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Orbis: Revista Científica
Volume 2, n.2
ISSN 2178-4809 Latindex Folio 19391
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ACESSIBILIDADE ARQUITETÔNICA COMO DIREITO HUMANO
DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Domingos do Nascimento Nonato
1
RESUMO
O presente artigo científico versa sobre as condições de acessibilidade arquitetônica como
direito humano das pessoas com deficiência. O mesmo se justifica a partir da constatação de
que os serviços públicos ou privados, os ambientes de uso coletivo e de uso público, os
elementos da urbanização, os mobiliários urbanos e a arquitetura das edificações dos
múltiplos espaços que constituem os ambientes urbanos e rurais das cidades brasileiras não
possibilitam que as pessoas com deficiência possam acessá-los, usá-los, e se locomover com
liberdade, autonomia, independência e segurança. Como metodologia, utilizamos a pesquisa e
análise bibliográfica e legislativa pertinente, e observação in loco, de modo a demonstrarmos
que respectivos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, em leis
infraconstitucionais, em leis orgânicas e planos diretores da maioria dos municípios, bem
como em declarações, pactos, programas e convenções internacionais e outras leis esparsas
não são efetivados. O resultado dimensiona para a importância do processo de inclusão das
pessoas com deficiência, o qual depende de ampla concretização principalmente no plano dos
fatos, em reconhecimento e respeito às diferenças e a concretização do princípio da dignidade
da pessoa humana.
PALAVRAS-CHAVE: Acessibilidade arquitetônica. Direitos humanos. Dignidade da pessoa
humana. Respeito à diferença. Inclusão social.
ARCHITECTURAL ACCESSIBILITY AS A HUMAN RIGHT FOR PEOPLE WITH
DISABILITIES
ABSTRACT
This research paper deals with the conditions of architectural accessibility as a human right of
disabled people. The same is justified by the observation that public or private environments
for collective use and public use, the elements of urbanization, urban furniture and
architecture of the buildings of the multiple spaces that constitute the urban and rural towns
Brazil does not allow people with disabilities can access them, use them, and move with
freedom, autonomy, independence and security. The methodology used to research and
literature review and relevant legislation, and on-site observation in order to demonstrate that
their rights guaranteed in the Constitution of 1988, infra laws in organic laws and master
plans of most municipalities, as well as statements, agreements, programs and other
international conventions and laws are not sparse effect. The result scales to the importance of
the inclusion of disabled people, which depends mainly on broad implementation plan of the
facts, recognize and respect differences and the implementation of the principle of human
dignity.
KEY-WORDS: Architectural accessibility, human rights, human dignity, respect for
differences and social inclusion. 1 Licenciado Pleno e Bacharel em História pela Universidade Federal do Pará. Bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Pará. Especialista em Metodologia do Ensino de História pela FACINTER. Especialista
em Direito do Trabalho. Professor de História da Secretaria Estadual de Educação do Pará. Mestrando em
Direitos Humanos e Inclusão Social pela Universidade Federal do Pará. Estuda sobre direitos humanos e grupos
sociais vulneráveis, com destaque para as pessoas com deficiência e negros. E-mail: [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
Ao recorrermos ao dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2010, p. 87),
observamos que os significados do termo acessibilidade (do latim accessibilitate) são os que
designam a qualidade de acessível e de facilidade na aproximação, no trato ou na obtenção de
algo.
Por essa definição, o vocábulo acessibilidade tem acepção bastante ampla, a ponto de
não ser aplicável exclusivamente às pessoas com deficiência, mas também a todos aquelas
que não se enquadram, milimetricamente, nesse grupo de seres humanos. Contudo, ela tem
maior peso para atendimento às pessoas com deficiência, que de acordo com o artigo 1º da
Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (2006), “são aquelas que têm
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas”.
No plano normativo brasileiro, a significação de acessibilidade está grafada na Lei nº
10.098, de 19.12.2000, cujo artigo 2º, I, a enuncia nos seguintes termos:
[...] possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia,
dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e
dos sistemas e meios de comunicação, por pessoas portadoras de deficiência e com
mobilidade reduzida.
Urge invocar, ainda, a definição de acessibilidade adotada pela Norma Brasileira de
Regulamentação – NBR – 9050:2004 (Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2004), que
a discerne como a “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a
utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário e equipamento
urbano e elementos”
Essas considerações iniciais são importantes, pois a questão da acessibilidade é um
tema social cada vez mais relevante e presente em nossa sociedade. Isso se justifica pelo fato
de que as cidades brasileiras, em sua grande maioria, não estão preparadas para possibilitar
que as pessoas com deficiência possam acessar, permanecer e utilizar os múltiplos espaços,
das edificações, dos mobiliários urbanos, dos elementos da urbanização, dos equipamentos
urbanos e dos serviços de uso público e coletivo, com autonomia, segurança, independência e
comodidade. Soma-se a isso, existe a barreira cultural, exterirorizada pela sociedade através
da demonstração de indiferenças, de atitudes estigmatizantes, de esteriótipos que consideram
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essas pessoas incapazes de atender com êxito aos objetivos de desenvolvimento econômico e
social do país.
Se por um lado a realidade presente nas cidades é de calçadas sem rebaixamentos,
caixas eletrônicos dos bancos sem as devidas adaptações, ausência de elevadores adequados
nas edificações, rampas sem corrimões e muito inclinadas, transporte coletivo inacessível,
portas de edificações estreitas e banheiros não adaptados nas escolas, nos estabelecimentos
comerciais, nas universidades e outros prédios de uso público e coletivo, por outro, o
preconceito social rotula a pessoa com deficiência como incapaz, imprestável, ao invés de
considerá-la com limitação, desvantagem, diferença ou restrição, permanente ou transitória, o
que a impede de interagir-se com o meio ou de utilizá-lo de modo satisfatório.
Enquanto essa situação permanecer, as pessoas com deficiência terão dificuldades
para exercerem plenamente sua cidadania, continuarão excluídas socialmente. Princípios
basilares constitucionalmentes garantidos como dignidade da pessoa humana, igualdade,
liberdade de locomoção e inclusão social permanecerão sendo desrespeitados.
Portanto, a acessibilidade arquitetônica é um direito básico das pessoas com
deficiência. Ela possibilita àquelas pessoas condições reais de movimentação corporal e o
deslocamento espacial. Seu objetivo é permitir um ganho de autonomia e de mobilidade a um
número cada vez maior de pessoas, uma vez que ela contribui para melhorar, transformar e
criar uma realidade social mais receptiva às pessoas com deficiência, mas também, em grande
medida, para toda a sociedade.
No Brasil existe um número considerável de normas que asseguram as condições de
acessibilidade às pessoas com deficiência. Desse modo, a Constituição Federal de 1988, leis
infraconstitucionais, decretos, leis orgânicas e planos diretores da maioria dos municípios,
bem como declarações, pactos, programas e convenções internacionais garantem a essas
pessoas àqueles direitos.
A despeito de todo esse arcabouço de normas jurídicas, bem como considerando as
contribuições doutrinárias e jurisprudenciais, as condições de acessibilidade arquitetônica não
são devidamente efetivados. Na verdade, há um descumprimento das normas
regulamentadoras atinentes a esses direitos.
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2. A REALIDADE DOS CENTROS URBANOS E DAS ÁREAS RURAIS DOS
MUNICÍPIOS BRASILERIOS COM RELAÇÃO À ACESSIBILIDADE
ARQUITETÕNICA
Ao observarmos os centros urbanos e a áreas rurais dos municípios brasileiros,
constatamos algumas situações de desrespeito às condições de acessibilidade nesses locais:
pouquíssimas rampas de acesso para cadeirantes (as que existem estão, em sua grande
maioria, deterioradas e em desacordo com as normas técnicas e outras especificações
determinadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT); calçadas sem
rebaixamentos e sem sinalizações (piso tátil); banheiros de uso público e coletivo sem
adaptações necessárias; ausência de telefone público adaptado a altura compatível com
usuários de cadeira de rodas; falta de manutenção de calçadas; portas e corredores de locais
públicos e coletivos estreitos; ausência de vaga de estacionamento exclusivo para pessoas
com deficiência física (no estádio de futebol, nos estabelecimentos bancários, nos
supermercados, nas casas lotéricas, nas redes de farmácias, nos hospitais, nos postos de saúde,
nas escolas, nas casas de espetáculos etc); ausência de plataforma ou elevadores nos ônibus;
afora outras estruturas que não são disponibilizadas em favor das pessoas com deficiência.
Adicionam-se as dificuldades que essas pessoas enfrentam para transposição e
superação de barreiras arquitetônicas nas edificações as quais apresentam degraus
inacessíveis. Esses obstáculos físico-estruturais estão também nos balcões das bilheterias e
nas catracas das salas de espetáculos, os quais são construídos em desacordo com o previsto
nas normas técnicas (por exemplo, têm altura bastante elevada); as portas giratórias existentes
nas agências bancárias e outros espaços congêneres são intransponíveis pelas pessoas que
necessitam utilizar cadeira de roda; elevadores e sanitários construídos em medidas que não
acomodam uma cadeira de roda. O cadeirante não pode transitar livremente pelas calçadas da
cidade frente à quantidade muito grande de lixeiras, comércio ambulante, estacionamentos de
ônibus, micro-ônibus, vans e motocicletas em locais proibidos.
Incluem-se nesse diagnóstico, outras barreiras arquitetônicas urbanísticas como
bueiros sem tampa ou grades de proteção, grelhas quebradas, ruas com estrutura asfáltica
quebrada, calçadas deterioradas e rampas demasiadamente inclinadas, além das instalações
inadequadas onde se situam os telefones públicos e a caixa dos correios, o que obrigam as
pessoas com deficiência a utilizarem a rua sem nenhuma proteção ou, ainda, se defrontam
com rampas com declividade acentuada. Diariamente elas se deparam com canteiros de obras,
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tapumes, depósitos de areia, pedras, seixo, tijolos e ferragens, bem como máquinas e outros
equipamentos que são utilizados em construções de obras públicas e particulares. Essas
barreiras acabam causando uma situação de desconforto àquelas pessoas. Elas representam
grandes empecilhos à circulação livre de pessoas com limitação física, além de constituírem
fatores que causam às pessoas com deficiência um elevado grau de dependência social, além
das situações vexatórias e constrangedoras a que são expostas constantemente.
Ademais, nos meios de locomoção ou de transporte coletivo como ônibus, micro-
ônibus e vans poucas são as condições mínimas de acessibilidades. O que ocorre é que o
direito de ir e vir de um lugar para outro não é garantido plenamente, uma vez que esses tipos
de veículos não lhes proporcionam as mínimas condições estruturais de locomoção com
autonomia e segurança.
Inserem-se no rol dos óbices enfrentados no dia a dia pelas pessoas com deficiência
as que decorrem de algumas barreiras físicas como calçadas estreitas, com pavimentos
deteriorados, portas demasiadamente estreitas, escadas inacessíveis em edifícios, calçadas em
péssimas condições físicas e os transportes coletivos urbanos com problemas nos veículos
(acesso, circulação interna e acomodação). A estrutura de circulação urbana (ônibus, micro-
ônibus, vans, calçadas, ruas etc) não é construída pensando nas pessoas com deficiência. Com
isso elas enfrentam problemas de mobilidade junto a vários ambientes sociais frente à
carência de não serem disponibilizadas, em seu favor, condições mínimas de acessibilidade.
Um grande número de municípios não apresenta Conselho Municipal da Pessoa com
Deficiência e de um órgão municipal com a finalidade especial para tratar dos interesses das
pessoas com deficiência, bem como a falta de vontade política por parte do executivo
municipal no sentido de viabilizar políticas públicas destinadas a atender especificamente esse
grupo de pessoas, certamente estão também entre os fatores que compõem o elenco de
problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência nesses municípios.
Esses casos acima são bastante elucidativos quanto às dificuldades enfrentadas
diariamente pelas pessoas com deficiência, em particular àqueles que possuem alguma
limitação físico-orgânica ao transitarem pelos espaços urbanos e rurais dos municípios
brasileiros, compostos por inúmeros ambientes, arquiteturas, edificações, mobiliários,
equipamentos, elementos da urbanização e serviços de uso público e coletivo que são
inadequados àqueles seres humanos. Em um meio ambiente com contexto estrutural como
esse não é nem um pouco receptivo às pessoas com deficiência, por isso, diurtunamente, elas
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têm que contar com a ajuda de outrem, o que não deixe de ser constrangedor, ferindo-lhes, de
certo modo, a dignidade de pessoas humanas.
Apesar do reconhecimento em vários diplomas legais dos direitos humanos de
acessibilidade às pessoas com deficiência, há um descompasso entre o direito posto e a
realidade da vida diária dessas pessoas, ou seja, têm-se reconhecido formalmente esses
direitos, há muita previsão legal, mas pouco espaço para a sua concretização. Se o fosso entre
a idealização das normas e a concretização de seus valores não foi ainda superado, as aludidas
leis se tornam retórica vazia, o que certamente não contribui para o processo de inclusão
social dessas pessoas.
A efetivação dessas condições requer a atuação positiva por parte do Poder Público,
enquanto responsável em promover políticas públicas. O Estado precisa agir para efetivar o
rol dos respectivos direitos; sem essa atuação estatal, as normas que regulamentam esses
direitos caem no vazio prático, perdendo as possibilidades de sua concretude. Segundo
Norberto Bobbio (1992, p. 25), “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos
do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.
A concretização da prestação positiva estatal simboliza o caminho mais viável de
fazer com que as aludidas pessoas se tornem capazes de superar a exclusão social. Como bem
esclarece Raimundo Wilson Gama Raiol (2008, p. 110),
Retirar essas pessoas da exclusão e, logicamente, promover-lhes a inclusão social é
o que se colima com a supressão de barreiras físico-estruturais, pois somente assim
poderão usufruir, igualmente, do direito que as pessoas sem essas necessidades têm
de acesso e de locomover no espaço físico-ambiental. Como base para essa inclusão,
deve haver adequação ou adaptação desse mesmo espaço, seus ingredientes,
acessórios e meios para percorrê-lo, em benefício das pessoas singularizadas por
limitações orgânicas, o que se constitui em prioridade em relação a essas pessoas,
como justificativa de tratamento diferenciado, tendo-as como destinatárias (até
porque, obviamente, dessa prioridade não necessitam as pessoas sem tais
limitações).
As condições acessibilidade arquitetônica funcionam como pressupostos essenciais
ou plataformas para que as pessoas com deficiência ganhem autonomia nos mais diversos
escalões no mundo social e econômico. Eles permitem que essas pessoas planifiquem suas
existências, garantam seus ideais de vida. Educação, saúde, trabalho, lazer etc, são direitos
essenciais de todo e qualquer cidadão, mas no caso específico das pessoas com deficiência, o
exercício pleno desses direitos depende necessariamente da efetividade dos direitos humanos
de acessibilidade.
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Dignidade, igualdade, liberdade de locomoção e inclusão social não podem ser meras
palavras principiológicas elencadas em Constituições, leis infraconstitucionais, decretos
nacionais e em declarações, pactos, convenções e programas internacionais, mas condições
indispensáveis para que toda pessoa possa se desenvolver em sociedade, tendo a possibilidade
de alcançar o máximo de suas potencialidades, contribuindo não só com seu próprio
desenvolvimento, mas com desenvolvimento da sociedade como um todo.
3. DIREITOS HUMANOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Para fundamentar teoricamente o presente artigo, faz-se necessário recorrer à
utilização de todo um arcabouço doutrinário e legislativo produzido no Brasil que demandam
sobre as condições de acessibilidade arquitetônica para as pessoas com deficiência.
3.1. DIREITOS HUMANOS
Não existe uma única e acabada definição para o que sejam os direitos humanos. No
dizer de Dallari (2004, p. 12),
Normalmente a expressão direitos humanos representa uma forma abreviada de se
chamar os direitos fundamentais da pessoa humana. São considerados fundamentais
porque sem eles a pessoa não consegue existir ou não é capaz de viver dignamente,
de se desenvolver e de participar plenamente da vida.
Os direitos humanos são de uma diversidade que cada vez mais se amplia, porque
dizem respeito a todas as pessoas, a todos os indivíduos, a todos os seres humanos, pelo
simples fato de existirem, cabendo à sociedade e, particularmente ao Estado, efetivá-los. Eles
interessam a todos, por que estão ligados à dignidade, à igualdade, à liberdade e à inclusão
social da pessoa humana. Eles facilitam e propiciam o desenvolvimento de todo e qualquer ser
humano, nos mais diferentes setores da vida. A condição de pessoa do ser humano torna-o,
conseqüentemente, sujeito de direitos que lhes são próprios, onde o Estado, assim como a
sociedade, têm a obrigação de respeitá-los. Desse modo, são valiosas as contribuições de José
Cláudio Brito Filho (2002, p. 20), para quem
Direitos Humanos são o conjunto de direitos e garantias conferidos à pessoa humana
enquanto indivíduo, coletividade e gênero, oponíveis e exigíveis contra o Estado e
outras pessoas, visando a igualdade, o respeito à dignidade e o estabelecimento de
condições mínimas de vida e desenvolvimento de todos.
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É possível, ainda, firmar conceito mais sintético, dispondo que Direitos Humanos
são o conjunto mínimo de direitos necessários à preservação da igualdade entre os
homens e da dignidade da pessoa humana.
Observa-se que o referido autor estabelece uma relação intrínseca entre direitos
humanos, dignidade da pessoa humana e igualdade. No caso específico das pessoas com
deficiência, esses valores humanos devem guardar entre si uma relação de interdependência e
complementaridade, de modo a funcionarem de maneira imbricada. Não dá para dissociar
acessibilidade arquitetônica, dignidade da pessoa humana e igualdade, pois no momento da
efetivação daquelas condições, aqueles valores devem ser interpretados e garantidos
conjuntamente para que essas pessoas tenham asseguradas suas liberdades individuais e que o
processo de inclusão social realmente aconteça. Falar em direitos humanos é falar em
dignidade da pessoa humana e igualdade, uma vez que estas alicerçam àqueles. Desse modo,
novamente são valiosas as contribuições de José Cláudio Brito Filho (2002, p. 20), que
assegura que
Os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, são as bases dos
Direitos Humanos, como se pode observar, por exemplo, do preâmbulo da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde consta:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo.
Observamos que as condições de acessibilidade arquitetônica são essenciais para
garantir a igualdade, a liberdade de locomoção, a inclusão social, e enfim, a dignidade
humana às pessoas com deficiência, competindo à sociedade e ao Estado protegê-los e
efetivá-los. Por serem inerentes a todos os seres humanos, precisam, portanto, ser
concretizados, por dizerem respeito a todos, independentemente de qualquer condição que o
ser humano possa ter.
Os direitos humanos são cumulativos e plurais, estão em constante processo de
redefinição, portanto, estão em franco desenvolvimento. Como afirma Flávia Piovesan (2009,
p. 15),
Os direitos humanos devem ser apreendidos e compreendidos em sua dinâmica
própria, em sua complexidade, em sua natureza híbrida e impura, mediante uma
teoria realista e crítica. Nessa visão, importa o reconhecimento e o respeito à
pluralidade e à diversidade na construção de uma concepção material e concreta da
dignidade humana. A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser
merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de
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desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética
orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano.
O direito à acessibilidade arquitetônica para as pessoas com deficiência certamente
são resultados de um processo histórico-social. Cronologicamente, citam-se como exemplos o
inciso IV da Emenda nº 12 de 1978 à Constituição de 1967, os artigos 227, § 2º e 244 da
Constituição Federal de 1988, o artigo 2º, V, da Lei 7.853/89, o artigo 2º, I, da Lei nº
10.098/2000, e assim sucessivamente. Ou seja, são dispositivos legais que fazem referência
direta àqueles direitos.
Por serem históricos, os direitos humanos nascem e modificam-se. O elenco dos
direitos humanos se modificou, e continua a se modificar, com a mudança das condições
históricas. Nada impede que outras gerações ou dimensões de direitos humanos venham
agregar-se aos já existentes. Esse posicionamento é defendido por Ingo Sarlet (1998, p. 47),
para quem
Não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos
fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e
não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a
falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra; razão pela qual
há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, posição esta que
optamos, aqui, por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.
Os direitos humanos devem ser apreendidos na sua dialética própria, por isso, são
desejáveis, ou seja, fins que merecem ser perseguidos. Como realça Norberto Bobbio (1992,
p. 5-6),
Os direitos humanos são históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias,
caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e
nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
Nascem quando devem e podem nascer.
Os direitos humanos devem compreender o homem em seu contexto axiológico, ou
seja, procurar entender a valoração que se faz necessária à pessoa humana. Compreender o
homem nesse contexto valorativo é respeitar e dignificar o próprio homem. É reconhecer que
o direito, em contexto amplo, deve buscar seus fundamentos e sentidos de ser no valor da
pessoa humana em si.
A questão fundamental dos direitos humanos é a valoração da pessoa humana. O
homem é essencialmente um ser dotado de valores próprios e intrínsecos que o acompanham
por toda a vida. Não se pode entender o ser humano fora desse contexto valorativo que está
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inserido permanentemente; deixar de ver o homem com seus valores é menosprezar
substancialmente a própria condição humana, pois como menciona Joaquim Herrera Flores
(2004, p. 359-385),
Os direitos humanos compõem a nossa racionalidade de resistência, na medida em
que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade
humana. Realçam, sobretudo, a esperança de um horizonte moral, pautado pela
gramática da inclusão, refletindo a plataforma emancipatória de nosso tempo.
Apreendidos no seu movimento dialético, os direitos humanos segundo
Norberto Bobbio (1992, p. 30), “nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se
como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como
direitos positivos universais”.
Numa leitura mais contemporânea, no processo de construção do Estado
Democrático Social de Direito, os direitos humanos foram superficialmente positivados;
depois generalizados; posteriormente internacionalizados; e finalmente especificados. Na fase
de especificação, há um aprofundamento da tutela, que deixa de levar em conta apenas os
destinatários genéricos e passa a cuidar do ser em situação específica, valorizando a
diversidade humana, portanto, a pessoa com deficiência. Utilizando as concepções de Flávia
Piovesan (2006, p. 24),
A efetivação dos direitos humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas
específicas, endereçadas a grupos socialmente vulneráveis, enquanto vitimas
preferenciais da exclusão. Ao processo de expansão dos direitos humanos soma-se o
processo de especificação de sujeitos de direitos.
Atualmente, há um consenso doutrinário em relação à interdependência entre a
democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos. Não há direitos humanos sem
democracia e tampouco democracia sem direitos humanos. Direitos humanos, democracia,
desenvolvimento e acessibilidade são indissociáveis, pois representam o respeito e a
valorização da diversidade humana, como instrumento de bem-estar social e econômico das
pessoas com deficiência, especificamente. É o reconhecimento e o respeito à diferença como
valor humano.
Alguns princípios são decisivos ou indispensáveis para o enquadramento ético e
jurídico da questão aqui enfrentada. No que diz respeito à discussão sobre as condições de
acessibilidade arquitetônica, os referidos princípios são: a dignidade da pessoa humana, a
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igualdade e a inclusão social. Tais princípios são valores humanos que devem guardar entre si
uma relação de interdependência e complementaridade, de modo a funcionarem de maneira
imbricada.
3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana constitui o fundamento maior do Estado Democrático
Social de Direito brasileiro (artigo 1º, inciso III, da CF/88). É um princípio intangível, pois a
dignidade humana é um valor que deve ser preservado e fortalecido. Enquanto valor supremo
inerente ao homem que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais, a dignidade da
pessoa humana está relacionada com a satisfação de suas necessidades básicas.
A dignidade da pessoa humana é o centro e o fim supremo de todo o Direito; logo,
expande os seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e
qualquer interpretação, integração e aplicação normativa.
Todo homem tem dignidade, porque possui um valor intrínseco ao seu ser, pelo
simples e único fato de ser homem, logo, ela é inerente à condição humana e a sua
preservação faz parte dos direitos humanos. O respeito pela dignidade humana deve existir
sempre, em todos os lugares, independente de qualquer situação e de maneira igual para
todos. Nesse sentido, uma definição multidimensional, aberta e inclusiva que exprime de
forma completa a idéia de dignidade da pessoa humana é apresentada por Ingo Sarlet (2009,
p. 67), para quem
É a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade;
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e
desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma
vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável
nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a terra.
A dignidade uma qualidade intrínseca e indissociável do ser humano, sendo que a
sua proteção deve constituir meta permanente da humanidade, por isso é valor fundamental
positivado, que consagra a idéia de que todo ser humano é titular de direitos, simplesmente
pela sua condição biológica de ser humano e independentemente de qualquer outra condição.
Compreendendo-se a dignidade da pessoa humana como um conceito construído, ou
uma conquista de nossa civilização, ela deve estar sempre conjugada com o princípio da
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solidariedade social, porque compreende a pessoa como cidadã e não apenas como indivíduo.
Nesse sentido, merece destacar o posicionamento de Luiz Antonio Rizzatto Nunes (2002, p.
46), no sentido de que ”a dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da
história e chega ao século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído pela
razão jurídica”.
A dignidade da pessoa humana se expressa na noção de que o ser humano é sempre
um valor em si e por si, e exige ser considerado e tratado como tal. A dignidade humana está
intrinsecamente vinculada ao respeito à liberdade e à igualdade dos seres humanos. O
conceito de dignidade humana é de imensa complexidade, conforme destaca Alexandre
Moraes (2003, p. 60),
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que
se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria
vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária
estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
3.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
O principio da igualdade constitui um dos postulados básicos da República
Federativa do Brasil e tem se apresentado como diretriz para a correta compreensão e
interpretação de todas as demais normas que compõe o sistema jurídico. Assim, verifica-se
que a vigência e utilidade desse princípio é matéria de interesse geral.
O texto constitucional brasileiro enuncia o conceito de igualdade de todos sem
qualquer distinção (artigo 5º, caput), sendo que a exata compreensão que se deve extrair desse
dispositivo não é no sentido de uma igualdade absoluta, mas sim relativa, uma vez que as
pessoas não são iguais entre si.
Dessa forma, percebe-se que esse primado da igualdade deve ser encarado
como um dos postulados da democracia, tratando-se, pois, de um vetor que tem por escopo
servir como instrumento balizador da vida em sociedade, impondo a todas as pessoas um
tratamento igualitário e sem qualquer discriminação. Para a pessoa com deficiência significa
que não pode haver nenhuma restrição ou impedimento apenas em razão da sua limitação
físico-orgânica.
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É de fundamental importância o entendimento do dispositivo vigente, nos termos do
que preceitua o artigo 5º, caput, da Constituição de 1988 que não deve ser restritivo, ou seja,
deve ser compreendido com o intuito de realizar as demandas sociais. Assim procedendo,
aquela igualdade que era somente formal, passará a ser, também, material, realizando, na
integra, seu escopo.
Nesse sentido, são válidas as lições de Gisela Maria Bester (2008, p. 176), que
afirma que “de uma concepção passiva o principio da igualdade adquiriu uma concepção de
ação ativa, com o escopo de eliminar as discriminações e promover oportunidades de acesso
de todas as pessoas aos diversos setores sociais”.
Como foi possível perceber, o princípio da igualdade possui duas vertentes: a
igualdade formal e a igualdade material. A primeira ilumina o artigo 5º da Constituição
Federal, ou seja, direitos fundamentais reconhecidos a todos, em igualdades de condições; a
exigência de igualdade na aplicação do direito sem olhar as pessoas de maneira
individualizada, o seja, não levando em conta a singularidade do indivíduo. A segunda está
consubstanciada na exigência de uma sociedade livre, justa e solidária, que promova o bem de
todos, sem preconceitos ou discriminações de quaisquer espécies, conforme estabelece o
artigo 3º da Constituição Federal de 1988.
É inegável que a questão da tutela das pessoas com deficiência passa pelo
cumprimento rigoroso do princípio da igualdade. Desse modo, a igualdade garantida de forma
genérica no caput do artigo 5º da CF de 1988 protege a pessoa com deficiência de qualquer
forma de discriminação, contudo, ao lado da igualdade formal, a própria CF trouxe várias
hipóteses de igualdade material, ou seja, além da igualdade perante a lei, é necessário garantir
a igualdade na lei, como bem entende Lauro Luis Gomes Ribeiro (2010, p. 42) que “a
igualdade perante a lei será insuficiente se não vier acompanhada da igualdade na própria lei,
que considera o indivíduo em concreto, com suas particularidades”.
Atualmente fala-se em igualdade de oportunidades ou equiparação de oportunidades
quando os diversos sistemas da sociedade e do ambiente são tornados disponíveis para todos.
São ações que reconhecem as desigualdades reais, concretas, entre os sujeitos. Consistem em
medidas que concede prerrogativas a categorias de pessoas conhecidas como grupos
vulneráveis, em razão das desvantagens que possuem, frente às demais, para o exercício de
seus direitos.
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As pessoas com deficiência, por apresentarem inúmeras características que as
singularizam, podem não conseguir exercer seus direitos do mesmo modo que as pessoas ditas
normas ou sem deficiências. Por isso, mais que atribuir-lhes iguais direitos, é preciso que
direitos específicos lhe sejam atribuídos, com a adoção de medidas compensatórias especiais,
como, por exemplo, assegurar-lhes as condições de acessibilidade arquitetônica, que
minimizem a desigualdade real e assegurem sua inclusão social.
O princípio da igualdade não é estático, mas sim dinâmico no sentido de que visa
propiciar condições para que as desigualdades possam ser superadas, a fim de que seja
possível atingir a igualdade efetiva, a igualdade material ou substancial. Portanto, as
condições de acessibilidade arquitetônica para as pessoas com deficiência se apresentam
como um instrumento competente para a implementação, no plano fático, de uma igualdade
efetiva, real, um pronto acesso aos bens materiais e imateriais construídos histórico e
socialmente, de acordo com cada caso específico.
Resta claro, portanto, que a eliminação de barreiras arquitetônicas (urbanísticas, nas
edificações e nos meios de transportes), a instalação de mobiliários e equipamentos urbanos
adequados e a oferta razoável dos elementos da urbanização, em atenção às pessoas com
deficiência, constituem condições essenciais que lhes garantem a igualdade material e a
dignidade. As diferenças humanas não são deficiências, mas ao contrário, fontes de valores
positivos que devem ser protegidas e estimuladas através da efetivação da igualdade material,
pois como afirma Serge Atchabahian (2006, p. 79),
O princípio da igualdade deve ser considerado não como igualdade absoluta, mas
sim como igualdade proporcional vez que varia de acordo com as exigências do ser
humano. É proporcional, pois longe de ser algo inalterável, relativo aos homens,
deve levar em conta as peculiaridades destes.
3.4 PRINCÍPIO DA INCLUSÃO SOCIAL
O principio constitucional da inclusão social é implícito, pois não encontra respaldo
expresso em nossa Constituição Federal, mas se acha implicitamente no interior da ordem
jurídica, de onde é recolhido através da arte de interpretar, integrar e aplicar normas jurídicas.
Ao encontrar-se implícito, o principio da inclusão social pode ser apreendido a partir
de uma ou várias disposições que se supõe constituir casos de aplicação ou especificação de
tal princípio, de modo que possa garantir, em cada caso, a melhor resposta, sem recorrer ao
uso da discricionariedade por parte dos operadores do direito.
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O princípio constitucional da inclusão social pode ser extraído do art. 3º, I, III e IV,
da CF e está vinculado aos objetivos fundamentais do Estado Democrático Social de Direito.
Tem um perfil programático que depende de ampla concretização no plano do direito e
principalmente no plano dos fatos. Não há como dissociar os princípios da dignidade da
pessoa humana e da inclusão social. São princípios que caminham juntos, se complementam.
Entenda-se, tanto o princípio constitucional da inclusão social, previsto de forma
implícita, como o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, contemplado
expressamente, são verdades que necessariamente devem ser observados em todo e qualquer
lugar, em qualquer ocasião, e em todas as circunstâncias, para que se concretize a vida do ser
na forma efetivamente humana, numa sociedade livre, justa, democrática e solidária.
A garantia da dignidade da pessoa humana vem ao encontro da necessidade de
inclusão social, afastando todo tipo de contrastes e desigualdades sociais. A dignidade da
pessoa humana é preponderantemente jurídica, ao passo que a inclusão do ser na vida social
digna não é apenas jurídica, mas fática, e, portanto, de conteúdo político para sua
concretização. Por isso, Ailton Cocurutto (2008, p. 44-45) salienta que
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Brasileira,
imprescindível para o Estado Democrático Social de Direito, enquanto a inclusão
social é um dos objetivos fundamentais do Brasil, imprescindível para a
concretização da dignidade do homem.
A inclusão social tem sido um tema extensamente debatido e estudado sob diversas
óticas, geralmente oposta à idéia de exclusão social, definida como algo desvantajoso, algo
que fere a dignidade humana. A questão da inclusão social, no entanto, é muito mais
complexa do que pode parecer em uma analise apressada.
A inclusão social tem sua base na construção de uma sociedade mais justa,
democrática, livre e solidária para todos, prestigiando a importância das minorias, aceitação
das diferenças, valorização da cidadania e especialmente a consagração do principio da
dignidade da pessoa humana.
Existem parâmetros socialmente aceitos para explicar porque o outro é considerado
diferente, estranho. Podemos citar o critério do “tipo ideal”. Ele é impregnado de crenças,
valores, ideologia. Corresponde à comparação de uma pessoa (ou um grupo de pessoas) com
um padrão definido como “ideal” pelo grupo dominante.
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Ainda predomina uma mentalidade paternalista e tradicionalmente as pessoas com
deficiência foram vítimas de estigmas, estereótipos e rótulos. Isso acaba por encobrir,
mascarar ou tentar justificar o preconceito social que sustenta a ordem injusta.
Erving Goffman (2008, p. 12-14) afirma que “estigma é um conceito que se refere a
um atributo de caráter altamente depreciativo, que coloca o outro (o diferente, o estranho) em
uma posição de desacreditado, de alguém que, por principio, teria um valor diferente, menor,
frente aos demais indivíduos”.
Incluir socialmente não significa ter pena ou criar aparatos isolados com relação à
acessibilidade. Não adianta investir maciçamente em uma área, se não houver investimentos
em outras que promovam infra-estrutura. As ações políticas devem ter uma visão holística.
Isso significa promover políticas públicas reunindo e compondo cada um dos elementos,
sempre pensando no todo.
Os governos ainda estão poucos acostumados a lidar com a diversidade humana. E as
questões das pessoas com deficiência estão em todos os setores. Portanto, uma ação política
que não contemple uma pessoa com deficiência está incompleta, pois exclui uma parcela
significativa da população. Essas ações devem ser pensadas para uma gama tão ampla de
necessidades humanas, o que inclui o atendimento ao direito à acessibilidade.
A análise do problema dos excluídos, como bem assevera Luciano Oliveira (1997, p.
50-51), não pode ser enfocada simplesmente pelo aspecto econômico, “que pouco diz sobre a
necessidade de sua inclusão, que passa pelo viés político e ético. Este problema somente
poderá ser adequadamente enfrentado se assumirmos uma postura ética em defesa de um
modo de vida digno para todos”.
A eliminação de todas as barreiras (físicas e atitudinais) é um objetivo a ser
perseguido, para que se tenha uma sociedade inclusiva. É imprescindível a eliminação das
barreiras físicas, contudo, ainda é preciso criar a cultura inclusiva, uma vez que não basta
apenas remodelar a cidade, mas também mudar condutas, posturas e atitudes sociais para que
as pessoas com deficiência possam viver com dignidade, pois como enfatiza novamente
Celina Camargo Bartalotti (2006, p. 51),
Nos dias atuais pensar na inclusão como uma possibilidade, embora ainda não como
uma realidade; há um grande caminho a ser percorrido. A construção de uma
sociedade inclusiva passa pelo aprimoramento das relações sociais, pela
compreensão de que o verdadeiro pensamento inclusivo é aquele não categoriza as
pessoas por ordem de valor, valor esse atribuído através de estereótipos, estigmas,
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conhecimentos instituídos; pensar inclusivamente é aprender a olhar cada pessoa e
buscar nela seu valor real.
A base do paradigma inclusivista é, portanto, a crença na sociedade para todos; não
cabe somente aos indivíduos com deficiência se integrar à sociedade: é preciso que ela
também se transforme para acolher todos os seus cidadãos.
A inclusão é, portanto, uma proposta de cidadania; a sociedade inclusiva envolve
todos os segmentos sociais, ao transformar seu modo de ser, pensar e agir. Fica claro,
conseqüentemente, que a inclusão social é um processo de mudança de paradigma, uma via de
mão dupla, um processo bidirecional, de construção coletiva, que implica em ajuste mútuo, ou
seja, tanto a pessoa com deficiência como a sociedade precisam se modificar.
4. DA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
Entre os vários princípios constitucionais merece destaque o da liberdade de
locomoção, analisado aqui em função dos interesses das pessoas com deficiência. O
fundamento desse princípio, num Estado Democrático Social de Direito, como é o caso do
Brasil, é assegurar as condições necessárias para que cada indivíduo, através do exercício do
direito de locomoção segura e independente pelos espaços de uso público e coletivo,
conquiste seus objetivos sociais, seus ideais de vida e usufrua de bens materiais e imateriais
disponíveis no meio social. O direito à liberdade de locomoção significa que a pessoa tem o
poder de autodeterminação, em virtude da possibilidade de locomover-se com autonomia e
comodidade pelos múltiplos ambientes públicos e coletivos.
Em seu contorno jurídico atual, o direito fundamental à liberdade locomoção,
representa direito do indivíduo de ir, vir, ficar, permanecer, bem como de circular pelas vias
públicas e demais espaços coletivos. Com seu indubitável caráter de direito fundamental, a
liberdade de locomoção encontra-se consagrada, no ordenamento jurídico brasileiro, no art.
5º, XV, da Constituição, que assim dispõe, in verbis: "É livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens".
Não há como dissociar condições de acessibilidade com a noção de meio ambiente
ou espaço acessível. Quando se discute uma cidade acessível, está se pensando em desenho
universal, o qual propõe que os espaços sejam projetados de forma a atender uma gama maior
da população, levando em conta as restrições que as pessoas possam ter, entre outras
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variantes. Desse modo, o princípio da liberdade de locomoção constitui força normativa que
atinge tanto o Estado como os particulares. Por um lado, quando o Estado não cumpre a
garantia fundamental prevista no artigo 5º, XV, não elimina barreiras físicas que limitam as
pessoas com deficiência de circularem livremente pelas ruas, praças, escolas, cinemas e
demais espaços sociais da cidade, por outro quando o particular não adapta ou constrói
segundo as normas técnicas da ABNT, também desrespeita os direitos humanos de
acessibilidade garantidos a essas pessoas.
A liberdade de locomoção deve ser interpretada como o domínio absoluto do espaço
físico com independência e autonomia. Ela possibilita às pessoas com deficiencia condições
reais de movimentação corporal e o deslocamento espacial com segurança. O direito de ir e
vir de um lugar para outro não é garantido plenamente às pessoas com deficiência, uma vez
que os espaços, as edificações, os diversos tipos de veículos etc, não lhes proporcionam as
mínimas condições estruturais de locomoção, de mobilidade com autonomia, independência,
comodidade e segurança, frente à problemática presente nos municípios brasileiros.
5. AS CONDIÇÕES DE ACESSIBILIDADE ARQUITETONICA COMO
DIREITO HUMANO
O direito as condições de acessibilidade arquitetônica trazem a necessidade de uma
agenda mínima de políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. Por isso, eles
surgiram a partir da verificação de um contexto não muito promissor para àquelas pessoas. É
que por muito tempo, as pessoas com deficiência foram tratadas apenas por meio de políticas
públicas assistencialistas, sem que a sociedade e, em particular a Administração Pública,
percebessem e compreendessem que elas eram cidadãs; e, como tal, necessitavam de um
tratamento diferenciado, ou de recursos facilitadores, imprescindíveis para viverem incluídas
socialmente.
Pelo entendimento atual, a acessibilidade compõe o conceito de cidadania. Ela é uma
questão imprescindível para a dignidade da pessoa humana com deficiência. Ela representa o
respeito e a valorização da diversidade humana, como instrumento de bem-estar e de
desenvolvimento inclusivo. Esse desenvolvimento requer ação conjunta do Estado, do
mercado (iniciativa privada) e da sociedade civil organizada ou não de modo a assegurar a
plena inclusão das pessoas com deficiência nos contextos social, econômico, político e
cultural.
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Apenas o reconhecimento do direito à acessibilidade não é suficiente para promover
o processo de inclusão social das pessoas com deficiência. É necessário operacionalizar
mecanismos e instrumentos através da execução de políticas públicas voltadas para esse fim.
Sobre sua natureza instrumental, assim se posiciona Luiz Alberto David Araújo (2008, p. 208-
209),
A questão da acessibilidade se constitui num direito instrumental. Sem o acesso aos
equipamentos urbanos, às escolas, aos transportes públicos, as pessoas com
deficiência não podem exercer a sua cidadania. Não se pode falar em inclusão social
sem uma cidade acessível. Os transportes urbanos devem ser acessíveis, quer aos
cadeirantes, quer aos cegos, surdos e todos os outros grupos de deficiência. Não há
exercício de inclusão sem acessibilidade. [...] Ela é necessária para o exercício
mínimo da cidadania e da inclusão social desse grupo de pessoas. A desigualdade
estará sendo mantida enquanto as cidades não forem acessíveis para esse grupo de
pessoas.
Um espaço acessível é aquele que pode ser percebido e utilizado em sua plenitude
por todos os seus usuários. As cidades devem criar condições de acessibilidade mais
adequadas àqueles a quem o espaço estabelece limites. Se a cidade oferecer todas as
condições para que uma pessoa possa circular livremente, sob qualquer aspecto, por toda a
sua área, podemos afirmar que essa é uma cidade eficiente. Caso contrário, não é justo
apontar como deficiente uma pessoa que, por falta de estrutura física, não tem autonomia e
segurança para ir, vir e permanecer onde quiser. É mais correto dizer que a cidade é deficiente
do que apontar a deficiência em alguém.
As cidades necessitam serem transformadas fisicamente, o que pode acontecer, por
exemplo, através do Plano Diretor Urbano, pois para Rebecca Monte Nunes Bezerra (2007, p.
280),
O Plano Diretor da Cidade é o instrumento básico para a implantação de uma
política urbana em um Município. Nele, podem ser encontradas as exigências
fundamentais de ordenação da cidade, assegurando o atendimento das necessidades
dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das
atividades econômicas (art. 39, da Lei nº 10.257/01 – Estatuto da Cidade).
As cidades estão repletas de obstáculos. O primeiro obstáculo enfrentado pelas
pessoas com deficiência é a barreira física, pois ela veta completamente a autonomia e
segurança dessas pessoas. As cidades precisam se transformar em lugar para todos, por a
diversidade humana não é um peso, mas sim uma grande riqueza.
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Mas a grande transformação deve começar com a mudança em seus cidadãos. Mais
importante que quebrar as inúmeras barreiras físicas que existem nas cidades é quebrar as
barreiras atitudinais. Estas sim devem ser transpostas, ou seja, a dificuldade do ser humano
em entender o outro, compreender as suas diferenças e as suas necessidades.
Se derrubarmos essas barreiras e fizermos todos entenderem que é preciso pensar
também na acessibilidade como uma questão social, de justiça, estaremos contribuindo
positivamente para o processo de inclusão social das pessoas com deficiência.
Precisamos “desconstruir” nossas cidades, mas como o acesso pleno é um tema ainda
recente, a sua efetivação depende necessariamente de mudanças culturais. Assim, as políticas
públicas juntamente com a mudança na mentalidade social são indispensáveis para
impulsionar uma nova atitude, uma nova postura de reconhecimento e concretude dos direitos
de acessibilidade. Mudar a atitude das pessoas é muito mais forte. Quebrar o preconceito, o
estigma, os preconceitos das pessoas certamente ajudará a transformar a cidade. Inclusão
social se faz de dentro para fora. Como assevera Eugênia Augusta Gonzaga Fávero (2004, p.
182),
A barreira de atitude é aquela que faz com que as pessoas com deficiência não sejam
vistas como titulares dos mesmos direitos de qualquer pessoa. A que faz com que os
programas de acessibilidade sejam destinados apenas a locais que os outros
considerem bons para quem tem deficiência, mas esquecendo-se que esses cidadãos
também querem ir a boates, praças, hotéis, querem praticar esportes, etc.
Pensar em um processo de inclusão das pessoas com deficiência permite-nos pensar
em um ambiente que viabilize o acesso a bens e serviços para todas as pessoas, com base no
respeito à diversidade, na equiparação de oportunidades, na busca de autonomia pessoal e
coletiva.
Para o Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência – IBDD -
(2008, p. 35-50), “discutir sobre a questão da acessibilidade significa hoje discutir cidadania e
democracia, inclusão social e respeito às diferenças”.
As pessoas com deficiência possuem competências e potencialidades, as quais devem
ser desenvolvidas em prol da sua plena inclusão social e não podem ser tratadas com
indiferença ou como um ser humano desprovido de capacidade. A título de exemplos, Emílio
Figueira (2008, p. 159-177) explica que os artistas brasileiros Aleijadinho, Machado de Assis,
Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, mesmo com suas limitações e vivendo em um contexto
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social adverso, desenvolveram com muita maestria suas capacidades e habilidades artísticas
por meio da produção de inúmeras obras que ainda hoje guardam grande valor artístico-
cultural junto à crítica.
5.1 Normas constitucionais e infraconstitucionais sobre as condições de
acessibilidade arquitetônica
O direito as condições de acessibilidade arquitetônica para as pessoas com deficiência física
certamente são resultados de um processo histórico-social.
A primeira legislação brasileira a tratar do direito à acessibilidade foi a Emenda
Constitucional nº 12, de 1978, que em seu artigo único, inciso IV, determinava que “estaria
assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica mediante a
possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos”.
Em nível da nossa Constituição Federal de 1988 podemos encontrar implícito e
explicitamente o direito de acessibilidade. O primeiro caso (implicitamente) ocorre quando se
elege como fundamentos da República a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º,
incisos I e III); e, como objetivos fundamentais, se busca construir uma sociedade livre, justa
e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos I e IV); ou ainda, quando dispõe no
art. 5º, caput, que todos são iguais perante a lei. O segundo caso (explicitamente) encontra-se
previsto legalmente nos artigos 227, § 2º e o 244 da CF.
A Lei Federal 7.853/89, “dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência,
sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para lntegração da Pessoa Portadora de
Deficiência - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas
pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providenciais”.
Também, a Lei Federal de nº 10.098/2000 (conhecida como Lei de Acessibilidade)
estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade para pessoas
portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e
obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de
edifícios e nos meios de transporte e comunicação, observando os parâmetros estabelecidos
pelas normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas -
ABNT.
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O Decreto nº 3.298/1999, “que regulamenta a Lei nº 7.853/89, dispõe sobre a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de
proteção, e dá outras providências”. O Decreto nº 5.296/2004, “regulamenta as Leis nos
10.048/2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098/2000, que
estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas
com deficiência”.
A Lei nº 7.405/85, torna obrigatória a colocação, de forma visível, do “Símbolo
Nacional de Acesso” em todos os locais e serviços que possibilitem acesso, circulação e
utilização por pessoas com deficiência; a Lei nº 10.048/2000; a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto
da Cidade) e a Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
A Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência ou Convenção de Guatemala
(1999), em seu o artigo III, item 1, alíneas b e c, aborda mais direitamente o tema da
acessibilidade. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil pelo Decreto presidencial nº 3.956
de 8/10/2001.
Cumpre lembrar também que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (2006), já aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto legislativo nº
186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição Federal,
ou seja, com quorum qualificado que lhes dá o status de Emenda Constitucional, pois " Os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais ", conforme estabelece o artigo 5º, §
3º da CF. A referida Convenção foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto presidencial nº
6.949, de 25 de agosto de 2009. Os artigos 9 (Acessibilidade), 19 (Vida independente e
inclusão na comunidade) e o 20 (Mobilidade pessoal), dessa referida Convenção é que tratam
mais diretamente sobre os direitos humanos de acessibilidade.
Do ponto de vista das técnicas de engenharia e arquitetura, as condições para
assegurar os direitos humanos de acessibilidade às pessoas com deficiência física encontram-
se descritas em diversas normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, tais
como: NBR 9050 - Acessibilidade a Edificações, Mobiliário, Espaços e Equipamentos
Urbanos; NBR 13994 - Elevadores de Passageiros – Elevadores para Transportes de Pessoa
Portadora de Deficiência; BR 15250 - Acessibilidade em caixa de auto-atendimento bancário;
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e NBR 14022 - Acessibilidade em veículos de características urbanas para o transporte
coletivo de passageiros.
5.2 Cidade e acessibilidade
A partir de uma nova visão sobre o espaço urbano, a Constituição Federal de 1988
afirma, no artigo 182, que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade. Na seqüência do mandamento constitucional
também afirma que o objetivo do desenvolvimento urbano é garantir o bem-estar social de
seus habitantes. Conforme assegura Lauro Luis Gomes Ribeiro (2005, p. 177), “o urbanismo
tem quatro funções principais, a saber: a) habitação; b) trabalho; c) recreação; e d)
circulação”.
Segundo Jorge Luiz Bernardi (2007, p. 55), “para que haja justiça social, a gestão e o
planejamento do espaço urbano não podem estar desvinculados do homem e de seus direitos
fundamentais”.
Quando a cidade cria processos mediantes os quais a sociedade em geral, o meio
urbano, os transportes, assim como os serviços de saúde e educação, as dependências de
trabalho, os locais de lazer, cultura e esportes etc, tornam acessíveis, ou seja, disponíveis para
todas as pessoas, particularmente para as pessoas com deficiência, diz-se que a cidade em
parte sua função social. As propaladas funções da cidade estarão sendo alcançadas quando a
promoção da justiça social, a redução das desigualdades sociais, a melhoria da qualidade de
seus moradores for uma realidade palpável e não virtual.
O usufruto da cidade depende do ir e vir das pessoas, ou seja, de ações cotidianas: ir
à escola ou ao trabalho; freqüentar um estabelecimento comercial ou bancário; usar um posto
de saúde; fazer o uso de um equipamento de lazer ou outras atividades sociais. O fato é que
todas dependem de boas condições de locomoção nas cidades.
Portanto, a cidade é um espaço complexo, considerando as suas variadas relações
sociais. É um espaço múltiplo, apresentando nuanças que lhes são inerentes.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observarmos as condições de acessibilidade arquitetônica nos centros urbanos e
rurais dos municípios brasileiros, verificamos o quanto nos falta para alcançarmos uma
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democracia verdadeira e abrangente. Essa análise torna-se mais necessária quando se refere
especialmente às pessoas com deficiência, pois a elas cidadania plena é cotidianamente
negada; é uma realidade por construir.
Devemos compreender as condições de acessibilidade como uma questão social e
entender a sociedade como um local onde predomina o preconceito, onde o estigma atingiu de
tal modo a pessoa com deficiência que a exclui socialmente.
É necessário reunir esforços governamental, da iniciativa privada e da sociedade civil
organizada ou não para tirar da marginalidade a questão da acessibilidade arquitetônica. Cabe
a cada um de nós, em particular ao Poder Público, construir cidadania, dar significado e
concretude aos instrumentos legais relacionados a essa questão.
Entendendo justiça como objetivo maior da democracia, e justiça social como
aspiração do mundo contemporâneo, lutar pelo direito de acessibilidade é construir cidadania
para todos, em especial às pessoas com deficiência. Refletir sobre a acessibilidade significa
discutir cidadania, inclusão social, democracia inclusiva, igualdade social, justiça de fato e
reconhecimento e respeito às diferenças.
As condições de acessibilidade arquitetônica para as pessoas com deficiência
constituem um caminho possível para que o processo de inclusão social dessas pessoas
ocorra, pois a sua falta impede que esses indivíduos tenham acesso, permaneçam e também
utilizem com autonomia, segurança e comodidade dos vários bens produzidos historicamente.
A sociedade inclusiva e, portanto, a cidade inclusiva infelizmente ainda são possibilidades
não uma realidade. São ideais a serem perseguidos.
7. REFERÊNCIAS
ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas com deficiência e o
cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana. In: MIRANDA, Jorge; SILVA,
Marco Antonio Marques da (Coord.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 205-211.
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equipamento urbano. Rio de Janeiro, 2004.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Rio de Janeiro. ABNT NBR
13994 – Elevadores de passageiros – elevadores para transporte de pessoa portadora de
deficiência. Rio de Janeiro, 2000.
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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, Rio de Janeiro. ABNT NBR
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passageiros. Rio de Janeiro, 2006a.
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ATCHABAHIAN, Serge. Princípio da Igualdade e Ações Afirmativas – 2. ed. rev. e ampl.
– São Paulo: RCS Editora, 2006.
BARTALOTTI, Celina Camargo. Inclusão social das pessoas com deficiência: utopia ou
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Artigo recebido em: 02/08/2011
Artigo aprovado em: 17/08/2011