na qual se destaca a importância da organização
social e da participação política das comunidades para a
sustentabilidade econômica e sócio-ambiental da ativida-
de extrativa, e a necessidade de aprofundamento das
ações relativas ao manejo e recuperação dos ecossiste-
mas.
A experiência da Cooperativa Grande Sertão é uma
referência indispensável para aqueles que se propõem a
estudar o extrativismo no Cerrado, e pode contribuir sen-
sivelmente para o debate em torno do uso da biodiversi-
dade e repartição de benefícios travado em diferentes
partes do globo. Evidencia-se a grande complexidade da
inserção do extrativismo praticado por populações rurais
no Norte de Minas em uma rede de ações e cadeias pro-
dutivas embasadas por uma proposta de justiça social e
conservação ambiental. Contudo, fica claro também que
a ousadia dessa proposta, incluindo toda a reflexão sobre
a abertura de novos caminhos e paradigmas, tem contri-
buído na busca pela necessária sustentabilidade.
Origem e consolidação
da Cooperativa Grande Sertão
O Norte de Minas é a maior das meso-regiões mineiras:
abrange 88 municípios, ocupa cerca de 128 mil km² e abriga
pouco mais de 1,5 milhão de habitantes. Segundo o censo do
IBGE do ano 2000, o Índice de Desenvolvimento Humano -
IDH da região é de 0,691. No processo de formação sócio-
econômica da região, ao mesmo tempo em que houve uma
apropriação desigual da terra, gerando a formação de enor-
mes latifúndios, houve também a ocupação de grandes ex-
tensões com base em “um sistema de uso da terra subjacen-
te à diversidade cultural da região, inclusive, ao seu regime
alimentar”, contribuindo para a formação da identidade políti-
ca e cultural dos “Gerais” (Gonçalves, 2000).
Donald Pierson (1972), ao estudar as populações do Vale
do São Francisco, conferiu especial atenção aos aspectos
evolução social e ambiental” (Dayrell, 2000:190). Ele também
destaca a necessidade do reconhecimento social destas po-
pulações que ainda carregam um estilo étnico próprio onde a
racionalidade produtiva não está totalmente dissociada da
natureza, o que pode nos dar pistas mais seguras quando
debatemos a sustentabilidade da agricultura e apontamos
alternativas de desenvolvimento
que permitam conciliar a produ-
ção com a preservação dos cer-
rados.
O extrativismo de plantas frutí-
feras, oleaginosas, medicinais,
de madeira e de forragem é in-
tensamente praticado pelas po-
pulações locais com fins domés-
tico e comercial, sendo que em
muitas das comunidades repre-
senta a principal fonte de renda.
A partir da década de 50, no en-
tanto, o Norte de Minas começa a
sofrer as transformações advin-
das do modelo desenvolvimen-
tista, com a apropriação das ter-
ras públicas pelo capital privado,
através de incentivos governa-
mentais ou de títulos ilegais (Gon-
çalves, 2000). A implantação de
grandes projetos agropecuários,
além de uma pesada política de
subsídios e financiamentos a
empreendimentos de perfil urba-
no-industrial, têm gerado graves
conseqüências negativas na re-
gião, como o aprofundamento
das desigualdades entre os muni-
cípios, a exclusão social, a perda da biodiversidade e o com-
prometimento da oferta de água e de outros serviços ecossis-
têmicos.
Hoje, boa parte do território está tomada por monocultu-
ras, principalmente de eucalipto, inviabilizando a reprodução
sócio-econômica de milhares de agricultores, que têm cada
vez mais dificuldade em acessar recursos como terra, água,
frutos nativos, ervas medicinais e lenha (D'Angelis Filho,
2005). Como dito anteriormente, apesar de serem comprova-
damente prejudiciais às populações locais e aos ecossiste-
mas naturais, as grandes plantações de eucalipto estão incluí-
das no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), em
uma estratégia liderada pelo Banco Mundial junto às empre-
sas do ramo e à certificadora Forest Stewardship Council
Extrativistas coletando coquinho na região da Serra Geral - Norte de Minas
18 março/2008v. 1 nº 1 19março/2008v. 1 nº 1
(FSC), contando, inclusive, com o apoio de algumas entida-
des “ambientalistas” (Laschefski, 2003).
Como reação a este processo, iniciou-se, em princípios
da década de 1980, um movimento de organização e politiza-
ção dos agricultores familiares, como estratégia de luta pela
conquista dos direitos de acesso a terra, à água, à biodiversi-
dade, aos mercados, à qualidade de vida, à dignidade. Tive-
ram especial destaque neste movimento as organizações
ligadas às igrejas (Pastorais e Comunidades Eclesiais de Ba-
se), os Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e, princi-
palmente, o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Mi-
nas (CAA-NM).
O CAA-NM foi fundado em 1987, por agricultores familia-
res, organizações sociais, lideranças locais e técnicos unidos
em torno da preocupação com o modelo agrícola predatório
que avançava sobre a natureza e a cultura norte-mineira. Des-
de sua criação, o CAA-NM vem atuando a favor de propostas
de desenvolvimento que favoreçam os agricultores familiares
e valorizem as práticas agroecológicas e os ecossistemas
nativos (Carrara, 2006).
Em 1995, começou a ser construída, pelo CAA-NM, a fá-
brica de polpas que iniciaria o beneficiamento das frutas dos
rurícolas da região, como parte do processo de “busca de
alternativas inovadoras para a geração de renda e o fortaleci-
mento da economia local” (Carrara, 2006:81). Em 1997 come-
çou a produção de polpas de frutas integrais congeladas,
ainda de maneira informal.
A história da Grande Sertão pode ser divida em três fases:
a experimental, na qual ocorreram a articulação dos agriculto-
res, a apropriação da tecnologia de beneficiamento de frutas
e o início da comercialização; a segunda, de aperfeiçoamento
tecnológico, organizativo e comercial; e, finalmente, a de con-
solidação e sustentabilidade, marcada pela fundação, em
2003, da Cooperativa propriamente dita (Carrara, 2006). Atu-
almente, a Cooperativa atua em 21 municípios, englobando
148 comunidades e 1556 famílias, e conta com 41 coopera-
dos.
As atividades que culminaram na fundação e no desenvol-
vimento da Cooperativa Grande Sertão têm origem em traba-
lhos que, desde o princípio, estiveram intimamente ligados
aos trabalhadores rurais do Norte de Minas, em sua grande
maioria, representantes das populações tradicionais locais –
Geraizeiros, Caatingueiros, Quilombolas, Vazanteiros, Xacria-
bás. Assim como estas populações desenvolveram agroe-
cossistemas vinculados e harmônicos com os ambientes que
as cercavam, a Grande Sertão vem trabalhando com a biodi-
versidade nativa e com cultivos ecológicos, contribuindo para
reforçar os laços territoriais e culturais históricos da sociedade
Norte-Mineira.
Das frutas processadas, 10 espécies são exóticas (prove-
nientes de cultivos agroecológicos), uma é nativa da Caatinga
(o umbu) e outras seis provêm do extrativismo em áreas de
Cerrado, sendo elas: a cagaita (Eugenia dysenterica), o co-
quinho azedo ou coco-butiá (Butia capitata), a mangaba (Han-
cornia speciosa), o maracujá nativo (Passiflora cincinnata), o
panã ou araticum (Annona crassiflora) e o araçá (Psidium ara-
ca). A Cooperativa trabalha também com o pequi (Caryocar
brasiliensis), que é transformado em óleo, polpa em compota
ou “caroços” congelados. Fazem parte ainda das atividades
da Grande Sertão as cadeias produtivas do mel, rapadura e
cachaça.
A Grande Sertão tem buscado ainda trabalhar com o pro-
cessamento de outras espécies nativas do Cerrado, tendo já
realizado experimentos com pelo menos três delas: a fruta-
de-leite (Pouteria sp.), a pitomba (Talisia esculenta) e a ma-
cambira (Bromeliaceae). Dessa forma, o aproveitamento sus-
tentável de uma grande diversidade de espécies do Cerrado,
em quantidades relativamente altas, traz a perspectiva de ge-
ração de renda substancial a diversas famílias de extrativistas,
ao mesmo tempo em que promove a valorização e a conser-
vação da biodiversidade e dos recursos naturais.
Nas safras ocorridas entre setembro de 2002 e abril de
2006, foram entregues, por agricultores extrativistas do Norte
de Minas, cerca de 72 toneladas dos frutos do Cerrado para a
produção de polpa congelada, gerando uma renda bruta total
de cerca de R$ 35 mil aos fornecedores. Já a renda gerada
pela entrega do pequi à Cooperativa nestas quatro safras foi
de aproximadamente R$ 90 mil. É significativa, portanto, esta
renda, principalmente por estar sendo revertida para comuni-
dades rurais com acesso restrito a recursos financeiros.
A Cooperativa Grande Sertão tem um modelo de organi-
zação onde núcleos de agricultores se agrupam em quatro
núcleos territoriais e interagem no Fórum de Agricultores, que
apóia a gestão da Cooperativa e viabiliza a interlocução com a
base. Os agricultores dos Núcleos Territoriais também se orga-
nizam em três núcleos de produtos, quais sejam: mel, pequi e
frutas e cana-de-açúcar. E, desde 2007, os agricultores e a
Grande Sertão passam a se inserir também na cadeia das
oleaginosas, voltadas para atender a demanda de biodiesel
da unidade da Petrobras em Montes Claros, porém sem per-
der de vista sua estratégia sócio-agrobiodiversa.
A complexidade de funcionamento desta organização
revela as dificuldades em se trabalhar com um grande núme-
ro de famílias de diferentes comunidades, e com um amplo
leque de produtos. A logística de entrega dos frutos pelos
agricultores à Grande Sertão apresenta-se igualmente com-
plexa. A figura central nesta organização é o mobilizador, res-
ponsável por orientar o acompanhamento técnico e organiza-
tivo nas comunidades inscritas no lócus de atuação da Coo-
perativa. Todos os mobilizadores têm algum tipo de atuação
na própria comunidade, no município ou em espaços mais
amplos, relacionados com movimento sociais locais.
Inicialmente, a Grande Sertão trabalhou na busca pelo
acesso aos mercados varejistas (lanchonetes, padarias, pe-
quenos mercados), conquistando uma clientela significativa
neste setor. Também se inseriu no chamado mercado institu-
cional – escolas, creches, hospitais, asilos etc. – via negocia-
ção direta com as prefeituras. Em 2004, a Grande Sertão fe-
chou seu primeiro contrato com a Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB), via Programa de Aquisição de Ali-
mentos (PAA). Este Programa permite que as prefeituras ad-
quiram alimentos diretamente do agricultores familiares de
seus municípios, com recursos da União. Estes alimentos
adquiridos são então repassados ao mercado institucional
local.
Com a demanda advinda do contrato com a CONAB, foi
possibilitando um crescimento de 300% no volume de produ-
ção e vendas de polpas de frutas da Grande Sertão. Estima-
se que, nas duas safras recentes, cerca de 85% de toda a pro-
dução da Cooperativa tenha sido destinada a atender tal de-
manda. Só no ano de 2005, foram fornecidas pouco mais de
93 toneladas de polpas de frutas ao mercado institucional de
municípios do Norte de Minas via PAA.
Além do PAA estar beneficiando diretamente os trabalha-
dores agroextrativistas que fornecem seus produtos à Grande
Sertão, destaca-se que a inserção da produção local na me-
renda escolar é estratégica do ponto de vista cultural e territo-
rial, pois permite que os filhos dos extrativistas consumam o
suco oriundo da produção familiar, reforçando laços nas famí-
lias e nas comunidades, e transmitindo a valorização da biodi-
versidade nativa para as futuras gerações de trabalhadores.
Uma possível fonte de insegurança proveniente do PAA
diz respeito às mudanças políticas que podem acabar com o
Programa, como, por exemplo, a troca de ministros ou de
governo. A Grande Sertão, contudo, tem levado este risco em
consideração, e tem buscado firmar compromissos com as
prefeituras, escolas e outras instituições beneficiadas pelo
Programa, para que elas mantenham a aquisição de produtos
da Grande Sertão mesmo no caso no PAA se extinguir. Muitas
destas instituições públicas parecem estar abertas a este com-
promisso.
O volume total de frutos nativos do Cerrado processados
nas safras ocorridas entre 2002 e 2006 foi de 72.066,10 kg,
resultando na produção de 27.900 kg de polpas congeladas.
Cooperados da Grande Sertão da comunidade de Abóboras, municipio de Montes Claros
20 março/2008v. 1 nº 1 21março/2008v. 1 nº 1
Na safra de 2003/04, a quantidade entregue de coquinho aze-
do, de 12.996,9 kg, aliada a do umbu, nativo da Caatinga, que
foi de 10.122,7 kg, fez com que o volume dos frutos nativos
superasse o dos exóticos no beneficiamento realizado pela
Cooperativa nesta safra.
Contudo, observa-se uma irregularidade nas quantidades
entregues destes frutos, e uma diminuição da proporção dos
nativos do Cerrado em relação aos demais frutos utilizados na
produção de polpas congeladas. Alguns motivos podem ex-
plicar essa irregularidade e diminuição: a variação natural na
produtividade das plantas, ano a ano; a presença do gado,
que come frutos, brotos e pisoteia mudas de diversas espéci-
es nativas; o fogo, utilizado tradicionalmente por agricultores
da região, que também afeta a safra dos frutos coletados, de
acordo com depoimentos dos extrativistas e estudos ecológi-
cos (cf. Miranda & Sato, 2005). Outros motivos peculiares a
cada fruto podem ajudar a explicar a grande variação nas en-
tregas feitas à Grande Sertão, com destaque para as pragas
que atingiram principalmente o panã.
Paradoxalmente, o PAA/CONAB, reconhecidamente o
responsável pelo salto na escala produtiva da Grande Sertão,
também contribuiu para a diminuição da proporção do uso da
biodiversidade nativa do Cerrado na produção de polpas.
Isso pode ser explicado pelo fato de que os frutos cultivados
têm uma melhor condição de atender ao aumento da deman-
da verificado, contrastando com a dispersão, irregularidade e
imprevisibilidade da produção nativa do Cerrado. Além disso,
a organização da produção extrativa apresenta-se como de
maior complexidade, e portanto exige um maior investimento
na logística de coleta e entrega dos frutos por parte da comu-
nidade. Uma vez que a equipe da Grande Sertão passou a se
ocupar mais no atendimento às metas de produção determi-
nadas pelos contratos com a CONAB, ficou impossibilitada de
fornecer uma maior atenção à organização das comunidades
para o extrativismo no Cerrado em escala.
As próprias comunidades também têm na entrega de fru-
tos nativos à Grande Sertão uma fonte de renda interessante,
mas, em muitos casos, pode ser mais atrativo vender estes
frutos em feiras, onde se consegue preços melhores, apesar
da escala de venda ser menor. O investimento de trabalho em
atividades rurícolas convencionais, como pecuária e planta-
ções, bem como a prestação de serviços em outras frentes,
podem também concorrer com a atividade extrativa, desfavo-
recendo-a. Dessa forma, torna-se importante discutir, no âmbi-
to das políticas públicas, e mesmo da legislação, um trata-
mento diferenciado aos produtos de origem extrativa, de for-
ma a aumentar a segurança e as vantagens em seu aproveita-
mento.
É importante computar os benefícios ambientais globais
que a atividade extrativa sustentável pode induzir, em especial
aqueles relacionados com a manutenção dos ciclos hidrológi-
cos e com a fixação dos estoques de carbono. O Cerrado é
considerado uma grande “caixa d'água”, pois abriga nascen-
tes, rios e lençóis subterrâneos de onde sai grande parte da
água doce que alimenta algumas das principais bacias da
América do Sul. Desenvolver atividades econômicas que con-
tribuam para a manutenção e a recuperação da vegetação
nativa do bioma é fundamental para manter a qualidade e a
disponibilidade dos recursos hídricos e evitar impactos advin-
dos do modelo agropecuário predominante, como o assorea-
mento e a poluição dos corpos d'água e a diminuição da pene-
tração das águas das chuvas nos solos.
Aspectos relativos a algumas comunidades extrativistas
envolvidas no trabalho da Cooperativa Grande Sertão
Foi realizada uma pesquisa de campo na qual visitou-se
cinco comunidades que fornecem frutos nativos para a Gran-
de Sertão: Abóboras, município de Montes Claros; Água Boa,
município de Rio Pardo de Minas; Vereda Funda, município
de Rio Pardo de Minas; PA Americana, município de Grão
Mogol; e Campos, município de Serranópolis de Minas. Em
cada uma destas comunidades foi aplicado um questionário
semi-estruturado, em reunião coletiva, e realizadas visitas às
suas áreas de coleta.
No processo investigativo, foi possível imergir em diversas
questões que dizem respeito aos potenciais e limitações do
uso sustentável da biodiversidade do Cerrado, trazendo à
tona alguns aspectos relevantes ao debate sobre: a sustenta-
bilidade; a geração de renda para populações pobres do me-
io rural; o fortalecimento de meios de vida sustentáveis no
Cerrado; a conservação da biodiversidade; e a formulação de
políticas públicas concernentes a todos esses temas.
Primeiramente, foi observado que a organização das co-
munidades é fundamental para que a atividade extrativa gere
benefícios socioambientais significativos. A inserção do extra-
tivismo na logística de um empreendimento que busca sua
consolidação no mercado se apresenta como de grande com-
plexidade, devido à imprevisibilidade, dispersão e irregulari-
dade da produção, além do fato de que não há um controle
por parte dos rurícolas sobre o processo produtivo. As comu-
nidades mais inseridas nos projetos do CAA-NM foram aque-
las que apresentaram maior disposição em investir trabalho
na coleta dos frutos do Cerrado.
A questão do acesso às áreas de coleta é também crucial
para se pensar no extrativismo como atividade agrária a ser
incentivada. Foram encontradas situações diversas nas comu-
nidades visitadas: a comunidade de Campos, por exemplo,
tendo reconhecida e titulada toda a extensão territorial que
ocupa, realiza coleta dentro de suas próprias glebas; os as-
sentados do PA Americana realizam coletas em seus lotes e,
no caso do pequi, em fazendas vizinhas; a comunidade de
Água Boa tem como área de produção extrativa uma terra
devoluta, alvo de disputas entre empresas locais; e a comuni-
dade de Abóboras extrai frutos do Cerrado de uma área per-
tencente a uma grande empresa instalada no local.
Em Água Boa, o extrativismo estimulado pela Grande Ser-
tão tem sido o alicerce na luta pela posse de uma significativa
extensão de terras denominada Areão. Esta área, considera-
da “devoluta”, estava já “acerada” (delimitada para o desma-
te) por uma empresa que pretendia o plantio de eucalipto,
quando a comunidade, assessorada pelo CAA-NM, pela Pas-
toral e pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rio Pardo
de Minas, acionou a Promotoria de Justiça do Município rei-
vindicando a propriedade da área. Atualmente, o Areão se
encontra em processo, junto ao IBAMA, para a criação de
uma Reserva Extrativista, que beneficiará Água Boa e outras
comunidades extrativistas da região.
Pode-se dizer que os extrativistas de Água Boa e região
são os legítimos ocupantes do Areão, cuja destinação à uma
Reserva Extrativista promoveria a justiça social e também a
defesa e proteção do meio ambiente. Vale ainda mencionar
que, sendo o Areão um topo de chapada, ele se configura em
uma área de recarga de lençol freático, e, portanto, de abaste-
cimento de nascentes e corpos d'água da região, o que refor-
ça a importância de sua conservação e uso sustentável.
Já os comunitários de Abóboras coletam frutos do Cerra-
do em uma área de propriedade de uma grande empresa
instalada no local. Existe um acordo entre as partes que per-
mite o acesso dos extrativistas à área. Este acordo, contudo,
foi construído após anos de luta da comunidade, que, em
várias situações, foi prejudicada pelas atividades da empresa
no local. Após diversos embates travados, a empresa assu-
miu uma “postura socioambiental”, e hoje é tida pela comuni-
dade como uma grande parceira. Contudo, seria o caso de se
perguntar: deverá estar a atividade extrativa praticada pela
comunidade sujeita à “boa vontade” da diretoria de uma em-
presa? Que garantias estão asseguradas à perpetuação da
atividade e à integridade dos recursos explorados?
Outra questão que remete à perpetuidade do aproveita-
mento dos frutos nativos é, para autores como Homma
(1989), exatamente o indicativo da tendência inexorável de
extinção do extrativismo: a domesticação e o cultivo das espé-
cies de valor econômico. O que se observa, no entanto, é que
os sistemas de cultivo de frutos demandados pelo mercado
sofrem uma apropriação pelo capital, excluindo do processo
produtivo qualquer preocupação relativa aos aspectos sociais
e ambientais. No caso das comunidades fornecedoras de
frutos do Cerrado para a Grande Sertão, já existem algumas
Geraizeiros do Assentamento Americana voltando das atividades de coleta de frutos do cerrado.
22 março/2008v. 1 nº 1 23março/2008v. 1 nº 1
iniciativas de plantio das espécies utilizadas, o que pode vir a
solucionar problemas de escala e acessibilidade às áreas de
coleta, sem no entanto ter que se adequar à agricultura de-
mandante de altos investimentos e geradora de impactos
ambientais negativos oriunda da “Revolução Verde”.
Ao refletir a respeito de ações adequadas a essa “domes-
ticação camponesa” dos frutos nativos do Cerrado, deve-se
ter em conta que não interessam os plantios em grandes mo-
noculturas demandantes de insumos externos. Os sistemas
experimentais e agrobiodiversos se apresentam com maior
potencial para a geração dos benefícios socioambientais es-
perados da valorização e aproveitamento da flora nativa.
Existem ainda algumas iniciativas importantes de plantio
de espécies nativas pelos extrativistas, como o plantio direto
de cerca de mil sementes de pequi em Vereda Funda (que
resultou no nascimento de cerca de cem mudas) e o plantio
de cerca de 200 mudas de coquinho no PA Americana. So-
mando-se a isso os plantios dispersos de espécies nativas em
outras comunidades, e os investimentos que estão sendo
feitos pelo CAA-NM na implantação de viveiros (um profissio-
nal e alguns comunitários), tem-se que a recuperação da ve-
getação do Cerrado está sendo potencializada na região. Vale
notar que as sementes oriundas da fábrica de polpas repre-
sentam um grande potencial para a recuperação dessa vege-
tação, ainda pouco aproveitado, mas já inserido nas estratégi-
as de ação futura do CAA-NM e da Grande Sertão.
Pode-se argumentar sobre a tendência de se plantar so-
mente aquelas espécies nativas com aproveitamento direto,
como coquinho azedo e pequi, resultando na recuperação de
um Cerrado menos biodiverso. Contudo, conforme pôde ser
observado no caso das mudas de coquinho plantadas no PA
Americana, já se fazem perceber as vantagens de se preser-
var espécies não utilizadas diretamente, que estão cumprindo
o papel de “viveiro natural”, pois têm protegido as mudas da
incidência direta do sol e do vento. Ainda, o plantio de poucas
espécies nativas em uma área degradada pode tornar seu
ambiente propício para o repovoamento por outras espécies
não plantadas. Isso pode ser presumido devido ao alto poder
de recuperação da vegetação do Cerrado observado por
exemplo em Vereda Funda. Além disso, a agricultura tradicio-
nal Geraizeira também deve influenciar positivamente na recu-
peração da alta diversidade biológica característica do Cerra-
do, por ser biodiversa, e poder incorporar com certa facilidade
os sistemas agroflorestais (SAFs), por exemplo.
Um outro problema que tem causado a erosão da biodiver-
sidade em todo o Cerrado, e talvez em grande parte dos bio-
mas mundiais, é o fogo. Ele é usado há muitos anos por agricul-
tores, com a finalidade de se “limpar” os pastos e a roça. O tra-
balho do CAA-NM em prol da agroecologia já resultou em mu-
danças nas práticas de muitos agricultores, demonstrando a
importância de se preservar o “cisco”, ou seja, a cobertura mor-
ta da roça, ao invés de queimá-la. O uso da biodiversidade nati-
va vem reforçar esta “campanha” contra o fogo, que prejudica
bastante a safra dos frutos do Cerrado. Alguns extrativistas têm
se empenhado nessa “campanha”, valendo-se do argumento
da importância da atividade extrativa para suas comunidades.
Na maior parte das comunidades visitadas, relatou-se uma dimi-
nuição no uso do fogo nos últimos anos.
A criação de gado é outra prática tradicional das popula-
ções rurais do Cerrado, com grande importância econômica.
Em muitos casos, o gado atrapalha a safra de frutos do Cerra-
do, com destaque para o caso do coquinho azedo. No pasto
da fazenda onde a comunidade do PA Americana coleta o
pequi, por exemplo, relatou-se a ausência de mudas e plantas
jovens da espécie, que seriam destruídas pelas roçagens,
gradeamentos, fogo e pelo próprio gado. A população de
pequizeiros da área pode ser caracterizada como uma popu-
lação velha – em poucos anos, pode tornar-se improdutiva. A
viabilidade populacional das espécies aproveitadas em pas-
tos depende, principalmente, do manejo adequado do gado
e das pastagens, e do plantio e proteção de mudas. A criação
de gado também está associada ao fogo, duplicando o prejuí-
zo à atividade extrativa.
De todo modo, essa questão deve ser trabalhada com
cuidado, de modo a não interferir negativamente nas estraté-
gias de sobrevivência incorporadas pelos agricultores mui-
tas vezes há séculos. É importante notar a existência de tra-
balhadores rurais como o Sr. Jair, de Abóboras, que não tra-
balha com gado e se dedica com eficiência ao extrativismo.
Observa-se que, em determinadas situações, o uso da bio-
diversidade pode ser uma atividade mais rentável e mais
sustentável que a pecuária.
É importante que se realize investigações de longo prazo
sobre os efeitos do extrativismo sobre as populações das
espécies coletadas. Em casos extremos, a coleta intensiva
pode exaurir o recurso, comprometendo a regeneração natu-
ral das plantas. Contudo, como foi observado em diversas
situações, os extrativistas dificilmente conseguem aproveitar
todos os frutos de uma árvore, muito menos de uma popula-
ção de tamanho razoável. Em geral, muitos frutos caem no
chão antes da chegada de um coletor, prestando-se à germi-
nação no local ou à alimentação de animais que atuam co-
mo dispersores. Estudos sobre manejo que definam, por
exemplo, percentagens de coleta que garantam a sustenta-
bilidade do extrativismo, são importantes. O CAA-NM já tem
desenvolvido ações nessa linha, como por exemplo aquelas
previstas no projeto Agrobio. Por outro lado, não se deve
superestimar a capacidade da coleta manual de frutos em
prejudicar populações inteiras de espécies nativas, cujos
ciclos são naturais e totalmente adaptados às condições
ambientais locais.
A hipótese do papel de “guardiões” da biodiversidade
assumido pelos extrativistas parece ser corroborada pelo
trabalho. O interesse na conservação de áreas naturais de
Cerrado passa a ser significativo, à medida em que estas
áreas representam uma fonte de renda e qualidade de vida
para suas famílias e comunidade. A vigília contra o fogo e
grileiros, por exemplo, pode ser incorporada à rotina dos
extrativistas que freqüentam com assiduidade áreas de vege-
tação nativa. O plantio de espécies nativas e o zelo pelas
mudas geradas naturalmente também pode ser relevante
para a conservação das áreas. Dessa forma, o aproveita-
mento da biodiversidade pode servir também como uma
vitrine da importância da natureza, influenciando na mentali-
dade de outros trabalhadores rurais e também dos consumi-
dores dos produtos oriundos das espécies nativas. Pode-se
atestar que o trabalho realizado pela Grande Sertão tem con-
tribuído nesses aspectos.
É importante computar os benefícios ambientais globais
que a atividade extrativa sustentável pode induzir, em espe-
cial aqueles relacionados com a manutenção dos ciclos hi-
drológicos e com a fixação dos estoques de carbono. O Cer-
rado é considerado uma grande “caixa d'água”, pois abriga
nascentes, rios e lençóis subterrâneos de onde sai grande
parte da água doce que alimenta algumas das principais
bacias da América do Sul. Desenvolver atividades econômi-
cas que contribuam para a manutenção e a recuperação da
vegetação nativa do bioma é fundamental para manter a
qualidade e a disponibilidade dos recursos hídricos e evitar
impactos advindos do modelo agropecuário predominante,
como o assoreamento e a poluição dos corpos d'água e a
diminuição da penetração das águas das chuvas nos solos.
Da mesma forma, observa-se que a vegetação do Cerra-
do apresenta grande potencial de manutenção de estoques
de carbono, e sua recuperação pode desempenhar um im-
portante papel na fixação de carbono atmosférico, contribu-
indo em grande medida para a redução do efeito estufa no
planeta. Ressalta-se, portanto, a necessidade do desenvol-
vimento de alternativas econômicas que promovam a valori-
zação e a conservação da cobertura vegetal dos ecossiste-
mas do bioma.
Considerações finais
(...) O agronegócio esquenta os bancos internacionais
com o dólar, o euro e a gente pergunta: onde está a vida hu-
mana? Ela está na plantinha que se chama extrativismo, que
é um cuidado de viver com a natureza. Um dia esse povo vai
pedir socorro de uma gota d'água e a gente precisa cuidar
dessa gota d'água, que eles vão gritar socorro e não vão en-
contrá-la. Cuidemos (...), com a singeleza, com o cantar dos
pássaros, com o frescor da sombra de um pequizeiro, com o
nosso Cerrado que faz a nossa caixa d'água. (Irmã Mônica,
depoimento a Dayrell e Santa Rosa, 2006:73)
Estas palavras proferidas por Irmã Mônica, militante
religiosa do norte-mineiro, traduzem um pouco do que es-
te trabalho procurou demonstrar: que o extrativismo no
merenda numa escola em Monte ClarosFuncionários da Grande Sertão entregando
24 março/2008v. 1 nº 1 25março/2008v. 1 nº 1
Cerrado, entendido como o uso sustentável de sua biodi-
versidade, tem grande potencial para se configurar em
uma alternativa econômica que promova a conservação
dos bens naturais ao mesmo tempo em que gere renda e
qualidade de vida para diversas famílias de diferentes co-
munidades habitantes deste rico bioma – “um cuidado de
viver com a natureza”. A humanidade está vivendo um mo-
mento no qual a busca por estas alternativas pode definir a
sobrevivência da própria espécie humana e da vida no pla-
neta. O modelo desenvolvimentista predominante – que
“esquenta os bancos internacionais” – mostra-se cada vez
mais insustentável, o que torna fundamental a inserção
efetiva de novos valores e novas formas de organização no
rol de ações provenientes da política e da economia inter-
nacional e dos países.
O empreendimento Grande Sertão vem demonstrando
que o uso sustentável da biodiversidade do Cerrado pode
efetivamente contribuir para solucionar três das principais
questões ambientais atualmente em debate: a perda da
biodiversidade, os impactos sobre os recursos hídricos e o
lançamento de carbono na atmosfera. Ademais, gera bene-
fícios sociais e renda distribuídos a um número significativo
de famílias e comunidades pobres da região em que atua,
demonstrando a aliança possível e necessária entre de-
senvolvimento social, econômico e sustentabilidade ambi-
ental. O empreendimento se baseia na economia da agri-
cultura familiar da região, e portanto valoriza a cultura tradi-
cional Geraizeira, além de promover o fortalecimento dos
laços territoriais no Norte de Minas.
Foi evidenciado que a viabilidade de empreendimentos
como este e a geração dos benefícios supracitados reque-
rem organização social e apoios de outras organizações,
sejam elas entidades de assessoria, órgãos públicos ou da
cooperação internacional. Foram apontadas também algu-
ma limitações do empreendimento em seu trabalho com
os produtos extrativos do Cerrado, e ações no sentido de
superá-las são viáveis e têm sido encampadas pela Gran-
de Sertão e pelo CAA.
Não se pretende aqui argumentar que somente o extrati-
vismo pode, sozinho, “salvar” o que resta de Cerrado, mas
sim que ele se constitua em uma atividade estratégica para a
conservação do bioma e a geração de renda e segurança
alimentar em sua região de abrangência. A complexa inser-
ção de agricultores extrativistas em empreendimentos eco-
nomicamente viáveis, com substantivo apoio técnico e orga-
nizacional, possibilita o aproveitamento dos frutos nativos
em maior escala e a abertura de mercados para estes produ-
tos. A partir daí, é importante que a geração de renda de for-
ma amplamente distribuída seja acompanhada da preocu-
pação com a sustentabilidade ambiental da atividade. Dessa
forma, pode-se concretizar alternativas econômicas que
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Quatro anos de impunidadeEm 20 de novembro de 2004, o fazendeiro Adriano Chafik juiz estadual. "Digo, sem medo de errar, que a desapropria-
Luedy e seus jagunços invadiram o acampamento Terra Pro- ção da Nova Alegria diminuirá a violência e o número de con-
metida, no município mineiro de Felisburgo, assassinaram flitos no campo. A partir do exemplo de Felisburgo, será dado
cinco trabalhadores rurais Sem Terra e deixaram mais de 20 um recado aos latifundiários de todo o país", afirmou o Ouvi-
gravemente feridos. O Massacre de Felisburgo, que comple- dor Agrário Nacional, Gercino José da Silva Filho.
ta quatro anos nesta semana, é considerado um retrato da
atualidade da violência no campo, da impunidade da Justiça Ameaças
e da paralisação da Reforma Agrária. Em Felisburgo, os Sem Terra relatam que até ainda so-
Cerca de 230 famílias haviam ocupado a Fazenda Nova frem constantes ameaças de jagunços de Chafik. "Eles fa-
Alegria, considerada zem isso porque sabem do
devoluta pelo Iter (Insti- descaso político com que o
tuto de Terras de Minas caso vem sendo tratado.
Gerais), em 1º de maio Temos certeza de que pode
de 2002. Seis meses de- haver outro massacre se a
pois, o latifundiário Adri- área não for desapropriada.
ano Chafik comandou Será que vamos ter que espe-
pessoalmente o ataque rar por uma nova tragédia?",
às famílias. O fazendeiro argumentou Maria Gomes,
foi preso e posto em li- trabalhadora rural acampa-
berdade por duas vezes, da na fazenda Nova Alegria.
por decisão do STJ (Su- "Já fizemos mais de 20
perior Tribunal de Justi- denúncias de que jagunços
ça), mesmo depois de e pistoleiros estão rondando
confessar a participação o acampamento. Alertamos
na chacina em depoi- as autoridades públicas da
mento. Atualmente, ele aguarda o julgamento do Tribunal do possibilidade de um novo massacre na região, caso não se
Júri de Belo Horizonte, enquanto seus advogados protelam resolvam os três problemas em definitivo: a desapropriação
sua realização. da terra, a indenização das famílias, e a punição dos culpa-
Semanas após o massacre, as famílias voltaram a ocupar dos. E se acontecer de novo vai ser por completa omissão do
a fazenda, onde permanecem até hoje, reivindicando a desa- Estado e governos", avisa Martini.
propriação da área por não cumprir sua função social. a inde- Segundo ele, o quadro de violência contra trabalhadores
nização das famílias que perderam seus familiares e punição sem-terra continua em Minas Gerais. "Há uma rearticulação
dos assassinos. "O massacre de Felisburgo marca quatro das milícias armadas no campo, principalmente de cinco
anos de completa impunidade e abandono dos acampados anos pra cá, pela não realização da Reforma Agrária. Os fa-
na área – que até agora não foi desapropriada. As famílias zendeiros estão se dando ao luxo de rearticular as milícias, já
que perderam seus entes queridos também não foram inde- que também não há nenhuma iniciativa do Estado para coi-
nizadas. Não houve julgamento nem punição aos assassi- bir".
nos", afirma Vanderlei Martini, da coordenação nacional do O MST denuncia também que a Reforma Agrária está
MST. parada em Minas Gerais. "A meta do governo federal nos
Em 2007, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e últimos seis anos, de assentar 14 mil famílias no estado, foi
Reforma Agrária) iniciou o processo de desapropriação da cumprida em torno de 40%, ou seja, apenas 6 mil famílias
fazenda. Depois de completar todo o procedimento com vis- foram assentadas. O governo não cumpriu sua própria meta.
tas à desapropriação, o órgão encaminhou a ação para ser Algumas famílias estão acampadas há mais de 10 anos deba-
assinada pelo presidente Lula. No intervalo entre a conclu- ixo de lona preta. O latifúndio está cada vez mais concentra-
são do trabalho da autarquia e a chancela presidencial, Cha- do, e agora nas mãos de empresas transnacionais", afirma
fik conseguiu uma ordem judicial na capital mineira, que man- Vanderlei Martini.
dou suspender todo o processo. Segundo dados do Incra, 15 mil famílias vivem em 93
Em setembro, integrantes do MST se reuniram em Brasí- acampamentos em Minas Gerais. Do total, mais de 5.000
lia com o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, estão em 44 fazendas ocupadas. Nas regiões do vale do Mu-
para pedir a apresentação, junto com o Incra, de reclamação curi e Jequitinhonha, são mais de 1.200 distribuídas em oito
ao STF (Supremo Tribunal Federal) para cassar a decisão do fazendas ocupadas.
valorizam as culturas e a biodiversidade do Cerrado, assim
como vem buscando a Cooperativa Grande Sertão.
26 março/2008v. 1 nº 1 27março/2008v. 1 nº 1
Universidade, extensão e desen vo vimento rural:A experiência da UFLA e do CAV n Vale do JequitinhonhaEduardo Magalhães Ribeiro; Flávia Maria Galizoni; Boaventura Soares de CastroEconomista, professor da Universidade Federal de Lavras, pesquisador CNPq, do Núcleo PPJ/UFLA; [email protected] Antropóloga, do NúcleoPPJ/UFLA; [email protected]. Agricultor, apicultor, técnico do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica; [email protected]
1. Universidade, conhecimentos e soci-
edade
A relação entre universidades e agricultores familia-
res costuma ser muito difícil. Agricultores consideram,
na maior parte das vezes com muita razão, que a pro-
dução científica das universidades tem pouca ou ne-
nhuma serventia direta para eles, porque geralmente
elas se voltam para os grandes negócios rurais e se inte-
ressam muito pouco pelos problemas de produção,
terra ou renda de pequenos lavradores. Embora muitos
pesquisadores e estudantes universitários se interes-
sem por trabalhar com agricultores familiares, acabam
enfrentando muitas dificuldades: da falta de recursos
materiais à inexistência de técnicas apropriadas, do
preconceito à inadequação das metodologias. Às ve-
zes, quando é criada uma boa oportunidade de traba-
lho conjunto entre universidade e agricultores, acaba
fracassando pela falta de continuidade das ações.
Este relacionamento pouco fértil já vem sendo deba-
tido há alguns anos, desde que começaram a ficar evi-
dentes os riscos ambientais e o caráter concentrador
de terras e rendas do modelo de desenvolvimento rural
derivado da revolução verde. A distância entre a prática
dos agricultores e a ciência das universidades traz mui-
tos prejuízos para a sociedade brasileira: a produção
de técnicas adaptadas é reduzida, são formados pou-
cos jovens pesquisadores e extensionistas que com-
preendam as necessidades dos agricultores, o conhe-
cimento tradicional criado pelos lavradores em déca-
das de experimentação é ignorado pela pesquisa cien-
tífica. Um bom relacionamento entre universidades e
agricultores permite reunir saberes diferentes e inovar
em pesquisa e extensão. Mas, para isto, é preciso res-
ponder algumas questões básicas: quem faz a interme-
diação entre agricultores e universidade, quem traduz e
organiza as demandas dos lavradores, quem continua
realizando as atividades de campo depois que a univer-
sidade se retira do lugar?
Desde 1998 o Centro de Agricultura Alternativa Vi-
cente Nica, ong de atuação na área rural do vale do Je-
quitinhonha, e o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricul-
tura Familiar Justino Obers, Núcleo PPJ, grupo de pes-
quisa e extensão da Universidade Federal de Lavras,
têm partilhado uma experiência de cooperação em
agroecologia. Este artigo é um breve relato do aprendi-
zado.
2. O CAV e o Núcleo
O CAV é uma organização construída e animada por
agricultores familiares, surgida da luta por terra no alto
Jequitinhonha, que foi em parte dirigida pelo legendá-
rio ambientalista e líder camponês Vicente Nica. Da luta
surgiu o Sindicato de Trabalhadores Rurais, e dele sur-
giu o CAV como braço técnico do movimento dos lavra-
dores. Desde 1994 o CAV se dedica a construir siste-
mas produtivos sustentáveis e espaços de comerciali-
zação solidária para a agricultura familiar. Sediado em
Turmalina, o CAV extrapolou os limites do município e
passou a atuar junto ao movimento sindical dos traba-
lhadores rurais e com as agências públicas e da socie-
dade civil da região.
Sua equipe tem 20 técnicos que atuam em três áre-
as. A primeira delas trata dos sistemas agroflorestais,
usando a vegetação para recompor a fertilidade dos
solos e produzir alimentos, atuando com 32 famílias de
agricultores monitores que mantém nos seus próprios
terrenos unidades de demonstração de sistemas agro-
florestais abertas à visitação e debate comunitário. A
segunda área de atuação é água, com ações para con-
servação das nascentes, captação de água de chuvas
(“Programa Um Milhão de Cisternas”, P1MC) ou ações
estruturantes, de educação ambiental para o longo pra-
zo. A comercialização é a terceira área de atuação do
CAV, que neste campo desenvolve produtos - como
frutas desidratadas e alimentos processados – e espa-
ços de comercialização para a produção, por meio de
Amostrador de Uhland: PorosidadeDensidade do solo Trado: coleta de solopara análises químicas e físicas
28 março/2008v. 1 nº 1 29março/2008v. 1 nº 1
vendas em grandes lotes para o comércio solidário ou
fortalecendo a posição dos lavradores nos mercados
tradicionais, como as feiras livres (consultar Agricultu-
ras, vol 2, número 2, junho 2005).
A Universidade Federal de Lavras é um centro de
pesquisa, extensão e ensino dedicado principalmente
às ciências agrárias. O Núcleo PPJ surgiu em 1998 com
alguns princípios: atuar em parceria com organizações
locais, partilhar conhecimentos, promover intercâmbi-
os entre agricultores e universidade, formar profissio-
nais para trabalhar com a agricultura familiar. Sua equi-
pe de 20 pessoas é formada por estudantes de gradua-
ção em Administração, Agronomia, Biologia, Engenha-
ria Florestal, Veterinária e Engenharia Agrícola, estu-
dantes de pós-graduação, professores.
A integração das equipes do CAV e do Núcleo come-
çou com o apoio recebido da Federação Nacional dos
Estudantes de Administração, FENEAD, que instituía
um prêmio em dinheiro para financiar a cooperação
entre universitários e sociedade civil. Depois vieram
recursos da Universidade Solidária e de pequenos pro-
jetos do Ministério da Educação; sempre eram recur-
sos captados em editais abertos para custear um con-
junto restrito de atividades. Estes apoios foram funda-
mentais para consolidar o relacionamento e definir os
rumos de trabalho do Núcleo com o CAV. A partir deles
a parceria foi construída, solidificou-se, criou métodos
e adquiriu experiência na caminhada.
3. A dinâmica da parceria
No meio rural de Minas Gerais há um ditado: “-Tudo
que é combinado, é barato”; quer dizer: não há surpre-
sas quando existe um bom acordo prévio. Organiza-
ções diferentes que atuam junto precisam atentar para
a sabedoria deste dito popular, porque dinâmicas, obje-
tivos e ganhos precisam ser concertados com muita
clareza. Ao longo do tempo o CAV e o Núcleo combina-
ram quatro normas de procedimento que são essencia-
is para o sucesso da parceria.
Primeiro: é preciso fazer planejamento. As duas or-
ganizações são parceiras, mas autônomas: cada uma
tem sua lógica própria de ação e o planejamento bem
feito é o melhor instrumento para definir pontos de con-
tato entre objetivos comuns. Cada uma tem suas ativi-
dades, mas apenas algumas serão conjuntas; essas
deverão ser conciliadas em termos de propósitos, méto-
dos e, principalmente, agendas.
Segundo: é necessário investir muito na capacita-
ção, porque todo ano as turmas de estudantes são par-
cialmente renovadas, por seleção, para participar do
Núcleo. A capacitação, em parte, serve para moderar a
ansiedade dos estudantes que ingressam, afoitos por
trabalhar com lavradores, animados por um extensio-
nismo muito nobre, mas pouco consistente. É preciso
convencê-los que não poderão contribuir muito com os
lavradores enquanto desconhecerem suas especifici-
dades sociais, produtivas e culturais. No início são os
agricultores que mais contribuem para a formação dos
estudantes, num processo que, meio de brincadeira,
tem sido denominado de “intensão rural” por ser o con-
trário da “extensão rural”: o estudante vai a campo para
aprender com os lavradores e com as suas organiza-
ções.
Terceiro: é preciso muita atenção com os ritmos pró-
prios de cada organização. Há uma certa pressão na
ong por resultados práticos e rápidos; há uma certa
lentidão da universidade para elaborar produtos, seja
pesquisa ou atividades de sensibilização. Nem sempre
resultados de pesquisa, por exemplo, aparecem nos
prazos curtos que a ong precisa deles. Nem sempre,
também, os técnicos da ong podem dedicar a uma reu-
nião com agricultores o tempo que estudantes e pes-
quisadores consideram necessário para aprenderam
“tudo” com aqueles agricultores. Por isso é preciso co-
nhecer as condições objetivas em que o parceiro atua e
respeitar o ritmo que sua atividade pode ter.
Quarto: a avaliação deve ser permanente, porque a
equipe do Núcleo sempre se renova e a equipe do CAV
também incorpora sempre assuntos novos. A avalia-
ção, além de proporcionar o balanço dos avanços e
perdas, serve para partilhar com todos os participantes
o histórico daquele processo, serve para que cada equi-
pe exponha sua interpretação da atividade. Muitas ve-
zes as atividades de campo têm implicações que pes-
soas de fora não percebem: influências na política lo-
cal, por exemplo. A avaliação evita que ações desastra-
das arranhem arranjos locais, sempre muito delicados.
Curso sobreproduçãode mudas
30 março/2008v. 1 nº 1 31março/2008v. 1 nº 1
4. As dificuldades
No relacionamento entre universidade e ONG algu-
mas dificuldades são, realmente, estruturais.
Uma delas é a falta de tempo para sistematizar as
informações dentro da ONG. A demanda das ativida-
des é muito grande, exige demais dos técnicos, e colo-
car no papel informações precisas acaba sendo muito
custoso. Isso faz com que o processo de aprendizado
seja quase sempre marcado pela informação oral: os
técnicos guardam informações na cabeça e as transmi-
tam aos estudantes nas avaliações de trabalho, num
processo que tem pouca possibilidade de replicação.
Outra dificuldade é a perda constante de estu-
dantes experientes, que concluem seus cursos depois
de alguns anos participando de atividades do Núcleo e
do CAV. Isto é ótimo para quem os contrata para traba-
lhar, porque já tem muita vivência profissional. Mas é
um prejuízo para o Núcleo e o CAV, porque ao fim do
curso o estudante já domina os códigos de convívio
com os lavradores, tem grande experiência em exten-
são e pesquisa, lidera equipes em campo e, principal-
mente, supre o CAV com uma assessoria técnica de
qualidade, formada em três ou quatro anos de aprendi-
zado conjunto.
Além disso, o prazo é um grande problema:
estudantes têm que freqüentar aulas e provas, com pe-
quena possibilidade de substituir cursos regulares por
atividades de campo. Então, se retorna ao ponto de
partida: é necessário planejar, planejar, planejar. Mes-
mo assim, o tempo que sobra para atividades de cam-
po dos estudantes - férias, finais de semana, feriados –
costuma coincidir com os períodos de descanso e féri-
as que a equipe técnica do CAV também precisa des-
frutar.
Entre todas, porém, talvez a maior das dificul-
dades seja o financiamento de longo prazo. Até poucos
anos atrás existiam somente programas de financia-
mento de prazos curtos, 6 ou 10 meses, para integra-
ção de pesquisa/extensão entre universidades e orga-
nizações rurais. Isto colocava os parceiros sob pres-
são: contratavam um financiamento e já precisavam
buscar outro, e freqüentemente não havia edital aberto
que custeasse o tipo de atividade que estava sendo
executada. Uma excelente inovação nesta área foi in-
troduzida pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvol-
vimento Científico e Tecnológico/Ministério da Ciência
e Tecnologia), que a partir de 2001 abriu editais volta-
dos para agricultura familiar, e depois de 2003 melho-
rou ainda mais os editais ao reunir pesquisa com exten-
são nas suas chamadas de projetos. Mas o problema
continua, porque a maioria das agências de fomento
apóia apenas atividades pontuais e em prazos reduzi-
dos, e isso impede que organizações da sociedade civil
e universidades criem relações estáveis de trabalho
conjunto e diversificado.
5. As vantagens
As vantagens para os dois lados, porém, são maio-
res que as dificuldades e compensam todos os percal-
ços que até agora apareceram no caminho.
As vantagens para o CAV estão na possibilidade de
ampliar sua equipe agregando um grupo de estudan-
tes, pesquisadores e extensionistas; significa receber
um setor de pesquisa e formação que atua em sintonia
com suas necessidades de trabalho. Há, também, a
possibilidade de sistematizar experiências agroecoló-
gicas em curso, de explorar com pesquisa aplicada os
temas e áreas em que a ong pretende expandir o traba-
lho, de avaliar os programas de desenvolvimento que
são levados para a região. De resto, acrescenta à sua
uma equipe flexível e sem custos, que pode ampliar sua
capacidade de ação em alguns momentos, como dias-
de-campo, sensibilizações, jornadas de educação de
jovens rurais. Além desses, um aspecto que o CAV tem
considerado muito importante na parceria é a possibili-
dade de instrumentalizar a pesquisa: seu trabalho de
campo passa a ser precedido, acompanhado e sucedi-
do por pesquisas realizadas por uma equipe externa,
que o informam, mas também expandem a informação
para o público que consulta as monografias, disserta-
ções ou artigos científicos produzidos sobre a base de
trabalho do CAV.
As vantagens para a universidade também são imen-
sas, e a maior delas não é exclusivamente sua: é o ga-
nho de toda a sociedade brasileira com a capacitação
de jovens pesquisadores e extensionistas que se for-
mam, ao mesmo tempo, no convívio com famílias rurais
e nas salas de aula. O estudante aprende a valorizar o
saber local sempre que é desafiado pelas particularida-
des do lugar, e valoriza o saber acadêmico a cada vez
que é desafiado a dar uma resposta técnica. Isto ensina
os estudantes a selecionar e organizar rapidamente
seus conhecimentos. Existem outras vantagens: pes-
quisar a mesma comunidade por muitos anos dá ao
pesquisador uma visão rica e complexa do meio rural; a
mediação local dá continuidade, segurança e agilidade
às relações entre universidade e lavradores; a pesquisa
dedicada a um público delimitado cria relações de con-
fiança e co-responsabilidade entre pesquisadores e
agricultores e, sobretudo, permite ao pesquisador com-
preender a dimensão social do seu trabalho.
Há, ainda, um ganho maior em cidadania, quando
lavradores descobrem que universidades podem ter
utilidade prática se as suas organizações influem na
seleção das linhas de pesquisa que efetivamente con-
tribuam para o desenvolvimento rural. A partir daí inte-
ressa a eles, realmente, disputar com as organizações
patronais essas instituições públicas, seus profissiona-
is e seu patrimônio tecnológico.
6. Produtos atuais e futuros
Em oito anos de parceria foram concluídos quinze
projetos de pesquisa e outros estão em andamento,
feitas dezenas de atividades de sensibilização, capaci-
tação, seminários e dias de campo em comunidades e
escolas rurais, escritas vários dissertações, monografi-
as e artigos técnicos. Mas alguns produtos são mais
importantes porque resultam de pesquisa específica
aplicada às demandas locais.
Um deles é o programa de nascentes. Os agriculto-
res demandaram e o CAV propôs ao Núcleo pesquisar
a oferta e as fontes de água nas áreas rurais. A pesquisa
revelou que a maioria das famílias rurais dispunha de
água e conservava como um tesouro suas fontes pró-
prias – as águas pequenas das nascentes. A partir daí
foi construído um programa de conservação de nas-
centes baseado nas famílias, em práticas agrícolas con-
servacionistas e usos múltiplos das áreas fechadas pa-
ra recarga dos mananciais - como apicultura, coleta de
Entrevista Roteiro semi-estruturado abordando as mudanças antes/depois do SAF Resultados apresentados comparando SAFs novos/antigos
Da preservação das nascentesao desenvolvimento local
O município de Medina, localizado na região do Mé-
dio Jequitinhonha, Minas Gerais, assim como outros
municípios vizinhos, vivencia um grande desafio relacio-
nado aos rumos do seu desenvolvimento. A expansão
desenfreada da atividade mineradora realizada por em-
presas de extração de granitos vem causando enormes
danos ambientais, colocando em risco a permanência
das famílias de agricultores que compõem a maioria par-
te da população rural da região.
A partir da iniciativa de um grupo de agricultores e
agricultoras, que entendiam que o seu futuro estaria
comprometida caso não se mobilizassem para reverter
as tendências de degradação das nascentes em função
da mineração de granito, o Sindicato de Trabalhadores
Rurais (STR) de Medina se sensibilizou e passou a tomar
providências concretas. De forma articulada com asso-
ciações comunitárias do município, o STR procurou esta-
belecer parceiras com outras instituições no sentido ela-
borar e executar uma estratégia para enfrentar o proble-
ma. O Instituto dos Trabalhadores e Trabalhadoras na
Agricultura do Vale de Jequitinhonha (Itavale), uma enti-
dade de abrangência regional, e a Universal Federal de
Lavras foram os primeiros a se comprometer e, por meio
dessa parceria interinstitucional, foi desenvolvido o pro-
33março/2008v. 1 nº 1
Márcio Pereira SilvaColaborador do Itavale
Área degradada porpedreiras em Medina
32 março/2008v. 1 nº 1
frutos do cerrado e plantas medicinais. Alguns anos
depois de implantando o programa, nova rodada de
pesquisa mostrou que comunidades com nascentes
cercadas pelo programa dispunham de muito mais
água por pessoa que aquelas que não as conserva-
vam. No caso, a pesquisa sugeriu o rumo da ação e ava-
liou sua eficácia. Mas não se pode esquecer: a pesqui-
sa foi mediada pelo CAV, que soube traduzir a deman-
da, definir seu objetivo e implantar seus resultados.
Outro exemplo é o programa de apoio às feiras li-
vres. Na busca por mercados para os lavradores do
Jequitinhonha, o CAV e o Núcleo resolveram examinar
a importância das feiras livres em termos de abasteci-
mento, renda e produto. Os resultados da pesquisa
foram surpreendentes: as feiras abasteciam quase 80%
das populações urbanas, geravam mais renda para os
agricultores que as transferências do governo, aumen-
tavam em média 20% o movimento do comércio urba-
no. Esses resultados foram usados para mobilizar la-
vradores, prefeituras, sindicatos, associações e agên-
cias públicas no apoio às feiras, enfrentar com mais
vigor os problemas dos feirantes, oferecer cursos e tro-
cas de experiências entre feirantes de municípios dife-
rentes.
Narrado assim, até parece que foi fácil encontrar
esta parceria; mas não foi, e finalmente é preciso ensi-
nar ao leitor o caminho das pedras: na relação entre
universidade e agricultores familiares, a mediação local
é fundamental. Universidades só conseguem fazer tra-
balhos de longo prazo com lavradores quando existe
uma organização que os conhece; pode ser ong, sindi-
cato, pastoral, associação ou fórum, mas deve ter capi-
laridade e facilitar os diálogos, dar consistência às de-
mandas por pesquisa e saber transformá-las em produ-
tos úteis no dia-a-dia.
Se existe uma boa mediação tudo o mais se torna
possível. E aí, não custa nada fazer mais duas ou três
recomendações que deslanchariam esse trabalho: dis-
ponibilizar financiamentos de longo prazo para integrar
universidades e organizações mediadoras; oferecer
bolsas para fixar jovens profissionais de pesquisa e ex-
tensão ao mesmo tempo nas universidades e organiza-
ções da sociedade civil; estimular redes para trocas de
experiências entre universidades e organizações loca-
is; criar currículos flexíveis para estudantes trocar algu-
mas horas-aula por atividades de campo. Há, aí, um
percurso longo e trabalhoso a ser trilhado, mas há tam-
bém a certeza que é o caminho para construir uma ou-
tra universidade, mais cidadã, mais roceira, localizada
mais perto do Brasil.
Referências Bibliográficas
7. Bibliografia recomendada, produzida na parceria
CAV/UFLA
ASSIS, T. R. de P. “Agricultura familiar e gestão social: ongs,
poder público e participação na construção do desenvolvi-
mento rural.” Lavras, Dissertação (MS), PPGAD/UFLA, 2005.
DANIEL, L.O. “O processo decisório numa organização não-
governamental: o caso do Centro de Agricultura Alternativa
Vicente Nica, CAV, de Turmalina, MG.” Lavras, Monografia de
conclusão de curso, 2000.
FREIRE, A.G. "Águas do Jequitinhonha." Lavras, Dissertação
(MS), PPGA/UFLA, 2001.
GALIZONI, F.M. "A terra construída". S. Paulo. Dissertação
(MS). FFLCH/USP, 2000.
RIBEIRO, E.M. e GALIZONI, F.M. "Água, população rural e
políticas de gestão: o caso do vale do Jequitinhonha". Ambi-
ente e Sociedade. vol VI, número 1, jan/jul 2003.
RIBEIRO, E.M., CASTRO, B.S., SILVESTRE, L.H., CALIXTO,
J.S., ARAÚJO, D.P., GALIZONI, F.M., AYRES, E.B. “Progra-
mas de apoio às feiras livres e à agricultura familiar no Jequiti-
nhonha mineiro.” Agriculturas, experiências em agroecolo-
gia. V.2, N.2, junho 2005.
jeto Gestão e Conservação de Nascentes de Medina. A
ação articulada em torno à execução desse projeto criou
as condições para que, com o tempo, outras questões
relacionadas ao desenvolvimento local fossem incorpo-
radas à agenda dessas instituições.
O ponto de partida
O meio rural da região é essencialmente ocupado
por uma agricultura de base familiar, produtora de lavou-
ras diversificadas e de pequenos animais. A principal
fonte de sustento das famílias dos municípios é a produ-
ção própria ou a renda da aposentadoria dos idosos.
Embora a agricultura de Medina enfrente sérias dificul-
dades como resultado do histórico descaso do Estado
com relação à produção familiar, a chegada das empre-
sas de mineração ao município agravou bastante a situ-
ação.
Apesar disso, sob o pretexto de gerar emprego e ren-
da, a extração do granito nas pedreiras de Medina foi
fortemente incentivada, sendo beneficiada pela admi-
nistração municipal com a insentação de impostos por
um período de quinze anos. Atualmente, existem 31 pe-
dreiras distribuídas em diferentes localidades do municí-
pio e, essa atividade está na região há cerca de 20 anos.
Nesse período a mineração já causou danos ambientais
e sociais graves devido à sua exploração desordenada e
sem planejamento.
Para enfrentar a situação, as organizações dos agri-
cultores decidiram fazer um levantamento sobre as con-
dições das nascentes nas ares rurais. Para tanto, conta-
ram com a contribuição de uma turma de alunos do pro-
jeto Semear composta por jovens e adultos das próprias
comunidades.
Após a finalização do levantamento, foi realizado o
Seminário de Gestão das Águas , oportunidade em que
os resultados da pesquisa foram apresentados e debati-
dos. A partir daí, o trabalho foi ganhando uma dinâmica
própria, buscando sempre levar a discussão a outros
espaços, como reunião, seminários e fóruns regionais e
estaduais, além de apresentar reivindicações poder pú-
blico local e organizar passeatas e manifestações.
A sistematização da experiência e seus impactos
Recentemente, o Itavale realizou uma sistematização
sobre a trajetória do trabalho no município. Além de ava-
liar a experiência em si, esse esforço teve como objetivo
fornecer referências para organizações que desejam
promover iniciativas similares em outras regiões, sensi-
bilizar os poderes públicos nas esferas municipais e regi-
onal sobre o potencial do enfoque agroecológico para o
desenvolvimento rural e, por fim, fundamentar a constru-
ção coletiva de alternativas de conservação da natureza,
de modo a influenciar as políticas publicas implementa-
das no Médio Jequitinhonha.
O documento final foi apresentado e referendado
nas próprias comunidades. Foi também apresentado
em um seminário realizado na sede do município que
contou com a participação de cerca de 300 pessoas, a
maioria representantes das comunidades rurais, mas
também de escolas, de organizações parceiras, de ór-
gãos públicos, como o instituto Estadual de Florestas
(IEF), a Empresa de Assistências Técnicas e Extensão
Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), e algumas
ONGs que atuam no Médio Jequitinhonha.
Muitos agricultores e agricultoras reconhecem a im-
portância do sindicato nesse processo e o consideram
como uma escola que não tiveram quando jovens, já
que é lá que se mantêm informados “sobre tudo o que
acontece e que seja de nosso interesse”. As associa-
ções comunitárias rurais também têm buscado atuar
contra a degradação do meio ambiente e assegurar a
participação de seus representantes nos conselhos Mu-
nicipais Sociais, Criança e Adolescente, Segurança Pú-
blica) e nos fóruns de abrangência regional e estadual
em que o tema é debatido.
35março/2008v. 1 nº 1
Filó do município de Varzelândia e Joaninha do assentamento Tapera
34 março/2008v. 1 nº 1
Curso de Mudas Nativas no PA SurpresaMedina-MG
Dona Eva - Medina
Família de Lô e João Franco no assentamento Tapera
Gente que faz da agroecologiauma opção de vida
Dona Lizardado quilombode Brejo dos Criolos
36 março/2008v. 1 nº 1 37março/2008v. 1 nº 1
Povos e comunidades tradicionais movimentam os sertõesde minas gerais: em cena novos sujeitos sociaisCarlos Alberto DayrellTécnico e pesquisador do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, Mestre emAgroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável – Universidade Ibero Americana - Espanha
Neste artigo vamos apresentar a movimentação
que vem emergindo no campesinato regional no
momento em que agricultores familiares passam a
assumir identidades especificas, sejam como gerai-
zeiros, quilombolas, vazanteiros, catingueiros ou
veredeiros. Movimentação onde disputam projetos
econômicos e territoriais que colocam em xeque
programas convencionais como o de reforma agrá-
ria. Movimentação que acontece em uma região on-
de o clientelismo e paternalismo tem uma forte pre-
sença, acentuado pela ação do estado com suas
políticas compensatórias que contribuem para a ma-
aberto à grilagem
(Chaves, 2006).
Saluzinho mor-
reu em 1990 na cida-
de de Itacarambi no
anonimato. Depois
do episódio da resis-
tência isolada na
gruta, percorreu um
longo calvário de
prisões em cadeias
de Minas Gerais,
entre estas a do
DOPS em Belo Hori-
zonte, onde apren-
deu a ler e escrever
com outros presos
políticos, a quem
deixava encantados
com sua história sin-
gular de luta pelo direito à terra. A história de Saluzi-
nho é emblemática e se cruza com outras tantas his-
tórias, algumas conhecidas, muitas outras se per-
dendo nas memórias dos mais velhos que ainda vi-
vem nos sertões de Minas Gerais. Histórias cujos
fragmentos, mas principalmente, a densidade rela-
cionada ao viver dos sertanejos foi capturada pelo
escritor Guimarães Rosa ao romancear a trajetória
da jagunçagem, os conflitos de seus personagens e
também a disputa de projetos, abrindo ao mundo os
sentimentos que ainda hoje transparecem no sertão
norte mineiro.
Em outubro de 1967, após cinco dias de cerco
em uma gruta da região de Cachoeirinha, hoje muni-
cípio de Verdelândia (MG), a policia militar mineira
precisou chamar um comando especial do DOPS,
vindo de Belo Horizonte, para ajudar no combate de
uma perigosa célula comunista que estaria implan-
tando a resistência armada na região norte mineira e
enfrentando as forças públicas. Este reforço, con-
tando com mais quarenta homens, veio a se juntar a
outro vindo do Batalhão de Montes Claros, três dias
antes, e já contava com um pesado arsenal de guer-
ra. Tanta movimentação chamou a atenção da opi-
nião pública, inclusive da imprensa que, ao acom-
panhar o caso, obrigou o estabelecimento de uma
negociação para que os bandidos se entregassem
vivos. Então, após cinco dias de artilharia pesada,
explosões de bananas de dinamite, de gás lacrimo-
gênio e até mesmo incêndio provocado por gasoli-
na esparramada na porta da gruta e, como baixa
entre os policiais, um morto e dois feridos, apareceu
na porta da gruta um vulto esquelético, com o corpo
recoberto de fuligem de carvão e fumaça. A perigo-
sa célula comunista era constituída apenas de um
homem conhecido como Saluzinho armado com
uma garrucha, cujo crime foi o de defender o possei-
ro Teço contra os jagunços a mando do fazendeiro
Oswaldo Antunes. É assim que Luiz Chaves nos rela-
ta na Revista Verde Grande a saga deste camponês
que se insurge contra a violência policial a mando
dos interesses dos fazendeiros que avançavam so-
bre um vasto território até então ocupado por comu-
nidades negras e que encontrava-se desde então
nutenção da letargia social. Movimentação que
acontece em uma das regiões de Minas Gerais onde
a colonização de origem européia primeiramente
fincou os seus pés em meio a comunidades negras
e indígenas e onde campesinato se desenvolveu em
um ambiente constrastivo que favoreceu o desen-
volvimento de agroecossistemas culturais singula-
res e diferenciados. Região que o campesinato en-
frentou e vem enfrentando a subjugação política e
econômica do coronelismo, que aprofunda o pro-
cesso de exclusão quando o estado implanta políti-
cas visando a sua inclusão na dinâmica do capital
global.
Por outro lado, Guzmán & Molina (s/d) ao anali-
sar a matriz sócio-cultural latino-americana à luz do
“Pensamento Social Agrário alternativo” lança um
entendimento de como populações camponesas
com séculos de submissão aos interesses oligárqui-
cos, vivendo em uma aparente letargia social, con-
seguem manter traços significativos de resistência
capazes de emergir em determinados cenários. Se-
gundo estes autores, as formas históricas de domi-
nação política negam as etnicidades profundas com
um marco legal que não reconhece a mestiçagem.
Por outro lado, a heterogeneidade sócio-cultural
das classes oprimidas é portadora de diferentes for-
mas de conflitividade que se mantêm latentes. Esta
conflitividade muitas vezes está associada ao catoli-
cismo popular onde crenças ancestrais sincretizam
religiosidades que podem aportar elementos que
eles denominam de “potencial endógeno de mobili-
zação social”. Em outras palavras, trazendo estas
reflexões a nossa realidade societária, em meio à
aparente calmaria das águas, movimentos até então
subterrâneos podem vir à tona colocando em xeque
a ordem social dada até então como imutável.
À Alvimar e Zilah cuja trajetória nos serve de exemplo com a causa dos povos do sertão
Geraizeiros durante mística na 3ª Conferência
38 março/2008v. 1 nº 1 39março/2008v. 1 nº 1
Não podemos esquecer que a história de Saluzinho
está relacionada com um anterior assassinato, o do preto
velho Martim Fagundes, fuzilado na cidade de Janaúba
em 1964 quando procurava por providência contra o des-
pejo empreendido pelo coronel Georgino Jorge de Sou-
za, então comandante do 10º Batalhão de Policia Militar
de Montes Claros, defendendo interesses seus e de ou-
tros grileiros no distrito de Cachoeirinha, hoje Verdelândia
(Chaves, 2006).
À esta história de Saluzinho, Alvimar Ribeiro dos San-
tos , nos relata como testemunha ocular dezenas de ou-
tros acontecimentos relacionados com a disputa territorial
que resultaram no assassinato de lideranças campone-
sas: como a de Eloy Ferreira da Silva, morto em dezem-
bro de 1984 no conflito da Fazenda Menino ; Rosalino,
Manoel Fiúza e José Teixeira, lideranças do Povo Xakria-
bá, assassinados em um massacre promovido pelo fa-
zendeiro Amaro em território demandado pela comunida-
de indígena, em fevereiro de 1987; Donato, assassinado
por jagunços na Fazenda Água Branca, município de São
Quilombolas do Nortede Minas durantemanifestação em Brasília
Francisco, em julho de 1989 a mando de Antonio Luciano,
empresário e latifundiário residente em Belo Horizonte.
Casos que se somam com outros inúmeros não relata-
dos, que contaram com a cumplicidade da ditadura militar
instaurada no Brasil a partir de golpe de estado em 1964.
Período a partir do qual se inicia uma grande transforma-
ção no campo brasileiro e que resultou na “modernização
da agricultura” através da denominada Revolução Verde.
Foi quando uma série de programas e projetos, tanto
do governo federal quanto do estadual, passaram a ser
implementados no intuito de “integrar a região na dinâmi-
ca da economia nacional, eliminar os bolsões de pobreza
e combater os efeitos maléficos da seca” (Dayrell, 1998).
A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE -planeja e executa as políticas governamentais
de estímulos financeiros e fiscais, enquanto o governo do
Estado realiza investimentos públicos em infra-estrutura
básica: estradas, energia e telecomunicações. E promo-
ve, com a RURALMINAS, um amplo processo de regulari-
zação fundiária ao inverso, privatizando terras comunais
dos Xakriabá e de comunidades geraizeiras, veredeiras,
quilombolas e catingueiras, em favor dos fazendeiros e
novos empresários que vêem na região uma oportunida-
de de novos negócios ou mesmo de enriquecimento fácil
frente às ofertas patrocinadas pelo Estado.
Hoje é possível ver os resultados de tal façanha. Com
os investimentos públicos em infra-estrutura básica, na
pecuária de gado de corte, na produção florestal e agricul-
tura intensiva, principalmente via irrigação, a paisagem
regional foi bruscamente alterada: circuitos econômicos
que não estavam amarrados com a lógica do capital fo-
ram paulatinamente desestruturados; os territórios tradici-
onais invadidos pelas grandes fazendas e empresas rura-
is; e a rica biodiversidade e agrobiodiversidade substituí-
da pelos plantios homogêneos de eucalipto, capins, algo-
dão e bananas entre outros. Acrescente-se a estes a de-
gradação dos ecossistemas locais – cerrados, mata seca,
caatinga e amplos refúgios de mata atlântica, e a deterio-
ração dos recursos hídricos regionais provocados pela
alteração do delicado equilíbrio hidrológico mantenedor
de uma extensa rede hidrográfica. A resistência campone-
sa era rapidamente silenciada com assassinatos, expul-
são violenta, oferta de barracos ou lotes nas cidades.
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, em defe-
sa dos direitos dos camponeses expropriados, o movimen-
to sindical cresce na região, animados pelas CEBs e CPT. É
neste contexto que emergem personagens como Saluzi-
nho, Jader de Paula, Senhorinha, Antonio Inácio, Rosalino,
Bui, Eloy Ferreira. E não se poderia dizer que esta resistên-
cia estivesse isolada do contexto nacional que se vivia na
época. Antonio Inácio, antes de 1980, ao abandonar o oficio
de tropeiro na linha de comércio entre a cidade de Januária
e os veredeiros e geralistas que habitavam as cabeceiras
dos rios Carinhanha , Pardo, Pandeiros e córrego do Gibão,
ajuda a criar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ja-
O Norte de Minas no contexto do Desenvol vimento Regional...ou como a Revolução Verde encontra e en frenta um adversário inesperado: Saluzinho
nuária. O ofício de tropeiro, tão antigo quanto a história da
ocupação colonial, decaiu com as rodovias que iam sendo
abertas para viabilizar a ocupação de terras supostamente
desocupadas. Estas são tomadas pelos gaúchos no antigo
distrito de Serra das Araras , ou pelas empresas refloresta-
doras nas vastas chapadas arenosas situadas na margem
esquerda e direita do rio São Francisco, em cima de terras
griladas ou regularizadas pela RURALMINAS. Antonio Iná-
cio, católico convicto, leitor da Bíblia, mas também de todos
os livros e jornais que lhe caiam em mãos, ingressa no movi-
mento sindical e, em 1980, no emergente Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, cujas raízes no sul
do Brasil se espalham levando esperanças às milhares de
famílias que vão perdendo suas terras em função do avanço
do latifúndio. Passa então a percorrer as comunidades de-
fendendo os direitos dos camponeses que resistem à grila-
gem das terras. Através do movimento sindical se torna ami-
go íntimo de Eloy Ferreira da Silva, sindicalista como ele no
município de São Francisco. Juntos, desenvolvem uma lei-
tura crítica sobre a região norte mineira e a vão divulgando
por onde passam ou são chamados, pois segundo Eloy,
suas ações não continham fronteiras: “no lombo de um bur-
ro onde estiver um trabalhador, lá estarei defendendo” . Nes-
te tempo Antonio Inácio divulga suas idéias em uma coluna
semanal de um jornal local e que depois é publicado como
livro intitulado “O Reino do Latifúndio”
Mas os ares da opressão explicita foram aos poucos
mudando. Com a nova Constituição do país, fruto das arti-
culações da sociedade civil brasileira durante o processo
constituinte, os povos e as comunidades tradicionais, não
apenas as indígenas, mas também outras, começam a
emergir no cenário agrário brasileiro com feição diferenci-
ada da até então vivida. Nos sertões de Minas, rompendo
com a invisibilidade que foi fundamental em garantir suas
estratégias de reprodução social, tanto as populações
negras passam a reivindicar o direito à terra ancestral, co-
mo as populações das vastas chapadas onde os cerrados
dominam, o direito à terra comunal, ambas imprescindíve-
is para preservação do patrimônio imaterial de que são
portadores (Costa, 2005).
40 março/2008v. 1 nº 1 41março/2008v. 1 nº 1
Outras estratégias visando à reprodução material e
social das famílias rurais norte mineiras foram instituí-
das desde esse período e, dentre elas, a articulação
com entidades e organizações que se posicionaram a
favor das categorias rurais excluídas dos processos
sociais verificados regionalmente. É neste contexto
que é criado, a partir de 1985 a organização que veio
se chamar Centro de Agricultura Alternativa do Norte
de Minas . Durante os anos 1990 o Fórum Regional de
Desenvolvimento Sustentável foi um dos espaços on-
de o CAA, a CPT, CUT, FETAEMG e Sindicatos de Tra-
balhadores Rurais promoviam debates e ações em
torno do desenvolvimento regional, se posicionando
em favor de novas perspectivas societárias, que não a
de subordinação aos ditames do capital e à lógica da
revolução verde. O CAA, assim analisava o contexto
regional:
O “desenvolvimento” ocorrido no norte mineiro não
levou em conta a existência de uma diversidade de popu-
lações rurais que, historicamente, desenvolveram estra-
tégias sensíveis no manejo dos recursos naturais, como
o aproveitamento das potencialidades de distintos habi-
tats, uso de variedades genéticas de plantas desenvolvi-
das e adaptadas aos diferentes agroambientes e no apro-
veitamento intrínseco da biodiversidade presente na flora
nativa. Pelo contrário, afetou as bases de sustentação e
de reprodução social dos grupamentos humanos, desig-
nados genericamente como pequenos produtores rurais,
deixando-os ainda mais frágeis frente às adversidades
climáticas da região (CAA NM, 2005).
Esta articulação se conecta aos cerrados brasilei-
ros através da REDE CERRADO, constituída em 1992
durante a ECO 92, na qual lideranças camponesas da
região tiveram uma participação expressiva, assim
como pelo semi-árido, inicialmente com o movimento
ambiental e cultural em torno do rio São Francisco, ao
ser constituída a “Associação Pra Barca Andar” e, pos-
teriormente, a Articulação do Semi-árido – ASA. Ao
mesmo tempo, amplia-se a interação com setores liga-
dos à pesquisa, com professores e estudantes pas-
sando a dedicar o olhar para o entendimento da com-
plexidade ecossistêmica e cultural da região que, pelo
seu caráter de transição de ecossistemas, de clima,
com ambientes e paisagens diferenciadas e singula-
res abriga em seu interior uma ampla diversidade cul-
tural.
A constituição da Cooperativa Agroextrativista
Grande Sertão no final dos anos 1990 promovida por
um grupo de extrativistas e agricultores de origem
camponesa apresenta-se como uma iniciativa econô-
mica diferenciada. Insere-se em circuitos econômicos
da agricultura camponesa até então invisíveis às políti-
cas públicas, como o do extrativismo associados aos
cerrados e caatinga junto com o aproveitamento de
frutíferas cultivadas de forma generalizada nos quinta-
is. Em pouco tempo amplia-se a articulação com ou-
tras iniciativas também econômicas envolvendo comu-
nidades geraizeiras, veredeiras, catingueiras, quilom-
bolas e com o povo Xakriabá, que passam também a
dialogar em outros espaços de articulação regional,
nacional e até mesmo internacional como, por exem-
plo, com o movimento Slow Food.
Mais ainda. As lutas isoladas que aconteciam de
extensas famílias designadas genericamente como
posseiras localizadas em diferentes ambientes e con-
textos sócio-econômicos e culturais, sejam de comu-
nidades negras como as que se verificaram em Ca-
choeirinha no começo da década de 1960, ou as en-
volvendo comunidades geraizeiras e veredeiras nos
municípios de São Francisco e Januária, ou comuni-
dades catingueiras nos municípios de Varzelândia,
tomam um novo fôlego quando se descobrem porta-
doras de distintas geo-histórias (Dangelis Filho, 2005).
Assim, o Povo Xakriabá consegue a demarcação de
parte de seu território e continua mobilizado na con-
quista de áreas que ficaram de fora, ao mesmo tempo
em que assumem no pleito de 2004 o destino político
do município em que são maioria populacional e elei-
toral. Em Brejo dos Crioulos uma acirrada e perma-
nente luta da comunidade quilombola, após o seu re-
conhecimento pela Fundação Palmares, leva o INCRA
MG a elaborar e publicar o “Relatório Técnico para
regularização de território quilombola” . Na região do
Alto Rio Pardo comunidades geraizeiras insurgem
contra a perda de seus territórios tradicionais e inves-
tem na retomada articulando-se com a Via Campesi-
na. Em poucos anos duas áreas anteriormente ocupa-
das pela monocultura do eucalipto – Muselo e Vereda
Funda - são retomadas iniciando-se a execução de
um projeto de reconversão agroextrativista. Nas am-
plas baixadas sanfranciscanas, território onde con-
centram centenas de comunidades negras e, ao lon-
go do rio São Francisco, onde concentram outras tam-
bém centenas de comunidades vazanteiras, inicia-se
uma insurgência contra o encurralamento dos cam-
poneses pelos grandes projetos agropecuários ou
pelos parques – Unidades de Conservação de Prote-
ção integral - que são criados como compensação
ambiental destes mesmos grandes projetos e que inci-
dem em seus territórios tradicionais.
Diferentes movimentos de luta pela terra inserem-
se nestes distintos ambientes colocando em cena a
gravidade da questão agrária regional. Novos assen-
tamentos de reforma agrária são criados, alguns deles
com peculiaridades como o Assentamento America-
na no município de Grão Mogol e que propõe um mo-
delo diferenciado de ocupação das terras consideran-
do os usos e manejos dos ambientes desenvolvidos
pelas populações tradicionais dos gerais. Ao mesmo
tempo, percebendo-se detentores de uma grande
Vazanteiro remando nas águas do São Francisco
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diversidade genética associados aos seus cultivos
tradicionais de alimentos, fibras e óleos movimentam
ações de valorização da agrobiodiversidade local, esti-
mulando a produção e melhoramento das sementes
locais denominadas de crioulas e organizando feiras
regionais de sementes.
Em 2006, após uma série de lutas iniciadas ainda
no final dos anos 1980, o Assentamento Tapera locali-
zado em Riacho dos Machados sedia um encontro
convocado por lideranças geraizeiras que vinham par-
ticipando da construção da Política Nacional de Povos
e Comunidades Tradicionais . Este encontro, que veio
a se denominar de I Conferência Geraizeira, reuniu as
lideranças mais expressivas de suas comunidades
que vivem nos altiplanos da Serra Geral, divisor de
águas de três bacias hidrográficas: São Francisco,
Pardo e Jequitinhonha. Abrem o diálogo em torno da
constituição de suas identidades e colocam como
principal meta a luta pelo reconhecimento de seus
territórios tradicionais Esta conferencia se soma a ou-
tras que passaram a ser realizadas, a partir de então,
em diferentes localidades e envolvendo diferentes ca-
tegorias populacionais, engrossando um caldo de
luta que extrapola os limites convencionais de acesso
à terra via assentamentos rurais cujos procedimentos
formalizados revelam-se insuficientes frente às comu-
nidades que reivindicam a reapropriação de seus terri-
tórios tradicionais usurpados pelo Governo do Estado
de Minas décadas atrás, ou pela grilagem promovida
pelos grandes empreendimentos florestais.
Durante a II Conferencia Geraizeira, realizada na
comunidade de Vale do Guará, município de Vargem
Grande do Rio Pardo, publicam e divulgam a Carta da
Conferencia que é apresentada no box a seguir:
Muitos anos passaram, na
história do Brasil, dos povos que
desbravaram o sertão, muito se
contou dos fazendeiros com
suas boiadas, do poder dos coronéis, mas muito pouco se
contou dos povos do sertão, dos que nos gerais sem fim, ali
fincaram suas moradas, uma terra de pouca serventia: diziam
que suas terras eram fracas e seu mato de madeira branca.
Pois foi nestas terras, nestes Gerais de pouca serventia que
fomos buscar refúgio. Ao longo dos séculos, com o conheci-
mento que herdamos de nossos irmãos, índios, dos negros
que fugiram do cativeiro em busca de liberdade, de campone-
ses pobres que vieram da Europa em busca de sossego, fo-
mos aprendendo a cultivar estas terras, a viver do sustento do
cerrado, de seus frutos, com os seus remédios, de sua caça,
de seus peixes. Mesmo com muitas dificuldades de acesso a
terra, do jugo dos coronéis, com este aprendizado, nós fomos
criando nossas famílias, desenvolvendo nossas comunidades,
sustentando o movimento das feiras e dos mercados, alimen-
tando uma grande população que dependia dos nossos produ-
tos. Nos chamavam de Geraizeiros, em outros de Geralistas, por-
que vínhamos dos Gerais, porque vivíamos nos Gerais. Com os
Gerais aprendemos a conviver. Nós, o Povo Geraizeiro, somos um
povo agroextrativista. Vivemos das roças, das criações, do extrati-
vismo do cerrado. Também somos extrativistas.
Uma história que não podemos esquecer
Durante as décadas de 1970 e 1980 o nosso território foi violen-
tamente expropriado pelas grandes empresas e fazendeiros para
implantação de grandes monoculturas de eucalipto e fazendas de
gado. Tal situação foi possível pelas políticas do Governo do Estado
de Minas Gerais e do Governo Federal que consideraram as terras
da população geraizeira como devolutas, terras de ninguém, terras
sem uso. A Assembléia Legislativa e o Congresso Nacional foram
coniventes e quase um milhão de hectares de nossas terras foram
alienadas (vendidas) ou arrendadas pelo governo às grandes em-
presas de eucalipto. Para as elites o Povo Geraizeiro não valia na-
da. Mas éramos nós que abastecíamos os mercados com alimen-
tos, com as frutas nativas, com plantas medicinais. E o nosso jeito
de trabalhar a terra sempre conservou os cerrados, suas águas,
CARTA DO POVO GERAIZEIRO AOS GOVERNOS
DO ESTADO DE MINAS GERAIS E DO BRASIL
seus animais.
Hoje vivemos uma situação de calamidade: nossos águas seca-
ram, córregos, nascentes e rios entupiram de areia, nossas matas
foram devastadas, nosso povo empobreceu. Passamos a viver en-
curralados: pelas grandes reflorestadoras e fazendeiros que nos
tomaram as chapadas, e também pelas grandes barragens que vem
nos expulsando das grotas e vazantes.
Mas não estamos parados. Já demonstramos o valor de nossa
cultura, aproveitando e conservando a biodiversidade dos cerrados,
que vale muito mais do que o carvão, do que o ferro, o aço, a celulo-
se, estes produtos e subprodutos que se sujam porque carregam o
sangue de nosso sofrimento. Já apresentamos nossas propostas
tanto para o Governo Estadual quanto o Federal. Queremos nossas
terras de volta. Queremos recuperar as águas, as matas, voltar com
os bichos viventes. E nesta luta não estamos sozinhos. Temos do
nosso lado as nossas associações, as igrejas, pastorais, os sindica-
tos e federação dos trabalhadores rurais. Muitas organizações e
movimentos de Minas Gerais e do Brasil estão do nosso lado, apoi-
ando a nossa luta como a ACEBEV, CAA, a Cooperativa Gran-
de Sertão, a CPT, o MST, o MPA, o MAB, o NASCer, as
CARITAS, MASTRO, FEAB, Estudantes da UFMG,
UNIMONTES, UFF, Grupo Teatral Pirraça em Praça, Irmã
Maria e muitas outras organizações.
A Conferência Geraizeira propõe
Reunidos na Comunidade Vale do Guará, município de
Vargem Grande do Rio Pardo, norte de Minas Gerais, 350
geraizeiros e geraizeiras oriundas de 40 comunidades e 16
municípios durante a II Conferência Geraizeira discutimos e
apresentamos as nossas propostas.
Cada comunidade discutir com o seu povo o seu território.
Demarcar o seu território.
Fiscalizar o território: não deixar que plantem mais a mono-
cultura do eucalipto, que desmatem o cerrado, que degradem
os recursos hídricos. Fazer denncia´s, fazer empates, buscar
apoio das organizações parceiras e movimentos que estão do
Tambores quilombolas
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nosso lado.
Cobrar do Governo do Estado a devolução das terras que foram
arrendadas para empresas reflorestadoras. O movimento dos traba-
lhadores rurais do Alto Rio Pardo tem um projeto para estas áreas
denominado: Programa de Reconversão da Monocultura para o Agro-
extrativismo. Vamos exigir a sua implantação.
Vamos exigir do Governo do Estado e da Assembléia Legislativa
a Extinção da PEC sobre Terras Devolutas. O PEC é um Projeto de
emenda constitucional elaborado por deputados entreguistas e pelo
Governo Aécio que querem legitimar a doação de nossas terras para
os empresários e fazendeiros.
Vamos aprimorar as nossas propostas para o Território Geraizeiro
e buscar o seu reconhecimento através da nossa participação na
Comissão Nacional de Populações Tradicionais e em outros espaços
de políticas públicas do município, do estado e da união.
Vamos organizar as nossas propostas em um projeto regional
camponês que vem sendo articulado pela Via Campesina de Minas
Gerais
Vale do Guará, 14 de janeiro de 2006
Assinam esta carta:
Geraizeiros das comunidades de:Assentamento Tape-
ra; Barreiro; Bem Finca; Boa Vista; Brejão; Brejo; Caatinga;
Cachoeira Um; Caiçara; Catanduva; Cedelo; Corgo Verde;
Córregos; Curral Novo de Muzelo; Fazenda Buracos; Fa-
zenda Cercado; Fazenda Furnas; Fazenda Peri Peri; Fa-
zenda Pindaíba; Fruta de Leite; Furna; Lagoa de Pedra;
Lagoa Grande; Lagoinha; Mucambo; Mucambo da Onça;
Mumuca; Muquem Um; Muselo; Onça do Mato; Padre Cân-
dido; Raiz; Riachão; Ribeirão do Jequi; Roça do Mato; Sal-
gueiro; Salina; São Bartolomeu; São João; São José das
Contendas; Simão Guedes; Sitio Novo; Taboquinha; Tam-
buril; Tapera; Vale do Guará; Vargem da Salina; Vargem
Grande; Vereda Funda; Organizações: Cáritas Janaúba;
CAA; Cooperativa ; rande Sertão; Estudantes UFMG,
UNIMONTES, UFF, CEFET; FEAB; Grupo Teatral ; irraça
em Praça; MAB; Mastro; MST; NASCER; Povo Xakriabá;
STRs; Equipe do Território Alto Rio Pardo;
Da mesma maneira, comunidades quilombolas
em articulação com a comissão regional de povos e
comunidades tradicionais também promovem en-
contros específicos – resumindo suas principais rei-
vindicações em Cartas que são encaminhadas aos
governos federal, estadual e municipais. A I Confe-
rencia Quilombola, realizada nos quilombos do Guru-
tuba e de Brejo dos Crioulos entre os dias 17 a 20 de
janeiro de 2006 publicou ao final do encontro a carta
que apresentamos no BOX a seguir:
Para poder vivermos aqui neste grande vale dos rios Verde
Grande, Gurutuba, Arapuim e São Francisco, no meio das matas
e caatingas, tivemos que ficar escondidos durante muito tempo,
desde quando o Matias Cardoso veio para cá há quase quatro
séculos. Ele veio para prender e exterminar os negros que subi-
am o rio São Francisco, que aqui chegavam pelas estradas dos
tropeiros, fugindo da escravidão. Aqui ficamos muito tempo, rece-
bendo nossos irmãos até mesmo depois que os negros foram
alforriados, pois quando isso aconteceu nossos irmãos não ti-
CARTA DOS QUILOMBOS PARTICIPANTES DA I CONFERÊNCIA QUILOMBOLA DO NORTE DE MINAS
“...Na época de 69 (1969) chegou um Zé Cido, que disse que Moacir tava vendendo umas terras
aqui... ai, ai, ai! ! ! não tinha terras de Moacir para vender aqui não...” (Sr. Júlio, Taperinha)
nham onde ficar, não tinham garantia da integridade de suas
famílias. E nós os recebíamos, nosso povo foi crescendo livre,
pois aqui, por causa da malária, os brancos não chegavam.
Então vieram os fazendeiros, os coronéis, os cartórios, veio a
Ruralminas, e começaram a fazer documentos das terras onde
vivíamos, vender nossas terras, tirar nossa gente do lugar. Como
exemplo podemos citar a luta do povo de Cachoeirinha que foi
despejado pelos fazendeiros com o apoio do governo militar e
que aconteceu aqui do lado de Brejo dos Crioulos onde estamos
hoje. Foram muitos os casos de violência que ocorreram nesta
expropriação, muitos de nossos irmãos foram assassinados,
tiveram suas casas e lavouras destruídas, seus animais mortos,
sendo obrigados a saírem fugidos de suas terras, como o acon-
tecido com Dona Lizarda Pinheiro da comunidade de Araruba.
Depois veio a SUDENE financiando com dinheiro público
subsidiado estas grandes fazendas, o desmate de grandes
áreas, abrindo estradas onde já vivíamos há muitos séculos.
Veio a CODEVASF construindo a Barragem em São José do
Gurutuba dizendo que ia perenizar o rio, mas foi o que acabou
de acabar com o nosso rio Gurutuba e com os seus peixes,
pois suas águas hoje só correm até onde irrigam as monocultu-
ras de banana.
Hoje estamos nesta grande luta para termos reconhecidos
os nossos direitos. A cultura negra, o braço negro que abriu o
campo no Brasil ao longo de sua história, construiu riquezas, foi
sendo deixado de lado. Mas agora estamos entendendo mais os
nossos direitos e da obrigação de nossos governantes dos muni-
cípios, do Estado e da União. Por isso realizamos esta I Confe-
rência Quilombola no Norte de Minas Gerais. Viemos de diversas
regiões onde vivem os nossos irmãos e irmãs de quilombo. Fo-
mos recebidos com muita alegria pelas comunidades Gurutuba-
nas e de Brejo dos Crioulos desde o dia 17 de janeiro de 2007.
Reunimos 280 pessoas de 27 comunidades e 18 municípios.
Tivemos a visita de nossos companheiros do Quilombo de Ivapo-
runduva do Estado de São Paulo. Recontamos a nossa história,
as nossas iniciativas para sermos reconhecidos, as nossas lutas
pela reapropriação de nossos territórios, ouvimos de represen-
tantes do Governo Federal as políticas que estão sendo imple-
mentadas em nosso favor. Vimos que temos algumas conquistas
em algumas comunidades, de acesso à água, de educação,
energia elétrica. Mas as dificuldades que enfrentamos são mui-
tas. Vivemos uma realidade de grande descaso dos poderes
públicos.
O que temos a dizer é que muito do que se fala só está no
papel ou nem no papel está. Nós demos agora mais um voto
aos nossos governantes e nós estamos de olho, não estamos
mais escondidos, não estamos dispostos a ficar sendo tapea-
dos com promessas, com conversas que voam como cascas
de alho. Muitos dos políticos que foram eleitos estão atenden-
do apenas os interesses dos latifundiários e das grandes em-
presas. Isso fica muito claro quando um grupo de deputados
da Assembléia Legislativa (como Gil Pereira, Ana Maria Re-
sende, Arlen Santiago, Carlos Pimenta e outros ), com a coni-
vência do Governador Aécio Neves e do ITER propôs um Pro-
jeto de Emenda Constitucional – PEC das Terras Devolutas –
que pode transferir terras publicas para fazendeiros e empre-
sários em vez serem utilizadas para regularizar o nosso territó-
rio.
Isso fica muito claro quando o Judiciário toma decisões
para nos despejar de nossas áreas ancestrais tratando nossa
luta apenas como conflito fundiário, sem considerar os artigos
215, 216 e o artigo 68 dos Atos das Disposições Constituciona-
is Transitórias da Constituição Federal nem o Decreto 4.887 de
2003 que nos garante a propriedade definitiva de nosso territó-
rio e obriga o estado a emitir o título. Isso fica claro quando um
órgão público como o IEF elabora um laudo em favor do fazen-
deiro Albino José Fonseca dizendo que a propriedade que ele
diz que é dele é um exemplo de preservação ambiental quan-
do na verdade, além de grilar terras públicas, promoveu uma
grande destruição nesta área que é nossa. E não é só este que
está provocando estas destruições. São muitos os fazendeiros
intrusos nos nossos territórios que estão aproveitando a omis-
são do governo, do IEF, da Policia Florestal, e vendendo ilegal-
mente as madeiras de lei como as aroeiras, abrindo carvoei-
ras, tudo para deixar nossa terra arrasada.
Por tudo isso, a nossa grande luta agora é a retomada de
nossos territórios que dependem da titulação definitiva a ser
dada pelo INCRA, conforme prevê a constituição da república.
O INCRA é o nosso grande entrave hoje. Apesar do decreto
4.887 de 2003, da instrução normativa 20 que orienta e prevê
os procedimentos para titulação dos territórios quilombolas, o
INCRA continua lerdo para cumprir a sua missão.
Diante deste quadro exigimos:
O nosso reconhecimento como categoria jurídica de comu-
nidades remanescentes de quilombo;
Agilização imediata pelo INCRA de todos os processos de
titulação demandados pelas comunidades quilombolas;
Fiscalização imediata dos desmatamentos, carvoarias que
estão funcionando ou sendo implantadas pelos fazendeiros e
empresas agropecuárias nas áreas inseridas nos territórios
quilombolas;
Extinção definitiva da PEC das Terras Devolutas e elabora-
ção de um instrumento jurídico no âmbito estadual que viabili-
ze a titulação de nossos territórios.
Brejo dos Crioulos, aos vinte de janeiro de 2007
46 março/2008v. 1 nº 1 47março/2008v. 1 nº 1
Finalmente, comunidades vazanteiras que vivem
ao longo do rio São Francisco que já haviam realiza-
do um primeiro encontro na Ilha da Ingazeira, MG,
em maio de 2006, outro na Comunidade Esperança
no município de Serra do Ramalho, Bahia, em 2007,
realizaram, na Ilha da Ressaca em setembro de
2008, um encontro articulando moradores de 32 co-
munidades vazanteiras. Neste seminário estava en-
volvida uma rede social de solidariedade à luta dos
Vazanteiros. Ao final foi apresentada uma carta aber-
ta à população nacional, em que foram apresenta-
das suas proposições. Veja no BOX a seguir:
Nós vazanteiros do mé-
dio São Francisco entre Ja-
nuária e Carinhanha vivendo nas ilhas, vazantes e mar-
gens do rio da integração nacional, vimos a público afir-
mar a nossa etnicidade vazanteira que contribui para a
formação da nacionalidade brasileira em sua diversida-
de. Temos uma história cuja raiz remonta aos povos indí-
genas que aqui viveram antes da chegada dos brancos.
Com a vinda dos negros que se aquilombaram no interior
do país e outras populações desclassificadas no período
colonial-imperial, nossos antepassados instituíram um
modo de vida alicerçado na convivência com os ecossis-
temas sanfranciscanos - cerrado, caatinga, mata seca e
floresta tropical úmida - no estabelecimento de relações
de reciprocidade e solidariedade com os seres humanos,
os seres dos rios e matas.
Em nosso modo de vida construímos um sistema de
produção que articula agricultura de vazante, sequeiro e
lameiro, caça, pesca, extrativismo e a criação de animais
de pequeno e grande porte. Nesse sistema manejamos
um conjunto de ambientes na terra firme, nas ilhas e no rio.
Na terra firme, o extrativismo vegetal e animal, criação de
animais na solta e agricultura de sequeiro e vazante e a
pesca artesanal nas lagoas criadeiras. Nas ilhas, pratica-
mos agricultura de vazante nos lameiros, criação de pe-
quenos animais e pesca nos baixios. E no rio, historica-
mente, realizamos a pesca. Temos como ética que norteia
nossas relações a abertura para o chegante, ou seja, aque-
las famílias que historicamente transitam pelos ambientes
vazanteiros ao longo do rio São Francisco.
A nossa territorialidade inscreveu no espaço médio
sanfranciscano múltiplas significações, diversos aconteci-
mentos históricos que alimentam o nosso sentido de per-
tencimento a um lugar específico, onde se localizam nos-
sas comunidades. O território de cada comunidade tradici-
onal vazanteira se constitui no complexo: lagoas criadeiras
- terra firme – rio pequeno – ilha – rio grande – terra firme.
Reunidos na Ilha da Ressaca, município de Matias
Cardoso/MG, para discutirmos nossa realidade, afirma-
mos a nossa especificidade étnica, ética e territorial.
Sabedores de nossos direitos, conferidos pela Con-
venção 169 da OIT, pelos artigos 215 e 216 da Constitui-
ção Federal de 1988 e artigo 68 do ADCT, pelo Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, pelo Decreto Fede-
ral 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que regulamenta a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Po-
vos e Comunidades Tradicionais, exigimos:
- o reconhecimento da anterioridade de direitos de
domínio das comunidades quilombolas sobre os seus
territórios;
- prioridade da concessão de uso das terras União nas
margens do rio São Francisco às comunidades tradiciona-
is vazanteiras;
- revitalização do rio com pleno acesso aos seus recur-
sos para os pescadores artesanais que vivem em comuni-
dades tradicionais vazanteiras;
- preservação do cerrado e caatinga por meio do seu
reconhecimento como biomas nacionais (PEC 131/2003);
Ilha da Ressaca, Matias Cardoso/MG, 23 de setembro de 2008.
CARTA DA ILHA DA RESSACA
O que marca toda esta movimentação é a entrada
em cena de populações vivendo em comunidades
que reivindicam não apenas a terra, mas o direito de
serem reconhecidas como detentoras de uma cultu-
ra própria, uma maneira diferenciada de ver e agir no
mundo. Que possuem uma economia que considera
outros valores que não o lucro ou a exploração do
trabalho, um jeito diferente de usar e de manejar os
ambientes cujo lastro é o conhecimento construído
na ancestralidade: eu saí por ai, por muitos lugares,
mas voltei, tenho lá meu cantinho, minha vontade é
de viver do jeito que vivia antes. As pessoas querem
ter o direito de ser como são, de ser respeitado como
o vazanteiro é .
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tivas econômicas e societárias diferenciadas e que,
não por acaso, articulam-se e inserem-se na constru-
ção de uma política nacional que re-afirma o dispos-
to constitucional da existência de uma nacionalidade
plural. Estas populações buscam o reconhecimento
social de suas diversidades, para fazer cumprir os
direitos, conferidos pela Convenção 169 da OIT, pe-
los artigos 215 e 216 da Constituição Federal de
1988 e artigo 68 do ADCT, pelo Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, pelo Decreto Federal
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Montes Claros: Centro de Agricultura Alternativa; Goiânia: Agên-
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UFRRJ, CPDA, 2002. TESE DE DOUTORAMENTO.
SILVA, CARLOS E. MAZZETTO.. CERRADOS E CAMPONESES
NO NORTE DE MINAS: UM ESTUDO SOBRE A
SUSTENTABILIDADE DOS ECOSSISTEMAS E DAS
POPULAÇÕES SERTANEJAS. DISSERTAÇÃO DE MESTRADO.
IGC/UFMG, BELO HORIZONTE/BRASIL. 250P., 1999, MIMEO.
STR R.P.M.; CAA NM “Projeto Reconversão Agroextrativista da
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(mimeo)
48 março/2008v. 1 nº 1 49março/2008v. 1 nº 1
E N T R E V I S T A
REVISTA AMA - Conte um pouco da sua história, e
como a agricultura sertaneja e as tradições influenci-
aram na sua formação?
ELMY PEREIRA SOARES - Eu venho de uma família
grande, de 12 irmãos. Sempre vivemos da agricultura e
do extrativismo, plantava mandioca e café e fazia o extrati-
vismo da madeira. Fazia farinha e ia para a feira no final de
semana. Fui criado dentro dessa cultura de produção.
Minha família, desde pai e mãe e os irmãos mais velhos,
tinha uma vida de comunidade, participando dos cultos,
cursos de base, novenas.
Comecei a participar de grupos de jovens onde a gen-
te discutia a vida do jovem, os desafios, os sistemas de
produção, porque os jovens tavam indo embora da roça.
Eu tinha 12 anos quando vi nosso sistema de produção
cair em decadência com a chegada do eucalipto. Num
desses encontros tivemos a presença de Frei Paulo da
CPT de Salinas que discutiu com a gente as alternativas.
Ai veio a oportunidade do curso de jovens do CAA, onde
a gente discutia alternativas e fazia com as comunidades
“A gente tem quevoltar a preocuparcom a produçãode alimento”
Elmy Pereira Soares. Geraizeiro da comunidade de Vereda
Funda, é uma das lideranças da luta das comunidades geraize-
iras no Alto Rio Pardo. Ocupa hoje o cargo de diretor presiden-
te do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Rio Pardo de Minas.
Elmy tem uma fala tranqüila, pausada, profunda. Conver-
samos pouco mais de uma hora. A cada pergunta uma pausa
pra refletir, jeito típico do geraizeiro. Conversamos com ele
sobre sua percepção quanto à agricultura sertaneja. Também
falamos sobre o projeto de desenvolvimento regional que ele
acredita e os desafios para a agricultura sertaneja no contexto
atual. Um bate-papo muito rico, que demonstra a sabedoria do
povo sertanejo.
de perto práticas de conservação de solo, produção de
composto orgânico. Comecei a participar do STR (sindi-
cato dos trabalhadores rurais). Já participava dos cursos
do CAA, tornei sócio. A gente sempre discutia a produção
da agricultura familiar e porque as coisas tinham ficado
tão difícil. Na Vereda Funda sempre a gente tinha uma
vida muito forte de comunidade, o modo de vida das pes-
soas, que fez com que as pessoas ficassem ali.
Final de 1998 o pessoal começou a refletir mais o que
tinha acabado com a água. A gente começou a sentir a
perda do território e que eram aquelas áreas de eucalipto
que tavam causando tudo aquilo na comunidade. A gen-
te começou a defender isso no sindicato. Em 2003 come-
çou a ter uma ação concreta com o vencimento do con-
trato das firmas. Tinha chegado a hora da colocar em prá-
tica tudo que a gente refletia, ter um gesto concreto. A
comunidade inteira foi pra luta defender seus direitos.
AMA - Existe um grupo que discute o modo de pro-
dução do norte de Minas e o define como agricultura
sertaneja. Para você, o que é agricultura sertaneja?
ELMY - Primeira coisa que ela é muito diversificada. A
família não conseguia sobreviver com a cultura só de uma
coisa. Produzia para o sustento da família, era a principal
coisa. A gente já sabia que no ano teria, por exemplo, 20
litros de óleo de pequi que ia ajudar. Era uma economia
muito bem feita, tinha um planejamento. O agricultor nun-
ca preocupava de plantar aquilo que ele não alimentava.
A preocupação de guardar a semente era muito forte.
Não tinha visão de comprar muita coisa de fora. Pensava
em guardar a semente, adubo, tinha até o jeito das terras.
Plantava cada cultura na terra que era certa para cada
um, dispensava o uso de veneno. A agricultura tinha sen-
tido de auto-sustentação, o agricultor conseguia viver de
forma independente.
AMA - Quando você fala da agricultura, sempre fala
no passado. Que mudanças você percebe no contexto
atual?
ALMY - Eu falo muito na realidade do que vivo, do
que vivi. Aqui foi uma região muito afetada pelo eucalip-
to, desmantelou muito o sistema de produção. Se a gen-
te for comparar duas décadas de produção de eucalip-
to, mais de 80% do território da Vereda Funda desman-
telou o sistema de produção que tinha. O que mudou
diretamente foi a ocupação do território. Por isso fica
lembrando como é que era, porque tinha muito espaço,
água, terra boa, úmida... Teve esse processo de deses-
truturação do ambiente. Ficou muito mais seco, secou
muita nascente, por isso que perdeu muito a qualidade
da agricultura e a cultura também.
AMA - Analisando a realidade, quais os desafios
você percebe para a agricultura sertaneja nesse con-
texto atual de disputa de modelo econômico?
ALMY - O principal que tem ligação é a educação. Edu-
cação eu falo não só da escola, mas da forma como os
filhos dos agricultores vão sendo educados. A educação
da escola e dos meios de comunicação vai influenciando
direto. É como se fosse um bombardeio no modo de vida
das famílias como atrasada, principalmente o que a televi-
são prega e as escolas continuam pregando. Esse é um
dos desafios – tentar valorizar. O outro é uma forma de
articular isso entre os agricultores pra poder enfrentar es-
se modelo de desenvolvimento meio que falso. O agricul-
tor não consegue sobreviver dentro desse modo, que pa-
rece muito bonito, essa ilusão de um produto para o mer-
cado. O outro acho que é uma forma da agricultura conse-
guir acompanhar o desenvolvimento que a humanidade
vai tomando. Não adianta sonhar com a volta do passado,
tem que tá inserido no mundo hoje. Não ficar mais isola-
do. Tem que buscar articular muito mais com outros agri-
cultores. A gente não veve mais isolado. Hoje em dia não
tem como ficar mais na sua roça sozinho. Outro desafio é
a gente preparar os produtos da agricultura pra enfrentar
o mercado. Os produto que vendia dentro de 1 saco de
estopa lá na feira, hoje ele não é mais aceito daquele jeito.
O outro é garantir o espaço em todos os níveis, de ter o
território do agricultor, da comunidade, porque a disputa
do agronegócio por terra é muito forte. A gente tem que
voltar a preocupar com a produção de alimento. É um de-
safio pras entidades que trabalham com as lideranças,
voltar a discutir isso com o agricultor, enfrentar isso, esse
bombardeio de produção só pro comércio. Pensar que a
agricultura familiar sempre sobreviveu produzindo alimen-
tos ali, porque tem dificuldade de preço pra vender, mas
não tem dificuldade de preço pra alimentar. Voltar a pro-
duzir pra alimentar.
AMA - Como é o projeto de desenvolvimento que
você acredita?
ELMY - A primeira base que eu acredito é que o ambi-
ente, a natureza tem que güentar, suportar a produzir.
Qualquer produção que gere muito dinheiro, mas que a
natureza não güentar, não tem como sustentar. É ques-
tão também de não depender. Desenvolvimento não
precisa ficar dependendo demais. Um empresário do
agronegócio, ele não tem preocupação com o lugar. A
preocupação é com aquilo que vai dá lucro. E pra agri-
cultura familiar não dá pra viver do mesmo jeito, porque
se ocê plantou uma cultura que o ambiente do lugar não
tá güentando produzir mais, se o mercado tá difícil de
comercializar, ele não tem como largar aqui e ir pra outro
lugar. Ele não aprendeu a fazer isso. Ele aprendeu a pro-
duzir ali alimento, que tá no dia-a-dia produzindo. O de-
senvolvimento tem que tá baseado no sentido de produ-
zir , mas que a natureza possa agüentar e que a pessoa
tenha um pouco mais de domínio, não pode ficar muito
dependente, se o dólar subiu, se vai cair, com a Bolsa
(de Valores)... Se o alimento tá muito caro, tá bom. E se
tiver muito barato pra vender, mas se ele tiver alimento
na casa isso não vai influenciar muito. Se cada lugar pre-
ocupar em desenvolver o lugar! Engraçado que a gente
preocupa de plantar uma coisa aqui pra gente poder
vender e buscar dinheiro lá em São Paulo, pro pessoal
de lá. Mas esquece que tem muito dinheiro que circula
aqui dentro que poderia fazer esse trabalho sem ter que
sair pra fora. O pessoal produzia aqui tudo antigamente,
não era? Antigamente conseguia produzir até roupa de
vestir. Pensando assim numa ligação com o mundo, tem
muita ligação mesmo. Mas a base, cada lugar tem con-
dições de se desenvolver, tem os recursos que dá pra
viver. O desenvolvimento pra mim deve partir disso ai
pra atender a necessidade das pessoas, não a vontade
das pessoas. A diferença tá aí porque a necessidade
das pessoas é pouca. Mas a vontade é muita e acaba
não conseguindo.
Por soberania Alimentar e Energética!
50 março/2008v. 1 nº 1 51março/2008v. 1 nº 1
Declaração Final do Encontro Mulheres em Luta por Soberania Alimentar e Energética
Nós, mulheres do campo e da cidade reunidas em
Belo Horizonte, de 28 a 31 de Agosto de 2008, expressa-
mos nossa visão sobre desafios e alternativas para a
construção de Soberania Alimentar e Energética.
Somos mulheres organizadas, protagonistas de lutas
de resistência em defesa de uma sociedade igualitária,
onde a organização da economia tenha como centrali-
dade a sustentabilidade da vida humana e não o merca-
do e o lucro.
O modelo atual de desenvolvimento se apropria do
racismo e do sexismo. Fundamenta-se em uma visão de
economia que considera o econômico apenas as ativi-
dades mercantis e desconsidera a reprodução e invisibi-
liza o trabalho das mulheres. Esse modelo se pauta por
uma concepção de desenvolvimento baseada na idéia
de crescimento econômico ilimitado, onde o mercado e
o lucro privado são priorizados em detrimento do interes-
se público e dos direitos humanos fundamentais, onde a
política econômica se orienta pela opção exportadora,
apoiada fortemente pelo Estado, no agronegócio empre-
sarial e no setor minero-metalúrgico-energético e em
uma demanda energética insustentável.
Para manter esse modelo, grandes projetos energéti-
cos e de infra-estrutura são construídos, distantes das
lógicas produtivas e culturais que organizam os territóri-
os, provocando a expulsão do campesinato e de popula-
ções tradicionais das suas terras, a contaminação dos
trabalhadores e trabalhadoras e o aprofundamento da
crise ambiental e das mudanças climáticas. Ao mesmo
tempo, são desconsiderados os caminhos alternativos e
modos de desenvolvimento voltados para a igualdade
social e a justiça ambiental que nossos movimentos têm
proposto a partir de suas práticas concretas nos territóri-
os que se pautam pela construção de Soberania Alimen-
tar e Energética.
Em contraposição a este modelo afirmamos nossa
luta feminista e socialista por uma nova economia e soci-
edade baseada na justiça social e ambiental, na igualda-
de, na solidariedade entre os povos, assentada em valo-
res éticos coerentes com a sustentabilidade de todas as formas de
vida e a soberania de todos os povos e comunidades tradicionais
sobre seus territórios.
Geraizeiros durante mística na 3ª Conferência
Diante disso:
Denunciamos:
O atual modelo de produção de energia que visa manter um
padrão de produção e de consumo ambientalmente insustentável e
socialmente injusto, baseado no monopólio das fontes de energia
pelas grandes empresas.
As falsas soluções de mercado que estão sendo propostas
para reverter o quadro de mudanças climáticas como a produção
de agrocombustíveis em grande escala, assim como as expansão
de impactantes projetos hidroelétricos e a retomada do programa
nuclear brasileiro, energia perigosa, cara e sem soluções para os
seus rejeitos.
O atual modelo de produção de agrocombustíveis, baseado em
monoculturas; modelo defendido pelo governo brasileiro e contro-
lado pelo agronegócio, que vem homogeneizando os territórios,
pressionando a expansão das fronteiras agrícolas, gerando impac-
tos sociais e ambientais e que tem sido um dos grandes responsá-
veis pelo aumento dos preços dos alimentos.
A especulação internacional dos produtos alimentícios que
também se constitui em uma das causas do aumento dos preços
dos alimentos, ao lado do aumento do preço do petróleo e do des-
vio de alimentos para produção de etanol e biodiesel.
O trabalho escravo que sustenta esse modelo e as péssimas
condições de trabalho e de exploração do assalariado e assalariada
rural, além do abuso sexual e o assedio moral a que são vitimas
trabalhadoras do campo e da cidade.
Que o controle da cadeia produtiva alimentar pelas grandes
transnacionais ameaça a soberania alimentar e a saúde da popula-
ção. Em especial os produtos transgênicos e os altos níveis de agro-
tóxicos utilizados nos alimentos com a cumplicidade das autorida-
des públicas que não zelam para que as legislações sobre rotula-
gem de transgênicos e agrotóxicos sejam respeitada pelas indústri-
as.
O desaparecimento de sementes crioulas, a perda de biodiver-
sidade e a ameaça a segurança alimentar em virtude da liberação
comercial de cultivos transgênicos e da expansão das monocultu-
ras de exportação, apoiadas por empresas e universidades publi-
cas, enquanto falta pesquisa para avaliar riscos no meio ambiente e
à saúde do consumo de transgênico.
A privatização dos recursos naturais e a apropriação de nossas
terras, a exploração da nossa floresta, das águas e de nossos rios,
mares e manguezais pelo capital com apoio dos recursos públicos.
A privatização do setor elétrico que contribuiu para que as tari-
fas de energia sejam diferenciadas entre os consumidores residen-
ciais e indústria e as políticas energéticas beneficiem as grandes
indústrias para obterem cada vez mais, mais lucros.
As cidades brasileiras sofrem impactos diretos desse modelo
de desenvolvimento alimentar e energético, com as altas taxas no
preço da energia, com o aumento dos preços dos alimentos, com
a precarização do trabalho e do transporte coletivo urbano e com a
especulação imobiliária.
Reafirmamos:
A necessidade de construir um novo modelo energético para o
Brasil que priorize a produção e a distribuição descentralizada de
energia visando atender as necessidades locais e territoriais e que
contemple a participação da população no seu planejamento, deci-
são e execução. E que contribua para a autonomia das mulheres,
possibilitando a elas protagonizarem experiências de Soberania
Energética em seus territórios.
A necessidade de desenvolvermos formas de consumo e co-
mercialização de produtos de forma solidária e sustentável com o
fortalecimento dos mercados locais e feiras livres, assim como o
reconhecimento do trabalho produtivo das mulheres e seu fortale-
cimento.
Que é tarefa do Estado a viabilização de políticas públicas que
garantam a nossa Soberania Alimentar e Energética.
A importância da pesquisa, desenvolvimento e implantação de
fontes energéticas alternativas e o reconhecimento e investimento
do Governo nas experiências descentrizadas de produção alternati-
va de energia, na socialização do trabalho doméstico e no fortaleci-
mento da agricultura camponesa.
A agroecologia como projeto político para alcançar a soberania
alimentar, assim como a luta pela Reforma Urbana, a agricultura
urbana e a defesa de uma nova ocupação do espaço urbano para
moradia e produção como orientadoras de políticas publicas.
A luta pelo direito à terra através da Reforma Agrária, onde este-
ja garantido o direito da mulher a terra, o acesso aos recursos natu-
rais e ̀ as decisões sobre seus usos.
Os direitos territoriais de povos indígenas e populações quilom-
bolas.
O direito ao trabalho em condições dignas e bem remunerado.
O direito a previdência social, a diminuição da jornada de trabalho, a
socialização do trabalho reprodutivo.
Uma integração regional que esteja pautada na solidariedade,
na complementariedade entre nossas economias, na sustentabili-
dade das praticas socioculturais e produtivas.
Nos comprometemos:
A lutar por justiça ambiental, pela reforma agrária, e em defesa
da sustentabilidade da vida como valor central para a economia.
A desenvolver formas organizativas de luta das mulheres con-
tra esse modelo de desenvolvimento que afeta o campo e a cidade
e a denunciar permanentemente as diferentes formas de opressão
e mercantilização que vivem as mulheres.
A construir e a fortalecer alianças entre movimentos sociais do
campo e da cidade e a defender a necessidade de articularmos
nossas experiências reivindicando políticas públicas que visibilizem
as nossas experiências alternativas e nossas propostas para cons-
trução de uma transição rumo a um modelo de desenvolvimento
que tenha como centro a sustentabilidade e a dignidade da vida
humana.
A desenvolver formas de uso sustentável dos recursos naturais
e das energias renováveis sustentáveis (eólica, solar e biomassa)
bem como o aproveitando a água da chuva através da utilização de
cisternas, o uso de placas solares e de experiências autônomas
que contribuam para a construção de um novo modelo energético;
A lutar pela reestatização do setor elétrico e a defender o uso
sustentável das águas e dos recursos energéticos.
A lutar pela autonomia econômica das mulheres e pelo direito
ao trabalho digno e a fortalecer a luta dos trabalhadoras e trabalha-
dores assalariadas.
A lutar pela recuperação, preservação e multiplicação das plan-
tas medicinais e sementes crioulas, em defesa da biodiversidade,
da água e pelo direito de decidir sobre nossa vida, nossos alimen-
tos, nosso corpo.
A lutar pelo direitos territoriais dos quilombolas e indígenas,
porque suas lutas também são nossas. Por isso apoiamos a de-
marcação continua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Rora-
ima e reafirmamos os direitos dos povos indígenas aos seus terri-
tórios.
A realizar as mobilizações dos dias 16 e 17 de outubro por Sobe-
rania Alimentar, a participar da campanha contra o preço de energia
e a fortalecer nossa marcha no 8 de março como processos de
reafirmação de nossa luta por soberania alimentar e energética,
diante da necessidade de construir um novo modelo energético e
alimentar para o Brasil.
Mulheres em Luta por Soberania
Alimentar e Energética!