Agilidade e Prestígio no Sertão de Pernambuco: as relações … · 2015. 6. 29. · 1 Agilidade...
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Agilidade e Prestígio no Sertão de Pernambuco: as relações ecológicas entre
vaqueiros, cavalos, bois e caatinga nas competições de pega de boi no mato
Renan Martins Pereira1
Resumo
A pega de boi no mato2 é uma prática recorrente na caatinga pernambucana e se
caracteriza, de um modo geral, pela atuação do vaqueiro na derrubada do gado. É a
respeito dela que apresento neste trabalho algumas ponderações concernentes ao meu
projeto de pesquisa, particularmente no que se refere às relações interespecíficas
articuladas por essas atividades no município de Floresta (PE), com o intuito de
desenvolver e sistematizar algumas das minhas inquirições e remanejamentos teóricos no
âmbito das atuais discussões empreendidas pela antropologia das relações humano-
animal. Levando em conta os dados até agora obtidos, assim como a minha hipótese de
pesquisa, segundo a qual o conjunto das relações humano-animal e o que significa ser
homem dentro das competições são processos importantes para a constituição da figura
do vaqueiro (visto que compõem parte significativa de suas práticas, saberes e,
consequentemente, suas trajetórias sociais), sugiro, a partir daí, que as relações
interespecíficas sejam analisadas por meio de uma equação ecológica fundamentada pelas
relações entre os termos vaqueiro-cavalo-boi-caatinga: uma vez que o par vaqueiro-
cavalo compartilha, dentro de um ambiente específico, certas técnicas e domínios em
direção a um terceiro agente, o boi. Para tanto, busco compreender como os vaqueiros
articulam dois dos seus principais atributos: a agilidade, que está ligada diretamente ao
desempenho dos seus atos físicos, técnicos e viris, e o prestígio, resultante do
reconhecimento social de suas atuações e qualidades. Nesse sentido, o texto a seguir é
fruto de um recente desenvolvimento analítico que, embora evidencie a coexistência de
relações efetuadas entre os vaqueiros e seus pares sob as quais estão preconizadas uma
certa concepção de masculinidade e de agilidade, as quais tornam-se, com frequência,
alvo de julgamentos técnicos e morais; o texto apresenta também, como parte importante
do quadro de problemas específicos que o envolve, algumas indagações relativas às
associações e dominações interespecíficas entre humanos e animais, os quais são,
aparentemente, alvos de um conjunto particular de julgamento e avaliação, de valoração
e diferenciação, executados tanto no exercício das funções cotidianas, como no contexto
particular das próprias competições.
Palavras-chave: sertão de Pernambuco; pastoreio; vaqueiros; animais; masculinidade.
1 Mestrando, PPGAS/UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Este trabalho é referente à minha
pesquisa de mestrado iniciada em março de 2015, com financiamento do CNPQ (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científica e Tecnológico). Até o presente momento, não foi realizada pesquisa de campo,
portanto, as questões que apresento neste trabalho são, em sua maior parte, reflexões resultantes a partir de
dados obtidos desde fevereiro, por meio de redes sociais, e-mails e ligações telefônicas, com alguns
moradores de Floresta, entre eles vaqueiros, organizadores, fotógrafos, músicos e admiradores, os quais,
por sua vez, atualizam-me constantemente das informações diversas referentes ao objeto de estudo. 2 As palavras em itálico correspondem aos termos nativos.
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Considerações iniciais e problema central
“... meu coração minguou, no pensar que acontecesse d’o gado estourar p’ra
minha banda, podendo até derrubar meu cavalo e matar nós dois. Feliz foi que o
guia, mais o prático e os cabeceiras, acertaram em virar a boiada, p’ra o outro
rumo, e mudar a marcha dela, com ligeireza, p’ra despontar o fogo. Corremos,
corremos. Até os bois ajudavam, num modo de estarem entendendo” (Guimarães
Rosa, Entremeio Com o Vaqueiro Mariano).
O município de Floresta está localizado na microrregião de Itaparica, a uma distância de
439 km de sua capital, Recife. Essa microrregião é parte de um conjunto territorial
denominado mesorregião do São Francisco, que ocupa uma área de quase 25 % de todo
o estado de Pernambuco, tendo como vegetação nativa a caatinga hiperxerófila - sendo
ela um espaço que, segundo os meus interlocutores, também é designado pelo termo mato;
termo referente, por sua vez, àquilo se opõe à rua, ao meio urbano, incluindo não só a
caatinga, mas os sítios, as fazendas, enfim, a zona rural. É justamente na zona rural, em
particular nas fazendas, que entre os meses de abril e outubro acontecem nesse município
as pegas de boi, sendo a primeira delas a pega de boi no mato da Fazenda Recanto do
Navio (que será descrita, posteriormente), a qual é seguida tanto por eventos de portes
semelhantes aos teus, quanto por eventos de menor escala reconhecidos como pequenas
vaquejadas.
Importante destacar, em primeiro lugar, que os termos vaquejada e pega de boi
no mato são muitas vezes empregados para designarem as mesmas atividades. No entanto,
um dos meus interlocutores de pesquisa, Alexandre3 (fotógrafo e admirador das
competições), indica que são práticas muito distintas e características de regiões
específicas do estado, já que, segundo ele, “no sertão do Pajeú e Itaparica o que domina
é a pega de boi, enquanto no resto de Pernambuco é a vaquejada”.
Alexandre afirma que, atualmente, a vaquejada é definida como um esporte no
qual a derrubada do gado e os objetivos gerais da competição são necessariamente
realizados por uma dupla de vaqueiros (o puxador, aquele que o derruba, e o bate-esteira,
o que entrega a cauda do animal ao primeiro). Nestas condições, cada dupla é analisada
e pontuada de acordo com os critérios válidos para a derrubada do gado na faixa
apropriada para a queda, com dez metros de largura, desenhada com cal no chão da pista.
A competição acontece em ambientes especializados, caracterizadas pela padronização e
3 Todos os nomes pessoais mencionados são fictícios.
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divisão do espaço, tendo como o espaço do público, a arquibancada, e o dos competidores,
a arena. Além disso, na vaquejada só participam vaqueiros reconhecidos como
desportistas ou profissionais, e o mercado econômico que mobiliza tem bastante destaque
no Nordeste, sendo, portanto, uma das práticas esportivas atuais de maior visibilidade e
investimentos financeiros da região.
Por outro lado, nas práticas compreendidas como pega de boi no mato, o espaço
físico para a competição não é delimitado (contanto que seja na caatinga), e os
investimentos financeiros, muitas vezes, são o necessário para que as disputas e as festas
simplesmente aconteçam (muitas delas ocorrem sem fins lucrativos; o que não quer dizer
que elas não sejam mobilizadoras de um mercado econômico e de um contingente
significativo de pessoas expressivos em suas localidades, como veremos a seguir). No
entanto, ao contrário da vaquejada, os seus competidores não se restringem ao formato
de duplas, pois eles podem agir individualmente ou coletivamente na captura do gado, e
nem às categorias de profissionalismo, idade ou região, já que vaqueiros profissionais
podem competir com os não profissionais, os mais velhos competem com os das gerações
mais novas, e os de outros estados e cidades com os locais.
Em segundo lugar, é preciso apontar que, do ponto de vista de algumas teses
clássicas - como as do pensamento social e as do folclore brasileiros (Barroso, 1956
[1912]; Menezes, 1970 [1937]; Cascudo 2005 [1939], 1976), bem como as da perspectiva
da literatura a respeito do universo agropastoril sertanejo como, por exemplo Guimarães
Rosa e Luiz Cristóvão dos Santos - as práticas marcadas pelo manejo do gado apresentam
o ato de “pegar o boi” na caatinga como um elemento definidor e recorrente de muitas
das atividades exercidas pelos vaqueiros. Pode-se observar, por exemplo, no conto “O
cavalo ‘estrela de prata’” de Cristóvão dos Santos, o modo como o autor constrói sua
narrativa acerca do ambiente festivo proporcionado pelas competições: “aberta a porteira,
um a um, os barbatões avançavam para o corredor. O vaqueiro já estava ao lado,
aguardando esse momento. Então, colado à cela, disparava atrás do garrote e ao chegar
junto a rês, enrolava a mão à maçaroca do animal e a um puxavão violento, derrubava o
bruto, sob o vozerio ensurdecedor da multidão” (1958, p. 87). Nessa direção, o folclorista
brasileiro Câmara Cascudo (2005 [1939]) indica que os atos de tanger e capturar o gado
estiveram, desde o início, diretamente relacionados às particularidades do trabalho e da
profissão do vaqueiro, no contexto do sistema econômico vigente da pecuária extensiva.
Posteriormente, segundo o autor, tal prática consolidou-se para além de suas tarefas
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laboriosas, configurando-se também como uma atividade de lazer e competição
denominada, por sua vez, “vaquejada” ou “festa de apartação”, no contexto onde os bois
eram criados na solta e, portanto, recapturados para, em seguida, serem realocados em
suas respectivas propriedades, com fins de contabilizar e agrupar as reses destinadas ao
mercado. Ademais, para colocarmos em diálogo um enunciado mais atual acerca dessas
práticas, é interessante notar, por exemplo, como a Associação Brasileira de Vaquejada
(ABVAQ) descreve atualmente, no seu site, a história e a origem da vaquejada:
Na época de antigamente, quando não havia cercas no sertão nordestino, os
animais eram marcados e soltos na mata. Depois de alguns meses, os fazendeiros
reuniam os peões (vaqueiros) para juntar o gado marcado. Eram as pegas de
gado, que originalmente aconteciam no Rio Grande do Norte. Montados em seus
cavalos, vestidos com gibões de couro, estes bravos vaqueiros se embrenhavam
na mata cerrada em busca dos bois, fazendo malabarismos para escaparem dos
arranhões de espinhos e pontas de galhos secos. Alguns animais se reproduziam
no mato. Os filhotes eram selvagens por nunca terem mantido contato com seres
humanos, e eram esses animais os mais difíceis de serem capturados. Mesmo
assim, os bravos vaqueiros perseguiam, laçavam e traziam os bois aos pés do
fazendeiro. Nessa luta, alguns desses homens se destacavam por sua valentia e
habilidade, e foi daí que surgiu a ideia da realização de disputas (2015,
http://www.abvaq.com.br/telas/4).
Com isso, verifica-se que as interpretações clássicas a respeito do tema problematizam,
de um modo geral, o “vaqueiro nordestino” ora como um elemento resultante das políticas
coloniais (Barroso, 1956 [1912]; Menezes, 1970 [1937]; Cascudo 2005 [1939], 1976;
Mello, 2011 [1947]), ora como um alvo passivo das reestruturações econômicas
ocasionadas no sertão a partir da decadência da produção de açúcar no litoral no século
XVIII (Prado Junior, 2006 [1945]; Furtado, 2007 [1959]; Andrade, 1986 [1963]).
Após a colonização surge um tipo particular de reestruturação econômica
diretamente relacionada à modernização da pecuária brasileira, entre o fim do século XIX
e início do século XX, como bem aponta algumas teses (Cascudo 2005 [1939];
Boaventura, 1989 [1963]; Martins, 1981). Nesse caminho, Prado Júnior (2006 [1945]),
por exemplo, argumenta que os “vaqueiros nordestinos” se estabeleceram durante o
processo de colonização como trabalhadores provenientes de uma atividade nitidamente
secundária e acessória, a pecuária. Um modelo de produção, segundo ele, que estava
submetido às atividades das lavouras de cana-de-açúcar e aos núcleos povoados do litoral.
Contexto sobre o qual Barroso (1956 [1912]) demonstrou o modo como os “vaqueiros”
cumpriam uma função simplesmente econômica, utilitária e subserviente aos seus chefes
locais. O fato de que “o gado de uma fazenda vive de envolta com a das outras e vice-
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versa” exigia-lhes certas responsabilidades com as criações de seus fazendeiros, visto que
estes deixavam sob a sua jurisdição uma porção de gado, uma “entrega” (1956 [1912]:
44). Complementando tal análise, Cascudo (2005 [1939]) afirma que a dinamização de
tais funções, envolvidas, nesse caso, pela venda ou troca de animais, realizava-se
justamente através das “apartações” e das “vaquejadas”, que consistiam na prática de
“identificação do gado de cada patrão dos vaqueiros presentes” (2005 [1939]: 100).
Seguindo o mesmo argumento, Menezes (1970 [1937]) e Mello (2011 [1947]) apontam
para o “homem do ciclo do gado” como um indivíduo isolado, fruto dos esforços de
adaptação do homem a ambientes naturais e sociais determinados, subjugado às suas
necessidades econômicas e, acima de tudo, ao poder de seus fazendeiros [Mello, 2011
(1947): 51].
No entanto, estudos mais recentes como os de Marques (1995) e Medrado (2008,
2013) demonstram, ao seu modo, que os “vaqueiros nordestinos” se constituíram,
sobretudo, como sujeitos definidores de relações políticas, pois dialogavam e mediavam
certas relações com os outros trabalhadores locais, assim como representavam seus
fazendeiros quando estes lhes concediam certo poder, autonomia e, muitas vezes,
propriedades ou títulos. Medrado (2013), em particular, relata que com os avanços da
agropecuária, as relações de poder entre esses atores sociais modificaram-se entre o
século XIX e XX, ocasionando transformações diretas na condição de vida dos
“vaqueiros” (2013: 79-88).
É notório que os efeitos trazidos por essa modificação, as subsequentes condições
econômicas e o novo papel social compartilhado por esses trabalhadores, nessa virada de
século, não foram problematizados pelas interpretações clássicas apresentadas
anteriormente, pois, conforme sugere Palmeira (1989), parte importante da “literatura da
modernização” não se preocupou detidamente com as implicações sociais e os efeitos
políticos trazidos pela modernidade no âmbito agrário (1989: 105). Por outro lado,
estudos atuais refletem sobre a contemporaneidade dos camponeses, trabalhadores rurais
(Almeida, 1986; Comerford, 2001; Loera, 2006; Ayoub, 2011) e vaqueiros (Andriolli,
2011; Leal, 2013; Medrado, 2008, 2013; Teixeira, 2014) no tocante, por exemplo, às suas
novas formas de lidarem com a política, a tecnologia ou o território, mas poucas são as
pesquisas contemporâneas que se preocuparam, detidamente, com o objeto de estudo aqui
proposto (Costa, 2002; Barbosa, 2006; Aires, 2008; Menezes e Almeida, 2008; Félix e
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Alencar, 2011)4. Todavia, por meio delas pude verificar que as vaquejadas e as pegas de
boi no mato recolocam os vaqueiros, hoje em dia, como um dos elementos centrais do
universo sertanejo, bem como os definem, por exemplo, quanto sua virilidade e
masculinidade (Aires, 2008), sua profissionalização como um desportista (Costa, 2002;
Aires, 2008; Félix e Alencar, 2011) ou então sua constituição como uma representação
cultural (Barbosa, 2006; Menezes e Almeida, 2008).
Nesse sentido, levando em conta a minha hipótese de trabalho e os dados até agora
obtidos, o problema central da minha pesquisa tomou forma quando levantada a seguinte
questão: se analisadas as noções de agilidade e prestígio aparentemente vinculadas ao
discurso e à imagem do vaqueiro, tal como aprecem na contemporaneidade do município
de Floresta, de que modo os gestos técnicos e a condição de ser homem são articuladas
nas competições de pegas de boi no mato? Para conduzir esta problemática elucidarei a
seguir os principais elementos mobilizados nessas práticas, algumas das relações que os
vaqueiros estabelecem com os seus pares, os animais e o território, e, por fim, quais são
as minhas principais sugestões acerca da importância dessas relações para a construção
da masculinidade dos seus competidores.
Sendo assim, tomarei como referência uma das maiores e mais tradicionais pegas
de boi no mato de Floresta. Neste caso, a competição organizada pela Fazenda Recanto
do Navio.
Do ponto de vista local, essa fazenda, além da criação intensiva, em larga escala,
de caprinos e ovinos, tem a “maior e mais tradicional pega de boi do Nordeste”. A
comissão organizadora do evento está relacionada aos membros de uma família, Edson,
sua esposa e seu sobrinho; mas ela não se restringe a eles, pois como relata o primeiro (o
proprietário da fazenda), a organização geral da festa fica por conta de sua pessoa, sua
esposa e seu sobrinho, mas com a ajuda ainda de outros dez familiares.
A fazenda dispõe de investimentos financeiros próprios. O capital de giro
adquirido por meio das inscrições dos competidores, dos patrocínios e da venda de
ingressos é utilizado para o pagamento das instalações de palco, dos sanitários e de
trabalhadores autônomos, como publicitários, fotógrafos, seguranças, músicos e
aboiadores. Além disso, ela se responsabiliza pela alimentação dos competidores e de
seus acompanhantes. Segundo foi-me relatado, foram fornecidas gratuitamente no último
4 Sendo Costa (2002) e Aires (2008) as únicas abordagens antropológicas.
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evento refeições para quase 500 vaqueiros e mais 400 pessoas acompanhantes (café,
almoço e janta), onde foram consumidos, só em carne, mais de 1.400 kg.
Ademais, Edson destaca a sua autonomia econômica e política para a realização
das disputas, pois “apesar de ser uma atividade cultural realizada há dezesseis anos, todo
o evento é bancado por nossa fazenda e não temos ajuda nem de outros fazendeiros nem
de políticos”. Segundo ele, é preciso criar uma logística própria à realização das pegas de
boi no mato. Um método de organização que as façam dinamizar um conjunto de atores
e setores sociais distintos, visto que “a fazenda gerou, por exemplo, na sua última edição,
cerca de 100 empregos diretos (bilheterias, atendimento de bar, segurança, limpeza,
cozinha, churrasqueiros, eletricistas, porteiros etc.), além de cerca de 12 pessoas
envolvidas com armação de palco e som, mais os componentes e ajudantes das 05 bandas
que se apresentaram, num total de 80 componentes”.
Para se ter ideia do impacto do evento, em sua 16º edição - em abril de 2014 –
havia quatrocentos e oitenta vaqueiros inscritos, além de um público total de quase duas
mil pessoas. Cada um desses competidores pagou uma taxa de inscrição no valor de
cinquenta reais. Os ingressos foram vendidos aos preços de cinco reais para mulheres,
vinte e cinco para homens. Esses ingressos referem-se, exclusivamente, à festa que ocorre
após a competição, dado que as disputas são abertas e livres ao público.
Segundo este interlocutor, o evento tem início na parte da manhã. Esse é o
momento da chegada dos vaqueiros, de grande parte do público e da acomodação dos
cavalos. Após o horário do almoço, a boiada é solta no mato e cerca de uma hora depois
os vaqueiros já são liberados em conjunto para darem início à disputa. Nesse contexto,
tem-se até o fim da tarde para que todos os bois sejam resgatados. Para tanto, algumas
regras são estabelecidas.
Em primeiro lugar, os bois podem ser interceptados de forma coletiva ou
individual, mas só podem ser derrubados por um único vaqueiro. Em segundo, os
vaqueiros o fazem puxando-o pela cauda. Conhecida pelo termo puxar o boi, essa técnica,
como indica Edson, é um ato que privilegia a ação dos vaqueiros, pois dessa forma o
animal se desequilibra, perde o contato visual com o competidor e torna-se vulnerável
quando tangido ou direcionado até o curral. Assim, quando os vaqueiros o fazem e, em
seguida, seguram-no pelo pescoço, eles terão, conforme os critérios de cada disputa, duas
opções: 1) Colocar na face do gado uma viseira de couro (ou careta) para que o animal
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“fique mais calmo e, com isso, facilite a sua condução até o curral”; ou 2) Retirar do
pescoço do boi o zabelê, chocalho preso por um cinto de couro no qual constam o nome
do animal e o seu valor em prêmio. Tanto o chocalho quanto o cinto devem ser entregues
à organização, para neles serem registrados os nomes dos competidores que o capturaram.
A terceira regra estabelecida permite que um boi seja capturado uma única vez, bem como
os vaqueiros capturem um só animal. Com isso, o prêmio que o corresponde deve ser
dividido igualitariamente entre eles.
No caso específico desse evento, a premiação foi dividida por um conjunto de
vinte bois, sendo cada um deles, portanto, equivalente a um prêmio de quinhentos reais,
obtendo-se, assim, uma premiação total no valor de dez mil. No entanto, existem eventos
em que os prêmios variam segundo a qualidade dos bois: quando um boi brabo ou um
boi de fama está em jogo, devido sua destreza e habilidade, agregam-se a eles valores
morais, simbólicos e econômicos consideravelmente maiores do que os de outros animais.
Por conseguinte, após apresentar os principais aspectos da pega de boi no mato,
desde as suas considerações festivas, econômicas, competitivas e as regras básicas que
lhe concerne, demonstrarei, em seguida, os debates relevantes deste trabalho, por meio
dos quais serão problematizadas as noções de agilidade e prestígio. Num primeiro
momento, abordarei, em particular, como os meus dados sugerem que as relações dos
vaqueiros com os cavalos e os bois ligam-se diretamente à noção de agilidade,
recorrendo, dessa forma, às discussões acerca das relações humano-animal.
Posteriormente, o debate se inserirá no campo da construção do gênero - neste caso, a
masculinidade -, ao sugerir que ser homem nas competições é um processo mediado não
só por associações interespecíficas, mas pelo modo como cada competidor reflete sobre
a sua virilidade, a sua condição de vaqueiro e o prestígio resultante desse e de muitos
outros requisitos que lhe são conferidos.
As noções de agilidade e prestígio: abordagens teóricas e possibilidades analíticas
Do ponto de vista dos meus interlocutores, para essas atividades não se exigem treinos ou
preparações, pois o estilo de vida dos vaqueiros, a trajetória social e o cotidiano no qual
estão inseridos bastam para a aquisição de um conjunto de práticas e saberes que lhes será
útil nas próprias competições. Sendo assim, sugiro que a noção de agilidade seja refletida
a partir de uma equação ecológica fundamentada pelas relações entre os termos vaqueiro-
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cavalo-boi-caatinga, uma vez que o par vaqueiro-cavalo compartilha, dentro de um
ambiente específico, certas técnicas e domínios em direção a um terceiro agente, o boi.
Vaqueiro e cavalo, por sua vez, se conectam mutuamente no que concerne, por exemplo,
aos preparos e cuidados de seus corpos. Em razão disso, o uso das véstias e a quem se
destina - se ao humano ou ao animal - são exemplos importantes para a compreensão de
uma suposta lógica de aliança entre vaqueiros (se utilizando do gibão, do guarda-peito,
das perneiras, do chapéu, das luvas, esporas etc.) e cavalos (protegidos com peitorais e
perneiras), os quais, ao se adequarem conjuntamente às qualidades do espaço, orientam
suas ações na disputada busca pelo gado. Este, em contrapartida, atrai o par vaqueiro-
cavalo através, por exemplo, dos sons emitidos pelo seu chocalho ou pelos rastros visíveis
e não visíveis deixados por ele no ambiente, sejam eles rastros definidos pelo cheiro ou
então sinais inscritos no território. Logo, percebe-se que há uma dinâmica nessas disputas
em que o gado foge, mas também atrai o par vaqueiro-cavalo, ao passo que os próprios
vaqueiros gritam demasiadamente para o gado ao longo de sua trajetória, com a pretensão,
justamente, de tornar a corrida mais desafiadora. Assim, podemos indicar que os gritos
são, aparentemente, um catalisador das corridas, por meios dos quais o ciclo de
perseguição vaqueiro-cavalo em direção ao boi torna-se mais radical e disputada. No
entanto, dessa dinâmica marcada pela perseguição, pela fuga e, ao mesmo tempo, pela
atração, sugiro que o gado se constitui, na sua função e natureza particulares, como o alvo
referencial nas disputas em decorrência não de sua condição de submissão, mas em
decorrência, por vezes, de seus valores morais, materiais e simbólicos relativamente
significativos como, por exemplo, a fama, a braveza, a premiação, entre outros.
Nesse sentido, levando em conta os apontamentos mencionados acima, proponho
analisar a noção de agilidade acionada nesse movimento da perseguição-fuga-atração não
a partir de uma relação assimétrica das individualidades em jogo (humanos e animais),
ou seja, de um lado vaqueiro-cavalo como dominador, do outro o gado como o dominado
absoluto; mas a partir de uma reflexão sobre as intencionalidades e as percepções dos
sujeitos no ambiente que os cerca. Para tanto, lançarei mão, então, do conceito de
“engajamento técnico” proposto por Ingold (2000: 157-189), relativo à noção particular
de que o universo social, além de não ser restrito somente às relações humanas, não se
compõe a priori por uma rede de significados passível de interpretação simbólica e só
assim possível de ser entendido, vivenciado e reproduzido, pois a ele estão imanentes,
antes de tudo, os engajamentos práticos dos sujeitos com o meio, conforme os atributos e
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as intencionalidades dos seres numa relação ecológica em que modos de vida são
construídos de formas diferenciadas.
Sabemos que muitas abordagens refletem à sua maneira sobre as definições de
Humanidade e Animalidade, de Natureza e Cultura, e das relações sociais que as separam
ou as assemelham enquanto realidades empíricas e/ou objetivos epistemológicos
específicos, desde perspectivas clássicas como as de Lévi-Strauss (2008a [1958], 1976
[1962], 2008b [1962]), até teses contemporâneas como as de Ingold (2000), Descola
(1994), Willerslev (2007) e Kohn (2013), além dos trabalhos brasileiros que lidam com a
mesma temática a partir de suas próprias realidades etnográficas como, por exemplo, as
análises de Vander Velden (2012), Segata (2012) e Sá (2013). Abordagens que, enfim,
trazem, em primeiro lugar, reflexões acerca das fronteiras entre humano e animal, natural
e cultural. Discussões que proporcionam justamente um plano de análise crítico sobre
como as sociedades e os saberes ocidentais objetivaram a natureza e domesticarem-na,
promovendo de maneira singular noções universalistas de humanidade e de animalidade,
que seriam, do seu ponto de vista, ordens de realidade e de significados completamente
distintas ou, em última instância, assimetricamente análogas. Com isso, tendo em vista o
vetor direcionado por esses autores, seus argumentos interferem de modo imediato na
minha pesquisa, na medida em que me asseguram a possibilidade de construir uma
reflexão que tem como objetivo geral compreender a princípio como os vaqueiros
produzem, ao seu modo, controles sobre as relações que estabelecem de maneira
particular com os animais e o território. Contudo, como pensar, portanto, as relações dos
vaqueiros com os outros seres que os cercam para além da perspectiva da dominação e da
domesticação, isto é, como pensar as relações humano-animal pela perspectiva analítica
da criação e da intencionalidade, e não a da subjugação e reprodução?
Considerando que aos vaqueiros são garantidas qualidades - neste caso, a
agilidade e o prestígio - que proporcionam valorizações distintas de sua pessoa, importa
ressaltar o que ocorre aos animais quando são eles que se tornam, por sua vez, alvos de
valoração e de diferenciação, isto é, quando a eles são destinados, por exemplo,
predicados como fama e braveza. Tentando direcionar caminhos possíveis para essa
questão, digo que tais processos de valoração e de diferenciação das singularidades dos
sujeitos, tanto animais quanto humanos, podem ser refletidos a partir de propostas como
as de Haraway (2003, 2007) e Fijn (2011), a fim de conduzir um entendimento dos efeitos
da equação homem-cavalo-boi-caatinga quando seus termos são vistos como parte de um
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emaranhado (“entanglement”) de relações, que se estabelece circunstancialmente no seio
das disputas, dentre as quais posso destacar, por exemplo, o contato corporal e a
comunicação do cavaleiro com o seu cavalo. O que que nos leva a considerar, então, o
que as autoras chamam de “simbiose” ou de “co-evolução”, que significa, em síntese, que
o contato corporal e a comunicação entre duas espécies, que comumente distinguiríamos
pela valoração distintiva Humano/Animal, não são, pura e simplesmente, da ordem da
dominação e/ou da domesticação, na qual haveria, por sua vez, uma sobrecodificação da
agência humana sobre a agência dos animais, mas um agenciamento coletivo em que as
espécies seriam auto reflexivas e partilhariam suas naturezas nos momentos
circunstanciais de seus encontros. Portanto, um modelo de compreensão analítico através
da noção de partilha e não da noção de dominação.
Dessa forma, no caso das competições, podemos considerar, por exemplo, os
modos pelos quais os vaqueiros entendem os seus cavalos a partir dos movimentos
corporais expressos pelo seu animal, ou então a leitura que estes mesmos fazem dos
rastros deixados pelo gado, seja pela visão, pelo olfato ou, como dizem, pelo cheiro. O
cavalo quando movimenta suas orelhas, levantando-as em sinal de alerta, é porque o gado
está próximo. O gado, por outro lado, também aponta índices de sua maestria, pois a eles
são atribuídas qualidades que os diferenciam e os valorizam tendo em vista as técnicas e
as habilidades que os possibilitam tangenciar-se do par que o persegue. Casos que
sugerem, por sua vez, a produção de ações e percepções particulares tanto de homens
ágeis, prestigiados ou ilustres, quanto de animais famosos ou brabos.
Sendo assim, à luz dos debates apresentados, a minha proposta é, de um modo
geral, refletir sobre um tipo particular de sujeito humano, o vaqueiro, comprometido com
práticas aparentemente definidas por suas associações com tipos particulares de sujeitos
animais (visto que certos bois e cavalos são singularizados como bravos ou famosos),
todos engajados, enfim, num ambiente específico, a caatinga. Para isto, destaco a
necessidade, então, de analisar os investimentos direcionados tanto aos bois quanto aos
cavalos, bem como a complexidade de suas atribuições dentro das competições,
observando as técnicas envolvidas, de que forma elas são refletidas e reproduzidas e, com
efeito, como os vaqueiros produzem bois e cavalos de tipos específicos, aos mesmo tempo
em que esses animais produzem homens singulares.
Embora o entendimento das técnicas e habilidades dos vaqueiros e dos animais
sejam de extrema importância, sugiro que as atuações dos vaqueiros decorrem também
12
de um conjunto de esforços que visam não só a definição da noção de agilidade, mas
também a construção de outro atributo, o prestígio. Mas o que define, por sua vez, o
prestígio de um vaqueiro na pega de boi no mato? E quais são os efeitos da noção de
agilidade sobre a noção de prestígio?
Como me disse o vaqueiro Valter, o prestígio se expressa, em primeiro lugar, na
quantidade de troféus que os competidores têm em casa, onde competiu, quem o conhece
e que tipo de boi ele já capturou. Com isso, gestos técnicos (agilidade) e reputação social
(prestígio) sugerem relações de interdependência e complementariedade, pois no seio das
competições certas condutas são acionadas em prol da diferenciação e do julgamento das
qualidades individuais de cada vaqueiro. Uma demonstração clara desse processo de
julgamento e de diferenciação podem ser vistas, segundo Valter, no momento em que
vaqueiros de prestígio, principalmente os mais velhos, escondem-se na caatinga, com a
finalidade de observarem atenciosamente a puxada de boi dos vaqueiros mais jovens ou
dos vaqueiros de fora. A partir disso, sugiro que mecanismos de julgamento são acionados
para avaliar e interpretar, além do próprio prestígio, o modo como os demais aplicam
certas técnicas e domínios como, por exemplo, afundar a mão (quando se impulsiona a
mão para derrubar o boi) ou arrochar o nó (não abrir a mão quando for derrubá-lo).
Assim, tratando-se da construção do prestígio no sertão pernambucano, destaco a
importância de trabalhos que discorrem, por exemplo, como as vinganças de família nessa
região são construídas por meio das relações de aliança entre grupos que avaliam
justamente o “prestígio” de cada um de seus membros (Marques, 2002: 324). Noutro caso,
Villela (2010, 2012) argumenta que a “época da política”, nessa mesma localidade, é
intensificada pela relação entre eleitores e políticos, quando métodos específicos de
avaliação e julgamento colocam o “prestígio” dos sujeitos à prova (2012: 221). A partir
disso, se o prestígio dos competidores for entendido também como algo que se atribui a
outrem, bem como aquilo que se constrói individualmente (Villela, 2012), como os
vaqueiros em Floresta, ao tornarem-se respeitados, habilidosos ou ilustres, constroem sua
noção de prestígio e asseguram para si a sua reputação social?
Quanto à suposição de que prestígio é visto como um atributo pelo qual os
vaqueiros buscam socialmente a manutenção de seu reconhecimento, sugiro que a
agilidade e o prestígio são noções coexistentes que, portanto, acionam elementos
importantes para a constituição do vaqueiro enquanto competidor. Importantes, enfim,
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não só para a constituição do vaqueiro como sujeito humano, mas também para a
composição da singularidade de certos animais.
Tendo em vista tais colocações, o passo seguinte é apresentar - porém não muito
detalhadamente - uma outra correlação sugerida pelos meus interlocutores de pesquisa,
visto que de suas perspectivas, além do julgamento das técnicas e das habilidades serem
aparentemente recrutados como um processo fundamental para a construção do prestígio,
os vaqueiros lidam com o fato de que para ser vaqueiro é preciso, antes de tudo, ser
homem. Logo, interrogo de que maneira as competições conduzem à produção e ao
julgamento da masculinidade dos competidores, e como o julgamento poderia levar,
enfim, a uma suposta quebra do prestígio e/ou à avaliação da condição correlata de ser
homem e ser vaqueiro, simultaneamente. Pois é recorrente o fato de que as pegas de boi
no mato, além de serem praticadas e assistidas, em sua grande maioria, pelos homens,
representam, do ponto de vista deles, o espaço propício à expressão da virilidade. Por
outro lado, conforme afirmação de Soraia - vaqueira e competidora de Floresta -, tal
condição não impede que as mulheres compitam ou assistam tais atividades, desde que
acompanhadas por seus familiares ou amigos homens. Nesse sentido, por mais que as
competições se caracterizem por uma série de condutas e posturas firmadas sob práticas
viris extensivas à imagem do vaqueiro, elas não estão, por outro lado, restritas plenamente
ao universo social masculino.
O caso de Soraia levanta questões cruciais. Primeiro, se a construção da
masculinidade está atualmente (ou pode estar) relacionada à participação das mulheres
vaqueiras nas competições. Posteriormente, que enunciados são mobilizados nessas
práticas no tocante à produção das relações de gênero, a partir, particularmente, das
perspectivas do que é, por exemplo, ser homem diante de outros vaqueiros, do que é sê-
lo diante de uma vaqueira (ou vaqueiras) e, por fim, se os atributos de masculinidade e
virilidade são, por vezes, compartilhados por uma vaqueira na sua condição de
competidora, ou melhor, como são construídas as atuações de uma competidora no
contexto das pegas de boi no mato, visto que tais práticas estão aparentemente designadas,
em sua grande medida, ao público masculino.
Não cabe a mim neste momento debater a extensa literatura sobre gênero no
âmbito das ciências sociais, no entanto, sabe-se que as relações de gênero têm sido
mantidas como objeto de problematização teórica há tempos, desdobrando-se, por sua
vez, numa crítica à universalidade das diferenças sexuais e, ao mesmo tempo, em novas
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conceitualizações dessa categoria, inseridas nas obras de autoras importantes no cenário
do debate contemporâneo como, por exemplo, Strathern (1988) e Butler (1990). A
abordagem de Butler, neste caso, é fundamental, pois a autora expõe que o gênero é
fabricado na relação circunstancial entre agentes socais, ou seja, o gênero para ela é, antes
de tudo, um “ato” intencional e “performático” (1990: 134-139), o que me ajudará a
refletir, nesse sentido, a atuação dos vaqueiros sob uma perspectiva relacional que
sugeriria a construção da masculinidade, do ser homem, num contexto de disputa onde
existe a possibilidade de homens e mulheres competirem entre si.
Sendo assim, no que tange à questão do gênero, minha proposta é por enquanto
problematizar, por exemplo, de que modo a construção do ser homem se conecta a uma
certa concepção de masculinidade, como ela se articularia com as associações
interespecíficas que são reproduzidas com os cavalos, os bois e a caatinga, qual o
significado dessa concepção de masculinidade no interior dessas práticas, e como essas
questões colaborariam, de um modo geral, na compreensão das atuações, qualidades e
atributos dos vaqueiros, uma vez que ser homem está aparentemente relacionado às suas
histórias de vida, ao prestígio e ao status social.
Conclusão
Em síntese, conforme os argumentos aqui sustentados, as propostas deste trabalho
são, em primeiro lugar, a de pensar a agilidade como uma noção que designa o modo
qualitativo pelo qual os vaqueiros acionam um conjunto de práticas e saberes na relação
com seus pares, os animais e o meio. Em seguida, pensar o prestígio o alcance de certa
reputação social, cujo efeito é a busca pela manutenção e reconhecimento de suas
técnicas, habilidades e de sua própria condição de homem. Questões que serão analisadas,
portanto, a fim de compreender de que modo os gestos técnicos e a construção da
masculinidade articulam-se no contexto das competições, na medida em que as discussões
até agora desenvolvidas tenham conseguido contornar e contrastar-se daquelas teses
clássicas inicialmente apresentadas, nas quais os vaqueiros apareciam vinculados
sobremaneira à imagem de sua decadência econômica por causa do processo de
modernização da pecuária. A partir daí, acredito que as pegas de boi no mato poderão ser
analisadas, enfim, como elementos importantes para a compreensão das relações
interespecíficas e das relações de gênero existentes nas ações, nos discursos e na trajetória
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social de vaqueiros e vaqueiras, o que significa, nesse sentido, contribuir com uma nova
perspectiva acerca do protagonismo de sujeito humanos e animais no contexto atual do
sertão de Pernambuco.
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