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DANNIEL MADSON VIEIRA OLIVEIRA
São Luís
2011
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município
de Balsas, Sul do Maranhão
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
CURSO DE GEOGRAFIA
DANNIEL MADSON VIEIRA OLIVEIRA
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município de
Balsas, Sul do Maranhão
Monografia apresentada ao Curso de
Geografia da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do grau de
Licenciatura Plena e Bacharelado em
Geografia.
Orientadora: Profª. Drª. Roberta Maria
Batista de Figueiredo Lima.
Co-orientadora: Profª. Drª. Maria da Glória
Rocha Ferreira.
São Luís
2011
Oliveira, Danniel Madson Vieira.
“Admirável” Sertão novo: o processo de territorialização da soja
no município de Balsas, sul do Maranhão/ Danniel Madson Vieira
Oliveira. – São Luís, 2011.
166 f.
Impresso por computador (fotocópia).
Orientadora: Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima.
Co-orientadora: Maria da Glória Rocha Ferreira.
Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Maranhão,
Curso de Geografia, 2011.
1. Geografia econômica – Maranhão 2. Territorialização 3.
Fronteira agrária 4. Sojicultura – Balsas – MA I. Título.
CDU 911.3:33 (812.1)
DANNIEL MADSON VIEIRA OLIVEIRA
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município de
Balsas, Sul do Maranhão
Monografia apresentada ao Curso de
Geografia da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do grau de
Licenciatura Plena e Bacharelado em
Geografia.
Aprovada em 19/12/2011.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª. Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima (Orientadora)
Drª. em Geografia
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Profª. Maria da Glória Rocha Ferreira (Co-orientadora)
Drª. em Geografia
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Prof. Josoaldo Lima Rêgo Dr. em Geografia Humana
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Profª. Maristela de Paula Andrade Pós-Drª. em Antropologia
Universidade Federal do Maranhão
Às matriarcas da minha pequena Grande
família: Rita Marise Santos Vieira, minha
querida mãe; tia Rita de Cássia Santos
Vieira; e minha avó, Ercília Santos Vieira;
mulheres, mães, professoras, pedagogas,
costureiras, donas-de-casa... que me ensinaram
(e ensinam) a ser quem sou – uma combinação
de alguns dos seus reflexos. Ao meu irmão
Raphael Madson Vieira Oliveira, que
sempre me deu força e acreditou em mim.
Em memória ao meu avô e padrinho Sebastião
José Vieira, arquétipo de vida para família, ao
qual temos divertidas lembranças e saudades
eternas.
“Esta é a forma como se representa o anjo da história. Sua face está virada para o passado.
Onde nós percebemos uma cadeia de eventos, ele vê uma catástrofe única que se mantém
empilhando destroços e os lança violentamente em frente aos seus pés. O anjo gostaria de ficar,
acordar os mortos, e tornar inteiro o que foi esmagado. Mas um temporal está vindo do
paraíso; ele foi capturado em suas asas com tal violência que não pode mais fechá-las. Este
temporal o empurra irresistivelmente para o futuro para o qual ele volta as costas, enquanto
que a pilha de entulhos à sua frente cresce em direção ao céu. Esse temporal é o que
chamamos de progresso.” (WALTER BENJAMIN, 1940 apud MICHAEL BURAWOY, 2006,
p. 09, grifos meus).
“[...] Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séquito de crenças e opiniões tornadas
veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se
consolidarem. Tudo que é sólido e estável se volatiliza, [desmancha no ar], tudo o que é
sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem
ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas.” (KARL MARX & FRIEDRICH
ENGELS, 2009, p. 48, grifo meu).
“Homo homini lupus” (o homem é o lobo do homem). (TITO MÁCIO PLAUTO, 230 a 180 a.C
apud THOMAS HOBBES DE MALMESBURY, O Leviatã, 1651).
“A colonização fabrica colonizados assim como fabrica colonizadores.” (ALBERT
MEMMI, 2007, p. 9).
“[...] Era a conquista que avançava. Eram os caminhos do gado que,
devassando terras, vasculhando rios, expulsando e dizimando índios, ocupavam
os sertões [...].” (MARIA DO SOCORRO COELHO CABRAL, 2008, p. 85,
grifos meus).
(ZÉ RAMALHO, Admirável Gado Novo).
(PEDRO COSTA, repentista piauiense e membro da Academia Brasileira de
Literatura Cordel).
“A visão de que o Nordeste seria apenas uma região-problema, uma região de
seca e miséria, foi colocada em ‘xeque’ nas últimas décadas do século XX [...].”
(LUÍS GUSTAVO de L. SALES; RICÉLIA M. M. SALES, 2010, p. 97).
“[...] toda essa dinâmica envolve a inversão de um processo migratório
dominante até os anos 80: agora são os sulistas que, numa extensão de uma
vasta ‘rede regional’ construída no interior do Brasil, ‘invadem’ o Nordeste.”
(ROGÉRIO HAESBAERT, 2002, p. 368, grifo meu).
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado,
pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a
escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a
universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em
minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que
nos venceram nessas batalhas.” (DARCY RIBEIRO, O Brasil como problema,
grifo meu).
“Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais que receber
E ter que demonstrar sua coragem
A margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem de comer”
“O mundo rápido avançou
Trocaram o homem por máquina
O emprego se acabou
A escravidão no Brasil
Apenas se modernizou
[...]
Os homens sem instrução
São vistos como inconstantes
A necessidade obriga
Se tornarem migrantes
Pra onde forem viram vítimas
Dos poderes dominantes”
AGRADECIMENTOS
À Deus, por tudo!
Agradeço aos meus familiares, por sempre acreditarem em mim e estarem
disponíveis quando necessitei. À minha amada mãe, a Dona Rita, mãe “solteira”, que cria a
mim e meu irmão abdicando dos seus sonhos para realizar os nossos (espero um dia realizar
seus sonhos), agradeço por tudo, do dom da vida aos puxões-de-orelha. Ao meu irmão,
Raphael Madson, que acima de tudo está sempre do meu lado e me superestimando. Vovó
Ercília, engraçada, amorosa e uma super-avó. Tia Cássia, minha grande tia, que me ensinou
nos tempos de criança (C.E. San Sebastian) e que sempre dá conselhos durante as reuniões de
família. Aos meus primos Marival Júnior e Rayan Cássio, que me “consideram” bastante e a
reciprocidade é a mesma. Vovô Sebastião, que há dez anos foi embora, mas deixou 70 anos de
ensinamentos para família.
Ao meu pai, Lilico, meus irmãos Matheus e Samuel, à irmã Jéssica e tia Silvia,
uma nova família.
Ao Alberto (Beto), companheiro da minha mãe, amigo e sempre prestativo. À tia
Geralda, minha madrinha, minha segunda mãe, que sempre está disponível, me ajuda em
viagens e sempre com presentes inesquecíveis. À prima Silvinha, que com suas histórias
alegra a família inteira.
Ao meu primo Genilson (Preto), à prima Anilde, ao Souto, à Sabrina e seu irmão,
Júnior, que me ajudaram em um momento crucial para obter bons resultados no processo
seletivo para o mestrado.
Aos meus amigos de infância, que não viam a hora de eu terminar esta
monografia e voltar à vida social em demasia: Thálius, Felipe e André, assim como seus
familiares, Seu Sérgio, Dona Glorinha, Iahel, Seu João, Dona Edna, Dona Eunice, que aturam
nossas conversas altas em altas horas (depois de 16 anos de convivência somos uma família).
Ao seu Washington, que sempre patrocinou nossas equipes nas feiras culturais
sem pedir nada em troca.
À tia Belinha, tio Jáder, tia Concita, Ricarda e Janaína, por todos os anos juntos.
À Francilene e Cléia, pessoas excepcionais e que ajudaram muito em casa para
que tivesse tempo para estudar.
Aos meus queridos e leais amigos, Bob e Marley (este último em memória), que
dormiam ao pé da mesa do computador, latiam, choravam, mordiam o cabo de internet ou me
adulavam enquanto digitava esta monografia.
Aos amigos da época da escola, do Colégio Aprovação, que foram marcantes para
mim, muitos ainda vão aos encontros da turma, seis anos após o “fim”: Ariana, Ana Paula,
Irley, João Vítor, Jéssica, Halana, Andréia, Enyale, Dadson, Sílvia, Nathalie, André, Mary,
Bárbara, Fabricio Yotsumoto, Lúcio, Luciano, Leonam, Marlison e Fabrícyo Cotrim.
Aos meus amigos e ex-alunos do Curso Agadá e do Geoalpha, por tudo que
aprendi, em especial ao Eraldo, Gilson Leite, Jadeílson, Gilmara, Jaílce, Saul, Jairo e Diana.
Aos amigos da UFMA: Marcos (Marcola, muito engraçado!), Raymonds
(Raimundo), Felipe, Diego, Liana, Bruno, Jordiana, Thiago Mena, Thadeu, Jorgiel, Michelle,
Kívia, Ideneílson, Kerline, Marly, Stanley e Maurício.
Aos amigos da GEOTEC, com os quais convivi à base de muita descontração e
momentos marcantes de pressão, pessoas muito competentes e que levo no coração: Ana
Lenira, Yata Big Boy, Carol, Vítor, André, Thiago Teles, Valdir, Glecieles, Gleyciane,
Benedito Alex, Josélio e Gissely.
Aos amigos do GERUR: Diana Katedral, Socó o poeta (Erinaldo), Anna, Thays,
Renan, Aline, Adielson, Alex.
Aos amigos e amigas do NERA: Lenôra, Francisca, Richard, Ricardo,
Alexsandra, Elizeu, Carol, Karolina, Juscinaldo, Anita, Silveli e Juan.
Ao pessoal do NEPA: Ulisses, Taíssa, Josué, Thiago Diniz, Jefferson, Jeremias,
Lívia, Gislan e Hellen.
Aos eternos amigos, cujas discussões e momentos juntos muito me ajudaram a ser
quem sou e pensar como penso: José Arnaldo, Tiago Silva e Hudalet Oliveira.
Às meninas e ao menino, com quem a gente sai sem vontade de voltar: Andreia,
Karini, Cleane, Lorenna, Ediana, Elen, Lícia, Cláudia, Camila, Helayne, Auricélia e
Nascimento.
Aos amigos do projeto de extensão: Alysson, Geovane, Perla, voluntários e
voluntárias de outros cursos, comunidade escolar Antonio Ribeiro e toda comunidade do Sá
Viana, especialmente aos pescadores.
Aos funcionários/técnicos da Coordenação de Geografia: Núbia, Sahra, Rodrigo,
Benigna, Dona Florize (em memória) e especialmente ao Herbet Santos, cujos papos
políticos, declarações, históricos, aproveitamentos e comprovantes de matrícula fluem
“brincando”.
À Larissa, Letícia e sua família, sempre prestativas quando precisei.
Aos mestres:
A todos(as) professores que já tive, pessoas muito importantes na minha vida;
Às minhas grandes orientadoras, minhas mães na UFMA (como costumamos
chamar as orientadoras): professora Roberta e Glória que ajudaram-me a superar momentos
difíceis, ensinaram os atalhos para os acertos, a quem dedico grande parte desta monografia
também;
Ao professor Josoaldo, imprescindível ao me orientar para o mestrado e em vários
outros trabalhos, com simplicidade sempre;
Aos professores e professoras do curso de Geografia da UFMA: Cláudio, Cícero,
Arnaldo, Ronaldo, Washington, Cordeiro, Ediléa, Shirley, Maurício, Batista, Wanderson,
Fernanda, Benedito (Biné), Igor, Antônio José, Jorge Hamilton, Juarez Diniz, Irecer,
Marcelino, Alexandre e Márita;
Aos professores do curso de História da UEMA, dos quais tenho grande
admiração, principalmente por Henrique Borralho e Márcia Milena;
Ao professor Trovão, que tive a honra de conviver durante o estágio bacharel no
IMESC;
Aos professores do curso de Ciências Sociais da UFMA, com quem aprendi a ser
um novo geógrafo, especialmente Maristela e Biné;
Ao professor Acioli Fernandes, do Núcleo de Cultura Linguística (NCL/UFMA),
e à professora Carmem, do IEF Idiomas, cujos ensinamentos foram imprescindíveis para bons
resultados na seleção ao Mestrado em Geografia da UFF.
Ao professor Edgar, em memória.
Enfim, ao povo de Balsas, ao sertanejo, “antes de tudo, um bravo”!!!
RESUMO
Dentre os estudos coetâneos em voga nas Ciências Humanas/Sociais são de peculiar
sobrepujança para Geografia aqueles sobre as diversas territorialidades. O processo de
modernização concomitante às resistências no campo passou a ser analisado de várias formas,
inclusive através da discussão sobre outro processo indissociável: o avanço/encontro e
consequente imbricamento-sobreposição/conflito-antagonismo entre diferentes identidades,
territórios e fronteiras tecnológicas – a des-re-territorialização. A territorialização da soja na
fronteira sul do Maranhão, especificamente no município de Balsas, entre 1990 a 2010, foi
elencada como objeto deste estudo monográfico com o objetivo de analisar esta amálgama de
processos numa área bastante dinâmica para o agronegócio vinculado à soja no Brasil. As
mudanças culturais e o processo de territorialização do capital recentes em Balsas, decorrentes
da introdução dos novos padrões sócio-econômico-culturais e espaciais, foram inseridos a
partir da “instalação” da agricultura moderna da soja e do migrante sulista neste município.
Para entender este processo buscou-se: inicialmente fazer uma revisão bibliográfica a partir
das categorias “Migração”, “Territorialização”, “Espaço”, “Tempo”, “Globalização”,
“Identidade”, “Modernidades”, “Modernização”, “Eurocentrismo” e “Racionalidades”; em
seguida, interrelacionar a teoria e o contexto de modernização das áreas propícias ao cultivo
de soja no Cerrado e Amazônia brasileiros, cujas ponderações foram embasadas nas
categorias “Papel do Estado”, “Fronteira”, “Rede Política Agroindustrial”, “Território”, “Des-
re-territorialização” e “Multiterritorialidade”; e por fim, refletir sobre as temáticas “Fronteira”
e “Des-re-territorialização” a partir da sua inserção no contexto histórico contemporâneo do
município de Balsas para: constatar as consequências culturais e econômicas do processo de
expansão da sojicultura nas últimas duas décadas (1990 – 2010); identificar as possíveis
tensões geradas a partir de diferenciações sócio-culturais ocorrentes entre a população local e
a população migrante no município supracitado; conhecer os principais motivos que geram
situações aparentemente identificadas como de separação entre os dois segmentos da
população. Utilizou-se o método dialético apoiado em abordagens quanti-qualitativa e
etnográfica, para observar (com realização da pesquisa de campo), pensar (apoiado em
pesquisa bibliográfica) e interpretar os processos de territorialização na fronteira de expansão
agrária no sul maranhense, sob a égide da sojicultura, e seus desdobramentos.
Palavras-chave: Territorialização. Fronteira agrária. Sojicultura no município de Balsas – MA.
ABSTRACT
Among the contemporaries studies in vogue in the Humanities/Social Sciences are of
emphasis peculiar to Geography those about territorialities diversity. The process of
modernizing concomitant to resistances in the field has to be analyzed in several ways,
including through the discussion of another process inseparable: advance/meeting and
consequent overlapping-overlap/conflict-antagonism between identities, territories and
boundaries of technology different – the de-re-territorialization. The territorialization of
soybeans in the southern border of Maranhão, specifically in the city of Balsas, between years
1990 to 2010, was listed as object of this monographic study aimed to analyze this amalgam
of processes in a very dynamic area for agribusiness linked to soybeans in Brazil. Cultural
changes and the recent process of territorialization of capital in Balsas, arising from the
introduction of new standards socio-economic-cultural and spatial, were inserted from the
“installation” of modern agriculture of soybeans and southern migrants in the city. To
understand this process we sought to: initially do a literature review from the categories
“Migration”, “Territorialization”, “Space”, “Time”, “Globalization”, “Identity”, “Modernity”,
“Modernization”, “Eurocentrism” and “Rationalities”; then, interrelate theory and the context
of modernization of the areas conducive to the cultivation of soybeans in the Brazilian
Amazon and Cerrado, whose weights were based on categories “Role of the State”,
“Frontier”, “Agroindustrial Policy Network”, “Territory”, “De-re-territorialization” and
“Multiterritoriality”; and finally, reflect about the theme “Frontier” and “De-re-
territorialization” from their insertion into the contemporary historical context the city of
Balsas for: see the cultural and economic consequences of the expansion process of the
soybean production in the last two decades (1990 – 2010); identify possible tensions
generated from socio-cultural differences that occur between the local population and the
migrant population in the county aforesaid; know the main reasons that lead to situations
apparently identified as the separation between the two segments of the population. We used
the dialectical method supported by quanti-qualitative and ethnographic approaches, to
observe (with field research), think (supported by literature) and interpret the processes of
territorialization in the agrarian expansion frontier in the south of Maranhão, under the aegis
of the soybean production, and its aftermath.
Keywords: Territorialization. Agrarian frontier. Soybean production in the city of Balsas – MA.
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Mosaico 1: sátiras de Pawła Kuczyńskiego.................................................. 34
Figura 02 – Mosaico 2: Compressão do tempo-espaço.................................................... 36
Figura 03 – “A arte parisiense de boulevard atacando a destruição modernista do
antigo tecido urbano: um cartum de J. F. Batellier em ‘Sans Retour, Ni
Consigne’”.....................................................................................................
42
Figura 04 – Self-creation.................................................................................................. 49
Figura 05 – Modelo do panóptico de Bentham................................................................ 54
Figura 06 – Mosaico 3: Fotos ilustrando reportagens que exaltam a agricultura
moderna brasileira.........................................................................................
61
Figura 07 – Sub-regionalização esquemática da Amazônia Legal – 2003....................... 63
Figura 08 – Mosaico 4: Municípios produtores de soja na Amazônia............................. 64
Figura 09 – Quantidade de soja produzida, por mesorregiões geográficas, nos estados
da Amazônia Legal em 2010.........................................................................
64
Figura 10 – Mosaico 5: Complexo Portuário de São Luís............................................... 68
Figura 11 – Mosaico 6: Corredores de exportação de minérios na Amazônia................. 71
Figura 12 – Vias de Escoamento da Soja no Estado do Maranhão.................................. 71
Figura 13 – Mapa das bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins, com
destaque para os rios principais.....................................................................
72
Figura 14 – Mapa comentado da Hidrovia Araguaia-Tocantins-Rio das Mortes............. 72
Figura 15 – Fotos da estrutura do AGROBALSAS, na Fazenda Sol Nascente............... 73
Figura 16 – Mosaico 7: Fazenda Sol Nascente em Balsas (MA)..................................... 74
Figura 17 – Características do pólo de Balsas.................................................................. 75
Figura 18 – Mosaico 8: Gráfico e quadros correspondentes a dados anuais da lavoura
de arroz e soja no Maranhão, entre 1990 a 2010...........................................
84
Figura 19 – Mosaico 9: Gráfico e quadros correspondentes a dados anuais da lavoura
de arroz e soja no Tocantins, entre 1990 a 2010...........................................
85
Figura 20 – Dados ECONÔMICOS da produção agropecuária brasileira....................... 87
Figura 21 – Mosaico 10: fotos – o “antigo” e o “novo” em Balsas.................................. 94
Figura 22 – Expansão da frente baiana até o Maranhão................................................... 96
Figura 23 – Rota de expansão da frente pastoril no Maranhão........................................ 96
Figura 24 – Correntes migratórias de ocupação do território maranhense....................... 98
Figura 25 – A “diáspora” gaúcha..................................................................................... 107
Figura 26 – Mosaico 11: Placa e fachada do CTG de Balsas........................................... 108
Figura 27 – Mosaico 12: Área interna do CTG de Balsas................................................ 108
Figura 28 – Gráfico comparativo da quantidade produzida (em toneladas) entre as
lavouras de algodão herbáceo, arroz, milho e soja, no município de Balsas.....
113
Figura 29 – Gráfico representando o rendimento médio (quilogramas por hectare), da
safra de soja em 2009 e 2010........................................................................
115
Figura 30 – Mosaico13: PRONAF; grandes, médias e pequenas lavouras...................... 116
Figura 31 – Mosaico 14: Faculdade e escolas particulares em Balsas............................. 117
Figura 32 – Mosaico 15: Armazém Mateus e campo de soja em Balsas, símbolos do
“progresso” e “desenvolvimento” da região.................................................
118
Figura 33 – Mosaico 16: Contraste de residências de vários padrões, estabelecimentos
do setor terciário e áreas de lazer do bairro Cajueiro, Balsas (MA).............
120
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabelas:
TABELA 01 – Síntese do PRODECER...................................................................... 80
TABELA 02 – Síntese do PRODECER III no estado do Tocantins........................... 83
TABELA 03 – Instalação dos gaúchos no sul do Maranhão...................................... 102
TABELA 04 – Os gaúchos: diferenciação interna...................................................... 104
TABELA 05 – Principais conflitos entre gaúchos e sertanejos no sul do Maranhão.. 105
Quadros:
QUADRO 01 – Cronograma de atividades do orientando........................................... 32
QUADRO 02 – Valor da produção da lavoura temporária de soja (em grão) no ano
de 2008 no Estado do Maranhão – Ranking descendente....................
112
QUADRO 03 – Rendimento médio (quilogramas por hectare), da safra de soja em
2009 e 2010 – Ranking descendente para safra de 2010.....................
114
QUADRO 04 – Número e Taxas Médias de Homicídio (em 100.000) na População
de 0 a 19 anos. Brasil, 2002/2007 (destacando os quatro primeiros
municípios do Maranhão no ranking)..................................................
119
QUADRO 05 – Mapa de Pobreza e Desigualdade – Municípios Brasileiros 2003
(Balsas)................................................................................................
121
LISTA DE SIGLAS
ACA Associação Camponesa.
AGED Agência Estadual de Defesa Agropecuária.
ALBRAS Alumínio Brasileiro S.A.
ALUMAR Alumínio do Maranhão S.A.
ALUNORTE Alumina do Norte do Brasil S.A.
BASA Banco da Amazônia S.A.
BATAVO Cooperativa Agropecuária Batavo do Paraná.
BIC Bolsa de Iniciação Científica.
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
CAI Complexo Agroindustrial.
CAMPO Companhia de Promoção Agrícola.
CCH Centro de Ciências Humanas (UFMA).
CLACSO Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais.
COAPA Cooperativa Agropecuária de Pedro Afonso.
COGEO Coordenação de Geografia (DEGEO/UFMA).
COLONE Companhia de Colonização do Nordeste.
COMARCO Companhia Maranhense de Colonização.
COOPERSAN Cooperativa Agropecuária Mista São João Ltda.
CPATU Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido (atual Embrapa
Amazônia Oriental).
CTG Centro de Tradições Gaúchas.
CVRD Companhia Vale do Rio Doce (atual VALE).
DEGEO Departamento de Geociências (UFMA).
DESOC Departamento de Sociologia e Antropologia (UFMA).
EFC Estrada de Ferro Carajás.
EIA Estudo de Impacto Ambiental.
EMAP Empresa Maranhense de Administração Portuária.
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
FAPCEN Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte.
FAPEMA Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Estado do Maranhão.
FFLCH Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (USP).
GEOTEC Empresa Júnior de Geografia (UFMA).
GERUR Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (DESOC/UFMA).
GPS Global Position System (Sistema de Posicionamento Global).
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IDH Índice de Desenvolvimento Humano.
IES Instituição de Ensino Superior.
IMESC Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos.
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
ITERMA Instituto de Colonização e Terras do Maranhão.
JICA Japan International Cooperation Agency (Agência de Cooperação
Internacional do Japão).
LABOCART Laboratório de Cartografia (DEGEO/UFMA).
LEBAC Laboratório de Estudos de Bacias Hidrográficas (DEGEO/UFMA).
LID Linha Internacional de Mudança de Data.
NCL Núcleo de Cultura Linguística (UFMA).
NDPEG Núcleo de Documentação Pesquisa e Extensão Geográfica
(DEGEO/UFMA).
NEPE Núcleo de Programas Especiais (GOVERNO DO MARANHÃO).
NEPA Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (DEGEO/UFMA).
NERA Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questões Agrárias (DEGEO/UFMA).
OECF Overseas Economic Cooperation Foundation (Fundação de Cooperação
Econômica Exterior).
OPEP Organização dos Países Produtores de Petróleo.
PAM Produção Agrícola Municipal.
PGC Programa Grande Carajás.
PIB Produto Interno Bruto.
PIN Plano de Integração Nacional.
PPA Programa Plurianual de Ação.
PRODECER Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do
Cerrado.
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
RADAM Projeto Radar na Amazônia.
RIMA Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente.
SAGRIMA Secretaria de Agricultura do Maranhão (GOVERNO DO MARANHÃO).
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia.
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.
UEMA Universidade Estadual do Maranhão.
UFF Universidade Federal Fluminense.
UFMA Universidade Federal do Maranhão.
UHET Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
UNIBALSAS Faculdade de Balsas.
USP Universidade de São Paulo.
VBC Valor Básico de Custeio.
ZENCOREN Federação Nacional das Cooperativas de Compras do Japão.
SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO....................................................................................................... 18
1.1 A “gestação” da monografia: das paixões intelectuais passageiras ao “casamento”
com linhas de pesquisa......................................................................................................
20
2 METODOLOGIA......................................................................................................... 29
2.1 Procedimentos metodológicos................................................................................... 30
2.1.1 Pesquisa Bibliográfica.............................................................................................. 30
2.1.2 Organização e Realização da Pesquisa de Campo.................................................... 31
2.1.3 Elaboração dos Dados............................................................................................... 31
2.1.4 Análise e Interpretação dos Dados/Informações...................................................... 31
PARTE UM: da teoria...................................................................................................... 33
3 SOBRE AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: divagações introdutórias...................... 34
4 UMA OU DIVERSAS RACIONALIDADES(?): consolidação da lógica
hegemônica ou crise do conhecimento único?..................................................................
49
PARTE DOIS: o cenário da “fronteira” no Brasil da soja............................................... 60
5 MODERNIZAÇÃO DO CERRADO E AMAZÔNIA COMO FATOR
INDUTOR DE CONFLITOS ENTRE AS DISTINTAS RACIONALIDADES
DOS AGENTES SOCIAIS NO BRASIL CENTRAL..................................................
61
5.1 Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos
Cerrados – PRODECER.................................................................................................
79
5.2 O PRODECER III nos Cerrados do Maranhão e Tocantins................................. 82
5.3 Sobreposição de “novas” e “velhas” fronteiras, territórios e racionalidades
do/no Cerrado..................................................................................................................
86
PARTE TRÊS: o “admirável” Sertão Novo em Balsas................................................... 93
6 TERRITÓRIOS DA FRONTEIRA/ FRONTEIRA DOS TERRITÓRIOS: o
novo Sertão de Balsas... os Brasis se encontram aqui.......................................................
94
6.1 Dos caminhos do gado à descoberta gaúcha: a ocupação territorial do sul
maranhense........................................................................................................................
95
6.2 Os aventureiros do Sul que enfrentam o fim do Norte: diáspora, pioneirismo e
mito do gaúcho..................................................................................................................
107
6.3 Des-re-territorialização: os des/encontros entre sertanejos e gaúchos..................... 110
6.4 A territorialidade do capital sob a égide da sojicultura: o que era o fim do
mundo agora é a Capital Maranhense da Soja...................................................................
112
PARTE QUATRO: das considerações finais.................................................................. 122
7 PARA NÃO CONCLUIR............................................................................................. 123
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 126
APÊNDICES..................................................................................................................... 139
APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas do 1º campo em Balsas (05 a 08 de dezembro
de 2009).............................................................................................................................
140
APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas do 2º campo em Balsas (25 a 30 de agosto de
2010)..................................................................................................................................
143
APÊNDICE C – Roteiro de entrevistas do 3º campo em Balsas (17 a 21 de outubro de
2011)..................................................................................................................................
144
ANEXOS........................................................................................................................... 147
ANEXO A – Reportagem da Revista Exame.................................................................... 148
ANEXO B – Reportagem da Revista Veja (a).................................................................. 151
ANEXO C – Reportagem da Revista Veja (b).................................................................. 152
ANEXO D – Reportagem da Revista Veja (c).................................................................. 158
ANEXO E – Considerações da banca de monografia....................................................... 161
18
1 APRESENTAÇÃO
O processo de modernização das atividades agrícolas no Cerrado sul-maranhense
trouxe diversas transformações nos âmbitos espaciais, sociais, políticos e culturais nesta área.
Sob o signo da sojicultura a “região que ficou adormecida tempo demais, hoje, cresce em
progressão geométrica. [...] A estimativa conservadora é que a economia [...] esteja crescendo
à taxa de 10% ao ano. É assim o novo Sertão brasileiro” (STEFANO, 2009, ANEXO A).
Porém, que “crescimento” é esse e quem se beneficia com ele? Que “admirável” Sertão novo
é este? Quais foram as mudanças culturais que ocorreram com a expansão da soja? Como se
comportam os diversos grupos humanos sob o processo de des-re-territorialização constante
no sul do Maranhão? Quais são as estratégias de resistência diante do conflito de
racionalidades ambientais e econômicas contraditórias? Por que e quem resiste aos atores
representantes da racionalidade hegemônica? Que racionalidades são essas?
Pensando sobre o caso particular do município de Balsas, cuja produção de soja é
a maior do Estado e segundo maior pólo agrícola da Macrorregião Nordeste, surgiram-me os
seguintes pressupostos quando da elaboração do projeto desta monografia, ainda em 2008:
A inserção do município de Balsas na lógica da capitalização do campo gerou
uma série de alterações sócio-espaciais e culturais, no local de estudo, nas últimas duas
décadas, decorrentes da introdução de novos padrões sócio-culturais e econômicos do
migrante sulista;
O migrante sulista foi atraído para Balsas pelos incentivos fiscais
governamentais, como a terceira etapa do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o
Desenvolvimento do Cerrado – PRODECER III – pela disponibilidade de infra-estrutura para
o escoamento da produção agrícola, vastas quantidades de terras baratas e férteis, além das
características naturais do local (clima, relevo, vegetação, hidrografia e solo) propícias ao
cultivo da soja;
As múltiplas tensões entre os estabelecidos (os da terra) e os novos habitantes
(os de fora) em Balsas decorre da valorização da identidade cultural do local de origem, sendo
a principal causa de separação entre os dois segmentos da população (maranhenses X
gaúchos1);
A valorização de padrões dos de fora gera assimilação de hábitos culturais do
1 Denominação dada ao migrante do Centro-Sul do país (sulista), pelos maranhenses do sul e leste do Estado
(MA). Para melhor entendimento ler o terceiro capítulo, “Os Gaúchos” (p. 71-102), da dissertação de mestrado
de Rafael Bezerra Gaspar, intitulada “O eldorado dos gaúchos” (vide referências).
19
migrante sulista, como o sotaque e regionalismo gaúcho.
Instigado em refletir sobre essas questões e hipóteses escrevi esta monografia,
com o objetivo de investigar as mudanças culturais e o processo de territorialização do capital
em Balsas, entre 1990 a 2010, decorrentes da introdução dos novos padrões sócio-econômico-
culturais e espaciais, inseridos a partir da instalação da agricultura moderna da soja e do
migrante sulista neste município. Logo, este estudo possui como área de abrangência o
município de Balsas (especificamente as áreas urbana e peri-urbana), localizado na
Mesorregião Sul do Estado Maranhão, a 830 quilômetros2 da capital – São Luís. Para isso
tenta-se:
Compreender as temáticas fronteira e des-re-territorialização a partir da sua
inserção no contexto histórico contemporâneo do município de Balsas;
Constatar as consequências culturais e econômicas do processo de expansão da
sojicultura em Balsas nas últimas duas décadas (1990 – 2010);
Identificar as possíveis tensões geradas a partir de diferenciações sócio-
culturais ocorrentes entre a população local e a população migrante no município de Balsas
(consequência do diferencial de poder entre o grupo que se considera superior e o grupo
inferiorizado);
Conhecer os principais motivos que geram situações aparentemente
identificadas como de separação entre os dois segmentos da população.
Sendo assim, esta pesquisa mostra sua relevância ao ponderar criticamente sobre a
problemática contemporânea concernente à expansão-consolidação da fronteira agrícola
brasileira, em especial das transformações culturais e às novas territorializações decorrentes
das migrações e sojicultura no município de Balsas, sul do Maranhão.
A seguir relato alguns fatos importantes para construção deste estudo
monográfico.
2 Distância rodoviária.
20
1.1 A “gestação” da monografia: das paixões intelectuais passageiras ao “casamento” com
linhas de pesquisa
“A humanidade não se divide em heróis e tiranos. Suas paixões, boas ou más,
foram-lhes dadas pela sociedade, não pela natureza” (Charles Chaplin).
Uma monografia não se faz em seis meses e, contraditoriamente, nunca é o escrito
de um só. Entre os anos 2006 a 2011 lapidei com várias pessoas este trabalho “monográfico”.
A princípio, entendo como apresentação, a biografia de um trabalho, logo, quebrarei as
normas estanques dos manuais de normalização e contarei um pouco da história deste aqui,
em primeira pessoa, já que represento oficialmente seus “criadores”, ou em terceira pessoa,
quando me refiro à equipe de campo e outros grupos.
Durante os três primeiros anos da graduação (de 2006 a 2008) vivi sobre a dúvida
de qual objeto de estudo escolheria para o trabalho monográfico, que consequentemente
“esboçaria” o futuro acadêmico que seguiria. Diante de várias influências e “paixões”
intelectuais passageiras convivi com o dualismo (insistentemente persistente no curso de
Geografia da UFMA) entre Geografia Física X Geografia Humana, assim como o relativo
desconforto de ter que me posicionar categoricamente como geógrafo físico ou humano, já
que colocavam para mim que esta relação era como água e óleo: imiscível. Concernente a este
embate paradigmático e o fato de ter que escolher um lado, passei meio alheio a tudo isso, não
por indecisão, mas por gostar, ler, discutir e tentar entender ambos os “lados”, afinal a
Geografia sem a relação intrínseca entre o homem e a natureza é uma Geografia non sense,
incompleta, fragmenta-se nas ciências afins e torna-se uma “Ageografia”.
Essa perspectiva de separação da Geografia em Geografias parte da eterna
tentativa de racionalizar os pensamentos transformando-os em um, o científico, e depois
fragmentá-lo em áreas (cada uma na sua devida “caixa” catalogada), até criar oposições e
tensões desnecessárias entre ciências, nas quais o rigor científico é o “termômetro” de
hierarquização (algo bem evidente na sociedade ocidental moderna) em detrimento de um
pensamento holístico.
[...] Na longa história que tem origem na mecânica newtoniana, desenvolveram-se
admiração e compromisso mútuos entre a ciência-como-física e a filosofia-como-
positivismo/filosofia analítica. Tal filosofia, para qual todos os simples títulos
parecem, inapelavelmente, inadequados, mas que foi imensamente poderosa na
repercussão de seus efeitos, principalmente em seus primórdios [...], sustentava que
a “ciência” era o único caminho para o conhecimento e que havia apenas um método
científico verdadeiro. Ela estava comprometida com (seus entendimentos de)
objetividade, do método empírico e do monismo epistemológico (que,
essencialmente, incorporava um reducionismo com a física) [...].
21
E conduziu ambas para uma imaginada hierarquia entre as ciências (com a física em
um extremo e, digamos, os estudos culturais e humanidades no outro) e para um
fenômeno de inveja da física entre uma série de práticas científicas que visavam,
mas que viram que não podiam, imitar os protocolos da “física”. Os geógrafos
físicos (algumas vezes) pensam que são mais científicos do que geógrafos humanos.
[...] Os geólogos sofrem de inveja da física: “o sentimento de inferioridade em
relação ao status da geologia comparada com outras ciências mais ‘duras’...” [...].
(MASSEY, 2009, p. 61).
Algo também afirmado por alguns amigos e professores do curso e que gerou
inquietações, dúvidas no meu cotidiano como estudante de Geografia, como diria Ruy
Moreira: do “pensar e ser em Geografia3”. Quem serei eu daqui há dez anos? Que Geografia
seguir? Quando pensava em retorno financeiro rápido vinha em minha mente cursar um
mestrado na área de Geoprocessamento, Sensoriamento Remoto ou Geologia e depois
trabalhar em grandes empresas. Porém, seis anos de graduação tiveram seu lado positivo
quando posso afirmar que li muito de muitas “áreas das ciências”, integrei, participei ou
estagiei em laboratórios, institutos, centro acadêmico, núcleos e grupos de estudos, empresa
júnior, projetos de extensão e pesquisa, monitoria, eventos os mais diversos, lecionei em
curso voluntário, escola pública e particular, etc. nos quais pude conhecer várias lógicas
vivenciando diferentes “realidades”, muitas vezes opostas, a ponto de amadurecer minhas
escolhas, quebrar estereótipos/“desvendar máscaras sociais” o suficiente para descobrir o que
realmente queria para mim.
Foram muito relevantes também as leituras, debates, eventos e convivência com
amigos-professores durante o curso de História da UEMA, que infelizmente escolhi
abandonar em 2008, no quinto período, e me dedicar melhor e exclusivamente à Geografia da
UFMA, inclusive para poder concorrer à bolsa de iniciação científica.
Foi neste contexto que, em fins do ano 2008, resolvi participar de entrevistas
seletivas para concorrer à bolsa de pesquisa pelo projeto “Mudanças sócio-culturais e
espaciais decorrentes da agricultura moderna no sul maranhense”, sob coordenação das
professoras Maria da Glória Rocha Ferreira e Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima
(DEGEO/UFMA) e com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão (FAPEMA). Fui
selecionado, juntamente com a aluna Alexsandra Maryllen Roges Costa Falcão, para
participar do projeto. No primeiro ano (2009) não conseguimos bolsa de pesquisa, mas
contamos com apoio financeiro da FAPEMA para custear as despesas decorrentes das viagens
3 MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em Geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia do espaço
geográfico. – 1ª ed. – 1ª reimpr. – São Paulo: Contexto, 2008.
22
de campo. No segundo ano conseguimos uma Bolsa de Iniciação Científica (BIC), destinada
entre 2010/2011 para Alexsandra e 2011/2012 para Juscinaldo Goes Almeida – ambos
graduandos em Geografia (UFMA) – além de mais recursos para financiar o projeto, junto à
FAPEMA. Eu continuei como voluntário, pois era bolsista de extensão (PROEX/UFMA) pelo
projeto “Percepção e Educação Ambiental na Comunidade Sá Viana: a formação dos filhos de
pescadores por meio de uma visão multidisciplinar”.
O projeto de pesquisa sobre Balsas objetiva averiguar mudanças na organização
sócio-espacial da área, decorrentes da introdução de novos padrões sócio-culturais, advindos
da instalação da agricultura em bases empresariais. A escolha pelo enfoque analítico sobre o
município de Balsas deu-se por entender que este representa o marco inicial do processo de
produção da soja no Maranhão, assim como aquele que apresenta maiores singularidades em
termos de transformações sócio-espaciais e culturais, dada a sua função dentro do processo
produtivo regional. A “gestação” desta monografia iniciou-se deste projeto de pesquisa.
Neste ínterim entrei em contato com leituras e trabalhos de campo em grupos e
núcleos de estudos relacionados aos movimentos sociais, especificamente em pesquisas sobre
questões agrárias: o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questões Agrárias – NERA
(DEGEO/UFMA) e o Grupo de Estudos Rurais e Urbanos – GERUR (DESOC/UFMA), que
foram e continuam sendo imprescindíveis para minhas experiências e construção paulatina de
uma racionalidade voltada para essas questões, através das seguintes linhas de pesquisa:
“Dinâmica do Espaço Agrário”;
“Industrialização da Agricultura e Transformações na Agricultura Familiar”;
“Migrações e Transformações Territoriais”;
“Território, Identidade e Conflitos Sócio-Ambientais”.
O geógrafo – enquanto pesquisador das Ciências Humanas/Sociais – necessita e
deve proporcionar estudos que contribuam concretamente para melhoria da sociedade
precariamente incluída, tanto quanto uma população afetada por grandes projetos de
“desenvolvimento” econômico anseia pelo apoio da academia em prol da sua causa de luta4.
[...] a teoria crítica moderna tem de assumir uma postura contra-hegemônica, que os
intelectuais deveriam tornar-se contra-especialistas, mais altamente treinados do que
seus inimigos, e com um maior comprometimento para com os ideais mais nobres.
Assim, [...] economia, desenvolvimento, relações rurais-urbanas devem ser
repensadas sob um imaginário econômico diferente se quisermos ter um mundo com
justiça social. Podemos receber nossas deixas dos movimentos sociais. Mas há ainda
um repensar sofisticado acerca do desenvolvimento que também precisa ser feito por
intelectuais engajados. Precisamos batalhar por poder, ao invés de dispensá-lo.
4 Assim como alertou Burawoy (2006) para a Sociologia, ao defender uma Sociologia pública, o papel do
geógrafo deve ser baseado em uma Geografia pública.
23
Precisamos fazer um novo imaginário de desenvolvimento, no qual usemos nossos
momentos mais criativos para pensar diferentemente. Precisamos de uma evolução
nas idéias tanto quanto na prática. Critiquem tudo, mas convertam crítica em
proposta positiva... Esse é o credo crítico moderno. (PEET, 2009, p. 36).
Logo, as implicações futuras, ou seja, a contribuição e/ou os benefícios desse tipo
de estudo geográfico nessa região são imprescindíveis para o alcance recíproco das
necessidades dos grupos atingidos pela soja, assim como do geógrafo comprometido
socialmente, incluindo o proponente desta pesquisa.
Para conhecer um pouco da vivência e opinião dos grupos atingidos (positiva ou
negativamente) pela sojicultura em Balsas, participei de três trabalhos de campo no
município, entre 2009 a 2011, juntamente com a equipe que compunha o projeto de pesquisa5.
Tais trabalhos ocorreram anualmente, no segundo semestre, entre os meses de agosto a
dezembro, por maior disponibilidade de tempo da equipe nesse período. A seguir apresento
sucintamente como ocorreram tais campos.
1º Trabalho de campo: 05 a 08 de dezembro de 2009
Neste primeiro campo tudo era totalmente novo para a maior parte da equipe (o
estranhamento era mais fácil), com exceção da professora Glória, que desenvolvera sua tese
de doutorado6 sobre Balsas, apresentada no ano de 2008. Enquanto as coordenadoras
chegavam primeiro, no dia 5, eu e Alexsandra vínhamos de “carona” em outro trabalho de
campo, pela disciplina e com a turma de Geografia Física do Maranhão (semestre 2009.2),
ministrada pelo professor Antonio Cordeiro Feitosa (DEGEO/UFMA) que ensinava-nos sobre
a fisiografia do centro-sul maranhense. Como o ponto sul extremo desse campo era a cidade
de Balsas acompanhamo-los até lá.
No dia 06 chegamos, domingo à tarde. Minha maior expectativa, como torcedor
do Flamengo, era assistir à última rodada do Campeonato Brasileiro, já que concorria
diretamente ao título, assim como Alexsandra, são-paulina e também na disputa pelo título de
2009. Quando encontrei as coordenadoras saindo do hotel fiquei extremamente feliz, por vê-
las vestidas a caráter como flamenguistas, com camisa e mascote do time, e ao dizerem que
5 Coordenadoras: Maria da Glória Rocha Ferreira; Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima. Bolsistas:
Alexsandra Maryllen Roges Costa Falcão; Juscinaldo Goes Almeida. Voluntários(as): Ana Karolina Pinheiro
Carvalho; Danniel Madson Vieira Oliveira; Elizeu Silva do Nascimento. 6 FERREIRA, Maria da Glória Rocha. Dinâmica da Expansão da Soja e as Novas Formas de Organização do
Espaço na Região de Balsas – MA. 2008. 272 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
24
“iriam ver os processos relacionados ao comportamento dos torcedores em um bar, próximo à
Avenida Litorânea” (apesar da cidade estar a mais de 800 quilômetros do mar), fiquei ainda
mais satisfeito.
Ao encontrá-las de novo, alguns minutos depois, com meu caderno de campo em
mãos, elas relataram os ocorridos quando do gol do Grêmio (sobre o Flamengo) e do
Internacional em outra partida (times do Rio Grande do Sul), momentos nos quais houve
diversas provocações dos chamados gaúchos de Balsas, que saíam em suas caminhonetes,
vibrando ao som de foguetes e do hino do Inter (que concorria ao título do campeonato
brasileiro também).
Porém, o Flamengo mostrou sua superioridade em campo, ao empatar, em seguida
virar e se consagrar como campeão brasileiro de 2009. Os flamenguistas, em sua maior parte
maranhenses, vibravam exacerbadamente, chamando os gaúchos apenas de “gaúchos”, de
forma depreciativa, e demonstrando a rivalidade entre suas torcidas. Aos gaúchos que torciam
para o Inter restou a opção de não aparecer mais na Avenida Litorânea, enquanto os gaúchos
gremistas se exibiam tomando chimarrão com as camisas do seu time como forma de
rivalidade, já que o Internacional não ganhara o título. Outros gaúchos não ligavam tanto para
este fato, a cidade inteira estava em festa, e eles se exibiam de outra forma, ao som
automotivo ensurdecedor de músicas sertanejas e sulistas, com suas roupas típicas
“mescladas” às dos sertanejos (jaqueta e calça jeans, chapéu e bota de couro, apesar de quase
30°C), dançando e tomando chimarrão sobre a carroceria de suas pick-ups.
Voltamos ao hotel para descansar enquanto a cidade não dormia. Tirando o fato
do jogo, eu vinha refletindo uma série de idealizações que poderia relatar mais tarde em
artigos, relatórios e na monografia ao confirmá-las no campo. Uma das leituras indicadas para
o seminário interno sobre a categoria “identidade”, pelo projeto de pesquisa sobre Balsas, me
inculcava muito: “Os estabelecidos e os outsiders”, de Norbert Elias & John L. Scotson
(2000), pois achava que encontraria um embate entre gaúchos e maranhenses de forma
parecida com a descrita nesse livro, o que não se concretizou e provou que não deveria
idealizar resultados no campo com pré-noções e anacronismos, “o que convém evitar” no
campo, como diriam Beaud; Weber (2007).
Ao chegarmos ao hotel, as coordenadoras relataram a conversa que tiveram, no
dia anterior, no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Balsas (STTR Balsas),
sobre a expansão e impacto da sojicultura em Balsas e as principais mudanças decorrentes
deste processo. Importante a presença do diário de campo nesses momentos, pois é como um
25
álbum de fotos que guarda momentos que a memória às vezes descarta. “Nossa memória é
uma ilha de edição” e o gravador também tem suas limitações.
Apesar de termos feito um roteiro (APÊNDICE A) dos órgãos a serem visitados
para entrevistarmos seus representantes, fomos refazendo-o paulatinamente em campo, de
acordo com indicações que surgiam nas entrevistas. Trabalhamos com roteiro e não com um
questionário fechado, muitas vezes dizíamos que se tratava de uma conversa em vez de
entrevista, o que tornava a abordagem mais fácil. O grupo foi dividido em duas equipes,
devido ao tempo reduzido e aos vários órgãos a serem visitados. Já que eu e Alexsandra
conhecíamos pouco sobre técnicas de abordagem, entrevista e observação, cada um ia
acompanhado com uma coordenadora. Dessa forma, fomos aos seguintes locais:
SEBRAE Balsas;
Secretaria Municipal de Agricultura de Balsas;
Banco do Nordeste;
Banco do Brasil;
Associação Camponesa (ACA) de Balsas;
Povoado Angelim;
Hortas urbanas.
Destes, destaco a visita ao povoado Angelim, localizado na área peri-urbana de
Balsas. Passamos uma manhã conversando com alguns moradores sobre o modo como viviam
e como viam as principais mudanças ocorrentes no município. Um fato interessante é que ao
me apropriar da categoria gaúcho para identificar um dos moradores do povoado fui
repreendido por uma moradora, maranhense, que disse: “Gaúcho? Aqui não tem nenhum
gaúcho, ele é catarinense.” Constrangido, eu ri no momento. Em um campo futuro ocorreu
uma situação parecida (a categoria que abrange várias naturalidades em uma só, não é aceita e
utilizada da mesma forma). As mudanças relacionadas à melhoria da infra-estrutura de acesso
foram consideradas como positivas, assim como a questão da alimentação. Com a introdução
da cultura de fora vieram também seus hábitos alimentares: o churrasco, frutas e verduras
diversas. O êxodo rural com a grilagem de terras foi um aspecto negativo.
26
2º Trabalho de campo: 25 a 30 de agosto de 2010
Já no segundo campo estava mais acostumado com os métodos de abordagem,
entrevista e observação. A equipe foi a mesma do primeiro campo e dividida da mesma
forma. Seguimos um roteiro (APÊNDICE B) para visitar locais do setor terciário e centros de
cultura:
Mercado Municipal de Balsas;
Secretaria da Fazenda de Balsas;
Boutiques;
Empresas de implementos agrícolas;
Imobiliárias;
Mercearias e comércios mais antigos;
Hotéis antigos e novos;
Restaurantes antigos e novos;
Centro de Tradições Gaúchas (C.T.G.).
“Antigo” e “novo” nesse caso, geralmente, estava relacionado aos da região e aos
de fora, respectivamente, para tentarmos entender, através dos relatos, as diversas mudanças
com a sojicultura e vinda dos migrantes. Dessa vez foi recorrente nos depoimentos a questão
do aumento demasiado da violência e precarização de serviços públicos, como saúde,
saneamento básico, etc.
Um dia bem interessante foi quando fomos ao povoado Santa Luzia na área peri-
urbana da cidade. Este povoado possui um balneário, com estrutura de bar, campo de futebol
e barracas padronizadas. Descemos o rio Balsas em uma embarcação artesanal feita somente
de bambu, ao ritmo da correnteza do rio. A viagem é feita aos finais de semana. O que mais
me impressionou foi a resistência da embarcação, feita somente de varas de bambu amarradas.
Sobre ela iam várias pessoas (aproximadamente quinze), fazendo churrasco e levando um
freezer cheio de bebidas. A viagem até a área urbana de Balsas foi de aproximadamente oito
horas. Ao final a balsa vem se desfazendo, um pouco abaixo do nível superficial do leito do
rio. Quem a constrói também tem o papel de desmontá-la, voltando ao ponto de partida com
carro, geralmente com carroceria, para levar as partes da balsa que resistiram à correnteza.
Reservamos o último dia para coleta de pontos com GPS para um futuro
mapeamento de diversas mudanças na área urbana do município.
27
3º Trabalho de campo: 17 a 21 de outubro de 2011
O terceiro campo teve um marco diferente para mim, já não estranhava tanto o
que antes achava tão diferente. Porém, o fato do meu pouco estranhamento foi compensado
com a renovação da equipe de trabalho. Como tinha um pouco de experiência por participar
de outros campos, somado ao fato das coordenadoras não poderem ir dessa vez, por já estarem
compromissadas com outras atividades acadêmicas, fui incumbido de acompanhar os novos
membros do grupo (para ajudá-los a se localizar e concomitantemente levantar mais dados
para monografia): o novo bolsista, Juscinaldo Goes Almeida, e dois novos voluntários, Ana
Karolina Pinheiro Carvalho e Elizeu Silva do Nascimento, todos graduandos do curso de
Geografia (UFMA). A partir do roteiro de campo (APÊNDICE C), visitamos os seguintes
locais, sempre focando os aspectos relacionados às mudanças consequentes à modernização
do campo e a vinda de sulistas ao município:
UNIBALSAS;
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA;
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Balsas – STTR Balsas;
Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte – FAPCEN;
Cursos técnicos;
Secretaria de Educação Municipal;
Escolas particulares e públicas;
Câmara Municipal de Balsas.
Mais uma vez dividimo-nos em duas equipes para realizar as entrevistas. Outro
erro recorrente ocorreu quando me apropriei da categoria gaúcho sem pensar. Ao conversar
com uma senhora na Câmara Municipal de Balsas, ela revelou que era gaúcha, daí perguntei: -
“‘Gaúcha’, a senhora diz... do Rio Grande do Sul?” Ela respondeu afirmando com um murro
na mesa: - “Sim, porque gaúcho é quem nasce no Rio Grande do Sul”. Diante do mal-estar
lembrei-me do que escreveram Beaud; Weber (2007, p. 175):
Seu material de pesquisa abrange também situações, tanto em observação como em
entrevista, no decorrer das quais o mal-estar entre os pesquisados e você jamais se
dissipou. Tome esse mal-estar como objeto de reflexão partindo da hipótese que
nada se deve ao acaso, porque há sempre uma causa (sociológica); não abandone
nunca o princípio de razão suficiente. Não ceda também à tentação psicologizante
(“é um(a) grosso(a)”, um mal-dormido, ele não era simpático, etc.) que alivia você
da responsabilidade de analisar as falhas de interação [...].
O essencial da análise se dá, aqui, na descrição e na elucidação do mal-estar.
Esforce-se por reconstituir as condições sociais dessa interação particular, pergunte-
se quem (qual tipo de pessoa social) você representa para o entrevistado. [...] A
seguir estabeleça com detalhe as características sociais de seu interlocutor. Faça a
28
lista de todos os mal-entendidos ligados à pesquisa. enfim, procure a ou as “falhas”,
as razões principais do mal-estar. Só a análise detalhada da relação que se dá entre
você e o pesquisado.
Como o último campo ainda é bem recente, pouco das entrevistas gravadas foram
trabalhadas nesta monografia por ainda estarem em processo de transcrição. A descrição de
alguns fatos importantes durante os três campos serviu para mostrar como ocorreu o processo
de envolvimento do pesquisador com as pessoas dos locais pesquisados e a equipe de
trabalho.
Após as considerações iniciais contidas na apresentação e metodologia, estruturei
a monografia em quatro partes:
Parte um: da teoria – faço uma relação direta e quase exclusivamente com o
pensamento de diversos autores a respeito das categorias de análise elencadas para discussão,
dentre elas: Migração, Territorialização, Espaço, Tempo, Globalização, Identidade,
Modernidades, Modernização, Eurocentrismo e Racionalidades;
Parte dois: o cenário da “fronteira” no Brasil da soja – esta segunda parte
refere-se à interrelação entre a teoria e o contexto no qual se deu (e se dá) a modernização das
áreas propícias ao cultivo de soja no país, com destaque para o Cerrado e Amazônia, cujas
ponderações são embasadas nas seguintes categorias: Papel do Estado, Fronteira, Rede
Política Agroindustrial, Território, Des-re-territorialização e Multiterritorialidade;
Parte três: o “admirável” Sertão Novo em Balsas – a penúltima parte trata
especificamente sobre o município de Balsas, cujos resultados e reflexões foram obtidos a
partir das informações e observações nos campos e dados estatísticos junto ao IBGE e
IMESC;
Parte quatro: das considerações finais – finalizo, nesta monografia, as reflexões
pessoais sobre os temas aqui abordados.
Enfim, desejo uma boa leitura, compreensão e crítica das temáticas aqui
abordadas.
29
2 METODOLOGIA
Para realização deste trabalho monográfico, concernente aos objetivos elencados
para sua produção, foram utilizadas as abordagens quanti-qualitativa e etnográfica, assim
como o método dialético, para observar, pensar e interpretar os processos de territorialização
na fronteira de expansão agrária no sul maranhense, sob a égide da sojicultura, e seus
desdobramentos. A partir desta metodologia buscou-se entender a dinâmica da modernização
e territorialização recente do campo sul-maranhense, no município de Balsas, atrelada à
expansão da soja, assim como quais são as situações-problema que afligem a população local
em virtude da chegada do migrante sulista e os quadros sócio-culturais e espaciais
(re)desenhados a partir destes processos.
A partir do método dialético buscou-se entender as contradições relativas ao
processo recente de modernização do campo e expansão da soja em choque direto com os
modos de vida daqueles estabelecidos há mais tempo na área de estudo, conseguintemente
refletiu-se sobre a configuração de uma nova territorialização em Balsas por conta de tais
contradições.
Fala-se aqui em abordagem etnográfica e não em método, já que a familiarização
com os grupos estudados precisaria de muito mais tempo em campo, como nos explicam
Beaud; Weber (2007, p. 191-192 e 194):
[...] A pesquisa etnográfica constrói-se como uma sequência de interações pessoais
que tornam possível a presença prolongada do pesquisador no campo. [...].
[...]
[...] ela deve ser “de longa duração”. [...] Por quê? Porque o tempo passado no local
abre possibilidade de verdadeiros “encontros”, de verdadeiros “intercâmbios
diferenciados”, de um envolvimento com o tempo de seus pesquisados. Uma breve
passagem fornece informações ao entrevistador, completamente ligado a seus
contatos locais, em geral os “notáveis” ou as “personagens oficiais” dos cargos
públicos e, pelo menos informalmente, as relações com o público ou os estrangeiros,
os “informantes” ou os “correspondentes” das pesquisas de antigamente. Somente
uma instalação, é claro, provisória, lhe proporciona uma verdadeira identidade [...].
Terá um lugar, à parte, é verdade, mas um lugar no meio de interconhecimento, terá
uma reputação, pois saber-se-á quem ele é e o que faz ali.
Porém, como abordagem, a etnografia proporcionou as bases para formulação dos
procedimentos da pesquisa de campo, haja vista que os contatos iniciais, as observações
diretas, entrevistas (gravadas ou não) e anotações sistemáticas em diário de campo auxiliaram
imprescindivelmente na compreensão da expansão da sojicultura no município de Balsas,
cujos processos decorrentes foram entendidos no contexto em que ocorrem, de modo que os
30
trabalhos de campo possibilitaram uma melhor clarificação do tema abordado, além da devida
constatação e avaliação daquilo que foi estudado na literatura.
A abordagem quanti-qualitativa foi utilizada para interpretar os levantamentos de
materiais existentes para representação cartográfica sobre a área de estudo, dos dados
estatísticos, informações obtidas em entrevistas e junto ao IBGE e IMESC, e por fim, na fase
de seleção dos dados empíricos coletados em observações de campo. Os dados coletados
foram tabulados e representados em forma de tabelas, quadros e figuras (fotos, gráficos,
mapas e cartogramas). Algumas figuras possuem legendas comentadas, como as que abrem os
capítulos, além de alguns quadros e gráficos – para além da normalização – objetivando
interagir e refletir o texto diretamente com as ilustrações.
2.1 Procedimentos metodológicos
2.1.1 Pesquisa Bibliográfica
- Participação, sob a direção das orientadoras no levantamento do referencial
bibliográfico que subsidiou o orientando, na área de Ciências Humanas/Sociais, através do
Núcleo de Documentação Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG), das bibliotecas centrais
e de programas de pós-graduação da UFMA e UEMA;
- Leitura, com fichamento, do referencial teórico voltado para o aprofundamento
das categorias de análise: fronteira tecnológica, territorialidade/identidade, papel do Estado e
racionalidades;
- Seminários internos para discussão sobre a bibliografia estudada;
- Levantamento de material existente com a representação cartográfica sobre a
área de estudo;
- Levantamento de dados secundários do IBGE e IMESC;
- Participação na revisão de todo o material bibliográfico trabalhado e utilizado,
bem como o cartográfico;
- Realização do levantamento de dados estatísticos, abrangendo o período de 1990
a 2010, em multiescalas (nacional, estadual, mesorregional, microrregional e municipal),
sobre a “evolução” da lavoura de soja, migrações internas, infraestrutura, programas de
“desenvolvimento” regionais, dados demográficos, socioeconômicos, ambientais, etc.;
31
- Redação e apresentação de artigos científicos paralelos em eventos que
abrangiam discussões temáticas sobre as categorias de análise e áreas afins (Território,
Identidade, Poder, Geografia Agrária, Política, Econômica, Urbana, Ambiental, Regional e
Ciências Sociais).
2.1.2 Organização e Realização da Pesquisa de Campo
- Participação na análise e discussão sobre a forma definitiva dos
instrumentos/procedimentos utilizados, junto aos sujeitos estudados;
- Participação nas discussões sobre a montagem dos instrumentos aplicados junto
à população formada por imigrantes, bem como às representações do sindicato patronal e
instituições públicas ligadas à oferta de serviços urbanos;
- Participação em três viagens de campo ao município de Balsas (uma por ano,
durante o triênio 2009-2011), aplicando-se os instrumentos/procedimentos selecionados, com
as técnicas de entrevistas, observações, anotações sistemáticas em diário de campo e
gravações;
- Transcrição das entrevistas.
2.1.3 Elaboração dos Dados
- Participação na fase de seleção dos dados empíricos coletados em campo;
- Participação na fase de tabulação dos dados coletados;
- Participação na fase de representação qualitativa dos dados quantitativos em
forma de tabelas, quadros e gráficos;
- Participação na fase de classificação e interpretação das transcrições.
2.1.4 Análise e Interpretação dos Dados/Informações
- Participação na redação do projeto de monografia;
- Participação na fase de análise/interpretação dos dados/informações
levantados/coletados na área de estudo. O anonimato dos(as) entrevistados(as) foi mantido:
quando chamados(as) nesta monografia os(as) denominei por letras maiúsculas, em ordem
alfabética crescente, de acordo com a sequência em que aparecem no texto;
32
- Apresentação do texto preliminar da monografia às orientadoras que fizeram as
devidas correções e considerações;
- Apresentação dos resultados da monografia à banca examinadora;
- Redação definitiva do texto monográfico.
O quadro abaixo representa a distribuição cronológica das atividades realizadas
pelo orientando durante o projeto de pesquisa sobre Balsas até a “finalização” desta
monografia:
QUADRO 01. Cronograma de atividades do orientando.
ATIVIDADES
ANO/SEMESTRE
2009 2010 2011
1º 2º 1º 2º 1º 2º
01 Participação do orientando, no levantamento de material
bibliográfico relacionado ao assunto, junto à Biblioteca
Central e programas de pós-graduação da UFMA e UEMA. X X X X X X
02 Fichamento do material bibliográfico referente às
categorias de análises utilizadas na fundamentação do
trabalho. X X X X
03 Levantamento de material existente sobre a
representação cartográfica da área de estudo. X X
04 Realização do levantamento de dados estatísticos sobre
“evolução” da lavoura de soja, migrações internas,
infraestrutura, programas de “desenvolvimento” regionais,
dados demográficos, socioeconômicos, ambientais, etc.
X
05 Participação na montagem dos instrumentos a serem
aplicados junto à população local e “migrante”, bem como
às representações patronais, culturais e instituições públicas
e de preservação da cultura/identidade local e do migrante
sulista.
X X X
06 Participação em viagem ao município de Balsas, visando
a aplicação dos instrumentos/procedimentos selecionados. X X X
07 Participação na fase de seleção dos dados empíricos
coletados no campo. X X X
08 Participação na etapa de tabulação dos dados coletados. X X X
09 Participação na etapa de representação dos dados em
tabelas, quadros e gráficos. X X X
10 Participação na fase de análise e interpretação dos
dados/informações. X X X
11 Participação na redação do texto final da monografia. X
12 Defesa da monografia. X
Fonte: Dados da pesquisa, 2009-2011.
33
PARTE UM: da teoria
34
3 SOBRE AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: divagações introdutórias...7
Figura 01. Mosaico 1: sátiras de Pawła Kuczyńskiego. Fonte: adaptado de Capu.pl. A concentração de renda e o
aumento contínuo da desigualdade são características inerentes ao projeto de mundo moderno globalizado da
forma como está: “Enquanto metade da humanidade não come, a outra metade não dorme, com medo da que não
come” (frase propalada em um congresso da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação –
FAO, por Josué Apolônio de Castro – geógrafo, cientista social, professor, escritor, político, médico, nutrólogo,
ativista brasileiro... autor da obra clássica Geografia da Fome – enquanto dirigente eventual desta instituição).
7 Num primeiro momento, o que parece uma verborragia divagante fez-se necessária. O encadeamento de
diversas categorias de análise não se deu por acaso e nem desconcatenado. Neste capítulo introdutório elencou-
se uma série de categorias (migração, territorialização, espaço, tempo, globalização, identidade, modernidades,
modernização e eurocentrismo) como um ensaio geral para os capítulos seguintes, que as tratarão mais
especificamente, principalmente aquelas que foram consideradas indispensáveis para o entendimento holístico
do trabalho.
Este capítulo possui alguns trechos do seguinte artigo: OLIVEIRA, Danniel Madson Vieira; MOREIRA, Tiago
Silva; RÊGO, Josoaldo Lima. Processo de (re)construção da identidade sócio-territorial no sujeito (pós)moderno.
In: Ciências Humanas em Revista (UFMA), v. 7, p. 20-29, 2009.
35
“[...] Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,
alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor –
mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o
que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse
sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma
unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de
ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como
disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar.’” (BERMAN, 2007, p. 24, grifo
meu).
A mobilidade8 é uma característica da espécie humana (mas não só desta) desde
nossas sociedades mais simples, formadas por grupos nômades de caçadores e coletores.
Mesmo “de caçador a criador, de coletor a agricultor” (PINSKY, 1987, p. 50) e sua
consequente “sedentarização” (estágios das sociedades humanas perpetuados pela ótica de
teorias evolucionistas) o homem continuou a se dispersar mundo afora, pelas causas mais
diversas possíveis como intempéries naturais, conflitos intergrupais ou busca por recursos
naturais.
A “diáspora” colonizadora do homem moderno9 reconfigurou (e reconfigura)
constantemente o espaço geográfico. Ao longo dos anos, as inovações técnicas nos meios de
transporte e de comunicação permitiram a dinamização dessa mobilidade e o “acesso
instantâneo” virtual aos diversos territórios do ciberespaço10
, através da rede mundial de
computadores11
, dando uma aparente e utópica noção de homogeneidade do espaço, fim das
fronteiras, dos territórios nacionais, da Geografia, da História, consolidação da aldeia global e
pós-modernidade... momento denominado e conceituado por Santos (1996, p. 147) de “Era
8 Neste capítulo utiliza-se a palavra mobilidade como sinônima às migrações humanas: “movimento espacial de
indivíduos ou grupos (ou até de populações) de um habitat para outro” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA). 9 Quem é este homem moderno? É aquele pertencente ao Mundo e Período Moderno. O Mundo Moderno surge
na Europa expansionista ultramarina, iluminista, moldado pelos homens e mulheres que “sacralizaram” seu
pensamento como O RACIONAL, tornando-o hegemônico, substituindo “a providência divina” (que tem certeza
na lei divina) pelo “progresso providencial” (cuja certeza provém de nossos sentidos, da observação empírica,
que produzem a razão desagrilhoada). “[...] a idéia providencial da razão coincidiu com a ascensão do domínio
europeu sobre o resto do mundo. O crescimento do poder europeu forneceu o suporte material para a suposição
de que a nova perspectiva sobre o mundo era fundamentada sobre uma base sólida que tanto proporcionava
segurança como oferecia emancipação do dogma da tradição.” (GIDDENS, 1991, p. 54). O homem moderno
cria, defende e difunde o projeto de modernidade sob a égide do pensamento “racional” ocidental. 10
Termo criado pelo escritor estadunidense William Ford Gibson, popularizado em seu romance de estreia
“Neuromancer” (1984), que assim o define: “Ciberespaço. Uma alucinação consensual experimentada
diariamente por bilhões de operadores legitimados, em cada nação, por crianças atrás de conceitos matemáticos
ensinados... Uma representação gráfica de informação abstraída dos bancos de cada computador no sistema
humano. Complexidade impensável. Linhas de luz vagueando no não espaço da mente, cachos e constelações de
informação. Como luzes da cidade, recuando.” (GIBSON, 1993, p. 67, grifos meus). 11
“É a partir do computador que a noção de tempo real, um dos motores fundamentais da nossa era, torna-se
historicamente operante. Graças exatamente, à construção técnica e social desse tempo real é que vivemos uma
instantaneidade percebida, uma simultaneidade dos instantes, uma convergência dos momentos.” (SANTOS,
1996, p. 148).
36
das Telecomunicações”, na qual há “combinação entre a tecnologia digital, a política
neoliberal e os mercados globais.”
O mundo estaria se “desterritorializando”? Sob o impacto dos processos de
globalização que “comprimiram” o espaço e o tempo, erradicando as distâncias pela
comunicação instantânea e promovendo a influência de lugares os mais distantes uns
sobre os outros, a fragilização de todo tipo de fronteira e a crise da territorialidade
dominante, a do Estado nação, nossas ações sendo regidas mais pelas imagens e
representações que fazemos do que pela realidade material que nos envolve, nossa
vida imersa numa mobilização constante, concreta e simbólica, o que restaria de
nossos “territórios”, de nossa “geografia”? Segundo o urbanista-filósofo francês
Paul Virilio, até a geopolítica estaria sendo sobrepujada pela cronopolítica, pois
seria estrategicamente muito mais importante o controle do tempo do que o controle
do espaço. O mundo das divisões territoriais dos Estados nações, na forma de colcha
de retalhos, estaria condenado frente ao mundo das redes, a “sociedade em rede”
como denominou Manuel Castells. (HAESBAERT, 2006, p. 19-20).
David Harvey (2010) escreveu sobre a “compressão do tempo-espaço” (figura 02) como
um indicativo da demasiada e contínua aceleração do ritmo de vida imposto pela história do
capitalismo, vencendo cada vez mais as limitações do espaço, tornando o mundo cada vez “menor”:
[...] À medida que o espaço parece encolher numa “aldeia global” de
telecomunicações e numa “espaçonave terra” de interdependências ecológicas e
econômicas [...] e que os horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só
existe o presente (o mundo do esquizofrênico), temos de aprender a lidar com um
avassalador sentido de compressão dos nossos mundos espacial e temporal.
(HARVEY, 2010, p. 219, grifos do autor).
Figura 02. Mosaico 2: Compressão do tempo-espaço. A – “O encolhimento do mapa do mundo graças a
inovações nos transportes que ‘aniquilam o espaço por meio do tempo’”. B – “Um anúncio da Alcatel de 1987
enfatiza uma imagem popular do globo encolhendo”. Fonte: adaptado de Harvey, 2010, p. 220 e 221.
37
“Oh, admirável mundo novo!” Que a todo instante se desconstrói-reconstrói, em
que o novo já nasce obsoleto, a rapidez e tempo tornam-se inversamente proporcionais
(aumenta-se a velocidade de tudo para que possamos fazer mais tudo e a impressão que fica é
que estamos sempre sem tempo), talvez o ápice da tentativa constante de findar o espaço pode
ser traduzido nos investimentos em pesquisas e estudos sobre a possibilidade de viagem do
homem no tempo-espaço através do teletransporte (possibilidade ainda frustrada).
No mundo moderno a intensidade dos processos e a velocidade do acontecer
marcam as relações dos homens entre si e destes com o espaço, uma vez que
transformam o tempo, aceleram o ritmo. “Nosso ritmo de vida não conhece os
tempos longos”, nos assevera Calvino [1994, p. 15]. A ideia de um tempo rápido, de
um aqui e agora, de um presente sem espessura parece despir o cidadão de um
passado, de sua história, deixando-o assolado pela febre do instantâneo. O passado,
enquanto experiência e sentido daquilo que produz o presente, se perde, ao passo
que o futuro se esfuma na velocidade do tempo da transformação das formas – o
lugar é cada vez mais aquele do não uso, logo, da não identidade.
[...]
São as mudanças no tempo e no espaço, e na sua relação, que ajudam a definir a
modernidade hoje. (CARLOS, 2010, p. 10).
Porém, apesar do “triunfo” (mais no campo teórico) da “sociedade em rede”, da
“inflação telecomunicacional” e da “convergência dos momentos”, os atores que dão vida ao
espaço virtual que “homogeniza” provêm de espaços reais os mais heterogêneos e,
preponderantemente, espaços de inclusão precária regidos por pensamentos diversos em
contraposição à consciência global interplanetária; outros milhões, marginalizados pelo
mercado e de racionalidades colonizadas, foram “deletados” desse processo oneroso pela
globalização da “desigualdade moral e política12
” (ROUSSEAU, 2006), tornando a
sustentação deste discurso, na prática, falaciosa e volátil (o termo global foi deturpado no
sentido de abrangência absoluta: a contradição surge ao classificarmos um processo como
global quando este elenca uma “minoria prioritária13
”, inclui muitos precariamente e exclui
uma parcela significativa). A aldeia global cunhada pelo filósofo canadense Herbert Marshall
McLuhan e em seguida singularizada com a globalização parece cada vez mais restrita, em
processo de implosão, causado por esta globalização nonsense estabelecida, doente, em
autofagia degenerativa.
12
“[...] A [...] desigualdade moral ou política [...] depende de uma espécie de convenção e [...] é estabelecida ou
pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam
alguns em prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros ou mesmo
fazer-se obedecer por eles.” (ROUSSEAU, 2006, p. 27). 13
Neste caso falo de uma minoria hegemônica, minoria apenas numericamente já que detém o poder
econômico, social, político, militar, cultural... ao contrário de minorias contra-hegemônicas (raciais, culturais
e nacionais): “grupo racial, cultural ou de nacionalidade, autoconsciente, em procura de melhor status
compartilhado do mesmo habitat, economia, ordem política e social com outro grupo (racial, cultural ou de
nacionalidade), que é dominante (ecológica, econômica, política ou socialmente) e que não aceita os membros
do primeiro em igualdade de condições” (PIERSON apud DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
38
Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os
20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30
para 1, em 1960, de 60 para 1, em 1990, e de 74 para 1, em 1997. Explica esse
aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188
milhões de desempregados em 2003, ou seja, 6,2 % da força de trabalho mundial),
do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da
população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar
por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta. (HAESBAERT; PORTO-
GONÇALVES, 2006, p. 47).
[...] a sociedade global caminha a passos largos ao esfacelamento do mundo. A
pobreza e o desemprego aumentam, criam-se cada vez mais miseráveis em nome
dessa razão que matou a política e transformou o mercado na primeira, última e
única instância de vida do cidadão, transformando este em um [mero] consumidor.
Entretanto, as desigualdades crescentes nos fazem acreditar que, como disse Milton
Santos, uma outra globalização é possível; que essa razão hegemônica não é
invencível e que essa ordem social pode e deve ser questionada, pois isso é um dos
papéis dos intelectuais. Então um outro possível histórico é plausível, uma vez que,
como alertava Nietzsche, o homem é o grande criador das coisas e dos valores.
Essas coisas e valores podem parecer e aparecer transcendentais, superiores e, até
mesmo, metafísicas aos olhos do próprio homem. Todavia, no íntimo, essa razão
hegemônica é a globalização; essas coisas e valores são obras demasiadamente
humanas.” (RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT’ANA JÚNIOR, 2010, p. 49).
Apesar da incontestável interação de culturas, algumas imperativas
excessivamente, e o aspecto cultural híbrido do homem moderno, as diferenças, adaptações e
resistências de sociedades moldadas pela tradição14
persistem, em oposição ao pensamento do
macho-ocidental-branco-heterossexual-civilizado que se auto classifica como sendo o racional
e consequentemente reafirma sua “superioridade” e imperatividade.
Essa modernidade, produzida e difundida pelos europeus, ao ser contestada, é
porque passa por momentos de crise, assim como todo o aporte social, cultural e econômico
intrínseco a ela. Heidemann nos fala a respeito da forma como ocorrem as migrações
coetâneas, consequência direta da crise da modernidade, desgastada e sem o poder de
regeneração de outrora:
O aspecto canibalesco do capital e seu ímpeto infatigável de integrar todas as áreas
sociais destroem e excluem, ao mesmo tempo, os seus pressupostos vivos. Não
podemos ter ainda dúvidas de que o atual processo de migração resultou num
reforçado apartheid social nos territórios do mercado mundial. Os migrantes que
hoje [...] trabalham como [ou fazem] escravos nas fazendas das periferias rurais [...]
não são fenômenos residuais de condições pré-modernas, mas produto de uma
14
Tradição: “aspectos culturais, materiais e espirituais, transmitidos oralmente de geração em geração, através
de hábitos, usos e costumes” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
“Nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos valorizados porque contêm e perpetuam a
experiência de gerações. A tradição é um modo de integrar a monitoração da ação com a organização tempo-
espacial da comunidade. Ela é uma maneira de lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer atividade ou
experiência particular dentro da continuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados
por práticas sociais recorrentes. A tradição não é inteiramente estática, porque ela tem que ser reinventada a cada
nova geração conforme esta assume sua herança cultural dos precedentes. A tradição não só resiste à mudança
como pertence a um contexto no qual há, separados, poucos mercadores temporais e espaciais em cujos termos a
mudança pode ter alguma forma significativa.” (GIDDENS, 1991, p. 44).
39
modernidade que não tem mais como garantir outras possibilidades de existência.
(HEIDEMANN, 2010, não publicado, grifo meu).
A mobilidade forçada é intrínseca à modernidade e modernização, principalmente
nas sociedades contemporâneas, e é ainda mais dinâmica naquelas tardiamente inseridas nesse
contexto. Os espaços centrífugos (que repelem) e centrípetos (que atraem), protagonizados e
metamorfoseados pelos diferentes agentes sociais, vão determinar a direção desses fluxos
migratórios (HEIDEMANN, 2010, não publicado, SANTOS; SILVEIRA, 2006) sob a égide
da expansão do capital.
O migrante mobilizado é atraído e expulso conforme as conjunturas do processo de
modernização. As leis da concorrência movimentaram os exércitos de reserva na
imposição da economia moderna em grandes levas de deslocamentos. Em tempos da
crise15
fundamental do sistema social, a rejeição e discriminação do imigrante,
supérfluo para o processo de valorização, torna-se mais comum. As interpretações
social-darwinista tornam-se novamente populares. (HEIDEMANN, 2010, não
publicado).
Assim como a questão da mobilidade e migrações recentes, o constante e abrupto
renovar técnico-científico-informacional16
observado no século XX e atual século XXI são
fatores demasiadamente essenciais para o desenvolvimento do período que denominamos de
Globalização. Processo que, como supracitado, apesar da inclusão precária, consegue
paulatinamente estreitar os laços geográficos e culturais entre diversos povos, porém não
promove a unidade cultural.
É bem verdade que a globalização facilitou a propagação de informações e
aproximou as mais diversas culturas. Ela “encurtou” as distâncias e promoveu a
integração econômica no mais alto patamar. Consequentemente, esse mesmo
processo superexplora a mão-de-obra desprovida de qualificação (política essa
inerente à grande parte das empresas transnacionais); faz insurgir movimentos
contrários à imposição de um pensamento único (SANTOS, 2000), como o
fundamentalismo islâmico (que são taxados de radicais e terroristas, pois não
compactuam com os preceitos desse modelo de ordem originário da razão
hegemônica). Samuel Huntington fala em “choque de civilizações”, choque que
muitas vezes provoca reações nos mais diversos países: a xenofobia (especialmente
na Europa Ocidental – Alemanha – e na América Anglo-Saxônica – EUA, para com
os latinos). Os riscos financeiros aumentam, pois o neoliberalismo é incapaz de
regulamentar os mercados por si só (o Estado torna-se importante e vital para o
capitalismo – um bom exemplo é a crise mundial pela qual atravessamos desde o
final de 2008). A inclusão precária dos habitantes é reflexo do abandono do Welfare
State. Apenas poucos possuem acesso a uma qualidade de vida honesta. A fé cega na
15
“[...] a moderna sociedade do trabalho como um todo está no fim e, com isso, também o estão suas categorias
básicas da forma-mercadoria e forma-dinheiro” (KURZ, 1999). 16
“A união entre ciência e técnica [...] revigora-se com os novos e portentosos recursos da informação, a partir
do período da globalização e sob a égide do mercado. E o mercado, graças exatamente à ciência, à técnica e à
informação, torna-se um mercado global. O território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos,
graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação dos insumos, dos produtos, do
dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-científico-
informacional [...] que se instala sobre o território [...].” (SANTOS; SILVEIRA, 2006. p. 52-53).
40
técnica pragmatiza as ciências (a Geografia, notadamente, não escapa disso). Não há
como negar que isso é a globalização em sua essência. (RIBEIRO JUNIOR;
OLIVEIRA; SANT’ANA JÚNIOR, 2010, p. 47).
O processo ressaltado por alguns estudiosos ou leigos como uma característica
salutar da globalização seria a amálgama inter/multi/transcultural17
proveniente da
hibridização e ressignificação de culturas “análogas” ou até mesmo “distantes”, mas que
encontram um “elo”, um ponto de “afinidade”, ou são absorvidas por “osmose” após o
movimento massivo e incessante de culturas que são (ou querem se fazer) hegemônicas, como
afirma Featherstone (apud SILVA, 2001, p. 189): “a globalização nos torna conscientes do
próprio volume da diversidade e das muitas faces da cultura. Os sincretismos18
e os
hibridismos19
constituem mais a regra do que a exceção”.
Todo esse processo é descrito e reafirmado por Berman (2007), porém, utilizando
outra categoria que se confunde em alguns aspectos com a globalização: a modernização,
bastante referida nesta discussão, que durante as últimas décadas (do século XX e do recente
XXI) trouxe uma série de transformações homogeneizadoras intensas que foram naturalizadas
em prol do “progresso”, difusão do capitalismo e da cultura ocidental, em detrimento das
diversas identidades e modos de vida de grupos não hegemônicos:
O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes
descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do
lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma
conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os
antigos, acelera o próprio ritmo de vida, gera novas explosões demográficas, que
penaliza milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-as
pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e muitas vezes
catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa, dinâmicos em
seu desenvolvimento, que embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais
variados indivíduos e sociedades; estados nacionais cada vez mais poderosos,
burocraticamente estruturados e geridos, que lutam em obstinação para expandir seu
poder; movimentos sociais de massa e de nações, desafiando seus governantes
políticos ou econômicos, lutando por obter algum controle sobre suas vidas; enfim,
dirigindo e manipulando todas as pessoas e instituições, um mercado capitalista
mundial, drasticamente flutuante, em permanente expansão. No século XX, os
processos sociais que dão vida a esse turbilhão, mantendo-o num perpétuo estado de
vir-a-ser, vêm a chamar-se “modernização”. [...] (BERMAN, 2007, p. 25, grifo
meu).
17
Transculturação: “processo de difusão e infiltração de complexos ou traços culturais de uma para outra
sociedade ou grupo cultural; troca de elementos culturais” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA). 18
Sincretismo: “processo de fusão de elementos ou traços culturais, dando como resultado um traço ou
elementos novos” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA). 19
“O hibridismo cultural é um fenômeno histórico-social que existe desde os primeiros deslocamentos
humanos, quando esses deslocamentos resultam em contatos permanentes entre grupos distintos. [...] um sujeito
híbrido [...] quando deixa sua terra, torna-se diferente, pois os outros homens que encontra na terra estrangeira
têm outros costumes e outras crenças; ouve outro tipo de música e dança em outro ritmo. O ritmo que trouxe une
ao que encontra e inicia o processo de hibridismo cultural. A palavra sujeito aqui [...] tem o significado de grupo
ou comunidade.” (CARDOSO, 2008, p. 79).
41
Acerca das “modernidades” as reflexões são também complexas: retratam
categorias de análise que diferem (entre si) por aspectos conceitualmente tênues, já que estão
demasiadamente interrelacionadas. De forma bem simplista, modernidade, hipermodernidade
e pós-modernidade, são três etapas do Período Moderno20
que representam respectivamente:
(1) início/consolidação, (2) apogeu e (3) superação do homo modernus, ou seja, aquele sujeito
inserido nas características da sociedade moderna ocidental, como explica melhor Giddens:
[...] O que é modernidade? Como uma primeira aproximação, digamos
simplesmente o seguinte: “modernidade” refere-se a estilo, costume de vida ou
organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que se
tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. [...]
Hoje, no final do século XX, muita gente argumenta que estamos no limiar de uma
nova era, a qual as ciências sociais devem responder e que está nos levando para
além da própria modernidade. Uma estonteante variedade de termos tem sido
sugerida para esta transição, alguns dos quais se referem positivamente à emergência
de um novo tipo de sistema social (tal como a “sociedade de informação” ou a
“sociedade de consumo”), mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de
coisas precedentes, está chegando a um encerramento (“pós-modernidade”, “pós-
modernismo”, “sociedade pós-industrial”, e assim por diante) [...]. (GIDDENS,
1991, p. 11).
A Modernidade está diretamente relacionada com o Capitalismo, pois,
desenvolvem-se praticamente simultaneamente. Também está relacionada ao projeto de
mundo moderno, difundido desde o século XVII da Europa para o mundo. Baudelaire (1996,
p. 24) percebe e “traduz”, como poucos dos seus contemporâneos, as faces da modernidade na
vida e na arte do homem moderno (especificamente de Paris no século XIX), nos falando que:
“[...] A Modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a
outra metade o eterno e o imutável”, frase tão bem analisada por Berman (2007, p. 160)
quando afirma que:
[...] uma das qualidades mais evidentes dos muitos escritos de Baudelaire sobre vida
e arte moderna consiste em assinalar que o sentido da modernidade é
surpreendentemente vago, difícil de determinar. [...] o pintor (ou romancista ou
filósofo) da vida moderna é aquele que concentra sua visão e energia na “sua moda,
sua moral, suas emoções”, no “instante que passa e (em) todas as sugestões de
eternidade que ele contém”. Esse conceito de modernidade é concebido para romper
com as antiquadas fixações clássicas que dominam a cultura francesa. “Nós, os
artistas, somos acometidos de uma tendência geral a vestir todos os nossos assuntos
com uma roupagem do passado”. A fé estéril de que vestimentas e gestos arcaicos
produzirão verdades eternas deixa a arte francesa imobilizada em “um abismo de
beleza abstrata e indeterminada” e priva-a de “originalidade”, que só pode advir do
“selo que o Tempo imprime em todas as gerações”.
20
Não trabalho aqui com a noção clássica de subdivisão da História Ocidental em Idades (... Antiga, Média,
Moderna e Contemporânea). Neste caso, o Período Moderno não está relacionado somente à Idade Moderna,
mas a partir desta aos dias atuais, já que o projeto de mundo moderno vem desde então e ainda está a
“colonizar” novas áreas, extinguir remanescências e reminiscências.
42
As artes e arquitetura da modernidade são marcadas pela “criação destrutiva” e
“destruição criativa” (figura 03). A “imortalidade” do artista moderno torna-se um
antagonismo. “[...] Se o modernista tem de destruir para criar, a única maneira de representar
verdades eternas é um processo de destruição passível de, no final, destruir ele mesmo essas verdades.
E, no entanto, somos forçados, se buscamos o eterno e o imutável, a tentar e a deixar a nossa marca no
caótico, no efêmero e no fragmentário. [...]” (HARVEY, 2010, p. 26).
Figura 03. “A arte parisiense de boulevard atacando a destruição modernista do antigo tecido urbano: um cartum
de J. F. Batellier em ‘Sans Retour, Ni Consigne’”. Fonte: Harvey, 2010, p. 28.
Outro viés dos Tempos Modernos é a Hipermodernidade ou Modernidade
Radicalizada: a exacerbação de diversos valores criados na Modernidade, tais como o
individualismo, o narcisismo coletivo, o consumismo, o liberalismo globalizado, a ética
hedonista, a fragmentação e efemeridade do tempo e do espaço, a esquizofrenia no ritmo das
mudanças, a sociedade permissiva e do carpe diem21
. Estamos na “era do vazio”22
(?).
21
O termo latim carpe diem traduzido livremente significa “aproveitar/apreender/colher o dia/o momento” tendo
como referência primária um trecho da obra “Odes I” ou “Carminum liber primus” (datada de 23 a.C) do poeta
romano Quintus Horatius Flaccus, ou simplesmente Horácio para lusófonos, quando escreve (em Odes, I, 11, 8
“A Leuconoe”): “[...] fugerit ínvida aetas: carpe diem quam minimum credula postero. [...]” (tradução: [...]
fugido o tempo invejoso: colhe o dia, quanto menos confiada no de amanhã. [...]). Popularizado como um dos
lemas que sintetizava os ideais dos poetas do Arcadismo (movimento artístico-literário ocidental
predominantemente do século XVIII), no sentido epicurista original, de um hedonismo de ascese, uma busca de
prazer ordenado, “racional”, que deve evitar todo desprazer e toda supremacia do prazer. Era um hedonismo a
mínima, de apreciar e viver bem o momento presente, longe dos excessos. Recentemente o carpe diem foi
retomado deturpando-se o sentido original – em algumas músicas, filmes, propagandas e livros – perdendo toda
relação com o texto original e passa a ser compreendido como uma incitação ao mais forte hedonismo, talvez o
mais cego, sem perspectiva de futuro, logo, onde “tudo é destinado a desaparecer” procura-se qualquer prazer
43
Viver o presente, nada mais do que o presente, não mais em função do passado e do
futuro: é esta “perda do sentido da continuidade histórica” (C.N., p. 30), esta erosão
do sentimento de pertencer a uma “sucessão de gerações enraizadas no passado e se
prolongando para o futuro” que, segundo C. Lasch, caracteriza e engendra a
sociedade narcisista. Hoje em dia vivemos para nós mesmos, sem nos preocuparmos
com as nossas tradições e com a nossa posteridade: o sentido histórico foi
abandonado, da mesma maneira que os valores e as instituições sociais. A derrota no
Vietnã, o caso Watergate, o terrorismo internacional e também a crise econômica, a
escassez de matérias-primas, a angústia nuclear, os desastres ecológicos (C. N., p. 17
e 28) criaram uma crise de confiança nos líderes políticos, um clima de pessimismo
e de catástrofe iminente que explicam o desenvolvimento das estratégias
narcisísticas de “sobrevida” que prometem a saúde física e psicológica. Quando o
futuro parece ameaçador e incerto, resta debruçar-se sobre o presente, que não
paramos de proteger, arrumar e reciclar, permanecendo em uma juventude sem fim.
Ao mesmo tempo em que coloca o futuro entre parênteses, o sistema procede à
“desvalorização do passado”, em razão de sua avidez de soltar-se das tradições e das
limitações arcaicas, de instituir uma sociedade sem amarras e sem opacidade; com
essa indiferença pelo tempo histórico instala-se o “narcisismo coletivo”, sintoma
social da crise generalizada das sociedades burguesas, incapazes de enfrentar o
futuro de outro modo, a não ser com desespero. (LIPOVETSKY, 2005, p. 33).
O termo hipermodernidade foi cunhado pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky,
na obra “Os tempos hipermodernos”, para delimitar o momento atual das sociedades
humanas outrora modernas, por considerar não estarmos na pós-modernidade, já que as
rupturas com a modernidade ainda são “insuficientes” (as estruturas do “passado moderno”
agonizam, mas ainda não morreram, sobrevivem se retroalimentando com as estruturas do
“novo moderno”), a ponto de não terem sido superadas integralmente.
A ruptura com as concepções providenciais da história, a dissolução da aceitação de
fundamentos, junto com a emergência do pensamento contrafatual orientado para o
futuro e o “esvaziamento” do progresso pela mudança contínua, são tão diferentes
das perspectivas centrais do Iluminismo que chegam a justificar a concepção de que
ocorreram transições de longo alcance. Referir-se a estas, no entanto, como pós-
modernidade, é um equívoco que impede compreensão mais precisa de sua natureza
e implicações. As disjunções que tomaram lugar devem, ao contrário, ser vistas
como resultantes da auto-elucidação do pensamento moderno, conforme os
remanescentes da tradição e das perspectivas providenciais são descartados. Nós não
nos deslocamos para além da modernidade, porém estamos vivendo precisamente
através de uma fase de sua radicalização. (GIDDENS, 1991, p. 56-57).
As dúvidas que geraram a existência teórica concomitante e dicotômica, da
modernidade e pós-modernidade, fizeram “surgir” a trifurcação dos tempos modernos, na qual
a hipermodernidade, entre as duas supracitadas, possui uma fronteira conceitual transitória,
fluida (instável), litigiosa e mal demarcada, característica de períodos de crise paradigmática.
corriqueiro a qualquer custo. (adaptado de WIKIPÉDIA: Carpe diem; Horácio/ PEREIRA, 2000/ MARTINS;
LEDO, 2001). 22
Em referência a: LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo.
Tradução: Terezinha Monteiro DEUTSCH; Apresentação: Juremir Machado da SILVA. Barueri, SP: Manoele,
2005.
44
Silva nos ajuda a refletir sobre algumas destas dúvidas, utilizando aporias essenciais para
pensarmos o quê, como, quem somos, onde estamos?:
Estamos no vazio ou no excesso? Vivemos um tempo extremo ou um novo e
instável equilíbrio? Caminhamos no fio da navalha e cortamos os nós que nos
prendiam a um passado cheio de correntes e de moralismos? Entramos numa fase de
descalabro ético ou, finalmente, estamos pondo os valores a serviço dos homens e
não os homens a serviço de uma moral da submissão? Atravessamos a fronteira do
bem e do mal e ingressamos num deserto de certezas ou descobrimos que nossas
verdades universais eram valores locais universalizados? (SILVA, 2005, p. IX).
O ponto extremo final dos tempos modernos, ou seja, a Pós-modernidade ou
Modernidade Tardia, popularizada por Jean-François Lyotard, seria a condição sócio-cultural,
econômica e estética do capitalismo pós-industrial ou financeiro, caracterizando-se pelo fim
das metanarrativas23
, nas quais as mudanças ocorrem na totalidade, ao contrário da condição
pós-moderna (mudanças ocorrem por partes) (HARVEY, 2010).
Ao que se refere comumente a pós-modernidade? Afora o sentido geral de se estar
vivendo um período de nítida disparidade do passado, o termo com frequência tem
um ou mais dos seguintes significados: descobrimos que nada pode ser conhecido
com alguma certeza, desde que todos os “fundamentos” preexistentes da
epistemologia se revelaram sem credibilidade; que a “história” é destituída de
teleologia e consequentemente nenhuma versão de “progresso” pode ser
plausivelmente defendida: e que uma nova agenda social e política surgiu com a
crescente proeminência de preocupações ecológicas e talvez de novos movimentos
sociais em geral. Dificilmente alguém hoje em dia parece identificar a pós-
modernidade com o que ela tão amplamente já chegou a significar – a substituição
do capitalismo pelo socialismo. O deslocamento desta transição para longe do centro
do palco, na verdade, é um dos principais fatores que estimularam as discussões
correntes sobre a possível dissolução da modernidade, dada a concepção totalizante
da história de Marx. (GIDDENS, 1991, p. 52).
Categorias retomadas, criadas ou popularizadas por Nietzsche, em algumas das
suas obras clássicas que datam da segunda metade do século XIX, foram apropriadas ou
23
“Na filosofia e na teoria da cultura, uma metanarrativa assume o sentido de uma grande narrativa, uma
narrativa de nível superior (“meta” – é um prefixo de origem grega que significa “para além de”), capaz de
explicar todo o conhecimento existente ou capaz de representar uma verdade absoluta sobre o universo. A Bíblia
e o Alcorão são exemplos de metanarrativas universalmente conhecidas; mas toda a obra cultural e política
vitoriana pode ser considerada uma metanarrativa, tal como Ulysses de James Joyce ou as teorias feministas
radicais ou as propostas marxistas do século XX. É esta crença nas totalidades e na capacidade de uma
metanarrativa para congregar todo o conhecimento possível que levou Jean-François [Lyotard] a proposição da
condição pós-moderna como uma reacção à confiança nesta utopia: “considera-se que o ‘pós-moderno’ é a
incredulidade em relação às metanarrativas. Esta é, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências, mas este
progresso, por sua vez, pressupõe-na. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde
especialmente a crise da filosofia metafísica e da instituição universitária que dela dependia.” (A Condição Pós-
Moderna, 2ª ed., trad. de Bragança de Miranda, Gradiva, Lisboa, 1989, p.12). [...]
[...]
[...] O programa pós-moderno tem sido, portanto, a desconstrução do mito cartesiano de que é possível construir
uma narrativa capaz de explicar tudo o que se sabe sobre o homem e o mundo.” (CEIA).
45
ressignificadas à teoria dos pensadores pós-modernos, como a morte de Deus, o niilismo e o
Super Homem (Übermensch).
“Deus está morto” é uma das frases propaladas por Nietzsche, talvez a mais
conhecida pelo impacto que causou (e ainda causa): as criaturas errantes (nós) assassinaram
seu Criador sagrado (Deus). A metáfora se estabelece sobre o princípio do “fim dos
fundamentos transcendentais da existência de Deus como justificativa e fonte de valoração
para o mundo tanto na civilização quanto na vida das pessoas.” A partir do momento que não
cremos mais nesta máxima, rejeitamo-la assim como quaisquer valores provenientes desta e
outras metanarrativas. “Os homens, não mais procurando vislumbrar uma realidade
sobrenatural, poderiam começar a reconhecer o valor deste mundo. Assumir a morte de Deus
seria livrar-se dos pesados ídolos do passado e assumir sua liberdade, tornando-se eles
mesmos deuses” (WIKIPÉDIA: Deus está morto):
Nunca ouviram falar desse louco que acendia uma lanterna em pleno dia e desatava
a correr pela praça pública gritando sem cessar: “Procuro Deus! Procuro Deus!” –
Como havia ali muitos daqueles que não acreditam em Deus, seu grito provocou
grande riso. “Estava perdido?” – dizia um. “Será que se extraviou como uma
criança?” – perguntava o outro. “Será que se escondeu?” “Tem medo de nós?”
“Embarcou? Emigrou?” – Assim gritavam e riam todos ao mesmo tempo. O louco
saltou no meio deles e trespassou-os com o olhar.
“Para onde foi Deus?” – exclamou – “É o que vou dizer. Nós o matamos – vocês e
eu! Nós todos, nos somos seus assassinos! [...] Deus morreu! [...] E fomos nós que o
matamos! Como havemos de nos consolar, nós, assassinos entre os assassinos! O
que o mundo possuiu de mais sagrado e de mais poderoso até hoje sangrou sob
nosso punhal – quem nos lavará desse sangue? [...].
[...] – Conta-se ainda que esse louco entrou nesse mesmo dia em diversas igrejas e
entoou seu Requiem aeternam Deo24
. Expulso e interrogado, teria respondido
inalteravelmente a mesma coisa: “Para que servem essas igrejas, se não são os
túmulos de Deus?” (NIETZSCHE, 2006a, p. 129-130).
O Niilismo (palavra derivada do latim nihil, que significa nada) é definido no
Dicionário Silveira Bueno (1999, p. 630) da seguinte forma: “Redução a nada; descrença
completa; doutrina política segundo a qual o progresso da sociedade só é possível após a
destruição de tudo o que socialmente existe.” A concepção de verdade que tornou a ciência
ocidental quase intocável e tão venerada esvai-se:
[...] em toda parte o caráter errôneo do mundo no qual acreditamos viver nos
aparece como a coisa mais certa e a mais sólida que nossa visão possa captar [...]. O
pensamento não nos teria pregado a pior peça até o presente? E que garantia
teríamos em acreditar que ele não continuaria a fazer o que sempre fez? Seriamente,
a inocência dos pensadores tem alguma coisa de tocante que inspira respeito. Essa
inocência permite aos pensadores de se dirigir ainda, frente à consciência, para lhe
pedir uma resposta leal, para lhe pedir, por exemplo, se é “real”, porque se livra em
24
Expressão latina que significa “descanso eterno para Deus”, corruptela da oração litúrgica da Igreja católica,
utilizada na encomendação e no enterro dos mortos: Requiem aeternam dona eo, Domini – descanso eterno dá-
lhe, Senhor (NT). (NIETZSCHE, 2006a, p. 130).
46
suma tão resolutamente do mundo exterior e outras perguntas de mesma natureza. A
crença em “certezas imediatas” é uma ingenuidade moral que nos honra, a nós
filósosfos. Mas, uma vez por todas, é interdito a nós sermos homens
“exclusivamente morais”! Abstração feita da moral, essa crença é uma imbecilidade
que pouco nos honra! Na vida civil, a desconfiança sempre à espreita pode ser a
prova de um “mau caráter” e passa desde então por imprudência, mas quando
estamos entre nós, além do mundo burguês e de suas apreciações, o que é que nos
deveria impedir ser imprudentes e dizer: o filósofo adquiriu o direito do “mau
caráter”, porque tem sido até o presente o mais enganado da terra? Hoje tem o dever
de desconfiar, de olhar sempre de soslaio, como se visse abismos de suspeitas. [...].
Ó Voltaire! Ó humanidade! Ó estupidez! A “verdade”, a busca da verdade são
coisas delicadas; se o homem se empenha nisso de um modo humano, demasiado
humano – “não procura a verdade senão para fazer o fazer o bem” – aposto que
nada haverá de encontrar. (NIETZSCHE, 2006b, p. 51-52, grifos do autor).
As verdades antes cristalizadas e veneradas caem por terra, perdem sentido e são
substituídas por um fluxo pululante, cada vez mais dinâmico e de rápida transição, de novas
ideias, agora não mais engessadas como verdade, mas como um mar revolto no qual os
pensamentos vêm nas ondas: o pensamento afirmado agora será sobreposto pela onda
subsequente, que vem acompanhada de outros turbilhões de ideias25
. “Tudo é sacudido, posto
radicalmente em discussão. A superfície antes congelada, das verdades e dos valores
tradicionais está despedaçada e torna-se difícil prosseguir no caminho, avistar um
ancoradouro.” Alguns teóricos pós-modernos ressaltam o niilismo como uma perspectiva
redentora para o homem, que não precisa mais se apegar a critérios absolutos e universais,
tornando-se mais responsável em garantir suas sustentações morais, agora self-creation e no
único tempo possível: o presente, enquanto vive-se. (WIKIPÉDIA: Niilismo/ PECORARO,
2005 e 2007).
Quando tudo é comunicação, num ritmo permanente de discursos e de circulação de
signos, num fluxo alucinante de trocas simbólicas, tudo é provisório e do efêmero
nasce a vacina contra as cristalizações dominadoras. Numa sociedade self-service,
ao contrário do que imaginam os defensores de uma moral rigorista e autoritária,
aumenta a responsabilidade individual e cada um se torna co-autor do estatuto moral
ao qual adere. Estamos mais soltos, mais perdidos, menos fixados, menos tutelados e
mais obrigados a gerir o nosso mundo como artistas da nossa própria escultura.
(SILVA, 2005, p. XII).
Este homem da “sociedade self-service” e “mais obrigado a gerir o mundo como
artista da sua própria escultura” poderia ser o Super Homem (Übermensch) de Nietzsche(?),
tão bem personificado em Assim falou Zaratustra, o homos superior, que não precisa de
Deus. Qualquer Homem poderia se tornar um Super Homem através da “transvaloração de
25
“[...] sempre que nos defrontamos com as metamorfoses do mundo, deparamo-nos também com o fim das
certezas, uma vez que a dúvida faz parte do ato de conhecer e o estatuto do conhecimento é ser provisório.
Portanto, não há verdades eternas, mas um pensamento em mudança constante, exigindo sempre novos
parâmetros que solapam os antigos paradigmas, questionando os procedimentos teórico-metodológicos e
expondo a fragilidade de argumentos pretéritos para explicar o mundo contemporâneo.” (CARLOS, 2011, p. 13).
47
todos os valores do indivíduo; da sede de poder [vontade de potência], manifestada
criativamente em superar o niilismo e em reavaliar ideais velhos ou em criar novos; e de um
processo contínuo de superação” (WIKIPÉDIA: Super Homem (Filosofia)). Para Nietzsche,
segundo Harvey (2010, p. 25-26):
[...] o moderno não era senão uma energia vital, a vontade de viver e de poder,
nadando num mar de desordem, anarquia, destruição, alienação individual e
desespero. [...] Todo o conjunto de imagens iluministas sobre civilização, a razão, os
direitos universais e a moralidade de nada valia. A essência eterna e imutável da
humanidade encontrava sua representação adequada na figura mítica de Dioniso:
“Ser a um só e mesmo tempo ‘destrutivamente criativo’ (isto é, formar o mundo
temporal da individualização e do via-a-ser, um processo destruidor da unidade) e
‘criativamente destrutivo’ (isto é, devorar o universo ilusório da individualização,
um processo que envolve a reação da unidade)” (loc. cit.). O único caminho para a
afirmação do eu era agir, manifestar a vontade, no turbilhão da criação destrutiva e
da destruição criativa, mesmo que o desfecho esteja fadado à tragédia.
O homem da modernidade tardia passa por uma rápida transfiguração de sujeito
moderno em sujeito pós-moderno: mais “passível” perante as metamorfoses culturais e
consequente assimilação do novo, com hibridização de culturas e flutuação de identidades,
descrito por Hall (2006) a seguir:
[...] o sujeito pós-moderno [é] conceptualizado como não tendo uma identidade fixa,
essencial ou permanente. [...] [essa identidade] É definida historicamente, e não
biologicamente. [...] Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em
diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo
continuamente deslocadas. Se sentirmos que temos uma identidade unificada desde
o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre
nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu” [...]. A identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida em
que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente.
[...]
[...] Eles devem aprender a habituar, no mínimo, duas identidades, a falar duas
linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas. As culturas híbridas
constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente novos produzidos na
era da modernidade tardia. [...] (HALL, 2006, p. 12, 13 e 89).
Essa flutuação, mutação, expansão-contração não ocorre somente com as
identidades, mas também com seus “delimitadores” temporais-espaciais: as sociedades, seus
valores e seus territórios, que possuem fronteiras móveis, dependentes da dinâmica
multiescalar (articulação entre local, regional e global). São as relações entre “nós” e os
outros que vão estabelecer no que somos singulares enquanto pertencentes ao mesmo grupo,
mesmo território, mesma sociedade dentro do plano do vivido, sentido, percebido e
concebido, e em oposição, o que os outros têm de diferente para serem os outros, de um
espaço estranho.
48
Os símbolos, imagens e aspectos culturais são na verdade, valores, talvez invisíveis,
endogenamente falando, que para a população local materializa uma identidade
incorporada aos processos cotidianos dando um sentido de território, de pertença e
de defesa dos valores, do território, da identidade, utilizando-se das vertentes
político-cultural, que na verdade são relações de poder e defesa de uma cultura
adquirida ou em construção (SOUZA; PEDON, 2007, p. 132).
As várias identidades na modernidade geram muitas vezes embates, as tensões
múltiplas, entre grupos de habitantes, como populações tradicionais em áreas de pressões
econômicas com interesses privados e estatais que são obrigadas a se mudarem para
localidades totalmente diferentes, tendo que se (re)adaptarem ao novo depois de séculos de
“estabilidade” no seu locus e modo de vida, caso comum no Brasil, no mundo moderno ou
que se moderniza: como grupos afetados por construções de barragens, ferrovias e hidrovias;
deserdados da terra por monoculturas26
para exportação, caso da sojicultura no Cerrado do
país; populações em áreas de litígio militar, com os refugiados de guerra; habitantes da
periferia pobre em contraste com a elite local; os espaços de segregação econômico-social
vistos como zonas intransponíveis para os estranhos, comuns nas cidades com espaços
especializados (na qual pobre não vai ao shopping center e rico não vai aos clubes populares
porque os padrões de consumo são opostos ou os estereótipos são preponderantes), assim
como os determinismos geográficos e culturais.
As discussões contidas neste capítulo, demasiadamente teórico e heterogêneo em
categorias de análise, não são meros “devaneios tolos27
”. Objetivou-se diminuir enxertos
divagantes por todo o texto explicando, desde já, termos e categorias essenciais para o
entendimento holístico do trabalho, porém, a categoria Racionalidade será mais bem
trabalhada no próximo capítulo.
26
Alguns autores não consideram os campos de soja como de monocultivo, já que na entressafra da sojicultura
as lavouras de milho, algodão, etc. substituem-na para o descanso da terra. Apesar disso utiliza-se aqui os termos
monocultura e monocultivo, referindo-se ao período de safra da soja. 27
Trecho da música Chão de giz, autoria de Zé Ramalho.
49
4 UMA OU DIVERSAS RACIONALIDADES(?): consolidação da lógica hegemônica ou
crise do conhecimento único?
Figura 04. Self-creation. Fonte: Massey, 2009, p. 38 (a intitulação é minha). “A hegemonia é a capacidade
revelada por um ou mais grupos sociais de dirigir outros grupos sociais através do consentimento. Tornar-se
hegemônico significa conseguir uma posição de supremacia na sociedade, passando a dominá-la através da
força, das instituições do Estado e do governo político. Numa hegemonia dinâmica, ao lado dos grupos
dominantes e dirigentes, há grupos sociais antagônicos que tentam alcançar essa condição de direção intelectual
e moral, mas, se não conseguem um consentimento majoritário em relação aos grupos dirigentes, continuam
sendo submissos. Por essa razão, a idéia central na dinâmica da hegemonia é o consentimento. O consentimento
é o fundamento das relações de qualquer grupo social, haja vista que um grupo social se forma no momento em
que algumas pessoas compartilham princípios e comportamentos, visões da realidade e da existência.”
(BRUNELLO, p. 01). A História é (re)construída por múltiplas trajetórias (não só a hegemônica), por todas as
narrativas, sejam elas consideradas “pequenas” ou “grandes”. É uma junção de continuidades descontínuas.
Como na figura acima, cada um de nós é protagonista, dá vida, desenha, escreve, modela, se inscreve na sua
própria História a partir das diversas relações humanas, constituídas não por um pensamento único, mas por
diversas matrizes de racionalidade. Porém, “[...] é difícil criticar a modernidade racionalista sem ser moderno,
isto é, sem acreditar em verdades absolutas e assumir a experiência do erro, ao mesmo tempo, como indicava
Nietzsche. [...]” (SILVA, 2010, p. 19).
50
“Oh, admirável mundo novo... Quando encontramos novos mundos... em vão
lutamos para preservar a ordem que já conhecíamos, e finalmente deixamos de
resistir e nos entregamos ao novo modo de ver as coisas, onde quer que este possa
levar-nos, sabendo que nossas experiências jamais nos parecerão as mesmas”
(SHAKESPEARE apud FRAGOSO, 2000, p. 112).
A complexidade dos tipos de relações humanas e suas diferentes dimensões, com
povos, territórios, (“i”)racionalidades e regiões distintas (multiescalares), estabelecida nas
sociedades contemporâneas, sob a égide da dimensão econômica, porém, com o paulatino
destaque da dimensão ambiental “absorvida” por diversos atores sociais, num mundo cada vez
mais internacionalizado (PORTO-GONÇALVES, 2000), é uma das questões fundamentais
que servem de embasamento para análise do contexto no qual se inserem os “grandes”
projetos de modernização, ordenados pela lógica hegemônica: a empresarial-econômico-
burguesa, em oposição às demais racionalidades, que pensam a dimensão social e ambiental
acima da econômica, logo, consideradas utópicas28
sob a ótica de um pensamento puramente
econômico (a utopia não é impossível, é uma ideia arquetípica ainda não alcançada!).
Como nos alerta Porto-Gonçalves (2000, p. 170-171) a lógica empresarial é
movida pela lógica econômica, ambas sinônimas, que encaram o mundo internacionalizado
(ou globalizado, para os economistas) como uma oportunidade de grandes negócios, que:
[...] envolve uma competição entre concorrentes de todos os lugares do mundo,
acirrando assim a concorrência. A velocidade do tempo de decisão é, para os capitais
que operam em tal escala, fundamental para se anteciparem aos demais
concorrentes. Tendem, assim, a pressionar por uma decisão rápida, posto que, para
eles, “tempo é dinheiro”. O “curto prazo”, para esses protagonistas, tende a ser mais
importante que o “longo prazo” [...], com seus ritmos de produção e reprodução [...]
regidos por uma lógica temporal única, como a do Relógio da Produtividade,
característica da lógica econômico-empresarial.
28
Utopia: “designa o regime social, econômico e político que, por ser perfeito e ideal, não pode ser encontrado
em nenhum lugar” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
Em Utopia (obra que retrata um “país” imaginário de mesmo nome, onde tudo é perfeito – a partir de então a
palavra utopia singularizou-se com devaneio, um lugar que não existe, algo praticável somente no campo das
ideias), Thomas More (2006, p. 108) escreve sobre a “república insular arquetípica” narrada por Rafael Hitlodeu:
“Descrevi a vocês da maneira mais exata possível a estrutura dessa república, que considero não somente a
melhor, mas a única que merece esse designativo. Todas as outras falam do interesse público e na realidade só
cuidam dos interesses privados. Nessa república nada é privado e o que conta é o bem público. Todos sabem
que, por mais próspero que seja o Estado, arrisca-se a morrer de fome; portanto, é forçado a ter em vista
sobretudo os seus interesses e não aqueles do povo, ou seja, dos outros. Em Utopia, ao contrário, onde tudo
pertence a todos, qualquer cidadão está seguro de que não lhe faltará nada, desde que os celeiros públicos
estejam repletos.”
Utilizando o termo utopia, no contexto das lutas camponesas, Ianni (2009, p. 143-144) conclui que: “A
comunidade camponesa pode ser uma utopia construída pela invenção do passado. Pode ser a quimera de algo
impossível no presente conformado pela ordem burguesa. Uma fantasia alheia às leis e determinações que
governam as forças produtivas e as relações de produção no capitalismo. Mas pode ser uma fabulação do futuro.
Para a maioria dos que são inconformados com o presente, que não concordam com a ordem burguesa, a utopia
da comunidade é uma das possibilidades do futuro. Dentre as utopias criadas pela crítica da sociedade burguesa,
coloca-se a da comunidade, uma ordem social transparente. Esse é, provavelmente, o significado maior do
protesto desesperado e trágico do movimento social camponês.”
51
Esta lógica possui como uma de suas “nascentes” a racionalidade burguesa/
capitalista Ocidental, imposta implacavelmente (e posteriormente naturalizada) a partir da
Revolução Industrial. A sensação e compreensão apriorística dessa revolução, pelos seus
coetâneos, podem ser caracterizadas como de difícil definição, camufladas, como geralmente
ocorre com aqueles que vivem um processo histórico revolucionário, neste caso, mais tarde
elencado como um capítulo importante de ser estruturado, conceituado, titulado e perpetuado
nas páginas da História universal (a História europeia), como reforça Hobsbawm (1977, p. 43-
44):
[...] Este, à primeira vista, é um ponto de partida caprichoso, pois as repercussões
desta revolução não se fizeram sentir de uma maneira óbvia e inconfundível – pelo
menos fora da Inglaterra – até bem o final do nosso período [...]. Foi somente na
década de 1830 que a literatura e as artes começaram a ser abertamente obsedadas
pela ascensão da sociedade capitalista, por um mundo no qual todos os laços sociais
se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o papel-moeda. [...] Só a partir da
década de 1840 é que o proletariado, rebento da revolução industrial, e o
comunismo, que se achava agora ligado aos seus movimentos sociais – o espectro do
Manifesto Comunista –, abriram caminho pelo continente. O próprio nome de
revolução industrial reflete seu impacto relativamente tardio sobre a Europa. A coisa
existia na Inglaterra antes do termo. Os socialistas ingleses e franceses – eles
próprios um grupo sem antecessores – só o inventaram por volta da década de 1820,
provavelmente por analogia com a revolução política na França.
O centro dos processos centrífugos provenientes da Revolução Industrial foi a
Inglaterra, cuja política de cercamento dos campos29
teve demasiada importância para
potencializar o caráter de proteção à propriedade privada, monopólio da terra e criação de um
exército industrial de reserva, que, em consonância com o imperialismo inglês sobre o mundo,
formaram alguns dos principais preceitos para a consolidação da Inglaterra, simultaneamente,
como protagonista e difusora do processo de industrialização, como afirma novamente
Hobsbawm (1977, p. 47):
[...] as condições adequadas estavam visivelmente presentes na Grã-Bretanha, onde
mais de um século se passara desde que o primeiro rei tinha sido formalmente
julgado e executado pelo povo e desde que o lucro privado e o desenvolvimento
econômico tinham sido aceitos como os supremos objetivos da política
governamental. [...] Um bocado de resquícios, verdadeiras relíquias da antiga
economia coletiva do interior, ainda estava para ser removido pelos Decretos das
Cercas (Enclosure Acts) a as transações particulares, mas quase praticamente não se
podia falar de um “campesinato britânico” da mesma maneira que um campesinato
russo, alemão ou francês. [...] A agricultura já estava preparada para levar a termo
suas três funções fundamentais numa era de industrialização: aumentar a produção e
a produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido
29
“[...] Toda revolução burguesa, na medida em que expressa também o desenvolvimento das relações
capitalistas de produção, implica a revolução agrária. A acumulação originária, o desenvolvimento extensivo e
intensivo do capitalismo no campo, a monopolização da propriedade e exploração da terra, o desenvolvimento
desigual e combinado, esses são processos estruturais ocorrendo simultaneamente com a revolução. [...]”
(IANNI, 2009, p. 137).
52
crescimento; fornecer um grande e crescente excedente de recrutas em potencial
para as cidades e as indústrias; e fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital
a ser usado nos setores mais modernos da economia. [...] Um considerável volume
de capital social elevado – o caro equipamento geral necessário para toda economia
progredir suavemente – já estava sendo criado, principalmente na construção de uma
frota mercante e de facilidades portuárias e na melhoria das estradas e vias
navegáveis. A política já estava engatada ao lucro. [...] No geral, todavia, o dinheiro
não só falava como governava. [...].
A mudança no senso de tempo também foi essencial para adestrar o trabalhador ao
ritmo das fábricas. Durante os séculos XVII ao XIX houve um violento processo de
imposição da noção de tempo exato, o tempo do relógio mecânico, na vida pública e privada
da sociedade inglesa como um todo. O relógio passou a ser uma espécie de ditador da rotina
individual e consequentemente da coletiva.
Como observou Thompson (1998) essa rotina foi ressignificada para se adequar
ao funcionamento do máximo potencial produtivo das fábricas inglesas. Antes de
naturalizarmos a “notação útil do emprego do tempo de forma compulsiva” para servir àquilo
que “dignifica o homem” 30
, houve um período de transição no qual:
O padrão de trabalho sempre alternava momentos de atividade intensa e de
ociosidade quando os homens detinham o controle de sua vida produtiva. (O padrão
persiste ainda hoje entre os autônomos – artistas, escritores, pequenos agricultores e
talvez até estudantes – e propõe a questão de saber se não é um ritmo “natural” de
trabalho humano.) Na segunda-feira e na terça-feira, segundo a tradição, o tear
manual seguia o canto de Plen-ty of Time, Plen-ty of Time [Tempo de so-bra, Tempo
de so-bra]; na quinta e na sexta, A day t’lat, A day t’lat [Um dia atrasado, Um dia
atrasado]. A tentação de dormir uma hora a mais de manhã esticava o trabalho até a
noite, horas iluminadas pelas velas. São poucos os ofícios que não respeitam a Santa
Segunda-Feira: sapateiros, alfaiates, mineiros de carvão, tipógrafos, oleiros,
tecelões, fabricantes de malhas, cuteleiros, todos os cockneys. Apesar do emprego
pleno de muitos profissionais londrinos durante as Guerras Napoleônicas, uma
testemunha reclamava que “vemos a Santa Segunda-Feira tão religiosamente
observada nesta grande cidade [...] em geral também seguida por uma Santa Terça-
Feira”. [...] (THOMPSON, 1998, p. 282).
O sapateiro e o ferreiro que respeitavam a Segunda-Feira Santa (dia de São
Crispin) e não trabalhavam na terça e quarta-feira por estarem de ressaca, com dor-de-cabeça,
ou estragarem os materiais de trabalho deviam gradativamente ser coagidos a não mais
tomarem este tipo de atitude e se adequar aos compêndios da boa e salutar rotina do
trabalhador. Era a capitalização do tempo, onde se formou a ideia de que “tempo é dinheiro”
(time is money). (THOMPSON, 1998).
Os operários que cumpriam com os seus deveres, rigorosamente, de assiduidade e
pontualidade ao local de trabalho deveriam ser “agraciados” com algum prêmio, elogios,
30
Ou seja, o trabalho – noção consolidada pelo puritanismo, com seu casamento de conveniência com o
capitalismo industrial (THOMPSON, 1998).
53
olhares de satisfação dos fiscais em prontidão na entrada das fábricas; em detrimento, os
operários faltosos e não-pontuais deveriam ser advertidos e se persistissem no erro deveria ser
descontado em seus salários o tempo perdido, assim como o ocioso. O arquétipo do “bom”
operário foi suplantando gradativamente o modelo do “mal” operário. (THOMPSON, 1998).
As escolas também serviram (e ainda servem) como um excelente instrumento de
“adestramento” das crianças, ou seja, o futuro operário. A educação seria a mão invisível que
aos poucos lapidaria aquela criança, primeiramente na escola, e teria continuidade no seio
familiar. Escola e família deveriam vigiar-se reciprocamente, para desenvolver os “bons
hábitos” morais, éticos e civis do futuro trabalhador. (THOMPSON, 1998).
Dessa forma percebe-se que esta imposição de uma nova concepção de tempo, o
tempo mecânico e exato, que utilizou-se de instrumentos coercitivos (como a penalidade ao
trabalhador que chegasse atrasado na fábrica, de pagar multas) e da difusão dos relógios
públicos, residenciais e individuais (que representavam inclusive objetos de status econômico
e social) foi essencial para o disciplinar do proletariado em serviço aos interesses do industrial
capitalista. (THOMPSON, 1998).
A imposição da rotina do trabalho foi tão violenta (simbolicamente) que
praticamente extinguiu as formas de calcular o tempo de acordo com os diferentes lugares,
característica típica de sociedades pré-modernas, nas quais “[...] ‘quando’ era quase,
universalmente, ou conectado a ‘onde’ ou identificado por ocorrências naturais regulares.
[...]” (GIDDENS, 1991, p. 25-26). Surge, nas sociedades industriais, o processo de
desconcatenação entre tempo, espaço e lugar a partir da padronização mundial do tempo com:
a criação da Linha Internacional de Mudança de Data (LID)/ meridiano de Greenwich como
referência mundial para os fusos horários/ “um relógio” para todos governar:
[...] A invenção do relógio mecânico e sua difusão entre virtualmente todos os
membros da população (um fenômeno que data em seus primórdios do final do
século XVIII) foram de significação-chave na separação entre o tempo e o espaço. O
relógio expressava a designação precisa de “vazio” quantificado de uma maneira que
permitisse a designação precisa de “zonas” do dia (a “jornada de trabalho” por
exemplo).
O tempo ainda estava conectado com o espaço (e o lugar) até que a uniformidade de
mensuração do tempo pelo relógio mecânico correspondeu à uniformidade na
organização social do tempo. Esta mudança coincidiu com a expansão da
modernidade e não foi completada até o corrente século [XX]. Um de seus
principais aspectos é a padronização em escala mundial dos calendários. Todos
seguem atualmente o mesmo sistema de datação: a aproximação do “ano 2.000”, por
exemplo, é um evento global. Diferentes “Anos Novos” continuam a coexistir mas
estão incluídos no interior de um modo de datação que se tornou, para todos os
efeitos, universal. [...] (GIDDENS, 1991, p. 26)
54
Fazendo-se uma analogia entre a disciplina (inclusive do tempo) e vigilância
arraigadas na consciência coletiva do homem moderno e “O Panoptismo” (FOUCAULT,
1987, p. 162-187) percebemos algumas singularidades.
No Panoptismo, Foucault (1987)
analisa e descreve o Panóptico de Bentham
(figura 05), um modelo praticamente perfeito de
vigiar, no qual o critério de individualidade se
sobressai. Também é bastante eclético no que
tange aos observados, que poderiam ser
deliquentes, loucos, crianças, trabalhadores entre
outros. Com isso, seria um instrumento de
punição, estudo, pedagógico, trabalho etc.,
sempre para vigiar. É composto por uma torre central, o lugar do observador/vigilante, com
uma série de suportes técnicos que dificultariam ou impediriam o vigiado de ver e escutar o
vigilante (um exemplo atual de “modernização” dessas técnicas seria o isolamento, acústico e
visual, com vidros e películas fumê nas salas de reconhecimento de suspeitos em delegacias).
As celas ou salas estariam dispostas no círculo periférico à torre central, onde a luz que se
propagaria de fora para dentro das celas/salas permitiria a visualização permanente dos
vigiados. Todas as celas seriam individuais para impedir possíveis tumultos, brigas,
desordens. O fato do vigiado saber que é observado da torre central sem ver ou escutar os
passos do seu vigilante lhe impõe, pelo menos em tese, um estado permanente de disciplina
e/ou obediência sem ser preciso aos indivíduos da torre central estar necessariamente num
constante estado de vigilância.
O que permite em primeiro lugar – como efeito negativo – evitar aquelas massas
compactas, fervilhantes, pululantes, que eram encontradas nos locais de
encarceramento, os pintados por Goya ou descritos por Howard. Cada um, em seu
lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os
muros laterais impedem que entre em contato com seus companheiros. É visto, mas
não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito numa comunicação. A disposição
de seu quarto, em frente da torre central, lhe impõe uma visibilidade axial; mas as
divisões do anel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral. E
esta é a garantia da ordem. Se os detentos são condenados não há perigo de complô,
de tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más
influências recíprocas; se são doentes, não há perigo de contágio; loucos, não há
risco de violências recíprocas; crianças, não há “cola”, nem barulho, nem conversa,
nem dissipação. Se são operários, não há roubos, nem conluios, nada de distrações
que atrasam o trabalho, tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes. A
multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individualidades que se
fundem, efeito coletivo, é abolida em proveito de uma coleção de individualidades
separadas. Do ponto de vista do guardião, é substituído por uma multiplicidade
55
enumerável e controlável; do ponto de vista dos detentos, por uma solidão
seqüestrada e olhada. (FOUCAULT, 1987, p. 166).
Contemporaneamente, os “panópticos” foram instrumentalizados com novas
tecnologias, “reproduziram-se” em escala jamais vista: a sociedade do “sorria, você está
sendo filmado e seu celular rastreado”, uma simples frase que impões “respeito” (decorrente
de um medo esquizofrênico) às normas estabelecidas, aceita-se a vigia constante tendo como
justificativa a violência crescente. Nós nos tornamos “panópticos” de nós mesmos (no sentido
ideológico) ao vigiarmos o cumprimento do nosso tempo, ao rotinizarmos a vida sob a égide
do tempo (o tempo do relógio digital, que adiantamos 5 a 10 minutos com a esperança de
enganar o atraso/alcançar a pontualidade), o tempo do trabalho, tempo do capital, tempo com
déficit de tempo, tempo do homo modernus economicus.
Toda esta digressão histórico-social-filosófica sobre a inter-relação entre
Revolução Industrial, noção de tempo e vigilância serve para nos depararmos com seu
desdobramento atual, concretizado na lógica econômico-empresarial. Esta lógica tão bem
trabalhada ao longo dos últimos quatro, cinco séculos e inculcada na nossa mente, a ponto de
ser amplamente propagada como natural e única trajetória possível para atingir o “progresso”,
tornou-se onipotente. Deve-se aproveitar todo tempo disponível para extrair o máximo de
recursos (qualquer um e todos os tipos de recursos que dêem margens de lucro) e torná-los
mercadorias, com o mínimo de gastos possíveis, para ter a maior capacidade de produtividade
e mais-valia: o Relógio da Produtividade (como afirma Porto-Gonçalves, 2000). Os
“empecilhos”, as outras trajetórias, as utopias, devem ser desconsiderados por se tratar de um
dano colateral “fácil de sanar”, quando não, apenas “algo abstrato31
”.
Com o surgimento do mundo moderno, uma fé caracteristicamente moderna – fé no
progresso – apareceu para compreender e dar sentido último às novas noções e
instituições que agora dominavam. Nossa reverência profunda pela ciência e
tecnologia estavam intimamente ligadas com a fé no progresso. O fortalecimento
universal do Estado-nação realizou-se sob a bandeira do progresso. E uma crescente
conformidade com o governo da economia, e intensificada com a fé nas suas leis,
ainda lançam sombras sobre esta fé ilustrada.
[...]
31
Partindo para uma análise específica de Porto-Gonçalves, sobre a área impactada pelo projeto de perenização
das hidrovias dos rios Araguaia, das Mortes e Tocantins, que serve aqui como ilustração, ele explica-nos que os
espaços em conflito na região não são abstratos, pelo contrário: “[...] não nos encontramos diante de um espaço
abstrato mas, sim, de um espaço geográfico complexo, a saber, que a ‘fronteira’ que ora se abre não é um espaço
qualquer, mas envolve regiões de cerrado e de floresta ombrófila e, na região específica da confluência dos rios
Araguaia e Tocantins, encontramo-nos diante do que o IBGE chama de ‘zona de tensão ecológica’, por si mesma
constituída por uma complexidade própria, onde línguas de cerrado adentram a floresta e línguas de floresta
adentram o cerrado, para não falar da complexidade própria interna a cada um desses ecossistemas.
Acrescentemos que populações diferenciadas, indígenas e não-indígenas, cujos saberes foram até aqui
desprezados, detém conhecimentos singulares, cujas matrizes de racionalidade não são passíveis de serem
reproduzidas por nossa racionalidade científica.” (PORTO-GONÇALVES, 2000, p. 183).
56
Na história européia e na história que os europeus tornaram mundial, a nova fé no
progresso pode ter sido uma arma decisiva no conflito entre, de um lado, a moderna
economia, as instituições modernas e a humanidade que procuravam criar e, de
outro lado, os homens e mulheres profundamente enraizados em suas culturas e
lugares respectivos. O progresso impeliu essas pessoas a se tornarem o seu próprio
Deus e a fazer a sua própria história. Ridicularizou suas velhas crenças, medos e
superstições bem como sua reverência pela natureza, pelo passado e pelos ancestrais.
Rejeitou o gênero vernacular – a divisão oniabrangente do mundo interno e do
mundo externo da pessoa na complementaridade assimétrica de homens e mulheres
– como irracional, obstinado e injusto (SBERT, 2000, p. 284 e 290).
Aníbal Quijano, sulamericano, um dos pensadores expoentes dos pós-
colonialistas, membro do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLACSO) e co-
autor de “A colonialidade do saber” nos fala que a perspectiva e o modo de produzir
conhecimento, advindos de uma elaboração intelectual do processo de modernidade, a partir
do padrão mundial de poder estabelecido sistematicamente em meados do século XVII,
tinham (e ainda têm) um caráter colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. “Essa
perspectiva e modo concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo”,
que constituiu-se associado “à específica secularização burguesa do pensamento europeu [...],
estabelecido a partir da América” (QUIJANO, 2005, p. 246-247).
O eurocentrismo se concretizou também porque os colonizadores europeus
expropriaram e reprimiram as formas de produção de pensamentos e/ou conhecimentos dos
colonizados (em diferentes graus e contextos), assim como “forçaram os colonizados a
aprender parcialmente a cultura dos dominados em tudo que fosse útil para a reprodução da
dominação, seja no campo da atividade material, tecnológica, como da subjetiva,
especialmente religiosa.” Por fim, para “o êxito da Europa Ocidental em transformar-se no
centro do moderno sistema-mundo” (WALLERSTEIN apud QUIJANO), os europeus
desenvolveram “um traço comum a todos os dominadores coloniais e imperiais da história, o
etnocentrismo”, neste caso com “um fundamento e uma justificação peculiar: a classificação
racial da população do mundo depois da América”, o que os levou a sentirem-se “não só
superiores a todos os demais povos do mundo, mas, além disso, naturalmente superiores.”
Logo, “a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e produtos
exclusivamente europeus” (QUIJANO, 2005, p. 237-238, grifos do autor). Todo este processo
culminaria mais tarde com a Globalização em curso.
Porém, outros povos e outras culturas, com diferentes matrizes de racionalidade
existem, persistem, reafirmam e ressignificam sua existência em oposição ao pensamento do
homem movido pela lógica europeia, que se autoclassifica como sendo a racional e
consequentemente reafirma sua “superioridade” e imperatividade. Agir racionalmente ou sob
57
a égide do pensamento burguês-ocidental é a justificativa ideológica para que sejamos
difundidores do “progresso”, da “modernização”, da “democracia”, da “civilização”, do
“desenvolvimento”32
, palavras que possuem uma conotação de encadeamento de sinônimos,
naturalizados como incontestáveis para o “bem” da humanidade.
A naturalização de qualquer processo torna-o “digno” de não ser preciso explicá-
lo (para quem assim pensa) ou barrá-lo: se é natural, justo e representa o bem, a qualquer
momento chegará... Alguns esperam ansiosamente, já que é um movimento progressivo, a
“evolução natural” da História33
; a opção que resta é aceitar(?) incontestavelmente. “[...] ‘O
senso comum’ hoje em dia está tão imerso na maneira econômica de pensar que nenhuma
evidência dos fatos da vida que contradiga parece ser forte o bastante para estimular uma
reflexão crítica sobre seu caráter”. (ESTEVA, 2000, p. 75).
Outras, todavia, como Massey (2009, p. 24) respondem indagando: “[...] e se...? E
se nos recusássemos [...]? E se ampliássemos a imaginação da única narrativa para oferecer
espaço (literalmente) a uma multiplicidade de trajetórias?” Ao desnaturalizar rompe-se com
esse circuito em trajetória retilínea. “[...] Esta cosmologia de ‘única narrativa’ oblitera as
multiplicidades, as heterogeneidades contemporâneas do espaço. Reduz coexistências
simultâneas a um lugar na fila da história.” (MASSEY, 2009, p. 24).
As implicações da espacialização/ globalização da estória da modernidade são
profundas. O efeito mais óbvio, que tem sido, sem dúvida, a principal intenção, é
reelaborar a modernidade evitando que seja o desdobramento, a estória interna
apenas da Europa. O objetivo tem sido, precisamente, descentrar a Europa. Deste
modo: “Essa reelaboração da narrativa desloca a ‘estória’ da modernidade capitalista
de sua centralização europeia para suas ‘periferias’ globais dispersas” (p. 250); “A
colonização” torna-se mais do que um tipo de subproduto secundário dos
acontecimentos na Europa. Em vez disso, “assume o lugar e o significado de um
grande acontecimento histórico mundial extensivo e de ruptura” (p. 249). Há a
possibilidade aqui, além do mais, de outra reformulação. A trajetória europeia
(apesar de ser a mais poderosa, certamente, em termos militares e outros) deveria
não apenas ser “descentrada”, mas poderia, também, ser reconhecida como apenas
uma das histórias que estavam sendo feitas àquela época. Esta é a multiplicidade que
32
Ou ser difundidor do “progresso”, da “modernização”, da “democracia”, da “civilização” e do
“desenvolvimento” é a justificativa ideológica para que o pensamento burguês-ocidental seja considerado o
racional? A ordem dos fatores não altera o produto, que é hegemônico: eles se retroalimentam. 33
“[...] Teorias evolucionárias representam de fato ‘grandes narrativas’, embora não sejam teleologicamente
inspiradas. Segundo o evolucionismo, a ‘história’ pode ser contada em termos de um ‘enredo’ que impõe uma
imagem ordenada sobre uma mixórdia de acontecimentos humanos. A história ‘começa’ com culturas pequenas,
isoladas, de caçadores e coletores, se movimenta através do desenvolvimento de comunidades agrícolas e daí
para a formação de estados agrários, culminando na emergência de sociedades modernas no Ocidente.”
(GIDDENS, 1991, p. 14-15).
Quando a metáfora voltou ao vernáculo, absorveu um poder colonizante súbito e violento [...]. Converteu a
história em um programa: um destino necessário e inevitável. O modo de produção industrial, que era nada mais
que uma entre as muitas formas de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear
para a evolução social. Esse estágio, por sua vez, passou a ser visto como a culminação natural de potenciais já
existentes no homem neolítico e como sua evolução lógica. Assim, a história foi reformulada nos termos do
Ocidente. (ESTEVA, 2000, p. 63).
58
é o tema central do magnífico livro de Eric Wolf Europe and the people without
history (1982). É o encontro de Montezuma e Cortés. Ele envolve (poderia
envolver) uma visão diferente do próprio espaço. Trata-se de um distanciamento em
relação àquela imaginação do espaço como uma superfície contínua, que o
colonizador, como o único agente ativo, atravessa para encontrar aquele a-ser-
colonizado simplesmente “lá”. Isto seria espaço, não como uma superfície lisa, mas
como a esfera da coexistência de uma multiplicidade de trajetórias. (MASSEY,
2009, p. 100, grifos da autora).
Dentre as novas trajetórias e possibilidades ganha força incontestável, nas
diferentes esferas de poder, a questão ambiental (tão rápida que chega a ser mal interpretada e
totalizada equivocadamente, deturpada pela matriz econômica), já que:
[...] as linhas divisórias entre a riqueza e a pobreza, entre os “de cima” e os “de
baixo” precisam ser ressignificadas.
Em verdade, os que são ricos em termos econômicos não o são em termos genéticos,
assim como aqueles que vivem privações sociais e econômicas do ponto de vista dos
valores dominantes na sociedade ocidental, ao contrário, dispõem de um rico acervo
de material genético, inclusive, de um rico patrimônio de conhecimentos sobre seus
múltiplos usos. Grande parte do equilíbrio hídrico do planeta, por exemplo, se
mantém graças à convivência de populações que milenarmente convivem com as
florestas tropicais prestando um “serviço ambiental”, sem o que nenhuma prática
agrícola de ponta poderia se manter.
O Primeiro Mundo praticamente extinguiu as outras matrizes de racionalidade
existentes no interior de seus próprios países quando impuseram a lógica
econômico-empresarial como a única lógica. Nesses países cresce, hoje, a
consciência não só dos custos energéticos dos agroecossistemas simplificados como,
também, a consciência dos riscos que a humanidade corre ao ficar dependente de
poucas matrizes genéticas, por mais produtivas que sejam, diante de mudanças
climáticas globais que, dada a complexidade da dinâmica do Sistema Planetário,
ninguém, com seriedade, pode predizer as consequências. (PORTO-GONÇALVES,
2000, p. 171-172).
Ao se opor à lógica empresarial, a dimensão ambiental tornou-se um
constrangimento para aquela, logo, a empresa trouxe para si a imagem (usurpada e maquiada)
de salvadora do ambiente e deturpou o sentido original da dimensão ambiental ao generalizá-
la (“tudo”34
e “todos” agora são, ou pelo menos dizem ser, ecologicamente corretos,
34
“[...] Tudo virou ambiental: tem-se geomorfologia ambiental, sociologia ambiental, política ambiental,
economia ambiental, etc. Ao mesmo tempo, emerge como paradigma ambiental, aquela locução que dá
embasamento para a ‘Geografia das frases feitas’: o desenvolvimento sustentável. Dessa maneira, recorre-se a
categorizações, como é o caso do ‘ambiental’ vazio, [...] ou diz-se que o capitalismo está se ‘ecologizando’ e
esvazia-se o debate político sobre a sustentabilidade, bem como a raiz do problema: o modo de produção
capitalista, camuflando assim os discursos de legitimação e apropriação dos recursos sociais.” (RIBEIRO
JUNIOR, 2011, p. 31).
“É muito comum encontrar entre os meios de comunicação, até mesmo para se caracterizarem como ‘modernos’
ou ‘inovadores’, uma parte voltada ao meio ambiente, embora na maioria das vezes o material esteja
inteiramente distante do que se entende e se concebe cientificamente como meio ambiente. As reportagens,
carentes boa parte das vezes de análises das causas e efeitos dos fenômenos em questão, colaboram de certa
maneira para estimular a preocupação de se lutar por um ambiente sadio; no entanto, pelo seu tom, podem
desviar o interesse de muitos militantes em potencial. A vulgarização de termos como meio ambiente, ecologia,
natureza e outros tem apontado muito mais para uma ecologite (doença/inflamação do ecos/habitat), do que para
59
ambientalmente responsáveis e sustentáveis, antes mesmo de saberem definir estas “novas”
categorias... o verde é a cor, e ambiental a palavra, do momento), jogando-a num turbilhão de
diálogos e práticas imitativas, onde todos falam, alguns fazem, porque os outros falam e
fazem para serem mais bem aceitos, midiatizados ou “selados” positivamente quanto às suas
qualidades (seguindo a onda do puro marketing), mas poucos sabem o que estão falando ou o
melhor a ser feito para “salvar” o ambiente, tornando a conduta ambiental “assumida”,
divulgada e “defendida” pela empresa, na prática, contraditória, falaciosa e impensável, já que
(ou para aquela que) segue a lógica empresarial.
o enfoque ecologista no sentido de preservação e recuperação da natureza ou do meio ambiente.”
(MENDONÇA, 2007, p. 14).
60
PARTE DOIS: o cenário da “fronteira” no Brasil da soja
61
5 MODERNIZAÇÃO DO CERRADO E AMAZÔNIA COMO FATOR INDUTOR DE
CONFLITOS ENTRE AS DISTINTAS RACIONALIDADES DOS AGENTES
SOCIAIS NO BRASIL CENTRAL35
Figura 06. Mosaico 3: Fotos ilustrando reportagens que exaltam a agricultura moderna brasileira. A –
Colheitadeiras enfileiradas em arco, símbolo sempre propagado nas reportagens que exacerbam o “progresso” da
“civilização” do campo com a expansão da sojicultura. Fonte: Almanaque Abril, p. 118, 2006. B – As linhas da
produtividade dos campos de soja cortam o Cerrado brasileiro. Fonte: Abril.com, 2011 (ANEXO B). C – O
impacto desta foto, ainda em 2004, fez nunca mais esquecê-la: em Sapezal, no oeste de Mato Grosso, o milho é
plantado logo depois que as máquinas automáticas equipadas com ar-condicionado colhem a soja. Em um dia
típico de trabalho, cada uma extrai cerca de 3500 sacos. Juntos, os 4 tratores, 12 plantadeiras e 31 colheitadeiras
que aparecem nesta foto representam um investimento de 20 milhões de reais. Importante observar que o verde
do Cerrado só contrasta com o amarelo da soja na linha do horizonte, isto em uma foto aérea frontal, tal a
dimensão deste campo agrícola. Fonte: Veja.com, 2004 (ANEXO C).
35
Este capítulo contém trechos do projeto de mestrado sob a seguinte referência: OLIVEIRA, Danniel Madson
Vieira. “Deserto” verde e amarelo: a territorialização e modernização do Cerrado leste maranhense sob a égide
do eucalipto e da soja. São Paulo: USP, FFLCH, Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana, Mestrado
em Geografia Humana, 2011 (projeto não aprovado e não publicado), assim como do trabalho no qual fui co-
autor, apresentado na disciplina Geografia Humana do Maranhão (2009.1), ministrada pelo Professor Dr.
Antônio José de Araújo Ferreira: RIBEIRO JUNIOR, José Arnaldo dos Santos et al. O Complexo Portuário de
São Luís enquanto estratégia para o desenvolvimento do Maranhão. São Luís: não publicado, 2009. 36 p.
62
“Na atual fase de desenvolvimento da economia mundial, em que a natureza é
revalorizada à luz das mudanças técnicas, as áreas de cerrado passam a constituir
uma significativa fronteira para a ciência e a tecnologia, favorecendo a expansão
do capital.” (BERNARDES, 2009, p. 13, grifo meu).
O campo brasileiro, ao longo do século XX, passou gradativamente por diversas
reestruturações que tinha como um dos objetivos modernizá-lo de acordo com as exigências
do mercado externo. O fluxo de capital, nacional e estrangeiro, injetado no agronegócio por
grandes grupos privados em parceria principalmente com o Estado brasileiro possibilitou uma
rápida difusão da agricultura moderna (aquela fundada em bases empresariais) a partir do
Centro-Sul e melhor integração dos grandes centros urbanos nacionais até as áreas
“periféricas” do país, ao longo do cinturão da fronteira agrícola, urbana e industrial, que
envolve as áreas de contato/transição entre a Amazônia e o Cerrado nas Regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste.
A partir da segunda metade do século XX, os projetos de integração nacional e o
consequente crescimento da infraestrutura viária e urbana adentraram o interior do país
viabilizando essa modernização. As mudanças foram rápidas e constantes, com uma
redistribuição do fluxo de pessoas, capital e poder pelas novas “zonas pioneiras36
” atreladas
também à expansão da fronteira agrária brasileira. Diversas atividades foram amplamente
implantadas, como a sojicultura.
Aparece nesse contexto a migração de famílias de origem camponesa que não
conseguiram espaço no processo de modernização agrícola nos estados do Sul e
avançaram em direção ao Centro-Oeste do país (TAVARES DOS SANTOS, 1993
apud GASPAR, 2010, p. 34). Em certo momento de seus deslocamentos, cruzaram
com grupos indígenas, com segmentos camponeses já estabelecidos e com outros
que muito antes, já desde os anos de 1920, migravam das áreas secas do Nordeste
para os vales úmidos do Maranhão, sul do Pará, norte do Tocantins e Mato Grosso
adentrando na floresta amazônica (MARTINS, 2009; VELHO, 1972 apud
GASPAR, 2010, p. 34).
A reorganização do território nacional a partir da modernização das atividades
produtivas, concomitantes à melhoria da malha viária, acompanhadas da difusão das
inovações tecnológicas, ou seja, as descontinuidades, convivem com permanências –
36
“Os estudiosos do tema da fronteira no Brasil, quando examinam a literatura pertinente, deparam-se com duas
concepções de referência [...]. Os geógrafos, desde os anos 40, importaram a designação de zona pioneira para
nomeá-la, outras vezes referindo-se a ela como frente pioneira.
Os antropólogos, por seu lado, sobretudo a partir dos anos cinquenta, definiram essas frentes de deslocamento da
população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado, como frentes de
expansão. Como sugere Darcy Ribeiro, [...] elas constituem as fronteiras da civilização. [...] expressam a
concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção
de frente pioneira não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e
o pequeno agricultor moderno e empreendedor.” (MARTINS, 1996, p. 27-28).
Leva-se em consideração, no texto atual, a concepção dos geógrafos: de zona ou frente pioneira.
63
denominadas de rugosidades37
por Santos (2004) – ao longo dos espaços produtivos da
fronteira entre o Cerrado e Amazônia do Norte/Nordeste/Centro-Oeste – área cognominada
por Becker (2009) de “arco de povoamento adensado38
” (figura 07).
Figura 07. Sub-regionalização esquemática da Amazônia Legal – 2003. Fonte: Becker, 2009, p. 147.
A expansão e consolidação demográfica sob a égide da sojicultura,
principalmente, em grande parte deste arco de povoamento pode ser observada a partir das
figuras 08 e 09, que representam, respectivamente, a “evolução” em quantidade de soja
produzida na Amazônia Legal, entre os anos de 1995 a 2010, destacando os municípios
(figura 08) e mesorregiões geográficas (figura 09), correspondendo à força dos processos
centrífugos de modernização do Cerrado em direção à Amazônia brasileira.
37
“Chamemos rugosidades ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do
processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os
lugares. As rugosidades se apresentam como formas isoladas ou arranjos. É dessa forma que elas são uma parte
desse espaço-fator. Ainda que sem tradução imediata, as rugosidades nos trazem os restos da divisão do trabalho
já passadas (todas as escalas da divisão social do trabalho), os restos dos tipos de capital utilizados e suas
combinações técnicas e sociais com o trabalho.” (SANTOS, 2004, p. 140, grifo meu). 38
“Corresponde ao arco povoado do sul e leste da hiléia, envolvendo as grandes extensões de cerrado do Mato
Grosso, Tocantins e Maranhão, e as áreas desmatadas do sudeste do Pará, de Rondônia e sul do Acre. A
dinâmica do povoamento e o próprio ritmo de crescimento da população já são ditados pelas cidades e o
movimento de urbanização. [...] Trata-se de um cinturão de 300 a 500 quilômetros de largura, correspondendo a
500 mil quilômetros quadrados alterados pelo processo de ocupação. [...]
[...] aí se concentra o cerne da economia regional [da Amazônia Legal] – grandes, médias e pequenas cidades,
agroindústria da soja, pastagens planadas, mineração, grande adensamento de assentados. [...] Apresenta a maior
acessibilidade na Amazônia: é de onde as redes, os interesses e os capitais partem em direção às demais regiões.
Nesta macrorregião, portanto, a produção predomina sobre a conservação.” (BECKER, 2009, p. 146).
64
Figura 08. Mosaico 4: Municípios produtores de soja na Amazônia: à esquerda, no ano de 1995 e à direita, no
ano de 2005. Fonte: IBGE, Zavoli (2010) apud Silva (2010, p. 62).
Figura 09. Quantidade de soja produzida, por mesorregiões geográficas, nos estados da Amazônia Legal em
2010. Fonte: IBGE, 2011.
65
Tais transformações resultaram em consequências diretas para divisão territorial e
social do trabalho: alterações nas diferentes espacialidades. Pouco sobreviveu ou resistiu.
Apesar desta tentativa de aniquilação da história, da geografia, pelo capital sob a égide dos
modernos sistemas técnicos, as estruturas tradicionais anteriores não foram completamente
eliminadas, muitas das quais coexistem com a agricultura cientifizada, a exemplo da pequena
produção agrícola, formando aspectos geradores de conflitos (BERNARDES, 2009).
A discussão sobre a modernização do Cerrado brasileiro se caracteriza como uma
das mais abrangentes temáticas das questões geográficas “recentes” do país, no âmbito da
qual aspectos como fronteira, território, espacialidade, colonização e modernização se
fundiram desencadeando uma nova perspectiva do espaço nacional. O processo de redefinição
do lugar, como explica Santos; Silveira (2006, p. 259), através do fluxo demográfico, de
capital e de poder, acaba adquirindo um caráter protagonizante no que diz respeito à noção de
desigualdade territorial, assim as heterogeneidades contraditórias do território são também
resultado de uma escala mais ampla, ou seja, do desenvolvimento geográfico desigual39
assim como tem alertado Neil Smith (1988), o que gera o antagonismo existente entre os
espaços que “mandam” e aqueles que “obedecem”. A própria dinâmica da espacialização
global vai elencar e definir o que é centro e o que é periferia, sempre em busca de uma melhor
forma de exercer ou impor o poder.
No século XX, a modernização do campo brasileiro, traduzida pelas zonas
pioneiras, difunde-se por todo interior do território nacional com as colônias europeias na
Região Sul, os projetos de integração nacional e seu aporte de infraestrutura viária e urbana, a
industrialização, além da agricultura moderna da soja no Cerrado brasileiro, que formaram os
novos núcleos de dispersão e concentração do fluxo de pessoas, capital e poder. Como nos
explica Lamoso (2009, p.43) “A infra-estrutura é o suporte para a produção, a circulação e o
consumo das mercadorias geradas pelas atividades produtivas e um dos elementos
organizadores e produtores de espaço, influenciando no desenvolvimento econômico e
definindo características do processo de acumulação. [...]”, sendo assim:
Durante as três últimas décadas, algumas regiões do Centro-Sul do Brasil mudaram
do ponto de vista da organização humana, dos espaços herdados da natureza,
incorporando padrões modernos que abafaram, por substituição parcial, velhas e
arcaicas estruturas sociais e econômicas. Essas mudanças ocorreram,
principalmente, devido à implantação de novas infra-estruturas viárias e energéticas,
39
Michael Löwy tem indicado que a noção de desenvolvimento desigual e combinado, recuperada em Leon
Trotsky, ajuda-nos a compreender as modificações e a lógica das contradições socioeconômicas em países do
capitalismo periférico, como é o caso do Brasil. (Agradeço ao amigo José Arnaldo dos S. Ribeiro Junior pelo
esclarecimento contido nesta nota).
66
além da descoberta de impensadas vocações dos solos regionais para atividades
agrárias rentáveis (AB’SÁBER, 2003, p. 35, grifos meus).
O trecho supracitado de Ab’Saber está impregnado de termos, que dependendo da
ótica, podem ser muito bem utilizados à favor do discurso da racionalidade hegemônica: “a
substituição do velho e arcaico pelo novo e rentável”. Maximiza-se, mais uma vez, a noção de
que a monocultura de exportação é o arquétipo de redenção econômica para as regiões
“atrasadas” do Cerrado brasileiro.
Nesse contexto de modernização das atividades produtivas no Cerrado, o Estado
foi (e é) um importante agente social, protagonizando o processo de interiorização,
modernização e entrada do grande capital nacional e internacional nas novas zonas pioneiras
do país a partir da década de 1970, principalmente na Amazônia, como constatou Machado
(1992, p. 38):
Investimentos públicos foram dirigidos para construção de estradas pioneiras
(12.000 km em cinco anos), para a rede de telecomunicações (sistema de
comunicação em microondas de 5.110 km em três anos) e para a rede de distribuição
de energia elétrica associada às usinas hidrelétricas de grande e médio portes. Foi
criado também um programa de levantamentos por radar de recursos naturais
(Projeto RADAM – 1971), responsável pela cobertura de cerca de 5 milhões de
quilômetros quadrados da região e áreas contíguas. Na década de 80, foi também
implantado um sistema de análises de imagens multiespectrais de satélites, captadas
por estação rastreadora em Cuiabá.
Santos (2009, p. 78) clarifica ainda mais esta questão ao afirmar que:
Em 1970, fora lançado o Plano de Integração Nacional (PIN), articulando um
sentimento marcadamente nacionalista à idéia do vazio demográfico amazônico40
e à
liberação do excedente de mão-de-obra nordestino pelas secas de 1969 e 1970 e
pelas tensões sociais em torno da terra que se avolumaram no Nordeste na década de
60. Dessa perspectiva, a “produção” do “vazio” se ligava à necessidade de promover
um “escape espacial para conflitos não solucionados” (KOHLHEPP apud SANTOS,
2009, p. 38).
O Plano de Integração Nacional – PIN (1970), com a construção de vias de acesso
que integraram a Amazônia ao Centro-Sul brasileiro, caso da BR-010 (Belém-Brasília),
dinamizou o processo de ocupação efetiva das frentes pioneiras no leste do Pará, oeste e sul
do Maranhão, eixo norte-sul do Tocantins e norte de Goiás, como explica Santos; Silveira
parafraseando Lia Machado:
Estudando as fronteiras agrícolas da segunda metade do século XX, Lia Osório
Machado (1995, pp. 192-197) assinala a sua vinculação com a expansão das vias de
circulação, os movimentos espontâneos de imigração e a colonização oficial e
40
“Os lemas ‘integrar para não entregar’ e ‘uma terra sem homens para homens sem terra’ são representativos
dessa orientação.” (SANTOS, 2009, p. 78).
67
privada, a especialização em arroz, soja ou trigo em policultura ou pecuária e a
diferença quanto ao grau de tecnificação. Assim, a autora diferencia as modernas
frentes pioneiras das savanas e dos campos (Barreiras, Rodovia Belém-Brasília,
Sorriso, Sinop-Alta Floresta, Rodovia Cuiabá-Porto Velho) e as frentes pioneiras
extensivas da floresta tropical (Rodovia Araguaia-Xingoara, Marabá, Rodovia
Transamazônica, Estrada Cuiabá-Santarém, Rondônia, Acre, Humaitá) (SANTOS;
SILVEIRA, 2006, p. 121).
O Estado brasileiro representou o papel de ator central no desenvolvimento do
Complexo Agroindustrial da Soja entre as décadas de 1970-1990, mas perdeu esse status
centralizador quando “se inseriu” na lógica neoliberal. Logo, pode-se pensar não mais em
Complexo Agroindustrial – CAI – e sim em Rede Política Agroindustrial, formada “por
corporações, sindicatos, produtores, centros de pesquisa, prefeituras, cooperativas, governo
estadual e federal, etc. [...] Hoje, o Estado assume papel não menos importante, mas não tão
centralizador” (SILVA, 2010, p. 54-55). E o que é rede política?
[...] as redes definem os limites do visível e do dizível entre os que compartilham de
interesses na rede [sendo que] [...] os limites das redes são flexíveis e negociados
pelos atores presentes.
[...] A rede política é palco para negociação de interesses e determinações de
conflitos e/ou resistências, e, por fim, para processos de territorialização. (SILVA,
2010, p. 15 e 16).
[...]
[...] Numa primeira e rápida definição, rede política seria uma trama de
relacionamentos interdependentes, conectando atores que compartilham interesses e
trocam recursos, de modo a atingir objetivos comuns (BORZEL, 2008 apud SILVA,
2010, p. 49). [...].
A articulação de diferentes atores entorno do interesse comum de expandir a
lavoura de soja é o processo formador da Rede Política Agroindustrial da Soja no Brasil
Central, em contínuo crescimento e consolidação por diversas “regiões” do país, porém em
constante choque com agentes sociais de racionalidades ambientais antagônicas à
hegemônica. Os dilemas do Cerrado são ilustrados pelos “Grandes” Projetos de modernização
da agricultura para exportação (que envolve investimentos multilaterais bilionários em
pesquisa, construção de infraestrutura viária e urbana e convergência de poder de decisão
sobre corporações do agronegócio) em contraposição ao modo de vida dos pequenos
produtores e populações tradicionais.
[...] a expansão da soja é uma realidade em tensão. Isso porque tal processo resulta
em desmatamento, ocupação de áreas degradadas pela pecuária, grilagem, conflitos
de territorialidades entre grupos sociais diversos, subordinação de agricultores aos
esquemas de financiamento das corporações, abertura de cidades e transformações
de espaços urbanos preexistentes. No âmbito desse processo, as corporações do
agronegócio, tais como CARGIL, BUNGE, AMAGGI, ADM e DREYFUS, jogam
um papel importante no fomento à expansão da soja. Para tanto, constituem-se em
redes políticas territoriais capitaneadas por uma trama de interesses assimétricos,
mas convergentes em um ponto fundamental: a garantia de reprodução da lavoura de
68
soja. Logo, prefeitura, cooperativas, fundações privadas de pesquisa, sindicatos,
produtores, instituições do governo federal e corporações formam uma rede de
interesses cujo impacto se revela na recomposição do território. [...] (SILVA, 2010,
p. 46).
A recomposição dos territórios do Cerrado (e até da Amazônia), em termos de
infraestrutura viária pode ser resumida em quatro palavras: Corredor de Exportação Norte. Este
corredor corresponde às interligações multimodais através de rodovias, ferrovias e hidrovias que
convergem em direção ao Complexo Portuário de São Luís, formado por três portos (figura 10): o
de qualificação pública (administrado pela Empresa Maranhense de Administração Portuária –
EMAP), Porto do Itaqui, e dois portos privativos: da VALE (Terminal Ponta da Madeira) e da
ALUMAR (Terminal Portuário da ALUMAR). Sua importância e fama (inter)nacional devem-se
ao fato da sua situação geográfica (boa condição de navegabilidade, amplitude de maré,
proximidade dos grandes mercados consumidores, escoamento da produção, incentivos fiscais,
etc.) que permite um amplo volume de cargas movimentadas tanto do Maranhão, quanto da sua
hinterlândia secundária e terciária (Pará, Tocantins).
Figura 10. Mosaico 5: Complexo Portuário de São Luís. Acima, à esquerda, Terminal da Ponta da Madeira.
Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_o-
LA2x1osqE/RiK8FanVmEI/AAAAAAAAAnA/zHBJp81E6j4/s320/terminal+do+porto+da+madeira+-
cvrd.jpg>. Acima, à direita, vista panorâmica do Terminal da ALUMAR. Fonte:
<http://www.skyscrapercity.com/showthread>. A foto maior corresponde ao Porto do Itaqui. Fonte:
<http://www.emap.ma.gov.br>.
69
O Complexo Portuário de São Luís é, segundo Campos Neto (2006, p. 32):
De médio porte, com área de influência abrangendo três estados: o próprio
Maranhão (hinterlândia primária), que comercializou, em 2003, US$ 1.148,7
milhões, correspondendo a expressivos 95,8% de todas as transações internacionais;
o Pará (hinterlândia secundária), que movimentou 35,9% (US$ 861, 2 milhões) de
seu comércio mundial por São Luís; e Tocantins, como hinterlândia terciária, com
44,8% (US$ 22,4 milhões) de seu comércio internacional realizado por esse porto.
Ocupa a 15ª posição no ranking nacional. Onze unidades da Federação utilizaram
esse porto para suas transações internacionais.
A consolidação deste complexo portuário se deu principalmente pela implantação
de dois projetos:
1) Projeto ALUMAR – implantado em 1980 na Ilha do Maranhão. A viabilização
da exploração de 600 milhões de toneladas de bauxita nos platôs do rio Trombetas (PA) se
deu com a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHET) e os estímulos à formação de
joint ventures, a partir de acordos firmados pelo Estado brasileiro com empresas estrangeiras,
em 1974, objetivando implantar um complexo de alumínio na Amazônia, representado por
três grandes metalúrgicas: Alumínio Brasileiro S.A. (ALBRAS) e Alumina do Norte do Brasil
S.A. (ALUNORTE), no Pará, e a Alumínio do Maranhão S.A. (ALUMAR), em São Luís
(MA). O corredor de Trombetas (Baixo Amazonas) (figura 11 A e B) abrange a lavra da
bauxita, seu primeiro beneficiamento primário ainda na mina, e o transporte fluvial em navios
que seguem o caminho do porto de Vila dos Cabanos (PA) e de lá para ALBRAS e
ALUNORTE, ou diretamente da rota fluvial para a marítima até o porto da ALUMAR, na
confluência do estreito dos Coqueiros com o rio dos Cachorros, no litoral de São Luís. Nas
fábricas já citadas, após a transformação da bauxita em alumina e, depois, em alumínio
primário, o minério é embarcado (no porto de Vila do Conde, em Barcarena – PA, ou no porto
da ALUMAR) em navios para os países que realizarão as etapas mais lucrativas do processo
de agregação de valor (países da Europa, Estados Unidos e Japão) (COELHO, 2008).
2) Projeto Ferro Carajás, lançado em 1980, pela antiga empresa estatal
Companhia Vale do Rio Doce – CVRD (hoje a privatizada VALE), como base do Programa
Grande Carajás – PGC, que “objetivava” oficialmente ser um programa de desenvolvimento
regional integrado abrangendo três estados da Amazônia Oriental (Pará, Tocantins e
Maranhão), além de trazer dividendos, através das exportações, para aumentar o superávit
primário nacional e pagar paulatinamente parcelas da dívida externa brasileira. Tratava-se
então dos primeiros passos para implantação do futuro Corredor de Exportação Norte,
originalmente baseado na cadeia produtiva mina-ferrovia-porto (figura 11 C): o minério de
ferro é extraído nas minas da Serra de Carajás (PA), onde ocorre a lavra, britagem e
70
peneiramento do material, que é embarcado e transportado para São Luís, através dos 890
quilômetros de extensão da Estrada de Ferro Carajás – EFC, até os portos do Itaqui e Ponta da
Madeira. Ao longo deste trecho existem pontos de desembarque do minério de ferro (estações
de Marabá, Pequiá/Açailândia, Santa Inês e Bacabeira) para as guserias e embarque de ferro-
gusa para Usina de Pelotização da VALE e para os portos supracitados, em São Luís
(COELHO, 2008). Mas nem só de ferro “vive” a EFC:
[...] Além do trem de passageiros (inaugurado em 1986), trens de cargas diversas
circulam pela ferrovia. A venda de serviços é um negócio valorizado pela CVRD,
que tradicionalmente investe em logística (infra-estrutura de transporte, terminais e
armazenagem, associados à automatização, a prazos de entrega). O transporte de
grãos foi intensificado a partir de sua conexão com a Ferrovia Norte-Sul, de Estreito
a Açailândia – onde os vagões carregados de grãos são anexados aos trens da
CVRD. Assim, diferentemente dos demais corredores, por essa ferrovia circulam, no
sentido porto-mina, petróleo, bebidas, material de construção (cimento e cerâmicas)
etc.; no sentido mina-porto, grãos (soja, milho, arroz), além de gado, madeira e
veículos, pelo sistema roll-on/roll-off. (COELHO, 2008, p. 248)
A expansão da sojicultura nos estados do Tocantins e no sul do Maranhão foi
viável em grande parte pela logística da CVRD (figura 12), que lançou o “Programa Corredor
de Exportação Norte” visando dar suporte infraestrutural aos 2 milhões de hectares do
Cerrado com potencial para o cultivo de soja entorno da Estrada de Ferro Carajás e da
Ferrovia Norte-Sul, aliado ao sistema multimodal presente ou a ser instalado (rodovias,
hidrovias e portos secos para armazenagem de grãos) até o embarque da soja rumo aos
mercados consumidores externos (Europa, China e Japão) no Terminal Marítimo de Ponta da
Madeira, sob controle da atual VALE, que arrenda um píer no Porto do Itaqui (CARNEIRO,
2008). Para o Tocantins, o corredor Centro-Norte é composto por dois eixos de integração: 1)
rio Tocantins – Ferrovia Norte-Sul – Ferrovia Carajás – Porto do Itaqui; 2) rio Araguaia –
trecho da rodovia entre Xambioá até Estreito – Ferrovia Norte-Sul – Ferrovia Carajás – Porto
do Itaqui (SILVA, 2010):
[...] A soja produzida é transportada via rodovia e Ferrovia Norte-Sul. O pátio de
embarque de grãos fica na cidade de Porto Franco, no sul do Maranhão, que já conta
com duas empresas instaladas, BUNGE e a CARGILL, que investiram na
construção de armazéns e silos para estocagem e comercialização de grãos. O porto
de embarque de grãos em Porto Franco (MA) é de propriedade da Valec, empresa
responsável pela construção da Ferrovia Norte-Sul. Há um porto seco em Porto
Franco, que agiliza a burocracia alfandegária. A soja embarcada em Porto Franco
segue para Açailândia pela Ferrovia Norte-Sul. A partir daí é transportada nos
vagões da Ferrovia de Carajás até o porto de São Luís, de onde é exportada para
Europa e Ásia. Há projeto de implantação da hidrovia do Tocantins [figuras 13 e
14], que partiria, na primeira etapa, de Miracema do Tocantins até Aguiarnopolis,
levando produtos tanto de Miracema quanto de Pedro Afonso, onde serão
construídos portos fluviais até a Ferrovia Norte-Sul e daí até o porto de Itaqui.
(SILVA, 2010, p. 79).
71
Norte
Figura 11. Mosaico 6: Corredores de exportação de minérios na Amazônia. A – Grau
de urbanização das cidades em 2000. B – Corredor da bauxita/alumina/alumínio
(Baixo Amazonas). C – Corredor Carajás-São Luís. Fonte: adaptado de Coelho (2008,
p. 241 e 242).
Legenda
Rodovias: ________
Ferrovias: ++++++
Hidrovias: ________
Figura 12. Vias de Escoamento da Soja no Estado do Maranhão. Fonte: Ministério dos
Transportes (2004).
72
Figura 13. Mapa das bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins, com
destaque para os rios principais. Fonte: GTÁguas, 2007.
Figura 14. Mapa comentado da Hidrovia Araguaia-Tocantins-Rio das Mortes. Fonte:
Momento da Pesca, 2010.
73
Logo, o Maranhão centraliza um importante papel de exportador pela presença do
complexo portuário na baía de São Marcos e consolidação do Corredor de Exportação Norte.
Apesar da distância de aproximadamente 900 quilômetros dos municípios produtores de soja
no sul desse estado, a presença de uma rede política bastante articulada propiciou a
viabilidade infraestrutural na região com o asfaltamento de rodovias – a MA-006, a BR-230
de Balsas (MA) para Floriano (PI) e a BR-010 de Carolina (MA) até Estreito (MA) – que se
conectam até as ferrovias (Norte-Sul e Carajás), e em seguida até o porto do Itaqui, no qual
existe uma infraestrutura de armazenagem da produção regional de grãos instalada pela
VALE. Aliás, a VALE articula seus interesses com a CARGILL e BUNGE41
para instalar
terminais de grãos no porto do Itaqui. Esta logística no sul do Maranhão para soja conta
também com a participação da Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação
Norte – FAPCEN (figuras 15 e 16), criada por iniciativa de empresários em 1993, atualmente
com escritório na Fazenda Sol Nascente, no município de Balsas, que conta com a
“colaboração” de diversas empresas do complexo agroindustrial, inclusive da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, para difundir tecnologias e novos
cultivares de soja adaptados às condições fisiográficas principalmente dos estados do
Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará. Durante a penúltima semana de maio a FAPCEN promove
o famoso evento AGROBALSAS nas dependências da mesma fazenda (SILVA, 2010).
Figura 15. Fotos da estrutura do AGROBALSAS, na Fazenda Sol Nascente. Fonte: <http://agrobalsas.org.br/>.
41
“[...] A BUNGE inaugurou a Fertimport São Luís, no Maranhão. A filial estreita a relação da empresa com o
complexo portuário local, de modo a consolidar a participação no agenciamento de navios que transportam soja e
farelo para o mercado europeu, e fortalecer a atuação no afretamento e agenciamento de embarcações, que
importam insumos de fertilizantes para a Bunge, e exportam soja vinda das novas fronteiras agrícolas do Centro-
Oeste. (SILVA, 2010, p. 82).”
74
Figura 16. Mosaico 7: Fazenda Sol Nascente em Balsas (MA). A – Entrada da Fazenda e Escritório da FAPCEN.
B – Variedades de sementes de soja desenvolvidas a partir de pesquisas da FAPCEN e EMBRAPA (da esquerda
para direita: BRS TRACAJÁ, BRS 279 RR, BRS CARNA..., BRS CANDEIA, BRS SAMBAÍBA e BRS 278
RR). C – Placas de auto-publicidade ao longo da fazenda. Fonte: Dados da pesquisa, 18/10/2011.
A figura 16 C, acima, expõe algumas placas de auto-publicidade localizadas ao
longo da Fazenda Sol Nascente, nas quais existem divulgações sobre o tema do
AGROBALSAS 2012, “‘AGRICULTURA INTELIGENTE’: baixo carbono que gere
incentivos e não penalidades”, que ocorrerá de 23 a 26 de maio; ou exaltam o monocultivo da
soja como a redenção do Cerrado atrasado, com frases do tipo:
75
“Eu planto alimentos e empregos nos cerrados maranhense[s], de forma
sustentável”;
“Somente uma agricultura forte poderá acabar com a fome no mundo”;
“CERRADOS NORDESTINOS, a grande opção”;
“O mundo coloca ao Brasil uma chance histórica para ser um ‘grande produtor
agrícola mundial.’ Dobrar exportações até 2020; Aumentar 40% produção. MA: 6 milhões
hab./IDH 26º 0,683 (2005). PI: 3 milhões hab./IDH 25º 0,703 (2005).”
Frases muito bonitas, ainda mais quando divulgadas em outdoors multicoloridos e
em um local frequentado preferencialmente por empresários do agronegócio, mas que na
prática não saem das placas. São muito mais frases de impacto manipuladas aos interesses dos
grandes produtores que adéquam o seu discurso à onda verde do momento, aquela que
transformou tudo em ambiental e sustentável por imitação à “responsabilidade” de todos pelo
“nosso futuro comum”, pura e simplesmente para obter um prestígio midiatizado, porém, essa
responsabilidade socioambiental fica somente no campo das ideias, das ideias contraditórias.
Contradições tão grandes como propagar que a sojicultura – devastadora-mor do
bioma Cerrado e que pouco emprega42
– é sustentável, leva-nos às indagações: qual conceito
de sustentabilidade é utilizado nesse caso? O antônimo daquele tão conhecido43
? Como
utilizar sem devastar quando substitui-se centenas de espécies nativas por uma exótica, porque
é mais rentável? (Só o pólo de Balsas possui uma área plantada e colhida moderna de mais de
500 mil hectares – figura 17).
Figura 17. Características do pólo de Balsas. Fonte: Dados da pesquisa, 18/10/2011.
42
“A intensa mecanização exigida pela cultura [da soja] resulta em uma pequena capacidade de gerar emprego,
agravando ainda mais a situação social. No Maranhão, segundo pesquisadores da CPATU/Embrapa a relação
atinge um trabalhador para 167 hectares, chegando a um para 200 hectares nos plantios maiores.”
(CARVALHO, 1999, p. 07). 43
O conceito de desenvolvimento sustentável foi concebido no documento “Nosso Futuro Comum” ou
“Relatório Brundtland”, em 1987, como “aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991 apud RIBEIRO
JUNIOR, 2011, p. 32).
76
Esta contradição torna-se ainda pior quando difunde-se a noção que a sojicultura,
principal produto plantado na região, pode ser a panaceia para redução das desigualdades e da
fome regional (no momento ela cumpre esse papel saciando a fome do gado europeu ou
servindo como combustível para máquinas e automóveis movidos à biodiesel). O irrisório
Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – do Maranhão e Piauí parece ser vitalício, apesar
dos sucessivos “grandes projetos de desenvolvimento” para estes estados ao longo das últimas
cinco décadas (1960-2010). A chance histórica de sermos um “grande produtor agrícola
mundial” pode reverter essa situação? Pode. Depende de como e para quem virão as benesses,
caso aumente em 40% a produção agrícola nesses estados. Dobrar as exportações agrícolas
não melhorará a condição de vida dos atuais 9,7 milhões de habitantes desses dois estados
(IBGE, 2010), caso não se pense primeiro em produzir e distribuir gêneros alimentícios que
abasteçam o mercado interno garantindo a segurança alimentar e nutricional44
dessa
população.
Os Cerrados nordestinos podem ser sim, uma grande opção para redução da fome
humana, caso o Estado brasileiro invista não só ou deliberadamente em monocultivos como
soja, algodão ou eucalipto, haja vista que o pequeno produtor alimenta a sua família, desde
tempos imemoriais, com sua lavoura, assim como pratica o manejo de diversas espécies
nativas para construir suas casas, confeccionar artesanato, extrair frutos, etc. sem derrubá-las
por inteiro. Práticas degradantes como a agricultura do tipo coivara45
poderão ser atenuadas
caso haja programas que disponibilizem recursos, treinamento e acompanhamento técnico
desses pequenos produtores, assim como acontece para com os grandes produtores sulistas,
que não foram sempre modernos – o ponto de inflexão foi possibilitado também por
incentivos estatais.
Lembrai-vos também que “cerca de 85% da produção mundial de alimentos é
canalizada através de circuitos curtos e descentralizados” (PLOEG, 2008, p. 21), logo, não
44
“Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em
quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e respeitando as
características culturais de cada povo, manifestadas no ato de se alimentar. Esta condição não pode comprometer
o acesso a outras necessidades essenciais, nem sequer o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases
sustentáveis. É responsabilidade dos estados nacionais assegurarem este direito e devem fazê-lo em obrigatória
articulação com a sociedade civil, dentro das formas possíveis para exercê-lo.” (MALUF; MENEZES;
MARQUES, 2001, p. 4). 45
“O sistema de cultivo utilizado por pequenos agricultores, chamado de pousio, roça-de-toco ou coivara,
constitui uma tradição milenar da maioria das populações indígenas, sendo assimilada pelas populações
remanescentes de processos de colonização (ADAMS, 2000; OLIVEIRA, 2002 apud SIMINSKI; FANTINI,
2007). Esse modelo é descrito por diversos autores e ocorre de modo semelhante em diferentes partes do mundo,
sendo particularmente comum na zona das florestas tropicais e subtropicais. [...] O sistema é baseado na
derrubada e queima da vegetação, seguindo-se um período de cultivo e, após o declínio da fertilidade do solo,
um período de pousio para restauração da fertilidade.” (SIMINSKI; FANTINI, 2007, p. 690-691).
77
são os grandes produtores e exportadores agrícolas que preponderantemente “alimentam” o
mundo; e da forma como pensam os empresários agrícolas, cujas metas têm por base única e
real o aumento exponencial dos lucros, não será esta agricultura “forte” e “inteligente” (a
contraditória acima discutida) que acabará com a fome no mundo. Como assinalou Pérez-
Vitoria (2005 apud Ploeg, 2008, p. 33) “personne ne voulait les entendre; on était trop ocupés
à se modernizer (ninguém queria entender os camponeses; todos estavam demasiado
ocupados em se modernizar).” E essa modernização no campo se dá nos moldes da empresa
agrícola:
[...] A empresa agrícola é completamente especializada e orientada para as
atividades mais rentáveis através de escolhas estratégicas, com outras atividades
externalizadas. Seus objetivos, tanto em longo como em curto prazo, são centrados
na procura e maximização dos lucros. O empresário (ou empresária) não só se
comporta como homo economicus, como também atua como um “adotante precoce”
de novas tecnologias, se comparado com outros que são considerados “atrasados”
(Rogers e Shoemaker, 1971). Portanto, pode-se presumir que os empresários
agrícolas têm à sua disposição uma vantagem competitiva considerável, e que a
usam para investir em expansão constante. Estes empresários agrícolas acreditam
que estão envolvidos em uma “batalha pelo futuro”, onde apenas sobreviverão as
empresas maiores e mais bem equipadas tecnologicamente. (PLOEG, 2008, p. 33).
Toda essa discussão travada sobre a expansão agrária moderna, dos meios de
integração entre diversas regiões do país e as contradições do modelo agrícola empresarial
para exportação, concomitantemente, são interessantes “para associar a força das novas
tecnologias ao processo de avanço de novas fronteiras conquistadas pelo capital46
” (Ferreira,
2008 b, p. 31), assim, no que tange a essa temática destaca-se a análise de Becker (1988)
sobre o assunto, quando afirma:
A fronteira constitui um espaço em incorporação ao espaço global/fragmentado [...]
contém assim os elementos essenciais do modo de produção dominante e da
formação econômica e social em que se situa, mas é um espaço não plenamente
estruturado, dinâmico, onde as relações e as práticas não assumem o grau de
cristalização comum em outras circunstâncias, e, portanto gerador de realidades
novas e dotado de elevado potencial político (BECKER, 1988, p. 67).
46
“As dimensões etnocêntricas, culturais e racistas acompanham a fronteira agrícola capitalista. O caráter e
projeto civilizatório e a dimensão ideológica da sociedade capitalista se projetam sobre territorialidades
marginais ou, simplesmente, ainda sem contato com a ordem hegemônica. Mas esse processo não é linear e sem
resistências. De acordo com Bourdieu (1998, p. 12), ‘o campo de produção simbólica é um microcosmo da luta
simbólica entre as classes’. Logo, fronteira é conflito, instabilidade, conquista e resistência. Diversos
movimentos sociais visam a neutralizar as representações dominantes na fronteira agrícola capitalista, tais como
o Movimento dos Sem-Terra, os Povos do Cerrado, os Povos da Floresta etc. O avanço de uma fronteira
campesina também pode implicar conflito de valores simbólicos e identitários e des-re-territorialização de
grupos sociais, tais como os embates pela posse da terra entre índios e posseiros. (SILVA, 2007, p. 287, grifo do
autor).”
78
Desta mesma forma inserem-se as diversas problemáticas entorno dos projetos de
modernização do Cerrado brasileiro. As mudanças provenientes da expansão da sojicultura na
região são intensas e induzem à consolidação deste e de outros projetos que sirvam à
modernização da malha viária com o objetivo de otimizar (termo tão propalado pelas
empresas e governos) o caminho para exportação desta commoditie – haja vista que a
implantação da sojicultura enquanto panaceia econômica, assim como a modernização da
malha viária, foram e continuam sendo patrocinadas pelo “casamento” em comum acordo e
de interesses recíprocos entre o Estado brasileiro e os empresários da soja – levando em
consideração quase que exclusivamente os fatores econômicos em detrimento dos sociais e
ambientais. Como nos explica Carlos (2010, p. 34) “[...] a reprodução no mundo moderno não
se faz ao acaso, uma vez que é o resultado do mundo da mercadoria, aparecendo, portanto,
como programa do capitalismo e do Estado que organiza a vida cotidiana porque organiza a
sociedade de consumo.”
Referidos anteriormente, os diversos planos e programas de desenvolvimento
nacionais com o objetivo de desenvolver indústrias que abastecessem essencialmente o
mercado nacional, passaram recentemente por uma inversão de valores, principalmente a
partir do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso:
[O] Programa Plurianual de Ação – PPA [...] tenta implementar uma verdadeira
mudança no padrão de organização do espaço brasileiro que dominara nossa
formação socioespacial de 1930 até os anos 80. O padrão de organização do espaço
que dominara nesses 50 anos baseou-se num processo conhecido como
“industrialização substitutiva de importações”, caracterizado fundamentalmente por
(i) uma forte capacidade de investimentos do Estado e (ii) na criação de um mercado
interno que, ainda que excluindo parcelas significativas da população pela
desigualdade na distribuição de renda acentuada, tornou-se referência para a
dinâmica da acumulação capitalista no Brasil. Assim, pela primeira vez na nossa
história, o Brasil, de 1930 a 1980, fez girar sua economia e a organização social do
seu espaço geográfico em torno de uma dinâmica interna auto-sustentada, ainda que
com desigualdades sociais agudas, sem prejuízo da presença de grandes capitais
internacionais que, sobretudo após 1956, passaram a se instalar significativamente
no Brasil com as primeiras grandes montadoras de automóveis. (PORTO-
GONÇALVES, 2000, p. 178).
Investimentos multibilionários, com o aval de órgãos nacionais e internacionais de
desenvolvimento, são direcionados aos projetos que visam “libertar” regiões inteiras do dito
“atraso” levando-as à redenção econômica (novamente a dimensão social é marginalizada) e
que, consequentemente, trará o “tão esperado progresso”, que por si só deve justificar a sua
aceitação, submissão e extinção das demais racionalidades:
[...] sempre se tem uma “única solução” como se cada situação não comportasse
múltiplas opções. Trata-se, mais uma vez, de uma estratégia discursiva de forte
componente autoritário, que tenta, a priori, desqualificar aqueles que,
79
eventualmente, levantam pontos que criticam o projeto em cada momento em
apreço.
Mais uma vez se observa uma visão sobre a região se impondo à visão dos que são
da região. [...] É o afã do “exportar é o que importa” tão propalado desde os anos 70
quando se acentuou a crise de financiamento internacional, a conhecida crise da
eterna dívida externa. (PORTO-GONÇALVES, 2000, p. 185).
O atraso no nosso Cerrado tinha seus dias contados, já que brasileiros e japoneses
confabulavam acordos bilaterais para modernizar e enfim, concretizar o progresso pela ordem,
uma nova ordem territorial.
5.1 Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados –
PRODECER
Conjunturas históricas internacionais contribuíram para consolidação do
PRODECER. Em 197347
, o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, decretou
como medida provisória o embargo das exportações de grãos e farelos visando garantir o
abastecimento interno, um choque para economia japonesa, em franca expansão após a II
Grande Guerra, mas altamente dependente de importações de produtos primários, inclusive de
gêneros alimentícios norte-americanos, haja vista a crescente demanda interna por alimentos
que ia de encontro à escassez de terras agricultáveis no território japonês. Foi então que um
grupo do ZENCOREN (Federação Nacional das Cooperativas de Compras do Japão), a
convite da Organização das Cooperativas de São Paulo, visitou o Brasil com o objetivo de
estudar a viabilidade de desenvolver a agricultura moderna no Brasil48
e idealizaram o
PRODECER em 1974. Após acordos e amadurecimento, em 1978 iniciaram-se concretamente
as atividades deste projeto no Cerrado, local até então considerado impróprio para a
agricultura. Neste mesmo ano é criada a Companhia de Promoção Agrícola (CAMPO),
47
Ano da crise mundial decorrente do Primeiro Choque do Petróleo: após a Guerra do Yom Kipur, em outubro
de 1973, países árabes membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) decretam completo
bloqueio do fornecimento de petróleo aos aliados de Israel e aumento em mais de 300% sobre o preço do barril
de petróleo, atingindo principalmente Estados Unidos, Holanda e Portugal. O barril de petróleo, de tipo Brent,
salta de US$ 8 para US$ 38, mantendo-se por bom tempo, mesmo após o fim do bloqueio, num patamar de US$
36 o barril. Como efeito dominó, a crise do petróleo gerou crise em diversos outros setores da economia global.
(SINDIPETRO/SJC). 48
“A preocupação com a questão do abastecimento alimentar em vários países asiáticos tem sido uma das
questões cruciais nesse projeto. Vários fatores indicam problemas no abastecimento mundial: aumento da
população; presença da China agora como importadora de alimentos dada a sua escassez de terras em condições
de aproveitamento imediato. Nos últimos anos vários países asiáticos mostraram interesse em aproveitar o
potencial agrícola brasileiro. Empresários da Coréia do Sul vieram ao Brasil interessados em estabelecer
parcerias para a produção de grãos no Brasil. Recentemente, o governo chinês manifestou interesse em adquirir
500 mil hectares em terras brasileiras. E empresas da Malásia têm adquirido áreas para exploração florestal.”
(YOKOTA, 1997, p. 160).
80
sediada em Brasília, que surge da associação das holdings Brasagro, brasileira e com 51% do
capital, e a Jadeco, japonesa com 49% do capital – e se tornou o principal mecanismo de
cooperação nipo-brasileira, responsável pela coordenação, planejamento e assistência técnica
em cada um dos projetos de implantação do PRODECER (SILVA, 2010). Por tratar-se de
agricultura moderna de monocultivos preferencialmente para exportação, apesar dos
investimentos bilionários e dos imensos impactos socioambientais, o saldo de empregos
gerados foi de aproximadamente 20 mil diretos e 40 mil indiretos. (OSADA, ano de
publicação não informado). A tabela 01 sintetiza algumas informações das principais etapas
do PRODECER:
TABELA 01. Síntese do PRODECER. FINANCIAMENTO
Os recursos japoneses vieram de fontes institucionais do governo e dos bancos privados, liderado pelo Long
Term Credit Bank, que são os co-financiadores. Os projetos-piloto foram financiados pela Japan International
Cooperation Agency (JICA) e o projeto de expansão pelo Overseas Economic Cooperation Foundation (OECF).
PÚBLICO BENEFICIÁRIO
Agricultores provenientes do Sul e Sudeste, selecionados por sua experiência anterior na administração de
propriedades agrícolas. São médios agricultores associados a cooperativas, com características de “capacidade
de adoção tecnológica”, tanto gerencial quanto de produção, “espírito empreendedor”, etc., que conduzam os
projetos a atingirem os objetivos do Programa. O programa tem um enfoque de “desenvolvimento regional”,
uma vez que, com sua proposta, desenvolve paralelamente à produção, a infraestrutura econômica e “social”,
num apoio logístico à competitividade dos cerrados.
OBJETIVO
Estimular e desenvolver a implantação de uma agricultura moderna, eficiente e empresarial, de médio porte, na
região dos cerrados, com vistas ao seu desenvolvimento, mediante a incorporação de áreas ao processo
produtivo, dentro de um “enfoque sustentável”.
ETAPA ANO DE
IMPLANTAÇÃO
ÁREA DE ABRANGÊNCIA
(HECTARES/ ESTADOS)
VALOR DOS
INVESTIMENTOS
PRODECER I. 1979. 70 mil hectares/ Estado de Minas Gerais. US$ 50 milhões (do
governo japonês).
PRODECER II. 1985. 200 mil hectares/ Estados de Minas Gerais,
Goiás, Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul.
US$ 350 milhões
(do governo
japonês).
PRODECER III. 1996. 80 mil hectares nos Estados do Maranhão
e Tocantins (fase de implantação), com
plano de expansão do projeto (concluído
no final do mês de abril de 1997 pelo
Ministério da Agricultura) atingindo os
Estados do Piauí**, Pará e Rondônia.
US$ 850 milhões* –
60% do custeio do
programa foram
responsabilidade do
governo japonês e o
restante do governo
brasileiro.
Fonte: adaptado de Osada (ano de publicação não informado) e Marouelli, 2003.
* O investimento para a fase de implantação (nos estados do Maranhão e Tocantins) foi de aproximadamente
US$ 138 milhões.
** Há de se registrar que o Piauí não foi contemplado com o PRODECER, em virtude da falta de entendimento
político entre o Governo do Estado, o Governo Federal e a JICA. (OLIMPIO, 2004).
81
Destacam-se algumas palavras, entre aspas, na tabela 01, quanto ao público
beneficiário e objetivo do PRODECER: “capacidade de adoção tecnológica”, “espírito
empreendedor”, “desenvolvimento regional”, desenvolvimento “social” e “enfoque
sustentável”. Mais uma vez o discurso oficial reforça contradições relevantes: como trazer
“desenvolvimento regional no âmbito social” se os grupos selecionados para participar
diretamente deste programa, especialmente do PRODECER III, são os de fora, considerados
aqueles com a “capacidade de adoção tecnológica e espírito empreendedor comprovado”, das
tais áreas tradicionais da agricultura moderna (Centro-Sul do Brasil)? A promessa dos
empregos e serviços que serão gerados, muitas vezes não passam de especulações e
(super)projeções dos EIA/RIMAs49
. As compensações econômicas (já que as sociais são
quase sempre impraticáveis ou uma possível consequência), para a população já estabelecida
na área de abrangência desses projetos, ficam aquém das expectativas dos governos que
isentam empresas de impostos, como reforça Peixinho; Scopel (2009, p. 108-109) a exemplo
do que ocorre nos cerrados piauienses:
O que faz o Estado abrir mão de quase 200 milhões de reais/ano para que uma
empresa se instale em seu território? A resposta mais imediata é que isso gera
desenvolvimento e produz empregos, portanto essa isenção seria compensada. Por
exemplo, a Bungue ao instalar sua unidade de Uruçuí prometeu mais de 500
empregos diretos e 10 mil indiretos. Mas, conforme Alves (2006), ao final de cinco
anos foram gerados aproximadamente 200 empregos entre fixos e terceirizados. É
fato que outras empresas do setor instalam-se nos municípios produtores de soja,
especialmente as revendedoras de máquinas e equipamentos, insumos, peças etc.
Essas empresas, normalmente trazem o pessoal especializado de outras localidades,
ficando para os trabalhadores locais as funções de serviços gerais. A própria Bungue
nos primeiros anos empregava mais de 70% de pessoas de fora da região e,
posteriormente, aumentou o número de empregados locais.
A modernização sob o signo dos campos de soja se consolida na paisagem e
imaginário dos adeptos ao “progresso” em meio ao Cerrado. A terceira etapa do PRODECER,
por abranger diretamente o município de Balsas, será mais bem detalhada a seguir.
49
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente (RIMA). O RIMA é uma
derivação simples do EIA, com objetivo de apresentar à população em geral, numa linguagem menos técnica, o
resumo do diagnóstico contido no EIA:
“Prever impactos em relação a um projeto de qualquer tipo (...) é (...) de grande importância para os países do
Terceiro Mundo. Primeiro, porque revela o nível de esclarecimento atingido pela sociedade do país em relação à
capacidade de antever quadros futuros da organização espacial de seu território. E, num segundo nível, porque é
também um bom indicador da força de pressão social dos grupos esclarecidos em relação ao bom uso dos
instrumentos legais para garantir previamente um razoável quadro de qualidade ambiental e ordenamento
territorial. Por último, porque é um excelente teste para avaliar a potencialidade da legislação disponível, assim
como a sua aplicabilidade a casos concretos.” (...). (AB’SABER, 2006, p. 27).
82
5.2 O PRODECER III nos Cerrados do Maranhão e Tocantins
A produção de soja nos estados do Maranhão e Tocantins foi alavancada a partir
dos investimentos milionários provenientes do PRODECER III em meados da década de 1990
e da infra-estrutura disponibilizada pela criação do Programa Corredor de Exportação Norte50
,
sendo que atividades agrícolas bastante praticadas até então, como a cultura do arroz,
deixaram de ser o foco do grande produtor, estagnando ou reduzindo em demasia a
participação da rizicultura na economia de exportação desses estados (porém, este produto
ainda consta como um dos principais na lavoura de pequenos e médios produtores do
Maranhão e Tocantins).
No município de Balsas (sul do Maranhão), tal programa foi implantado entre os
anos 1994 a 1996, tendo como órgãos responsáveis a Cooperativa Agropecuária Batavo do
Paraná (denominada, em Balsas, de Batavo Nordeste), a CAMPO; assim como agentes
financeiros a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e o Banco do Nordeste
do Brasil. “Os investimentos giravam em torno de US$ 70 milhões, prevendo o aumento da
produção de grãos na ordem de 25% a cada ano e o assentamento de quarenta famílias
previamente selecionadas e que seriam responsáveis por mil hectares cada.” (SOUZA FILHO,
1995, apud GASPAR, 2010, p. 29).
Através do Projeto Gerais de Balsas, a Batavo Nordeste e a CAMPO articuladas
ao Estado, sob o signo do PRODECER III e incentivos fiscais para os produtores que
exportavam grãos na região, promovem a consolidação da soja na outrora paisagem de
Cerrado sul-maranhense. No final da década de 1990 a insolvência dos produtores, o fim da
Batavo Nordeste, a pouca experiência dos produtores selecionados, o repasse irregular do
Banco do Nordeste de suporte à lavoura, a dificuldade tecnológica e a fraca logística foram
fatores que contribuíram para o abandono da parceria PRODECER III e a Batavo, e para a
desistência dos produtores ligados ao projeto. De qualquer modo, a expansão da soja já era
uma realidade. (SILVA, 2010, p. 82). Sobre o PRODECER III, na época de sua implantação,
sabe-se que:
50
“É a partir de 1991 que a região de Balsas se instrumentaliza para a produção de soja em grande escala, através
da intensificação da pesquisa científica, viabilizada pelo convênio de cooperação técnica e financeira para a
pesquisa. Paralelamente foram realizados estudos conjuntos para a criação do Programa Corredor de Exportação
Norte, que tomaram por base os resultados dos estudos da EMBRAPA, do apoio financeiro do Banco do Brasil,
contando ainda com a participação de órgãos/empresas como o Banco do Nordeste do Brasil, Banco da
Amazônia S.A. (BASA), e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além da
parceria com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) – Superintendência da Estrada de Ferro Carajás.”
(FERREIRA, 2009, p. 70).
83
[...] [O] Programa teve início em 1996, quando foi implantado nos municípios de
Pedro Afonso (TO) e Balsas (MA). O principal instrumento do programa é o crédito
supervisionado, com linhas de financiamento abrangentes, e foram previstos
empréstimos fundiários para investimentos, despesas operacionais e assistência ao
colono (RODRIGUES; VASCONCELOS; BARBIERO, 2009, p. 301).
O município de Pedro Afonso, conhecido como a Capital Tocantinense da Soja,
teve em meados da década de 1990 uma grande expansão na sua lavoura de soja,
especificamente a partir de 1996, ano em que a CAMPO investe recursos do PRODECER III
nos Cerrados do Tocantins, que consistiu na convergência de diversos interesses entorno da
sojicultura (tabela 02):
TABELA 02. Síntese do PRODECER III no Estado do Tocantins.
Município Ano de implantação Origem dos produtores
Pedro Afonso. 1996. Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná.
Áre
a 40 mil hectares:
20 mil foram destinados aos produtores e 20 mil à reserva ambiental. O tamanho dos lotes correspondia a
mais ou menos 875 hectares. A área plantada era em torno de 480 hectares.
Ag
ente
s
fin
an
ceir
os
JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão) e Banco do Brasil:
A JICA cobrava juros de 2,7% ao ano aos produtores selecionados e investiu cerca de 70 milhões de
dólares no Tocantins, para fins de aquisição de terras, maquinário, galpões, insumos e oficinas. Com apoio
da CAMPO e da JICA, a COAPA (Cooperativa Agropecuária de Pedro Afonso) mobilizou recursos para
estruturação do setor de armazenagem, representado antes apenas pela BUNGE. Hoje, o repasse da JICA
para o PRODECER não existe mais, pois o programa foi extinto em 2003.
O Banco do Brasil viabilizava o repasse dos recursos financeiros.
Co
op
era
tiv
as
COOPERSAN (Cooperativa Agropecuária Mista São João Ltda) e COAPA (Cooperativa Agropecuária de
Pedro Afonso):
A cooperativa responsável pelo projeto era a COOPERSAN, que passou pela avaliação da CAMPO,
Ministério da Agricultura e Banco do Brasil. Todavia, as dificuldades financeiras da cooperativa levaram-
na à liquidação, deixando os produtores e instituições envolvidas no projeto em alerta. Diante deste
cenário, os produtores organizaram uma associação para cuidar de seus interesses. Surge, então, a COAPA,
em 1998. Em linhas gerais, a CAMPO coordenava o projeto; a COAPA garantia a sua execução e o Banco
do Brasil viabilizava o repasse de recursos financeiros. Hoje em dia, a CAMPO só realiza
acompanhamentos e se localiza na sede da COAPA.
Em 2009, A COAPA atende 87 cooperados e outros produtores da região de Pedro Afonso, Bom Jesus do
Tocantins, Tupirama, Rio Sono, Guaraí, Fortaleza do Tabocão, Santa Maria, Tocantínia, Campos Lindos,
Itacajá, Centenário e Rio dos Bois. Desse total, 1/3 dos cooperados ainda pertence ao antigo PRODECER.
Fim
do
PR
OD
EC
ER
O programa foi extinto em 2003. Grande parte dos cooperados pertencentes ao PRODECER são
inadimplentes, pois apesar dos juros cobrados pela JICA terem sido os mais baixos do país, as taxas do
Banco do Brasil eram altas, o que inviabilizou a manutenção dos pequenos produtores.
Do total de assentados do antigo PRODECER, havia apenas 29 produtores em 2009. A saída dos
assentados se deu também por conta da falta de capital cultural e da prática de apadrinhamento.
Fonte: adaptado de Silva (2010).
As figuras 18 e 19, mosaico de gráficos e quadros, são representativas ao
crescimento da lavoura de soja em detrimento à rizicultura, tanto em área colhida (hectares)
quanto em quantidade (toneladas), no Maranhão e Tocantins, entre 1990 a 2010. Escolheu-se
comentá-las nas suas respectivas legendas.
84
Figura 18. Mosaico 8: Gráfico e quadros
correspondentes a dados anuais da lavoura de arroz
e soja no Maranhão, entre 1990 a 2010. Ao lado,
gráfico da área colhida, em hectares; abaixo, à esquerda,
quadro com os respectivos dados da área colhida: o
aumento quase sempre constante da área colhida de soja
(com exceção dos anos 1996 e 2009) contrasta com a
queda acentuada da de arroz, principalmente entre 1995-
1996 (período de implantação do PRODECER III em
Balsas), desde então a rizicultura obteve acréscimos ou
decréscimos, em termos absolutos, pouco significativos
quando comparada à sojicultura. O ponto de inflexão
ocorre em 2010, quando a área de soja supera a de
arroz. Abaixo, à direita, quadro com a quantidade
produzida: a paulatina substituição da lavoura de arroz
pela de soja, no quadro de principal produto agrícola do
Maranhão (enquanto panaceia econômica), fica mais
nítida quando se compara a quantidade produzida de
ambas, com proporções inversas.
Fonte: IBGE,
2010.
85
Figura 19. Mosaico 9: Gráfico e quadros
correspondentes a dados anuais da lavoura de arroz
e soja no Tocantins, entre 1990 a 2010. Ao lado,
gráfico da área colhida, em hectares; abaixo, à esquerda,
quadro com os respectivos dados da área colhida: assim
como no Maranhão, por efeito do PRODECER III, a
diminuição da área ocupada pela rizicultura se dá pela
expansão da/incentivos à sojicultura no Tocantins, até
de forma mais intensa ainda, já que o ponto de inflexão
ocorre entre 2002-2003. O efeito montanha-russa (sobe-
e-desce) é bastante evidente na área colhida de arroz,
enquanto a de soja, entre 2000-2005, apresenta uma
elevação brusca. Abaixo, à direita, quadro com a
quantidade produzida: comparando os anos extremos
(1990 e 2010), enquanto a quantidade produzida de
arroz aumentou 171%, a de soja foi superior a 2800%.
A eficácia dos grandes programas ECONÔMICOS é
comprovada pela consolidação do objetivo econômico
do PRODECER no Cerrado tocantinense.
Fonte: IBGE,
2010.
86
5.3 Sobreposição de “novas” e “velhas” fronteiras, territórios e racionalidades do/no
Cerrado
A lógica empresarial também constrói e difunde o espaço abstrato da “última
fronteira agrícola do planeta”, abstrato porque é idealizado ao contrário do real, tido como um
local de mínima importância ambiental, ou seja, o Cerrado, quando este abriga uma das
maiores biodiversidades do planeta e as nascentes da maioria dos rios principais ou afluentes
das grandes bacias sul-americanas, tão estratégicas para diversas atividades e grupos sociais,
inclusive aos próprios empresários agrícolas e pecuaristas, responsáveis por quase 50% de
desmatamento nesse bioma51
. Discursos caídos por terra, pensava-se, retornam reconfigurados
como justificativa para o ímpeto infatigável de expansão do capital a qualquer custo (este
pleonasmo é pouco para enfatizá-lo), seja pela desconsideração de opiniões, mobilizações
forçadas de populações há séculos estabelecidas na região com a amortização de laços e
práticas socioculturais, assim como a substituição e extinção de várias espécies nativas por
apenas aquela(s) de interesse econômico.
[...] é extremamente perigoso repetir o tom ufanista que caracterizou os anos 70 e
80, quando o “integrar para não entregar” acabou ensejando, até pela falta de debate,
um verdadeiro desastre ecológico e social. É de triste memória essa mensagem, ora
repetida, “da última fronteira agrícola do planeta” que tantos dissabores nos trouxe
não só no plano internacional como, também, para as populações locais e, ainda,
para os que desavisadamente, e em boa fé, migraram para a região buscando
melhorar suas condições de vida. (PORTO-GONÇALVES, 2000, p. 184).
A figura 20 demonstra a exaltação dos dados econômicos da produção
agropecuária brasileira recente, estratégia recorrente da mídia impressa neoliberal, que sempre
destaca o que considera como benesse econômica, que possivelmente trará melhorias sociais
(a inversão da ordem desses fatores não é cogitada). O mapa central indica “os novos pólos do
agronegócio”. Alguns municípios possuem laços estreitos com a grande produção mecanizada
de soja, principalmente – dentre eles Balsas (MA), Uruçuí (PI) e Barreiras (BA) no Cerrado
nordestino –, que seriam “cidades perdidas[?] no interior do país estendendo a fronteira
agrícola e alavancando a produtividade da agropecuária.” O tom ufanista do integrar para não
entregar, ressaltado anteriormente por Porto-Gonçalves (2000), pode ser observado em um
dos dados na figura, quando (des)informa que “ainda existem 106 milhões de hectares de
terras férteis disponíveis para a agricultura não explorada”, aproximadamente 12,5% do
51
“O cerrado corresponde a uma área com 2,039 milhões de quilômetros quadrados. Hoje, 48,5% desse total está
desmatado. A retirada da mata de 2009 para 2010 foi de 6,5 mil quilômetros quadrados e mais da metade está
localizada nos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins.” (G1, 2011).
87
território nacional (mesmo que 1/3 do país já seja ocupado pela agropecuária). Sempre fala-se
em terras agricultáveis ainda disponíveis no Brasil como se fossem vazios demográficos, a
nossa conquista do “far West” brasileiro e a possibilidade de superação (concernente à
competição do mundo capitalista) do maior celeiro agrícola mundial, os Estados Unidos da
América.
Figura 20. Dados ECONÔMICOS da produção agropecuária brasileira. Fonte: Almanaque Abril, 2006, p. 120.
88
As fatias do bolo do agronegócio por setor, informado no gráfico da figura 21,
infelizmente não tratam sobre a questão da concentração de renda através das cadeias
produtivas da agropecuária brasileira e cai novamente no simplismo de um dado puramente
econômico, superficial e generalizante. Esta produção era para ser de demasiada importância
também social, porém, as profundas disparidades em termos de concentração fundiária e de
renda dentre pequenos, médios e grandes produtores, assim como o privilégio de mercados
externos em detrimento ao abastecimento interno, variado e de boa qualidade são
características dominantes e que incluem precariamente os próprios brasileiros num mundo
em que “todos precisam de matéria-prima brasileira”:
De cada três cafezinhos servidos no planeta, um é de grãos brasileiros. Israelenses e
palestinos têm suas enormes diferenças, mas na mesa do café-da-manhã ambos
servem o suco de laranja produzido no interior de São Paulo. Ele abastece oito em
cada dez jarras da bebida servidas no mundo. Os russos, se preferirem Coca-Cola,
nos farão um favor mesmo assim: o açúcar brasileiro é quem adoça o refrigerante e
abastece um terço do planeta. As tropas americanas no Iraque e os filipinos que
gostam de McDonald’s se banqueteiam com a carne bovina do Brasil, o maior
exportador mundial do produto. Pode não parecer, mas um carro movido a álcool no
Japão, um leitão assado servido na China e um cigarro francês têm algo em comum:
todos precisam de matéria-prima brasileira para existir. (ALMANAQUE ABRIL,
2006, p. 118).
Dessa forma, percebe-se a relação direta dessa discussão sobre a agricultura
capitalizada da soja, na qual os sistemas já instalados procuram ampliar suas áreas de
abrangência, unidades produtivas e infraestrutura de escoamento em busca de lucro para
atender à dinâmica posta pelo processo de reestruturação do capital a serviço das empresas
agrícolas. Ferreira (2008 b, p. 06) nos diz que, a aplicação de capital em áreas diferenciadas
(que apresentam condições favoráveis de investimento) incluem-nas no ciclo produtivo,
sempre em busca de incorporar novas áreas, num processo de ampliação/incorporação de
novas fronteiras.
São os novos fronts, que nascem tecnificados, cientifizados, informacionalizados.
Eles encarnam uma situação: a da difusão de inovações em meio “vazio”. Se o
movimento pioneiro de São Paulo, magistralmente descrito por Pierre Monbeig
(1953, p. 27; 1952, 1984) e Ari França (1956), teve o comando dos grandes
plantadores, capazes de construir estradas de ferro, atrair imigrantes e incorporar um
maquinismo moderno, hoje as frentes pioneiras são abertas sobretudo pelas grandes
empresas, com a cooperação do poder público. Como adverte Ruy Moreira (1986,
pp. 12, 15), é o processo de modernização que explica a “fronteira agrícola”, e não o
contrário, e essa modernização significa, entre outras coisas, a introdução maciça de
maquinários e produtos químicos de firmas como Ford, Massey Fergusson, Shell,
Ciba-Geigy, Bayer, Dow-Chemical, Agroceres e Cargill (SANTOS; SILVEIRA,
2006, p. 119).
89
Chesnais (1996, p. 33) reafirma o papel desempenhado pelas multinacionais no
sistema econômico atual, enfatizando que “as multinacionais beneficiam-se simultaneamente,
da liberalização do comércio, da adoção de novas tecnologias e do recurso a novas formas de
gerenciamento da produção”.
Outro fator demasiadamente importante de se ressaltar, nesse contexto de
incorporação de novas áreas pelo capital, é o território. Afinal, o que seria o território? Diz-se
do território um espaço delimitado jurisdicionalmente onde deve haver fundamentalmente
ocupação para assegurar o direito ao espaço.
Há consenso entre os geógrafos e antropólogos de que território é espaço apropriado
em comum por um determinado grupo humano. É, assim, um espaço que é próprio
em comum. É interessante observar que toda apropriação material é, sempre e
concomitantemente, uma apropriação simbólica, posto que só se apropria daquilo
que tem sentido, do que tem significado, portanto, signos, do que as próprias
palavras são a primeira expressão. [...]. (PORTO-GONÇALVES, 2000, p. 176).
Como Raffestin (1993, p. 153-154) clarifica, o espaço só se transforma em
território após um amplo jogo de forças que se intra-articulam dando origem a um processo de
apropriação e reprodução do espaço:
Falar de território é fazer uma referência implícita à noção de limite que, mesmo não
sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém com
uma porção do espaço. A ação desse grupo gera, de imediato, a delimitação. [...]
Isso nos conduz a considerar os limites não somente do ponto de vista linear, mas
também do ponto de vista zonal. [...] muitos limites são zonais na medida em que a
área delimitada não é, necessariamente, a sede de uma soberania fixada de forma
rígida, mas a sede de uma atividade econômica ou cultural que não se esgota
bruscamente no território, mas de maneira progressiva. É suficiente dizer que as
tessituras se superpõem, se cortam e se recortam sem cessar.
Conceituando território, Souza (2007, p. 78) estipula que “[...] é
fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Por
isso, refletir sobre as questões regionais e nacionais que envolvem a dinâmica espaço-
temporal do território é algo relativamente complexo. A territorialização diz respeito ao
imbricamento entre territorialidades/identidades, destacada por Haesbaert (1995) quando
explica que:
O território envolve sempre, ao mesmo tempo mas em diferentes graus de
correspondência e intensidade, uma dimensão simbólica, cultural, através de uma
identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de “controle
simbólica” sobre o espaço onde vivem (sendo também, uma forma de apropriação),
e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar: a apropriação e
ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos
(HAESBAERT, 1995, p. 42).
Esse processo de “metamorfização” e consolidação de uma nova configuração
90
sócio-espacial do Cerrado brasileiro em contato com a Amazônia, encontra-se associado ao
preconizado por Becker (2009). A constituição de uma nova geografia regional:
[...] ocorreu no bojo de mudanças estruturais cujos impactos transformadores
instauraram novas realidades na região. Os principais vetores de transformação
dessas mudanças estruturais foram a conectividade (estruturante do novo padrão de
articulação do território regional), a industrialização (estruturante do novo padrão da
economia regional), a urbanização (estruturante do povoamento da região formando
um arco em torno da floresta), a organização da sociedade civil (estruturante de um
novo tecido social) e a malha socioambiental (estruturante de um novo padrão de
apropriação do território por diversos grupos sociais, áreas protegidas e
experimentos conservacionistas).
[...]
A implantação da agricultura capitalizada trouxe uma ruptura radical do uso da terra
numa região tradicionalmente apoiada no extrativismo mineral, vegetal e pesqueiro
[...] (BECKER, 2009, p. 30 e 76).
A economia antes baseada principalmente nas atividades dos distintos grupos
indígenas, camponeses (roça-de-toco, extrativismo e pequena criação de animais)
transfigurou-se paulatinamente na agricultura moderna capitalizada, praticada pelas grandes
empresas e fazendas instaladas no Cerrado brasileiro, que utilizam latifúndios, adquiridos dos
antigos proprietários ali sediados por processos muitas vezes fraudulentos, com grilagem de
terras. Com isso, houve um redimensionamento do desenho espacial anterior dessa região
e/ou um contínuo processo de des-re-territorialização na área, ambos concernentes à inserção
do novo ao lugar, como explanam Rocha (2006) e Haesbaert (2006):
Em linhas gerais, um processo de constituição de um território envolve,
dialeticamente, um movimento de des-territorialização e re-territorialização. A
mobilização humana é um dos fenômenos mais diretamente ligados a este
movimento dialético. Quando um indivíduo (ou grupo de indivíduos) vê-se na
situação de deixar o seu território de origem ocorre que, num primeiro momento, ele
se des-territorializa, para, concomitantemente, re-territorializar-se em outro
território. Desta forma, uma des-territorialização corresponde, analogamente, a uma
re-territorialização. São processos indissociáveis que ocorrem em escalas distintas e
que são melhor entendidos a partir do conceito de multiterritorialidade. (ROCHA,
2006, p. 108).
[...] um dos exemplos mais característicos de multiterritorialidade é aquele
construído através das grandes diásporas de migrantes, com papel cada vez mais
relevante no mundo contemporâneo. Elas representam historicamente uma das
formas pioneiras de multiterritorialidade na medida em que o deslocamento e a
dispersão espacial de pessoas pertencentes a um grupo com forte identidade cultural
através do mundo promovem múltiplos encontros “diferentes”, muito antes do
advento dos meios de transporte rápidos e da comunicação instantânea [...].
(HAESBAERT, 2006, p. 354).
Estas transformações e reconfigurações dos territórios decorrem de processos que
elencam o “desenvolvimento” na ótica capitalista, e, como preteritamente discutido, já
naturalizado e singularizado com o “progresso” inevitável e a flecha da história (que segue
91
uma linha, com uma única trajetória) em oposição ao prisma da história (que separa um feixe
de luz em suas múltiplas cores, com várias trajetórias).
O desenvolvimento não consegue se desassociar das palavras com as quais foi
criado: crescimento, evolução, maturação. Da mesma forma, os que hoje usam a
palavra não conseguem libertar-se de uma teia de significados que causam uma
cegueira específica em sua linguagem, pensamento e ação. Não importa o contexto
no qual está sendo usada, ou a conotação precisa que o usuário queira lhe dar, a
expressão, de alguma maneira, torna-se qualificada e colorida com outros
significados que provavelmente nem eram desejados. A palavra sempre tem um
sentido de mudança favorável, de um passo do simples para o complexo, do inferior
para o superior, do pior para o melhor. Indica que estamos progredindo porque
estamos avançando segundo uma lei universal necessária e inevitável, e na direção
de uma meta desejável. Até hoje a palavra retém o significado que lhe foi dado há
um século por Haeckel, o criador da ecologia: “A partir deste momento, o
desenvolvimento é a palavra mágica que irá solucionar todos os mistérios que nos
rodeiam ou, pelo menos, que irá nos guiar até essas soluções.” (ESTEVA, 2000, p.
64-65).
Este paradigma de “desenvolvimento” idealizado, obsoleto e de inclusão precária
indica que:
A equação entre o “ecologicamente (in)correto e o socialmente (in)justo”,
evidenciada, nas últimas décadas, como consequência da expansão da fronteira
agrícola e do modelo de desenvolvimento adotado nos cerrados brasileiros, surge
como o principal dilema a ser resolvido pelos gestores e formuladores das políticas
públicas locais, regionais e nacionais. [...] (DUARTE, 2002, p. 11).
Diversos processos históricos, sociais, antropológicos e geográficos mudaram
drasticamente as paisagens do Brasil central, induzidos pelo Estado e pela iniciativa privada
com capitais daqui e de fora, em um processo que estudiosos das Ciências Sociais/Humanas
denominam de expansão da fronteira capitalista agrária nacional. Como nos explica Silva
(2007, p. 282-283):
A fronteira constitui recorte analítico e espacial da problemática da mobilização do
capital e das relações de produção pelo território nacional. Além disso, é palco para
conflitos transculturais e identitários. Em termos gerais, revela interações entre o
homem, a terra e a natureza. Em função do modo de produção e das representações
simbólicas, ideológicas e culturais esses elementos se transformam e se condicionam
mutuamente, sempre de maneira singular. Todavia, singularidade não significa
ausência de diferenciações internas e conflitantes. Logo, é possível e prudente
pensar a fronteira como forma diferenciada de organização territorial no bojo da
ordem territorial capitalista.
O embate entre essas diferenciações, concernente à ação concomitante de
racionalidades opostas em territórios que se intra e inter-articulam em um (ou vários) modus
vivendi52
latentemente tenso(s) na época dos “amansadores” da terra, tornou-se imiscível
52
Modus vivendi: “Modus quer dizer modo, maneira, atitude, caráter; Vivendi quer dizer viver. É uma frase
em latim que significa um acordo entre partes cujas opiniões diferem, de tal maneira que elas concordam em
92
quando da chegada dos grileiros, traduzido pela violência no campo causada pela
concentração de terras (voluptuosamente fraudulenta) decorrente da aparelhagem viária,
técnica e produtiva em detrimento da população estabelecida desde tempos imemoriais,
herdeiros de terras que do “dia para noite” tornaram-se deserdados da terra.
A lógica empresarial gera em locais onde ocorrem conflitos (provenientes dos
impactos negativos) com grupos que discordam de tal, um discurso a favor do projeto para
a(s) empresa(s), sob a égide do maniqueísmo, que elenca dois lados: o bom e o mau. Logo, o
“desenvolvimento”/“progresso”/“civilização” é singularizado com o bem, a racionalidade
hegemônica. Antagonicamente têm-se o “subdesenvolvimento”/“atraso”/“barbárie” da
racionalidade colonizada. O maniqueísmo magistralmente presente no discurso dos agentes
sociais a favor da empresa marginaliza os grupos que pensam “numa outra perspectiva”,
invertendo a posição de proeminência racionalidade/agente social: a racionalidade dos
estabelecidos (aqueles presentes na região desde tempos imemoriais) torna-se outsider e os
outsiders (grupos recém-chegados, forasteiros, geralmente beneficiados pelos projetos de
desenvolvimento econômico) passam a propagar e deter a racionalidade estabelecida53
, o que
nos leva à indagação: quem é estabelecido e quem é outsider? “Estabelecidos” e “outsiders”,
nesse caso, não se enquadram perfeitamente nos conceitos a partir da análise de Elias; Scotson
(2000). Apesar do anacronismo categórico espaço-temporal, a comparação é válida, mas com
as devidas ponderações.
As diversas discussões pretéritas servirão para analisar conseguintemente o caso
específico da territorialização da sojicultura em Balsas (MA), agora com o cabedal teórico
necessário já exposto.
discordar. É uma espécie de arranjo temporário que possibilita a convivência entre elementos e grupos
antagônicos e a restauração do equilíbrio afetado pelo conflito. O antagonismo é temporariamente regulado e
desaparece como ação manifesta, embora possa permanecer latente.” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA). 53
O embate, as tensões múltiplas, entre dois grupos de habitantes, os estabelecidos e os forasteiros outsiders,
considerados como estrangeiros que não partilham os valores e o modo de vida vigentes e acabam sendo
segregados nas relações sociais intergrupais, é discutido por Elias; Scotson (2000, p. 07, 19-20):
“As palavras estalishment e established são utilizadas, em inglês, para designar grupos e indivíduos que ocupam
posições de prestígio e poder. Um estalishment é um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma
‘boa sociedade’, mais poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular
de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no fato de serem um modelo moral para
os outros.
[...]
Essa é a auto-imagem normal dos grupos que, em termos do seu diferencial de poder, são seguramente
superiores a outros grupos interdependentes. Quer se trate de quadros sociais [...], quer, [...] de uma povoação da
classe trabalhadora, estabelecida desde longa data, em relação aos membros de uma nova povoação de
trabalhadores em sua vizinhança, os grupos mais poderosos, na totalidade desses casos, vêem-se como pessoas
‘melhores’, dotadas de uma espécie de carisma grupal, de uma virtude específica que é compartilhada por todos
os seus membros e que falta aos outros. Mais ainda, em todos esses casos, os indivíduos ‘superiores’ podem
fazer com que os próprios indivíduos inferiores se sintam, eles mesmos, carentes de virtudes – julgando-se
humanamente inferiores.”
93
PARTE TRÊS: o “admirável” Sertão Novo em Balsas
94
6 TERRITÓRIOS DA FRONTEIRA/ FRONTEIRA DOS TERRITÓRIOS: o novo
Sertão de Balsas... os Brasis se encontram aqui
Figura 21. Mosaico 10: fotos – o “antigo” e o “novo” em Balsas. As mudanças espaciais, culturais, econômicas,
sociais, ambientais... no município de Balsas (MA) foram (e são) bastante visíveis à quem viveu tal processo ou
escuta os relatos dos habitantes mais antigos sobre o cenário pretérito, há pelo menos três décadas, quando a
sojicultura ainda não se confundia com a identidade local. Quem sai do norte do estado para visitar Balsas
conhece outro Maranhão, principalmente no que tange à cultura. A presença de migrantes do Centro-Sul
brasileiro é comum, tal a continuidade desse processo em maior escala nas duas últimas décadas. O Centro de
Tradições Gaúchas – CTG, estabelecido entre transnacionais do agronegócio, é um importante ponto de
preservação e exaltação da cultura gaúcha. A cidade que antes era um entreposto do comércio fluvial, no porto
dos Caraíbas, destacando-se pela pecuária extensiva e rizicultura, hoje é símbolo do “progresso” do agronegócio
da soja. Porém, os contrastes sociais também saltam aos olhos de quem anda pela cidade. A separação da
população que considera-se culturalmente híbrida (os chamados maraúchos) dá-se pelo esquadrinhamento dos
bairros. É comum observar bairros de classe média com presença marcante de sulistas em oposição à periferia
pobre. Esta população pobre atraída à cidade convive com a opulência de hipermercado, shopping, boutiques,
escolas particulares de grande porte, mansões, empresas, casas noturnas... sem desfrutar desse “progresso” – o
perto torna-se cada vez mais distante. Fonte: Dados da pesquisa, 17 e 21/10/2011.
95
6.1 Dos caminhos do gado à descoberta gaúcha: a ocupação territorial do sul maranhense
“[...] Ah, este Norte em remanência: progresso forte, fartura para todos, a alegria
nacional! [...] A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando
conta dele a dentro... [...]” (João Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”, 2008,
p. 294-295).
O processo de colonização territorial do Sertão de Pastos Bons54
se deu como
extensão da corrente pastoril baiana (figuras 22 e 23) nas primeiras décadas do século XVIII,
através do devassamento do Parnaíba e genocídio dos indígenas55
, já que os “[...] amplos
campos sul-maranhenses [...] representavam um convite à expansão da pecuária extensiva e
itinerante [...]” (CABRAL, 2008, p. 78). As primeiras fazendas de gado se estabeleceram nas
proximidades do Parnaíba e de Balsas, onde os pastos naturais eram “[...] realmente bons,
regados por numerosos e perenes rios [...] protegidos por florestas ciliares e entremeados por
capões de mato e palmeiras, com clima ameno e saudável [...]” (CABRAL, 2008, p. 81). O sul
maranhense era quase totalmente desvinculado da capital, São Luís, já que a forma de
ocupação econômica definiu sua ligação maior com Bahia e Pernambuco (CABRAL, 2008).
Já Velho (1981, p. 27) nos fala que “[...] A ligação econômica com o litoral maranhense [...]
mantinha-se bastante frouxa [...] dada a decadência da economia algodoeira. Era disputada
inicialmente pelo poder de polarização da Bahia, e depois do Pará [...].” Somente em meados
do século XIX a frente pastoril encontra os caminhos do mar:
Após dominar os sertões, palmilhar suas trilhas, aprofundar seus caminhos e
implantar o gado bovino em todos os recantos, os fazendeiros buscaram chegar a
São Luís, através do Grajaú. Construíram canoas e, servindo-se dos índios como
guias e remeiros, desceram as águas desse rio e as do Mearim e, por este,
alcançaram o mar, chegando à sede administrativa da Província. Estava aberta uma
nova via de comunicação que [...] teve significativa influência na vida comercial e
política do alto sertão, deslocando, em parte, a antiga rota por Caxias. Por esse novo
caminho desceram a produção e os reclamos dos sertanejos. E, por ele, subiram
produtos de consumo, funcionários do governo e decisões governamentais [...].
(CABRAL, 2008, p. 88).
54
O território sobre jurisdição da Vila de Pastos Bons, quando da sua criação em 29/11/1820, equivale a atuais
46 municípios (criados até o ano de 1994), todos no Maranhão, inclusive Riachão e Balsas. A data oficial da
fundação de Balsas é 07/10/1892, quando foi elevada à categoria de Vila (Vila de Santo Antônio de Balsas) e
desmembrada de Riachão (IMESC, 2010) (SANDRI; BAÚ, 2008). 55
“O principal meio utilizado pelos criadores, para submeter e dominar o indígena, foram as bandeiras, que
constituíam verdadeiros grupos de guerra, compostos de 100 a 200 homens aliciados entre os sertanejos e sob o
comando de um chefe local. [...] Os mantimentos eram fornecidos pelos fazendeiros que foram, na verdade, os
principais impulsionadores desses grupos armados que desempenharam um papel proeminente no devassamento
da área.
[...]
Dessa forma, a frente de vaqueiros, por meio de afugentamento, aprisionamento, inoculação de varíola e
trucidamento limpou das campinas sul-maranhenses o habitante nativo, para ceder lugar ao gado e fazer surgir a
civilização do couro.” (CABRAL, 2008, p. 89-90 e 97, grifo da autora).
96
Figura 22. Expansão da frente baiana até o Maranhão. Fonte: Cabral, 2008, p. 80. Figura 23. Rota de expansão da frente pastoril no Maranhão. Fonte: Cabral,
2008, p. 86.
97
O processo de ocupação das terras sul-maranhenses ao longo do século XX56
foi
marcado por litígios entre aqueles que conquistavam-nas de forma espontânea e novos
habitantes que passaram a ter títulos de posse da terra (grande parte fraudulento),
desencadeando uma série de conflitos fundiários. Os tipos de colonizações “camponesas”
efetuadas no Maranhão, segundo Musumeci (1988, p. 17, grifos da autora), são as seguintes:
a) Colonização tradicional: formação de um campesinato a partir da crise da
plantation maranhense no século XIX [...].
b) Colonização dirigida: assentamento de lavradores por iniciativa estatal ou para-
estatal [...].
c) Colonização espontânea: ocupação de terras devolutas sem direcionamento
oficial, levada a efeito por pequenos produtores imigrantes, na maioria de origem
nordestina.
Entre as décadas de 1910 a 1970 o Nordeste brasileiro fora abalado por grandes
secas que tiveram como consequência o surto migratório de piauienses, cearenses,
pernambucanos e baianos para o Maranhão, que ocuparam as terras devolutas do Estado
localizadas nos vales médios úmidos dos rios Mearim, Pindaré, Corda, Balsas e Tocantins
(figura 24). Essa entrada maciça de migrantes nordestinos “não apresenta um
desenvolvimento linear, desdobrando-se de maneira vária segundo diferentes atividades
econômicas e distintas áreas geográficas” (SANTOS; PAULA ANDRADE, 2009, p. 34),
“desequilibrando” a relação camponês-proprietário. Surge no campo maranhense a figura do
posseiro, o indivíduo que ocupa um lote de terra sem possuir título de propriedade
(colonização espontânea). O posseiro vai sobreviver da pequena agricultura e da pecuária
extensiva (ASSELIN, 1982) (GISTELINK, 1989) (MUSUMECI, 1988) (FEITOSA;
TROVÃO, 2006) (SANTOS; PAULA ANDRADE, 2009).
A expressão mais pura do trabalho camponês, segundo o próprio grupo, é o trabalho
na roça, e o arroz é o principal produto de roça. Trabalhar na roça significa superar
com muito esforço etapas sucessivas, vistas como penosas e desgastantes: a “broca”,
que segundo os camponeses, demanda energia eminentemente masculina, é a fase
mais dura. [...] (SOARES, 1981, p.74).
56
Alguns trechos deste capítulo foram adaptados do artigo: OLIVEIRA, Danniel Madson Vieira et al. Ocupação
das Terras do Maranhão ao Longo do Século XX e a Injeção do Grande Capital Internacional: Modernização
Capitalista do Campo e os Conflitos Agrários. In: Anais do VIII Encontro Humanístico Nacional. São Luís:
Núcleo de Humanidades - NH/CCH/UFMA, 2008.
98
Figura 24. Correntes migratórias de ocupação do território maranhense. Fonte: Feitosa; Trovão, 2006, p. 40.
Entre as décadas de 1950 a 1990 houve a introdução do sul do Maranhão na ótica
do grande capital através dos projetos rodoviários e agropecuários. A construção das rodovias
Belém-Brasília (BR-010, passando por Imperatriz), da Transamazônica (BR-230) e da BR-
99
222 (ligando Santa Inês a Açailândia) facilitou o escoamento da produção agrícola. Keller
apud Ferreira (2006, p. 142) descreve que:
[...] foi por meio da construção da Belém-Brasília durante o governo do Presidente
Juscelino Kubistschek, ligando o Tocantins Maranhense e o Norte de Goiás ao
Sudeste industrializado e à cidade de Belém, o grande agente transformador da
região. O afluxo de imigrantes nordestinos intensificou-se extraordinariamente com
a ocupação sistemática da floresta amazônica, multiplicando-se os povoados e
crescendo a produção de arroz. Ao mesmo tempo começam a chegar pecuaristas
vindos do sul da Bahia e Nordeste de Minas Gerais, interessados pela existência de
terras devolutas de mata, susceptíveis de serem transformadas em pastos artificiais; a
construção da Belém-Brasília tornaria possível o escoamento da produção para o
mercado de Belém [...].
Como consequência direta ocorre a hipervalorização das terras sul-maranhenses
levando a uma especulação de grandes áreas no interior do Maranhão, além de:
Aumento da concentração da propriedade rural com os projetos agropecuários
– áreas, antes ocupadas por pequenos criadores e agricultores, foram tomadas pelos projetos
do “setor primário”. “[...] Estes, por sua vez, se dedicando, com raras exceções, quase
exclusivamente à pecuária [no início da década de 1970], levam-nos a sugerir que ‘setor
primário’ e pecuária passaram a operar como sinônimos. [...]” (WAGNER; MOURÃO, 1976,
p. 05);
A expulsão do camponês para áreas de difícil acesso em decorrência da criação
de uma malha viária para escoar a produção dos latifúndios;
Início do processo de grilagem de terras no Maranhão: indivíduos ocupavam as
terras através de um título de propriedade que era adquirido de forma fraudulenta em cartórios
de São Luís, Imperatriz e do Estado de Goiás;
Diante dessa situação, os camponeses da terra “livre” tornaram-se vulneráveis à ação
dos grileiros, que com a conivência do Estado e as fraudes cartoriais, adquiriam
“juridicamente” as terras já ocupadas e instalavam suas fazendas, podendo o
processo ser inverso, instalando-se primeiro as fazendas. As expulsões dos
camponeses tornaram-se inevitáveis. Inicialmente realizadas com métodos violentos
e, posteriormente, com os resistentes, através de processos “sutis” do tipo expansão
de capinzais que, penetrando “naturalmente” nas roças, inviabilizam as culturas, ou
ainda com a soltura do gado, que as destroçava (RAPÔSO, 1999, p. 309).
Outra consequência direta foi o conflito entre camponeses e latifundiários: a
terra ocupada pelo grileiro já vinha sendo trabalhada pelos posseiros desde a década de 1910,
com isso houve a proliferação de conflitos agrários entre os mesmos;
Desvalorização do potencial produtivo do camponês;
Quando são realizadas referências à expansão capitalista no campo e suas
influências diretas sobre o camponês, surgem dois elementos, combinados entre si:
de um lado, os camponeses autônomos, cuja resistência é baseada no seu trabalho e
100
no de sua família, que estariam sendo expulsos da terra, expropriados. De outro,
emerge, como consequência, uma massa de agricultores que estaria se
transformando em trabalhadores assalariados ou em trabalhadores sem-terra. De um
lado, o agricultor que concebe aquilo que é necessário à sua reprodução social, à sua
sobrevivência; de outro, o trabalhador que só é proprietário da sua força de trabalho.
Enfim, os trabalhadores não detentores dos meios de produção vêem-se obrigados a
vender seu único bem. Assim, o trabalho é apropriado pelo capital. (SANTOS,
2007, p. 47)
E por fim, a organização de projetos de colonização para tentar resolver os
problemas decorrentes dos conflitos de terra no Estado.
O governo estadual “tentou resolver” esta problemática através de iniciativas as
quais denominaram de “ocupação racional e ordenada de terras”, como destacaram Wagner;
Mourão (1976, p. 06) cujos objetivos oficiais seriam: “[...] disciplinar o espontaneísmo da
fronteira agrícola que avança na presente década [1970] sobre a Pré-Amazônia maranhense
[...]”; “[...] efetuar uma modernização do setor primário através da introdução de uma base
empresarial [...]”; e “[...] abertura de terras disponíveis a projetos de colonização para
absorver as famílias camponesas provenientes das áreas de ‘tensão social’ do estado [...]”.
A implantação de programas oficiais de colonização foi desenvolvida por instituições
federais, regionais e estaduais criadas para este fim: Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA); Companhia de Colonização do Nordeste (COLONE); Companhia Maranhense
de Colonização (COMARCO); e Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (ITERMA). Tais
programas trouxeram embutidos na sua prática a necessidade de afastar o camponês para o
interior “descapitalizado” e liberar a área de maior valor para os grandes projetos agropecuários
(uma grilagem legitimada), com o apoio das Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia
e do Nordeste (SUDAM e SUDENE, respectivamente)57, como afirma em depoimento um
membro da Associação Camponesa (ACA) de Balsas:
A: O maior grileiro foi o Estado, que através do ITERMA, foi ele que... – não temos
como provar isso – vendeu títulos e títulos da mesma área, temos caso de uma área
que tem mais de 10 mil hectares de área para ser titulada e não deu pra fazer no
cartório porque preencheram com títulos de outras áreas, outros lugares, terras do
Tocantins, aí veio um topógrafo provar que aquele título tá no Tocantins, em outra
região. Então o maior grileiro foi o próprio Estado. Muita gente tem medo de falar
isso, mas, é a verdade. (ACA, Balsas, 07/12/2009).
57
“De maneira conjugada as terras disponíveis seriam também apresentadas como o local onde ocorreria a
modernização do ‘setor primário’ pela implantação de projetos agropecuários, valendo-se dos artigos 34/18 da
SUDENE ou 5.174 da SUDAM. Coube à COMARCO ‘atrair para o Maranhão grupos empresariais, de situação
financeira sólida e com experiência em implantação de projetos agropecuários, proporcionando a ocupação
racional de terras devolutas...’ (Projeto de Localização de Grandes e Médias Empresas Rurais); coube à
SAGRIMA (Secretaria de Agricultura do Maranhão) através de seu diretor debater com pecuaristas paulistas da
Associação de Criadores de Araçatuba e de outros estados, no sentido de recrutar investidores (O ESTADO DO
MARANHÃO, 24 de maio de 1973 apud WAGNER; MOURÃO, 1976, p. 06).
101
Reforçando o papel do Estado na grilagem de terras têm-se os estudos de Paula
Andrade do final da década de 1970 na área dos Gerais de Balsas58
conhecida como Lapa (sul
do município de Riachão), quando fez um resgate histórico sobre o demarque que ocorreu por
volta de 1950. A população proveniente da colonização espontânea se estabeleceu em locais
denominados fazendas nacionais. “[...] Seriam estas aquelas faixas de terra entre uma e outra
fazenda de gado, cuja propriedade não era reivindicada por nenhum fazendeiro. Nessas áreas,
os camponeses permaneceram cultivando sem pagar pelo aluguel da terra até a década de 50.”
(PAULA ANDRADE, 2008, p. 61). Com o demarque, promovido pelo Estado, houve uma
reordenação jurídica e um amplo processo de grilagem (legitimado) do espaço territorial no
sul maranhense, como ocorre sempre que o Estado decide reordenar a propriedade jurídica do
solo (PAULA ANDRADE, 2008). Essa grilagem foi feita primeiramente por “proprietários”
maranhenses em sua maioria, que em seguida venderam suas terras para os gaúchos, segundo
o exposto pelos senhores B (STTR de Balsas) e C (ACA de Balsas):
B: [...] com muita facilidade eles conseguiram essas documentações destas terras até
dizendo que lá era terra que tavam... [...] Improdutiva. Que não tinha criação, nada,
que não tinha ninguém em cima. E aí eles documentavam. Depois de documentada
aí o máximo que acontecia foi [...] Fazer um acordo e ouvir aquele pequeno ficar
com um pedacinho de terra no baixo [...]
A terra foi grilada foi por pessoas daqui da região mesmo, pessoas do Maranhão [...]
Chegaram foi [...] fazendo essas compras de terra. [...] E que se tornou grande
especulador de terra, né? (STTR, Balsas, 05/12/2009).
C: Foi 1978, quando começaram a implantar os grandes projetos, começaram a
pressionar os trabalhadores, eu me lembro que ouvi eles dizendo que o governo a
partir daquela data, só iria querer quem produzir mecanizado, e com isso começou a
expulsar muita gente do campo, pessoas que eram posseiros, já começou a vender
suas posses, por qualquer preço, pra sair com medo que os indivíduos tomassem.
[...] com o desenvolvimento dos projetos, foi que começou chegar o grande produtor
do Sul, em 1978, os daqui da região começaram a grilar a terra e vender pros de
fora. Já comprou dos grileiros. Aqui a gente diz: que o próprio pessoal do Maranhão, foi
o principal grileiro, que grilaram a terra pra repassar. (ACA, Balsas, 07/12/2009).
Um fato curioso é que os gaúchos foram atraídos aos Gerais de Balsas após um
equívoco de uma empresa de colonização particular, do Estado de Goiás que: “[...] teria
vendido terras em Mato Grosso acerca de vinte produtores do município de Não me Toques, Rio
Grande do Sul. A situação legal destas terras, porém, era irregular e, por isso, já que os
compradores haviam antecipado certa quantia, a empresa lhes oferecera terras no Maranhão [...].”
(PAULA ANDRADE, 2008, p. 159). Outras características interessantes sobre a vinda do
sulista brasileiro para o sul maranhense foram também destacadas por Paula Andrade (2008,
p. 158-159, grifos da autora):
58
A Microrregião dos Gerais de Balsas pertence à Mesorregião Sul Maranhense e é composta pelos municípios:
Alto Parnaíba, Balsas, Feira Nova do Maranhão, Riachão e Tasso Fragoso (FEITOSA; TROVÃO, 2006).
102
A ocupação das terras do Sul Maranhense, uma área de pecuária tradicional, por
várias categorias de produtores agrícolas oriundos do Sul do país, a partir de 1974,
embora seja denominada usualmente de colonização, assume características
peculiares. Não se trata, exatamente, de uma experiência de colonização dirigida,
nem de colonização espontânea ou de colonização particular.
Tais produtores agrícolas, os denominados gaúchos, procedentes de Minas Gerais,
São Paulo, Santa Catarina, Paraná e, sobretudo, do Rio Grande do Sul, não se
transferem de seus estados de origem estimulados por nenhum programa de
colonização oficial [...].
[...]
[...] não se defrontam com áreas “livres”, e sim com terras efetivamente ocupadas.
Não se constata [...] traços de uma experiência de colonização particular, muito
embora haja menções, nos depoimentos, à presença de uma empresa desse tipo no
início do processo de ocupação da região pelos denominados gaúchos.
Os gaúchos “descobrem” o sul do Maranhão nos derradeiros anos da década de
1970, muitos comprando as terras açambarcadas pelos grileiros maranhenses, a preços
irrisórios quando comparados aos do Centro-Sul brasileiro (um dos atrativos) (tabela 03). A
metamorfose proveniente do “progresso” gaúcho nesta “região” transforma rapidamente a
“cultura do couro” na “cultura do arroz”, um período de transição marcado pelo tempo curto
entre “apogeu” e “crise” econômica da rizicultura mecanizada, até o subsequente alvorecer da
“civilização da soja”, a partir do PRODECER III em Balsas.
TABELA 03. Instalação dos gaúchos no sul do Maranhão.
19
74-1
97
8
Os primeiros gaúchos instalam-se nos Gerais, onde passaram a cultivar a terra, após obterem carta de
anuência do Estado para fins de financiamento junto à rede bancária oficial. Permaneceram nesta região
durante aproximadamente dois anos, de onde se deslocaram dadas as dificuldades de escoamento da
produção, passando a adquirir áreas próximas à sede da cidade de Balsas.
19
79 O Estado promove na região uma ação discriminatória, na qual os produtores agrícolas gaúchos
habilitam-se legalmente como posseiros, já que, após o abandono da área para fins de agricultura, haviam
estabelecido ali a atividade pecuária.
19
80
Apesar de julgada em 1979 a ação discriminatória, os chamados gaúchos não conseguem obter o título
das terras, recorrendo, então, ao auxílio sempre mais rápido e eficaz de grileiros.
MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E PACIFICAÇÃO DOS MOVIMENTOS DE
RESISTÊNCIA DOS TRABALHADORES RURAIS (SUL DO MARANHÃO)
Os gaúchos não sustentam sua atividade econômica na cobrança do aluguel da terra, como acontecia com os
fazendeiros locais, promovendo, ao contrário, a introdução do assalariamento e o fim da existência da categoria
agregados – camponeses que residiam e trabalhavam dentro dos limites das fazendas, pagando aluguel da terra
para cultivar, em espécie ou em serviços ao proprietário. Como os gaúchos não se envolvem diretamente em
atos de grilagem, preferindo, inclusive, adquirir terras já tituladas, os poucos movimentos de resistência pela
posse da terra não são a eles dirigidos.
A transformação operada pela instalação dos chamados gaúchos na região é, portanto, cercada da aura do
pacifismo, do progresso lento e da implantação de instituições que levam em conta a representação do
camponês da região como trabalhador livre.
Fonte: adaptado de Paula Andrade, 2008, p. 160-162.
Inicialmente (década de 1970) os grandes produtores gaúchos chegaram aos Gerais
de Balsas para desenvolver o plantio mecanizado de arroz, assim como os primeiros campos
103
experimentais de soja (alguns criavam gado para serem considerados posseiros durante o processo
de ação discriminatória que ocorreu em 1979). Tal rizicultura tem elevada produtividade,
expansão das áreas plantada e colhida, nos cinco primeiros anos (1975-1979), cujo Maranhão
desponta como segundo maior produtor nacional de arroz. Porém, vários fatores contribuíram para
“[...] descapitalização de grande parte dos produtores agrícolas da região que investiram na
agricultura mecanizada59 [...]” (PAULA ANDRADE, 2008, p. 150). Na década de 1980 houve
declínio acentuado na produção de arroz e muitos gaúchos viram seus investimentos falirem,
como relatado por alguns produtores da região, tendo que vender suas terras aos grandes grupos
do agronegócio (transnacionais e grandes fazendas de soja) que instalaram-se no sul do Maranhão
nos anos 1990. Todavia, as experiências em cultivares de soja adaptados às características naturais
da “região” (solo, clima, pragas...) estavam sendo feitas pela EMBRAPA:
D: [...] quando esse pessoal do Sul chegaram aqui... [...] era o arroz sequeiro. Aí ele
continuou (?) depois do terceiro, quarto ano de, do plantio de arroz sequeiro foi que
eles introduziram soja [...]. (Secretaria da Fazenda, Balsas, 27/08/2010).
B: [...] aqui na estrada da Batavo foi o primeiro gaúcho a plantar mecanizada aqui
foi seu Philipsen, [...] e a experiência foi com o arroz. Então, o arroz foi explodindo
e logo chegou a experiência da soja. Com a experiência da soja iniciada certo,
cresceu a visão dos grandes grupos e de grandes especuladores de terras a tarem
documentando as terras porque sentiram que a terra iria realmente ser muito
valorizada... Como quando as grandes empresas foram se instalando, que ela [a soja]
se instalou não foi nem com grandes empresas. Se instalou com grandes
proprietários aqui, com pessoas que tavam fazendo a experiência e muitos deles não
deu certo. [...] como era individual, com a pessoa que plantou arroz deu certo,
quando passou para soja se quebrou. Aí é que eles foram passando a terra para os
grandes grupos. (STTR, Balsas, 05/12/2009).
Porém, os gaúchos de Balsas não são (nem eram) um grupo homogêneo. Há uma
diferenciação interna. Diferenciação esta que Paula Andrade (2008, p. 166-182) fez de acordo
com a conjuntura econômica que cada um possuía (sua situação anterior à vinda para os
Gerais de Balsas e os recursos trazidos do local de origem) ou adquiria (recursos obtidos
através do Estado) ao chegar ao sul do Maranhão, desde as primeiras levas de migrantes
sulistas nos anos 1970 até o período de restrição do crédito bancário, de 1980 a 1982 (este
último, ano cuja pesquisadora fez o trabalho de campo), de acordo com a tabela 04:
59
“[...] Técnicos ligados à rede bancária oficial enfatizam as dificuldades ligadas à composição química dos
solos, à ausência de infra-estrutura de escoamento da produção, à utilização irracional do maquinário, à falta de
crédito para manutenção dos equipamentos, ao elevado preço dos insumos, à ausência de uma diversificação de
culturas, ao baixo nível do VBC (Valor Básico de Custeio) [...]. Outros funcionários da mesma rede bancária
apontam para o que chamam de ‘má fé’ e ‘falta de capacidade empresarial’ dos mutuários [...].
Para os técnicos que integram o ‘Núcleo de Balsas da Associação dos Engenheiros Agrônomos do Maranhão’,
por outro lado, a própria rede bancária oficial, é responsável pelo que apontam como a crise da agricultura na
região. Para eles, houve ‘injeção maciça de recursos em um prazo curto’, e um ‘financiamento desordenado de
empreendimentos aleatórios, sem levar em conta as condições de recursos naturais e infra-estrutura de colheita,
armazenamento e transporte’, além de uma ‘fiscalização deficiente no início do processo’ [...].” (PAULA
ANDRADE, 2008, p. 150).
104
TABELA 04. Os gaúchos: diferenciação interna.
FA
SE
S
1974-1979: ANTES DA RESTRIÇÃO DO CRÉDITO BANCÁRIO 1980-1982: COM RESTRIÇÃO DO
CRÉDITO BANCÁRIO G
RU
PO
S
A B C D
CL
AS
SIF
ICA
ÇÃ
O
“Abastados” “Aqueles que se valeram da
possibilidade de crédito”
“Aqueles que se transferiram para o
Maranhão no limite entre a concessão e
a restrição de crédito”
“Assalariados gaúchos”
SIT
UA
ÇÃ
O
AN
TE
RIO
R Eram grandes arrendatários,
proprietários de grandes áreas no Sul do
país (mais de 100 ha) ou integrantes de
outros grupos sociais não ligados à terra
(negociantes de automóveis, de bebidas).
Proprietários de áreas entre 10 e 20
ha, assalariados rurais e profissionais
liberais (professores, advogados);
Venderam suas pequenas
propriedades ou outros bens no Sul do
país e transferiram-se para o Maranhão.
Não há informações sobre a situação
anterior deste “grupo”.
Assalariados rurais, proprietários de
pequenas áreas e técnicos agrícolas de
nível médio.
SIT
UA
ÇÃ
O N
O M
AR
AN
HÃ
O
Trouxeram recursos (financeiros,
equipamentos agrícolas, assalariados) do
local de origem;
Alguns pertenciam ao grupo dos
denominados pioneiros;
Tornaram-se proprietários de usinas de
beneficiamento de arroz, unidades de
tratamento de sementes, de revendedoras
de equipamentos agrícolas e de usinas de
extração de calcário (combinaram a
atividade agropecuária a outros
empreendimentos);
Propriedades entre 5 a 20 mil ha;
Empregavam mão-de-obra assalariada
em suas fazendas.
Trouxeram recursos do local de
origem (menores quando comparados ao
grupo A);
Adquiriram áreas maiores que as que
possuíam no Sul do Brasil, a baixo
preço;
Investiram na agricultura com
recursos obtidos em órgãos
governamentais;
Combinaram assalariamento de
terceiros com utilização de mão-de-obra
familiar;
Em geral, residiam nas próprias
fazendas;
Muitos se achavam em condição de
se tornar independentes do
financiamento bancário a curto prazo.
Possuíam lavouras em
estabelecimentos, de áreas mais restritas
(200 a 500 ha);
Enfrentaram maiores dificuldades:
dívidas bancárias, sem possibilidades de
se tornar independentes a curto prazo;
Possuíam menos equipamento e
menor volume de recursos próprios
quando comparados aos grupos A e B;
Menor possibilidade de assalariar
terceiros: a auto-exploração da força de
trabalho familiar era mais intensa.
Composto tanto por aqueles sem
terra, quanto pelos que, chegaram após a
restrição do crédito bancário, apesar de
possuir a terra, não conseguiram se
estabelecer como produtores
independentes;
Este grupo constituiu-se dos auto-
denominados empregados, que
desempenhavam nas fazendas funções
de tratoristas, mecânicos, motoristas,
capatazes e gerentes;
Muitos deslocaram-se para o
Maranhão em companhia do patrão do
Sul, em regime de contrato temporário;
Outros, vieram com recursos
próprios e, no caso dos que cultivavam a
terra no local de origem, passaram por
um processo de proletarização, sem
conseguir se estabelecer como
produtores independentes, passando, no
Maranhão, à condição de assalariados.
Fonte: adaptado de Paula Andrade, 2008, p. 166-168.
105
Percebe-se que nem todos os gaúchos tornaram-se grandes produtores de arroz ou
soja ao chegarem ao nosso Estado. A categoria nativa60
gaúcho abrange um grupo bastante
heterogêneo, desde a origem, que não restringe-se ao migrante do Rio Grande do Sul, mas
praticamente a todos aqueles provenientes do Centro-Sul do Brasil, sendo que a situação
econômica destes também são as mais diversas ao chegarem e se instalarem em Balsas. Tais
diferenciações internas gaúchas alteraram as relações de trabalho do sertanejo maranhense,
concomitante aos conflitos entre espaços e relações jurídicas com a terra, disputados por
interesses antagônicos, como observa-se na tabela 05:
TABELA 05. Principais conflitos entre gaúchos e sertanejos no sul do Maranhão.
MUDANÇAS/CONFLITOS ESPACIAIS, DE TRABALHO E JURÍDICOS COM A TERRA, ENTRE
GAÚCHOS E TRABALHADORES RURAIS SERTANEJOS NO SUL DO MARANHÃO
Com a instalação dos projetos agropecuários com ênfase na produção do arroz em larga escala, onde
tradicionalmente os trabalhadores rurais praticavam a atividade criatória (nas chapadas), os denominados
gaúchos passam a implantar a agricultura em bases empresariais;
As áreas de chapadas, as chamadas fontes, as áreas de refrigério do gado, eram destinadas, pelos
trabalhadores maranhenses, à caça, coleta e criação de animais, sendo consideradas como recursos naturais de
usufruto comum (sem nenhuma espécie de cercamento), um patrimônio coletivo, ligadas a estratégias de
sobrevivência que não a agricultura;
Uma das consequências imediatas da implantação da agricultura em bases empresariais na região é a
tendência ao assalariamento de trabalhadores maranhenses;
Os chamados gaúchos não sustentam sua atividade econômica na cobrança do aluguel da terra, como
acontecia com os fazendeiros locais, promovendo, ao contrário, a introdução do assalariamento e o fim da
existência da categoria agregados – camponeses que residiam e trabalhavam dentro dos limites das fazendas,
pagando aluguel da terra para cultivar, em espécie ou em serviços ao proprietário;
Os chamados gaúchos desconhecem a geografia da região, assim como a divisa espacial própria da frente
pastoril. A organização do espaço em datas – grandes extensões de terra sem limites precisos, características da
instalação das fazendas de gado, desde a segunda metade do século XVIII – lhe é desconhecida. Com a compra
destas antigas áreas passam a ser exigido limites geográficos precisos, fixos, imutáveis, o que conduz a
redefinição da antiga lógica em relação à divisão do espaço, e aos requisitos jurídicos necessários a uma
transação de compra e venda.
Fonte: adaptado de Paula Andrade (2008, p. 100, 107, 162, 169 e 174).
A visão que a maioria dos gaúchos tenta passar quando são abordados sobre os
novos usos das chapadas, inseridos a partir da rizicultura e sojicultura mecanizada, é bem
diferente da referida acima. Tais gaúchos afirmam que as chapadas ou não possuem reservas
d’água, ou quando possuem seriam supérfluas para o sertanejo, assim como perspectivas
totalizantes de que “nunca existiram moradores” nestas áreas; desprezam a importância da
atividade de caça, que como Paula Andrade (2008) destacou é uma estratégia de
sobrevivência vinculada à agricultura, uma alternativa de proteína animal na alimentação do
sertanejo; assim como não compreendem a importância do uso comum das chapadas para o
extrativismo vegetal e outros diversos tipos de atividades. Os espaços restantes ao sertanejo,
60
Neste caso, uma categoria do sertanejo sul-maranhense.
106
os baixões61
, estão em processo de super-exploração, já que os pequenos produtores
sertanejos passaram a dividir quase todas as atividades por eles desenvolvidas em áreas cada
vez mais restritas, como moradia, agricultura, pequena criação de animais, extrativismo
vegetal, animal e mineral, o que poderá gerar esgotamento dos recursos (hídricos,
pedológicos, florestais, animais...) e tornar inviável a continuidade destas atividades
concomitantes/no mesmo espaço. Um dos chamados gaúchos de Balsas, ao abordarmos a
questão, teve um discurso em tom defensivo e persuasivo:
E: [...] é isso que eu digo pra vocês, por favor é essa imagem que eu quero que
vocês levem, aqui, tô falando do sul do Maranhão, não tô me referindo ao resto [do
Brasil]. As áreas de lavouras ficam em cima da chapada... onde não existe água...
nunca existiu morador, o pessoal do baixão que mora lá embaixo, ele subiu na
chapada pra caçar... é pra isso que usam a chapada... nem roça eles faziam lá em
cima, porque não tem água... só tem água da chuva. (Secretaria Municipal de
Agricultura, Balsas, 07/12/2009).
Os pequenos produtores maranhenses ao ocuparem a décadas, contraditoriamente, as
terras “disponíveis62”, ou seja, “onde ocorreria a modernização do setor primário” (WAGNER;
MOURÃO, 1976, p. 07), foram paulatinamente expropriados: pressionadas a vendê-las a qualquer
preço, outros acabaram perdendo-as para grileiros e outros posseiros, por falta de conhecimento
jurídico ou de uma verdadeira atuação do STTR à favor dos trabalhadores e trabalhadora rurais,
como no caso de Balsas, relatado abaixo por um dos pequenos produtores que vivenciou este
período:
C: [...] como os pequenos produtores ainda não tinha a intelectualidade de buscar a
documentação dessa terra junto ao Estado, eles [grileiros] chegaram montado no
título, o documento com a foto de um produtor, eles laçavam todas as terras que
pudessem pegar, pegavam mesmo, conseguiam o documento, detalhe: junto ao
Estado, ITERMA, chegavam, diziam: - “Tenho o documento da terra, cadê o de
vocês?” Ninguém tinha, tinha posse de quarenta anos, cinquenta anos, cem anos de
existência, pessoal não tinha documento, tinha posse, tinha uma vida... eles
chegaram com o documento, a pessoa não tinha força pra lutar. (?) Até então o
Sindicato [STTR] também era do lado deles, era dos trabalhadores, mas não era... de
1988 pra cá é que os trabalhadores começou a tomar de conta da questão... até então
era praticamente governado por produtor... mas de gente que apoiava eles, porque
desde a década de 1970 chegou a grande produção e daí pra cá vem se alastrando. (ACA, Balsas, 07/12/2009).
Com ajuda do Estado, os de fora estabelecem-se em Balsas repelindo os da região.
61
Áreas adjacentes aos vales de rios, nas cotas altimétricas mais baixas e com vários desníveis topográficos, o
que lhes dão menores valor e pressão para/da agricultura mecanizada, que desenvolve-se nas áreas de chapadas,
cujos terrenos são planos e permitem a utilização de máquinas como tratores, plantadeiras e colheitadeiras. 62
“A expressão terras disponíveis, como terras devolutas, tem sido interpretada usualmente de maneira dúbia.
Ainda que o fato de serem estas terras pertencentes à União não signifique necessariamente que sejam áreas
desabitadas, isentas do aproveitamento econômico ou recursos naturais não incorporados ao processo produtivo.
É desta forma que a expressão tem sido empregada. [Como se] [...] as terras disponíveis do Maranhão [fossem]
[...] terras livres, desabitadas, não ocupadas economicamente, como se “espaços vazios”. Não se efetuam
quaisquer mediações.” (WAGNER; MOURÃO, 1976, p. 07).
107
6.2 Os aventureiros do Sul que enfrentam o fim do Norte: diáspora, pioneirismo e mito do
gaúcho
“Je hoeft niet te baden in het geld, maar pootje is wel fijn…”
(Em rios de dinheiro não precisas nadar, mas é um prazer banhar os pés num pouco
d’água).
“Lang gewacht em stilgezwegen, nooit gedach em toch gekregen.”
(Longamente em silêncio desejado, jamais sonhado, mas afinal alcançado).
(Ditados holandeses).
A noção de pioneirismo é arraigada na idealização do desbravador, aquele que
adentra, se aventura em territórios “desconhecidos” e “inóspitos” em busca de algum
eldorado. A figura do gaúcho é bastante permeada e singularizada por esta noção, afirmada
pela dispersão dos povos europeus que se estabeleceram na Região Sul (alemães, holandeses,
italianos, etc.) e reafirmada pela diáspora gaúcha pelo Brasil e alguns países sul-americanos
(figura 25).
Figura 25. A “diáspora” gaúcha. Fonte: Haesbaert, 1997, p. 23.
108
A aventura de uma família gaúcha pelo Brasil desconhecido foi narrada durante
uma entrevista, no nosso segundo campo, na qual a senhora F fala sobre a tentativa de
superação perante a falência e o choque ao se deparar com o nunca visto:
F: Porque lá no Sul [macrorregião Sul do Brasil] a gente era agricultor né? Então a
gente trabalhava com agricultura... e lá naquela época do Plano Collor... aquele,
aquela mensalidade da agricultura, houve ali, nós fomos um dos... dos privilegiados
que quase perdemos tudo, né? Então a gente... lá, é a palavra certa: a gente faliu, né?
Aí a gente veio [...] tudo era diferente, tudo, tudo, tudo, o clima lá chegando no mês
de agosto, primeiro de agosto... uma seca dessa. Nunca tínhamos visto seca, né?
Nunca tínhamos visto poeira, nunca tinha visto nada, o Cerrado, não tinha nem ideia
do que era o Cerrado, nada, nada, nada. Tudo era diferente. Foi que nem mudar água
e vinho... (Gaúcha, Balsas, 27/08/2010).
A idealização de nuances positivadas do gaúcho, como um povo com “alta
capacidade” de superação, “desbravador”, “corajoso”, “pioneiro”, “empreendedor” (ROCHA,
2006), “ajusta-se a uma exaltação de suas qualidades enquanto portador de uma cultura tida como
mais avançada” e que carrega “consigo as possibilidades de desenvolvimento e progresso
tecnológico para as regiões consideradas atrasadas e inóspitas que ocupa [...] carreando para
região possibilidades de revigoramento econômico” (PAULA ANDRADE, 2008, p. 164). Diante
dessa análise não nos assustou chegarmos ao Centro de Tradições Gaúchas – CTG – de Balsas
(figuras 26 e 27), e nos depararmos com a frase: “Em qualquer chão, sempre gaúcho pelo bem do
Brasil.”
Figura 26. Mosaico 11: Placa e fachada do CTG de Balsas. Fonte: Dados da pesquisa, 21/10/2011.
Figura 27. Mosaico 12: Área interna do CTG de Balsas. Fonte: Dados da pesquisa, 21/10/2011.
109
Para preservar e integrar sua cultura nos lugares mais distantes, os gaúchos
possuem os CTGs, cuja:
[...] principal finalidade é difundir a cultura gaúcha em todos os seus aspectos
históricos e sociais como o uso de ritmos musicais como o venerão, o xote, a valsa, a
marchinha e outros ritmos artísticos como o balaio, a chimarrita, a tirana do lenço,
etc., utilizando-se de trajes e vestuários tipicamente gaúchos que denotam
simplicidade, respeito e simbolizam o ambiente familiar e de trabalho, embora o
traje de festa utilize cores mais alegres e atraentes que transmitem elegância. Além
da culinária, a difusão da literatura por meio de recitais de poesias, contos, trovas e
outros. (SANDRI; BAÚ, 2008, p. 65).
As autoras supracitadas, gaúchas de Balsas, deixam transparecer sua parcialidade
cultural ao destacarem a “elegância” dos trajes tradicionais gaúchos. “O discurso destes
migrantes encontra no mito do ‘gaúcho’63
os elementos que reconhecem, valorizam e se identificam.
Daí vem o ‘orgulho’ de ser ‘gaúcho’. Orgulho relacionado com um sentimento de dignidade, altivez e
valorização exagerada de si, reduzido na expressão popular amor próprio” (ROCHA, 2006, p. 102-
103). Um dos denominados pioneiros em Balsas, citado em praticamente todos os trabalhos
sobre a expansão da agricultura moderna na “região”, em diversas reportagens de revistas
com grande circulação nacional e com uma biografia publicada, é símbolo da valorização e
mito do gaúcho:
O espírito aventureiro e o heroísmo dos primeiros agricultores a plantar soja em
Balsas, só começaram a dar realmente frutos com o início do embarque do grão para
exportação em 1992. [...] Um feito que – ninguém duvida – aconteceu por obra e
teimosia de agricultores como o holandês determinado e “mais tinhoso que mato do
cerrado”, Leonardus Josephus Philipsen, um dos primeiros empreendedores vindos
do sul a chegar em Balsas, em 1974. “[...] Naquela época, década de 70, o governo
‘empurrava’ terra para a gente”, diz ele, lembrando que eram oferecidos
financiamentos com 12 anos de prazo, mais quatro de carência, com juros de 1% ao
mês. “Não pensei duas vezes. Financiei 1000 hectares em Balsas e vim com seis
empregados e a família”, conta o produtor. (CORREIO RURAL, 1999 apud
MOELLMANN).
A saga da gaúcha F e sua família até Balsas, pelo Brasil com fim no Norte, é mais
uma de superação, de dar a volta por cima, que reitera a noção do gaúcho pioneiro:
F: [...] e essa é, é a vantagem dos aventureiros do Sul que enfrentam o Nordeste: é
dar a volta, porque a maioria dos que vem do Sul eles vem exatamente isso,
aventurando mesmo, é dar a volta aqui no fim no Norte. E se um dia eu tivesse que
sair, se eu tivesse que sair daqui de Balsas... se eu tivesse que sair daqui você pode
ter certeza que não é pro Sul não, é pro Norte que eu vou, é mais pra frente: eu vou à
São Luís, eu vou à Teresina, eu vou à Fortaleza, eu vou vender coco na praia... mas
eu não volto pro Sul... (Gaúcha, Balsas, 27/08/2010).
63
O “mito do gaúcho” se dá através da supervalorização da identidade cultural original, da Revolução
Farroupilha (passado heróico) como marco histórico que consolidou o gaúcho como povo revolucionário e com
ideologia política progressista e atuante, além do pioneirismo deste grupo desbravador (ROCHA, 2006).
110
6.3 Des-re-territorialização: os des/encontros entre sertanejos e “gaúchos”
É uma coisa que também tem me acontecido muito aqui, num ano em que essa
discriminação, ainda não tá havendo muita discriminação. Por exemplo: tem muito
gaúcho casado com maranhense, tem muito maranhense casado com gaúcha né?
[...] tem muita gente de fora. Sulista aqui. Branco casado com morena já, aqui do
sul do Maranhão (trabalhador rural maranhense, Balsas, 05/12/2009).
“(...) Dizer que uma sociedade é ‘tradicional’, ou que sua população está presa à
tradição, não explica por que a tradição persiste, nem por que o povo se mantém
fiel a ela. A persistência, como a mudança, não é uma causa, é um efeito. (...)”
(WOLF, 1976, p. 10).
O processo de interação entre a cultura gaúcha e a sertaneja é sempre destacado
pelo balsense como uma característica marcante do local. Conceitos das Ciências Sociais e
Biologia juntam-se às categorias nativas: “multiculturalismo”, “cosmopolitismo”, “simbiose”,
“maraúcho”, “garanhão”, “miscigenação”, “integração”, “hibridização”, bastante recorrentes
nos relatos, quando indaga-se sobre tal processo. Maraúcho e garanhão são os descendentes
de gaúchos que nasceram no Maranhão, filhos(as) de gaúchos(as) com maranhenses, cuja
união entre estes cônjuges é tida como possível “amenizadora” de conflitos culturais e de
crescentes influências mútuas.
D: É, na realidade há uma boa interação... Tem muitos gaúcho casado com
balsenses, balsenses casado com gaúcho... A interação é... é boa... como é? Como é
que eles chamam? Majuara, majuara? Maranhense com gaúcho? Como é que eles
chamam?... Maraúcho! (Secretaria da Fazenda, Balsas, 27/08/2010).
G: Eu acho assim como vem muito gaúcho né, eu acho que meio que houve uma
miscigenação assim, de cultura assim, então mesclou tudo, tanto que até eu brinco
aqui, filho de maranhense com gaúcho são os garanhão né... (STTR, Balsas,
18/10/2011).
H: [...] seria o multiculturalismo, nós temos hoje o multiculturalismo chamado não
é? Nós temos aí o quê? Nós temos culturas de vários estados e uns costumes não é?
Se entrelaçaram entre uma cultura do Maranhão com o pessoal de fora que hoje nós
chamamos uma cultura... mistura de várias culturas [...] (UEMA, Balsas,
17/10/2011).
Pode-se observar também que devido à chegada recente de mais migrantes à região,
a cultura do município está passando por um processo de simbiose, ou seja, o
entrelaçamento das culturas migradas às locais (SANDRI; BAÚ, 2008, p. 69, grifo
meu).
Os rearranjos espaciais e simbólicos dos atores destes territórios, que a todo
momento se entrecruzam, dialeticamente “destruindo” partes identitárias para “construir”
outras, flexibilizando resistências culturais, redesenham constantemente as identidades do sul-
maranhense há aproximadamente quatro décadas, concernentes à des-re-territorialização. O
estranhamento aos costumes dos de fora, os forasteiros, é cada vez menor, dada a
111
naturalização da convivência com pessoas que estão sempre a ir e vir. Da mesma forma,
aqueles que eram de fora e se estabeleceram em Balsas, adquirem costumes que resistiam ou
estranhavam no início:
H: eu vejo assim da cultura aqui, porque muitos costumes do Sul já ficou aqui, e
deles também, nossos [costumes] já ficou com eles, por exemplo: é... a gente... a
própria comida, Maria Izabel [arroz típico do sul-maranhense], tinha a questão da
própria comida...
[...] o churrasco é muito bem aceito, o chimarrão, por exemplo, maranhense toma
chimarrão normal, esse tipo de coisinha de culturas, de valores que permeia em
todas as culturas...
Vai incorporando também automaticamente... algumas é... tomar vinho, por
exemplo, a gente... eu vejo muito aí que é muito forte essa questão do vinho, como
também eles [os imigrantes] também tomam banho de rio, esses tipos de coisa assim
que vai incorporando tanto na cultura de um povo como outro né, vai permeando...
(UEMA, Balsas, 17/10/2011).
Durante as festas tradicionais, segundo os relatos, há interação entre gaúchos e
maranhenses tanto no CTG (que divulga e convida toda comunidade a participar de suas
festas com panfletos, veículos com auto-falantes e pela televisão), quanto nos festejos do
Sertão de Balsas. Durante o segundo campo (em 2010) fomos a uma noite sertaneja no CTG,
com show de bandas locais. Apesar de gaúchos e maranhenses afirmarem veementemente que
existe essa interação, percebemos que existe uma segregação simbólica, principalmente no
âmbito econômico. O CTG é distante do núcleo urbano do município, cujo acesso torna-se
quase obrigatório por veículo particular ou alugado. O valor do ingresso individual variava,
no dia, entre 10 e 20 reais. As pessoas que frequentavam-lo, aparentemente, vestiam roupas
de elevado padrão, chegavam ou saíam em carros próprios. As bebidas vendidas no local
possuíam um preço acima daqueles praticados nos estabelecimentos populares. Logo, não são
todos os maranhenses que frequentam o CTG.
Sobre a preservação das festas do Sertão de Balsas, para onde vai todo mundo,
sem discriminação, um trabalhador rural comenta:
B: [...]... lá tá todo mundo. Lá não tem, né? Discriminação de ninguém, todo mundo
gosta, às vezes não gosta de forró, mas aqui... aqui nessa região nós temo a Salada
[mistura de ritmos]. É, o, aqui toca tudo né? E se você vai numa festa, por exemplo,
numa, numa festa no Sertão com o... digo uma festa do Sertão, você vai lá. [...]. No seu
ano de, de festa, virge! Mas nossa, tinha gente demais! Não? Porque o pessoal que tão
aqui na cidade tem saudade das festa do Sertão. Então todo mundo quando chegar numa
festa [...] no interior, tá assim de gente da cidade, cheia de carro, cheia de moto, cheio...
festa mais monstro do mundo porque é, é a cultura que ainda permanece e o povo que
vem de fora também gosta. Certo? É muito bom! (STTR, Balsas, 05/12/2009).
O processo de des-re-territorialização em Balsas, aparentemente “pacífico”, revela
seu tom mais infatigável quando relacionado à territorialidade do capital vinculada à
sojicultura.
112
6.4 A territorialidade do capital sob a égide da sojicultura: o que era o fim do mundo
agora é a Capital Maranhense da Soja
A sojicultura consolida-se no sul maranhense64
, com destaque para Balsas
(município polarizador dos investimentos do PRODECER III no Maranhão e que reunia as
melhores condições naturais para o plantio de soja no Estado) e Tasso Fragoso (que possui
características análogas a Balsas), que juntos detêm aproximadamente 47% do valor da
produção estadual (quadro 02). Dos nove municípios com maior valor da produção, somente
Buriti não se localiza na Mesorregião Sul Maranhense.
QUADRO 02. Valor da produção da lavoura temporária de soja (em grão) no ano de 2008 no Estado do
Maranhão – Ranking descendente.
UNIDADE DA FEDERAÇÃO E MUNICÍPIO VALOR DA PRODUÇÃO (MIL REAIS)
1 MARANHÃO 944.178
2 Balsas 240.348
3 Tasso Fragoso 204.120
4 Sambaíba 80.138
5 Riachão 63.551
6 São Raimundo das Mangabeiras 57.240
7 Alto Parnaíba 45.360
8 Buriti 44.257
9 Fortaleza dos Nogueiras 43.684
10 São Domingos do Azeitão 25.302
Fonte: IBGE - Produção Agrícola Municipal, 2008 (gerado pelo SIDRA).
O boom da soja em Balsas a partir da década de 1990 foi possível, como já
explanado, devido à vinda do migrante sulista desde meados da década de 1970, atraído pelas
condições naturais favoráveis ao cultivo da soja, pelos incentivos fiscais estatais (a exemplo
do PRODECER III), pela malha de escoamento construída, assim como pelo baixo valor das
terras locais. A variação positiva do crescimento demográfico no município foi de
aproximadamente 100%, entre 1991 a 2010: de 41.648 para 83.528 habitantes (adaptado de
ALVES, 2009, p. 163-164 e IBGE, 2010). “(...) Na década dos 1990 [e 2000], a produção
dessa oleaginosa apresenta substancial expansão nas terras sul-maranhenses, passando de
64
Alguns trechos foram retirados ou adaptados dos artigos: OLIVEIRA, Danniel Madson Vieira et al.
Agricultura Moderna e (Des)Territorialização: Uma Análise das Transformações Sócio-Culturais e Espaciais
Decorrentes da Sojicultura no Município de Balsas, Sul do Maranhão. Percurso (Curitiba), v. 11, p. 73-91,
2010.
OLIVEIRA, D. M. V. . Expansão do Capital na Fronteira Sul do Maranhão: A Dinâmica da Sojicultura no
Município de Balsas. In: XX Encontro Nacional de Geografia Agrária: Territorialidades, Temporalidades e
Desenvolvimento no Espaço Agrário Brasileiro, 2010, Francisco Beltrão (PR). Anais do XX Encontro
Nacional de Geografia Agrária. Francisco Beltrão (PR) : Unioeste/Geterr, 2010. p. 2809-2830.
113
26.700 toneladas em 1992 para 976.119 toneladas em 2009 (um crescimento de 3754,3%)”,
com uma safra de 1.198.624 toneladas em 2010 (IBGE, 2010).
Outras culturas associadas à sojicultura, que a substituem no período entressafra,
como o algodão herbáceo e milho, ganham um pequeno destaque, a partir dos anos 2000,
quando os grandes produtores passaram a variar (minimamente) suas lavouras em Balsas.
Enquanto isso, a rizicultura mecanizada quase se extingue ao ser substituída pela soja (figura
28).
Figura 28. Gráfico comparativo da quantidade produzida (em toneladas) entre as lavouras de algodão herbáceo,
arroz, milho e soja, no município de Balsas. Fonte: PAM, 2010.
A crise econômica mundial nos anos de 2008 e 2009 afetou bastante a economia
local e nacional, já que a soja é um dos principais itens de exportação do Maranhão e do
Brasil e altamente dependente das flutuações do mercado externo – aliaram-se a este fator
mudanças climáticas (períodos com elevação da umidade e dos índices pluviométricos
sucedidos por outros de estiagem), doenças/pragas, a volatilidade do dólar e a queda no preço
da saca do produto (IBGE, 2010). Sobre esta dependência do mercado externo Carvalho
(1999) nos adverte que:
Do ponto de vista econômico, apesar do potencial de crescimento do mercado de
soja, é preciso atentar para os diversos riscos a que se expõe a economia, se o
produto for encarado como a nova panacéia econômica regional.
A principal ameaça é a dependência de um mercado internacional instável, sujeito a
enormes oscilações. Controlado mundialmente pela Bolsa de Valores de Chicago, o
preço do produto sofre variações da ordem de 30-35% ao longo de poucas semanas e
exige do produtor o acompanhamento diário do mercado internacional.
(CARVALHO, 1999, p. 06).
Com a relativa estabilização e crescimento da economia dos mercados emergentes
em 2010, a produtividade da soja no Maranhão, em todas as macrorregiões brasileiras e em
114
quase todos os demais Estados voltou a crescer (quadro 03 e figura 29), devido
principalmente ao constante e maior investimento em pesquisa e tecnologia no campo
brasileiro, com destaque para EMBRAPA, a nível nacional, e FAPCEN, com atuação
regional.
QUADRO 03. Rendimento médio (quilogramas por hectare), da safra de soja em 2009 e 2010 – Ranking
descendente para safra de 2010.
BRASIL, REGIÃO GEOGRÁFICA E
UNIDADE DA FEDERAÇÃO
ANO DA
SAFRA
RENDIMENTO MÉDIO (QUILOGRAMAS
POR HECTARE)
1 Santa Catarina Safra 2009 2.579
Safra 2010 3.164
2 Rondônia Safra 2009 3.202
Safra 2010 3.159
3 Paraná Safra 2009 2.308
Safra 2010 3.126
4 Goiás Safra 2009 2.940
Safra 2010 3.058
5 Mato Grosso do Sul Safra 2009 2.368
Safra 2010 3.050
6 CENTRO-OESTE Safra 2009 2.925
Safra 2010 3.043
7 Mato Grosso Safra 2009 3.080
Safra 2010 3.035
8 Distrito Federal Safra 2009 3.178
Safra 2010 3.000
9 Maranhão Safra 2009 2.513
Safra 2010 2.974
10 Minas Gerais Safra 2009 2.963
Safra 2010 2.960
11 BRASIL Safra 2009 2.618
Safra 2010 2.931
12 NORDESTE Safra 2009 2.589
Safra 2010 2.882
13 Bahia Safra 2009 2.552
Safra 2010 2.881
14 NORTE Safra 2009 2.887
Safra 2010 2.854
15 SUL Safra 2009 2.211
Safra 2010 2.834
16 SUDESTE Safra 2009 2.779
Safra 2010 2.824
17 Tocantins Safra 2009 2.774
Safra 2010 2.786
18 Piauí Safra 2009 2.821
Safra 2010 2.777
Fonte: IBGE - Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, 2010 (gerado pelo SIDRA).
115
Figura 29. Gráfico representando o rendimento médio (quilogramas por hectare), da safra de soja em 2009 e
2010. Fonte: IBGE - Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, 2010 (gerado pelo SIDRA).
As rápidas transformações em Balsas também afetaram diretamente a população
local. A economia antes baseada na pequena produção familiar e na pecuária extensiva
transfigurou-se paulatinamente na agricultura moderna capitalizada, praticada pelas grandes
empresas instaladas na zona rural e peri-urbana de Balsas, que utilizam grandes extensões de
terras, adquiridas dos antigos proprietários ali sediados.
Uma das estratégias de resistência e readaptação dos pequenos produtores na
cidade foi o desenvolvimento de hortas urbanas e peri-urbanas, com o apoio do SEBRAE
(Balsas) e da Prefeitura Municipal de Balsas, que consequentemente gerou mudanças nos
hábitos alimentares, variando os tipos de leguminosas e verduras consumidas pelos pequenos
e médios produtores, que contam com créditos rurais do governo federal a exemplo do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), uma forma do
pequeno produtor resistir frente à expansão impositiva dos grandes produtores (figura 30).
Um dos entrevistados conceitua, problematiza e lembra o papel do pequeno da seguinte
forma:
G: O pequeno [...] o que planta no toco, que tem uma lavourinha mecanizada
também [...]...
Pequeno mesmo, que nós chama de lavradores, que a gente chama hoje o nome
agricultor familiar, ele não produz soja, ainda, mas a tendência já tem pra querer
plantar, eu acho que não é a hora de você querer plantar soja, porque a soja ela é um
investimento alto pra ela poder te dar resultado aí não vai ter como, mas milho já
planta muito o pequeno, o arroz, a mandioca, a verdura, as frutas, as hortaliças em
geral é o pequeno quem planta...
Pequeno é que o produto que ele consome é o básico da mesa de todos nós, o
básico, 70% do que a gente consome de alimentos todos os dias é daqui, dos
familiares que são dos pequenos que é os lavradores, aí já os 30% já fica que os
116
homens produzem a parte da soja, as coisas que vai pra lá e volta enlatado e
empacotado que também é consumido também né, esse já é a parte que os homens
produzem, mas [...] o básico da alimentação, básico, dia-a-dia, o arroz, o feijão, a
verdura, a hortaliça é o pequeno que produz, essa pesquisa já tá feita não é nem a
nível de Maranhão, a nível de mundo, é o pequeno que ainda segura, o que produz e
é uma produtividade que é rápida, que também tem a verdura bem rápida diária,
mensal [...] o pequeno vive disso plantando as coisas e vendendo pra poder viver...
(STTR, Balsas, 18/10/2011).
Figura 30. Mosaico13: PRONAF; grandes, médias e pequenas lavouras. A – Divulgação da Secretaria de
Agricultura de Balsas sobre o serviço de assistência técnica prestado aos horticultores urbanos. B – Divulgação
do Banco do Nordeste sobre o crédito do PRONAF. C – Divulgação do Banco do Nordeste com alvo para o
agricultor familiar. D – Plantação de soja de grande produtor (Balsas – MA). E – Plantação variada de pequenos
e médios produtores no Assentamento Angelim (Balsas – MA). Fonte: Arquivo da Pesquisa, 6 a 8 de dezembro
de 2009.
Outra mudança recorrentemente relatada pelos entrevistados foi o aumento do
custo de vida, com a especulação imobiliária crescente sobre o solo urbano, decorrente de
diversos estabelecimentos comerciais instalados nos últimos anos no Centro de Balsas.
Grandes escolas e faculdades particulares também foram atraídas à “região” (figura 31):
D: [...] tá alto o custo de vida aqui. Então a gente vê assim, pô, interior né, não pode
ser tão alto, deve ser uma coisa assim: dava pra você viver tranquilo nela... mas só
117
que o quê que eu percebi... que aqui, Balsas, depois disso aí tudo o custo de vida
aumentou demais... (Secretaria da Fazenda, Balsas, 27/08/2010).
[...] Balsas [...] vem funcionando como centro econômico da região desde a
implantação dos “projetos desenvolvimentistas”, o que fez com que, da noite para o
dia, surgissem: hotéis, shoppings, restaurantes, clínicas médicas, locadoras de
automóveis e escritórios. Segundo a revista Época (ano 1 n. 26, 16/novembro/98),
até “boutiques” com grifes famosas podem ser encontradas na cidade (CSEM, 2000,
p. 15).
Figura 31. Mosaico 14: Faculdade e escolas particulares em Balsas. Fontes: <http://www.unibalsas.edu.br/> e
Dados da pesquisa, 19/10/2011.
118
Quanto ao público que frequenta estas instituições de ensino particular, em grande
parte são os chamados maraúchos, filhos de gaúchos que nasceram no Maranhão,
principalmente aqueles cujos pais possuem renda elevada. Na figura 31 é possível ver uma
placa de publicidade sobre as aprovações de alunos de uma escola particular em vários
vestibulares. Um fato interessante a ser analisado é a pouca influência da capital do Estado
sobre esta área no que tange a Educação Superior, já que, apesar da longa lista, nenhum dos
aprovados passou ou sequer tentou participar de concursos para ingressar em alguma IES do
norte-maranhense, optando pela UEMA, UNIBALSAS ou outras universidades do Nordeste e
Centro-Sul do país. Como relatado em entrevista: “A gente não conhece quase nada sobre as
universidades do norte, os cursos, a excelência, nada” (Escola particular, Balsas, 19/10/2011).
Os grandes empreendimentos da agroindústria e do comércio são símbolos do que
os balsenses chamam de “progresso e desenvolvimento da soja”, como o Grupo Mateus, que
surgiu em Balsas e se “espalhou” pelo Estado (figura 32):
Caso exemplar – Balsas (MA): A cidade de 79000 habitantes, fundada em 1918 no
sul do Maranhão, levou sete décadas para começar a prosperar. Isso só aconteceu
depois que sulistas trouxeram a soja para a região. Parte da virada se deve à Fapcen,
uma fundação de pesquisa dos agricultores que criou sementes adaptadas ao solo e
clima locais. A soja pulverizou riquezas por Balsas, o segundo pólo do grão no
Nordeste. Há vinte anos, o maranhense Ilson Mateus tinha um mercadinho.
Embalado pela soja, transformou sua loja em uma rede de atacado e varejo que
faturou 800 milhões de reais no ano passado. “Vou no ritmo da soja”, diz.
(VEJA.COM, 2008, ANEXO D).
Figura 32. Mosaico 15: Armazém Mateus e campo de soja em Balsas, símbolos do “progresso” e
“desenvolvimento” da região. Fonte: Dados da pesquisa, 21/10/2011.
119
Diante do “crescimento”, “progresso”, “desenvolvimento” de Balsas, alguns
naturalizam e banalizam o aumento da violência, como uma consequência da colonização65
:
H: Aí sempre em qualquer momento de colonização, não é? De um processo de...
que nós estamos num processo de... digamos assim de aceleração econômica né, de
progresso digamos assim, sempre há o lado positivo e o lado negativo né, isso aí é
notório em toda região que existe progresso, se você está... no caso é a violência,
não é? Que é um fato que acontece em todo lugar que antes, digamos assim, não
tinha tanta violência como hoje, eu vejo essa questão da violência de modo geral,
não é? Que isso é um lado negativo né, pelo crescimento, pelo progresso com a
chegada de várias pessoas, estradas né, desse acesso não é? De muita gente e sempre
tá tendo muita questão de violência, acentuou bastante né, aí vêm essas outras coisas
que pra não... não é só no Sul, mas eu vejo assim em todo lugar, no Maranhão todo,
nos países, nos Estados todos, no Brasil a violência chegou assim, no Brasil todo,
porque eu digo assim, porque no interior era mais... era mais lento né, no interior era
mais lento, mas hoje aqui, assim como em São Luís e em qualquer lugar, acentuou
muito essa questão da violência, eu vejo aí assim em todos os sentidos, aí são várias
causas que acontece, isso não é o caso nosso aqui né... (UEMA, Balsas, 17/10/2011).
I: Hoje o tráfico em Balsas tá uma coisa absurda, é droga, prostituição infantil,
envolve o controle, o sistema sendo rigoroso, mas é tão grande, que tá quase
chegando a um ponto de falta de controle; pela expansão que a cidade se encontra;
polícia militar, três ou quatro carros não dá para cobrir uma noite toda cidade; falta
de estrutura e funcionamento dado pelo Estado à própria polícia militar; estão
aprontando-nos outros; são crimes violentos, com requintes de crueldade, já tá
acontecendo isso. (Secretaria de Cultura, Balsas, 27/08/2010).
O aumento da violência em Balsas pode ser constatado também a partir dos dados
do quadro 4, que lista Balsas como tendo a 4ª maior taxa de homicídios (por 100 mil
habitantes) no Maranhão e a 66ª no Brasil:
QUADRO 04. Número e Taxas Médias de Homicídio (em 100.000) na População de 0 a 19 anos. Brasil,
2002/2007 (destacando os quatro primeiros municípios do Maranhão no ranking).
Posição
(Brasil)
Município UF Média
Anos
Popul.
(1.000)
Número de Homicídios Taxa
Homic. 2003 2004 2005 2006 2007
16º Montes
Altos
MA 5 5,0 1 2 2 1 5 44,1
31º Barra do
Corda
MA 3 35,6 19 12 14 13 14 38,4
39º Santa Luzia MA 3 41,9 5 10 13 11 22 36,6
66º Balsas MA 3 35,8 6 6 9 9 13 28,9
Fonte: WAISELFISZ, 2010, p. 57-58.
Logo, a expansão da soja desencadeou uma série de transformações espaciais e
sócio-culturais para população vigente há mais tempo em Balsas antagônicas às “benesses”
econômicas como: êxodo rural, inchaço urbano, “latifundização”, concentração de renda,
exclusão social, degradação ambiental, dentre outras. A perspectiva de melhoria do padrão de
65
Interessante a utilização do termo colonização para o crescimento econômico em decorrência da sojicultura
concomitante à vinda dos gaúchos para se estabelecer no sul do Maranhão, já que colonização, implica a
imposição dos valores do colonizador.
120
vida ficou praticamente restrita ao grande investidor do agronegócio na região, o migrante. E
os sertanejos de Balsas...
...(...) marcados pela cultura do Nordeste e da Amazônia (...) agora recebem a
influência dos agricultores vindos do Sul, como se pode perceber pelos bairros que
vão crescendo misturando belas casas com traços da herança européia dos sulistas
com casas feitas de barro e cobertas de palha ainda existentes na cidade (...)
(FERREIRA, 2007, p. 49). [(figura 33)].
O município de Balsas (...) teve uma expansão da periferia pobre (...). A cidade
cresce de forma desordenada, motivada pelo fluxo de população que deixou de
habitar as áreas rurais, seja porque foi expulsa pelo capital agropecuário ou porque
ela própria cria, no seu imaginário, a ilusão de que no urbano terá alguma ocupação
remunerada. É significativo o número de jovens que abandonaram suas moradias
nos povoados e migram para a cidade de Balsas, deixando seus familiares mais
velhos cuidando da unidade camponesa. Esta, por conseguinte, desarticula-se pela
falta de braços para levar adiante o trabalho nas pequenas roças. A imagem
produzida de Balsas gera expectativas também nas populações de outros municípios
e até de outros estados nordestinos, sobretudo do Piauí. A expectativa criada pelos
migrantes a respeito de um urbano pretensamente próspero se dissipa rapidamente
quando percebem que as riquezas produzidas se canalizam para um seleto grupo dos
representantes do agronegócio. Aos novos pobres que chegam ao urbano, juntam-se
também os antigos, e ambos lhes restam as sobras de um crescimento econômico
concentrado e concentrador. A urbanização de Balsas traz, assim, uma importante
revelação de que a atual modernização é um processo que se organiza pela seleção
dos espaços e das pessoas, em um constante movimento de descompasso
econômico. (ALVES, 2009, p. 164-165).
Figura 33. Mosaico 16: Contraste de residências de vários padrões, estabelecimentos do setor terciário e áreas de
lazer do bairro Cajueiro, Balsas (MA). Fonte: Dados da pesquisa, 21/10/2011.
121
Analisando o quadro 05 reforça-se o caráter de extrema acumulação da riqueza
gerada pela soja em Balsas, que apesar de ser um centro dinamizador da economia regional
ainda apresenta índices alarmantes em relação à pobreza. Fato constatado não só em Balsas,
mas no Maranhão como um todo. Segundo o IBGE (2010) a taxa de crescimento econômico
do Maranhão no ano de 2007 ficou em 9,1%. Mesmo com elevadas taxas de crescimento
econômico e diversos investimentos em projetos muti-milionários e bilionários, perpetuam-se
o baixo IDH (0,636), elevada taxa de mortalidade infantil (37,9 ‰), de analfabetismo (19,5%)
e de analfabetismo funcional (33,2%), logo, a precarização da inclusão social no Estado é uma
realidade incômoda em detrimento do seu desenvolvimento social.
QUADRO 05. Mapa de Pobreza e Desigualdade – Municípios Brasileiros 2003 (Balsas). Incidência da Pobreza Subjetiva
66 66,20 %
Limite inferior da Incidência da Pobreza Subjetiva 57,46 %
Limite superior Incidência da Pobreza Subjetiva 74,95 %
Índice de Gini67
0,44
Limite inferior do Índice de Gini 0,42
Limite superior do Índice de Gini 0,47
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 e Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF 2002/2003.
A expansão da fronteira agrária em Balsas pouco beneficiou a população há mais
tempo vigente, que foi incluída precariamente nesse processo ao elencarem o migrante sulista
como o arquétipo a participar da capitalização nas terras do sul do Estado do Maranhão. O
pequeno produtor que persiste e resiste à pressão da soja surge como um ator social
imprescindível e protagonizante no que tange o contestar da cultura, sociedade, economia e
poderes imperativos.
66
A medida subjetiva de pobreza é derivada da opinião dos entrevistados, é calculada levando em consideração a
própria percepção das pessoas sobre suas condições de vida. 67
O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini. É
comumente utilizado para calcular a desigualdade de distribuição de renda mas pode ser usado para qualquer
distribuição. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda (onde
todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as
demais nada têm). O índice de Gini é o coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente
multiplicado por 100).
122
PARTE QUATRO: das considerações finais
123
7 PARA NÃO CONCLUIR
"Não é a verdade, mas a opinião que poderá percorrer o mundo sem passaporte."
(David Lowenthal).
Não redigi esta monografia com a intenção de torná-la perfeita, concluída e
intocável. Muitas críticas podem (e devem) surgir. Parte do que escrevi considero, ao final,
um tanto excessivo (daqui há alguns anos posso me perguntar, desprezando quem eu era:
como foi que escrevi isso? Para que escrevi isso?). Em compensação falta algo em outras.
Não existe perfeição em estudos de processos humanos (não dizem respeito a modelos
matemáticos), já que as reflexões são subjetivas, as transformações no fato social total são ou
podem ser dinâmicas e heterogêneas (cada análise pertence às conjunturas do seu espaço-
tempo, logo, os processos humanos possuem “infinitas” e (des)contínuas possibilidades de
estudos e interpretações), assim como a questão da relevância das temáticas abordadas: o que
é relevante? Quais categorias/ conceitos são essenciais e quais são dispensáveis? A resposta a
estas indagações leva-nos à relação direta entre tempo-espaço-objeto-pesquisador-leitor.
Quando/de onde/de quem eu falo? Quem é o sujeito falante? Quem é o leitor? Como nos diria
Foucault (2008). Falei com um pensamento teoricamente diverso, porém, com pouco
amadurecimento para discernir parte da teoria por mim apropriada, o que pode ter levado a
alguns equívocos recorrentes.
A temática abordada nesta monografia, o processo de territorialização da soja em
Balsas (sul do Maranhão) nas duas décadas pretéritas, mostrou-se, há princípio, extremamente
complexa devido à variedade de categorias analíticas discutidas: Migração;
Território/(Des/Re)Territorialização/ Multiterritorialidade; Espaço; Tempo; Globalização;
Identidade; Modernidade(s); Modernização; Eurocentrismo; Racionalidades; Papel do Estado;
Fronteira; e Rede Política Agroindustrial. Porém, diante de uma discussão holística foi
necessário utilizá-las, discutindo-se sob uma ótica que envolveu campos da Geografia,
História, Antropologia, Sociologia, Filosofia e Política.
O processo de modernização das técnicas agrícolas no sul maranhense, com o
advento da capitalização do campo nessas terras, trouxe uma série de mudanças e conflitos
entre os sertanejos posseiros da região, grileiros maranhenses e gaúchos (aqueles elencados
como produtores arquetípicos para o direcionamento do fluxo de crédito bancário), cujos
“embates” entre esses três grupos é responsável pela des-re-territorialização no município,
quando diferentes culturas e racionalidades se deparam sob um mesmo espaço, disputando
124
poder, se re-criando culturalmente, mesclando-se através de influências recíprocas; as
fronteiras e os territórios sob este embate são fluidas, em constante expansão-contração-
sobreposição.
O estudo da técnica foi essencial para o entendimento da expansão da fronteira
agrícola, já que ela vai estabelecer o dinamismo dessa expansão. No que tange ao município
de Balsas, a agricultura moderna e seus preceitos (como uso de maquinário pesado, sementes
modificadas e selecionadas geneticamente, grandes propriedades de terra, uso de fertilizantes
e corretivos no solo, etc.) foram as técnicas preponderantes no processo de capitalização do
campo.
Dessa forma, o território de Balsas surgiu como uma zona pioneira vinculada à
expansão agrícola, possibilitada em grande parte pelo papel que o Estado exerceu (e exerce)
no estabelecimento da infra-estrutura necessária, assim como os incentivos fiscais que
atraíram a injeção do grande capital nacional e internacional vinculados ao agricultor sulista
com larga experiência na área e espírito empreendedor comprovado.
Através dos estudos empíricos constatou-se que a expansão da fronteira agrária
em Balsas pouco beneficiou a população maranhense, incluída precariamente nesse processo,
quando o Estado brasileiro elenca o migrante sulista como o sujeito ideal a participar da
capitalização nas terras do sul do Estado do Maranhão. Como consequências diretas houve o
êxodo rural, latifundização das terras de Balsas, periferização e/ou crescimento desordenado
da cidade e a gradativa assimilação e interação entre a cultura de fora (do migrante sulista) e a
cultura sertaneja (daqueles naturais do sertão maranhense, antecedentes à cultura híbrida
maraúcha).
A pergunta-mor aos nossos gestores públicos, diante do quadro de destruição pelo
“progresso” é: como “desenvolver” as regiões consideradas inóspitas com grandes projetos
que não levam em consideração os que são da região? A recorrência para este tipo de
racionalidade é constante e não gera o “desenvolvimento” e “progresso” contido em suas
(pseudo)missões, mantendo os índices socioeconômicos alarmantes de pobreza no Maranhão
(inclusive de “pobreza” política), apesar de quarenta anos sobre promessas e expectativas de
divisão de riquezas.
O Maranhão é marcado como um Estado “sem leis”, “uma terra sem leis”
exatamente pelo fato da arbitrariedade e consentimento de órgãos governamentais com
sujeitos que agem burlando as leis. A imposição dos “grandes projetos” sobre territórios nos
quais existem grupos estabelecidos desde tempos imemoriais é uma prática que se perpetua,
125
non sense para os povos da região, mas concernente ao desenvolvimento e progresso, na
lógica empresarial-governamental.
Migração, espaço, globalização, fronteira e papel do Estado foram categorias que
estiveram sempre ligadas ao processo de territorialização do capital no sul do Maranhão ao
longo da discussão travada neste texto. Torna-se relevante pensarmos no Papel da Academia.
Qual o nosso papel ao desenvolvermos pesquisas? Analisar o outro apenas para escrever uma
monografia e porque é obrigatória? Como o outro sentir-se-á sendo analisado e ao final não
saber os resultados? Uma monografia deve ser engavetada? Como não engavetar a
monografia? A continuidade do processo deve ser nosso papel: o tempo não pára, ainda mais
no ritmo da soja, do capital moderno. No limiar do século XXI, movimentos sociais, ao
contrário do que muitos pensam, surgem mais organizados e como válvula de escape para
contestar a violência simbólica da forma como somos incluídos (grande parte precariamente)
ao projeto de mundo moderno.
É preciso que este sujeito continue contestando o Estado capitalista
contemporâneo que juntamente com as grandes empresas privadas agem como força unilateral
em relação ao que devemos ser. Nossas identidades e/ou diferenças culturais devem ser
escolhidas individualmente, ao contrário da visão impositiva e homogeneizadora da cultura
ocidental capitalista enquanto arquétipo. Da racionalidade colonizada surge um novo sujeito.
Um sujeito que resiste à colonialidade. Um sujeito possível. Resta a nós, da academia, nos
refazermos continuamente, para não concluir o que nunca deve terminar.
Numa tarde de demasiado desespero seguido de tão esperado alívio (para mim,
minha mãe, meu irmão e amigos). Dezembro de 2011, São Luís engarrafada,
gráfica lotada, último dia para depositar monografia. Tudo certo, em cima da hora:
conversa com amigos, cerveja no Bar do Porto, ao som do Reggae Roots, Praia
Grande...
126
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139
APÊNDICES
140
APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas do 1º campo em Balsas (05 a 08 de dezembro de
2009)
PESQUISA BALSAS
Instituições a serem visitadas:
STTR;
Sindicato Patronal;
Secretaria Municipal de Agricultura;
Secretaria Estadual de Agricultura (Casa da Agricultura Familiar – AGED);
ACA – Associação Camponesa;
Banco do Brasil;
Banco da Amazônia;
Pequenos Produtores.
Outros locais:
Lojas do Centro Comercial;
Mercado Municipal;
Bairros de Balsas.
Roteiro de entrevistas:
STTR – Secretarias de Agricultura – ACA – Bancos:
1. Contar como se deu o processo de expansão da soja nos últimos 15 anos, com relação ao
pequeno produtor (trabalho, terra, renda, migração).
2. Produção Agrícola (tipo de produtos cultivados, comercialização, financiamento – há
outros programas além do PRONAF a nível estadual e municipal?).
3. Ações do INCRA, ITERMA e NEPE (Crédito Fundiário), número de projetos de Reforma
Agrária.
4. Inserção do pequeno produtor na grande agricultura, que outras atividades (não agrícolas)
são desenvolvidas na complementação da renda principal?
5. Movimento da saída do campo (intensidade atual, comparar com outros períodos).
6. Comparar a produção do pequeno produtor frente às mudanças (chapada e baixões) do
ponto de vista da produtividade, do volume de trabalho e das diferenças técnicas.
7. Como os pequenos produtores têm conseguido permanecer nas áreas?
8. Quais as organizações que apóiam os pequenos produtores e como é esse apoio?
Aspectos Culturais
Hábitos
1. Observação da incorporação da comunidade local da cultura dos migrantes, separação
entre locais e migrantes, (como reconhece, como se dá) participação da comunidade local nos
eventos dos “gaúchos” (o porquê da não participação).
2. Tipos de atividades culturais, de lazer, festas religiosas, esportivas são realizadas pelos
moradores locais (centros de convivência) prefeitura municipal?
3. Localizar no plano das áreas de maior concentração dos pequenos produtores oriundos
do campo no mapa da cidade.
Sindicato Patronal:
1. Contar como se deu o processo de expansão da soja nos últimos 15 anos, com relação
ao pequeno produtor (trabalho, terra, renda, migração).
141
2. Inserção do pequeno produtor na grande agricultura.
3. Movimento da chegada de sojicultores (intensidade atual, comparar com outros
períodos).
Aspectos Culturais
Hábitos
4. Observação da incorporação da comunidade local da cultura dos migrantes, separação
entre locais e migrantes (como reconhece, como se dá?).
5. Relação com a mão-de-obra local (qualificação, diferenças culturais).
6. Tipos de atividades culturais, de lazer, festas religiosas, esportivas são realizadas pela
comunidade de migrantes (centros de convivência), absorção das pessoas do local. Integram-
se nas atividades culturais locais (como se dá).
7. Localizar no plano das áreas de maior concentração dos pequenos produtores oriundo
do campo.
Produtores:
1. Sexo M ( ) F ( )
2. Idade?
3. Profissão?
4. Renda mensal?
5. Possui filhos? Sim ( ) Não ( ).
6. Se possui, quantos?
7. Recebe algum benefício do governo? Sim ( ) Não ( ).
8. Qual?
9. Nível de escolaridade?
10. Quanto tempo reside no povoado?
11. Onde nasceu?
12. Recebe algum auxílio (financiamento) para o cultivo da terra? Qual?
13. Como se dá as relações de trabalho nessa comunidade?
14. Possuem alguma organização comunitária? Qual?
15. Qual a importância da mesma para o desenvolvimento econômico, social e cultural da
área?
16. Qual a importância da agricultura para comunidade?
17. Como vê a produção da soja na região?
18. Se beneficia dessa produção?
19. Com a chegada dos “gaúchos” na área houve modificação de comportamento por parte
dos moradores locais, ou vice-versa?
20. Como vê a disseminação da cultura “gaúcha” na área?
21. Participa das manifestações culturais dos gaúchos?
22. Participa de outras manifestações culturais na área? Quais?
23. Percebe se os grandes proprietários de terra têm preocupação com o meio ambiente?
Conhecem algo da legislação ambiental?
24. Existem problemas ambientais decorrentes da atividade de produção de soja? Quais?
25. As empresas beneficiadoras da soja possuem “responsabilidade” sócio-ambiental?
26. Os proprietários rurais da região fazem algum planejamento, gestão do uso do
território?
27. Existe monitoramento das emissões atmosféricas geradas?
28. Existe alguma forma de controle de emissões por parte dos grandes produtores de soja?
29. Existe alguma prática para conservação do solo?
30. Os produtores e empresas beneficiadoras de soja contratam pessoas das comunidades ou
região onde atuam? Como? Cumprem com o legislação trabalhista?
142
Cronograma de atividade de campo
05/12 (sábado):
Manhã: contato com STTR,visita de observação no mercado e comércio.
Tarde: Visitar comunidade rural próxima.
06/12 (domingo):
Manhã: visitar comunidade rural.
Tarde: Centro de Tradições Gaúchas – CTG.
07/12 (segunda): Manhã: Sindicato Patronal, Secretaria Municipal de Agricultura.
Tarde: Bancos do Brasil, Amazônia e Nordeste; coleta de dados de financiamentos de
pequenos e grandes; Ministério do Trabalho.
08/12 (terça):
Manhã: AGED (Secretaria Estadual), ACA.
Tarde: Bairros da cidade de Balsas.
143
APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas do 2º campo em Balsas (25 a 30 de agosto de 2010)
PROGRAMAÇÃO DO TRABALHO DE CAMPO – Balsas 2010
De 25 de agosto a 01 de setembro.
Saída:
Alunos: 24/05: 19:00: Chegada em Balsas 9 da manhã dia 25 – Ir para o Hotel Imperial.
Professoras: 25/08: 6:00 – Viagem São Luís X Imperatriz e Imperatriz X Balsas – Previsão de
chegada 13 horas.
15:00 - Ministério do Trabalho e marcar com presidente do C.T.G. Fazer outros contatos.
26/08: Lojas do Centro, Mercado Municipal, Boutiques, eletrodomésticos, implementos
agrícolas – verificar compradores – peq. prod.; mercearias, hotéis, lojas de carro, lanchonetes,
restaurantes – comidas) – Desde quando?
- providenciar fundamentação teórica para essa atividade.
27 e 28/08: Mapeamento da Cidade: Mapear bairros antigos e novos – áreas de migrantes
rurais, sojeiros.
- Providenciar planta da cidade das décadas de 80, 90 e atual, ver imagem no Google Maps e
Google Earth.
29, 30 e 31/08: Domingo: visita ao C.T.G. (ou dia anterior 28/08) e Iniciar visita às áreas
rurais.
144
APÊNDICE C – Roteiro de entrevistas do 3º campo em Balsas (17 a 21 de outubro de 2011)
ROTEIRO DE PESQUISA EM BALSAS
Locais a serem visitados:
UNIBALSAS;
UEMA;
STTR;
FAPCEN;
ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE SOJA;
CURSOS TÉCNICOS;
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL;
ESCOLAS PARTICULARES;
CÂMARA DE VEREADORES;
Roteiro de entrevistas:
UNIBALSAS
1. Quais cursos são oferecidos?
2. Qual a clientela? Pessoas do município ou de outros estados?
3. Perfil dos professores? São maranhenses ou de outros estados?
4. Quais as principais mudanças relacionadas à cultura observadas nos últimos anos?
UEMA
1. Cursos que são oferecidos?
2. Qual o perfil dos alunos? São do próprio município?
3. Existem alunos de outros estados?
4. Que cursos são mais procurados por alunos de outros estados? E os da terra?
5. Há professores de outros estados?
6. Mudanças relacionadas à cultura observadas nos últimos anos?
STTR
1. Como se deu o processo de expansão da sojicultura nos últimos anos?
2. Quais as repercussões na produção agrícola?
3. Quais produtos são cultivados?
4. Tipos de financiamentos voltados para o pequeno produtor?
5. Ações dos órgãos responsáveis pela regularização fundiária? INCRA, ITERMA, NEPE
(Crédito Fundiário).
6. Os pequenos produtores estão sendo inseridos na grande agricultura?
7. Os deslocamentos para a cidade, em comparação há anos anteriores ainda é intenso?
8. Para onde a população rural está se deslocando? Para a zona urbana de Balsas? Para outros
municípios vizinhos?
9. Há resistências do pequeno produtor em permanecer na zona rural?
10. Há outras organizações de apoio aos trabalhadores rurais que atuam no município?
Quais?
11. Principais mudanças relacionadas à cultura observadas nos últimos anos? Incorporação
da população local nas manifestações culturais dos sulistas?
12. Tipos de atividades culturais realizadas pela população balsense?
145
FAPCEN
1. Fazer um balanço da expansão da sojicultura nos últimos 15 anos no município.
2. Quais as perspectivas de crescimento da atividade para os próximos anos?
3. Perfil dos funcionários da empresa? São de outros estados? Há a incorporação de pessoal
do município? Que tipo de cargo exercem?
4. Como está a questão da qualificação da mão-de-obra local para trabalhar na agricultura
moderna?
5. Nos últimos anos que mudanças mais significativas foram observadas relacionadas à
cultura?
ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE SOJA
1. Fazer um balanço da expansão da soja no município de Balsas nos últimos 15 anos.
Evolução da área plantada, quantidade produzida por hectare?
2. Perspectivas de crescimento da atividade para os próximos anos?
3. Há incorporação da população local na atividade sojicultora? Que tipo de atividades
exercem?
4. Qual o perfil do trabalhador balsense? Qual o grau de escolaridade? Qual a remuneração
mensal média?
5. Como está a qualificação desse trabalhador no município?
6. Quais as principais mudanças relacionadas à cultura nos últimos anos? Há a participação
dos moradores locais nas manifestações culturais dos sulistas?
7. Houve algum tipo de conflito cultural entre os moradores de Balsas e os migrantes
sulistas?
CURSOS TÉCNICOS
1. Quais cursos são oferecidos?
2. Qual o perfil dos alunos?
3. São do próprio do município ou de outros estados?
4. Qual(is) curso(s) é(são) mais procurado(s) pela população do município e aquele(s)
procurado(s) por pessoas de outros estados?
5. Principais mudanças percebidas na cultura nos últimos anos?
SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL
1. Há professores de outros estados lecionando nas escolas municipais?
2. Existem alunos de outros estados que estudam nas escolas do município?
3. Quais as principais mudanças culturais observadas no município em função da chegada da
sojicultura?
ESCOLAS PARTICULARES
1. Qual o perfil dos alunos? São do município ou de outros estados?
2. Qual o perfil dos professores da escola? São do município ou de outros estados?
3. Quais as principais mudanças culturais observadas nos últimos anos?
CÂMARA DE VEREADORES
1. Falar sobre a proposta de criação do Maranhão do Sul? O que acha da proposta?
2. Os vereadores são do próprio município ou de outros estados?
3. Já houve algum candidato a vereador ou a prefeito de outro estado?
4. Qual a relação dos migrantes sulistas com a política local?
5. Mudanças culturais percebidas nos últimos anos?
146
Marcação de pontos (GPS) na zona urbana do município de Balsas
1. Antigo e atual “centro” do município;
2. Igreja;
3. Rio Balsas;
4. Porto Caraíbas;
5. Antigo e atual local da prefeitura;
6. Antigo e atual local dos principais bancos;
7. Área periférica atual;
8. Antigo e atual local do Bairro Cajueiro;
9. CTG (Centro de Tradições Gaúchas).
147
ANEXOS
148
ANEXO A – Reportagem da Revista Exame
O SERTÃO AGORA É ASSIM
Fonte: STEFANO, Fabiane. O sertão agora é assim. In: EXAME.COM.
<http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/0947/negocios/noticias/sertao-agora-assim-
482542>. Noticiado em 09 jul. 2009. Acessado em 20 fev. 2011.
Paranaenses e gaúchos foram os pioneiros. Agora é a vez de
investidores estrangeiros desbravarem uma das regiões que mais
crescem no campo: o MAPITOBA, área de cerrado nos estados de
Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia.
Fabiane Stefano, de Balsas, da EXAME.
No imaginário popular, o sertão nordestino é o lugar da
seca, da terra inóspita e da miséria. Datam do final do século 19 os
relatos do escritor Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, sobre a
aridez e a pobreza dos rincões do Nordeste. Mais de um século depois,
ainda há muita pobreza. Porém, num bom pedaço do sertão
nordestino, o cenário está mudando. Numa área formada pelas zonas
de cerrado de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, culturas de soja,
milho e algodão cada vez mais se misturam à paisagem. Apelidada de
MAPITOBA por alguns e BAMATOPI por outros, a região já
responde por 10% da soja produzida no país e desponta como uma das
maiores potências no agronegócio. Com 2 milhões de habitantes, esse
pedaço de Brasil ainda apresenta um PIB modesto: 6 bilhões de
dólares, equivalente ao de Belém. Mas a geração de riqueza está se
acelerando. Os produtores de grãos estabelecidos há mais tempo são
migrantes do centro-sul do Brasil, em sua maioria gaúchos e paranaenses. A eles se somou
recentemente uma leva de investidores estrangeiros e empresas do agronegócio. Foram eles
que fizeram 70% das aquisições de terras na região em 2008. A estimativa conservadora é que
a economia do MAPITOBA esteja crescendo à taxa de 10% ao ano.
A expansão é desordenada, algo muito visível em Balsas, cidade com 80000
habitantes no sul do Maranhão, visitada pela reportagem de EXAME. A cidade foi fundada
em 1918 como entreposto de negociantes do sertão. Nos anos 70, chegaram os primeiros
migrantes do Sul para participar de projetos de colonização rural. Uma década depois
começou o plantio de soja. A primeira exportação ocorreu apenas em 1992 e foi um
acontecimento na região, embora o volume fosse tão pequeno que não preenchia sequer um
compartimento de navio – a Vale, que patrocinou a venda, teve de comprar soja em Mato
Grosso para completar a carga. Em 2000, a região começou de fato a deslanchar. Hoje, quem
percorre a rodovia BR-230, no sul do Maranhão, vê bolsões de produção agrícola
entremeando extensões com vegetação de cerrado. “É tanta gente que chega a Balsas que
surgem dois ou três novos bairros por ano”, diz Francisco Coelho, prefeito da cidade.
Balsas é caótica e paradoxal. Ao mesmo tempo que boa parte das ruas não é
asfaltada e a telefonia celular ainda é precária, um hipermercado e um restaurante japonês são
ícones da chegada da modernidade. Enquanto bairros mais velhos estampam a pobreza
nordestina, casas elegantes e jardins bem cuidados surgem em outros cantos. Um loteamento
para 3400 casas, o Cidade Nova, está prestes a ser lançado e será o primeiro bairro planejado
do município. “Há muitas oportunidades aqui. Faltam desde restaurantes até profissionais de
Figura 1: Fazenda da
SLC no Maranhão: a
tecnologia garante o
crescimento de 10% ao
ano na região.
149
informática”, diz Paulo Fachin, presidente da Ceagro, produtora de grãos e revendedora de
insumos. Paranaense de Toledo, Fachin era plantador de batatas e tinha dois tratores e um
caminhão quando foi para Balsas, em 1986. Hoje, a Ceagro fatura 300 milhões de reais por
ano. No ano passado, ele vendeu 40% da empresa ao grupo argentino Los Grobo.
A movimentação de empresas abastecidas com dinheiro estrangeiro é grande na
região. A Agrinvest, controlada pelo fundo americano Ridgefield Capital, comprou no ano
passado 20000 hectares e arrendou outros 43000 para produzir grãos ao sul de Balsas. “A
remuneração ali é mais atrativa do que no Centro-Oeste”, diz Roberto Martins, diretor da
Ridgefield Capital. A Calyx Agro, sociedade formada pelo grupo francês Louis Dreyfus e a
seguradora americana AIG, avalia adquirir terras. “Há propriedades muito boas por lá.
Estamos sempre de olho em oportunidades de investimento”, afirma Harald Brunckhorst,
diretor da Calyx, que visitou o Maranhão em junho. A Calyx já cultiva 27000 hectares de soja
no oeste baiano, outro pedaço do MAPITOBA.
A região entrou na mira de investidores por reunir diversas vantagens. É uma das
áreas com maior disponibilidade de terras do país – estima-se que o estoque disponível para
novos cultivos seja de 3 milhões de hectares, o equivalente a metade da área ocupada pela
cana no Brasil. Apesar da alta procura nos últimos três anos, que já fez dobrar o valor da terra
nos melhores locais, a média de preços ainda é 40% inferior à do cerrado do Centro-Oeste. Os
investidores estrangeiros preferem o MAPITOBA também por estar fora do foco dos
ambientalistas. Ali, a obrigação de preservação ambiental é de 35% da propriedade, enquanto
no norte de Mato Grosso (considerado parte do bioma Amazônia) é de 80%. A logística é
outro ponto-chave. Boa parte da região é servida pela ferrovia Norte-Sul, operada pela Vale.
Seus trilhos transportam soja até o porto maranhense de Itaqui para ser exportada. Essa saída
está seis dias a menos de navegação da Europa do que o porto de Paranaguá, no Paraná, de
onde é embarcada a maior parte da soja produzida em Mato Grosso. A combinação entre
terras mais baratas e custo logístico inferior gera uma rentabilidade que pode chegar a 8% ao
ano – o dobro de áreas tradicionais de cerrado, segundo cálculos da consultoria AgraFNP.
A posição geográfica privilegiada, porém, é apenas parcialmente aproveitada.
Itaqui tem capacidade de exportar 2 milhões de toneladas – menos da metade do que a região
produz. O porto virou um gargalo para o crescimento do MAPITOBA. A Algar Agro, do
grupo mineiro Algar, única esmagadora de soja do Maranhão, tem planos de aumentar em
35% a capacidade de processamento. “Mas só iremos expandir quando o porto tiver
capacidade de exportar mais”, afirma o presidente Luiz Gonzaga Maciel. Há cinco anos os
empresários da região esperam a abertura de licitação para a construção de um terminal de
exportação de grãos – hoje os embarques ocorrem nos intervalos de carga de minério da Vale.
Em duas ocasiões, o processo licitatório teve início, mas foi suspenso, frustrando o consórcio
de cinco empresas, entre elas a Bunge e a Cargill, que já teria 100 milhões de reais reservados
para o projeto.
Como a expansão do porto é uma incógnita, o jeito é tentar industrializar parte da
produção agrícola por lá mesmo. Embora a produção no campo cresça acelerada no
Maranhão, no Piauí e em Tocantins, a agroindústria ainda engatinha. Essa é uma das
principais diferenças entre esse pedaço da região e o oeste da Bahia, considerado o primo rico
do MAPITOBA. São as agroindústrias que elevam a renda das localidades, pois necessitam
de mão de obra, ao passo que a agricultura empresarial é mecanizada. “Daqui a dez anos,
Balsas será o que Luiz Eduardo Magalhães é hoje”, diz Rodrigo Santos, diretor de estratégia
da Monsanto, que opera na região vendendo sementes, em referência à cidade baiana, também
do MAPITOBA, que virou um dos principais polos do agronegócio.
A primeira agroindústria de Balsas deve começar a ser construída em 2010. A
empresa pernambucana Frango Natto assinou um protocolo de intenções com o governo
maranhense para instalar em Balsas um complexo com capacidade para abater 150000 aves
150
por dia. O investimento de 146 milhões de reais deve gerar 3600 empregos diretos e indiretos.
Outra modalidade de agroindústria que deve mexer com o MAPITOBA é a fabricação de
celulose. A Suzano comprou 35000 hectares no sul do Maranhão para o plantio de eucalipto e
fará parcerias com agricultores para a formação da base florestal. No plano de investimentos
da Suzano estão previstas fábricas no Maranhão e no Piauí. “Essa região ficou adormecida
tempo demais. Hoje, cresce em progressão geométrica”, diz João Comério, diretor da unidade
florestal da Suzano. No oeste baiano, o que mais deve crescer é a produção de cana-de-açúcar,
atraindo usinas de etanol.
O combustível do crescimento é uma agricultura com alta tecnologia. No
MAPITOBA, a adoção da soja transgênica foi de 38% do total plantado na última safra. A
Monsanto estima que na próxima rodada de plantio o número chegue a 55%, participação
superior à projetada para o Centro-Oeste. O milho transgênico já ocupa metade da área. A
tecnologia de ponta também está presente no monitoramento de tratores. Como o celular é
usado para fazer isso, as vendas de internet móvel da Vivo dispararam na região. “Tocantins e
Maranhão estão entre os mercados em que mais crescemos”, afirma João Truran, diretor da
Vivo para as regiões Centro-Oeste e Norte. De janeiro a março deste ano, as vendas de
pacotes de acesso à internet cresceram 138% em Tocantins e 119% no Maranhão.
As carências do MAPITOBA implicam dificuldades para as empresas instaladas
ali. A SLC, que tem uma fazenda em Tasso Fragoso, na divisa do Maranhão com o Piauí,
utiliza linhas telefônicas de Tocantins – rede que está a mais de 100 quilômetros de distância.
O mesmo vale para a contratação de pessoal especializado. “Não é fácil levar gente para lá”,
afirma José Luiz Glaser, diretor da Cargill. O problema, claro, é também uma oportunidade.
Há dois anos, o empresário local Francisco Honaiser fundou a Faculdade de Balsas, que tem
quatro cursos universitários e 600 alunos. Investiu até agora 8 milhões de reais na escola e em
breve pretende oferecer mais seis cursos. Honaiser é um típico membro da geração de
pioneiros da região. Gaúcho de Carazinho, ele foi para Balsas para plantar arroz em 1976 e,
logo depois, abriu uma revenda de tratores. “Meus filhos tiveram de estudar fora”, diz ele.
“Agora, não só quem é de Balsas mas de toda a região poderá estudar e crescer aqui.” É assim
o novo sertão brasileiro.
151
ANEXO B – Reportagem da Revista Veja (a)
BRASIL BATE PRODUÇÃO DE SOJA ARGENTINA, MAS GANHA MENOS
Fonte: ABRIL.COM. Veja. Economia. 11/09/2011.
<http://veja.abril.com.br/noticia/economia/pais-bate-producao-de-soja-argentina-mas-ganha-
menos>. Acesso em 21 set. 2011.
País produz 75 milhões de toneladas, contra 49 milhões dos argentinos, mas país vizinho
faturou 27 bilhões de dólares com exportações ante 18 bilhões de dólares do produto
brasileiro
As exportações brasileiras de soja em grão, farelo e óleo somaram 18 bilhões de dólares em 2010, enquanto, na
Argentina, o complexo soja rendeu 27 bilhões de dólares em divisas (Paulo Fridman/Bloomberg).
A Argentina exporta mais produtos de soja com maior valor agregado
O Brasil produz mais soja, mas a Argentina ganha mais dinheiro com a exportação do
grão e seus derivados. Apesar dos desmandos do governo Kirchner, que vive em pé de guerra com os
agricultores, o país vizinho consegue mais dólares com a soja que vende ao exterior. As exportações
brasileiras de soja em grão, farelo e óleo somaram 18 bilhões de dólares em 2010, enquanto, na
Argentina, o complexo soja rendeu 27 bilhões de dólares em divisas. O levantamento é da consultoria
Abeceb.com, de Buenos Aires.
Na safra 2010/11, a produção brasileira de soja chegou a 75 milhões de toneladas, bem
acima dos 49 milhões da Argentina. Segundo Carolina Schuff, analista da Abeceb.com, duas razões
explicam a liderança da Argentina na receita, apesar da safra menor: perfis de consumo diferentes e
maior agregação de valor. Os argentinos destinam ao seu mercado interno cerca de 10% da soja que
produzem. No Brasil, esse total chega a 35%. Não só o tamanho das populações é distinto - são 39,5
milhões de argentinos contra 190 milhões de brasileiros. Mas os hábitos de alimentação entre os dois
países também mudam.
Na Argentina, as famílias cozinham com óleo de girassol, um produto caro no Brasil. Por
aqui, a preferência é pelo óleo de soja. No Brasil, a indústria de carnes de frango e suína é bem
desenvolvida, consumindo grande quantidade de farelo de soja. Na Argentina, predomina a carne
bovina. Mas é a segunda razão que preocupa. A Argentina esmaga 78% da soja, transformando o grão
em farelo e óleo – produtos de maior valor agregado. No Brasil, a taxa de esmagamento é de 48% e
boa parte dos derivados obtidos no processo atende a demanda local. (Com Agência Estado).
152
ANEXO C – Reportagem da Revista Veja (b)
A CIVILIZAÇÃO DO CAMPO
Quem são e como vivem os protagonistas da revolução do agronegócio brasileiro
Eduardo Salgado, de Cuiabá.
Edição 1873. 29 de setembro de 2004.
Fonte: VEJA ON-LINE. <http://veja.abril.com.br/290904/p_088.html>. Acesso em 21 set.
2011.
Leomar José Mess/Novo Tempo
Em Sapezal, no oeste de Mato Grosso, o milho é plantado logo depois que
as máquinas automáticas equipadas com ar-condicionado colhem a soja.
Em um dia típico de trabalho, cada uma extrai cerca de 3500 sacos. Juntos,
os tratores, plantadeiras e colheitadeiras que aparecem nesta foto
representam um investimento de 20 milhões de reais
Uma das maneiras de contar a história do Brasil é pelos ciclos agrícolas que se
sucederam na terra onde se plantando tudo dá. Do extrativismo primitivo do pau-brasil, nos
primórdios da colonização, ao moderno agronegócio atual, cada ciclo criou sua civilização
brasileira. A marca registrada de quase todas elas foi ter se erguido sobre monoculturas, quase
sempre motivadas por bolhas artificiais de demandas externas que, uma vez estouradas,
deixavam os agricultores nacionais quebrados. Foi assim sucessivamente com o pau-brasil,
com a cana-de-açúcar e com o café. Em sua História das Civilizações, o francês Fernand
Braudel (1902-1985) relata esses períodos de prosperidade exuberante logo seguidos de
frustração e pobreza, não apenas no Brasil, mas em toda a América Latina. “Essa realidade
abrupta, instável e imprevisível sempre teve o poder destrutivo de desestabilizar toda a
economia dos países”, escreveu Braudel, para concluir, em seguida: “Os países latino-
americanos só vão conseguir romper a condenação desses ciclos quando unirem agricultura
movida a pesquisa, máquinas e grandes investimentos”.
O moderno agronegócio brasileiro é justamente a feliz reunião de alta tecnologia,
equipamentos de ponta e crédito farto. Por essa conjunção de fatores, o campo brasileiro
reúne as condições materiais para escapar da maldição dos ciclos que tantas cicatrizes
deixaram na história econômica das Américas. A atual civilização do campo reflete a solidez
da base material sobre a qual está plantada. Da fronteira com o Uruguai ao Oiapoque, a
agricultura e a pecuária possuem vários níveis de desenvolvimento e tamanho, mas uma
característica em comum. As áreas de excelência ligadas ao mercado externo crescem em
toneladas produzidas e em riqueza gerada a cada ano. Partes dos três Estados do Sul, de São
153
Paulo, de Minas Gerais, da Região Centro-Oeste e de áreas cada vez maiores do Nordeste são
uma das principais locomotivas da economia. Produzem, empregam, exportam, consomem e
dão forma a uma nova civilização.
O novo avanço do setor exportador baseado no agronegócio está até turvando as
linhas da fronteira do que antes separava o mundo rural do mundo urbano. “Essas
classificações estão anacrônicas e obsoletas”, concorda José Eli da Veiga, professor de
economia da Universidade de São Paulo. Diz Lúcia Lippi Oliveira, pesquisadora do Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas:
“O homem do campo era visto como um coitado porque tinha de ir a São Paulo e Rio de
Janeiro para saber das coisas. Isso mudou. O sucesso do agronegócio fez com que o atrasado
de ontem se tornasse o globalizado de hoje”. É verdade. O agricultor de soja perdido no
interior de Mato Grosso está mais próximo do Primeiro Mundo, a cujas bolsas de mercadorias
ele se liga instantaneamente por internet, do que a dona-de-casa que compra uma lata de óleo
de soja na prateleira de um supermercado da capital.
Entre 1990 e 2002, o PIB agropecuário cresceu numa média de 3,20%, enquanto a
economia como um todo ficou em 2,70%. Nos últimos cinco anos, o ritmo de crescimento do
setor foi quase o dobro do registrado pelo país. Os agricultores brasileiros são os mais
competitivos na produção de açúcar, soja, algodão e laranja. O país já é o maior exportador
mundial de carne bovina e de frango. Junto, o agronegócio representa cerca de 35% da
economia brasileira. O Brasil só não é o maior exportador de produtos agrícolas do mundo
porque os Estados Unidos e a União Européia entopem seus produtores de subsídios e depois
despejam seus produtos no mercado internacional.
No interior, os beneficiários da riqueza que sai do solo extrapolam em muito o
universo das fazendas. A riqueza do campo está criando uma classe endinheirada bem longe
das porteiras. O que acontece no Brasil hoje comprova as pesquisas acadêmicas mais recentes
sobre os impactos do agronegócio na economia como um todo. A idéia de que a grande
lavoura beneficiava um número reduzido de pessoas e que a melhor arma contra a pobreza era
única e exclusivamente a agricultura familiar está caindo por terra. Toda vez que a produção
agrícola de um país em desenvolvimento cresce 1%, a renda dos mais pobres aumenta em
uma proporção maior, 1,6%. “Durante anos, investimos maciçamente em agricultura familiar,
mas hoje sabemos que as grandes propriedades têm igual poder de criação de empregos”,
disse a VEJA Kevin Cleaver, diretor do departamento de desenvolvimento rural do Banco
Mundial.
Como as fazendas são cada vez mais dependentes da tecnologia de ponta e da
gestão eficiente, a lista dos favorecidos inclui um contingente crescente da classe média. São
especialistas em software, engenheiros e administradores. Nos melhores hotéis de cidades
como Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, a movimentação de representantes de companhias
de comércio exterior e empresas de máquinas e serviços agrícolas é constante. Desde que
começou a operar em Rio Verde, Goiás, há quatro anos, a maior fábrica da Perdigão no Brasil
já gerou mais de 5.000 vagas. Todos esses são os chamados elos diretos da produção. Além
deles, há os que não têm ligação aparente com o setor primário, mas também estão na
corrente. Faturam vendendo para quem ganhou dinheiro com o agronegócio. São os donos e
empregados de restaurantes, universidades, construtoras e de vários outros empreendimentos
que crescem a reboque. Das nove escolas de idiomas de Rio Verde, cinco foram instaladas
nos últimos cinco anos. As classes de inglês estão cheias e a demanda por novas turmas vem
aumentando.
Ao contrário do que se pensa nos grandes centros urbanos, os produtores que
moram nas fazendas estão se tornando raridade. Isso é verdade em regiões de fronteira
agrícola e em áreas consolidadas como o interior paulista, onde nem mesmo os trabalhadores
das plantações de cana-de-açúcar gostam de passar as noites no mato. Muitas das antigas
154
colônias de peões, com casinhas geminadas, estão desabando. Os funcionários das
propriedades mais próximas às cidades pegam um ônibus para ir ao trabalho, como qualquer
empregado do setor industrial. Os usineiros, que até os anos 80 costumavam morar nas
fazendas, vivem em luxuosos condomínios fechados nas cidades, onde as casas chegam a
valer mais de 1 milhão de dólares.
Em áreas onde a concentração de cidades é menor, o normal é o agricultor morar
num centro urbano e os empregados viverem nas fazendas. Sorriso, em Mato Grosso, é uma
cidade planejada com ruas largas, áreas verdes, grandes praças e bairros residenciais. Nas
casas, o conforto é igual ao de qualquer residência de classe média alta nas capitais: piscina,
televisores de tela plana e computadores. A maior parte dos produtores tem uma ou mais
fazendas num raio de 50 quilômetros e mantém um escritório no centro da cidade. O
enriquecimento dos últimos anos aqueceu o mercado imobiliário. Um terreno de 800 metros
quadrados em regiões do cerrado que há três anos custava 20.000 reais hoje pode alcançar o
preço de 80.000. Graças ao barateamento das tecnologias de comunicação, nem mesmo a
distância das fazendas é mais problema. O acesso à internet de alta velocidade via satélite no
Centro-Oeste cresce a taxas de 400% ao ano.
Em algumas partes do Nordeste, o mercado imobiliário segue o ritmo febril do
restante da economia local. Na cidade de Luís Eduardo Magalhães, dois condomínios de alto
padrão estão sendo construídos. Um deles, com entrega prevista para o fim do ano, terá
sessenta casas, aeroporto particular com capacidade até para jatinhos executivos, campo de
golfe com 80.000 metros quadrados e nove buracos, kartódromo, quatro quadras de tênis,
campo de futebol society, loja de conveniência 24 horas e um clube com parque aquático.
Detalhe: há menos de duas décadas, a única construção que existia onde hoje floresce a cidade
de Luís Eduardo Magalhães era um posto de gasolina na beira de uma estrada ligando o nada
a coisa nenhuma. Nos pólos agrícolas bem-sucedidos de todas as regiões brasileiras, a lógica é
diferente da das capitais. As altas do dólar são sempre comemoradas porque significam mais
reais por tonelada vendida. A visão de mundo é diferente. Uma grande quebra de safra de
açúcar na Austrália, de soja nos Estados Unidos, de café no Vietnã ou de algodão no
Paquistão – que sempre passa despercebida nas metrópoles – é motivo de festa no interior.
Em Mato Grosso, o centro de lazer são as casas. Entre os mais bem-sucedidos,
elas chegam a ter 600 metros quadrados. Confortáveis e construídas em terrenos de tamanhos
impensáveis nos grandes centros, as casas se transformam em locais de encontro das famílias
nos fins de semana para o invariável churrasco. Os protagonistas do boom agrícola do Centro-
Oeste nos últimos anos são produtores que estão na faixa entre 40 e 50 anos. Os líderes de
hoje são os que chegaram à região jovens, com 20 e poucos anos, recém-casados,
acompanhando seus pais. A próxima geração está sendo formada em universidades locais ou
na Região Sul e em São Paulo.
O Brasil atingiu o atual grau de excelência porque, além de investir pesadamente
em tecnologia, conta com fazendeiros que administram suas propriedades como se fossem
empresas. Os produtores voltados ao mercado externo estão conectados, muitos de forma
simultânea, com o resto do Brasil e do mundo. Trabalham com os olhos nas telas do
computador, seja para acompanhar os preços na Bolsa de Chicago, seja para planejar novas
estratégias e investimentos. Não basta saber plantar e colher. Para ter lucro, é necessário ser
bom em todas as etapas: na compra de insumos, na produção e na comercialização. “Quem
está mal informado sobre as tendências do mercado sempre perde dinheiro”, diz Homero
Pereira, secretário de Desenvolvimento Rural de Mato Grosso.
Um número crescente de empresários do campo examina suas lavouras palmo a
palmo, digita informações sobre as condições das plantas e do solo num computador e, com a
ajuda de um aparelho de GPS, que dá as coordenadas de latitude e longitude via satélite,
registra o local exato. Essa leitura precisa permite dar o tratamento necessário a cada área da
155
propriedade. Nas lavouras de algodão, a economia chega a 15%. Do dia em que o produtor
prepara a terra até colocar o dinheiro da safra no bolso são gastos cerca de 1.800 dólares por
hectare. Se o agricultor comete algum erro que afete a produção, corre o risco de perder o
equivalente a um laptop a cada 10.000 metros quadrados.
Nas grandes plantações de cana, são usadas entre quinze e vinte variedades da planta
para reduzir os riscos com doenças. Diz Sebastião Henrique Rodrigues Gomes, diretor da Usina
Santa Elisa, de Sertãozinho, no nordeste do Estado de São Paulo: “O agronegócio se vale de uma
tecnologia que faz inveja até aos americanos”. O Brasil é reconhecido como o país que
desenvolveu o melhor pacote de tecnologias para regiões tropicais. “Com o fim dos subsídios, os
produtores foram obrigados a buscar ganhos de produtividade, e foi isso que permitiu o salto dos
últimos anos”, diz Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações
Internacionais (Icone), de São Paulo. No agronegócio, o Brasil é respeitado e temido como uma
grande potência. A civilização do campo, plugada na internet, remunerada em dólar e
umbilicalmente ligada ao mundo exterior, é a mais alvissareira mudança na topografia econômica
brasileira em muitas décadas.
CONCRETO NO CAMPO
Fotos Claudio Rossi
Há alguns anos o construtor José Roberto Pereira Alvim notou que o agronegócio fazia surgir uma nova
classe média alta nos grandes pólos urbanos do interior. Desde então, passou a construir na região de
Ribeirão Preto (SP) prédios residenciais e comerciais, além de condomínios de luxo. Em empreendimentos
desse tipo, as casas chegam a custar 3,5 milhões de reais. "Ao contrário do que se imagina, o agronegócio
não está só nas plantações", diz Alvim. Entre as obras erguidas pelo empresário figura o mais arrojado
prédio comercial de Ribeirão, sem contar nove edifícios e cinco condomínios, para públicos variados. Foi
essa base de concreto que permitiu a realização de um sonho. Há dezoito anos, Alvim comprou um
helicóptero de brinquedo, colocou-o no escritório e fez uma promessa: "Um dia vou ter um de verdade". Pois
há três anos, ele usa seu aparelho para ir a reuniões em São Paulo ou passar fins de semana no litoral. Na
fuselagem, pintou seu lema: "Só alegria".
O TERMÔMETRO DO AGRONEGÓCIO Flávio Moraes calcula a seu modo os investimentos que fez para montar há
nove anos o restaurante Fofo, um dos pontos mais conhecidos de Ribeirão
Preto, em São Paulo. "Foram uns 1 500 bezerros", diz Moraes, filho de uma
família de fazendeiros e usineiros. O restaurante serve de termômetro para os
negócios do campo. Seis de cada dez fregueses estão ligados ao agronegócio.
Com vinho e bebidas, um casal gasta cerca de 250 reais num jantar. A lotação
esgota-se invariavelmente durante a Agrishow, a mais famosa feira de
agropecuária do Brasil, que acontece todos os anos no mês de maio. A atual
novidade na clientela está no número de estrangeiros. Há muitos americanos,
mas principalmente europeus. Uma das explicações para a variação na freguesia
é o crescente interesse dos países da União Européia pelo setor sucroalcooleiro
do Brasil.
156
DO BRASIL PARA O MUNDO O cotidiano do produtor de soja Orlando Polato em nada se diferencia da rotina
de empresários bem-sucedidos das grandes capitais. Dono de 51 000 hectares de
terra, Polato mora em um apartamento de 450 metros quadrados em
Rondonópolis, Mato Grosso, e vai três vezes por ano ao exterior. "Viajo com o
objetivo de conhecer novas tecnologias para os meus negócios, mas aproveito para
esticar e fazer turismo. Só me falta conhecer o Leste Europeu", diz Polato, dono
de uma coleção de mais de 100 pares de sapato e mais de duas dezenas de ternos,
muitos das marcas Armani e Ricardo Almeida. Orlando, seu filho mais velho,
acabou de voltar de Memphis, nos Estados Unidos, onde se especializou na cultura
de algodão. Mas, apesar do gosto da família pela agricultura, Polato e seu irmão
Caetano não limitam seus negócios ao plantio. Os dois procuram diversificar os
investimentos. A família Polato tem uma empresa de transportes e logística com
100 caminhões e outra de sementes. No total, os Polato faturam 60 milhões de
dólares por ano.
Fotos Marcelo Zocchio
UMA
REFERÊNCIA
PARA OS
JAPONESES
Amante das duas
rodas desde a
adolescência, o
paulistano Antonio
Carlos Campo viu
em Rondonópolis,
em Mato Grosso, a
oportunidade de ganhar dinheiro com o que mais gostava. Há 23 anos, ele saiu de São José do Rio Preto, no
interior de São Paulo, para montar a primeira concessionária Honda na região mato-grossense. Hoje a
revendedora administrada por Campo é a que mais comercializa motos no Centro-Oeste. As vendas crescem
15% a cada ano puxadas pela expansão da soja, a principal cultura da região. O sucesso de vendas em
Rondonópolis fez da cidade uma espécie de laboratório de desenvolvimento de novos produtos Honda. A
razão é simples. Motos não só substituem bicicletas no trabalho dentro de fazendas como também
simbolizam status nas áreas urbanas. Na cidade, há uma moto para cada doze habitantes. Todos os anos,
uma equipe de profissionais sai da matriz da Honda, no Japão, para testar lançamentos e ouvir a opinião dos
consumidores de Rondonópolis e de outras cidades em Mato Grosso.
DASLU DE
SORRISO
A empresária
Valdirene Marchioro (à esq. na foto)
montou há dez anos
uma loja de 350
metros quadrados no
centro de Sorriso, no
Mato Grosso, para
atender uma clientela
exigente. Blusas básicas podem custar em média 1 800 reais. Suas coleções reúnem marcas que estão na
moda em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte. Num ambiente que mistura amizade e
negócios, Valdirene reúne as clientes para tomar chá, café ou chimarrão – uma tradição entre os sulistas que
povoaram a cidade. A cada dois ou três dias, novas peças dividem espaço nas araras da loja. Confortáveis,
os provadores, com até 3 metros quadrados, têm sofás. Algumas clientes cativas chegam a gastar 20 000
reais em uma única compra. Certos cuidados são essenciais numa cidade de 35 000 habitantes onde quase
todos se conhecem. "Tenho apenas uma peça de cada modelo e cada cor. Ninguém quer encontrar uma
amiga com roupa igual", diz Valdirene.
157
DE PROFESSORA A DECORADORA
No começo dos anos 90, Vera Lucia Biancon trocou o Rio Grande do Sul por
Mato Grosso junto com o marido, o advogado Carlos Biancon, e os filhos.
Nos primeiros anos, trabalhou como professora primária em Lucas do Rio
Verde, enquanto o marido se dedicava à produção de soja. Estimulada pelo
florescimento de uma classe com recursos na cidade, Vera Lucia decidiu
abandonar a profissão para dedicar-se à decoração. Em sua nova atividade,
trabalhou para ilustres de Lucas do Rio Verde, como o prefeito e o vice-
prefeito. Hoje, Vera Lucia ganha dez vezes mais que no magistério. "Com o
dinheiro que recebo, pago minhas despesas com roupas e embelezo minha
própria casa", diz, referindo-se à residência da família, de 800 metros
quadrados. "Antes de me mudar, eu nunca tinha vindo a Mato Grosso. Foi um
choque no início, mas hoje não troco esta cidade por nada", conta. O filho
mais velho tem 21 anos e estuda direito e administração de empresas em
Cuiabá.
A FRONTEIRA EM EXPANSÃO
Fotos Ana Araújo
O paranaense Jacob Lauck foi um dos primeiros a chegar à localidade
hoje batizada de Luís Eduardo Magalhães, em homenagem ao falecido
deputado e filho do senador Antonio Carlos Magalhães. Em 1985, Lauck
pousava seu aviãozinho agrícola onde hoje é a rua da igreja matriz. Ele
tornou-se um dos mais prósperos moradores da cidade. Além de ser o
vice-prefeito, é o sócio majoritário do Saint Louis, o mais novo hotel de
Luís Eduardo Magalhães. Os representantes de empresas ligadas ao
agronegócio estão entre os maiores clientes dos hotéis da região. Lauck é
um dos agricultores que saíram do Sul para o Nordeste e hoje têm contas
milionárias. É dono de uma fazenda de 4,5 milhões de pés de café e de
uma cobertura de 700 metros quadrados, avaliada em 1,5 milhão de reais,
no bairro mais caro da cidade com cara de fronteira agrícola, cheia de ruas
de terra e poeira.
158
ANEXO D – Reportagem da Revista Veja (c)
ESPECIAL – 1. A PROTEÍNA DO CAMPO
Fonte: Revista VEJA. Edição 2070. 23 de julho de 2008. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/230708/p_078.shtml>. Acesso em 21 set. 2011.
159
Sorriso/MT
DE GRÃO EM GRÃO
Em trinta anos, o mato, a poeira e a escuridão deram lugar à capital mundial da soja.
José Edward.
Fotos Anderson Schneider
A loja Século: roupas de grife para a elite da soja
Sorriso, no norte de Mato Grosso, é a capital mundial da soja. É o município que
mais produz o grão: 2,5 milhões de toneladas por ano. A produtividade de suas fazendas
também é a maior do mundo: 55 sacas por hectare. O município detém ainda outro recorde
internacional: tem a maior proporção de território coberto por lavouras. A riqueza da soja é
visível nas esquinas de Sorriso. Em 2005, sua prefeitura contratou o urbanista Jaime Lerner,
ex-governador do Paraná, para criar o plano diretor que norteará o crescimento da cidade até
2020, quando a população atingirá 200000 habitantes, três vezes a atual. Com base no plano,
foram abertas avenidas com canteiros ajardinados, erguidos arranha-céus e bairros inteiros
com saneamento e asfalto. Os grandes fazendeiros aboletaram-se em casas de 1000 metros
quadrados e mais de 1 milhão de reais. Os terrenos que cercam as casas dos mais
endinheirados valorizaram-se até 1000% em vinte anos. Apareceu até uma loja que os locais
consideram a sua Daslu, ícone do consumo dos ricos paulistanos. A Século abastece a elite da
soja com produtos de grifes de luxo. O plano de Lerner previu a construção de um aeroporto
para receber jatos de grande porte, que deve ser inaugurado ainda neste ano.
A prosperidade de Sorriso sintetiza o progresso que a soja semeou pelo Centro-
Oeste brasileiro. No fim dos anos 70, o lugar era coberto pelo cerrado. O único vestígio de
civilização era uma rodovia recém-construída que ligava Cuiabá a Santarém. O governo
colonizara a região com agricultores pobres do Sul do país. Lá, os desbravadores só
encontraram onças, cobras, mosquitos e doenças. Sua situação era tão desalentadora que eles
passaram a repetir como um mantra o ditado “é melhor sorrir do que chorar”. Foi daí, e não de
qualquer alusão alvissareira, que saiu o nome Sorriso. Apesar das dificuldades, o povoado foi
instalado em uma região com sol abundante, chuvas regulares e terreno plano, perfeitos para
as lavouras mecanizadas. Essas condições permitem que fazendas como as do gaúcho Darcy
Ferrarin produzam o ano inteiro. Nas entressafras da soja, ele planta milho ou capim para a
engorda de gado. A tecnologia avançada permite que ele fature vinte vezes mais do que há
dez anos plantando na mesma área.
160
Armazém da Agrosoja: criada em 1995, a processadora
fatura 80 milhões de reais por ano
O dinheiro injetado na economia pelo milionário negócio da soja abriu novas
oportunidades para os agricultores. Em 1986, Claudio Zancanaro deixou o Paraná para trabalhar
na pequena lavoura de soja de sua família. Investiu os lucros em uma fábrica de óleo e de farelo
do grão, que emprega setenta pessoas e fatura 80 milhões de reais por ano. O movimento mais
recente foi a explosão do setor de serviços. A proporção de médicos por habitante já supera em
50% o padrão recomendado e ainda há campo para esses profissionais. Há dois anos, sete médicos
e dentistas forasteiros se uniram para atender os fazendeiros ricos. A demanda por seus serviços,
que vão de exames a pequenas cirurgias, foi tão grande que outros seis especialistas se associaram
ao grupo. “Até o fim do ano, vamos instalar cinco novos consultórios na clínica”, diz a
ginecologista gaúcha Maria Teresa Endres. Seu marido, o engenheiro Antonio Adolfo, abriu a
construtora Coenza, que se tornou uma das maiores da cidade. “Nossa renda quadruplicou”, conta
o empreiteiro. Sucesso semelhante foi alcançado pelo casal de professores Natal Rêgo e Sandra
Matsuoka, que há sete anos abriu uma faculdade em Sorriso. O negócio começou oferecendo um
curso de administração em um prédio cedido pela prefeitura. Em quatro anos, o casal conseguiu
construir um câmpus próprio, onde ensina direito, letras, pedagogia, contabilidade e cursos
profissionalizantes para 850 alunos.
Graças à expansão das lavouras de soja e às centenas de empresas que se
estabeleceram na cidade em função delas, a economia municipal cresceu 64% nesta década. A
receita da prefeitura atingiu 77 milhões de reais, dez vezes mais do que quando o município foi
emancipado, em 1986. Esse salto possibilitou, entre outros avanços, o fornecimento de água
tratada e de energia elétrica para 100% das residências. Quase todas as ruas
foram pavimentadas. As dezenove escolas da rede municipal dispõem de laboratório de
informática com internet de banda larga. A prefeitura montou uma frota de 36 ônibus para servir
aos alunos que moram na zona rural. Esses benefícios estão explicitados nos indicadores sociais
locais. VEJA listou os municípios que melhor mesclaram o crescimento com desenvolvimento da
educação, da saúde e da tecnologia. Sorriso aparece em 12º lugar nessa lista. Por essa conjunção
de fatores, tornou-se uma das cidades cuja população mais cresceu nesta década: 55%.
O lado nefasto da bonança apareceu no aumento da criminalidade, que é maior do que
a média brasileira. Combater esse mal deveria ser uma das prioridades de Sorriso. Mas, por
enquanto, a prioridade da cidade ainda é acelerar seu processo de enriquecimento. Para isso,
pretende reduzir sua dependência da soja. A prefeitura dá incentivos à industrialização. Já atraiu
um frigorífico de aves e outro de peixes, que se estabeleceram na cidade para aproveitar a
proximidade das fábricas de farelo de soja, matéria-prima da ração desses animais. Agora, tenta
conquistar um terceiro, de carne bovina, e um centro de pesquisas da Embrapa. A crença em um
futuro promissor é tamanha que a prefeitura está construindo um centro de convenções para 1700
pessoas em um dos novos bairros da cidade. Os migrantes que desbravaram o cerrado mato-
grossense não encontram mais motivos para chorar.
161
ANEXO E – Considerações da banca de monografia
As considerações abaixo dizem respeito aos comentários da Profª Maristela de
Paula Andrade, entregues impressas ao autor desta monografia após a apresentação e
aprovação à/da banca. Os comentários do Profº Josoaldo Lima Rêgo, durante a arguição da
banca de monografia, não estão disponibilizados aqui por não tê-los de forma detalhada,
apenas pontual, escritas pelo autor deste trabalho durante tal momento.
Alterei parte do texto original desta monografia, levando em conta algumas
considerações da banca, porém, grande parte permanece inalterada, daí achei necessário este
(pós)anexo.
DANNIEL monografia BANCA
AGRADECIMENTOS
Danniel – aluno
Escreve muito bem, afora alguns deslizes que aponto no texto e que passo depois.
Trabalho muito bem apresentado, com charges interessantes, mapas, desenhos,
tabelas, enfim, muito cuidada a apresentação, pelo que está de parabéns.
Muito extensa e bem feita revisão bibliográfica, que vai de Rousseau a Harvey,
passando a Hobsbawn, Thompson, Porto Gonçalves, Haesbaert, Giddens, Foucault,
Wallerstein, Quijano, Profa. Gloria, até eu mesma e muitos outros.
O trabalho tem 158 páginas com os anexos. Você diz que não se escreve uma
monografia em seis meses e eu digo que não se lê uma monografia em cinco dias!! Muito
pouco tempo para a leitura. Sendo assim, não fiz a leitura rigorosa que gosto de fazer. Leio
uma vez e volto, lendo de novo, para fazer as observações, mas, desta vez, não pude.
Bem, das 158 páginas, a parte I e a parte II, perfazendo cerca de 90 páginas, são
levantamento bibliográfico, muito bem feito por sinal, mas revisão da teoria. Não que isto seja
ruim, ao contrário, mas é uma revisão separada, deslocada da análise do material empírico,
que você promete, no início.
Mesmo quando chegamos na parte III, lá pela página 93, ainda há boa parte de
revisão bibliográfica, de apropriação do trabalho de vários autores e somente na pág 100, se
não estou enganada, aparece o primeiro depoimento de alguém da ACA.
Enfim, há um grande descompasso entre a parte Teórica, a discussão dos
conceitos e a sua utilização, vis a vis a análise dos dados empíricos, sejam de entrevistas ou de
fontes secundárias. Isto me chamou muito a atenção.
162
Notei também que, apesar de indicar que utilizará a abordagem etnográfica, o
trabalho de campo, na realidade, resumiu-se a observação direta realizada na sede do
município e entrevistas.
Ultimamente tem sido muito frequente a alusão ao método etnográfico quando se
realiza algum tipo de trabalho de campo. Mas nem todo o trabalho de campo é etnográfico.
Weber e Beaud, que você cita, dizem que só há trabalho de campo etnográfico quando há
interação face a face, quando o pesquisador se encontra em um meio de interconhecimento,
quando entra em relação com seus nativos.
Isto não invalida os outros tipos de trabalho de campo ou de pesquisa, mas creio
que essa generalização abusiva da pretensa perspectiva etnográfica deveria ser repensada por
nós.
De qualquer modo, ainda que merecendo críticas (e é o que você espera, conforme
diz, da análise do seu trabalho), creio que excede o que se exige de um aluno de graduação.
De modo que creio que o trabalho cumpre, com sobra, o exigido para obtenção do grau
pretendido neste momento – o de bacharel (é isto) ou licenciado em geografia.
Começando pelas questões menores – NO ANEXO A, aquela foto é a que a
empresa exibe? Pois a foto supostamente da Fazenda SLC, no Maranhão, é uma foto de uma
mulher africana!! Está na página 148. Se é, imagino que deveria ter sido analisada. Não sei se
você o fez, pois o exíguo tempo que tive para ler talvez tenha me conduzido a uma má
leitura...
1 – RESUMO – Logo no resumo, Danniel, você diz que usará o método dialético
apoiado em abordagens quanti-qualitativas e etnográfica. Gostaria que me explicasse se o
método dialético é um método de pesquisa. Esta é uma afirmação tipo “profissão de fé” ou, de
fato, se enxerga a dialética como um método de pesquisa?
Na pág 29 você diz que usará o método dialético para observar, pensar e
interpretar os processos de territorialização na fronteira de expansão agrária... em que sentido
o método dialético é instrumento para observar os processos?
2 – Você busca as alterações sócio-espaciais e culturais. Você fala também em
mudanças culturais. Tendo reservado tantas páginas para a discussão dos conceitos de
migração, territorialização, espaço, tempo, globalização, identidade, modernidade,
multiterritorialidade e muitos outros, acha que reservou algum espaço para pensar o conceito
de cultura ou acabou se apoiando no senso comum?
3 – Em relação aos conceitos utilizados, Danniel, seu trabalho padece de um
problema: A Dicionarização dos conceitos. Até a utilização do dicionário de sociologia chama
163
bastante a atenção, pois os conceitos não são para ser utilizados como definições. A definição
fixa, congela. O conceito é um instrumento para pensar a realidade social.
4 – Em certa altura, na pág 48, você mesmo admite que as discussões contidas no
capítulo I são DEMASIADAMENTE TEÓRICAS E HETEROGÊNEAS. O problema não é
ser demasiadamente Teórico, mas qual a relação dessas leituras com o objeto de investigação?
Entendendo aqui objeto como o sistema abstrato de relações construído pelo pesquisador, que
não se confunde com a realidade empírica, empiricamente observável...
5 – Creio que José de Souza Martins parte da conceituação de frente pioneira
realizada pelos geógrafos, mas supera-a, e você aponta isto na pág 62, nota 36. Ainda assim,
diz, na mesma nota, que vai levar em consideração, no seu texto, a noção dos geógrafos de
zona pioneira. Por que? Uma questão de profissão de fé? Mas no restante do texto você usa
fronteira agrícola, fronteira agrária...
6 – A parte II, sobre o cenário da fronteira da soja – está muito bom, muito bem
apresentado. Penso somente que o trabalho do Arturo Escobar ajudaria bastante a refletir
criticamente sobre o discurso do desenvolvimento, sobretudo aquele acerca da fome. Na pág
75, por ex, tanto poderia ter usado o Escobar como também o Viola, do Antropologia do
desenvolvimento, para ir mais fundo na análise do que você chama de “frases bonitas”
encontradas nos outdoors dos empresários do agronegócio.
7 – Na pág 76 aparece a ideia de que a agricultura de coivara (penso que quer
dizer corte e queima) é degradante, degrada a natureza. A questão não é o fogo, mas o tempo
de pousio, que com o açambarcamento das terras camponesas não permite mais o tempo de
repouso necessário para que a cobertura vegetal se recupere.
8 – Na mesma pág 76 você diz que os grandes produtores sulistas “que não foram
sempre modernos” e eu provoco: e hoje eles são? São modernos quando em vez de comprar a
terra no mercado se apropriam dela fraudulentamente? São modernos quando tratam a força
de trabalho ao arrepio da legislação trabalhista? São modernos quando burlam a legislação
ambiental? Em que sentido são modernos?
9 – O que você quer dizer com: “práticas degradantes como agricultura do tipo
coivara poderão ser atenuadas caso haja programas que disponibilizem recursos, treinamento
e acompanhamento técnico...” essa não foi sempre a inspiração da assistência técnica, de tão
desastrosos resultados no Brasil?
10 – pág 82 – cita o Prof. Biné apud... os apud aparecem em inúmeras partes do
texto! Penso que é inadmissível que o aluno economize, citando apud quando poderia ter ido
direto ao texto. São textos acessíveis, curtos... por que citar apud?
164
11 – Em algumas passagens, como na pág 90 você utiliza a expressão roça de
toco. Se me lembro bem essa expressão nasce na boca dos técnicos para opor o que entendem
como agricultura atrasada, sem tecnologia, praticada pelos camponeses da região, em
oposição à pretensa agricultura moderna, praticada pelos chamados gaúchos... você diz,
referindo-se à economia camponesa – roça de toco, extrativismo e pequena criação de
animais. Há uma assimetria nas expressões... percebe? Roça de toco sendo uma expressão
estigmatizante, a meu ver. Pequena agricultura ou agricultura familiar, extrativismo e pequena
criação de animais... a ideologia dominante se insinua onde menos esperamos, no nosso texto,
por ex...
12 – Estranhei que, na parte em que você reconstitui a ocupação territorial do Sul
Maranhense, não aparece o Manoel Correia de Andrade, clássico da Geografia. Você cita o
meu trabalho e o do Murilo, mas nossa fonte é o Manoel Correia. Acho que os geógrafos
puxarão sua orelha...
13 – Ainda na pág 97 – utilizando Asselin, Gistelink, Musumeci, Paula Andrade
etc... você diz que o posseiro vai sobreviver da pecuária extensiva no Sul Maranhense. O
camponês maranhense, mesmo em áreas de pecuária tradicional, mantém a articulação da
pequena criação com a agricultura, o artesanato e o extrativismo. Creio que essa afirmação
precisaria reparos. Em seguida, você traz uma citação que entendi que seja do Luis Eduardo
Soares, que escreve sobre Lima Campos, para ilustrar algo acerca do Sul do Maranhão...
estranhei... acho que essa citação está deslocada. O que você acha?
14 – Na pág 98 você utiliza um mapa de Trovão e Feitosa. Penso que, também
aqui, a inspiração é o Manoel Correia, não? Me esclareça isto por favor.
15 – Na pág 99 Keller apud Ferreira. Acho que o trabalho de Francisca Keller (é
ela, não?) tem que ser lido na fonte!
16 – Na pág 99 você afirma que os projetos de colonização foram implantados
para tentar resolver os problemas decorrentes dos conflitos de terra. Será? Que autores
defendem isto? Há outra possibilidade: a de que os projetos de colonização tenham
circundado as enormes propriedades fundiárias de modo a oferecer força de trabalho para
esses chamados grandes projetos. O que você acha? Acho que trabalhos sobre a COLONE,
como de Alberto Arcageli ou sobre a Comarco poderiam elucidar isto.
17 – Na pág 101 – você se refere às terras da nação ou terras nacionais, conforme
coloquei no meu trabalho. Recentemente, entrei em contato com o trabalho de um historiador
sobre as fazendas da nação, fazendas públicas de gado no Período colonial e que empregavam
escravos. O nome do historiador é Solimar Oliveira. Ele contradiz a tese de que na pecuária
165
não houve trabalho escravo. De fato, a situação que encontrei, na qual a categoria de auto-
definição era “terra da nação”, o grupo era negro. Naquele momento eu não tive condições de
aprofundar essa questão.
18 – Na pág 101 você diz, se apoiando no meu trabalho, que os gaúchos teriam
sido atraídos aos Gerais de Balsas após um equívoco de uma empresa de colonização
particular. De fato, essa situação aparece no meu trabalho, mas na propaganda das terras em
Balsas. Na verdade, vieram atraídos pelos incentivos do Proterra, programa oficial na época.
19 – Na pág 105 – aparece, também com base no meu trabalho, que as áreas de
chapada eram apropriadas para atividades de extrativismo etc, atividades que não a
agricultura... Este trabalho que estamos realizando agora está nos ajudando a aperfeiçoar essa
visão um tanto chapada (para fazer um trocadilho) das chamadas chapadas e de sua oposição
ao baixão. Chapadas versus baixão e agricultura versus criação e extrativismo. Outro dia um
trabalhador disse: “pros gaúchos é tudo chapada... basta ser plano eles chamam chapada...” o
que quer dizer isto? Para os trabalhadores maranhenses nem tudo é chapada... e, podem
plantar no que eles mesmos classificam de capão, por ex, recursos que ficam nas áreas que
entendem como chapada... ou seja, temos que aperfeiçoar a etnografia e nos superar, superar
essa visão dicotômica...
20 – Ainda na pág 105, apoiando-se no meu trabalho – você diz que a atividade de
caça é uma estratégia de sobrevivência desvinculada da agricultura... na realidade, acho que
em todos os meus trabalhos estou tentando demonstrar a articulação entre várias atividades
econômicas e entre os vários domínios – usufruto comum e apropriação familiar individual/
privada...
21 – Na pág 106 você fala em extrativismo vegetal, animal e mineral... você se
refere a quê?
22 – Acho que esse depoimento apresentado na pág 106 sobre o vazio
demográfico que supostamente imperava nas chamadas chapadas e sobre a ausência de água
nessas áreas poderia ter sido melhor discutido.
23 – Ainda na pág 106 – você diz que os camponeses maranhenses ocuparam há
décadas as terras disponíveis... se estiver falando da fronteira tudo bem, mas se estiver
falando do Sul do Maranhão não é década e sim séculos. O mesmo para a Baixada...
24 – Sobre a identidade gaúcha, que aparece na pág 107, creio que uma consulta
ao trabalho de Ruben Oliven pode enriquecer seu trabalho. Chama-se a parte e o todo. Ele
trata dessa chamada diáspora gaúcha.
166
25 – Nessa parte do trabalho, páginas 108, 109 e seguintes, aparecem os
depoimentos, mas creio que você não avança na análise. Este, por exemplo da senhora F...
acho que poderia ser mais bem explorado, complementado com outros...
26 – Na pág 110 aparece no subtítulo o termo des-re-territorialização. Confesso
que não compreendo totalmente esse conceito. Entendo a ideia de que o gaúcho se
desterritorializa para re-territorializar-se no Sul do Maranhão. E também que para re-
territorializar-se ele desterritorializa os do lugar. Mas tudo junto num só termo DES-RE-
TERRITORIALIZAÇÃO, não compreendo. Isto é teu ou dos autores que utiliza? Haesbaert
usa esse conceito?
27 – Acho que aqui, a ideia de hibridização, a ideia de aculturação recíproca,
digamos assim, entre gaúchos e maranhenses, não está bem costurada. Faltam elementos para
análise. Sabe-se que maranhenses podem passar a comer churrasco, podem casar-se gaúchos e
os da terra, mas não creio que haja, na monografia, elementos para analisarmos esses
processos...
28 – Nas conclusões você fala em sertanejos posseiros. Meu trabalho mostra uma
série de segmentos camponeses – como os pequenos proprietários por exemplo, como os
arrendatários... acho que generaliza...
29 – Quando você diz que Balsas é uma zona pioneira vinculada à expansão
agrícola você está operando com o conceito de Martins, não? Não é com o dos geógrafos.
30 – Você fala na assimilação e difusão da cultura de fora (do migrante sulista)
em detrimento da cultura local. De fato, acha que tem os elementos para tirar essa conclusão?
Acho que é um bom filão de pesquisa, mas necessitaria uma análise mais acurada à luz dos
conceitos próprios da antropologia – fundamentalmente o de cultura... não?
31 – Acho que nas conclusões, na pág 124 – o tom resvala para panfleto. Você diz
que a imposição dos chamados grandes projetos é non sense... ué, é non sense para nós, mas
para os planejadores tem todo o sentido... ocorre que eles adotam um modelo e um
entendimento do que seja o desenvolvimento, o progresso... podemos, e devemos, discordar,
mas não adianta postular isto no final do nosso trabalho científico, ou seja, apelar para o
discurso político, quando a ideia seria explicar como funciona esse modelo. Coisa que, aliás,
acho que fazes bem nos primeiros capítulos.
Bom, é só. Parabéns pelo trabalho!!