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    A Ao Controlada na Lei de Drogas e na Lei de Organizao

    Criminosa. Um possvel conflito de normas.

    SSSSSS Gabriel Habib(*)

    Tambm conhecida como flagrante retardado, flagrante diferido

    ou flagrante postergado, a ao controlada consiste em um permissivo legal

    para que Autoridade Policial deixe de efetuar a priso em flagrante do agente,

    para concretizar tal priso no momento mais eficaz do ponto de vista da

    formao de provas e fornecimento de informaes.

    Assim, embora o agente esteja em flagrante delito, a

    Autoridade Policial poder esperar o momento mais oportuno para a efetivao

    da priso em flagrante.

    No de se confundir o instituto da ao controlada com o

    instituto do flagrante esperado. Com efeito, na ao controlada, o agente j

    est em flagrante da prtica do crime. No flagrante esperado, o agente ainda

    no est em flagrante da prtica do delito, e a Autoridade Policial fica na

    expectativa da sua ocorrncia para efetivar a priso.

    Ao controlada Flagrante esperado

    O agente j est em flagrante daprtica do crime.

    O agente ainda no est em flagrante

    da prtica do delito. A Autoridade

    Policial fica na expectativa da sua

    ocorrncia para efetivar a priso.

    Questo relevante versa sobre o possvel conflito aparente de

    normas entre o instituto da ao controlada prevista na lei de drogas e na lei de

    Organizao Criminosa. Explica-se.

    A lei de drogas (lei 11.343/2006) prev, no art. 53, II, a ao

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    controlada, permitindo a no-atuao policial em relao aos portadores de

    drogas, desde que haja autorizao judicial, com a seguinte redao: Art.

    53. Em qualquer fase da persecuo criminal relativa aos crimes previstos

    nesta Lei, so permitidos, alm dos previstos em lei, mediante autorizao

    judicial e ouvido o Ministrio Pblico, os seguintes procedimentos

    investigatrios:..II - a no-atuao policial sobre os portadores de drogas, seus

    precursores qumicos ou outros produtos utilizados em sua produo, que se

    encontrem no territrio brasileiro, com a finalidade de identificar e

    responsabilizar maior nmero de integrantes de operaes de trfico e

    distribuio, sem prejuzo da ao penal cabvel. Pargrafo nico. Na hiptese

    do inciso II deste artigo, a autorizao ser concedida desde que sejam

    conhecidos o itinerrio provvel e a identificao dos agentes do delito ou de

    colaboradores..

    De outro giro, a lei de Organizao Criminosa (lei 9.034/95)

    dispe, no art. 2, II, a ao controlada, permitindo a no-atuao policial,

    independentemente de autorizao judicial, in verbis: em qualquer fase de

    persecuo criminal so permitidos, sem prejuzo dos j previstos em lei, os

    seguintes procedimentos de investigao e formao de provas II - a ao

    controlada, que consiste em retardar a interdio policial do que se supe ao

    praticada por organizaes criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida

    sob observao e acompanhamento para que a medida legal se concretize no

    momento mais eficaz do ponto de vista da formao de provas e fornecimento

    de informaes.

    Para uma melhor visualizao comparativa, eis os dispositivos

    legais mencionados:

    Lei de Drogas (lei 11.343/2006) Lei de Organizao Criminosa (lei

    9.034/95)

    Art. 53. Em qualquer fase da

    persecuo criminal relativa aos

    crimes previstos nesta Lei, so

    permitidos, alm dos previstos em lei,

    mediante autorizao judicial e

    Art. 2, II: em qualquer fase de

    persecuo criminal so permitidos,

    sem prejuzo dos j previstos em lei,

    os seguintes procedimentos de

    investigao e formao de provas II -

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    ouvido o Ministrio Pblico, os

    seguintes procedimentos

    investigatrios:..II - a no-atuao

    policial sobre os portadores de

    drogas, seus precursores qumicos ou

    outros produtos utilizados em sua

    produo, que se encontrem no

    territrio brasileiro, com a finalidade

    de identificar e responsabilizar maior

    nmero de integrantes de operaes

    de trfico e distribuio, sem prejuzo

    da ao penal cabvel. Pargrafo

    nico. Na hiptese do inciso II deste

    artigo, a autorizao ser concedida

    desde que sejam conhecidos o

    itinerrio provvel e a identificao

    dos agentes do delito ou de

    colaboradores..

    a ao controlada, que consiste em

    retardar a interdio policial do que se

    supe ao praticada por

    organizaes criminosas ou a ela

    vinculado, desde que mantida sob

    observao e acompanhamento para

    que a medida legal se concretize no

    momento mais eficaz do ponto de

    vista da formao de provas e

    fornecimento de informaes.

    Como se pode deduzir da leitura dos dispositivos legais

    citados, a diferena existente entre a ao controlada na lei de crime

    organizado e na lei de drogas reside na necessidade de autorizao judicial,

    exigida pela ltima.

    A questo relevante a ser analisada a influncia da lei de

    drogas na lei de crime organizado, por se tratar de lei posterior. Em outraspalavras, ser que a lei de drogas, por prever a necessidade de autorizao

    judicial para a efetivao da ao controlada, teria alterado a lei de crime

    organizado, passando, essa, a exigir, tambm, a autorizao judicial?

    A questo deve ser resolvida pelo princpio da especialidade,

    impondo-se a resposta negativa. Assim, a nosso juzo, a autorizao judicial

    somente deve ser exigida na ao controlada para a investigao com base na

    lei de drogas, uma vez que apenas essa lei exige a autorizao judicial, no

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    sendo ela, portanto, exigida, para a efetivao da ao controlada com base na

    lei de Organizao Criminosa.

    Ademais, deve ser tambm buscada a mens legislatoris, para

    saber qual foi a inteno do legislador ao criar o mencionado instituto. Com

    efeito, se o legislador no exigiu a autorizao judicial para a ao controlada

    na lei de Organizao Criminosa, foi porque entendeu que, nos crimes

    praticados nesses moldes, a Autoridade Policial tem a plena discricionariedade

    para determinar a ao controlada com instrumento investigatrio,

    independentemente da interveno do Poder Judicirio. Exigir um requisito que

    o legislador no exigiu seria flagrante violao vontade do legislador.

    A dvida que se impe, nesse momento, a seguinte: e se se

    tratar de ao controlada com meio investigatrio para se apurar a prtica do

    delito de trfico de drogas. Nessa hiptese, dever prevalecer a lei de drogas

    e a, consequentemente, ser exigida a autorizao judicial ou dever

    prevalecer a lei de Organizao Criminosa no se exigindo a autorizao

    judicial?

    Em nossa opinio, a soluo que mais se adqua dogmtica

    penal a prevalncia da lei de drogas sobre a lei de Organizao Criminosa,

    mais uma vez em homenagem ao princpio da especialidade, devendo ser,

    portanto, exigida, a autorizao judicial.

    Com efeito, a despeito desse meio investigatrio estar

    positivado tambm na lei de Organizao Criminosa, o delito a ser investigado

    est previsto na lei de drogas, na qual exigida a autorizao judicial. E nem

    poderia ser diferente, uma vez que o fim ltimo da investigao o delito de

    trfico de drogas.

    Ademais, a lei de Organizao Criminosa no contm tipos

    penais, mas apenas estabelece meio investigatrios para a apurao de

    qualquer delito. Se a lei na qual o delito a ser investigado tambm no exigir a

    autorizao judicial para a sua investigao, a ao controlada poder ser

    efetivada independentemente dela. Entretanto, de forma diversa, se a lei em

    que o delito a ser investigado estiver positivado exigir a autorizao judicial

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    como no delito de trfico de drogas a ao controlada somente se

    legitimar enquanto procedimento investigatrio se for precedida de

    autorizao judicial. Caso contrrio, estar-se-ia negando vigncia ao dispositivo

    legal contido a lei de drogas.

    Entretanto, recentemente, o STJ, no informativo n 409, ao

    julgar a ordem de habeas corpus n 119.205, entendeu de forma contrria, ao

    decidir que mesmo que o delito investigado seja o trfico de drogas , se a

    investigao for feita com base na lei de organizao criminosa,

    desnecessria a autorizao judicial para a ao controlada, em razo da falta

    de exigncia por parte dessa lei. Eis o julgado:

    STJ. INFORMATIVO N 409.

    Quinta Turma

    AO POLICIAL CONTROLADA. MP.

    Pretende-se afastar, por falta de prvia manifestao do

    MP, a deciso que deferiu a busca e apreenso em sede

    de investigao requerida pela autoridade policial, bem

    como reconhecer a ilegalidade do ato praticado pela

    polcia, que acompanhou o veculo utilizado para o

    transporte de quase meia tonelada de cocana,

    retardando a abordagem. Quanto ao primeiro tema, v-se

    que no h dispositivo legal a determinar

    obrigatoriamente que aquela medida seja precedida da

    anuncia do membro do Parquet. Ademais, a preterio

    de vista ao MP deu-se em razo da urgncia da medida,

    bem como da ausncia, naquele momento, do

    representante do MP designado para atuar na vara em

    questo. J quanto segunda questo, a ao policial

    controlada (art. 2, II, da Lei n. 9.034/1995) no se

    condiciona prvia permisso da autoridade judiciria, o

    que legitima o policial a retardar sua atuao com o fim

    de buscar o momento mais eficaz para a formao de

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    provas e fornecimento de informaes. HC 119.205-MS,

    Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 29/9/2009.

    (grifamos).

    Permissa venia, no podemos concordar com a soluo dada

    pelo STJ ao caso concreto. Conforme exposto acima, se o delito a ser

    investigado est previsto na lei de drogas e ela exige a autorizao judicial para

    a efetivao da ao controlada, no pode o Judicirio fechar os olhos para a

    lei como se ela no existisse, violando a mens legislatoris, como se fosse

    absolutamente irrelevante a inteno do legislador ao para elaborar a lei.

    Em face do exposto, em nossa opinio, se o delito a ser

    investigado est previsto na lei de drogas, com o caso do trfico, e ela exige

    a autorizao judicial para a efetivao da ao controlada, deve tal

    procedimento investigatrio ser obrigatoriamente precedido de autorizao

    judicial, sob pena de negativa de vigncia e violao da lei de drogas (lei

    11.343/2006).

    *Gabriel Habib Defensor Pblico Federal no Rio de Janeiro.

    Ps graduado pelo Instituto de Direito Penal Econmico e Europeu da Universidade de Coimbra.

    Professor e Coordenador do CURSO FORUM / RJ.

    Professor e Coordenador do Curso IDEIA/RJ.

    Professor do Curso CEJUS Centro de Estudos Jurdicos de Salvador/BA.

    Professor da EMERJ Escola da Magistratura do Rio de Janeiro.

    Professor de FESUDEPERJ Fundao Escola da Defensoria Pblica do Rio de Janeiro.

    Professor do Curso CEJUSF/RJ.

    Professor da ps graduao da Universidade Estcio de S.

    Professor do Curso Jurdico/PR.

    Professor do Curso CEJJUF/MG.Autor do livro Leis Penais Especiais para Concursos. Editora JusPodivm.

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    http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=HC%20119205http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/jurisprudencia.asp?tipo=num_pro&valor=HC%20119205