AC¸OES E GEOMETRIA TRANSVERSA DAS FOLHEAC¸˜ OES … · First we construct smooth embeddings of...

47
AC ¸ ˜ OES E GEOMETRIA TRANSVERSA DAS FOLHEAC ¸ ˜ OES HOLOMORFAS EM R n E C 2 Alexandre de Souza Soares UFRJ - Doutorado em Matem´atica Carlos Arnoldo Morales Rojas Doutor Rio de Janeiro 2005

Transcript of AC¸OES E GEOMETRIA TRANSVERSA DAS FOLHEAC¸˜ OES … · First we construct smooth embeddings of...

ACOES E GEOMETRIA TRANSVERSA DAS FOLHEACOES HOLOMORFAS EM Rn E C2

Alexandre de Souza Soares

UFRJ - Doutorado em Matematica

Carlos Arnoldo Morales RojasDoutor

Rio de Janeiro

2005

Soares, Alexandre de Souza

Ac~oes e Geometria Transversa das Folheac~oes Holomorfas em R^n e

C^2 / Alexandre de Souza Soares. -- Rio de Janeiro UFRJ / IM,

2005.

v, 38 f. 28 cm.

Orientador Carlos Arnoldo Morales Rojas

Tese (doutorado) -- UFRJ / Instituto de Matematica, 2005.

Inclui Bibliografia.

1. Ac~ao de Grupo. 2. Homeomorfismo. 4. Crescimento

Exponencial 5. Medida Invariante. 6. Campos Vetoriais Holomorfos.

7. Folheac~oes Holomorfas. 8. 3-Variedades. 9. Transversalidade -

Tese. I. Morales, Carlos. II. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Instituto de Matematica. III. Tıtulo.

ACAO E GEOMETRIA TRANSVERSA DAS FOLHEACOES HOLOMORFAS EM Rn E C2

Alexandre de Souza Soares

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Matematica da Universidade Federaldo Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessarios a obtencao do grau deDoutor.

Aprovada por:

Prof. Carlos Arnoldo Morales Rojas - Doutor (UFRJ)

Prof. Marcio Gomes Soares - Doutor (UFMG)

Prof. Paulo Henrique Cabido Gusmao - Doutor (UFF)

Prof. Luiz Amancio Machado de Sousa Junior - Doutor (UNIRIO)

Prof. Maria Jose Pacıfico - Doutor (UFRJ)

Prof. Walcy Santos - Doutor (UFRJ)

Rio de Janeiro

2005

Dedicado a Jose Castellani

In Memoriam

Com o amor fraterno que nos une como verdadeiros irmaos

Agradeco aos meus familiares, amigos, professores e colegas pela convivencia durante o pro-grama de doutorado. Em especial aos professores Carlos Morales, meu orientador, Bruno Scardua,que me orientou inicialmente, e Walcy Santos, minha orientadora de Mestrado e Graduacao, cujosconselhos durante o Doutorado foram imprescindıveis.

Agradeco aos membros da Banca pela leitura do trabalho e participacao.Agradeco aos meus pais, que me protegendo e amparando com carinho e amor, fizeram com

que eu pudesse trilhar o caminho que ora me trouxe a este ponto.Agradeco ainda ao amigo Wanderley Clerio de Queiroz, com eterno carinho e profunda ad-

miracao.

i

Resumo

Este trabalho consiste de duas partes bem distintas, cada uma correspondendo a um de seus capıtulos.No Capıtulo 1 investigamos propriedades e a existencia de medidas invariantes pela acao de certosgrupos G de homeomorfismos de Rn. Primeiro mostramos que se G e abeliano e contem n translacoeslinearmente independentes, entao existe uma medida de Borel G-invariante em Rn que e finita emconjuntos compactos. Depois consideramos o conjunto H(Rn) de homeomorfismos g de Rn tais que‖x‖ = ‖y‖ implica ‖g(x)‖ = ‖g(y)‖ para todos x, y ∈ Rn. Mostramos que se G e finitamente gerado,G ⊂ H(Rn) e existe x ∈ Rn tal que G(x) possui crescimento nao-exponencial, entao existe uma medidade Borel G-invariante nao-trivial em Rn que e finita em conjuntos compactos nao contendo 0. Esssesresultados generalizam resultados anteriores devidos a J. Plante ([3]) sobre grupos agindo em R. NoCapıtulo 2 investigamos a transversalidade entre campos vetoriais holomorfos em C2 e 3-variedades.Primeiro construımos mergulhos suaves do 3-toro e de S2 × S1 em C2. Em seguida estudamos atransversalidade entre essas variedades mergulhadas e campos vetorias holomorfos lineares, fazendologo depois o mesmo para um campo vetorial na forma normal de Poincare-Dulac. Esses resultadosestendem um teorema anterior devido a A. Haefliger ([7]).

ii

Abstract

This work consists of two very distinct parts, each corresponding to one of its chapters. In Chapter1 we investigate properties and existence of invariant measures for the action of certain groups Gof homeomorphisms of Rn. First we show that if G is abelian and contains n linearly independenttranslations, then there is aG-invariant Borel measure on Rn which is finite on compact sets. Afterwardwe consider the set H(Rn) of homeomorphisms g of Rn such that ‖x‖ = ‖y‖ implies ‖g(x)‖ = ‖g(y)‖for all x, y ∈ Rn. We show that if G is finitely generated, G ⊂ H(Rn) and there is x ∈ Rn such thatG(x) has non-exponential growth, then there is a G-invariant non-trivial Borel measure on Rn which isfinite on compact sets not containing 0. These results generalize previous results by J. Plante ([3]) ongroups acting on R. In Chapter 2 we investigate the transversality between holomorphic vector fieldson C2 and 3-manifolds. First we construct smooth embeddings of the three-torus and of S2 × S1 intoC2. Afterward we study the transversality between these embedded manifolds and linear holomorphicvector fields and a vector field in the Poincare-Dulac normal form. These results extend a previoustheorem by A. Haefliger ([7])

iii

Conteudo

1 11.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.3 Fatos preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.3.1 Fatos conhecidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.3.2 Propriedades de H(Rn) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.4 Prova do Teorema 1.1.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2 122.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122.2 Fatos Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.3 Mergulhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.4 Prova do Teorema 2.1.2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272.5 Prova do Teorema 2.1.3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292.6 O caso nao linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

iv

Apresentacao

Este trabalho de tese e constituıdo de duas partes distintas, resultado de duas linhas depesquisa em fases diferentes do curso.

O primeiro assunto do trabalho e abordado no Capıtulo 1, enquanto o segundo assunto e otema do Capıtulo 2.

No Capıtulo 1, estudamos a existencia e as propriedades de medidas em Rn invariantespor certos grupos de homeomorfismos. Mais especificamente, tratamos da existencia de medidasinvariantes por dois tipos de grupos de homeomorfismos de Rn. O primeiro tipo e um grupo abelianocontendo n translacoes linearmente independentes. Mostramos que para esse tipo de grupo, sempreexiste uma medida de Borel nao-trivial em Rn que e finita em conjuntos compactos e invariantepelos homeomorfismos do grupo. O segundo tipo de grupo estudado e um subgrupo do grupo H(Rn)formado por todos os homeomorfismos g : Rn → Rn tais que ‖x‖ = ‖y‖ implica ‖g(x)‖ = ‖g(y)‖ paraquaisquer x e y em Rn. Provamos que se um grupo G ⊂ H(Rn) possui uma orbita com crescimentonao-exponencial, entao existe uma medida de Borel nao-trivial G-invariante em Rn que e finita emconjuntos compactos nao contendo 0. Nosso resultado generaliza resultados anteriores devidos aJ. Plante, que estudou os casos acima para n = 1 em [3].

No Capıtulo 2, estudamos a transversalidade de algumas folheacoes holomorfas em C2 comduas 3-variedades reais mergulhadas nesse espaco. O estudo da transversalidade entre variedadesreais e folheacoes holomorfas possui um interesse proprio, porem em nosso caso somos motivados porum resultado devido a A. Haefliger (Fact 2 em [7]) que passamos a explicar. Seja Z = x ∂

∂x + λy ∂∂y

um campo vetorial holomorfo linear em C2. O resultado de A. Haefliger diz que se λ ∈ C \ R entaoexiste um mergulho do 3-toro em C2 transversal a folheacao holomorfa dada por Z. Estendemos estereaultado provando que existe um mergulho do 3-toro em C2 que e transversal a Z se e somente seλ ∈ C \R. Alem disso, mostramos que existe um mergulho da variedade S2×S1 em C2 com a mesmapropriedade. Mostramos ainda que esses mergulhos nao sao transversais a uma folheacao holomorfadada por um capo na forma normal de Poincare-Dulac.

Alexandre de Souza Soares

Rio de Janeiro, Novembro de 2004

v

Capıtulo 1

1.1 Introducao

Seja G um grupo topologico. Suponhamos G finitamente gerado. Seja G1 ⊂ G um conjuntogerador finito simetrico, e seja Gn o conjunto de todos os elementos de G que podem ser escritos comouma palavra de tamanho menor ou igual a n nos elementos de G1. Denote por |A| a cardinalidade doconjunto A. Dizemos que G possui crescimento nao-exponencial se lim infn→∞ 1

n log |Gn| = 0. Essadefinicao independe do conjunto gerador G1. Se G e um grupo de homeomorfismos de um espacometrico X, entao uma medida µ em X e G-invariante se µ(g(A)) = µ(A) para todo subconjuntomensuravel A. Se x ∈ X e A ⊂ G escrevemos A(x) = {g(x) : g ∈ A}. Se A = G entao G(x) e chamadoa G-orbita de x. Dizemos que G(x) possui crescimento nao exponencial se lim infn→∞ 1

n log |Gn(x)| =0, onde Gn(x) = {g(x) : g ∈ Gn}. Denotamos por Fix(g) o conjunto dos pontos fixos de g ∈ G.

Em [3] J. Plante estudou grupos G de homeomorfismos de R e provou o seguinte.

Teorema 1.1.1. Seja G um grupo de homeomorfismos de R.

1. Se G e abeliano e existe g ∈ G tal que Fix(g) = ∅, entao existe uma medida de Borel nao-trivialG-invariante em R que e finita em conjuntos compactos.

2. Se G e finitamente gerado, cada elemento de G preserva a orientacao e existe x ∈ R tal que G(x)possui crescimento nao-exponencial, entao existe uma medida nao-trivial G-invariante que e finita emsubconjuntos compactos de R.

Neste trabalho generalizamos esse resultado para grupos de homeomorfismos de Rn, n ≥ 2.Em particular consideramos H(Rn), o conjunto de todos os homeomorfismos g : Rn → Rn tais que‖x‖ = ‖y‖ implica ‖g(x)‖ = ‖g(y)‖ para todos x, y ∈ Rn. Escolhemos H(Rn) pois e o grupo maisnatural a considerar quando tentamos inicialmente generalizar as tecnicas de Plante [3] a gruposde homeomorfismos de espacoes de dimensoes mais altas. A escolha tambem foi influenciada porresultados iniciais (nao apresentados no presente trabalho) que foram inicialmente obtidos para umgrupo especial de homeomorfismos de R × S1 = R2 \ {0}, e posteriormente adaptados a situacaopresente de homeomorfismos de Rn.

Nosso principal resultado e o seguinte.

1

1.2. Exemplos 2

Teorema 1.1.2. Seja G um grupo de homeomorfismos de Rn.

i. Se G e abeliano e contem n translacoes linearmente independentes, entao existe uma medida deBorel G-invariante nao-trivial em Rn que e finita em conjuntos compactos.

ii. Se G e finitamente gerado, G ⊂ H(Rn) e existe x ∈ Rn tal que G(x) possui crescimento nao-exponencial, entao existe uma medida de Borel G-invariante nao-trivial em Rn que e finita em con-juntos compactos nao contendo 0.

Este capıtulo e organizado como se segue . Na Secao 1.2 apresentamos alguns exemplos. Emparticular, no Exemplo 1.2.5 derivamos os resultados de Plante mencionados acima do Teorema 1.1.2.Na Secao 1.3 enunciamos alguns fatos conhecidos e propriedades de H(Rn) a serem usados na prova doTeorema 1.1.2. Na Secao 1.4 provamos o Teorema 1.1.2. O Teorema 1.1.2-(i) sera uma consequenciadireta de um resultado em [1]. O Teorema 1.1.2-(ii) seguira do Teorema 1.3.2, Teorema 1.3.3 e daspropriedades dos homeomorfismos em H(Rn) obtidas na Secao 1.3.

1.2 Exemplos

Nesta secao apresentamos tres exemplos de elementos e grupos em H(Rn). Em particular,deduzimos o Teorema 1.1.1 a partir do Teorema 1.1.2 no Exemplo 1.2.5.

Exemplo 1.2.1. O conjunto H(Rn) contem o conjunto de rotacoes de Rn. Em particular, se G e umsubgrupo do conjunto de rotacoes geradas por uma quantidade finita de elementos que comutam, entaoG satisfaz as hipoteses do Teorema 1.1.2-(ii).

Exemplo 1.2.2. Seja G um grupo de homeomorfismos de R2 gerado por uma quantidade finita deaplicacoes da forma

f(x) = αe||x|| ·Rβ·||x||(x),

onde α ∈ R∗+, β ∈ R e Rθ denota a rotacao com angulo θ. Entao, G e finitamente gerado e estacontido em H(Rn).

Nosso ultimo exemplo necessita de dois fatos elementares. O primeiro usa o Lema 1.3.4 cujaprova sera dada na Subseccao 1.3.2.

Proposicao 1.2.3. H(Rn) e um grupo.

Demonstracao. A identidade e a composicao de dois elementos de H(Rn) verifica-se facilmente per-tencerem a H(Rn). Para ver que H(Rn) e fechado para a inversao, seja g ∈ H(Rn) e suponha quex, y ∈ Rn sao tais que ‖x‖ = ‖y‖. Nao podemos ter ‖g−1(x)‖ < ‖g−1(y)‖ pois do contrario terıamos‖x‖ < ‖y‖ pelo Lema 1.3.4, o que e absurdo. Analogamente nao podemos ter ‖g−1(x)‖ > ‖g−1(y)‖.Segue que ‖g−1(x)‖ = ‖g−1(y)‖ o que prova que g−1 ∈ H(Rn). O resultado segue.

1.2. Exemplos 3

Denote por Homeo+(R) o grupo dos homeomorfismos que preservam orientacao em R.

Proposicao 1.2.4. Para todo n ∈ N∗ existe um monomorfismo i : Homeo+(R) → H(Rn).

Demonstracao. Se g ∈ Homeo+(R), entao g e estritamente crescente e logo

limt→−∞ g(t) = −∞

pois g e sobre R. Considerando R como (0,+∞) podemos considerar g como uma aplicacao g :(0,+∞) → (0,+∞). O ultimo limite implica entao

limt→0+

g(t) = 0. (1.1)

Fixe n ∈ N∗. Defina g : Rn → Rn por

g(x) =

g(‖x‖) x

‖x‖ se x 6= 0

0 se x = 0.(1.2)

Obviamente g satisfaz g(−x) = −g(x). Alem disso, a Equacao 1.2 implica

‖g(x)‖ = g(‖x‖). (1.3)

Temos que g e contınua em Rn. De fato, so necessitamos verificar a continuidade na origem 0 ∈ Rn.Para tanto, seja xk ∈ (Rn)∗ uma sequencia convergindo para 0. Entao ‖xk‖ → 0+ e logo

limk→∞

‖g(xk)‖ = limk→∞

g(‖xk‖) = 0

pelas Equacoes 1.1 e 1.3. Consequentemente g e contınua em Rn.Temos ainda que g e um homeomorfismo com inversa g−1. De fato,

g−1(g(x)) = g−1

(g(‖x‖) x

‖x‖)

= g−1(g(‖x‖))g(‖x‖) x

‖x‖g(‖x‖) = x,

devido a (1.2), (1.3) e o fato de que g−1(g(‖x‖)) = ‖x‖.Alem disso, g ∈ H(Rn). De fato, sejam x, y ∈ Rn tais que ‖x‖ = ‖y‖. Por (1.3) temos

‖g(x)‖ = g(‖x‖) = g(‖y‖) = ‖g(y)‖

provando que g ∈ H(Rn) pois g e um homeomorfismo.Agora defina i : Homeo+(R) → H(Rn) por

i(g) = g.

1.3. Fatos preliminares 4

Temos que i e um homomorfismo. De fato para todos h, g ∈ Homeo+(R) e x ∈ (Rn)∗ everdade que

(h ◦ g)(x) = h(g(‖x‖)) x

‖x‖e

x

‖x‖ =g(‖x‖)g(‖x‖) ·

x

‖x‖ =g(‖x‖) x

‖x‖‖g(‖x‖) x

‖x‖‖=

g(x)‖g(x)‖ .

Entao,

(h ◦ g)(x) def.= h(g(‖x‖)) x

‖x‖(1.3)= h(‖g(x)‖) g(x)

‖g(x)‖ = h(g(x)) = (h ◦ g)(x)

provando que i e um homomorfismo.Temos que i e um monomorfismo. De fato, se g(‖x‖) x

‖x‖ = x para todo x ∈ (Rn)∗, entao∥∥g(‖x‖)∥∥ = ‖x‖ para todo x ∈ (Rn)∗, e logo g = Id provando que Ker(i) = 1.

Exemplo 1.2.5. usando a Proposicao 1.2.4 podemos construir para todo n ∈ Rn exemplos de grupos Gde homeomorfismos em H(Rn) satisfazendo as hipoteses do Teorema 1.1.2-(ii): E suficiente considerargrupos G ⊂ Homeo+(R) com essas propriedades e definir G = i(G) ⊂ H(Rn), onde i e o monomorfismoda Proposicao 1.2.4. O Teorema 1.1.2-(ii) entao se aplica para encontrar uma medida de Borel G-invariante nao-trivial em Rn que e finita em conjuntos compactos nao contendo 0. Usando estaobservacao podemos provar o Teorema 1.1.1-(2) colocando n = 1 e considerando a medida obtidadefinida apenas em subconjuntos de (0,+∞). O Teorema 1.1.1-(1) pode ser provado como se segue.Seja G um grupo abeliano de homeomorfismos de R possuindo g ∈ G tal que Fix(g) = ∅. Como odomınio de g e R podemos olhar g como uma translacao, e entao o Teorema 1.1.2-(i) se aplica.

1.3 Fatos preliminares

Nesta secao enunciamos alguns fatos bem conhecidos e propriedades a serem usadas na provado Teorema 1.1.2.

1.3.1 Fatos conhecidos

Lembremos que um grupo topologico G e amenable se ele possui uma medida aditiva in-variante pela esquerda de medida total 1 definida em todos os subconjuntos de G (veja [1]). Todosos grupos abelianos e aqueles que possuem crescimento nao-exponencial sao amenable. A prova doTeorema 1.1.2-(i) e baseada no seguinte resultado [1].

Teorema 1.3.1. Seja G um grupo topologico localmente compacto amenable que age continuamenteem um espaco compacto Hausdorff X. Entao existe uma medida de Borel µ em X que e invariantepela acao de G tal que µ(X) = 1.

1.3. Fatos preliminares 5

Agora enunciamos dois resultados de [2]. Recordemos que um pseudogrupo de homeomorfis-mos de um espaco topologico X e um conjunto Γ de homeomorfismos entre subconjuntos de X quesatisfazem as seguintes propriedades (D(g) e R(g) denotam respectivamente o domınio e a imagem deg):

1. A identidade id : X → X pertence a Γ

2. Se g ∈ Γ entao g−1 ∈ Γ

3. Se g1, g2 ∈ Γ com D(g1) ∩ R(g2) 6= ∅ entao g1 ◦ g2 ∈ Γ, D(g1 ◦ g2) =g−12 (D(g1) ∩R(g2)) e

R(g1 ◦ g2) = g1(D(g1) ∩R(g2))

4. Se g1, g2 ∈ Γ e g1(x) = g2(x) para todo x ∈ D(g1) ∩ D(g2), defina

g1 ∪ g2(x) =

g1(x) se x ∈ D(g1)

g2(x) se x ∈ D(g2).

Se g1 ∪ g2 : D(g1) ∪ D(g2) →R(g1) ∪R(g2) e um homeomorfismo entao g1 ∪ g2 ∈ Γ

5. Se g ∈ Γ e S ⊂ D(g) entao a restricao de g a S e um elemento de Γ.

Um pseudogrupo Γ e gerado por um conjunto Γ1 ⊂ Γ se todo elemento γ ∈ Γ e obtido doselementos de Γ1 aplicando-se uma sequencia finita das operacoes descritas em (2)-(5) acima.

Em particular, qualquer grupo G de homeomorfismos de um espaco topologico X pode serconsiderado como um pseudogrupo de homeomorfismos de X se adicionarmos a G todas as restricoesde seus elementos a subconjuntos de X. No que se segue abaixo, consideraremos grupos de homeo-morfismos como pseudogrupos de homeomorfismos desta maneira.

Se Γ e finitamente gerado, sejam Γ1 ⊂ Γ um conjunto gerador finito simetrico, Γn o conjuntode todos os elementos de Γ que podem ser escritos como uma palavra de comprimento menor ouigual a n nos elementos de Γ1, e seja x ∈ X. Γ e dito possuir crescimento nao-exponencial em x

se lim infn→∞ 1n log |Γn(x)| = 0, onde Γn(x) = {g(x) : g ∈ Γn}. Um pseudogrupo Γ gerado por uma

quantidade enumeravel de elementos possui crescimento nao-exponencial em x ∈ Γ se ele pode serescrito como uma uniao crescente Γ = ∪∞i=1Γi, Γi ⊂ Γi+1 de pseudogrupos Γi finitamente gerados comcrescimento nao-exponencial. Se G e um grupo que possui crescimento nao-exponencial, entao G(x)possui crescimento nao-exponencial em x (como orbita de pseudogrupo) para todo x.

Teorema 1.3.2. Seja Γ um pseudogrupo gerado por uma quantidade enumeravel de homeomorfismosde um espaco metrico compacto X. Se Γ possui crescimento nao-exponencial em x ∈ X, entao existeuma medida de Borel µ em X com as seguintes propriedades:

1. µ e Γ-invariante.

1.3. Fatos preliminares 6

2. µ(X) = 1.

3. suppµ ⊂ Γ(x).

Teorema 1.3.3. Seja Γ um pseudogrupo de homeomorfismos de um espaco X. Seja K ⊂ X compactoe seja ΓK ⊂ Γ a restricao de Γ a K. Suponha que ΓK preserva uma medida finita (finitamenteaditiva) µK definida no anel gerado pelos conjuntos compactos de K. Suponha que X e coberto porconjuntos abertos da forma D(γ) onde γ ∈ Γ e R(γ) ⊂ K. Entao µK possui uma unica extensao auma medida Γ-invariante µ que esta definida no anel gerado pelos subconjuntos compactos de X e efinita em conjuntos compactos.

1.3.2 Propriedades de H(Rn)

Recordemos que H(Rn) e o conjunto de homeomorfismos g de Rn tais que ‖x‖ = ‖y‖ implica‖g(x)‖ = ‖g(y)‖ para todos x, y ∈ Rn.

Lema 1.3.4. Se g ∈ H(Rn) e x, y ∈ Rn satisfazem ‖x‖ < ‖y‖, entao

‖g(x)‖ < ‖g(y)‖.

Demonstracao. Seja St = {z ∈ Rn : ‖z‖ = t}, t > 0, a esfera de raio t centrada na origem. Peladefinicao de H(Rn), temos g(S‖y‖) ⊂ S‖g(y)‖. Como g e um homeomorfismo e S‖y‖ e compacto econexo devemos ter g(S‖y‖) = S‖g(y)‖. A imagem g(B‖y‖) da bola solida B‖y‖ = {z ∈ Rn : ‖z‖ ≤ ‖y‖}e um subconjunto compacto de Rn, e pela invariancia do domınio devemos ter ∂g(B‖y‖) = S‖g(y)‖ eg(B‖y‖) deve ser a bola solida de raio ‖g(y)‖ centrada na origem. Como ‖x‖ < ‖y‖, x pertence aointerior de B‖y‖, logo g(x) pertence ao interior de g(B‖y‖). Isso prova que ‖g(x)‖ < ‖g(y)‖.

Lema 1.3.5. Sejam g ∈ H(Rn), {xn} uma sequencia de pontos em Rn, e seja y ∈ Rn tal que ‖xn‖converge para ‖y‖. Entao ‖g(xn)‖ converge para ‖g(y)‖.

Demonstracao. Considere a sequencia zn = ‖xn‖‖y‖ y. Claramente zn converge para y, logo g(zn) con-

verge para g(y), o que implica que ‖g(zn)‖ converge para ‖g(y)‖. O resultado segue observando que‖g(xn)‖ = ‖g(zn)‖.

Utilizaremos a seguinte notacao para E ⊂ Rn e G ⊂ H(Rn):

inf‖ ‖E = inf{‖x‖ : x ∈ E}, sup‖ ‖E = sup{‖x‖ : x ∈ E}.

DefinaFix‖ ‖G = {x 6= 0 : ‖g(x)‖ = ‖x‖∀g ∈ G} .

1.3. Fatos preliminares 7

Se J ⊂ H(Rn) (nao necessariamente um grupo), e x ∈ Rn, definimos

J(x) = {g(x) : g ∈ J}.

Um grupo G ⊂ H(Rn) e ilimitado se

inf‖ ‖G(x) = 0 e sup‖ ‖G(x) = +∞, ∀x ∈ (Rn)∗.

Observe que se G ⊂ H(Rn) e ilimitado entao Fix‖ ‖G = ∅. Reciprocamente temos

Lema 1.3.6. Se G ⊂ H(Rn) e Fix‖ ‖G = ∅, entao G e ilimitado.

Demonstracao. Provamos apenas que inf‖ ‖G(x) = 0 ∀x 6= 0, uma vez que a prova de que sup‖ ‖G(x) =+∞ e analoga. Por contradicao suponha que ∃x ∈ Rn tal que

δdef= inf‖ ‖G(x) > 0.

Tome y ∈ Rn tal que ‖y‖ = δ. Como Fix‖ ‖G = ∅ existe g ∈ G tal que ‖g(y)‖ 6= ‖y‖. Tomandoa inversa se necessario podemos supor que ‖g(y)‖ < ‖y‖. Tome uma sequencia xn ∈ G(x) tal que‖xn‖ → ‖y‖. Pelo Lema 1.3.5 temos

‖g(xn)‖ → ‖g(y)‖.

Como ‖g(y)‖ < ‖y‖ a convergencia acima implica que

‖g(xn)‖ < ‖y‖ = δ

para n suficientemente grande. Como xn ∈ G(x) temos g(xn) ∈ G(x) que e um absurdo pela definicaode δ. Isso prova que inf‖ ‖G(x) = 0 como querıamos.

Seja G ⊂ H(Rn) finitamente gerado com conjunto gerador G1. Para todo x ∈ Rn definimosKx(G1) ⊂ Rn por

Kx(G1) ={z ∈ Rn : inf‖ ‖G1(x) ≤ ‖z‖ ≤ sup‖ ‖G

1(x)}. (1.4)

No que se segue Int(B) denota o interior de B.

Lema 1.3.7. Seja G ⊂ H(Rn) um grupo finitamente gerado tal que Fix‖ ‖G = ∅. Se G1 e um conjuntogerador finito e simetrico de G, e x 6= 0, entao G(y) ∩ Int(Kx(G1)) 6= ∅ para todo y 6= 0.

Demonstracao. Tome y 6= 0. Vamos provar a conclusao do lema supondo que

‖y‖ < inf‖ ‖G1(x). (1.5)

1.3. Fatos preliminares 8

Como G ⊂ H(Rn) e Fix‖ ‖G = ∅ temos que G e ilimitado pelo Lema 1.3.6. Entao,

sup‖ ‖G(y) > ‖x‖,

e logo ∃g ∈ G tal que‖g(y)‖ > ‖x‖.

Como G1 e simetrico e gera G podemos escrever

g = hm ◦ · · · ◦ h1

com h1, · · · , hm ∈ G1.Defina a sequencia y0, · · · , ym ∈ Rn \ {0} por y0 = y e indutivamente yj+1 = hj+1(yj).

Observe que ym = g(y) e y0, · · · , ym ∈ G(y) por construcao. Como ym = g(y) temos que ‖ym‖ > ‖x‖.Logo, existe um elemento yi da sequencia y0, · · · , ym tal que

‖yi‖ ≥ ‖x‖ (1.6)

e‖yj‖ < ‖x‖ ∀ 0 ≤ j < i. (1.7)

Como y0 = y, a Desigualdade 1.5 implica que ‖y0‖ < ‖x‖. Entao, i ≥ 1. Tambem e verdade que

hi−1(yi−1) = yi.

Alem disso, temos‖yi−1‖ < ‖x‖

por (1.7). Como hi−1 ∈ G ⊂ H(Rn), o Lema 1.3.4 implica ‖hi−1(yi−1)‖ < ‖hi−1(x)‖ e logo

‖yi‖ < ‖hi−1(x)‖.

Isso prova que‖yi‖ < sup‖ ‖G

1(x)

pois hi−1 ∈ G1. Pela Desigualdade 1.6 temos que ‖yi‖ > inf‖ ‖G1(x). Isso junto com a ultimadesigualdade fornece

inf‖ ‖G1(x) < ‖yi‖ < sup‖ ‖G1(x).

Consequentemente yi ∈ Int(Kx(G1)). Logo, o lema segue se ‖y‖ < inf‖ ‖G1(x).O caso geral segue observando que como G e ilimitado pelo Lema 1.3.6, deve existir g(y),

g ∈ G, arbitrariamente proximo a origem. Em particular existe g ∈ G tal que ‖g(y)‖ < inf‖ ‖G1(x).

1.4. Prova do Teorema 1.1.2 9

Aplicamos entao o argumento anterior a g(y), e o lema segue pois a G-orbita de y e a G-orbita de g(y)coincidem. A prova esta completa.

Estabeleceremos mais um fato a ser usado no que se segue.

Lema 1.3.8. Seja G um grupo amenable de homeomorfismos de Rn tal que todo g ∈ G deixa invarianteum conjunto compacto K. Entao existe uma medida de Borel G-invariante µ em Rn com medida total1.

Demonstracao. Como K e invariante por todos os homeomorfismos de G, podemos restringir cadag ∈ G a K e obter um grupo G′. Entao pelo Teorema 1.3.1 existe uma medida µ em K que eG′-invariante e tal que µ(K) = 1. Colocamos entao µ(E) = µ(E ∩K).

1.4 Prova do Teorema 1.1.2

Prova do Teorema 1.1.2-(i): Seja G um grupo abeliano de homeomorfismos de Rn contendo n

translacoes linearmente independentes h1, . . . , hn. Denote por H o subgrupo derado por {h1, . . . , hn}.Considere em Rn a equivalencia x ∼ g(x) onde g ∈ H. Como h1, . . . , hn sao linearmente independentestemos que o espaco quociente

T = Rn/ ∼

e homeomorfo ao n-toro. Denote por π : Rn → T a projecao quociente. Considere o grupo quociente

G′ = G/H.

Existe uma acao natural de G′ em T definida por

gH(π(x)) = π(g(x)).

Alem disso, como todo grupo abeliano e amenable, e como T e compacto, pelo Teorema 1.3.1 existeuma medida de Borel G′-invariante µ em T tal que µ(T ) = 1.

Agora definimos uma medida µ em Rn levantando µ da seguinte forma. Sejam b1, . . . , bn ∈ Rntais que hi e a translacao pelo vetor bi, para cada i = 1, . . . , n. Defina o domınio fundamental

R =

n∑

j=1

tjbj : 0 ≤ ti < 1, i = 1, . . . , n

⊂ Rn

e seja {Ri}i≥0 uma enumeracao de todos as possıveis translacoes de R por elementos de H. Entao os

1.4. Prova do Teorema 1.1.2 10

Ri’s sao dois a dois disjuntos e π restrita a Ri e uma bijecao. Defina

µ(E) =∞∑

i=1

µ(π(E ∩Ri)).

Vamos provar que µ e G-invariante. Para g ∈ G, E ⊂ Rn, 1 ≤ i <∞ e 1 ≤ j <∞ definimos

Ji = g−1(g(E) ∩Ri) e Li,j = Ji ∩Rj .

Entao temos ∞⋃

i,j=1

Li,j = E.

Alem disso, os Li,j ’s sao dois a dois disjuntos e g(Li,j) ⊂ Ri. Logo, os π(g(Li,j)) = gH(π(Li,j))’s comi fixo sao tambem dois a dois disjuntos. Alem disso, cada Li,j esta contido em Rk para algum k, logoµ(Li,j) = µ(π(Li,j)). Entao,

µ(g(E)) =∞∑

i=1

µ(π(g(E) ∩Ri)) =∞∑

i=1

µ

π

g

∞⋃

j=1

Li,j

=

=∞∑

i=1

µ

∞⋃

j=1

gH(π(Li,j))

=

∞∑

i,j=1

µ(gH(π(Li,j))) =∞∑

i,j=1

µ(π(Li,j)) =

=∞∑

i,j=1

µ(Li,j) = µ

∞⋃

i,j=1

Li,j

= µ(E)

provando que µ e G-invariante. Se E e compacto entao ele encontra apenas um numero finito de R′is,logo a soma acima possui apenas uma quantidade finita de termos nao-nulos, cada um deles menor ouigual a 1. Portanto µ(E) e finita.

Prova do Teorema 1.1.2-(ii): Seja G um grupo de homeomorfismos de Rn. Suponhamos que G efinitamente gerado, G ⊂ H(Rn) e existe um ponto x0 ∈ Rn tal que G(x0) possui crescimento nao-exponencial. Se Fix‖ ‖G 6= ∅, entao existe x ∈ Rn tal que ‖g(x)‖ = ‖x‖ para todo g ∈ G, logoa n-esfera centrada na origem com raio ‖x‖ e invariante por G, e o resultado segue do Lema 1.3.8.Podemos entao supor que

Fix‖ ‖G = ∅.

Como G e finitamente gerado, podemos escolher um conjunto geradorG1 que podemos supor simetrico.Seja Kx0(G

1) definido na Equacao 1.4 para x = x0, i. e.

Kx0(G1) = {z : inf‖ ‖G1(x0) ≤ ‖z‖ ≤ sup‖ ‖G

1(x0)}.

1.4. Prova do Teorema 1.1.2 11

Por simplicidade escreveremos K = Kx0(G1).

Seja GK o pseudogrupo obtido restringindo os elementos de G de forma a terem domınios eimagens contidos em K, i. e., se g ∈ G e tal que K ∩ g−1(K) 6= ∅ entao g|K∩g−1(K) ∈ GK .

Afirmamos que GK possui crescimento nao-exponencial em x0 (como pseudogrupo). De fato,defina subpseudogrupos Gn ⊂ GK como se segue: se g ∈ G pode ser escrito como uma palavrade comprimento ≤ n nos elementos de G1, entao denote por gK a restricao de g a K ∩ g−1(K),e seja Gn o pseudogrupo gerado por tais gK . Entao Gn e finitamente gerado. Alem disso, comoG(x0) possui crescimento nao-exponencial, o mesmo ocorre com Gn(x0). A afirmacao segue poisGK(x0) = ∪∞n=1Gn(x0) e Gn(x0) ⊂ Gn+1(x0).

Temos que GK e um pseudogrupo de homeomorfismos de K, que e compacto. Entao, comoΓ = GK possui crescimento nao-exponencial em x0, podemos aplicar o Teorema 1.3.2 ao pseudogrupoΓ = GK de homeomorfismos do espaco metrico compacto X = K para obter uma medida de Borelnao-trivial finita µK em K preservada por GK .

Em seguida estendemos a medida µK definida acima ao conjunto Rn \{0} da seguinte forma.Pelo Lema 1.3.7 temos que G(y) ∩ Int(K) 6= ∅ para todo y 6= 0. Entao, para todo y ∈ Rn \ {0} existeg ∈ G tal que g(y) ∈ Int(K). Como g e contınua existe um aberto Uy contendo y tal que a imagemg(Uy) de Uy por g esta contida em Int(K). Isso define uma cobertura de Rn\{0} por conjuntos abertosUy satisfazendo a hipotese do Teorema 1.3.3 com Γ = G e X = Rn \ {0}, permitindo-nos estender amedida µK a uma medida µ em Rn \ {0}.

Para finalizar colocamos µ(0) = +∞ para obter a medida µ em Rn requerida pelo Teorema1.1.2-(ii). A prova segue.

Capıtulo 2

2.1 Introducao

Seja FZ uma folheacao holomorfa induzida por um campo vetorial holomorfo Z em Cn. Atransversalidade entre FZ e subvariedades reais M ⊂ Cn foi investigada em trabalhos anteriores. Umcaso importante e quando Z e o campo vetorial linear Zλ definido por

Zλ(z1, · · · , zn) =n∑

i=1

λizi∂

∂zi, (z1, · · · , zn) ∈ C× n· · · × C (2.1)

onde λ = (λ1, · · · , λn) ∈ (C \ {0})× n· · · × (C \ {0}).Por exemplo, [5] considerou o caso n = 2 e provou o seguinte. Se λ1/λ2 ∈ R− e M e uma 3-

variedade fechada, entao nao existe aplicacao suave M → C2\{0} que seja transversal a FZ . (Exemplode Haefliger) Se λ1/λ2 ∈ C \ R, entao existe um mergulho suave T 3 → C2 \ {0} transversal a FZ . [7]Generalizou [5] provando o seguinte. Se dim(M) = 2n− 1 e 0 ∈ H, o fecho convexo de {λ1, · · · , λn},entao nao existe aplicacao diferenciavel Φ: M → Cn \ {0} transversal a FZ . (Exemplo de HaefligerGeneralizado) Se 0 /∈ H, entao existe um mergulho suave Φ: S1 × S2n−3 × S1 → Cn \ {0} transversala FZ .

Em [12] o autor tambem considera o caso linear mas assumindo que λi/λj ∈ Q+ para todosi, j. Nesse caso a esfera unitaria S2n−1 em Cn e transversal a FZλ

. O autor estabelece que se M euma variedade suave, fechada e conexa, de dimensao 2n − 1 e se Φ: M → Cn \ {0} e uma aplicacaosuave transversal a FZλ

, entao M e difeomorfa a S2n−1. Quando n = 2 ele tambem estabelece que seZ e uma campo vetorial holomorfo em C2 (nao necessariamente linear), M e uma superfıcie fechadaconexa e Φ: M → Cn \ {0} e transversa a FZ , entao M e difeomorfa ao toro T 2.

Em [8] e considerado o caso em que M e o bordo de uma variedade B difeomorfa a uma bolafechada e Z e definido em uma vizinhanca de B. O autor prova que se Z e transversal a M entao Zpossui um unico ponto singular em B \M para o qual cada solucao passando por M converge. Nocaso particular em que B e a bola unitaria de Cn [9] provou que o numero de folhas compactas deFZ |M e infinito ou limitado por n.

12

2.1. Introducao 13

Em [10], alguns dos resultados anteriores sao estendidos para 1-formas holomorfas ω definidasem dominios relativamente compactos D ⊂ Cn para os quais a aplicacao natural H1(D,Z) →H1(∂D,Z) e sobre. E provado que se a distribuicao correspondente P e transversal a ∂D e o conjuntosingular sing(P ) de P possui codimensao maior que 1, entao

p∈sing(P )∩DInd(ω, p) = (−1)nχ(D),

onde Ind(ω, p) e χ(D) denotam os numeoros de Poincare-Hopf e de Euler-Poincare, respectivamente.Segue que se D = B2n(0, r), entao n e par e P possui exatamente um ponto singular em D o qual enao degenerado. Ver tambem o artigo recente [11].

Neste trabalho continuamos a explorar a transversalidade entre FZλe subvariedades reais

M no caso 2-dimensional (n = 2). A tıtulo de motivacao, vamos enunciar o Exemplo de Haefligermencionado acima de uma maneira precisa. Denote por T 3 o 3-toro. Seja λ = (λ1, λ2) ∈ (C \ {0})×(C \ {0}) e Zλ os campos vetoriais lineares correspondendo a λ na Equacao 2.1.

Teorema 2.1.1 ((Exemplo de Haefliger) [7]). Se λ1/λ2 ∈ C \R, entao existe um mergulho suaveϕ : T 3 → C2 tal que ϕ(T 3) e transversal a FZλ

.

Nosso primeiro resultado implica uma recıproca do Teorema 2.1.1.

Teorema 2.1.2. Existe um mergulho suave Φ : T 3 → C2 tal que Φ(T 3) e transversal a FZλse e

somente se λ1/λ2 ∈ C \ R.

Esses resultados motivam a pergunta se T 3 acima pode ser substituıdo por outras 3-variedadescomo, por exemplo, fibrados de esferas e toros sobre o cırculo (6= T 3) ou ainda o espaco projetivo realRP 3. No entanto, nao temos nenhum resultado para fibrados de toros e sabemos que nao ha mergulhoRP 3 → C2 ([6]). Ainda assim, fornecemos uma resposta positiva para o fibrado orientavel de 2-esferassobre o cırculo S2 × S1.

Teorema 2.1.3. Existe um mergulho suave Ψ : S2×S1 → C2 tal que Ψ(S2×S1) e transversal a FZλ

se e somente se λ1/λ2 ∈ C \ R.

Este capıtulo se organiza da seguinte maneira. Na Secao 2.2 enunciamos alguns resultadoselementares que serao usados na sequencia. Na Secao 2.3 construımos os mergulhos Φ e Ψ. Na Secao2.4 provamos o Teorema 2.1.2. Na Secao 2.5 provamos o Teorema 2.1.3. Na Secao 2.6 consideramosoutro campo vetorial ao inves do linear Zλ.

2.2. Fatos Preliminares 14

2.2 Fatos Preliminares

Considere um campo vetorial holomorfo

Z(x, y) = f1(x, y)∂

∂x+ f2(x, y)

∂y

onde (x, y) ∈ C2. Entao, Z induz um par de campos vetoriais reais X(Z) e Y (Z) em R4 dados por

X(Z) = Re(f1)∂

∂x1+ Im(f1)

∂x2+ Re(f2)

∂x3+ Im(f2)

∂x4,

eY (Z) = − Im(f2)

∂x1+ Re(f1)

∂x2− Im(f2)

∂x3+ Re(f2)

∂x4,

onde x = (x1, x2) ∈ C e y = (x3, x4) ∈ C. Uma forma mais simples de descrever Y (Z) e a seguinte. SejaJ : C2 → C2 definido por J(x, y) = (ix, iy), onde i =

√−1. Entao, Y (Z) = J(X(Z)). EscreveremosX = X(Z) e JX = Y (Z) por simplicidade. Repare que se considerarmos Z como um campo vetorialreal em R4, temos Z(p) = X(Z)(p) para todo p ∈ R4. Alem diso, X e JX sao ortogonais em todaparte, e logo geram um campo de planos.

Temos ainda que Z induz uma folheacao holomorfa FZ em C2. De fato, a folha L de FZcontendo p e {p} (se Z(p) = 0) ou uma subvariedade parametrizada em uma vizinhanca de p por umacurva complexa γ : U ⊂ C→ C2 satisfazendo a equacao diferencial

γ′(T ) = Z(γ(T )).

A folheacao FZ pode ser considerada como uma folheacao real analıtica 2-dimensional (possivelmentesingular). Dizemos que FZ e transversal a uma variedade real M ⊂ C2 se FZ e transversal a M comouma folheacao real. Em outras palavras, se para cada p ∈M temos

TpFZ + TpM = R4.

O resultado seguinte relaciona os campos vetoriais X, JX com a folheacao holomorfa FZ .

Lema 2.2.1. Seja Z um campo vetorial holomorfo nao singular em um domınio de C2. Entao, ocampo de planos gerado por X e JX e integravel. Alem disso, A folheacao induzida por esse campo deplanos coincide com a folheacao holomorfa FZ induzida por Z (considerada com uma folheacao real2-dimensional).

Demonstracao. Seja P o campo de planos gerado por X e JX. A folha L de FZ que contem um pontop ∈ C2 e uma curva complexa que possui Z(p) como um vetor tangente em p. Se considerarmos FZcomo uma folheacao real, L e uma folha 2-dimensional. Para provar o lema, sera suficiente mostrar

2.2. Fatos Preliminares 15

que o plano tangente TpL a L em p e exatamente P (p). Mostraremos que TpL contem X(p) e JX(p).Seja γ : U ⊂ C → C2 uma parametrizacao de L numa vizinhanca de p tal que γ(0) = p. Considereγ como aplicacao real de U em R4. Como Z(p) (considerado como vetor real) e tangente a L em p,existe um vetor real u ∈ R2 tal que

γ′(0)(u) = Z(p).

Como Z(p) considerado como vetor real e simplesmente X(p), segue que X(p) ∈ TpL. Resta mostrarque JX(p) ∈ TpL. Para provar esse fato, observe que o vetor w = γ′(0)(iu) e tambem tangente a Lem p. Como γ e holomorfo, γ′(0) e C-linear, logo

w = γ′(0)(iu) = iγ′(0)(u) = iZ(p) = J(X(p)

)= JX(p),

que prova que JX(p) ∈ TpL. O lema segue.

O resultado seguinte fornece um teste para verificar quando uma folheacao holomorfa FZ etransversal a uma subvariedade real 3-dimensional M ⊂ C2, usando os campos vetoriais X, JX.

Lema 2.2.2. Seja Z um campo vetorial holomorfo em C2 e M ⊂ R4 uma 3-variedade. Entao valemas seguintes propriedades:

i Se FZ e transversal a M entao para todo q0 ∈ M , toda parametrizacao localϕ : U ⊂ R3 →M em torno de q0 e todo q ∈ ϕ(U) temos

det(∂ϕ

∂x11(p),

∂ϕ

∂x3(p),

∂ϕ

∂x3(p), X(q)

)2

+ det(∂ϕ

∂x1(p),

∂ϕ

∂x2(p),

∂ϕ

∂x3(p), JX(q)

)2

> 0, (2.2)

onde p = ϕ−1(q) ∈ U .

ii Se para todo q0 ∈ M existe uma parametrizacao local ϕ : U → M tal que a Desigualdade 2.2acima vale para todo p ∈ U , entao FZ e transversal a M .

Demonstracao. Primeiro provamos (i). Fixe q0 ∈ M e seja ϕ : U → R4 uma parametrizacao local deM em torno de q0. Como FZ e transversal a M , para todo p ∈ U temos

Tϕ(p)FZ + ϕ′(p)(R3) = R4. (2.3)

Como ϕ e uma imersao, ϕ′(p)(R3) e uma subespaco vetorial 3-dimensional de R4, que e gerado pelosvetores linearmente independentes ∂ϕ

∂x1(p), ∂ϕ∂x2

(p) e ∂ϕ∂x3

(p). Pelo Lema 2.2.1, FZ e gerado por X eJX, logo Tϕ(p)FZ e o plano gerado pelos vetores X(ϕ(p)) e JX(ϕ(p)). Como a Equacao 2.3 vale,um dos vetores X(ϕ(p)), JX(ϕ(p)) nao esta em ϕ′(p)(R3). Se X(ϕ(p)) 6∈ ϕ′(p)(R3), entao os vetores

2.3. Mergulhos 16

∂ϕ∂x1

(p), ∂ϕ∂x2(p), ∂ϕ∂x3

(p) e X(ϕ(p)) sao linearmente independentes, logo

det(∂ϕ

∂x1(p),

∂ϕ

∂x2(p),

∂ϕ

∂x3(p), X(ϕ(p))

)6= 0.

Isso implica a Desigualdade 2.2. De maneira analoga, se JX(ϕ(p)) 6∈ ϕ′(p)(R3), entao

det(∂ϕ

∂x1(p),

∂ϕ

∂x2(p),

∂ϕ

∂x3(p), JX(ϕ(p))

)6= 0

e a Desigualdade 2.2 tambem vale. Isso prova (i).Agora provamos (ii). Suponha que para todo q0 ∈ M existe uma parametrizacao local

ϕ : U →M tal que a Desigualdade 2.2 vale para todo p ∈ U . Suponha por contradicao que FZ nao etransversal a M . Entao, uma dessas parametrizacoes (digamos ϕ) faz a Equacao 2.3 deixar de valerpara algum p ∈ U . Segue que os vetores X(ϕ(p)) e JX(ϕ(p)) pertencem a ϕ′(p)(R3). Nesse caso,temos

det(∂ϕ

∂x1(p),

∂ϕ

∂x2(p),

∂ϕ

∂x3(p), X(ϕ(p))

)= det

(∂ϕ

∂x1(p),

∂ϕ

∂x2(p),

∂ϕ

∂x3(p), JX(ϕ(p))

)= 0,

o que implica que a Desigualdade 2.2 deixa de valer. Isso e uma contradicao e o resultado segue.

2.3 Mergulhos

Nesta secao construımos os mergulhos Φ e Ψ nos Teoremas 2.1.2 e 2.1.3 respectivamente.

Construindo Φ

Para comecarmos definamos a aplicacao Φ′ = (Φ′1,Φ′2,Φ

′3,Φ

′4) : R3 → R4 por

Φ′1(θ, φ, ψ) =(2 + cos θ) cosφ

Φ′2(θ, φ, ψ) =(2 + cos θ) senφ

Φ′3(θ, φ, ψ) =(2 + sen θ) cosψ

Φ′4(θ, φ, ψ) =(2 + sen θ) senψ.

Essa aplicacao possui a seguinte propriedade: se θ′ = θ+ 2kπ, φ′ = φ+ 2lπ e ψ′ = ψ+ 2mπ, onde k, le m sao inteiros, entao Φ′(θ, φ, ψ) = Φ′(θ′, φ′, ψ′). Logo Φ′ pode ser considerada como uma aplicacaodefinida em R3/2πZ3 ' T 3 (o 3-toro), onde 2πZ3 = {(2kπ, 2lπ, 2mπ) ∈ R3 : k, l,m ∈ Z}. Definimos

Φ : T 3 → C2

2.3. Mergulhos 17

pela seguinte equacaoΦ(θ, φ, ψ) = Φ′(θ, φ, ψ),

onde denotamos por x a imagem de x ∈ R3 pela projecao quociente de R3 sobre R3/2πZ3. Φ esta bemdefinida. Usando os lemas 2.3.2 e 2.3.3, que provaremos mais adiante nesta subsecao, podemos provarlogo o seguinte.

Teorema 2.3.1. A aplicacao Φ : T 3 → C2 e um mergulho.

Demonstracao. Pelos lemas 2.3.2 e 2.3.3 temos que Φ e uma imersao injetiva. Logo, resta apenasprovar que Φ e um homeomorfismo entre seu domınio e sua imagem. Mas isso segue uma vez que odomınio de Φ e compacto (ver [13] p. 23).

Lema 2.3.2. Φ e injetiva.

Demonstracao. Suponha que Φ(θ, φ, ψ) = Φ(θ′, φ′, ψ′). Pela definicao de Φ, temos

(2 + cos θ)2 = Φ1(θ, φ, ψ)2 + Φ2(θ, φ, ψ)2

= Φ1(θ′, φ′, ψ′)2 + Φ2(θ′, φ′, ψ′)2

= (2 + cos θ′)2,

o que implica que 2+cos θ = ±(2+cos θ′). Como 2+cos θ = −(2+cos θ′) implicaria cos θ′ = 4+cos θ,que e impossıvel, deve ser 2 + cos θ = 2 + cos θ′, fornecendo cos θ = cos θ′. Usando as equacoes quedefinem Φ3 e Φ4, mostramos de maneira analoga que sen θ = sen θ′, logo

θ = θ′ + 2kπ. (2.4)

Ainda usando as equacoes que definem Φ e a Equacao 2.4, concluımos que cosφ = cosφ′, senφ = senφ′,cosψ = cosψ′ e senψ = senψ′, so φ = φ′ + 2lπ e ψ = ψ′ + 2mπ. Isso prova que Φ e injetiva.

Lema 2.3.3. Φ e uma imersao.

Demonstracao. Basta provar que Φ e uma imersao em uma vizinhanca de cada ponto de seu domınio.Para tanto, olhemos para os vetores tangentes da aplicacao Φ′

∂Φ′

∂θ=

(− sen θ cosφ,− sen θ senφ, cos θ cosψ, cos θ cosψ)

∂Φ′

∂φ=

(− (2 + cos θ) senφ, (2 + cos θ) cosφ, 0, 0)

∂Φ′

∂ψ=

(0, 0,−(2 + sen θ) senψ, (2 + sen θ) cosψ

).

2.3. Mergulhos 18

Como os vetores acima sao linearmente independentes em toda parte, Φ′ e uma imersao. Agora fixey ∈ R3/2πZ3. A projecao quociente

π : R3 → R3/2πZ3

e uma submersao, logo existe uma vizinhancaNy 3 y e uma imersao τy : Ny → R3 tais que π(τy(p)) = p

para todo p ∈ Ny. Para cada p ∈ Ny temos

Φ(p) = Φ(π(τy(p))

)= Φ′(τy(p)),

logo Φ|Ny = Φ′ ◦ τy. Como Φ′ e τy sao imersoes, segue que Φ|Ny e uma imersao. Isso completa aprova.

Construindo Ψ

A construcao de Ψ e mais elaborada que a de Φ. Para comecar definamos as aplicacoes

Ψ1 = (Ψ11,Ψ

12,Ψ

13,Ψ

14) : R3 → C2 e Ψ2 = (Ψ2

1,Ψ22,Ψ

23,Ψ

24) : R3 → C2

por

Ψ11(θ, φ, ψ) = cos θ cosφ

Ψ12(θ, φ, ψ) = cos θ senφ

Ψ13(θ, φ, ψ) = (2 + sen θ) cosψ

Ψ14(θ, φ, ψ) = (2 + sen θ) senψ

e

Ψ21(θ, φ, ψ) = cos θ

Ψ22(θ, φ, ψ) = sen θ cosφ

Ψ23(θ, φ, ψ) = (2 + sen θ senφ) cosψ

Ψ24(θ, φ, ψ) = (2 + sen θ senφ) senψ.

Considere as parametrizacoes canonicas

f1 = (f11 , f

12 , f

13 ) : R2 → R3 e f2 = (f2

1 , f22 , f

23 ) : R2 → R3

2.3. Mergulhos 19

de S2 definidas por:

f11 (θ, φ) = cos θ cosφ

f12 (θ, φ) = cos θ senφ

f13 (θ, φ) = sen θ

e

f21 (θ, φ) = cos θ

f22 (θ, φ) = sen θ cosφ

f23 (θ, φ) = sen θ senφ.

Considere tambem a parametrizacao canonica g : R→ R2 de S1 definida por

g(ψ) = (cosψ, senψ).

DefinaΨ1 = f1 × g e Ψ2 = f2 × g.

Seja P = (0, 0, 1) ∈ S2 e Q = (1, 0, 0) ∈ S2 (considerando S2 ⊂ R3). Defina os conjuntos

U = (−π/2, π/2)× [0, 2π)2, V = (0, π)× [0, 2π)2.

Finalmente, definaΨ : S2 × S1 → C2

por

Ψ(p) =

Ψ1 ◦ (Ψ1|U )−1(p) se p 6∈ {P,−P} × S1

Ψ2 ◦ (Ψ2|V )−1(p) se p 6∈ {Q,−Q} × S1.(2.5)

Usando os lemas 2.3.9 e 2.3.10 que provamos mais adiante provaremos

Teorema 2.3.4. A aplicacao Ψ : S2 × S1 → C2 esta bem definida e e um mergulho.

Demonstracao. Pelo Lema 2.3.9 temos que Ψ esta bem definida ao passo que pelo Lema 2.3.10 temosque Ψ e um mergulho.

A prova dos lemas 2.3.9 e 2.3.10 seguira dos lemas abaixo.

Lema 2.3.5. Ψ1|U e Ψ2|V sao imersoes injetivas.

2.3. Mergulhos 20

Demonstracao. Verifiquemos inicialmente que Ψ1|U e injetiva. Suponha que (θ, φ, ψ) e (θ′, φ′, ψ′) saodois pontos em U tais que Ψ1(θ, φ, ψ) = Ψ1(θ′, φ′, ψ′). Entao segue da definicao de Ψ1 que

(2 + sen θ)2 = Ψ13(θ, φ, ψ)2 + Ψ1

4(θ, φ, ψ)2 =

= Ψ13(θ

′, φ′, ψ′)2 + Ψ14(θ

′, φ′, ψ′)2 = (2 + sen θ′)2.

O acima implica que 2 + sen θ = ±(2 + sen θ′). Se tivessemos 2 + sen θ = −(2 + sen θ′), implicaria quesen θ′ = 4 + sen θ, que e absurdo. Logo 2 + sen θ = 2 + sen θ′, fornecendo

sen θ = sen θ′. (2.6)

Como (θ, φ, ψ), (θ′, φ′, ψ′) ∈ U , e verdade que θ, θ′ ∈ (−π/2, π/2), e isso juntamente com a Equacao 2.6fornece θ = θ′. Segue que cos θ = cos θ′, e isso e as demais equacoes na definicao de Ψ1 implicam quecosφ = cosφ′, senφ = senφ′, cosψ = cosψ′ e senψ = senψ′. Novamente como (θ, ψ, ψ), (θ′, φ′, ψ′) ∈ Utemos que ψ,ψ ∈ (0, 2π), logo φ = φ′ e ψ = ψ′. Esta provado que Ψ1|U e injetiva.

Para ver que Ψ1|U e uma imersao, e suficiente examinar os vetores tangentes

∂Ψ1

∂θ= (− sen θ cosφ,− sen θ senφ, cos θ cosψ, cos θ senψ)

∂Ψ1

∂φ= (− cos θ senφ, cos θ cosφ, 0, 0)

∂Ψ1

∂ψ= (0, 0,−(2 + sen θ) senψ, (2 + sen θ) cosψ).

Os vetores acima sao sempre linearmente independentes exceto quando cos θ = 0, uma vez que nessecaso ∂Ψ1

∂φ = 0. Como em nosso caso θ ∈ (−π/2, π/2), cos θ e sempre positivo, concluımos que Ψ1|U euma imersao.

Vejamos agora o caso de Ψ2|V . Se Ψ2(θ, φ, ψ) = Ψ2(θ′, φ′, ψ′), segue que cos θ = Ψ21(θ, φ, ψ) =

Ψ21(θ

′, φ′, ψ′) = cos θ′. Como (θ, ψ, ψ), (θ′, φ′, ψ′) ∈ V , temos θ, θ′ ∈ (0, π), logo segue que θ = θ′.Disso e da definicao de Ψ1 segue imediatamente que cosφ = cosφ′, senφ = senφ′, cosψ = cosψ′ esenψ = senψ′, e como (θ, ψ, ψ), (θ′, φ′, ψ′) ∈ V , a unica possibilidade e que φ = φ′ e ψ = ψ′. Provamosque Ψ2|V e injetiva. Os vetores tangentes

∂Ψ2

∂θ= (− sen θ, cos θ cosφ,− cos θ senφ cosψ,− cos θ cosφ senψ)

∂Ψ2

∂φ= (0,− sen θ senφ, sen θ cosφ cosψ, sen θ cosφ senψ)

∂Ψ2

∂ψ= (0, 0,−(2 + sen θ senφ) senψ, (2 + sen θ senφ) cosψ)

2.3. Mergulhos 21

sao sempre linearmente independentes exceto quando sen θ = 0, pois nesse caso ∂Ψ2

∂φ = 0. Mas issonao e problema, pois (θ, ψ, ψ) ∈ V implica que θ ∈ (0, π), o que impede sen θ = 0. Segue que Ψ2|V euma imersao.

Defina

S ={(x, y) ∈ R2 × R2 : |x|2 + (|y| − 2)2 = 1

}. (2.7)

Lema 2.3.6. S = Ψ1|U (U) ∪Ψ2|V (V ).

Demonstracao. Primeiro provamosΨ1(R3) ⊂ S. (2.8)

Tomemos um ponto (x1, x2, x3, x4) ∈ Ψ1(R3). Pela definicao de Ψ1, existe θ, φ e ψ tal que x1 =cos θ cosφ, x2 = cos θ senφ, x3 = (2 + sen θ) cosψ e x4 = (2 + sen θ) senψ. Escreveremos x = (x1, x2)e y = (x3, x4). Temos

|x|2 = x21 + x2

2 = (cos θ)2,

|y|2 = x23 + x2

4 = (2 + sen θ)2,

logo |x|2 +(|y|−2)2 = (cos θ)2 +(sen θ)2 = 1, e isso prova que (x1, x2, x3, x4) ∈ S e portanto a Inclusao2.8 segue.

Em seguida definimos

J1 = {(0, y) ∈ R2 × R2 : |y| = 1} ∪ {(0, y) ∈ R2 × R2 : |y| = 3}.

Entao,J1 ⊂ S.

Afirmamos queΨ1|U (U) = S \ J1. (2.9)

Para provar a Equacao 2.9, primeiro mostramos que S\J1 ⊂ Ψ1|U (U). Tomemos (x1, x2, x3, x4) ∈S \ J1, e seja u =

√x2

1 + x22 = |x| e v =

√x2

3 + x24 − 2 = |y| − 2. Pela definicao de S, e verdade que

u2 + v2 = 1. (2.10)

Mostremos que u > 0. Por definicao u ≥ 0, logo segue da Equacao 2.10 que u =√

1− v2 =√1− (|y| − 2)2. Para termos u = 0, deve ser verdade que

1− (|y| − 2)2 = 0,

2.3. Mergulhos 22

e essa ultima equacao implica que |y| = 1 ou |y| = 3. Em qualquer um dos casos, (x, y) ∈ J1, o que eabsurdo. Logo, u > 0. Segue que ∃ θ ∈ (−π/2, π/2) tal que u = cos θ e v = sen θ. Temos entao

u2 = x21 + x2

2 = (cos θ)2,

e dividindo a equacao acima por (cos θ)2 temos

( x1

cos θ

)2+

( x2

cos θ

)2= 1,

o que nos permite concluir que ∃ φ ∈ [0, 2π) tal que

x1

cos θ= cosφ e

x2

cos θ= senφ,

o que implicax1 = cos θ cosφ e x2 = cos θ senφ. (2.11)

Alem disso, observe que(2 + v)2 = x2

3 + x24 = (2 + sen θ)2,

e dividindo a equacao acima por (2+sen θ)2 e fazendo um calculo analogo, verificamos que ∃ ψ ∈ [0, 2π)tal que

x3 = (2 + sen θ) cosψ e x4 = (2 + sen θ) senψ. (2.12)

Defina z ∈ U porz = (θ, φ, ψ)

onde θ, φ, ψ sao como acima. A definicao de Ψ, (2.11) e (2.12) fornecem Ψ1(z) = (x1, x2, x3, x4). Issoprova que (x1, x2, x3, x4) ∈ Ψ1|U (U). Logo S \ J1 ⊂ Ψ|U (U).

Vamos mostrar a inclusao inversa Ψ1|U (U) ⊂ S \ J1. A inclusao Ψ1|U (U) ⊂ S segue pelaInclusao 2.8. Mostraremos que Ψ|U (U) ∩ J1 = ∅. De fato, pela definicao de U , (θ, φ, ψ) ∈ U implicacos θ 6= 0. Alem do mais, temos que cosφ 6= 0 ou senφ 6= 0, entao Ψ1

1(θ, φ, ψ) 6= 0 ou Ψ12(θ, φ, ψ) 6= 0

(ver a definicao de Ψ1). Logo se Ψ1(θ, φ, ψ) = (x, y) (em coordenadas complexas) temos que x 6= 0.Logo Ψ1(θ, φ, ψ) = (x, y) implica que Ψ(θ, φ, ψ) 6∈ J1. Isso mostra que Ψ|U (U) ∩ J1 = ∅. Segue queΨ1|U (U) ⊂ S \ J1 o que prova (2.9).

Vamos provar agora queΨ2(R3) ⊂ S. (2.13)

Tomemos um ponto (x1, x2, x3, x4) ∈ Ψ2(R3). Pela definicao de Ψ2, existe θ, φ e ψ tais que x1 = cos θ,x2 = sen θ cosφ, x3 = (2 + sen θ senφ) cosψ e x4 = (2 + sen θ senφ) senψ. Escreveremos x = (x1, x2) e

2.3. Mergulhos 23

y = (x3, x4). Temos

|y|2 = x21 + x2

2 = (2 + sen θ senφ)2,

logo

|x|2 + (|y| − 2)2 = x21 + x2

2 + (|y| − 2)2 =

(cos θ)2 + (sen θ)2(cosφ)2 + (sen θ)2(senφ)2 = (cos θ)2 + (sen θ)2 = 1

e isso prova que (x1, x2, x3, x4) ∈ S. Portanto (2.13) vale.Defina

J2 = {(x, y) ∈ R2 × R2 : x = (±1, 0), |y| = 2}.

Temos J2 ⊂ S. Vamos provar queΨ2|V (V ) = S \ J2. (2.14)

Provaremos primeiro que S \J2 ⊂ Ψ2|V (V ). Tome (x1, x2, x3, x4) ∈ S \J2, e seja w =√x2

2 + (|y| − 2)2.Como (x1, x2, x3, x4) ∈ S, segue que x2

1 + w2 = 1, e como w > 0 existe θ ∈ (0, π) tal que x1 = cos θ ew = sen θ. Segue que

w2 = x22 + (|y| − 2)2 = (sen θ)2.

Dividindo a equacao acima por (sen θ)2 temos

(x2

sen θ

)2

+( |y| − 2

sen θ

)2

= 1,

e portanto existe φ ∈ [0, 2π) tal que x2 = sen θ cosφ e |y| − 2 = sen θ senφ. Logo |y| = 2 + sen θ senφe portanto existe ψ ∈ [0, 2π) tal que x3 = (2 + sen θ senφ) cosψ e x4 = (2 + sen θ senφ) senψ. Vamosagora mostrar a inclusao contraria. A inclusao Ψ2|V (V ) ⊂ S segue da Inclusao 2.13. Mostremos queΨ2|V (V ) ∩ J2 = ∅. Pela definicao de V, (θ, φ, ψ) ∈ V implica sen θ > 0, o que implica que | cos θ| < 1.Segue que nao podemos ter cos θ = ±1. Como Ψ2

1(θ, φ, ψ) = cos θ, e

J2 = {(x, y) ∈ R2 × R2 : x = (±1, 0), |y| = 2},

segue que Ψ2|V (V ) ∩ J2 = ∅.O lema segue de (2.9), (2.14) e do fato que J1 ∩ J2 = ∅.

Lema 2.3.7. Ψ1|U e Ψ2|V sao imersoes injetoras.

Demonstracao. Lembremos que Ψ1 = f1 × g e Ψ2 = f2 × g onde f1 = (f11 , f

12 , f

13 ), f2 = (f2

1 , f22 , f

23 ) e

g sao definidas por

2.3. Mergulhos 24

f11 (θ, φ) = cos θ cosφ

f12 (θ, φ) = cos θ senφ

f13 (θ, φ) = sen θ,

f21 (θ, φ) = cos θ

f22 (θ, φ) = sen θ cosφ

f23 (θ, φ) = sen θ senφ.

eg(t) = (cos t, sen t).

E bem sabido que a parametrizacao f1 de S2 e regular em todos os pontos (θ, φ) tais que cos θ 6= 0.Da mesma forma, a parametrizacao f2 de S2 e regular em todo ponto (θ, φ) tal que sen θ 6= 0. Alemdisso, e bem sabido que f1 restrita ao conjunto (−π/2, π/2)× [0, 2π) e injetiva, bem como f2 restritaao conjunto (0, π)× [0, 2π) e injetiva. Alem disso, a parametrizacao g de S1 e uma imersao e e injetivaquando restrita ao intervalo [0, 2π). Como U = (−π, π) × [0, 2π)2 e V = (0, π) × [0, 2π)2 segue queΨ1|U e Ψ2|V sao imersoes injetoras.

Recordemos que P = (0, 0, 1) e Q = (1, 0, 0).

Lema 2.3.8. Ψ1|U (U) = (S2 \ {P,−P})× S1 e Ψ2|V (V ) = (S2 \ {Q,−Q})× S1.

Demonstracao. Segue da definicao de f1 que se f13 (θ, φ) = ±1, entao sen θ = ±1, o que implica que

cos θ = 0. Como nao existe ponto (θ, φ, ψ) ∈ U tal que cos θ = 0, e como P = (0, 0, 1), segue que oconjunto {P,−P} × S1 e a imagem de f1 sao disjuntos. Analogamente se verifica que {Q,−Q} × S1

e a imagem de f2 sao disjuntos.E bem sabido que f1 restrita a (−π/2, π/2) × [0, 2π) cobre S2 \ {P,−P}, assim como f2

restrita a (0, π) cobre S2 \ {Q,−Q}.Segue do que foi dito acima que Ψ1 restrita a U cobre (S2 \ {P,−P})× S1 e Ψ2 restrita a V

cobre (S2 \ {Q,−Q})× S1.

Lema 2.3.9. Ψ esta bem definida.

Demonstracao. Lembremos que Ψ e definida por

Ψ(p) =

Ψ1 ◦ (Ψ1|U )−1(p) if p 6∈ {P,−P} × S1

Ψ2 ◦ (Ψ2|V )−1(p) if p 6∈ {Q,−Q} × S1.

2.3. Mergulhos 25

Para mostrar que Ψ esta bem definida e suficiente mostrar que se p 6∈ {P,−P}×S1 e p 6∈ {Q,−Q}×S1

entaoΨ1 ◦ (Ψ1)−1(p) = Ψ2 ◦ (Ψ2)−1(p). (2.15)

De fato, suponha que p 6∈ {P,−P} × S1 e p 6∈ {Q,−Q} × S1. Defina

(θ1, φ1, ψ1) = (Ψ1)−1(p) e (θ2, φ2, ψ2) = (Ψ2)−1(p).

Para mostrar (2.15) e suficiente mostrar que

Ψ1(θ1, φ1, ψ1) = Ψ2(θ2, φ2, ψ2).

Temos queΨ1(θ1, φ1, ψ1) = p = Ψ2(θ2, φ2, ψ2),

logo pela definicao de Ψ1 e Ψ2 segue que

cos θ1 cosφ1 = cos θ2 (2.16)

cos θ2 senφ1 = sen θ2 cosφ2 (2.17)

sen θ1 = sen θ2 senφ2 (2.18)

cosψ1 = cosψ2 (2.19)

senψ1 = senψ2. (2.20)

Por outro lado as definicoes de Ψ1,Ψ2 fornecem

Ψ11(θ1, φ1, ψ1) = cos θ1 cosφ1

Ψ12(θ1, φ1, ψ1) = cos θ1 senφ1

Ψ13(θ1, φ1, ψ1) = (2 + sen θ1) cosψ1

Ψ14(θ1, φ1, ψ1) = (2 + sen θ1) senψ1

e

Ψ21(θ2, φ2, ψ2) = cos θ2

Ψ22(θ2, φ2, ψ2) = sen θ2 cosφ2

Ψ23(θ2, φ2, ψ2) = (2 + sen θ2 senφ2) cosψ2

Ψ24(θ2, φ2, ψ2) = (2 + sen θ2 senφ2) senψ2.

2.3. Mergulhos 26

Agora (2.16) e (2.17) implicamΨ1

1(θ1, φ1, ψ1) = Ψ21(θ2, φ2, ψ2)

eΨ1

2(θ1, φ1, ψ1) = Ψ22(θ2, φ2, ψ2).

Alem disso, (2.18) e (2.19) implicam

(2 + sen θ1) cosψ1 = (2 + sen θ2 senφ2) cosψ2.

Disso segue queΨ1

3(θ1, φ1, ψ1) = Ψ23(θ2, φ2, ψ2).

Finalmente (2.18) e (2.20) implicam

(2 + sen θ1) senψ1 = (2 + sen θ2 senφ2) senψ2,

e segue queΨ1

4(θ1, φ1, ψ1) = Ψ24(θ2, φ2, ψ2).

Isso prova (2.15).

Lema 2.3.10. Ψ e um mergulho.

Demonstracao. Ja mostramos que a aplicacao Ψ esta bem definida. Dos lemas 2.3.5, 2.3.7 e dadefinicao de Ψ segue que Ψ e localmente uma imersao injetiva, pois e localmente a composicao deimersoes injetoras. Como ser imersao e uma condicao local, segue que Ψ e uma imersao.

Para provar que Ψ e um mergulho, temos apenas que provar que Ψ e injetiva ([13] p. 23).Para tanto procedemos como se seque. Pelo Lema 2.3.8 temos

Ψ1(U) = (S2 \ {P,−P})× S1

Ψ2(V ) = (S2 \ {Q,−Q})× S1.

Segue dos lemas 2.3.5, 2.3.7 e da definicao de Ψ que Ψ e injetiva quando restrita aos conjuntos Ψ1(U)e Ψ2(V ). Para mostrar que Ψ e injetiva, resta mostrar que p 6= q implica Ψ(p) 6= Ψ(q) nos seguintescasos:

1. 1. p 6∈ Ψ2(V ), q ∈ Ψ2(V )

2. 2. p 6∈ Ψ1(U), q ∈ Ψ1(U).

Apenas consideramos o caso 1 uma vez que o caso 2 e analogo. Se p 6∈ Ψ2(V ), entaop ∈ {Q,−Q} × S1. Seja (θ, φ, ψ) = (Ψ1|U )−1(p). Como Ψ1(θ, φ, ψ) ∈ {Q,−Q} × S1, segue que

2.4. Prova do Teorema 2.1.2 27

f1(θ, φ) = ±Q. Como Q = (1, 0, 0), segue que sen θ = 0, o que implica que cos θ = ±1. Comof12 (θ, φ) = 0 e cos θ = ±1, segue que senφ = 0, o que implica que cosφ = ±1. Dessa maneira Ψ(p) =

Ψ1(θ, φ, ψ) = (±1, 0, 2 cosψ, 2 senψ). Por outro lado, como q ∈ Ψ2(V ), temos f2((Ψ2|V )−1(q)) 6∈{Q,−Q} × S1. Isso implica que o cosseno da primeira coordenada de (Ψ2|V )−1(q) nao pertence a{1,−1}. Segue que a primeira coordenada de Ψ2((Ψ2|V )−1(q)) nao pode pertencer a {1,−1}, e logoΨ(p) 6= Ψ(q), finalizando a prova.

2.4 Prova do Teorema 2.1.2

Seja Φ : T 3 → C2 a aplicacao definida na Subseccao 2.3. Entao, Φ e um mergulho peloTeorema 2.3.1. Fixe λ = (λ1, λ2) ∈ (C \ {0}) × (C \ {0}) e seja Zλ o campo vetorial linear associadoa λ na Equacao 2.1. Provaremos que Φ(T 3) e transversal a FZλ

se e somente se λ1/λ2 ∈ C \ R. Paratanto procedemos como se segue. Sem perda de generalidade, podemos supor que λ1 = 1, e logopodemos escrever λ = λ2 por simplicidade. Entao λ = λ2/λ1. Como λ1/λ2 ∈ C \ R se e somente seλ = λ2/λ1 ∈ C \R, devemos provar que Φ(T 3) e transversal a FZλ

se e somente se λ ∈ C \R. Seja Xλ

e JXλ os campos vetoriais reais associados a Zλ como na Seccao 2.2.Primeiro suponhamos que λ ∈ C\R. Fixe q0 ∈ Φ(T 3). Entao, a aplicacao ϕ = Φ′ definida no

inıcio da Subsecao 2.3 e uma parametrizacao local em torno de q0 ∈ Φ(T 3). Escrevendo p = (θ, φ, ψ)temos det

(∂Φ′∂θ (p), ∂Φ′

∂φ (p), ∂Φ′∂ψ (p), Xλ(Φ′(p))

)=

det

− sen θ cosφ −(2 + cos θ) senφ 0 (2 + cos θ) cosφ− sen θ senφ (2 + cos θ) cosφ 0 (2 + cos θ) senφcos θ cosψ 0 −(2 + sen θ) senψ (2 + sen θ)(Re(λ) cosψ − Im(λ) senψ)cos θ senψ 0 (2 + sen θ) cosψ (2 + sen θ)(Re(λ) senψ + Im(λ) cosψ)

.

Fazendo os calculo obtemos

det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), Xλ(φ(p))

)= (2 + cos θ)(2 + sen θ)·

· [Re(λ) sen θ(2 + sen θ) + cos θ(2 + cos θ)]. (2.21)

Por outro lado, det(∂Φ′∂θ (p), ∂Φ′

∂φ (p), ∂Φ′∂ψ (p), JXλ(Φ′(p))

)=

det

− sen θ cosφ −(2 + cos θ) senφ 0 −(2 + cos θ) senφ− sen θ senφ (2 + cos θ) cosφ 0 (2 + cos θ) cosφcos θ cosψ 0 −(2 + sen θ) senψ −(2 + sen θ)(Re(λ) senψ + Im(λ) cosψ)cos θ senψ 0 (2 + sen θ) cosψ (2 + sen θ)(Re(λ) cosψ − Im(λ) senψ)

,

2.4. Prova do Teorema 2.1.2 28

e com os calculos obtemos

det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), JXλ(Φ′(p))

)= − Im(λ) · sen θ · (2 + cos θ) · (2 + sen θ)2. (2.22)

Como λ ∈ C \ R temos Im(λ) 6= 0. Logo se sen θ 6= 0, temos que

det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), JXλ(Φ′(p))

)6= 0

e logo

det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), Xλ(Φ′(p))

)2

+ det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), JXλ(Φ′(p))

)2

> 0. (2.23)

Analogamente se sen θ = 0 temos que

det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), Xλ(Φ′(p))

)6= 0,

e logo a Desigualdade 2.23 vale tambem nesse caso. Consequentemente a Desigualdade 2.23 vale paratodo p, e portanto FZλ

e transversal a Φ(T 3) pelo Lema 2.2.2-(ii).Agora, suponhamos que FZλ

e transversal a Φ(T 3). Por contradicao, suponhamos que λ 6∈C\R. Entao, λ ∈ R e logo Im(λ) = 0. Como FZλ

e transversal a Φ(T 3) segue de (2.21), (2.22) e Lema2.2.2-(i) que

(2 + cos θ)(2 + sen θ)[Re(λ) sen θ(2 + sen θ) + cos θ(2 + cos θ)

] 6= 0 (2.24)

o que e equivalente a1

Re(λ)6= tg θ

(2 + sen θ)(2 + cos θ)

(2.25)

para todo θ. Mas 2 + sen θ e 2 + cos θ sao ambos limitados e positivos para θ ∈ R. Logo, a expressao(2 + sen θ)/(2 + cos θ) e limitada e positiva para θ ∈ R. Por outro lado, a aplicacao trigonometricatg θ e contınua no intervalo (−π/2, π/2), e satisfaz

limθ→(−π/2)+

tg θ = −∞ e limθ→(π/2)−

tg θ = ∞.

Entao, a aplicacao θ → tg θ 2+sen θ2+cos θ e tambem contınua em (−π/2, π/2) e satisfaz

limθ→(−π/2)+

tg θ2 + sen θ2 + cos θ

= −∞ e limθ→(π/2)−

tg θ2 + sen θ2 + cos θ

= ∞.

2.5. Prova do Teorema 2.1.3 29

Segue entao do Teorema do Valor Intermediario que existe θ ∈ (−π/2, π/2) tal que

1Re(λ)

= tg θ(2 + sen θ)(2 + cos θ)

.

Portanto, a Desigualdade 2.25 nao vale para todo θ. Isso e uma contradicao, o que prova o resultado.

2.5 Prova do Teorema 2.1.3

Seja Ψ : S2 × S1 → C2 a aplicacao definida na Equacao 2.5 (ver Subsecao 2.3). Entao, Ψ eum mergulho pelo Teorema 2.3.4. Fixe λ = (λ1, λ2) ∈ (C \ {0})× (C \ {0}) e seja Zλ o campo vetoriallinear associado a λ na Equacao 2.1. Devemos provar que Ψ(S2×S1) e transversal a FZλ

se e somentese λ1/λ2 ∈ C \ R. Para tanto procedemos como se segue. Como anteriormente, suponhamos λ1 = 1 eescrevamos λ = λ2. Entao λ = λ2/λ1 e logo devemos provar que Ψ(S2 × S1) e transversal a FZλ

se esomente se λ ∈ C \ R. Sejam Xλ e JXλ os campos vetoriais reais asociados a Zλ como na Secao 2.2.

Primeiramente vamos supor que λ ∈ C \ R. Fixe q0 ∈ Ψ(S2 × S1). Combinando a definicaode Ψ com o Lema 2.3.6 obtemos S = Ψ(S2 × S1), onde S ⊂ C2 e definido na Equacao 2.7. Pelo Lema2.3.7 temos que Ψ1|U e Ψ2|V sao parametrizacoes de S. Como S = Ψ1(U)∪Ψ2(V ) temos dois casos, asaber q0 ∈ Ψ1(U) e q0 ∈ Ψ2(V ) \Ψ1(U). Suponhamos q0 ∈ Ψ1(U). Nesse caso temos que a aplicacaoϕ = Ψ1|U e uma parametrizacao em torno de q0. Escreva p = (θ, φ, ψ) ∈ U. Um calculo fornece

det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), Xλ(Ψ1(p))

)

= cos θ · (2 + sen θ) · [Re(λ) sen θ(2 + sen θ) + (cos θ)2]

(2.26)

e

det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), JXλ(Ψ1(p))

)= − Im(λ) sen θ cos θ(2 + sen θ)2. (2.27)

Como p ∈ U, cos θ 6= 0. Tambem, por hipotese, temos Im(λ) 6= 0. Se sen θ = 0, a Equacao 2.26 fornece

det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), Xλ(Ψ1(p))

)6= 0,

e se sen θ 6= 0, a Equacao 2.27 fornece

det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), JXλ(Ψ1(p))

)6= 0.

2.5. Prova do Teorema 2.1.3 30

Em qualquer um dos casos obtemos

det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), Xλ(Ψ1(p))

)2

+ det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), JXλ(Ψ1(p))

)2

> 0 (2.28)

para todo p ∈ U . Consequentemente a parametrizacao ϕ = Ψ1|U satisfaz a Desigualdade 2.2 no Lema2.2.2.

Agora suponhamos que q0 ∈ Ψ2(V ) \ Ψ1(U). Nesse caso a aplicacao ϕ = Ψ2|V e umaparametrizacao em torno de q0. Recordemos que

Ψ21(θ, φ, ψ) = cos θ

Ψ22(θ, φ, ψ) = sen θ cosφ

Ψ23(θ, φ, ψ) = (2 + sen θ senφ) cosψ

Ψ24(θ, φ, ψ) = (2 + sen θ senφ) senψ.

eU = (−π/2, π/2)× [0, 2π)2.

Pelo Lema 2.3.6 e pela Equacao 2.9, se (x1, x2, x3, x4) pertence a imagem de Ψ2 mas (x1, x2, x3, x4) 6∈Ψ1(U), entao x1 = x2 = 0. Logo se p = (θ, φ, ψ) ∈ V e tal que Ψ2(p) 6∈ Ψ1(U) entao cos θ = 0. Segueque sen θ = 1 ou sen θ = −1. Suponhamos que sen θ = 1. Um calculo fornece

det(∂Ψ2

∂θ(p),

∂Ψ2

∂φ(p),

∂Ψ2

∂ψ(p), Xλ(Ψ2(p))

)= −(2 + senφ)

[Re(λ)(2 + senφ) senφ+ cosφ

](2.29)

e

det(∂Ψ2

∂θ(p),

∂Ψ2

∂φ(p),

∂Ψ2

∂ψ(p), JXλ(Ψ2(p))

)= Im(λ)(2 + senφ)2 senφ. (2.30)

Se senφ = 0, entao cosφ 6= 0, nesse caso a Equacao 2.29 fornece

det(∂Ψ2

∂θ(p),

∂Ψ2

∂φ(p),

∂Ψ2

∂ψ(p), Xλ(Ψ2(p))

)6= 0,

e se senφ 6= 0, (2.30) implica

det(∂Ψ2

∂θ(p),

∂Ψ2

∂φ(p),

∂Ψ2

∂ψ(p), JXλ(Ψ2(p))

)6= 0.

Em qualquer caso, obtemos que a parametrizacao ϕ = Ψ2|V satisfaz a Desigualdade 2.2 no Lema 2.2.2.

2.5. Prova do Teorema 2.1.3 31

Se sen θ = −1 temos

det(∂Ψ2

∂θ(p),

∂Ψ2

∂φ(p),

∂Ψ2

∂ψ(p), Xλ(Ψ2(p))

)= (2− senφ)[cosφ− Re(λ)(2− senφ) senφ)]

e

det(∂Ψ2

∂θ(p),

∂Ψ2

∂φ(p),

∂Ψ2

∂ψ(p), JXλ(Ψ2(p))

)= Im(λ)(2− senφ)2 senφ.

Novamente podemos ter senφ = 0 ou senφ 6= 0. O mesmo raciocınio usado no caso acima prova queem qualquer situacao a parametrizacao ϕ = Ψ2|V satisfaz a Desigualdade 2.2 no Lema 2.2.2.

O acima prova que para todo q0 ∈ Ψ(S2 × S1) existe uma parametrizacao ϕ em torno de q0satisfazendo a hipotese do Lema 2.2.2-(ii), e, portanto, FZλ

e transversal a Ψ(S2 × S1).Agora suponhamos que FZλ

e transversal a Ψ(S2 × S1). Suponhamos por contradicao queλ 6∈ C \R. Entao λ ∈ R e logo Im(λ) = 0. Por outro lado, como FZλ

e transversal a Ψ segue de (2.26),(2.27) e do Lema 2.2.2-(i) que

cos θ · (2 + sen θ) · [Re(λ) · sen θ · (2 + sen θ) + (cos θ)2] 6= 0

para todo θ ∈ (−π/2, π/2) (como p = (θ, φ, ψ) ∈ U, o domınio onde Ψ1 e regular). Alem dissoθ ∈ (−π/2, π/2) implica que cos θ 6= 0 o que junto com a desigualdade acima fornece

Re(λ) · sen θ · (2 + sen θ) + (cos θ)2 6= 0, ∀θ ∈ (−π/2, π/2).

Essa ultima desigualdade implica

Re(λ) 6= − (cos θ)2

sen θ · (2 + sen θ), ∀θ ∈ (−π/2, π/2) \ {0}. (2.31)

Por outro lado, a aplicacao θ ∈ (−π/2, π/2) \ {0} → − (cos θ)2

sen θ·(2+sen θ) e contınua e satisfaz

limθ→(−π/2)+

− (cos θ)2

sen θ · (2 + sen θ)= lim

θ→(π/2)−− (cos θ)2

sen θ(2 + sen θ)= 0

e

limθ→0−

− (cos θ)2

sen θ · (2 + sen θ)= ∞ e lim

θ→0+− (cos θ)2

sen θ(2 + sen θ)= −∞.

Entao, essa aplicacao assume todo numero real nao nulo como valor no conjunto (−π/2, π/2) \ {0}.Em particular, ∃θ ∈ (−π/2, π/2) \ {0} tal que

Re(λ) = − (cos θ)2

sen θ(2 + sen θ),

2.6. O caso nao linear 32

o que contradiz (2.31). Essa contradicao prova que λ ∈ C \ R e o resultado segue.

2.6 O caso nao linear

Nesta secao consideramos um outro campo vetorial ao inves do campo linear Zλ. Os exemplosque temos em mente sao os campos Zn em C2 da forma

Zn(x, y) = λ1x∂

∂x+ (λ2y + xn)

∂y, λ2 = nλ1, n ≥ 2

Um campo vetorial como acima esta na forma normal de Poincare-Dulac. A motivacao para tratar detais campos vetoriais e o fato bem conhecido de que todos os campos vetoriais holomorfos no domıniode Poincare em C2 sao conjugados a sua parte linear ou a forma normal de Poincare-Dulac [4]. Comoja consideramos o caso linear nas secoes anteriores, seria interessante considerar tambem o caso daforma normal de Poincare-Dulac. No entanto, obtemos resultados negativos para os mergulhos Φ e Ψdefinidos na Secao 2.3. Obviamente, e possıvel que existam outros mergulhos T 3 → C2 e S2×S1 → C2

transversais a Zn para algum n ≥ 2. Como no caso linear, vamos supor λ1 = 1.

Teorema 2.6.1. Sejam Φ : T 3 → C2 e Ψ : S2×S1 → C2 os mergulhos definidos na Secao 2.3. Entao,nem Φ(T 3) nem Ψ(S2 × S1) sao transversais a FZn, ∀n ≥ 2.

A prova segue dos lemas abaixo. O primeiro e um calculo direto.

Lema 2.6.2. Se Xn e JXn sao os campos vetoriais reais definidos na Secao 2.2 para Z = Zn, entao

Xn = x1∂

∂x1+ x2

∂x2+

(nx3 +

n′∑

k=0

(−1)k(n

2k

)xn−2k

1 x2k2

)∂

∂x3

+

(nx4 +

m′∑

k=0

(−1)k(

n

2k + 1

)xn−(2k+1)1 x2k+1

2

)∂

∂x4

e

JXn = −x2∂

∂x1+ x1

∂x2−

(nx4 +

m′∑

k=0

(−1)k(

n

2k + 1

)xn−(2k+1)1 x2k+1

2

)∂

∂x3

+

(nx3 +

n′∑

k=0

(−1)k(n

2k

)xn−2k

1 x2k2

)∂

∂x4

onde os inteiros n′ e m′ sao definidos por:

n′ =

n/2 se n e par

(n− 1)/2 se n e ımpar,(2.32)

2.6. O caso nao linear 33

m′ =

n′ − 1 se n e par

n′ + 1 se n e ımpar.(2.33)

Agora a prova se divide em dois lemas. No que se segue Φ : T 3 → C2 eΨ : S2 × S1 → C2 sao os mergulhos definidos na Secao 2.3.

Lema 2.6.3. Φ(T 3) nao e transversal a FZn para n ≥ 2.

Demonstracao. A prova e um calculo longo (porem direto). Pelo Lema 2.2.2 temos que FZn nao etransversal a Φ se existir p ∈ R3 tal que

det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), Xn(Φ′(p))

)2

+ det(∂Φ′

∂θ(p),

∂Φ′

∂φ(p),

∂Φ′

∂ψ(p), JXn(Φ′(p))

)2

= 0. (2.34)

Devemos encontrar θ0, φ0 e ψ0 tais que (2.34) vale para p = (θ0, φ0, ψ0).Recordemos das expressoes dos campos vetoriais Xn e JXn no Lema 2.6.2. Calculando temos

det(∂Φ′∂θ (p), ∂Φ′

∂φ (p), ∂Φ′∂ψ (p), Xn(Φ′(p))

)=

sen θ(2 + cos θ)(2 + sen θ)[n(2 + sen θ) + (2 + cos θ)n(cosψΣ1 + senψΣ2)

]

+ cos θ(2 + sen θ)(2 + cos θ)2 (2.35)

e det(∂Φ′∂θ (p), ∂Φ′

∂φ (p), ∂Φ′∂ψ (p), JXn(Φ′(p))

)=

− sen θ(2 + cos θ)n+1(2 + sen θ)(cosψΣ2 − senψΣ1), (2.36)

onde

Σ1 =n′∑

k=0

(−1)k(n

2k

)(cosφ)n−2k(senφ)2k (2.37)

e

Σ2 =m′∑

k=0

(−1)k(

n

2k + 1

)(cosφ)n−(2k+1)(senφ)2k+1, (2.38)

n′ e m′ sao como definidos nas Equacoes 2.32 e 2.33. Separaremos os casos em que n e par e em quen e ımpar.

Se n for par, escolhamos φ0 e ψ0 de tal maneira que cosφ0 = 0 e senψ0 = 0. Para essaescolha, segue da Equacao 2.38 que Σ2 = 0, e substituindo senψ0 = 0 e Σ2 = 0 na Equacao 2.36 nos

2.6. O caso nao linear 34

dadet

(∂Φ′

∂θ(θ, φ0, ψ0),

∂Φ′

∂φ(θ, φ0, ψ0),

∂Φ′

∂ψ(θ, φ0, ψ0), JXn(Φ′(θ, φ0, ψ0))

)= 0. (2.39)

Lembremos que quando n e par, n′ = n/2. Como cosφ0 = 0, temos que senφ0 = ±1, e como n e par,a Equacao 2.37 se reduz a Σ1 = (−1)n

′. Alem disso, senψ0 = 0 implica que cosψ0 = ±1. Escolhemos

o sinal de cosψ0 da seguinte forma: se n′ e par, tomamos ψ0 tal que cosψ0 = 1. Caso n′ seja ımpar,tomamos ψ0 tal que cosψ0 = −1. Substituindo tudo na Expressao 2.35, temos que

det(∂Φ′

∂θ(θ0, φ0, ψ0),

∂Φ′

∂φ(θ0, φ0, ψ0),

∂Φ′

∂ψ(θ0, φ0, ψ0), Xn(Φ′(θ0, φ0, ψ0))

)= 0 (2.40)

dado que podemos escolher θ0 de tal maneira que

n = − tg θ02 + sen θ0 + (2 + cos θ0)n

2 + cos θ0. (2.41)

Vamos provar que tal θ0 existe. De fato, a expressao

2 + sen θ + (2 + cos θ)n

2 + cos θ(2.42)

e positiva e limitada. Mais do que isso, seu conjunto de valores esta contido em um intervalo compactonao contendo 0. Logo segue que

limθ→π/2

− tg θ2 + sen θ + (2 + cos θ)n

2 + cos θ= −∞ (2.43)

elim

θ→−π/2− tg θ

2 + sen θ + (2 + cos θ)n

2 + cos θ= ∞. (2.44)

Como o lado direito da Equacao 2.41 e contınuo para θ ∈ (−π/2, π/2), as Equacoes 2.43 e 2.44implicam que ∃ θ0 ∈ (−π/2, π/2) tal que a Equacao 2.41 vale.

Segue que se n e par, e θ0, φ0 e ψ0 sao como acima, entao as Equacoes 2.39 e 2.40 valem,implicando que a Equacao 2.34 vale para p = (θ0, φ0, ψ0). Isso prova que FZn nao e transversal a Φ.

A prova quando n e ımpar e conduzida como se segue. Escolha φ0 e ψ0 tais que cosφ0 = 0e cosψ0 = 0. Para tal escolha, segue da Equacao 2.37 que Σ1 = 0, e substituindo cosψ0 = 0 e Σ1 = 0na Equacao 2.36 temos que a Equacao 2.39 vale para φ0, ψ0 como acima. Lembremos que quando n eımpar, m′ = (n − 1)/2 + 1. Como cosφ0 = 0, temos que senφ0 = ±1, e como n e ımpar a Equacao2.38 se reduz a Σ2 = (−1)m

′. Alem disso, cosψ0 = 0 implica que senψ0 = ±1. Como no caso acima,

escolhemos o sinal de senψ0 segundo m′: se este for par, tomamos senψ0 = 1. Se for ımpar, tomamossenψ0 = −1. Substituindo essas escolhas na Expressao 2.35 vemos que det

(∂Φ∂θ ,

∂Φ∂φ ,

∂Φ∂ψ , Xn

)= 0 dado

2.6. O caso nao linear 35

que possamos escolher θ0 de tal meneira que

n = − tg θ02 + sen θ0 + (2 + cos θ0)n

2 + cos θ0. (2.45)

Mas ja provamos acima (cf. a prova da Equacao 2.41) que tal θ0 sempre existe.

Lema 2.6.4. Ψ(S2 × S1) nao e transversal a FZn para n ≥ 2.

Demonstracao. Novamente um calculo longo (porem direto). Pelo Lema 2.2.2 e suficiente mostrar queexiste p ∈ U tal que

det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), Xn(Ψ1(p))

)2

+ det(∂Ψ1

∂θ(p),

∂Ψ1

∂φ(p),

∂Ψ1

∂ψ(p), JXn(Ψ1(p))

)2

= 0 (2.46)

Vamos encontrar θ1, φ1 e ψ1 tais que a Equacao 2.46 vale para p = (θ1, φ1, ψ1) ∈ U .Recordemos a expressao dos campos vetoriais Xn e JXn no Lema 2.6.2. Calculando temos

det(∂Ψ1

∂θ (p), ∂Ψ1

∂φ (p), ∂Ψ1

∂ψ (p), Xn(Ψ1(p)))

=

sen θ cos θ(2 + sen θ)[n(2 + sen θ) + (cos θ)n(cosψΣ1 + senψΣ2)

]+ (cos θ)3(2 + sen θ) (2.47)

e det(∂Ψ1

∂θ (p), ∂Ψ1

∂φ (p), ∂Ψ1

∂ψ (p), JXn(Ψ1(p)))

=

− sen θ(cos θ)n+1(2 + sen θ)(cosψΣ2 − senψΣ1), (2.48)

onde Σ1 e Σ2 sao como definidos nas Equacoes 2.37 e 2.38. Vamos separar os casos onde n e par eonde n e ımpar.

Se n for par, escolha φ1 e ψ1 de tal maneira que cosφ1 = 0 e senψ1 = 0. Para tal escolha,segue da Equacao 2.38 que Σ2 = 0, e substituindo senψ1 = 0 e Σ2 = 0 na Equacao 2.48 temos

det(∂Ψ1

∂θ(θ, φ1, ψ1),

∂Ψ1

∂φ(θ, φ1, ψ1),

∂Ψ1

∂ψ(θ, φ1, ψ1), JXn(Ψ1(θ, φ1, ψ1))

)= 0. (2.49)

Lembremos de que quando n e par, n′ = n/2. Como cosφ1 = 0, temos que senφ1 = ±1, e como n epar, a Equacao 2.37 se reduz a Σ1 = (−1)n

′Alem disso, senψ1 = 0 implica que cosψ1 = ±1. Se n′

for par, escolhemos ψ0 de tal maneira que n′ cosψ0 = 1. Se n′ for ımpar, escolhemos cosψ0 = −1.Substituindo tudo na Expressao 2.47 e manipulando, vemos que

det(∂Ψ1

∂θ(θ1, φ1, ψ1),

∂Ψ1

∂φ(θ1, φ1, ψ1),

∂Ψ1

∂ψ(θ1, φ1, ψ1), Xn(Ψ1(θ1, φ1, ψ1))

)= 0 (2.50)

2.6. O caso nao linear 36

vale se pudermos escolher θ1 ∈ (−π/2, π/2) de tal maneira que

− sen θ1(cos θ1)2

[(2 + sen θ1) + (cos θ1)n] = n. (2.51)

A expressao (2 + sen θ) + (cos θ)n e limitada e positiva para todo θ ∈ (−π/2, π/2) e n ≥ 2. Mais doque isso, seus valores estao contidos em um intervalo compacto nao contendo 0. Segue que

limθ→−π/2

− sen θ(cos θ)2

[(2 + sen θ) + (cos θ)n] = ∞ (2.52)

elim

θ→π/2− sen θ

(cos θ)2[(2 + sen θ) + (cos θ)n] = −∞. (2.53)

Como o lado esquerdo de (2.51) e contınuo para θ ∈ (−π/2, π/2), (2.52) e (2.53) implicam que∃ θ ∈ (−π/2, π/2) tal que (2.51) vale, o que implica a Equacao 2.50.

Logo, se n for par, entao as Equacoes 2.50 e 2.49 valem, o que implica que a Equacao 2.46vale para p = (θ1, φ1, ψ1) ∈ U.

Resta provar que se n for ımpar entao existe p ∈ U tal que a Equacao 2.46 vale. A prova nessecaso e conduzida como se segue. Escolha φ1 e ψ1 tais que cosφ1 = 0 e cosψ1 = 0. Para essa escolha,segue da Equacao 2.37 que Σ1 = 0, e substituindo cosψ0 = 0 e Σ1 = 0 na Equacao 2.48 fornece quea Equacao 2.49 vale para φ1, ψ1 como acima. Lembremos que quando n e ımpar, m′ = (n− 1)/2 + 1.Como cosφ1 = 0, temos que senφ1 = ±1, e como n e ımpar, a Equacao 2.38 se reduz a Σ2 = (−1)m

′.

Alem disso, cosψ1 = 0 implica que senψ1 = ±1. Novamente, escolhemos o sinal de senψ0 segundo m′:se este for par, tomamos senψ0 = 1. Se for ımpar, tomamos senψ0 = −1. Substituindo na Expressao2.47 vemos que a Equacao 2.50 vale dado que possamos escolher θ1 de tal meneira que

− sen θ1(cos θ1)2

[(2 + sen θ1) + (cos θ1)n] = n.

Mas ja provamos acima (cf. a prova da Equancao 2.51) que tal θ1 sempre existe.

Referencias Bibliograficas

[1] F. P. Greenleaf, Invariant means on topological groups, Van Nostrand, New York, 1969.

[2] J. Plante, Foliations with measure preserving holonomy, Ann. of Math. (2) 102 (1975), 327–361.

[3] , Solvable groups acting on the line, Trans. Amer. Math. Soc. 278 (1983), 401–414.

[4] Arnold, V., I., Geometrical methods in the theory of ordinary differential equations, Translatedfrom the Russian by Joseph Szucs [Jozsef M. Szucs]. Second edition. Grundlehren der Mathema-tischen Wissenschaften [Fundamental Principles of Mathematical Sciences], 250. Springer-Verlag,New York, 1988.

[5] Haefliger, A., Ito, T., Non-existence d’applications transversaux a F de variete fermee de dimen-sion trois dans C2 \ {0} muni du feuilletage holomorphe F sur C2 \ {0} defini par le champ devecteurs leneaire X dans C2. Preprint.

[6] Hirsch, M., Differential topology. Graduate Graduate Texts in Mathematics, No. 33. Springer-Verlag, New York-Heidelberg, 1976.

[7] Ito, T., Transversality of linear holomorphic vector field on Cn, Stability Theory and RelatedTopics in Dynamical Systems (Nagoya, 1988) 73–79, World Sci. Adv. Ser. Dynam. Systems, 6,World Sci. Publishing, Teaneck, NJ, 1989.

[8] Ito, T., A Poincare-Bendixson type theorem for holomorphic vector fields, SurikaisekikenkyushoKokyuroku No. 878, (1994), 1–9.

[9] Ito, T., The number of compact leaves of a one-dimensional foliation on the (2n− 1)-dimensionalsphere S2n−1 associated with a holomorphic vector field, Topology of holomorphic dynamicalsystems and related topics (Japanese) (Kyoto, 1995). Surikaisekikenkyusho Kokyuroku No. 955,(1996), 75–79.

[10] Ito, T., Scardua, B., On holomorphic one-forms transverse to closed hypersurfaces, (English.English, Portuguese summary) An. Acad. Brasil. Cienc. 75 (2003), no. 3, 265–269.

37

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 38

[11] Ito, T., Scardua, B., A Poincare-Hopf-type theorem for holomorphic one-forms, Topology (Toappear).

[12] Ito, T., Scardua, B., On real transverse sections of holomorphic foliations, To appear.

[13] Janich, K., Topology, with a chapter by Theodor Brocker. Translated from the German by SilvioLevy. Undergraduate Texts in Mathematics. Springer-Verlag, New York, 1984.