ADFA 2011

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Instituição Evocação dos 50 anos do inicio da Guerra Colonial – 1961-2011 Manifesto da ADFA Evocação dos 50 anos do inicio da Guerra Colonial – 1961-2011 Guerra Colonial - Um sentimento da época Quando em 1961, já lá vão 50 anos, se iniciam em Angola os primeiros actos de violência estávamos perante o «rebentar das águas» de uma Pátria grávida de obscurantismo político, apadrinhada e controlada por um regime que, ao longo de 35 anos, não foi capaz de entender que só a Democracia e a Liberdade são os verdadeiros passos para a Dignidade. «Para Angola já e em Força» - foram as palavras de Salazar no seu discurso tétrico em 1961 e, assim, em jeito de cesariana, pelo bisturi de Salazar e não só, nasceram as ‘Trigémeas’, guerras – primeiro Angola, depois Guiné e Moçambique. São estas as três tragédias que Salazar e Caetano nos legaram em jeito de ‘Trilogia’, cujos efeitos dolorosos se perpetuaram ao longo destes 50 anos e tão visíveis são não só nos nossos corpos como na memória colectiva de todos quantos passaram pelo cais do desespero. Com a morte de Hitler e o fim da II Guerra Mundial, abre-se o caminho para o diálogo entre colonizados e colonizadores mas Salazar com a alma a ‘meia haste’ em luto pela morte de Hitler prefere continuar na senda dum colonialismo opressivo e repressivo, não ouvindo nem as vozes internas nem externas e, curiosamente, colocando aos Portugueses mais obstáculos de saída para as colónias do que para o estrangeiro. Há durante esse período, 1945/1961, houve várias tentativas de dialogo e sensibilização para a necessidade de encontrar os caminhos que conduzissem à autodeterminação, evitando a guerra que se adivinhava. A candidatura de Humberto Delgado, o Assalto ao Quartel de Beja, o Assalto ao Santa Maria, o Assalto ao Banco da Figueira da Foz e o lançamento de propaganda sobre Lisboa, o exílio do Bispo do Porto, o caso da ‘Capela do Rato’ onde padres progressistas e católicos ousam, contra a vontade de Cerejeira, abordar e meditar sobre a questão colonial tendo pela primeira vez a Pide entrado num templo para prender quem ousava pensar. Evocação dos 50 anos do inicio da Guerra Colonial – 1961-20... http://www2.adfa-portugal.com:83/adfapor/index.php?option... 1 von 5 27.02.13 20:09

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Associação dos Deficientes das Forças Armadas

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  • InstituioEvocao dos 50 anos do inicio da Guerra Colonial 1961-2011

    Manifesto da ADFA

    Evocao dos 50 anos do inicio da Guerra Colonial 1961-2011

    Guerra Colonial - Um sentimento da pocaQuando em 1961, j l vo 50 anos, se iniciam em Angola os primeiros actos deviolncia estvamos perante o rebentar das guas de uma Ptria grvida deobscurantismo poltico, apadrinhada e controlada por um regime que, ao longode 35 anos, no foi capaz de entender que s a Democracia e a Liberdade so osverdadeiros passos para a Dignidade.

    Para Angola j e em Fora - foram as palavras de Salazar no seu discursottrico em 1961 e, assim, em jeito de cesariana, pelo bisturi de Salazar e no s,nasceram as Trigmeas, guerras primeiro Angola, depois Guin eMoambique.

    So estas as trs tragdias que Salazar e Caetano nos legaram em jeito deTrilogia, cujos efeitos dolorosos se perpetuaram ao longo destes 50 anos e tovisveis so no s nos nossos corpos como na memria colectiva de todosquantos passaram pelo cais do desespero.

    Com a morte de Hitler e o fim da II Guerra Mundial, abre-se o caminho para odilogo entre colonizados e colonizadores mas Salazar com a alma a meia hasteem luto pela morte de Hitler prefere continuar na senda dum colonialismoopressivo e repressivo, no ouvindo nem as vozes internas nem externas e,curiosamente, colocando aos Portugueses mais obstculos de sada para ascolnias do que para o estrangeiro.

    H durante esse perodo, 1945/1961, houve vrias tentativas de dialogo esensibilizao para a necessidade de encontrar os caminhos que conduzissem autodeterminao, evitando a guerra que se adivinhava.

    A candidatura de Humberto Delgado, o Assalto ao Quartel de Beja, o Assalto aoSanta Maria, o Assalto ao Banco da Figueira da Foz e o lanamento depropaganda sobre Lisboa, o exlio do Bispo do Porto, o caso da Capela do Ratoonde padres progressistas e catlicos ousam, contra a vontade de Cerejeira,abordar e meditar sobre a questo colonial tendo pela primeira vez a Pide entradonum templo para prender quem ousava pensar.

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  • Todos estes factos e muitos outros ao longo dos duros anos da ditadura isolaramPortugal do Mundo e no quadro da Sociedade das Naes.

    Vrias foram as tentativas de Agostinho Neto (Angola), Eduardo Mondlane(Moambique) e Amilcar Cabral (Guin) para conversaes no sentido de evitara guerra, procurando atravs do dilogo um percurso pacfico para aAutodeterminao, salvaguardando desta forma todo o patrimnio social, culturale econmico de todas as partes envolvidas.

    Contra estas tentativas, Salazar responde:

    - Para Angola j e em Fora.

    - Havemos de chorar os mortos, se os vivos os no merecerem.

    E, perante a condenao da ONU a celebre frase: orgulhosamente ss.

    E, feridos no orgulho e no corpo, continuavamos ns a ser despejados emHospitais e Anexos e, como despojos de guerra, a ser impedidos de comunicarcom o Mundo l fora dos muros.

    Quando em Setembro de 1968, Marcelo Caetano substitui Salazar na cadeira dopoder h um vento de esperana que se levanta, h qualquer coisa no ar, algocheira a mudana mas os dilogos pareciam breves.

    Impvido e sereno, o sucessor do Dinossauro Excelentssimo, curiosamente ohomem que comandava este Palcio que nos viu nascer e crescer e hoje nosrecebe, numa das suas celebres conversas em famlia convoca os Generais acelebre brigada do reumtico para desfilar no pattico beija mo. A esseevento de triste figura faltaram dois generais que iriam ter um papeldeterminante no futuro imediato. Foram eles, ambos j homenageados pelaADFA, o General Antnio Spinola e o General Costa Gomes.

    Por esta altura j ns nos movimentamos nas enfermarias, nos corredores doshospitais, no jardim da Estrela. Nesta altura comeou a ser fecundado o vulode onde haveria de nascer a ADFA. E foram muitas as vontades, os estmulos, ossacrifcios e humilhaes que contriburam para a fertilizao da gnese daADFA:

    Entre a Estrela e Artilharia 1 (Anexo) correm palavras de ordem de motivao sada para a rua, correm abaixo-assinados que nos ajudaram a levantar do chodo nosso descontentamento e comeamos a ser vistos nas ruas, nas praas, naspraias, nos bares e casas de Fado. E comeamos a ouvir: -os coitadinhos,invlidos e comeam-se a fechar algumas portas de bares e restaurante maischiques pois, por razes de decoro os amputados, os cegos e os cadeiras derodas eram sempre um peso na conscincia dos seus chiquerrimosfrequentadores. E s vezes vinha a policia e agredia deficientes mesmo depois daidentificao. Era o nosso puto tantas vezes lembrado e almejado a receber-nosto mal. Mas foi tambm dessa revolta que a ADFA, no ento quase espontneomovimento de deficientes das foras armadas, se alicerou e concluiu que a

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  • Guerra no fazia sentido. Que a guerra cada vez mais impopular, haveria deconduzir a nossa gerao ao Cadafalso do Sacrifcio colectivo. Porque todos osdias vamos chegar mais feridos a ocupar a cama dos que morriam ou tinham altaem condies desumanas decidimos lutar. Os contactos com o movimento deCapites no foi difcil porque alguns tambm tinham sido feridos e, assim aADFA, na sua gnese, Ela tambm um verdadeiro Capito de Abril que soubeestar na Linha da Frente quando em 14 de Maio 3 semanas depois do 25 deAbril a fundamos sendo logo reconhecida pela Junta de Salvao Nacional.Inicia-se a difuso da Mensagem por todos os bairros de Lisboa do seu primeirocartaz que acabaria por ser um lema, um propsito, um desgnio: Associao dosDeficientes das Foras Armadas A Fora justa de uma Guerra injusta.

    E,Aqui estamos ns hoje, 50 anos depois do inicio da Guerra Colonial (hojeparece que j ningum tem medo de identificar assim) e quase 37 anos depois daocupao deste Palcio Aqui estamos ns, tal como dizia o ELO (a Alma daADFA) no seu primeiro nmero.

    Aqui se forjaram os SS que nos amordaaram o corpo e nos marcaram aAlma.

    Aqui queremos trabalhar na construo que Portugal livre e Democrtico sassim haver uma perfeita reintegrao dos marginalizados.

    Duas frases to actuais, que nos mobilizaram e nos mobilizam e enchem deorgulho esta ADFA impar na Luta pela Paz.

    14 de Maio de 1974 -A Fundao da ADFANs, Deficientes das Foras Armadas, somos memria viva da guerra que teveincio h 50 anos.

    Somos documento histrico impregnado das marcas duma guerra impopular.

    Somos voz autorizada na denncia dos malefcios duma guerra que poderia tersido evitada.

    Constitumo-nos, como Associao, em fora justa das vtimas duma guerrainjusta.

    Transformmo-nos, de supostos fardos sociais, em activos construtores de umasociedade melhor. Temos vivido em luta permanente pela dignidade da vida.

    A guerra surpreendeu-nos a juventude, roubou-nos os sonhos, inviabilizou-nos osprojectos e imprimiu-nos, na carne e no esprito, as marcas da sua destruio.Fomos, documento autntico que os responsveis de ento quiseram esconder,para evitar uma maior impopularidade da guerra. Sem direito cidadania e vida, deveramos ser objectos dceis do cio das senhoras desses responsveispolticos, congregadas em organizaes femininas.

    Com o fim do regime, que ajudmos a apressar, surgimos luz do dia eadquirimos existncia colectiva. Urgia, em plena liberdade, dizer quem ramos,

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  • denunciar o que nos haviam feito, expressar o nosso desejo de reintegrao sociale manifestar o nosso empenhamento na construo de uma sociedade mais justa.Assim, institucionalizmos na ADFA, logo em 14 de Maio de 1974, omovimento que, a par e em articulao com o Movimento dos Capites, era antesdo 25 de Abril a expresso possvel do nosso descontentamento.

    A fora justa das vtimas duma guerra injusta em que nos constitumos elevou avoz da denncia do passado e abriu os caminhos da reintegrao futura. Areintegrao social s fazia sentido numa sociedade livre e liberta da guerra.

    Ns, Deficientes das Foras Armadas, tnhamos ento autoridade, e usmo-la,para ajudar a eliminar preconceitos imperiais restantes, contribuindo deste modopara o cumprimento de um dos trs objectivos do Movimento das ForasArmadas, a descolonizao. Quem esperava ver em ns a expresso da frustraodo combate abandonado enganou-se.

    Quem, com apelo a patriotismos ultrapassados, procurou brandir-nos comobandeira desiludiu-se.

    Contribumos igualmente para a democratizao, segundo objectivo doMovimento das Foras Armadas, pondo fim perniciosa aco das instituiesque o regime usava para encobrir a dimenso humana e social dos efeitos daguerra.

    A inviabilizao do saudosismo e o afastamento dos instrumentos polticosencobridores da guerra e das suas consequncias foram meios indispensveis nossa reintegrao social, mas foram igualmente contributos polticos para atransio pacfica para a democracia. No difcil imaginar o que teria sucedidose o nosso posicionamento tivesse sido activamente o oposto.

    O apoio popular nossa determinao abriu caminho para a reintegrao social.O sucesso da nossa luta resultou da conjugao de duas aspiraes profundas: anossa, de nos reintegrarmos, e a da sociedade, de nos reintegrar.

    Inaugurmos uma nova era na concepo social dos deficientes de guerra,baseada j no apenas no valor simblico do sacrifcio, mas tambm no valor realda vida. O direito reparao que nos era devida consubstanciava-se mais nascondies materiais e sociais proporcionadoras de uma vida vivida comdignidade do que em honrarias.

    Reintegrar era rigorosamente garantir uma vida tanto quanto possvel semelhante que levaramos se no tivesse ocorrido a deficincia. Da a rejeio daclassificao dominante de invlido, a valorizao das capacidades restantes, areclamao do direito ao trabalho e a firme disposio de participar naturalmenteem todos os domnios da vida, pessoal, familiar, social e poltica. Pretendemosapenas que a deficincia no mais fosse impedimento da plena cidadania.

    Colectivamente, fomos, no domnio pblico, a negao da tradicional noo deesplio humano de guerra. A urgncia da reintegrao social deixou traos danossa passagem pblica, mas assim teve que ser, porque as autoridades novas,

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  • pelo 25 de Abril geradas, lendo por vezes por cartilhas velhas, a isso nosobrigaram. Foi imediata a sintonia de sentimentos entre ns e a sociedade, masmediou algum tempo entre o incio da nossa luta e o reconhecimento da suajusteza por parte dos representantes do Estado.

    De oficial peso morto da Nao, de suposto fardo social, surgimos como foraviva, ao servio da construo de uma sociedade melhor.

    Atribuindo a ns prprios o estatuto de cidados teis, fazendo das nossascapacidades restantes, que a nossa vontade aumentou, produo de trabalho til,colocmo-nos ao servio do desenvolvimento, terceiro objectivo do Movimentodas Foras Armadas.

    Estivemos na base de uma nova concepo da integrao social dos deficientes,convocando para este processo interactivo a prpria sociedade. Uma novapoltica nacional de reabilitao se iniciou, tendo como primeira prioridade amudana de atitudes face s pessoas com deficincia.

    Forando a nossa reintegrao social, fomos e somos exemplo e incentivo paratodos quantos, por fora de uma deficincia, experimentam a marginalizao enaturalmente anseiam a integrao.

    A integrao social, para ns e para todas as pessoas com deficincia, um fimem permanente busca, por isso a nossa luta continua. Tem sido, e continuar aser a luta pela dignidade da vida, de que no abdicamos.

    Lisboa, 16 de Abril de 2011

    A Direco Nacional da ADFA

    ________________________Jos Eduardo Gaspar Arruda

    Presidente

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