AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de medida liminar · A Caixa, além de gerir os recursos da União...
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Defensoria Pública da União em Umuarama/PR
3º Ofício
Excelentíssimo(a) Senhor(a) Doutor(a) Juiz(íza) Federal da ª Vara Federal de Umuarama, Seção
Judiciária do Estado do Paraná
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, por seu órgão de execução abaixo
assinado, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, dispensada a apresentação de
mandato, nos termos do art. 44, XI da LC 80/94, e com base na Lei nº 11.448/07, com endereço na
Rua José Teixeira D’Ávilla, n.º 3758, Umuarama/PR, para intimações/notificações, vem ajuizar a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de medida liminar
em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pessoa jurídica de direito
privado, instituição financeira constituída sob a forma de empresa pública da União, criada e
aprovada pelo Decreto nº 3.848, de 26/06/01, alterado pelo Decreto nº 4.114, de 06.02.2002, com
sede em Brasília/DF e Superintendência neste Estado, com agência à Avenida Castelo Branco,
4140, Zona 1, Umuarama, Paraná;
FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - FAR, CNPJ
03.190.167/0001/50, a ser citado na pessoa do representante legal da primeira ré (art. 2º, parágrafo
8º c/c art. 4º, inciso VI, todos da Lei 10.188/2011; e
CANTAREIRA CONSTRUÇÕES E EMPREENDIMENTOS
IMOBILIÁRIOS LTDA, pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ com o nº
84.892.453/001-50, sediada à Av. Nildo Ribeiro da Rocha, 524, Parque da Gávea, Maringá/PR,
CEP 87053.330, pelos fundamentos factuais e jurídicos a seguir deduzidos.
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I. SÍNTESE FÁTICA
Trata-se de ação civil pública objetivando o cumprimento de obrigação de fazer em
decorrência da constatação de vícios de construção no Conjunto Habitacional Sonho Meu, nessa
cidade de Umuarama/PR, a obrigação de fazer consistente na entrega das casas da segunda etapa
dentro do cronograma inicialmente previsto, além da obrigação de indenizar pelos danos sofridos
pelos moradores do aludido conjunto.
Sobre o referido conjunto habitacional de Umuarama, pode-se afirmar, em linhas
gerais, que se trata de empreendimento voltado a famílias de baixa renda, cuja execução foi dividida
em duas etapas. Na primeira, já concluída, foram entregues 603 casas. Na segunda etapa, em
andamento, com previsão de entrega em atraso, serão concluídas 454 casas. Está inserido no
Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), na faixa I. É consequência do trabalho conjunto do
Município de Umuarama e da Caixa Econômica Federal. Ao Município coube elaborar o cadastro e
promover a triagem das famílias candidatas, além de prestar algumas contrapartidas em áreas da sua
competência constitucional. A Caixa, além de gerir os recursos da União voltados ao programa
através do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), fiscalizou a execução das obras e promoveu
a liberação dos recursos à construtora, a partir da verificação da qualidade e da quantidade
executada. A Cantareira, por seu turno, foi a construtora contratada pelo banco para execução da
obra.
Inicialmente tinha-se um terreno de propriedade do Município de Umuarama, o qual
fora vendido à Cantareira, já com o único propósito de execução do Programa Minha Casa Minha
Vida (vide Av-3 da matrícula). Depois a Cantareira vendeu o imóvel ao FAR, representado pela
CAIXA, por instrumento que concomitantemente previa o preço e o prazo para execução das obras
do conjunto habitacional. Ao final, o FAR vendeu o bem aos beneficiários, por instrumento
particular de venda e compra de imóvel residencial com parcelamento e alienação fiduciária no
Programa Minha Casa Minha Vida.
Em 2014 foram entregues as casas da primeira etapa. Realizada a ocupação, alguns
vícios estruturais começaram a aparecer, tais como trincas (rachaduras), infiltrações, problemas
no escoamento de água de chuvas, problemas de umidade excessiva, pisos cedendo e
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surgimento de mofo, dentre outros, conforme fotos abaixo e em anexo.
Ainda, a ausência de muros de arrimo no entorno das residências tem ocasionado
alagamentos no exterior e interior das casas por ocasião das chuva, também devidamente
demonstrado pelas fotos abaixo e anexas, sendo, inclusive, objeto de demandas individuais
perante o presente Juízo (por exemplo, no processo n.º 50036417120154047004, ocasião em que
realizada inspeção judicial em um dos imóveis e constatada a presente situação pelo próprio Poder
Judiciário).
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Tais as circunstâncias, faz-se necessário a construção de muros de arrimo, uma vez
que já há diversas ocorrências de construções de muros divisórios (não muros de arrimo) por conta
dos próprios moradores que vieram a ruir, gerando risco à segurança dos mesmos1.
Atualmente, depois de decorridos praticamente dois anos da entrega dos
apartamentos aos arrendatários, os problemas persistem e agravam-se veementemente com o
transcurso do tempo e na proximidade de épocas de chuva.
Com efeito, objetivando solucionar o problema, foram buscadas diversas formas de
solução extrajudicial. Foram abertos junto à empresa Cantareira diversos chamados para
atendimento aos moradores, procedimentos que resultavam em pequenos consertos, trocas de
materiais, etc., mas não puseram fim as principais reclamações. Também foram realizadas
comunicações com a Caixa Econômica Federal, a qual está ciente da situação vivenciada pelos
beneficiários, porém, transfere a incumbência para a construtora.
O problema já foi noticiado inúmeras vezes na imprensa local e é tratado, junto a
mais de duzentas reclamações individuais dos moradores, em procedimento de tutela coletiva
conduzido pela Defensoria Pública da União em Umuarama desde outubro de 2014.
A DPU reconhece que as rés e o Município de Umuarama já solucionaram inúmeras
questões e tem se empenhado na resposta daquelas pendentes. A presente demanda, longe de
representar uma censura ao empreendimento em si, visa apenas a uma solução ampla, geral e
definitiva para os problemas enfrentados pelos moradores que não tem sido satisfeitos na via
extrajudicial.
Ante o exposto, resta demonstrada a necessidade de construção de muros de arrimo,
resolução dos vícios de construção, impermeabilização e pintura das residências, e todas as outras
1 Jornal O Ilustrado:
http://www.ilustrado.com.br/jornal/ExibeNoticia.aspx?Not=Chuvas%20causam%20estragos%20em%20resid%C3%AA
ncia%20no%20Sonho%20Meu%20e%20na%20%C3%A1rea%20central%20da%20cidade&NotID=62903
Jornal Umuarama 24 horas:
http://umuarama24horas.com/ExibeNoticia?id=4249&item=Muro-de-residencia-do-bairro-Sonho-Meu-cai-e-ocasiona-
muita-discussao
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medidas possíveis a serem apuradas de forma técnica visando sanar os alagamentos, vazamentos,
infiltrações e rachaduras. Além disso, pleiteia o pagamento de indenização pelos danos materiais e
morais sofridos pelos aludidos moradores bem como a entrega da segunda etapa do
empreendimento dentro do prazo inicialmente previsto.
Assim, ante todo o contexto fático delineado, requer o reconhecimento de que a
Caixa Econômica Federal faltou com o dever de fiscalização e acompanhamento da obra, e a
construtora com a obrigação contratual e ética de executar serviços de boa qualidade, mediante a
restauração imediata e ressarcimentos devidos, motivos pelos quais os moradores acabaram sendo
desrespeitados tanto como consumidores quanto como cidadãos, provocando assim a intervenção
judicial na negociação para equilibrar esta desigual relação de consumo.
II. DO DIREITO: Questões processuais relevantes e fundamentos do pedido
II.1. PRELIMINARES
a) Legitimidade ativa da Defensoria Pública da União
A Defensoria Pública tem por função institucional a orientação jurídica e a defesa,
em todos os graus, dos necessitados. É instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
justamente por garantir o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita aos
necessitados, conforme assegura o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, intrinsecamente ligado
ao direito fundamental do acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF.
No intuito de abrigar a idéia inerente ao reconhecimento da legitimidade para o
ajuizamento de demandas coletivas pela Defensoria Pública e harmonizar a aplicação do Código
Consumerista, o legislador pátrio alterou, por meio da Lei nº 11.448/072, a redação do artigo 5º da
2 Mesmo antes da promulgação da Lei nº 11.448/07, o Superior Tribunal de Justiça (REsp 555.111, Rel. Min, Castro
Meira) já reconhecia a legitimidade ativa da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública, nos seguintes termos:
“Reconhecida a relevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da
sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido de se propiciar
a defesa plena do consumidor, com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir a segurança
jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes”.
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Lei n.º 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, legitimando explicitamente a propositura da
ação cidadã pela Defensoria Pública.
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007) (Vide Lei nº 13.105,
de 2015)
[...]
II - a Defensoria Pública;
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 3493/DF na qual ficou
consolidado o entendimento pela possibilidade de ajuizamento de ação coletiva pela Defensoria
Pública da União, cuja ementa representativa do teor segue transcrita:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE
ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL
PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO
ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES
TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA:
INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À
JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS
HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE
EXCLUSIVIDAD DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO
DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO
INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO
RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA
PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(ADI 3943, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado
em 07/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 05-08-2015
PUBLIC 06-08-2015)
Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema: “[...]
O entendimento desta Corte é no sentido de que a Defensoria Pública possui legitimidade para
propor ações coletivas em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.[...]”
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(AgRg no REsp 1404305/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015).
Diante disso, não pairam dúvidas sobre a legitimidade ativa da Defensoria Pública da
União para ajuizar a presente ação, em especial pois se trata de empreendimento imobiliário de
faixa I, ou seja, moradores com renda familiar até R$ 1.600,00, sendo evidente a hipossuficiência
econômica, além da hipossuficiência jurídica.
B) Gratuidade da Justiça
A Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LXXIV assegura que “o Estado
prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Para tanto, dispõe em seu art. 134 que: “A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”
Destarte, cabe à Defensoria Pública assegurar a assistência jurídica gratuita aos que
nos termos do art. 2º da Lei 1.060/50 e seu parágrafo único comprovarem insuficiência de recursos:
“Art. 2º - Gozarão dos benefícios desta lei os nacionais ou estrangeiros
residentes no País, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar
ou do trabalho.
Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para fins legais, todo aquele
cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os
honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”
No presente caso, os moradores do Conjunto Habitacional Sonho Meu, ao
requererem a assistência jurídica gratuita, declararam não ter condições de contratar advogado,
fazendo jus ao atendimento por esta Defensoria Pública da União.
Como a ação civil aqui proposta é ajuizada em benefício de tais pessoas, bem como
considerando que a Defensoria Pública goza da isenção de custas judiciais, pede-se a concessão da
gratuidade da justiça, inclusive com amparo no art. 18 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública).
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Relembre-se, por oportuno, que a Defensoria Pública da União goza da
prerrogativa de todos os prazos processuais em dobro e intimação pessoal em qualquer grau ou
instância, art. 44, I, da Lei Complementar nº 80/94.
c) Legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal
No caso em análise, a CEF, na qualidade de financiadora, responsável pela alocação
de recursos do FAR para a realização da construção dos imóveis do Programa Minha Casa Minha
Vida (faixa I), assume ao lado da construtora e administradora a responsabilidade pelos danos
causados aos beneficiários-consumidores.
Com efeito, prevê o artigo 9º da lei 11.977/09 (sem grifos no original):
Art. 9o A gestão operacional dos recursos destinados à concessão da
subvenção do PNHU3 de que trata o inciso I do art. 2o desta Lei será
efetuada pela Caixa Econômica Federal - CEF. (Redação dada pela Lei nº
12.424, de 2011)
Parágrafo único. Os Ministros de Estado das Cidades e da Fazenda fixarão,
em ato conjunto, a remuneração da Caixa Econômica Federal pelas
atividades exercidas no âmbito do PNHU.
De tal disposição legal, infere-se que o papel da ré vai muito além do
empréstimo dos recursos para aquisição do imóvel ao consumidor. Pela simples leitura da
cartilha do Programa Minha Casa Minha Vida percebe-se que o acompanhamento da obra é feito
pela Caixa Econômica Federal e que as características referentes à construção do imóvel são
estabelecidas previamente.
Além disso, há análise, pela área de engenharia da CAIXA do projeto da
construtora, em que são avaliados diversos fatores, como a sujeição do terreno a alagamentos,
a presença de substâncias tóxicas no solo e a disponibilização de serviços públicos de energia,
esgotamento sanitário e drenagem pluvial e calçamento.
3 Plano Nacional de Habitação Urbana, previsto no artigo 1º, I da lei 11.977/09.
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Destaque-se que a presença do vício não pode excluir a responsabilidade da CEF e
atribuir o prejuízo aos beneficiários, parte vulnerável na negociação, que confiaram inclusive na
função de fiscalização da empresa pública federal e que tinham a legítima expectativa de estivessem
adquirindo imóvel construído sem problemas estruturais.
Desse modo, a Caixa Econômica Federal tem o poder-dever de fiscalizar as
obras executadas, fato que a torna negligente em caso de constatação de defeitos de construção,
porque restará evidenciado que simplesmente não cumpriu com a sua obrigação legal e contratual.
Importante destacar que a jurisprudência já apresenta posicionamento firmado no
sentido de reconhecer a legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal em demandas sobre
vícios na construção do imóvel financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida, faixa I, com
recursos do FAR, como no presente caso:
RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.
VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL CUJA OBRA FOI
FINANCIADA. LEGITIMIDADE DO AGENTE FINANCEIRO.
1. Em se tratando de empreendimento de natureza popular, destinado a
mutuários de baixa renda, como na hipótese em julgamento, o agente
financeiro é parte legítima para responder, solidariamente, por vícios
na construção de imóvel cuja obra foi por ele financiada com recursos
do Sistema Financeiro da Habitação. Precedentes.
2. Ressalva quanto à fundamentação do voto-vista, no sentido de que a
legitimidade passiva da instituição financeira não decorreria da mera
circunstância de haver financiado a obra e nem de se tratar de mútuo
contraído no âmbito do SFH, mas do fato de ter a CEF provido o
empreendimento, elaborado o projeto com todas as especificações,
escolhido a construtora e o negociado diretamente, dentro de programa de
habitação popular.
3. Recurso especial improvido.
(STJ, REsp 738.071/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 09/12/2011, grifei)
Esse também é o entendimento do TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO
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RESIDENCIAL - PAR. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO.
LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. A Caixa Econômica Federal é
parte legítima para figurar no pólo passivo de ação que visa a
indenização por danos decorrentes de vícios na construção de imóvel
integrante do Programa de Arrendamento Residencial - PAR, do qual a
Caixa Econômica Federal é qualificada como Agente Gestora.
(TRF4, AC 5009965-86.2015.404.7001, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão
Loraci Flores de Lima, juntado aos autos em 23/02/2016, grifei)
APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. CIVIL. PROGRAMA DE
ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL - CEF. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL.
DANO MORAL. FIXAÇÃO. REDUÇÃO. 1. A CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL - CEF é parte legítima para figurar no pólo passivo da lide,
respondendo pelos danos perpetrados aos arrendatários. 2. Não basta
entregar o bem, conforme salientado na sentença, o bem precisa ser
entregue 'livre de vícios aparentes de construção e em perfeitas
condições de habitabilidade'. Dano moral configurado. 3. A
quantificação do dano moral é ato complexo que deve sopesar, dentre outras
variantes, a extensão do dano, a condição socioeconômica dos envolvidos, a
razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter
pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em
fonte de locupletamento indevido. No caso, o montante de R$ 10.000,00
(dez mil reais) é suficiente e proporcional para bem reparar os danos morais
sofridos.
(TRF4, AC 5003629-13.2013.404.7009, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão
Loraci Flores de Lima, juntado aos autos em 17/02/2016, grifei)
Outrossim, há muito se reconhece a legitimidade da Caixa Econômica Federal em
lides envolvendo vício de construção de imóveis financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação
(SFH). Ora, Excelência, se se reconhece a responsabilidade do agente financeiro nas operações do
Sistema Financeiro Habitacional, com mais razão admitir a responsabilidade da ré quanto aos vícios
de construção relativos aos imóveis do Programa Minha Casa Minha Vida, uma vez que consta
como gestora e participa de todo o processo de escolha dos projetos do PMCMV, além de que todo
o material de publicidade dos empreendimentos do referido programa vincula-se sempre à Caixa
Econômica Federal. Inclusive, a cartilha do PMCMV está disponível no sítio eletrônico da CEF e
prevê como sua a obrigação de fiscalização da obra, o que faz o consumidor crer que a empresa
pública efetivamente exerceu sua obrigação e, portanto, o imóvel adquirido é hígido.
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Ante o exposto, forçoso reconhecer a legitimidade da Caixa Econômica Federal para
figurar no polo passivo da demanda.
II.2 MÉRITO
a) Primazia principiológica e normativa da Constituição Federal
A interpretação da norma constitucional deve partir das linhas mestras que sustentam
a teoria geral da interpretação, mas devotando, sempre, total subserviência ao texto constitucional,
sob pena de padecer de inconstitucionalidade.
Nada mais é, portanto, do que o marco fundante4 de todo ordenamento jurídico que
irradia sua força normativa para todos os setores do Direito, ou seja, “é o Direito primordial,
porquanto condiciona os demais”5.
Tal condicionamento equivale dizer que “todas as normas que integram a ordenação
jurídica nacional só serão válidas se se conformarem com as normas da Constituição Federal”6 .
Nesse sentido, é a diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:
“Interpretação diversa da que ora se sustenta é incorrer em equívoco
corriqueiro de hermenêutica jurídica, qual seja, a de buscar interpretar
norma constitucional em harmonia com texto de legislação
infraconstitucional, e não o contrário, como é de se esperar em face do
princípio da supremacia da Constituição Federal”.
STF, Pleno, RE 210603/CE, Rel. Min Sydney Sanches, DJ 13/09/1999, p.
00017.
Com efeito, a finalidade dos direitos sociais, nos termos constitucionais, é a redução
e eliminação da pobreza e da marginalização social, coadunando-se com os objetivos da
4 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro - parte geral. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p.
38. 5 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed. 3. tir. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 344. 6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 46.
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República Federativa do Brasil previstos no art. 3º: “construir uma sociedade livre, justa e
solidária” (inc. I); “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais” (inc. III); e com o postulado da dignidade da pessoa humana (CF, art. 5º, inc. III).
A Constituição Federal e, por conseguinte, a sua força normativa, deve prevalecer,
garantindo-se o postulado do direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal a
partir da EC 26/2000, de modo que deve ser reconhecida a procedência dos pedidos adiante
formulados.
Cabível aplicar, em última análise, o art. 5º da Lei de Introdução as Normas do
Direito Brasileiro7, que diz: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige
e às exigências do bem comum". (grifou-se). Com efeito, o “bem comum” é, nos termos do art. 1º
da Lei nº 10.188/2001, o “atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda”,
respeitando-se os “princípios da legalidade, finalidade, razoabilidade”, tal como prevê o parágrafo
único do art. 4º da citada Lei nº 10.188/2001.
Assim, a interpretação teleológica do art. 1º, da Lei nº 10.188/20018, revela que
a norma não se limita ao resguardo dos interesses da CAIXA. Seu escopo definitivo é a
proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia da população de
baixa renda.
Sobre esse ponto, “a jurisprudência tem se manifestado no sentido de que a
aplicação do regime do Programa de Arrendamento Residencial, instituído pela Lei 10.188/ 2001,
deve ser a mais consentânea possível com a proteção social” (TRF4, 4. T, AG 2006.04.00.024853-
0/PR, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU 24.08.2006, grifei).
Há que se atentar, todavia, que o direito à moradia deve ser concretizado em sua
plenitude, de forma adequada, garantindo-se aos beneficiários efetiva dignidade.
7 Nesse contexto, pertinente consignar a diretriz jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça: "É cediço que, ao
aplicar a lei, o julgador não deve restringir-se à subsunção do fato à norma, mas sim, estar atento aos princípios
maiores que regem o ordenamento e aos fins sociais a que a lei se dirige (art. 5.º, da Lei de Introdução ao Código
Civil)." STJ, 2. T, REsp 757197/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 19.09.2005, p. 310. 8 “
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Ante o exposto, trata-se de assegurar a garantia adequada de um direito social,
essencial à fruição de dignidade humana, no caso, da população de baixa renda mais necessitada.
b) Função social da propriedade e posse: visão constitucional da moradia como direito
social (CF, art. 6º)
A Constituição Federal prevê, como princípios norteadores da propriedade privada
que: "é garantido o direito de propriedade", bem como que "a propriedade cumprirá sua função
social”, nos termos do seu art. 5º, incs. XXII e XXIII.
De fato, atualmente, a função social é intrínseca à propriedade privada. As
concepções individualistas sucumbiram ante a força das pressões sociais em prol de sua
democratização, de modo que não basta apenas o título aquisitivo para conferir-lhe legitimidade; é
preciso que o seu titular, ao utilizar o feixe dos poderes integrantes do direito de propriedade, esteja
sensibilizado com o dever social imposto pela Constituição Federal.
Cabe ao princípio da função social, enfim, dar a estabilidade necessária à
propriedade privada, tutelando sua integridade jurídica e procurando tornar sua existência sensível
ao impacto social do exercício dos poderes concedidos ao titular do domínio.
A função social da propriedade informa, direciona, instrui e determina o modo de
concreção jurídica de todo e qualquer princípio e regra normativa, constitucional ou
infraconstitucional, relacionada à instituição jurídica da propriedade.
Nesse sentido, vislumbra-se, através da análise do direito posto, tratar-se, por certo,
da única e exclusiva residência dos arrendatários e de suas famílias9, local onde vivem e satisfazem
9 Além do que a Constituição Federal de 1988, norma que ocupa o ápice do ordenamento jurídico e serve de
fundamento de validade para todas as demais normas, a ordem infraconstitucional estabeleceu a absoluta prioridade que
deve ser dada aos direitos da criança e do adolescente, dentre eles o direito à dignidade, verbis: “art. 227. É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão”, bem como aos idosos: “art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o
dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-
estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
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o mandamento constitucional do direito à moradia (art. 6º, CF), razão pela qual a sua manutenção
e reparação atende perfeitamente à função social da propriedade/posse.
Ainda que se considere que os princípios acima possuem aplicação restrita tão-
somente à propriedade, não se encontram estes presentes no alegado direito da parte-ré, porquanto
seu interesse é meramente econômico em contraposição aos interesses dos arrendatários-
consumidores, qual seja, a efetivação do seu direito de moradia em local adequado,
constitucionalmente assegurado pela Carta Magna.
Importante mencionar também a função social da empresa, aspecto da função social
da propriedade privada que merece atenção, em especial no tocante à ré construtora da obra.
As empresas, ainda que particulares, devem primar para a realização de sua
incumbência com ética, no caso, espera-se a utilização de materiais de qualidade, visando atender
ao bem-estar social e destinatários de seus serviços:
“A empresa não estará renunciando à sua finalidade lucrativa ao voltar-se
para a sua função social. Uma nova ordem jurídica, consagrada pela
Constituição de 1988, impõe ao intérprete revisitar a visão clássica do
Direito. Assim sendo, a percepção atual abrange o efeito multiplicador do
bem-estar social, de construção de uma sociedade mais justa e solidária,
plenamente de acordo com o seu potencial competitivo. Por tratar-se de
atividade com constante interface social, compreende forte potencial de
modificação social, inclusive de estruturas originalmente postas e da forma
de interpretá-las.”10
Nesse caso, necessária se faz a aplicação do princípio da proporcionalidade11 -
10 WAMBIER, Luciane. A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE: instrumentos
de cristalização dos valores sociais na estrutura jurídico–trabalhista. 11 Na ordem infraconstitucional, validamente, a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, dispõe em seu art. 2º, que: “A
Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
(grifou-se) No parágrafo único, inciso VI, do supracitado artigo, consta que a Administração Pública deve observar,
entre outros, o critério de: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em
medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público” (grifou-se).
Forçoso pôr em destaque, por relevante, o magistério doutrinário de Alexandre de Moraes, que, ao se referir ao
princípio da razoabilidade, assevera: “O princípio da razoabilidade, como vetor interpretativo, deverá pautar a atuação
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3º Ofício
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expressamente consagrado pelo parágrafo único do art. 4º da citada Lei nº 10.188/2001 -, de modo
que seja resguardado o direito mais relevante: a moradia.
Assim, o ponto vertente é um direito social previsto no art. 6º da Constituição
Federal – direito à moradia, essencial à existência digna da pessoa humana e ao sadio
desenvolvimento da personalidade do indivíduo e de sua família12, merecedores de especial
proteção do Estado.
c) A aplicação da Teoria da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares
A Constituição da República Federativa do Brasil arrola, já no Título I, os chamados
“Princípios Fundamentais”, cujos preceitos servirão de alicerce para todo o ordenamento jurídico
constitucional.
A doutrina ressalta que, ao iniciar o Capítulo I, do Título II, da Constituição Federal
com a expressão “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, o Constituinte:
“... não estatui apenas direitos, mas deveres aos destinatários dos direitos
fundamentais. Porém, ao lado destes deveres, é importante destacar que
existe um inerente à própria definição dos direitos fundamentais, pois, pelo
simples fato de se ter assegurado a alguém um direito subjetivo, surge para
o outro indivíduo o dever de respeitar o exercício daquele direito. É da
própria noção de direto subjetivo que os seus limites devem ser respeitados
pelos demais titulares, podendo-se falar em um dever genérico de abstenção
por parte de terceiros. Cumpre trazer à baila a lição de José Afonso da
Silva que afirma: 'Os deveres decorrem destes [dos direitos fundamentais],
na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de
reconhecer e respeitar igual direito do outro, bem como o dever de se
comportar, nas relações inter-humanas, com postura democrática,
discricionária do Poder Público, garantindo-lhe a constitucionalidade de suas condutas e impedindo a prática de
arbitrariedades.” (Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 113). 12 Importando, ainda, nesse caso, violação a proteção especial que o Estado deve dispensar à família e à maternidade,
Constituição Federal, arts. 6º e 226 e Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 25, § 2.
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3º Ofício
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compreendendo que a dignidade da pessoa humana do próximo deve ser
exaltada como a sua própria'”13 (grifou-se).
Em que pese a omissão na textualidade do texto constitucional, os direitos
fundamentais também se aplicam às relações privadas, nada obstante terem surgido
originariamente para à proteção do particular frente ao Estado.
Isto porque, a estrita observância e respeito aos direitos fundamentais é, como já
esboçado, um dos fundamentos da nossa Carta Magna, donde se conclui que, ao menos
implicitamente, todos os direitos fundamentais podem tangenciar as relações privadas, fazendo-se
de observância obrigatória aos particulares.
Nesse sentido, é a diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal14:
“'Em verdade, nem todos, mas uma série de direitos fundamentais
destinam-se não apenas a garantir os direitos de liberdade em face do
Estado, mas também a estabelecer as bases essenciais da vida social. Isso
significa que disposições relacionadas com os direitos fundamentais devem
ter aplicação direta nas relações privadas entre os indivíduos. Assim, os
acordos de direito privado, os negócios e atos jurídicos não podem
contrariar aquilo que se convencionou chamar ordem básica ou ordem
pública'”.
A respeito, Daniel Sarmento15, após analisar detalhadamente a jurisprudência do
STF e dos demais tribunais pátrios sobre o assunto, observa:
"..., é possível concluir que, mesmo sem entrar na discussão das teses
jurídicas sobre a forma de vinculação dos particulares aos direitos
fundamentais, a jurisprudência brasileira vem aplicando diretamente os
direitos individuais consagrados na Constituição na resolução de litígios
privados."
13 MENDONÇA, Andrey Borges de Mendonça; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira. Eficácia dos
Direitos Fundamentais nas Relações Privadas. Direito Constitucional: Leituras Complementares. Salvador:
JusPODIVM, 2006, p. 71. 14 RE 201.819-8, Voto-vista do Min. Gilmar Mendes. 15 Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2004, p. 297 apud STF, RE 201.819-8.
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3º Ofício
17
Assim, patente a aplicação, na espécie, do direito fundamental à moradia (CF, art.
6º), como de resto, de todos os outros, na relação contratual vertente, entre os ditos arrendatários-
consumidores, a Caixa Econômica Federal e a Cantareira Empreendimentos.
d) Dos deveres anexos de ética, boa-fé e justa expectativa
A primazia constitucional e sua força incidente em todo o ordenamento jurídico, a
aplicação dos direitos fundamentais inclusive no âmbito privado bem como a finalidade de bem-
estar, moradia e dignidade humana também encontram respaldo na boa-fé objetiva de todos os
integrantes de determinada relação jurídica.
A atuação com boa-fé não se restringe na atuação ética durante a realização de
determinado ato, comportando projeção para toda a relação, antes e além dela, consubstanciando
deveres anexos:
“[...] Da consagração da boa-fé objetiva nas relações contratuais decorrem
principalmente os deveres de informação, de colaboração e cuidado,
somatória que realiza a insofismável verdade de que, em sede contratual, se
lida com algo bem maior que o simples sinalagma: lida-se com
pressupostos imprescindíveis e socialmente recomendáveis, como a
fidelidade, a honestidade, a lealdade, o zelo e a colaboração. Enfim, está
presente, também na ambiência contratual, o sentido ético, a tendência
socializante e a garantia de dignidade que são, por assim dizer, as marcas
ou marcos deste direito que, perpassando os séculos, se apresenta
modificado aos primórdios do milênio novo.16
A aplicação desses deveres anexos já conta com forte amparo jurisprudencial,
conforme se exemplifica com o voto da Ministra Nancy Andrighi no REsp 1274629/AP, Terceira
Turma, julgado em 16/05/2013, DJe 20/06/2013:
16 SILVA, Michael César; MATOS, Vanessa Santiago Fernandes de. Lineamentos do princípio da boa-fé objetiva no
Direito Contratual contemporâneo. Uma releitura na perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina,
ano 17, n. 3118, 14 jan. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/20862/lineamentos-do-principio-da-boa-
fe-objetiva-no-direito-contratual-contemporaneo Acesso em 02/03/2016 Apud HIRONAKA, Giselda. 2003, p.113.
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“[...] Conquanto o sistema contratual brasileiro permaneça alicerçado
sobre o dogma da autonomia da vontade, a reorganização do direito civil
sob o enfoque constitucionalista, implementada paulatinamente pelo CDC e
pelo CC/02, impôs a conformação da liberdade contratual à boa-fé
objetiva e seus deveres anexos, o que resultou em manifesto alargamento
do conteúdo contratual. Diante desse novo panorama, passa-se a admitir e
a exigir um controle judicial de conteúdo dos contratos, a fim de proteger
a vontade das partes contratantes integrada pelos deveres instrumentais
“avoluntaristas ” da boa-fé (MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO,
Gerson. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 199)[...]” (grifei)
O Superior Tribunal de Justiça ainda manifesta a aplicação da boa-fé objetiva em
diversos outros julgados:
“[...] Inicialmente, cumpre destacar que o princípio da boa-fé objetiva
contrapõe-se ao ideário patrimonialista e individualista vigente na ordem
civil de 1916. Funda-se esta preposição na nova ordem constitucional,
em que o princípio da dignidade humana ganha contornos de norma
irradiadora e delimitadora de direitos. Desse modo, a boa-fé objetiva
constitui a efetivação da proteção da dignidade da pessoa humana nas
relações obrigacionais, pois circunscreve os limites éticos das relações
patrimoniais entre os contratantes.
[...]
Assim, a boa-fé objetiva afigura-se como standard ético-jurídico a ser
observado pelos contratantes em todas as fases contratuais. Ou seja,
durante as diversas etapas do contrato, a conduta das partes deve ser
pautada pela probidade, cooperação e lealdade. Destarte, a boa-fé
objetiva é fonte de obrigação que permeia a conduta das partes a influir na
maneira em que exercitam os seus direitos, bem como no modo em que se
relacionam entre si. Neste rumo, a relação obrigacional deve ser
desenvolvida com o escopo de se preservarem os direitos dos contratantes
na consecução dos fins avençados, sem que a atuação das partes infrinja os
preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.
(REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA,
julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)
Percebe-se, portanto, que a (i) ausência de realização da obra habitacional de
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3º Ofício
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forma adequada; (ii) a ausência de reparos efetivos dos vícios apresentados; (iii) ausência de
deveres de informação e colaboração; (iv) afronta à justa expectativa criada na entrega da
segunda etapa dos imóveis caracterizam, ao final, evidente violação aos deveres anexos da
boa-fé, que persistem antes e até mesmo após a entrega das residências.
Logo, não há que se falar que a obrigação das rés se conclui com a entrega dos
imóveis mas, sim, persiste em momento posterior, especialmente ao se constatar vícios decorrentes
da construção.
Do mesmo modo, também se pleiteia, na presente demanda, a entrega da segunda
etapa do conjunto habitacional dentro dos prazos previamente estabelecidos e informados aos
beneficiários, que se programaram de acordo com tal cronograma, inclusive alguns pagam aluguel,
com muita dificuldade, diga-se de passagem. O atraso injustificado acresce afronta à expectativa e
confiança depositada pelos beneficiários nas rés, além de causar efetivo dano material.
Percebe-se, portanto, que há campo para aplicação do descumprimento do dever de
colaboração, ética e lealdade por parte das rés, seja pelos vícios posteriores e ausência de reparos
adequada ou, ainda, pelo descumprimento do prazo previsto para a entrega dos imóveis, tanto em
momento prévio, no decorrer ou após a contratação, permeando toda a relação jurídica construída
entre as partes.
e) Programa de Arrendamento Residencial - PAR: conceito e finalidade
O Programa de Arrendamento Residencial (PAR), regido pela Lei nº 10.188/2001, é
um programa do Ministério das Cidades operacionalizado pela CAIXA e financiado pelo Fundo de
Arrendamento Residencial (FAR). O PAR tem como objetivo reduzir o déficit habitacional
viabilizando a aquisição de imóveis residenciais para famílias com renda de até R$ 1.600,00.
São características dos empreendimentos 17:
(i) inserção na malha urbana;
17 http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/estadual/programas_habitacao/par/saiba_mais.asp, acessado em
25.03.2008.
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(ii) existência de infra-estrutura básica (água, solução de esgotamento sanitário,
energia elétrica, vias de acesso e transportes públicos);
(iii) facilidade de acesso a pólos geradores de emprego e renda;
(iv) viabilidade de aproveitamento de terrenos públicos;
(v) favorecimento à recuperação de áreas de risco e ambiental.
A finalidade específica do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) é oferecer
moradia18 à população de baixa renda, através da celebração de contratos de arrendamento
residencial, por meio dos quais os arrendatários têm a opção de adquirir o bem arrendado com o
pagamento da integralidade de seu preço. Tal entendimento decorre do exposto no art. 1º da Lei nº
10.188/2001, que assim dispõe:
“Fica instituído o Programa de Arrendamento Residencial para
atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob
forma de arrendamento residencial com opção de compra”.
O contrato de arrendamento residencial é legalmente definido no art. 6º, da Lei nº
10.188/2001, com redação dada pela Lei nº 10.859/2004, abaixo transcrito:
“Considera-se arrendamento residencial a operação realizada no âmbito
do Programa instituído nesta Lei, que tenha por objeto o arrendamento com
opção de compra de bens imóveis adquiridos para esse fim específico.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se arrendatária a pessoa
física que, atendidos os requisitos estabelecidos pelo Ministério das
Cidades, seja habilitada pela CEF ao arrendamento”.
Exige-se das pessoas físicas interessadas em participar do Programa de
Arrendamento Residencial que atendam aos seguintes requisitos19:
(i) renda familiar até R$ 1.600,00;
(ii) capacidade de pagamento compatível com a taxa de arrendamento;
(iii) não ser proprietário ou promitente comprador de imóvel residencial, ou detentor
de financiamento habitacional, em qualquer local do país;
(iv) ser maior de 18 anos ou emancipado;
18Artigo 25, § 1. “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-
estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, grifou-se).
19 Disponível em: <http://webp.caixa.gov.br/urbanizacao/publicacao/texto/programa/par.htm>. Acesso em 25.mar.2008.
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(v) apresentar idoneidade cadastral;
(vi) não ter contrato de arrendamento anterior rescindido, dentro do Programa, por
descumprimento contratual.
Por sua vez, de acordo com a Lei 11.977/2011, há alguns requisitos obrigatórios para
a implantação do programa habitacional:
Art. 5º-A. Para a implantação de empreendimentos no âmbito do PNHU,
deverão ser observados: (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
I - localização do terreno na malha urbana ou em área de expansão que
atenda aos requisitos estabelecidos pelo Poder Executivo federal,
observado o respectivo plano diretor, quando existente;
II - adequação ambiental do projeto;
III - infraestrutura básica que inclua vias de acesso, iluminação pública e
solução de esgotamento sanitário e de drenagem de águas pluviais e
permita ligações domiciliares de abastecimento de água e energia elétrica;
e
IV - a existência ou compromisso do poder público local de instalação ou
de ampliação dos equipamentos e serviços relacionados a educação, saúde,
lazer e transporte público.
Verifica-se, pois, que o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) foi criado a
fim, sobretudo, de dar efetividade ao direito social de moradia, previsto no art. 6º, da Constituição
Federal.
Frise-se, por oportuno, a competência da Caixa Econômica Federal em estabelecer
critérios os quais deverão ser obedecidos, enunciada no art. 4° da Lei nº 10.188/2001:
“Art. 4o Compete à CEF:
(...)
III - expedir os atos necessários à operacionalização do Programa;
IV - definir os critérios técnicos a serem observados na aquisição,
alienação e no arrendamento com opção de compra dos imóveis destinados
ao Programa;
V - assegurar que os resultados das aplicações sejam revertidos para o
fundo e que as operações de aquisição de imóveis sujeitar-se-ão aos
critérios técnicos definidos para o Programa;
(...) Parágrafo único. As operações de aquisição, construção, recuperação,
arrendamento e venda de imóveis obedecerão aos critérios estabelecidos
Defensoria Pública da União em Umuarama/PR
3º Ofício
22
pela CEF, respeitados os princípios da legalidade, finalidade,
razoabilidade, moralidade administrativa, interesse público e eficiência,
ficando dispensada da observância das disposições específicas da lei geral
de licitação.”
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao apreciar casos referentes ao PAR,
sedimentou diretriz jurisprudencial no seguinte sentido:
“Com efeito, o arrendamento residencial é instituto que envolve direito
de cunho social, como é o direito à moradia que sempre freqüentou o
catálogo dos direitos fundamentais do indivíduo em vista da sua
relevância social. Figurando entre as necessidades primárias essenciais,
é elemento que empresta completude à promessa constitucional de
dignidade da pessoa humana.
Em tal perspectiva, a aplicação do regime do programa de
arrendamento residencial, instituído pela Lei 10.188, de 12.02.2001,
deve ser a mais consentânea possível com a proteção social.
Na hipótese, a ação de reintegração de posse foi ajuizada unicamente sob o
argumento de que houve violação ao contrato, devido à transmissão de
posse efetivada pelo primeiro contratante.
Não há, pois, prejuízo algum à CEF a manutenção da agravante no imóvel,
posto que as respectivas taxas de arrendamento estão sendo adimplidas”.
(TRF4, 3ª Turma, AG 2007.04.00.002715-2, Rel. Des. Federal Luiz Carlos
de Castro Lugon, D.E. 30/05/2007, grifei).
Repita-se que o direito à moradia se concretiza no arrendamento residencial com
opção de compra como um dos instrumentos de acesso à habitação, tendo a própria Lei 10.188/01,
em seu art. 1º, previsto expressamente que o PAR – Programa de Arrendamento Residencial é
instituído para atendimento exclusivo da necessidade de moradia da população de baixa renda.
Diante disso, a resolução dos diversos vícios dos imóveis significa, acima de tudo, a
concretização dos objetivos para os quais o Programa de Arrendamento Residencial foi criado, qual
seja, possibilitar à população de baixa renda a aquisição de sua moradia mediante o pagamento de
prestações condizentes com sua situação econômica.
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3º Ofício
23
f) Programa de Arrendamento Residencial – PAR e a incidência do Código de Defesa
do Consumidor: princípios e preceitos aplicáveis
A defesa do consumidor encontra supedâneo constitucional no Título II – Dos
Direitos e Garantias Fundamentais – em seu artigo 5º, inc. XXXII, que estabelece que “o Estado
promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Nesse contexto, o art. 1º, do Código de Defesa do Consumidor preconiza que o
diploma legislativo estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, nos termos do art. 5º,
inc. XXXII, e art. 170, inc. V, ambos da Constituição Federal.
A relação contratual posta em exame é, induvidosamente, de natureza consumerista
(arts. 2º e 3º do CDC; STJ, Súmula 29720; e STF, ADI-ED 2591/DF21), incidindo, pois, suas
regras e princípios no caso vertente.
Revela-se significativa a lição de Felipe Caldas Menezes22 a propósito da matéria em
questão:
“O contrato de arrendamento residencial, como já referido, é oriundo de
programa instituído pela Lei nº 10.188/2001, que, em seu art. 1º, § 1º, com
redação dada pela Lei nº 10.859/2004, estabelece que a operacionalização
de tal programa será efetuada pela Caixa Econômica Federal – CEF,
instituição financeira constituída sob a forma de empresa pública federal.
Ademais, deve-se ter em mente que o contrato firmado entre os
arrendatários e a CEF caracteriza-se como contrato de adesão.
Tais contratos contêm cláusulas uniformes, não deixando espaço ao
princípio da autonomia da vontade (autonomia privada), seja no que tange
à fixação do conteúdo, seja na escolha da outra parte contratante.
20 “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. 21 “1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de
Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou
jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito”. STF, Pleno, ADI-ED
2591/DF, Rel. Min.Eros Grau, DJ 13.04.2007, p. 00083. 22 “O Programa de Arrendamento Residencial e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”, Disponível em:
Biblioteca Digital Jurídica do Superior Tribunal de Justiça http://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/60500. Acesso em
02/03/2016.
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3º Ofício
24
Trata-se, pois, de típico contrato de adesão, que consiste, na definição legal
do art. 54 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) “aquele
cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem
que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu
conteúdo.”
É lícito concluir, assim, que, no contrato de arrendamento residencial, os
arrendatários não dispõem da faculdade de discutir com a outra parte
sobre o conteúdo das obrigações, sendo que tudo já é previamente
ordenado. Cabe àqueles, exclusivamente, subordinarem-se às condições
preestabelecidas, por adesão, para terem financiada, nos termos impostos
pelo programa, a aquisição final da moradia pretendida.
(...)
Imperioso é acrescentar, outrossim, que, mesmo que se considere o contrato
de arrendamento residencial como um dos contratos celebrados no âmbito
do Sistema Financeiro da Habitação, o que somente se admite ad
argumentadum tantum, é amplamente majoritário no Superior Tribunal de
Justiça o entendimento acerca da incidência do CDC a tais espécies
contratuais, como se pode extrair das seguintes decisões das 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
Turmas do STJ”.
Na mesma linha, importante consignar precedente importante do TRF da 4ª Região:
SFH. CEF. ARRENDAMENTO. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO.
LEGITIMIDADE ATIVA DA ARRENDATÁRIA. LEGITIMIDADE
PASSIVA DA CEF. COMPROVAÇÃO DOS VÍCIOS.
RESPONSABILIDADE DA CEF. PERÍCIA. REPARAÇÃO DE DANO
MATERIAL E MORAL. Configurada a legitimidade ativa da arrendatária
para reclamar sobre os vícios de construção do imóvel e os danos
decorrentes, bem como a legitimidade passiva da CEF na ação, porque
agente executora do Programa de arrendamento Residencial (PAR).
Evidenciada a responsabilidade da CEF pelos vícios de construção, pois
esta não se qualifica nos autos como mero agente financeiro, mas como
legítima arrendadora do imóvel, uma vez revestida de fornecedora de
serviço de arrendamento, na forma como ditada pelo art. 3º do CDC, o
que se confirma pelo contrato de adesão firmado entre as partes e
fornecido pela CEF Há nexo de imputação de responsabilidade à CEF
caso constatados vícios de solidez e segurança.
(TRF4, AC 5009682-68.2012.404.7001, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão
Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 22/09/2015, grifei)
Defensoria Pública da União em Umuarama/PR
3º Ofício
25
Os demais Tribunais Regionais Federais também se manifestaram pela incidência das
normas do CDC nos contratos de arrendamento residencial:
“CIVIL. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. VÍCIOS
NO IMÓVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CDC A
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. SUBSTITUIÇÃO DO IMÓVEL.
1.Contrato bancário de arrendamento residencial envolve relação
jurídica de consumo, nos termos do CDC, com as conseqüências que daí
advêm, notadamente a inversão do ônus da prova. 2.A presença de
vícios, não imputáveis ao arrendatário e que tornam inabitável o imóvel,
enseja sua substituição por parte da instituição, se o arrendatário preenche
os requisitos para tanto, como se verificou no caso vertente. 3.A mera
assinatura de contrato de recebimento em que consta menção a vistoria não
configura prova bastante da integridade de imóvel, sendo condição à entrega
das chaves ao arrendatário, que pode constatar, a posteriori,a existência de
vícios que não se revelaram naquele momento. 4.Recurso desprovido.
5.Sem honorários, por ter sido a defesa patrocinada pela Defensoria
Pública”.
(TRF1, JEF RCAJ200433007632989/BA, Rel. Juiz Pompeu de Sousa
Brasil, DJBA 03.03.2005, grifou-se).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARRENDAMENTO RESIDENCIAL.
LEI 10.188/2001. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR ÀS RELAÇÕES POR ELA DISCIPLINADAS,
TENDO EM VISTA O DISPOSTO NO SEU ART. 10, QUANTO À
APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
AOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL.
ENTENDIMENTO PREVALENTE NO STJ. DECISÃO AGRAVADA
QUE SE LIMITA A AFIRMAR A NÃO APLICAÇÃO DO CDC PARA
INDEFERIR ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PRONUNCIAMENTO DO
TRIBUNAL SOMENTE QUANTO A ESSE ASPECTO. NECESSIDADE
DE PRONUNCIAMENTO DO MM. JUÍZO A QUO QUANTO AOS
REQUERIMENTOS FORMULADOS, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE
GRAU DE JURISDIÇÃO”.
(TRF2, 6. T, Especial, AG 2005.02.01.009055-6/RJ, Rel. Juiz Rogério
Carvalho, DJU 21/11/2005, p. 313, grifou-se).
Com efeito, um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a
Defensoria Pública da União em Umuarama/PR
3º Ofício
26
defesa do consumidor. A Lei nº 8.078/90, em seu art. 6o, assegura:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por
práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou
nocivos;
(...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos; (grifei)
Os mutuários do Conjunto Sonho Meu encaixam-se no conceito de
consumidor23, enquanto as rés se enquadram na definição de fornecedoras, de forma que a
relação discutida nessa ação se configura como relação de consumo, sendo, portanto,
protegida por todo o dirigismo contratual do Código de Defesa do Consumidor.
Aplicável, também, o disposto no artigo 18 do CDC que estipula:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou
não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade
ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo
a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por
aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do
recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária,
respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o
consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Como se vê, constatado vício no fornecimento de produto (unidades habitacionais
defeituosas) ou prestação de serviço, há responsabilidade solidária entre os componentes da cadeia
produtora para o fim de saná-los.
Assim, a par dos argumentos deduzidos, aplicando-se o Código de Defesa do
Consumidor e, em conseqüência, seus princípios e preceitos, que por equitativo e justo, nos termos
acima deduzidos, requer seja procedente o provimento jurisdicional pleiteado, assegurando-se o
direito à moradia da população de baixa renda.
23 “São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas”
(grifou-se). STJ, 3. T, REsp 476428/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 09.05.2005, p. 390.
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3º Ofício
27
g) Caixa Econômica Federal: Função de fiscalização
Até a presente data, as reclamações individuais dos moradores tem se delongado em
virtude das rés, que permanecem inertes, sem assumir qualquer responsabilidade e providências.
Frise-se, por relevante, que os arrendatários com bastante regularidade entraram em contato
buscando uma melhor solução para a problemática, sempre sem sucesso.
A CEF, na qualidade de financiadora, responsável pela alocação de recursos para a
realização da construção, assume ao lado da construtora e administradora a responsabilidade pelos
danos causados aos arrendatários, como fundamentado acima.
Ora, o imóvel financiado pela CEF, determina a aquisição de um imóvel construído
segundo os padrões de normalidade e adequação, que não apresente vícios de construção.
A presença deste não pode excluir a responsabilidade da CEF e atribuir o prejuízo
aos arrendatários, parte vulnerável na negociação e que confiaram inclusive na função de
fiscalização da empresa pública federal, com a firme suposição de que estivessem adquirindo
imóvel construído sem problemas estruturais.
Esta fiscalização não se restringe apenas às medições feitas no decorrer da obra, mas
diz respeito, num mesmo patamar, à constatação da utilização do material acordado e aprovado para
a construção, bem como os possíveis vícios de construção apresentados durante e após sua
execução.
Nesse sentido, já se manifestou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSUMIDOR.
VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEIS. PROGRAMA DE
ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (PAR). RESPONSABILIDADE DA
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.
1. Controvérsia em torno da responsabilidade da Caixa Econômica Federal
(CEF) por vícios de construção em imóveis vinculados ao Programa de
Arrendamento Residencial, cujo objetivo, nos termos do art. 10 da Lei nº
10.188/2001, é o atendimento da necessidade de moradia da população de
baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de
Defensoria Pública da União em Umuarama/PR
3º Ofício
28
compra.
2. Como agente-gestor do Fundo de Arrendamento Residencial, a CEF
é responsável tanto pela aquisição como pela construção dos imóveis,
que permanecem de propriedade do referido fundo até que os
particulares que firmaram contratos de arrendamento com opção de
compra possam exercer este ato de aquisição no final do contrato.
3. Compete à CEF a responsabilidade pela entrega aos arrendatários
de bens imóveis aptos à moradia, respondendo por eventuais vícios de
construção.
4. Farta demonstração probatória, mediante laudos, pareceres, inspeção
judicial e demais documentos, dos defeitos de construção no "Conjunto
Residencial Estuário do Potengi" (Natal-RN), verificados com menos de
um ano da entrega.
5. Correta a condenação da CEF, como gestora e operadora do
programa, à reparação dos vícios de construção ou à devolução dos
valores adimplidos pelos arrendatários que não mais desejem residir
em imóveis com precárias condições de habitabilidade.
6. Inexistência de enriquecimento sem causa por se cuidar de medidas
previstas no art. 18 do CDC
7. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(REsp 1.352.227/RN, Rel. Ministro PAULO DE TARSO
SANSEVERINO, Terceira Turma, DJe 2/3/2015, grifei)
Desse modo, a Caixa Econômica Federal tinha o poder-dever de fiscalizar a obra
executada, tendo sido, contudo, negligente, não detectando tais defeitos de construção porque
simplesmente não cumpriu com a sua obrigação legal e contratual.
h) Reparação: vícios de construção
O art. 186 do Código Civil Brasileiro em vigor dispõe que “aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O mesmo diploma legal obriga o causador do ato ilícito
a repará-lo, conforme se depreende do artigo 927, pois “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e
187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
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3º Ofício
29
Assim sendo, a CEF tinha o dever de fiscalizar a execução da obra e especificação
técnicas, o que não foi feito, vindo a dar causa aos danos sofridos pelos arrendatários, portanto,
obrigada a repará-los, por imposição legal24.
“CIVIL. CONTRATO de ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. VÍCIOS
NO IMÓVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO
de DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
(LEI 8.078/90). RECURSO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
Trata-se de recurso interposto pela ré contra sentença que condenou a CEF
a reparar os defeitos na construção do imóvel objeto de arrendamento
residencial com opção de compra celebrado entre as partes, a fim de
restaurar as perfeitas condições de habitação do imóvel. [...] Os defeitos
do imóvel que surgiram progressivamente logo após a entrega do bem
(rachaduras, infiltrações, desprendimento de cerâmicas), os quais não
decorrem do uso natural, afetam a sua utilização com segurança,
configurando a responsabilidade da CEF pelos vícios ocultos (artigo 14
do Código de Defesa do Consumidor). Correta a sentença que
determinou a reparação dos defeitos de construção do imóvel, objeto
de arrendamento residencial com opção de venda, a fim de restaurar
as perfeitas condições de habitação. Sendo assim, a obrigação de fazer
consiste na remoção e assentamento de novo piso (43,50 m2 de
cerâmica), impermeabilização externa e interna de quatro paredes
(tamanho aproximado de 3 x 2,80m), as quais apresentaram
rachaduras e infiltrações, e pintura das paredes restauradas. Sentença
mantida. Acórdão lavrado nos termos do artigo 46 da Lei n. 9.099/95.
Recurso improvido. Sem honorários advocatícios em virtude da gratuidade
de justiça.”
(TRDF, 1ª Turma Recursal, Processo 200634007011373, Rel. Daniele
Maranhão Costa, DJDF 03.08.2007, grifei)
O CDC, em seu art. 14, impõe a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo dano
causado por serviços defeituosos, litteris:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da
existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores
24 “O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses
alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão.
Para que se configure o ilícito será imprescindível um dano oriundo de atividade culposa (...) É de ordem pública o
princípio que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, indenizando-o” (Diniz, Maria
Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º. Volume, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995).
Defensoria Pública da União em Umuarama/PR
3º Ofício
30
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”
Por isso, mesmo que não estivesse configurada a culpa da Caixa Econômica
Federal na atual situação em que se encontra o imóvel e o perigo aos moradores do imóvel em
tela, ainda assim subsiste o seu dever de indenizar, em face da responsabilidade objetiva do
fornecedor de serviços, baseada no Código de Defesa do Consumidor e na responsabilidade
objetiva dos prestadores de serviço público (art. 37, §6º), com fundamento Constitucional.
A relação de consumo, no caso dos autos, dá-se pelo binômio fornecedor -
consumidores (destinatário final do serviço prestado – proprietários). O art. 4º, II, “c” do CDC
dispõe que os serviços prestados devem prezar “pela garantia dos produtos e serviços com padrões
adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”, sendo “as empresas,
concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento”, obrigadas a
fornecer serviços adequados, eficientes e seguros (art. 22), sob pena de serem compelidas ao
cumprimento e à reparação dos danos causados (art. 22, parágrafo único).
Já em seu art. 12, o Código de Defesa do Consumidor obriga a construtora, também
com responsabilidade objetiva, ao ressarcimento do dano causado pela construção viciada,
conforme transcrito abaixo:
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e
o importador, respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.”
Da mesma forma dispõe o art. 20 do Código Consumerista, pugnando pela correção
dos vícios por meio da reexecução da obra ou abatimento do preço:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os
tornem impróprios ao consumidor ou lhes diminuam o valor, assim como
por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da
oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir,
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3º Ofício
31
alternativamente e à sua escolha:
I. a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II. a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III. o abatimento proporcional do preço.
Por outro lado, além da Caixa Econômica Federal não ter promovido a execução
adequada, fiscalização e reparação dos danos, a construtora Cantareira oferece reparo
insuficiente à resolução do problema de forma definitiva, mesmo tendo executado a obra, e,
portanto, tendo dado causa ao vício na construção.
Por fim, não há que falar em decadência, isso porque no caso em apreço não incide a
regra contida no art. 26, II c/c seus §§ 1º e 3º do CDC, uma vez que existe disposição específica no
mesmo diploma para tratar de vícios e responsabilidade na construção de imóveis (art. 12, c/c 27).
Não é razoável, portanto, que menos de dois anos depois da entrega do imóvel, os
defeitos apresentados o tornem inabitável, não sendo possível imputar ao arrendatário a obrigação
de detectar todo e qualquer problema que eventualmente possa existir, mesmo porque, problemas da
ordem de infiltrações e rachaduras podem não ser percebidas de imediato.
i) Do Dever de Indenizar pelos Danos Morais e Materiais Sofridos
A conduta das requeridas, consoante exposto alhures, está evidenciada pela escusa de
reparar o vício de construção que torna os imóveis inadequados para sua finalidade.
Os danos materiais, a serem individualmente mensurados na fase de liquidação
da sentença, configuram-se nos prejuízos sofridos pelos moradores em razão dos alagamentos de
suas casas25. Conforme faz prova as fotos anexadas, a água da chuva adentra nas casas, danificando
móveis e eletrodomésticos dos moradores. Ainda, há diversas residências com rachaduras, piso
25
Art. 5o-A. Para a implantação de empreendimentos no âmbito do PNHU, deverão ser observados: (Incluído
pela Lei nº 12.424, de 2011)
[...]
III - infraestrutura básica que inclua vias de acesso, iluminação pública e solução de esgotamento sanitário e de
drenagem de águas pluviais e permita ligações domiciliares de abastecimento de água e energia elétrica;
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3º Ofício
32
cedendo, infiltrações, mofo, dentre diversos outros problemas que poderão ser melhor
constatados em visita por profissional técnico habilitado, além da prova em anexo.
Os danos morais configuram-se pelos transtornos causados aos consumidores em
decorrência dos diversos vícios apresentados, agravado pelo enorme transcurso do prazo sem uma
solução definitiva por parte das rés. Imagine-se, Excelência, a angústia sofrida pelos moradores, de
verem suas casas recém adquiridas serem invadidas pela água da chuva, paredes apresentarem
rachaduras, infiltrações. Perceba-se, neste ponto, que mesmo em relação aos moradores que
construíram, por conta própria, muros ou outras tentativas de impedir a entrada de água da chuva,
por exemplo, tábuas nas portas, ainda sofrem com os alagamentos. Por conta do vício de
construção, sempre que chove, os moradores ficam apreensivos de que a água torne a entrar em suas
casas, o que reforça o dano moral por eles sofrido.
Por fim, é de se destacar ainda a revolta e humilhação sofridas pois os moradores
estão há mais de um ano pleiteando melhorias, tendo seu pedido ignorado por quem deveria zelar
pela higidez da construção e adequação do imóvel à finalidade de moradia.
O nexo de causalidade também está presente, pois, não fosse a conduta das rés, os
moradores não teriam passado por todos esses transtornos e constrangimentos.
Um último elemento a ser considerado seria a culpa das rés. Porém, como se trata de
relação consumerista, a culpa da parte demandada não importa, pois não é necessária à
responsabilização. De qualquer forma, mesmo que não se considerasse assim, a culpa das
requeridas está demonstrada, pois agiram de maneira abusiva, o que levou aos diversos danos
sofridos pelos consumidores.
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3º Ofício
33
j) Do Atraso na entrega das residências da segunda etapa
A segunda etapa do Conjunto Sonho Meu previa a entrega de 454 casas em março de
2016. Contudo, chegando ao prazo inicialmente previsto, posterga-se a previsão de entrega para o
final do ano, aproximadamente em outubro/201626.
Veja-se que no contrato consta, nas cláusulas oitava e quadragésima, a incidência de
penalidades no caso de impontualidade no pagamento das obrigações financeiras por parte dos
beneficiários do programa habitacional. Em evidente quebra do sinalagma, não há qualquer
penalidade ou obrigação contratualmente prevista no caso de atraso no cumprimento da obrigação
pela Caixa Econômica Federal.
Contudo, a ausência de previsão no contrato não afasta o dever de pontualidade na
realização das obrigações pela ré Caixa, a qual deve, pela ampla oferta e divulgação aos
consumidores aliado aos deveres anexos de boa-fé, respeitar o cronograma inicialmente previsto,
divulgado e legitimamente esperado pelos arrendatários e, descumprindo a obrigação, deve
responder pelos danos causados.
Esse é o entendimento dos Tribunais Regionais Federais:
ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO HABITACIONAL. SFH.
ATRASO DE OBRA. JUROS DE OBRA. legimitidade da CEF. - A questão
da legitimidade passiva da CEF, na condição de agente financeiro, em ação
de indenização por atraso de construção, merece distinção, a depender do
tipo de financiamento e das obrigações a seu cargo, podendo ser
distinguidos, a grosso modo, dois gêneros de atuação no âmbito do Sistema
Financeiro da Habitação, isso a par de sua ação como agente financeiro
em mútuos concedidos fora do SFH (1) meramente como agente financeiro
em sentido estrito, assim como as demais instituições financeiras públicas e
privadas (2) ou como agente executor de políticas federais para a
promoção de moradia para pessoas de baixa ou baixíssima renda. - É dever
do agente financeiro fiscalizar o andamento das obras, zelando pela
26 http://umuarama24horas.com/ExibeNoticia?id=11199&item=Entrega-de-454-casas-do-Sonho-Meu-II-em-
Umuarama-ficara-para-outubro
http://www.obemdito.com.br/umuarama/entregadascasasdasegundafasedosonhomeuficaparaoutubro/2022/
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3º Ofício
34
observância dos prazos previamente fixados, não apenas porque dessa
medida depende a liberação dos recursos financeiros para que o
empreendimento seja concluído, como também porque o atraso eventual
pode resultar em responsabilização da própria Caixa Econômica Federal.
- Evidenciado o descumprimento contratual decorrente do atraso
injustificado na entrega da obra, impõe-se o dever de indenizar os
prejuízos comprovadamente suportados. -A cobrança dos juros de pré-
amortização (juros de obra) após o término do prazo para a entrega da
obra onera indevidamente os mutuários, que não tiveram qualquer
responsabilidade pela demora na construção do imóvel ou por eventuais
complicações inerentes à conclusão do empreendimento.
(TRF4, AC 5087391-08.2014.404.7100, Terceira Turma, Relatora p/
Acórdão Maria Isabel Pezzi Klein, juntado aos autos em 29/01/2016, grifei)
AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC , ART. 557 .
SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO - SFI. ATRASO NA ENTREGA NA
ENTREGA DA OBRA. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DOS
VALORES PAGOS. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL.
RESPONSABILIDADE DA CEF.ATRASO - Para o julgamento monocrático
nos termos do art. 557 , § 1º , do CPC , não há necessidade de a
jurisprudência dos Tribunais ser unânime ou de existir súmula dos
Tribunais Superiores a respeito. - A CEF é a responsável pelo repasse dos
valores financiados diretamente para a vendedora e dessa para a
construtora, mediante cumprimento do cronograma de construção. Ao
verificar a paralisação da obra, a CEF não agiu conforme o disposto na
cláusula vigésima e seguintes do contrato, notificando a seguradora sobre a
paralisação das obras e assim garantindo o término da construção. - Os
mutuários não deram causa a inadimplência ou rescisão contratual,
comprovando o pagamento das prestações mensais mesmo após a
suspensão do repasse dos valores pela CEF para a construtora. - É
patente a responsabilidade da CEF, e ademais, verificada a omissão no
tocante a notificação da seguradora, configurou-se a lesão que motivou a
rescisão do contrato e criou o nexo de causalidade com os danos sofridos
pelos mutuários. - Se a decisão agravada apreciou e decidiu a questão de
conformidade com a lei processual, nada autoriza a sua reforma. - Agravo
legal desprovido.
(TRF-3 - APELAÇÃO CÍVEL AC 37399 SP 2003.61.00.037399-2 TRF-3,
Data de publicação: 23/08/2011)
Resta comprovado, portanto, a existência de responsabilidade das rés no atraso
injustificado na entrega das obras, o dano suportado pelos beneficiários que não possuem qualquer
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3º Ofício
35
responsabilidade pela demora e, ainda, arcam, com muita dificuldade, com dispêndios de aluguel ou
outros relacionados à moradia, sendo claro o nexo causal na conduta da ré Caixa e o dano.
Assim, se faz necessária a imediata entrega das obras em condições adequadas, além
do pagamento de indenização na eventual persistência do atraso.
k) Da Inversão do Ônus da Prova
Da simples leitura do Código do Consumidor, verifica-se, sem muito esforço, ter o
legislador conferido ao magistrado a incumbência de, presentes os requisitos da verossimilhança
das alegações ou quando o consumidor for hipossuficiente, poder inverter o ônus da prova. É o que
diz o diploma, in verbis:
"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII- A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do
ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiência.” (Grifei)
A verossimilhança das alegações não se discute, pois, de acordo com a narrativa dos
fatos e os documentos anexos a esta exordial, percebe-se que houve falha na prestação de serviços
pela parte demandada, o que causou danos aos moradores do Conjunto Sonho Meu.
A hipossuficiência, por sua vez, tem seu alcance magistralmente comentado por
Nelson Nery Júnior, “in” “PRINCÍPIOS”, n.º 8, pág. 42:
“O processo civil tradicional permite a convenção sobre o ônus da prova,
de sorte que as partes podem estipular a inversão em relação ao critério da
lei (CPC, 333, parágrafo único, a 'contrario sensu'). O CDC permite a
inversão do ônus da prova em favor dos consumidores sempre que for
hipossuficiente ou verossímil sua alegação. Trata-se de aplicação do
princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor, como parte
reconhecidamente mais fraca e vulnerável na relação de consumo (CDC,
art. 4º, I), tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que seja
alcançada a igualdade real entre os partícipes da relação de consumo. O
inciso comentado amolda-se perfeitamente ao princípio constitucional da
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3º Ofício
36
isonomia, na medida em que trata desigualmente os desiguais,
desigualdade essa reconhecida pela própria lei.”
Por sua vez, tratando-se de consumidores, integrantes de programa de arrendamento
residencial de baixa renda, fica demonstrado, assim, sua hipossuficiência.
Portanto, as rés é quem tem a obrigação de provar que não existiram os fatos
alegados e nem os danos sofridos pela parte autora.
IV. DA MEDIDA LIMINAR
IV.1. “Fumus boni iures”
No curso da argumentação desenvolvida demonstrou-se, de maneira que se afigura
inequívoca, a presença do fumus boni iuris. A violação dos preceitos fundamentais representados
expostos é ostensiva, caso não se assegure a efetivação dos direitos postulados, em face da densa e
cabal base jurisprudencial e normativa citadas.
IV.2. “Periculum in mora”
Inexorável o risco do total esvaziamento do resultado do processo, por
irreversibilidade da tutela pleiteada, sem a concessão da liminar pleiteada, tendo em vista o perigo a
que estão expostos os moradores em decorrência dos vícios estruturais.
Presentes, pois, ambos os pressupostos legais, imperativa a concessão da liminar
pleiteada27 a fim de se evitar dano irreparável.
Registre-se que há precedentes de ação civil pública contra a Caixa Econômica
Federal na qual ficou reconhecido, inclusive de forma antecipada, a responsabilidade solidária da ré
pelos vícios construtivos, tal como o entendimento do Juízo Federal da Bahia, por ocasião do
processo n.º 30506-65.2012.4.01.3304, in verbis:
27 “(...) Instrumento adequado para recompor, de forma liminar e provisória, o equilíbrio das relações jurídicas”
ROCHA, Cesar Asfor, A luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 115.
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3º Ofício
37
Requer, portanto, o reconhecimento da urgência do pleito aqui exposto e a
verossimilhança das alegações, amparadas pela farta prova pré-constituída em anexo.
V. DOS PEDIDOS
Como Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a Defensoria Pública
da União, incumbida da orientação jurídica e a defesa dos necessitados, nos termos da Constituição
Federal, requer, confiando no alto espírito de justiça, digne-se Vossa Excelência determinar:
V.1. Pedidos preliminares:
a) intimação pessoal da Defensoria Pública da União, de todos os atos processuais e
a contagem dos prazos processuais em dobro, na forma do inciso I do art. 44 da
Lei Complementar n.º 80/94;
b) a citação das partes requeridas para, querendo, apresentarem resposta no prazo
legal, sob pena de revelia; e
c) intimação do representante do Ministério Público Federal (LACP, art. 5º, § 1º).
V.2. Pedidos principais:
EM CARÁTER LIMINAR:
d) seja, inaudita altera parte, determinado a Caixa Econômica Federal e
Cantareira Construções e Empreendimentos Imobiliários Ltda., de forma
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3º Ofício
38
solidária, por seus representantes legais, que imediatamente realizem todas as obras
necessárias para sanar definitivamente os vícios estruturais, inclusive a construção de
muros de arrimo, no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária, para o caso de atraso
ou descumprimento da ordem de reparo;
e) seja cominada multa diária, para a hipótese de descumprimento total ou parcial
do provimento, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para cada parte requerida, a
ser depositada em conta bancária a ser aberta por esse MM. Juízo (art. 13, parágrafo
único, da LACP); e,
f) a efetiva entrega dos imóveis da segunda etapa dentro do cronograma previsto,
nesse mês de março/2016 e, na eventualidade de persistir o atraso, a suspensão
imediata de quaisquer taxas, juros ou outros encargos, além do pagamento de aluguel
aos beneficiários pelo tempo necessário até a efetiva entrega;
NO MÉRITO:
g) seja, ao final, confirmada a medida liminar deferida e julgado PROCEDENTE o
pedido de tutela específica da obrigação de fazer, condenando às rés, de forma
solidária, a reparar todos os vícios mencionados nesta peça vestibular, cuja
adequação deverá ser, ao final, certificada por perito judicial;
h) que as requeridas sejam condenadas, de forma solidária, a indenizar os moradores
pelos danos morais e materiais sofridos (emergentes e lucros cessantes) a serem
individualmente mensurados na fase de liquidação do julgado;
i) que as requeridas sejam condenadas a entregar os imóveis da segunda etapa dentro
do cronograma inicialmente previsto, com o pagamento de indenização pelo atraso
na entrega das casas correspondente ao aluguel relativo ao período de atraso; a
inexigibilidade de quaisquer taxas, juros ou outros encargos antes da ocupação e,
ainda, indenização por danos morais;
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3º Ofício
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MEIOS DE PROVA:
Requer a utilização de prova emprestada consistente em inspeção judicial realizada
no processo n.º 50036417120154047004 em trâmite nessa 2ª Vara Federal de
Umuarama/PR.
A realização de inspeção judicial, nos termos dos arts. 440 e seguintes do CPC;
Requer, ademais, a decretação judicial da inversão do ônus da prova em favor dos
consumidores, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, especialmente no tocante à
realização da prova pericial.
Pugna-se, desde já, pela produção de todos os meios de prova em direito admitidos,
especialmente o documental, pericial e testemunhal.
Dá-se à causa o valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais).
Pede deferimento.
Umuarama, 04 de março de 2016.
Carolina Balbinott
Defensora Pública Federal