A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS...

20
MUSEU NACIONAL DE ETNOLOGIA PATENTE AO PÚBLICO DE 4 A 23 DE JUNHO DE 2019 A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS APA 2019

Transcript of A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS...

Page 1: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

1

MUSEU NACIONAL DE ETNOLOGIA PATENTE AO PÚBLICO DE 4 A 23 DE JUNHO DE 2019

A /A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA-RES OITO PERCURSOS APA 2019

Page 2: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

2

A /A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS APA 2019

Organizador Organiser Apoio Support

Parceiros Partners

Page 3: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

3

Numa abertura para o diálogo com as artes, a Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos no âmbito da VII edição do Congresso APA. Aos artistas foram solicitados projetos que estabeleçam relação nos seus conteúdos, métodos, linguagens ou inspirações com a antropologia como disciplina ou com a etnografia como método de pesquisa. A materialização destes oito olhares acabou por construir um mapa de ruas e perguntas que nos levam da cor padrão à biometria, quando fechamos o Outro numa classificação ideal ou quando esse Outro olha para os troféus de colonização ou imagens das suas histórias, vidas e mortes nas museologias e nas telas de arte.Higienizadores, colorismos, comedores de terra, a cor suspeita, “Memento Mori” , tantos nomes para um olhar sem complacência sempre tão distante do humano.

Produção: Gilberto Reis Apoio à produção: Clara Saraiva, Moirika Reker e Laura Almodovar Agradecimentos: Philip Cabau, Museu de Lisboa-Palácio Pimenta, Museu Nacional de Etnologia

Page 4: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

4

Actualmente, a tecnologia de controle fronteiriça mais popular é a biometria, o que reflecte uma preocupação na identificação de terrorismo através da superfície dos rostos, e que, por sua vez, lembra os esforços pseudocientíficos dos estudos antropométricos do século XIX para identificar e delimitar ideologicamente o espaço do Outro. É o caso dos retratos compostos de Francis Galton, que ofereceu a imagem ideal do tipo racial através da sobreposição de vários retratos do mesmo tipo, fotografando cada negativo com exposições de luz proporcionais, o que resultou num retrato difuso, considerado como a tradução da Curva Gaussiana em imagens. Numa colaboração com o investigador e antropólogo Hasan G. López Sanz, foi possível demonstrar que o sistema de Galton apresenta um erro básico que nos permite questionar o senso comum de raça: se as imagens de retratos compostos são apresentadas numa ordem diferente da suposta, os resultados serão diferentes. Assim, deixa de existir uma imagem única e ideal do tipo racial passando a haver tantas quantas as permutações realizadas com as fotografias usadas. Partindo desta contradição, e usando a mesma linguagem usada por Galton, desenvolvi um software que calcula, em tempo real, cada um dos 6.402.373.705.728.000 retratos compostos diferentes que resultam das possíveis permutações da sobreposição de um conjunto de 18 retratos (1891, 1893), expressamente atribuído a este projecto pelo Musée du Quai Branly, em Paris. Outro software de detecção facial calcula o diagrama biométrico de cada rosto simulado pelo primeiro software, como se fosse uma análise de rostos reais. Este trabalho tem como objectivo apontar as falhas endémicas das tecnologias ópticas e computacionais utilizadas actualmente, onde as tecnologias de visualização e registo continuam a ser predominantes na imposição de seu poder com base na facialização do Outro.

Nowadays, the most popular border control technology is biometrics, reflecting the concern to identify terrorism based on the surface of people’s face, reminding us of the pseudoscientific efforts of the 19th century anthropometric studies to identify and delimit ideologically the space of the Other. Such is the case of the composite portraits of Francis Galton, which offered the ideal image of a racial type through the superposition of several portraits of the same type, re-photographing each negative with proportional light exposures, which resulted in a blurred portrait that was intended to be a translation into images of the Gaussian Bell Curve. In a collaboration with anthropology researcher Hasan G. López Sanz, we were able to demonstrate that Galton’s system presents a basic error that allows us to question the common sense of race: if the images of composite portraits are presented in a different order than expected, the results differ. This way, there is no longer a unique and ideal image of the racial type, but as many as permutations you can make with the photographs used. Starting from this contradiction, and playing with the same language used by Galton, I developed a software that calculates in real time each of the 6.402.373.705.728.000 different composite portraits that result from the possible permutations of overlapping a set of 18 raciological portraits (1891, 1893) expressly assigned to this project by the Musée du Quai Branly, in Paris. Another tracking face software calculates the biometric diagram of each simulacral face generated by the first software, as if it were an analysis of real faces. This work aims to point out the endemic failures of the optical and computational technologies that are used nowadays, where visualization and registration technologies continues to be effective on imposing its power based on the facialization of the Other.

A DERROTA DO ROSTO (EXTRATO DO SOFTWARE) THE DEFEAT OF THE FACE (SOFTWARE PREVIEW)

Andrés Pachón

POR

ENG

Page 5: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

5

Page 6: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

6

Filipa Cordeiro e Rui Mourão

Muitos museus europeus continuam a deter nas suas coleções objetos de outras culturas adquiridos em contextos coloniais. O movimento pela descolonização dos museus parte da premissa de que o passado ainda não acabou. Pensa-o como um campo contestado, cuja interpretação foi historicamente monopolizada por alguns em detrimento de outros. Tratando-se o museu de um dispositivo que constrói e naturaliza representações, ele nunca poderá ser um espaço neutro de conhecimento e memória. Neste contexto, convida-se ao exercício de um outro olhar, incluindo o olhar indígena, ou melhor, a diversidade de olhares indígenas por via da arte. O projeto colaborativo o tempo das huacas procurou ativar um processo de diálogo em torno da exibição dos corpos mumificados de dois indígenas Chancay no Museu Arqueológico do Carmo, em Lisboa, reunindo uma pluralidade de perspectivas de artistas, pensadores e profissionais dos museus. Daí resultou um sítio na internet, articulando o real e o virtual com contrarrepresentações éticas e estéticas, que incluem videoarte (mostra Vozes Indígenas), um guia não-oficial (com textos e imagens, incluindo desenhos) e uma performance artivista no museu. Em suma, como arte e arquivo, fórum e palco, reflexão e ativismo, O TEMPO DAS HUACAS começa por reconhecer desequilíbrios historicamente construídos, para poder imaginar novos modos de relação, dentro e fora dos museus.

Many European museums still possess items from other cultures acquired in colonial contexts. The movement for decolonization departs from the crucial insight that the past is not over yet. The past is conceived as a contested field, whose interpretation was historically monopolized by colonial and imperial powers. Since the museum is an apparatus that constructs and normalizes representations, it will never be a neutral space of knowledge and memory. In this context, a different way of looking is required, one that includes the Indigenous right to look, or rather, a diversity of Indigenous visions presented through art. The collaborative project o tempo das huacas aimed to start a dialogue around the display of the mummified bodies of two Chancay people at the Carmo Archaeological Museum in Lisbon, by gathering a plurality of perspectives by artists, thinkers and museum specialists. The result was a website that connects real and virtual spaces through ethical and aesthetic counter-representations, which include video art (the showcase Indigenous Voices), an unofficial guide (with texts and images, including drawings) and an artivist performance inside the museum. In short, as art and archive, forum and stage, reflection and activism, o tempo das huacas first acknowledges historically constructed injustices, in order to then image new ways of relating, inside and outside the museum.

Conceção e organização: Filipa Cordeiro e Rui Mourão. Videoarte: Alberto Alvares, Denilson Baniwa, Ibã Huni Kuin (filmado por Rafael Fares para ¡Mira! Artes Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas), Jaider Esbell e Marilya Hinostroza. Textos: Filipa Cordeiro e Rui Mourão (eds.), Jacqueline Sarmiento, Nicholas Mirzoeff (entrevistado por Inês B. Barreiros), Oscar Roldán-Alzate, Viv Golding e Winani Thebele. Performance artivista: concebida por Rui Mourão (performers: António Subtil, Bruno Gonçalves, Eunice Artur e Rui Mourão). Webdesign: José Soares. Desenhos: Filipa Cordeiro. Fotografias: Rui Mourão.

O TEMPO DAS HUACAS THE TIME OF HUACAS

POR

ENG

Page 7: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

7

Page 8: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

8

O projeto tem por objetivo investigar e propor reflexões acerca da construção da identidade negra e suas breves especificidades, a partir da análise de imagens fotográficas que narram a história da negritude brasileira e possíveis definições e problematizações que dizem respeito ao colorismo. Para isto, foi traçado um panorama da iconografia do país, desde as litogravuras de Debret aos postais do século XIX, do fotojornalismo à fotografia expandida, a fim de construir uma poética que questione essas formas de representação na perspectiva do olhar do outro e de que maneira fazem parte da memória coletiva de um país pós-escravocrata. O desenvolvimento do trabalho também é acompanhado por referências visuais e conceituais de artistas e fotógrafos que constroem suas expressividades poéticas sobre negritude através da fotografia expandida, do retrato e da pintura, que dialogam com a investigação em questão.

The project aims to investigate and propose reflections about the construction of the black identity and its brief specificities, from the analysis of photographic images that tell the story of brazilian blackness and possible definitions and problematizations that relate to colorism. For this, a panorama of the iconography of the country was drawn, from Debret’s lithographs to nineteenth-century postcards, from photojournalism to expanded photography, in order to construct a poetic, questioning the forms of representation in the perspective of the other’s gaze and how they are part of the collective memory of a post-slavery country. The development of the work is also accompanied by visual and conceptual references of artists and photographers who construct their poetic expressions on blackness through expanded photography, portraiture and painting, which dialogue with the research in question.

Gabriela Eliza dos Santos COLORISMO E ICONOGRAFIA: POÉTICAS NA FOTOGRAFIA EXPANDIDA / COLORISM AND ICONOGRAPHY: POETICS IN EXPANDED PHOTOGRAPHY

POR

ENG

Page 9: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

9

Page 10: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

10

Este é um trabalho de descolonização da arte antiga através da arte contemporânea. Parte do projecto contínuo de construção do meu próprio museu pessoal, povoado de reinterpretações de obras de arte. A minha experiência é interior e intimamente africana (em casa, através da língua, da música, da comida) e externamente europeia (na rua, através também da língua, mas ainda da escola, do trabalho, da consciência flagrante da diferença). O espelho talvez una as duas extremidades. Este projecto começou como uma pequena brincadeira, e cresceu ao longo do tempo, de inspirações e impulsos momentâneos, com ferramentas e acessórios de fácil acesso, um telemóvel ou câmara fotográfica de baixo custo e o apoio dos meus amigos. Quis fazer arte, ser arte, (re)definir arte, independentemente do estatuto social ou económico. Ter uma voz e ocupar um lugar que parece, não importa quantos mais museus visite, na Turquia, em Espanha, na Irlanda ou em Portugal, apenas pertencer aos escravos e criados. Ora, o africano é mais do que isso. Merece mais do que isso. Quis, por um lado, colocar um africano num lugar de destaque na obra de arte e corrigir, se não a História, pelo menos os livros. Quis colocar-me no lugar do outro, fosse ele homem ou mulher, anónimo ou famoso. Defendo que qualquer um de nós poderia ser, precisamente, esse outro, na arte e em qualquer parte. Quis recriar um momento enquanto construía ou celebrava outro e o outro, aquele que não sou eu. Quis sobretudo olhar para mim mesma e reconhecer-me, dentro e fora de mim. Pertencer. Os últimos anos foram marcados por transformações emocionais, físicas, espaciais e materiais profundas. Este trabalho parcial que aqui apresento resume a necessidade de discussão, celebração e desmistificação de conceitos, crenças e etapas mas sobretudo da arte e da vida.

It consists of a decolonization work of ancient through contemporary art. Developed from the continuous project of building my own personal museum, plentiful of reinterpretations of works of art. My experience is internally and intimately african (at home, through language, music, food) and externally european (on the street, also through language, but education and work as well, the flagrant consciousness of difference). The mirror may unite these two extremities. This project began as a small game, and grew from sudden inspirations and momentaneous impulses, with tools and accessories of easy access,, a low cost cell phone or camera and the support of my friends. I wanted to do art, be art, (re)define art, regardless of social and economic status. To have a voice and a place to occupy which, no matter how many museums I have visited in Turkey, Spain, Ireland or Portugal, only seems to belong to slaves and servants. However, the african is not merely that. Deserves more than that. My intention was, on one hand, to put the african as the center of the piece of art and correct, if not History, at least the books. I wanted to put myself in someone else’s place, despite being man or woman, anonymous or famous. I defend that each and everyone of us could, actually, be the other, in art and everywhere else. I wanted to recreate a moment whilst building or celebrating another and another person, the one other than me. I intended especially to look at and recognize myself, inside and out. To belong. These last years were defined by emotional, physical, geographical and material transformations. This partial work I hereby present resumes the need for discussion, celebration and demystification of concepts, beliefs and stages but mostly of art and life.

Gisela Casimiro MUSEU PESSOALPERSONAL MUSEUM

POR

ENG

Page 11: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

11

Sandro Botticelli, “The Birth of Venus” (1486) / Gisela Casimiro, “O Renascimento da Vénus Negra” (2015) Fotografia digital sobre perda de peso e ganho de si mesma.Frida Kahlo, “Me and My Parrots” (1941) / Gisela Casimiro, “Me and my

StuffedAnimals” (2015) Fotografia digital sobre peluches, t-shirt e cigarro emprestados.Paul Gauguin, “Le Christ Jaune” (1889) / Gisela Casimiro, “A Crente Negra” (2016)Fotografia digital. Sentimentos contraditórios sobre dez anos de Catequese e quatro

sacramentos.Edward Hopper, “Morning Sun” (1952) / Gisela Casimiro, “Aquando do seu regresso do Carnaval de Veneza, a nossa heroína depara-se com a factura da água, o que a lança numa desolação hopperiana” (2016) Fotografia digital sobre precariedade.Paul Cézanne, “Young Italian Woman at a Table” (1900) / Gisela Casimiro, “JovemGuineense ao Balcão” (2017) Fotografia digital.

Nostalgia sobre coração partido.Elías García Martínez, “Ecce Homo” (1930) / Cecilia Giménez, “Ecce Homo” (2012) /Gisela Casimiro, “Essa moça” (2017). Fotografia digital, máscara de argila branca sobre rosto negro enquanto penso na escravatura a um sábado de manhãJohannes Vermeer, “Rapariga com o Brinco de Pérola” (1665) / Gisela Casimiro, “Rapariga com o Brinco

de Pérola Negra” (2018). Fotografia digital de negra sobre fundo brancoJean Auguste Dominique Ingres, “Grande Odalisque” (1814) / Gisela Casimiro, “Gidalisque” (2015) Fotografia digital sobre recuperação de cirurgia bariátrica e amor-próprio.Julio

Romero de Torres, “Oranges And Lemons” (1927) / Gisela Casimiro, “Só Laranjas pois não tinha Limões” (2016). Fotografia digital sobre quarto alugado em casa partilhada em zona histórico-turística, por vezes enfrentando o desemprego, por vezes

tendo dois trabalhos para sobreviver.Michelangelo, “Pietà” (1499) / Gisela Casimiro, “Gietà” (2016) Fotografia digital sobre ideia convencional de família.

Page 12: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

12

Guilherme Figueiredo HIGIENE COLONIZADORACOLONIZING HYGIENE

Uma simulação ao toque colonizador. Um toque que não só destrói, mas recolhe também os cacos da destruição de forma a criar uma nova narrativa de cultura histórica fragmentada. Os objetos, criados em vários tipos de barro, já são eles próprios resultado de apropriação de várias culturas passadas. Relembram pequenas maquetes de escavações arqueológicas, mas também as relíquias e os artefactos encontrados nesses mesmos espaços. Há, então, uma grande conexão entre estes objetos como contadores e possuidores de história e o interesse inato do ser humano, de desvendar e desmistificar passado. O aspirador, como objeto utilitário participa nesta dança colonizadora com a sua função distorcida. O normal seria aspirar lixo e pó, limpando espaços de modo a ficarem utilizáveis e apresentáveis para o seu uso. Aqui, o aspirador, toma o papel de uma entidade que, cegamente, procura novo terreno para explorar. Uma entidade que procura sítios onde ainda não foi, de modo a colecionar novos fragmentos de matéria. E ao procurar, acaba a ir contra as coisas. Este choque cultural (utilidade – inutilidade / realidade – ficção), e devido à sua cegueira natural (muito parecido às culturas invasoras), em relação aos valores culturais exteriores acaba por destruí-los, e essa destruição é o que permite criar o ciclo viciado entre função e ética.

A possible simulation to the colonizing touch. A contact that does not only destroy, but also recollects shattered pieces of destruction. And in by doing this, builds a new fragmented narrative of cultural history. These scepters and battle instruments, created in various kinds of clay, are themselves bits of appropriation from past civilizations. Remembering small models of archaeological excavations, but also, the relics and artefacts found in those same places. There is then, a big connection between these objects as history-tellers or history containers and the innate interest in human beings of wanting to demystify or make clear the past. The small vacuum cleaner, as an utilitarian object enters in this colonizing dance with its function distorted. Normally it would be vacuuming garbage and dust, cleaning spaces so they could be neatly presented. But in this robotic performance, it goes blindly looking for territory to expand to. An entity that looks for new places where it hasn’t been to in order to collect new kinds of matter. And by ` ` looking` ` , it ends up going against things. This cultural shock (useful – useless / reality – fiction), and due to its natural blindness ( much like invading civilizations), to outsider cultural values, it destroys those things, destroys those objects, and by destroying them, they end up falling on the floor and sucked inside the invading instrument. Continuing its loop of destruction and finding destruction as important discoveries, here compared to trash and dust.

POR

ENG

Page 13: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

13

HIGIENE COLONIZADORACOLONIZING HYGIENE

Page 14: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

14

Letícia Barreto SHADES OF MEANING

Parte do projecto “A Cor do Silêncio”, a reacção química da lixívia sobre o tecido preto alude metaforicamente a um “branqueamento do pensamento”, marcadamente etnocentrista. A artista investiga o racismo e da sua construção histórica, assim como do papel da branquitude nesse processo.Nessa técnica de apagamento, de despigmentação das superfícies nas quais trabalha, a artista procura investigar a própria identidade branca e o racismo herdado das sociedades onde nasceu e também na qual hoje vive. Racismo institucionalizado e entranhado na cultura e nos hábitos quotidianos, um dado estrutural na nossa formação social. A artista olha de frente o passado colonial e pós colonial e as consequências destes no presente.

As part of the project “The Color of Silence”, the chemical reaction using the bleach on cloth is a metaphor to an ethnocentric “whitewash of thought”. The artist investigate racism and its historical construction, and also the role of whiteness in this process. In this erasing and depigmentation process of the surfaces on which she works, the artist tries to investigate her own white identity and the racism inherited from the societies she were born and also the society she lives today. An institutionalized racism and embedded in culture and daily habits, a structural data in our social formation. The artist faces our colonial and post-colonial past and the consequences of these at the present time.

POR

ENG

Page 15: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

15

Page 16: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

16

Geofagia é a vontade ou hábito de comer terra. Alguns papagaios comem argila vermelha num ato de automedicação. Um mito Yanomami começa assim: “essa é a história dos nossos antepassados que aos poucos se multiplicaram. Ela começa na época em que não havia Yanomami como os de hoje. Os comedores de terra sofriam, porque eles comiam terra. Nós também quase teríamos sofrido, como as minhocas, por cavar a terra e tomar vinho de barro, se não fossem os acontecimentos que seguem”. O modelo colonial, iniciado precocemente por Portugal, está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento de uma visão da terra como materialidade particular, um bem de natureza possessiva usado com fins muito precisos: a extração de recursos naturais e a propriedade privada. Com o assentamento colonial, Portugal comeu literalmente a terra dos povos originários, comeu também a sua visão da terra, os seus modos de viver e pensar com os pés na terra. Muito se fala sobre o ato glorioso da navegação mas aqui propõe-se lembrar que, para muitos povos, os Portugueses foram grandes “comedores de terra”, num gesto mais próximo do transtorno alimentar do que da medicina.

Geophagy is the will or habit of eating land. Some parrots eat red clay in an act of self-medication. A Yanomami myth begins like this: "This is the story of our ancestors who gradually multiplied. It begins at a time when there were no Yanomami like today. The earth-eaters suffered because they ate land. We would also almost have suffered, like earthworms, to dig the earth and drink clay wine, if it were not for the events that follow”. The colonial model, implemented by Portugal in the sixteenth century, is intrinsically linked to the development of a vision of land as a particular materiality, a property of a possessive nature used for very precise purposes: the extraction of natural resources and private property. With the colonial settlement, Portugal literally ate the land of the native people, and also ate their vision of the land, their ways of living and thinking with their feet on the ground. Much is said about the glorious act of navigation, but here we proposed to remember that for many people the Portuguese were great “land eaters”, in a gesture closer to an eating disorder than to medicine.

Concepção, performance e texto/ Conception, performance and text Rita Natálio Excertos de textos citados de/ Text Excerpts Queda do Céu, David Kopenawa e Bruce Albert (2015), Os comedores de Terra, coletânea de mitos falados por Pajés Parahiteri (2016) A oleira ciumenta de Claude Lévi-Strauss (1986) | Imagens/Images: Duelo a garrotazos de Goya (1818-1823), Castigo de Escravos de Jacques Etienne Arago (1839), documentação do contra-bólide Devolver a terra à terra de Helio Oiticica (1979), L’enfant geophage de E. Riou, 186-, entre outras | Excertos de filmes/ Film excerpts: Davi contra Golias - Yanomami de Aurélio Michiles (1994) | Excertos de músicas/ Music Excerpts: Muddy River de Laurie Anderson (1994), Joana Dark de Ava Rocha (2018).

* 6 de Junho de 2019 20H - FCSH/NOVA

GEOFAGIAGEOPHAGY Conferência-performance (45’)*/ Lecture-Performance (45’)*

Rita Natálio

POR

ENG

Page 17: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

17

Page 18: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

18

After Hours abre espaço a uma reflexão antropológica e artística sobre a consciência da própria morte. É um estudo sobre o conceito de perda e luto nas suas materializações sociais, onde questiono a importância de objectos de memória ligados ao corpo humano como materializações da catarse. Numa era digital e secularizada, como lidamos e experienciamos fisicamente um corpo morto? Nas nossas sociedades contemporâneas estamos alienados da morte e do corpo morto. Utilizamos o corpo como material no processo de luto, mas, em contrapartida, distanciamos a veracidade do cadáver. Paralelamente à ‘vida’ que oferecemos nos rituais de memória que cumprimos, os mortos ‘vivem’ o seu processo de decomposição. Pensar na decomposição do corpo é, para mim, um ritual de renascimento, um convite a decidir que forma é que essa decomposição poderá ter. Acredito que ao pensarmos sobre a nossa morte como um processo de catarse invertida, podemos enfrentar a morte de alguém de uma maneira mais construtiva. Surge, deste modo, uma colecção de jóias de auto-luto, como ‘Memento Mori’ do século XXI, feitas à medida do corpo humano, que espelham uma ‘dance macabre’ e celebram a nossa decomposição. Baseio-me na ideia de reflexo entre o corpo vivo e o corpo morto, e crio máscaras (fúnebres) que projectam momentos do corpo deformado, e que em alguns casos constroem uma ‘ponte’ com o afecto que temos para com um corpo e a sua perda.

After Hours is an anthropological and artistic reflection on the consciousness of our own death. It is a study about the concept of loss and acts of mourning in its social materializations, where I question the importance of objects of memory coming from the human body as materializations of catharsis. In a digital, secularized age, how do we deal with and physically experience a dead body? In our contemporary societies we are increasingly alienated from death and, consequently, from the dead body. We use the body as material in the process of mourning, however, we distance ourselves from the truth of the corpse. While the living performs rituals of remembrance, in parallel time, the dead choreograph their process of decay. After-Hours zooms into the physical afterlife of a dead body - the entire transformation our bodies will undergo from the moment we die. I create self-mourning jewellery in the ‘Memento Mori’ tradition that celebrates and captures moments of this ‘dance macabre’, with the intention of disconnecting the morbid image of death, opening a discussion on the raw reality of our self-decay and self-mourning. Thinking about the decomposition of the body is for me a ritual of rebirth, a way of accepting the fact that we will become something new, and an invitation to decide what form this decomposition/transformation might have. I base myself on the idea of mirror reflection between the living body and the dead body, and create (funerary) masks that project the deformed body, and in some cases build a ‘bridge’ with the feeling we have while grieving.

Sara Leme AFTER HOURS

POR

ENG

Page 19: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

19

1‘Dancing Body’ – colar: silicone, látex, plástico | 496g | 36x34,5cm2. ‘Hand’ – pendente: mármore cor-de-rosa, fio têxtil | 238g | 13x12,7cm3. ‘Hand’ – pendente: mármore cor-de-rosa, fio têxtil |238g | 13x12,7cm

4. ‘Pumped abdomen’ – pendente: cobre oxidado, borracha | 318g | 53x23,5cm5. ‘Lover’s eye#1’ – alfinete: osso de vaca, prata925, marfim reciclado, pasta Fimo, fio de aço | 40g | 23,5x5,5cm

6. ‘Swollen tongue#1’ – piercing para septo nasal: linóleo, tinta, prata925 | 10g |14,5x3,8cm7. ‘Lover’s eye#2’ – alfinete: osso de vaca, concha, prata925, fio de aço | 24g | 5,4x7,6cm

8. ‘Lover’s eye#3’ – alfinete: cabaça, pasta de madeira, concha, plástico, silicone, fio de cobre, fio de aço |50g | 13x 8cm 9. ‘Hanging tongue’ – pin: linóleo, tinta, prata925 | 64g | 67x2,9cm

10. ‘Skull’ – colar: dentes da artista, borracha | 60g | 20x17cm11. ‘Dancing Skeleton’ – peça para ombro: madeira balsa, latão | 80g | 55x30cm

Page 20: A/A8 OITO ARTISTAS OITO OLHA- RES OITO PERCURSOS …apa2019.apantropologia.org/wp-content/uploads/2019/...Associação Portuguesa de Antropologia convidou artistas a apresentar trabalhos

20

2772

14

68

6769 1

426 2019 2563 1381 4715 4716 1735 5779 12019 1440 31

108

Lisboa, 4-7 de Junho de 2019 Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa

Lisbon, 4-7 June 2019 School of Social Sciences and Humanities Universidade Nova de Lisboa

VII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ANTROPOLOGIA

7th CONGRESS OF THE PORTUGUESE

ANTHROPOLOGICAL ASSOCIATION