Abordagem aos antibióticos - Sebenta Antibióticos - Filipe Araújo

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Abordagem Prtica aos Antibiticos

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ABORDAGEM PRTICA AOS ANTIBITICOS

Filipe Csar P. P. de Arajo Assistente de Microbiologia Clnica da Faculdade de Medicina de Lisboa

Filipe Csar P. P de Arajo

Abordagem Prtica aos Antibiticos

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ndiceIntroduo Definies Mecanismos de Aco dos Antibiticos Factores que determinam a eficcia dos Antibiticos Principais Grupos de Antibiticos Penicilinas Penicilinas naturais Aminopenicilinas Isoxazolilpenicilinas Carboxi e ureidopenicilinas Amidinopenicilinas Cefalosporinas Cefalosporinas de 1 Gerao Cefalosporinas de 2 Gerao Cefalosporinas de 3 Gerao Cefalosporinas de 4 Gerao Monobactmicos Carbapenemes Glicopptidos Macrlidos Tetraciclinas Cloranfenicol Clindamicina Estreptograminas Oxazolidinonas Aminoglicosdeos Sulfonamidas e associao com Trimetoprim Quinolonas Metronidazol Glicilciclinas Quadros e Tabelas teis sobre Antibiticos Eliminao e ajuste posolgico de alguns Antibiticos Tratamento de Infeces da Pele e Tecidos Moles 4 4 5 6 7 7 8 9 10 11 11 12 12 13 13 14 14 14 15 16 18 19 20 21 21 22 23 24 26 27 28 28 29

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Tratamento da Endocardite Infecciosa Tratamento Emprico das Infeces Urinrias Tratamento Emprico das Pneumonias da comunidade Tratamento Emprico das Meningites Tratamento dirigido das Meningites Tratamento de Vaginites e Vaginoses Tratamento de Uretrites Bibliografia

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I. Introduo 1. DefiniesAntibiticos so substncias qumicas que provocam a morte ou a inibio do crescimento de bactrias. Podem ter origem em outras bactrias ou fungos, ou podem ter origem totalmente sinttica. Desde a sua introduo na dcada de 40 do passado sculo XX, os antibiticos permitiram o combate a todo o tipo de infeces e assim melhorar a esperana de vida do ser humano, no entanto a emergncia de estirpes resistentes hoje em dia uma realidade preocupante. As grandes companhias farmacuticas desenvolvem novos princpios activos com o propsito de combater o vasto leque de infeces e agentes etiolgicos envolvidos, contudo o uso excessivo e muitas vezes inapropriado de tais substncias exerce presso selectiva que elimina as estirpes sensveis mas selecciona as resistentes. da responsabilidade dos profissionais de sade o uso criterioso dos antibiticos que devem ser prescritos de acordo com o tipo de doente, o local de infeco, o agente causador, a eficcia, segurana e custo do frmaco. Uma das principais regras de boa utilizao dos antibiticos a prescrio de antibioticoterapia de primeira linha. O antibitico de primeira linha o antibitico de menor espectro de actividade que eficaz para uma determinada infeco, ou seja, interessa-nos usar um antibitico que seja especfico e adequado contra apenas um ou contra o menor nmero possvel de microrganismos. Por exemplo, ao tratarmos uma amigdalite bacteriana por Streptococcus pyogenes vamos querer utilizar o antibitico eficaz que actue estritamente contra este agente sem afectar os restantes microrganismos da flora comensal do doente. A utilizao de antibiticos de primeira linha, para alm de tratar a infeco, permite: evitar seleco de estirpes resistentes, j que tem um espectro de aco que se limita praticamente a um microrganismo especfico; evitar efeitos adversos no doente, j que antibiticos de primeira linha so geralmente menos txicos que os frmacos de largo espectro; evitar destruio da flora comensal, o que impede infeces por microrganismos patognicos (a flora comensal essencial pois esconde receptores de ligao s clulas do hospedeiro e compete com os microrganismos patognicos pelos nutrientes disponveis); No entanto, existem situaes clnicas em que no possvel nem recomendvel utilizar antibiticos de espectro reduzido. Por exemplo, num doente em que a suspeita clnica de meningite muito forte e logo aps colhidos os produtos biolgicos (lquor e sangue) deve iniciar-se um antibitico ainda antes de se conhecerem os resultados das

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culturas destas amostras. Por conseguinte, este antibitico dever cobrir todos os agentes que possam ser causadores de meningite naquele indivduo, ou seja, dever ser um antibitico de largo espectro. Esta teraputica de largo espectro que iniciada antes de se conhecer o agente etiolgico da infeco denomina-se de antibioticoterapia emprica. Em determinadas situaes a antibioticoterapia emprica pode envolver dois ou mais antibiticos. Uma vez conhecido o agente causador da infeco o antibitico emprico pode ser suspenso e pode iniciar-se a teraputica com um antibitico de menor espectro que seja eficaz contra aquele microrganismo. Estas teraputicas de largo espectro so utilizadas quando necessrio assegurar um controlo precoce da situao clnica do doente e evitar complicaes. A escolha do antibitico emprico vai depender do tipo de doente, da gravidade da situao, da existncia de co-morbilidades, do local de infeco e do padro de resistncias aos antimicrobianos dos provveis agentes causadores da doena (determinado por estudos epidemiolgicos da regio).

2. Mecanismos de aco dos antibiticosOs vrios antibiticos existentes possuem diferentes mecanismos de aco atravs dos quais exercem os seus efeitos bacteriostticos ou bactericidas. Esses mecanismos so: - inibio da sntese da parede celular bacteriana, por exemplo as penicilinas, as cefalosporinas, a vancomicina ou a bacitracina; - alterao da permeabilidade da membrana celular com extravasamento dos compostos intracelulares, por exemplo a polimixina e o colistimetato; - inibio ou alterao da sntese proteica pela ligao s subunidades 30S e 50S dos ribossomas, por exemplo tetraciclinas, macrlidos, aminoglicosdeos, linezolide, cloranfenicol ou clindamicina; - compromisso do metabolismo dos cidos nucleicos, por exemplo rifamicinas ou quinolonas; - bloqueio de etapas metablicas especficas (antimetabolitos), por exemplo trimetoprim ou sulfonamidas;

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3. Factores que determinam a eficcia dos antibiticosA eficcia de um anitibitico depende de mltiplas variveis. Uma das principais a concentrao de frmaco no local de infeco, que deve ser suficiente para inibir o crescimento bacteriano (efeito bacteriosttico) ou destruir as prprias bactrias (efeito bactericida), mantendo-se abaixo dos nveis txicos para as clulas humanas. Quando a concentrao necessria para inibir ou matar o microrganismo maior do que a concentrao que pode ser atingida com segurana (limiar de toxicidade) o microrganismo considerado resistente ao antibitico. A resistncia aos antibiticos pode ser adquirida por mutao espontnea, transferncia horizontal (a partir de uma clula dadora) ou transferncia vertical (passada descendncia). A penetrao dos frmacos em locais infectados depende quase sempre do processo de difuso passiva. Assim, a taxa de penetrao proporcional concentrao de frmaco livre no plasma ou lquido extracelular (antibiticos que se ligam extensamente a protenas no penetram com a mesma eficcia e tm actividade reduzida). O ps, consistindo de fagcitos, detritos celulares, fibrina e protenas, liga-se aos aminoglicosdeos e vancomicina e reduz a sua actividade antimicrobiana, o mesmo acontecendo com a hemoglobina de hematomas infectados em relao penicilina e tetraciclinas. O pH de abcessos, espao pleural, lquor e urina baixo, resultando em ineficcia antimicrobiana de aminoglicosdeos, eritromicina e clindamicina. Condies de anaerobiose inibem a actividade dos aminoglicosdeos. A penetrao de antibiticos em abcessos tambm reduzida pelo facto de estes serem pouco vascularizados. Por tudo isto, o tratamento de abcessos passa, em regra, pela drenagem cirrgica. A presena de corpos estranhos (prteses valvulares cardacas ou articulares, pacemakers, shunts do SNC, entre outros) em locais infectados reduz grandemente o sucesso de qualquer teraputica antibitica o que se deve actividade fagoctica reduzida nestes materiais e produo de um revestimento glicoproteico por algumas estirpes bacterianas denominado de slime ou biofilme, que envolve e adere os microrganismos ao corpo estranho. Em geral, o xito da teraputica passa pela remoo deste material. O estado funcional dos mecanismos de defesa celular e humoral do hospedeiro so fundamentais para o sucesso do tratamento antibitico. Com frequncia, o xito no tratamento de infeces no imunocompetente pode ser atingido interrompendo a multiplicao das bactrias (efeito bacteriosttico). No entanto, esta atitude inadequada quando as defesas do indivduo esto comprometidas, tornando-se essencial a utilizao de agentes bactericidas.

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II. Principais grupos de Antibiticos 1. PenicilinasAs penicilinas so classificadas como frmacos beta-lactmicos devido ao anel beta-lactmico (Figura 1) da sua estrutura central. As penicilinas partilham caractersticas qumicas, mecanismos de aco, efeitos clnicos e farmacolgicos com os restantes antibiticos beta-lactmicos: cefalosporinas, monobactmicos, carbapenemes e inibidores das beta-lactamases. O mecanismo de aco de todas as penicilinas a inibio da sntese da parede celular (exclusiva das bactrias) atravs da ligao s protenas PBP (penicillin-binding protein), cuja funo transportar e ligar as subunidades de peptidoglicano, constituintes fundamentais da parede. Ao inibir esta funo, a parede celular deixa de ser renovada e a bactria entra em sobrecarga osmtica por entrada de gua livre, seguida de turgescncia celular e por fim lise da bactria. As penicilinas so, por conseguinte, antibiticos bactericidas. A resistncia das bactrias s penicilinas pode ocorrer por: - modificao das PBP, que so geralmente alteradas de forma a terem afinidade reduzida para os antibiticos; - produo de beta-lactamases, enzimas que clivam o anel beta-lactmico e inactivam estes antibiticos; - reduo da permeabilidade aos antibiticos, por modificao dos poros da parede bacteriana;

Figura 1 A estrutura qumica da penicilina, com o anel beta-lactmico a vermelho no centro (B).

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1.1 Penicilinas naturaisAs penicilinas naturais so a Penicilina V e a Penicilina G (tambm denominada de benzilpenicilina). So eficazes contra: cocos Gram positivo, como Staphylococcus aureus e epidermidis no produtores de beta-lactamases (