A Visão Política de Sérgio Buarque de Holanda

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    A VISO POLTICA DE SRGIO BUARQUE DE HOLANDA

    Rodrigo Ruiz Sanches316

    RESUMO

    Neste artigo, abordaremos a viso poltica do historiador Srgio Buarque de Holanda,presente, principalmente, na participao em grupos polticos, tais como a EsquerdaDemocrtica, o Centro Brasil Democrtico e o Partido dos Trabalhadores, mas tambmna Associao Brasileira de Escritores. nesse momento que encontramos a simbiose

    do papel do intelectual, no s atuante dentro da universidade, mas, principalmente,foradela. Permeando nossa anlise, vemos que as atas e o regimento dessas instituies,bem como suas atividades, vm ao encontro da viso poltica do historiador, baseada liberdade de expresso, na luta contra as desigualdades sociais, no engajamento polticoe na consolidao da democracia no Brasil. Aqui, tambm podemos verificar que atrajetria intelectual de Srgio Buarque de Holanda, tanto dentro quanto fora dauniversidade, faz jus idia de intelectual independente, porque, mesmo tendoparticipado diretamente desses movimentos sociais, esse envolvimento deu-se semtrairseus ideais, alm de ter sido coerente com tudo o que escreveu, disse e realizou.

    ABSTRACT

    In this article we approach the historian Srgio Buarque de Holandas political point ofview present mainly in his participation of political groups, such as DemocraticLeft(Esquerda Democrtica), Center and the Brazilian Democratic (Centro BrasilDemocrtico) Workers' Party (Partido dos Trabalhadores PT), but also BrazilianAssociation of Writers. At this moment, we notice the symbiosis of the role of thisintellecutal, not only active within the university, but mainly out of the university.

    Permeating our analysis, we see that the registers (minutes) and the rules of theseinstitutions, as will as their activities, are similar to the historicans political point ofview based on the freedom of expression, the combat against social inequalities,thepolitical engagement and the consolidation of democracy in Brazil. We can also see thatSergio Buarque de Holandas intellectual performance, both in and out of the university,intitles him as an independent, because even thought he had directly participated ofthese movements, such participation did not betray his ideals, and was consisten

    t witheverything he wrote, said and did.

    1. Introduo316 Socilogo, mestre e doutor em Sociologia pela Unesp/Araraquara. Docente da Faculdade Barretos-SP.Coordenador do Ncleo de Responsabilidade Social.

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    O objetivo deste artigo investigar a viso poltica de Srgio Buarque deHolanda presente, no s em seus escritos, mas tambm na participao ativa emdiversas instituies e movimentos sociais. A viso poltica uma expressoemprestada de Antonio Candido, amigo e intrprete, que destacou, em alguns de seusartigos, o engajamento poltico do historiador e sua defesa incomensurvel dademocracia.

    O intelectual independente, a nosso ver, revela-se, dessa forma, por meio dediversas facetas: sua formao, seus escritos, as idias que defende e, principalmen

    ,suas aes. Todas essas caractersticas se completam e devem ser coerentes entre si, useja, o intelectual independente no pode apenas defender suas idias no papel, deve,com efeito, buscar aes para que suas idias tomem corpo e se solidifiquem emtransformaes sociais.

    Srgio Buarque de Holanda sempre foi um homem da esquerda317. Em todasua vida, participou diretamente dos agrupamentos democrticos de esquerda ou, pelomenos, manifestou seu apoio. Na Alemanha, pde ver de perto o que era o fascismo e,

    quando voltou para o Brasil, posicionou-se contra a ditadura de Getlio Vargas, ficandoao lado da Revoluo Constitucionalista de So Paulo318 . Em 1942, participou dafundao da Associao Brasileira de Escritores, que visava a defender os direitosprofissionais daquela classe, e tambm lutara pela volta das liberdades democrticas.Participou da Esquerda Democrtica, em 1945. Srgio Buarque de Holanda foi um dosmembros fundadores do Partido Socialista, em 1947, sendo at candidato a deputado,no por vontade prpria. Implantada a ditadura em 1964, ele sempre se posicionoucontra. Durante a ditadura militar, organizou o primeiro manifesto oposicionistadeintelectuais em So Paulo, declarando apoio a Oscar Pedroso Horta, deputado do MDB

    de grande fora e energia que enfrentou o regime com bravura e constncia, de maneiraa tornar-se um ponto de referncia para as oposies319 .

    Em 1969, alguns professores da USP foram compulsoriamente aposentados e,em um ato de protesto e solidariedade, tambm pediu aposentadoria, pois j tinha tempo

    317 Seguiremos neste captulo a trajetria de Srgio Buarque de Holanda sugerida por ntonio Candido(CANDIDO, Antonio. Srgio, o radical. In:______ Srgio Buarque de Holanda vida e obra. So Paulo:

    Secretaria de Estado da Cultura/IEB-USP, 1988).318 Foi at preso uma vez por dar vivas a So Paulo.

    319 Ibidem.

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    para isso. A sua opo socialista fica clara, mais uma vez, ao participar do CentroBrasilDemocrtico, em 1977, e da fundao do Partido dos Trabalhadores320, em 1980.

    Embora ele tenha tido toda essa vivncia nesses diversos grupos, diz AntonioCandido321, Srgio Buarque de Holanda nunca foi um militante poltico propriamentedito, mas teve desde moo conscincia poltica e posies ideolgicas definidas para lado da esquerda.

    Aquele que mais destacou essa viso polticade Srgio Buarque de Holanda

    foi, sem dvida, Antonio Candido. Ele considerado um dos mais importantesintrpretes da obra sergiana, alm de ter sido amigo, interlocutor e cmplice, devao famoso prefcio de Razes do Brasil escrito por Candido, em 1967, que passou aintegrar todas as edies posteriores, fazendo parte indissocivel da obra. Pertenceo auma tradio radical progressista de classe mdia322, Candido rompe com os quadrosintelectuais anteriores, e considerado um marco cultural. Antonio Candido pertenceuao Grupo Clima, gerao imediatamente posterior de Srgio Buarque de Holanda, queteve como membros: Dcio de Almeida Prado, Paulo Emlio Salles Gomes, LourivalGomes Machado, Ruy Galvo de Andrada Coelho e Gilda de Mello e Souza.

    Trabalhando com a questo da histria das idias, utilizando como

    referencial terico Raymond Willians e o estudo sobre o grupo Bloonsberry, HelosaPontes323 fez uma interessante pesquisa sobre o Grupo Clima. Para Pontes324 , osmembros do Grupo Clima:

    (...) estavam empenhados em estabelecer um novo patamar analtico para acrtica da cultura no Pas, eles se lanaram no sistema cultural paulista com arevista Clima, que, entre outras coisas, lhes assegurou a visibilidadenecessria para divulgarem a plataforma intelectual e poltica do grupo e dagerao mais ampla.

    A reconstituio da trajetria do Grupo Clima, investigada por Pontes325, visoua um trplice objetivo:

    Circunscrever as razes sociais e culturais mais amplas que conformaram aexperincia da amizade partilhada por eles; aprender a especificidade do

    320 DULCI, Luiz. Srgio Buarque de Holanda petista. In:______ Srgio Buarque de Holanda e o Brasil.So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 1998.321 CANDIDO, Antonio. Srgio, o radical. In:______ Srgio Buarque de Holanda vida eobra. So Paulo:Secretaria de Estado da Cultura/IEB-USP, 1988.322 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira. So Paulo: tica, 1998.323 PONTES, Helosa. Destinos mistos: os crticos do grupo Clima em So Paulo 1940

    8. SoPaulo: Cia das Letras, 1998.324 Ibidem, p. 51.325 Ibidem, p. 208.

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    campo universitrio em que todos se inseriram, marcado pela tenso entre umplo cientfico e outro cultural; analisar os desafios intelectuais econstrangimentos institucionais que enfrentaram no perodo.

    E continua:

    As afinidades que os uniram, decorrentes de suas origens sociaissemelhantes, da vivncia parecida que tiveram na infncia e adolescncia, dotipo de formao cultural que receberam de suas famlias e das escolas quefreqentaram, foram reforadas e sedimentadas ao longo em que cursaram a

    Faculdade de Filosofia326 .O grupo funda a Revista Clima, que tratou de diversos assuntos, taiscomo: cultura e poltica, literatura e cinema, artes plsticas e esttica, msica e tro.Fundada em maio de 1941, voltada para a cobertura do movimento cultural da cidadede So Paulo e da produo intelectual em geral. Essa publicao amarrou o destinode seus principais colaboradores nas sees escritas por eles:

    A Revista Clima conseguiu um trplice feito: fixaram os contornos daplataforma intelectual e poltica da gerao e, em particular, do grupo de quefaziam parte, lanaram as bases para a construo de uma dico autoral

    prpria; viabilizaram o incio de suas carreiras como crticos profissionais327 .Candido considera seu grupo como uma vertente crtica, crtica e maiscrtica, e ainda mais propriamente analtica e funcionaldo que a gerao anterApontava, no caso do Brasil, trs tendncias que poderiam vir a ser perniciosas, comode fato vieram a ser: as filosofias idealistas, a sociologia cultural e a literaturapersonalista.

    A posio poltica de Antonio Candido aparece na seguinte declarao: Masse me perguntar qual poderia ser, no meu modo de sentir, um rumo a seguir pelamocidade intelectual no terreno das idias, eu lhe responderei, sem hesitar, que a

    nossatarefa mxima deveria ser o combate a todas as formas de pensamento reacionrio328

    Candido conta que conhecera Srgio Buarque de Holanda, pessoalmente, em1943, apesar de estarem em Berlim ao mesmo tempo e at terem morado bem perto umdo outro, no ano de 1929, quando Candido tinha 11 anos. Em 1944, Candido escrevepara a Revista Clima uma resenha do livro Cobra de vidro, de Srgio Buarque de

    326 PONTES, Helosa. Destinos mistos: os crticos do grupo Clima em So Paulo 19408. SoPaulo: Cia das Letras, 1998. p. 140.327 Ibidem, p. 112.

    328 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira. So Paulo:tica, 1998.

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    Holanda, que rene a coletnea de textos de crtica literria dispersa na imprensa. foi a primeira de muitas referncias sobre Srgio Buarque de Holanda publicado porCandido. Candido o chama de socialista democrtico. Mas o adjetivo mais empregadopor Candido em relao a Srgio Buarque de Holanda de radical democrtico.Razes do Brasil pode ser lido tanto como uma crtica ao autoritarismo da sociedadebrasileira que vinha desde nossas razes, quanto ao autoritarismo que se fortalecia nosanos 30, por isso a expresso radical. Radical o termo usado por Candido paradesignar alguns autores como Srgio Buarque de Holanda:

    Pode-se chamar radicalismo, no Brasil, o conjunto de idias e atitudesformando contrapeso ao movimento conservador que sempre predominou. Oradicalismo seria um corretivo da tendncia predominante nessassociedades, que consiste em canalizar as reivindicaes e as reformas,deformando-as por meio de solues do tipo populista, isto , as quemanipulam o dinamismo popular a fim de contrariar os interesses do povo emanter o mximo possvel de privilgios e vantagens das camadasdominantes329 .

    O radicalismo potencial das classes mdias:

    Gerado na classe mdia e em setores esclarecidos das classes dominantes,

    ele no um pensamento revolucionrio, e, embora seja fermentotransformador, no se identifica seno em parte com os interessesespecficos das classes trabalhadoras, que so o segmento potencialmenterevolucionrio da sociedade330 .

    O radical um revoltado, no um revolucionrio, pois no produz umcomportamento revolucionrio. O radical prefere as causas transformadoras viveisem sociedades conservadoras como a brasileira, que sempre canaliza as reformas pelovis populista, a fim de contrariar os interesses do povo e manter o mximo possveleprivilgios e vantagens das camadas dominantes. O radicalismo tpico da classemdia, pois, vindo das classes dominantes, parece uma aberrao; vindo do povo

    trabalhador pareceria uma diminuio.

    Para Candido, Srgio Buarque de Holanda, juntamente com Joaquim Nabuco eManuel Bonfim so os trs autores significativos do pensamento radical. Num perodode extremo conservadorismo, inspirado por Oliveira Vianna, Alberto Torres e AzevedoAmaral, Srgio se ps contrrio explicao em voga na poca que valorizava a

    329 CANDIDO, Antonio. Radicalismos. Revista Estudos Avanados, So Paulo, n.8, jan./abr. 1990.330 Ibidem, p. 4.

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    herana colonial em sentido senhorial e ufanista, destacando as alegadas virtudesmorais, econmicas e polticas da aristocracia rural, que possua a presena do ariadominando necessariamente a plebe rural, mestia e, portanto, inferior. Srgio Buarquede Holanda, por outro lado, acreditava que essa herana rural havia-se extinguidocom aAbolio, que lanou as bases para o Brasil moderno, urbano e industrial. Candido diainda, que Srgio Buarque de Holanda foi o primeiro intelectual brasileiro de pesoque

    fez uma franca opo pelo povo no terreno poltico, deixando claro que ele deveriaassumir o seu prprio destino, por ser, inclusive, portador de qualidades eventualmentemais positivas que as da elite331 .

    Em outro momento, Candido define radicalismo:

    Chamo aqui de radical o pensamento que visa transformao da sociedade

    num sentido de igualdade e justia social, implicando a perda de privilgios

    das camadas dominantes. Com uma particularidade: este pensamento se

    desenvolve nos setores progressistas das classes mdias, no propriamenterevolucionrio, no sentido marxista estrito. Mas pode ser condio para o

    xito de uma transformao revolucionria332 .

    Para Candido, o Brasil um pas sem pensamento radical pondervel, poispor aqui vingou o pensamento conservador bem articulado, atuante na mentalidadee naao, manifestado inclusive por homens de relevo por vezes extraordinrio, como oshomens da Trindade Saquarema no tempo do Imprio: Visconde de Itabora, Viscondedo Uruguai, o Senador Eusbio. A razo para isso, explica Candido, que ns somosum pas regido pela mentalidade senhorial, difcil de dissipar, pois est firme, aga

    ada,mostrando que o brasileiro tem incrustado na alma um modo de ser oligrquicoinconsciente. A falta desse pensamento radical leva a assimilao de idias vindas dfora e mal adaptadas por aqui, como o caso do marxismo nas suas mais diversasramificaes. Em todos os pases onde existe a tradio radical, fecunda a adaptadas teorias revolucionrias. Foi assim que o marxismo encontrou adaptaes na Rssiana China e em Cuba. No Brasil, isso no ocorreu, portanto penso que uma posio ouum pensamento poltico s so eficazes quando se ajustam realidade do Pas e podemadaptar-se sua tradio; no caso, tradio de radicalidade333 .

    Candido ressalta que, no Brasil, no h um grande pensador radical. Noentanto, ele reconhece traos de pensamento radicalat em autores conservadores

    331 Ibidem, p. 18.332 CANDIDO, Antonio. A viso poltica de Srgio Buarque de Holanda. Folha de S. Pau, So Paulo,25 jan. 1998.333 Idem, 1990.

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    (autoritrios). Por isso, aqui h radicais parciais, radicais espordicos, radiintermitentes. Candido exemplifica Joaquim Nabuco, conservador, embora radicalespordico, no livro O Abolicionismo, ao dizer que os escravos nada tinham a perderetudo a ganhar, e que sendo eles o povo trabalhador do Brasil, deviam participardevidamente na poltica. Outros autores so Tobias Barreto, Slvio Romero, ManuelBonfim, Alberto Torres. Mas no Oliveira Vianna, discpulo de Alberto Torres, quenunca abria a guarda da espada reacionria. Gilberto Freyre, por exemplo, hojeconsiderado conservador, tambm possui momento de radicalidade ao destacar a figura

    do negro na colonizao brasileira.Candido acredita que Razes do Brasil um dos momentos mais importantesdo pensamento radical brasileiro. Fruto do radicalismo dos anos 30, quando pelaprimeira vez os intelectuais se polarizaram entre fascismo de um lado, e socialismo deoutro. Se no estou errado, ele foi o primeiro a dizer claramente que o prprio povbrasileiro tinha de assumir as rdeas do seu destino334 . O livro denuncia as vriaformas de autoritarismo presentes nas nossas instituies e na nossa cultura, e queacreditava ser dever de nossas elites ilustradas a conduo desse povo mestio eignorante.

    Em outro artigo, Candido335 refora, mais uma vez, a posio radicalmente

    democrtica de Srgio Buarque de Holanda. Analisando o ltimo captulo de Razes doBrasil, intitulado Nossa Revoluo, Candido observa que nesse captulo queaparece, claramente, sua posio poltica, sua crtica aos integralistas, fascistas,comunistas e liberais, e sua perspectiva diante do futuro do Brasil. Candido destaca, naobra, dois aspectos para a soluo de cunho democrtico-popular brasileira: 1) o fda tradio colonial luso-brasileira, reverenciada por Oliveira Vianna e Gilberto Freyre,portanto uma posio de cunho conservador; 2) o incluso das massas populares nasdecises poltico-sociais. Para Srgio, nossa revoluo deveria ser um movimento debaixo para cima, e no o contrrio, como tem sido o trao dominante da prtica poltbrasileira. A insistncia na ampliao do espao pblico dos setores populares e aincluso das massas populares nas decises poltico-sociais do sustentao posi

    radicalmente democrtica que se destacava, pois a viso em voga era a liberal, na qualcabia elite esclarecida o papel de dirigente do Pas, e ao povo, por ser ignorante, cabia

    334 CANDIDO, Antonio. Radicalismos. Revista Estudos Avanados, So Paulo, n.8, jan./abr. 1990. p. 8.335 Idem, 1998.

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    obedecer a esse despotismo classista. Outro destaque de Candido quanto diferenade explicao do Brasilnaquela poca. Srgio Buarque de Holanda destaca-se maisuma vez pelo fato de seu livro Razes do Brasil, alm de ser uma anlise do passado,tambm tornar-se uma compreenso do presente, e at uma aposta para o futuro,diferente dos livros que somente ficavam na interpretao do passado, como CasaGrande e Senzala e Populaes Meridionais do Brasil, de Gilberto Freyre e OliveiraVianna, respectivamente.

    A polarizao entre pensamento conservador e pensamento democrtico ajuda-nos a compreender melhor o debate poltico dos anos 20 e 30, perodo de formao do

    jovem Srgio Buarque de Holanda.Investigar os traos de pensamento radical condio indispensvel para o exerccio adequado e eficiente das idias de

    transformao social, inclusive as de corte revolucionrio, justifica Candido336 .Segundo o prprio Srgio Buarque de Holanda, sua opo democrtica veio desde ainfncia, no seio de sua famlia patriarcal, pois seu pai era muito autoritrio: O souhoje, acho que uma reao contra a lembrana deste autoritarismo337 .

    Por fim, Candido338 reconhece sua grande admirao por Srgio Buarque deHolanda: Nunca houve homem mais sbio, nunca houve homem mais erudito, nuncahouve homem de maior seriedade intelectual. Ele era uma dessas grandespersonalidades da gerao de 1922, de um tipo que infelizmente est acabando noBrasil.

    Na obra de Srgio Buarque de Holanda existe um pensamento poltico ,sobre o infuso, sobre o qual tenciono escrever alguma coisa, porque meparece que em Razes do Brasil, mas tambm noutros escritos, existemsementes de um ponto de vista radical339 .

    Sereza340 relata uma observao feita por Candido acerca do cinqentenrio do

    historiador:

    Considero o Sr. Srgio Buarque de Holanda uma das mais altasorganizaes intelectuais do Brasil. Erudito profundo, de uma informaouniversal, ao mesmo tempo um grande especialista no seu setor prprio:

    histria econmica do Brasil. Ao lado disso, uma sensibilidade rara, que otornam um dos mais finos crticos que temos tido.

    336 CANDIDO, op. cit., p. 4.337 ANDRADE, Jorge. Labirinto. Rio de Janero: Paz e Terra, 1978. p. 86.338 CANDIDO, Antonio. Srgio, o radical. In: ______ Srgio Buarque de Holanda vida eobra. SoPaulo: Secretaria de Estado da Cultura/IEB-USP, 1988. p. 63.339 Ibidem340SEREZA, Haroldo Cervolo. Encontro rev a obra de Srgio Buarque de Holanda. O Estado de SoPaulo, So Paulo, 6 jul. 2002.

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    Sem dvida, Candido foi, e ainda , um dos maiores intrpretes da obra deSrgio Buarque de Holanda, e tambm, por ter sido amigo prximo, pde revelar facetade sua vida pessoal e profissional, reveladas em diversos momentos em seus artigos.

    Esse radicalismo pode ser entendido como certo engajamento poltico. Aseguir, veremos, nas palavras do prprio Srgio Buarque de Holanda, qual deveria seropapel do intelectual na sociedade.

    2. Srgio Buarque de Holanda: intelectual engajadoNo ano de 1948, quando Srgio Buarque de Holanda retomava a crticaliterria nas pginas do Dirio de Notcias, publicou o artigo Misso e profisso,faz um balano dos sinais de transformaoque discernia no horizonte intelectualbrasileiro. O papel do autntico escritor, definido por uma espcie de dom denascena, teria prerrogativas particulares. Naqueles dias, afirma Srgio Buarque deHolanda, insistia-se nas obrigaes e responsabilidades dos intelectuais. Definia-para eles uma misso, que no teria um caminho cor-de-rosa ou de ouro, impondodeveres dos quais no se poderia fugir sem grande perda de dignidade. A sagradamissodo intelectual seria, ento, a de elucidar os que no sabem ver por inocncdenunciar os que no querem ver por convenincia as frmulas que, eles afirmavam,poderiam solver os problemas universais. Para aqueles, os escritores deveriammobilizar-se espontaneamente em benefcio de alguma causa, em nome da dignidade

    profissional. Convertiam, desse modo, dizia Holanda, o patriciado em milcia.Srgio Buarque de Holanda sugeria o reconhecimento de um campoparticularpara as atividades literria e cultural, sem pretender fazer das elitesaintelignciaum clericato displicente e egosta. Ele via naquele empenho de valorizaprofisso do escritor um alvo mais poltico que intelectual341 .

    A misso do escritor no Brasil difcil. um avano significativo que oescritor possa exprimir os anseios do povo, mas ele no deve ficar nisso. Seria melhorse ele pudesse representar esses anseios, ir alm [...]342 . No entanto, nessa mesm

    a

    341 CARVALHO, Marcus Vincius Correa. Srgio Buarque de Holanda, escritor de espritno deescola. Ethnos, So Paulo, v.1, n. 2, p. 21-26, set. 2002. p. 22342 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda ao Dirio do Grande ABC, Santo Andr, 22, n.4257, de 13 maio 1980.

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    entrevista, Srgio Buarque de Holanda afirma que no concorda com a tese de que oescritor, obrigatoriamente, deve estar engajado sob o ponto de vista poltico. Acha queisso deve ser uma opo individual e natural e at chega a condenar aqueles que cobrposies do escritor.

    Para Maria Odila Leite da Silva Dias343, Srgio Buarque de Holanda era umhistoriador engajado, mas no foi propriamente um militante poltico. O seu era umengajamento de militncia intelectual [...], era engajado seu modo de escrever a

    histria, pois sempre dava voz aos

    figurantes mudos

    , ou seja, a grande massa dedespossudos que nunca participaram ativamente da vida poltica. Para chegar a

    escrever uma histria verdadeiramente engajada, deveria o historiador partir do estudoda urdidura dos pormenores para chegar a uma viso de conjunto de sociabilidades,experincias de vida, que por sua vez traduzissem necessidades sociais344. Para SroBuarque de Holanda, diz Dias (1998), a principal tarefa do historiador consistiaemestudar possibilidades de mudana social. Para ele, o historiador nada podia aprender dopassado, nem devia esperar dele solues para problemas do presente. Deveriaempenhar-se em desvendar, no passado, foras de transformao que pudessem indicar

    os caminhos para libertar-se dele.Talvez o melhor exemplo de intelectual engajado seja Jean-Paul Sartre345, quecriou a doutrina do engajamento. Sartre diz, no editorial do Le Temps Modernes346,que a funo do intelectual ajudar a produzir certas transformaes na sociedade que vivemos. Os intelectuais engajados reconhecem no proletariado a funo polticade agente histrico das transformaes. O mito da Revoluo inacabada forjou oimaginrio poltico do intelectual de esquerda, sobretudo a partir da colocao emprtica da doutrina do engajamento347 .

    343 DIAS, Maria Odila Leite Silva. Poltica e sociedade na obra de Srgio Buarque deHolanda. In:

    ______Srgio Buarque de Holanda e o Brasil. So Paulo: Organizao Perseu Abramo, 19p.11.344 Ibidem, p. 16.345 Filsofo profissional, ele tentou pregar para as massas. Sartre era o filsofo da literatura. Transmitiafilosofia por meio de peas e romances: o romance filosfico. A essncia da obra dre foi aprojeo de um ativismo filosfico atravs da fico e do drama. Seus primeiros textpublicadosno ps-guerra, mas somente a partir de 1952 que ele se torna filsofo da poltica. HSON, Paul. Osintelectuais. Rio de Janeiro: Imago, 1990).346 Esta revista constitui-se numa espcie de manifesto sobre a misso dos intelectu

    ais naquele perodoimediatamente posterior Segunda Guerra Mundial. Trata da responsabilidade morale poltica dosintelectuais. Segundo o editorial, a revista se dedicar a defender a autonomia eos direitos da pessoa. Porisso possui um duplo aspecto: 1) prope-se a realizar um diagnstico sobre os erroscometidos no passadoe 2) lana um apelo para que os intelectuais assumam suas responsabilidades na reordenao da sociedadeno presente, com vistas ao futuro. (Ibidem).

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    347 SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. So Paulo: tica, 1994. p. 81.

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    Aqui, aparece a noo de engajamento, ou seja, servir literatura e servir coletividade. Desse modo, a responsabilidade do escritor a adeso voluntria. SeguoSartre348 , a nossa tarefa de escritor fazer entrever os valores eternos que estimplicados nesses debates sociais ou polticos. O intelectual deve assumirresponsabilidade pelos seus atos, ou seja, responsabilidade da ao. O engajamentopoltico marca o perfil do radicalismo intelectual e poltico de Sartre. Pode dizerque elepossua certo militantismo. Engajamento significa, antes de tudo, a necessidade de

    intelectual estar voltado para a anlise da situao concreta em que vive, tornando-,sobretudo, solidrio com os acontecimentos sociais e polticos de seu tempo, deixandode encontrar, no determinismo, possveis fugas para justificar a sua posio depassividade. O engajamento de Sartre assumiu um aspecto de obrigao, e nonecessariamente de escolha, embora seja objeto de uma escolha individual.

    O engajamento de Sartre no era uma postura meramente intelectual, pelocontrrio, sua filosofia da aofez com que ele lutasse contra a guerra da Arglicontra a tortura. Sartre insiste na desmoralizao da naoe na responsabilidadecoletiva, e interpela: Agir significa estar no sentido da histria e operar umatransformao no mundo; esses so os motores que justificam o ativismo e o

    investimento dos intelectuais do ps-guerra na ao poltica349 .A histria dos intelectuais sempre foi pautada pela tnue relao entre culturae poltica. Quando tratamos da noo de engajamento, entendemos que o intelectualdeve viver como um homem de cultura, mas tambm deve ter uma ao poltica. Essaao no precisa ser, necessariamente, partidria. Se no ocorrer essa ao efetiva, intelectual corre o risco de ser um solitrio na torre de marfim, como diz Sartre suaprincipal crtica lanada em relao aos intelectuais.

    Srgio Buarque de Holanda , para ns, o melhor representante desse tipo deintelectual no Brasil. Esse engajamento intelectual destacado por Maria Odila Lee

    da Silva Dias, ex-orientanda e intrprete da obra sergiana, que, em poucas palavras,consegue sintetizar essa idia que vem ao encontro de nossa viso de intelectualindependente que foi Srgio Buarque de Holanda:

    Parece hoje importante assinalar o fato de ter inaugurado certo vis demilitncia e engajamento poltico no trabalho acadmico. Forma peculiar de

    348 Ibidem, p. 132.349 SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. So Paulo: tica, 1994. p. 143.

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    luta que envolve a crena na Universidade como instrumento de crtica esobretudo o empenho numa militncia poltica de que nunca descuidou,subordinada e aliada s atividades de pesquisa, propiciando trabalhoscapazes de influir na crtica e, eventualmente, na transformao dasatividades polticas no pas. Acreditava num trabalho intelectual engajado eachava que o trabalho de pesquisa poderia tambm constituir forma demilitncia apta a contribuir para a democracia e para as reformas sociais, queconsiderava inadiveis no seu pas. 350

    A seguir, discutiremos a atuao de Srgio Buarque de Holanda em diversas

    instituies a fim de interpretar essaviso poltica

    , calcada em comportamentosdemocrticos e contra toda a forma de autoritarismo que implique ferimento dos val

    oreselementares do ser humano, caractersticas que moldam e do vida ao intelectualindependente.

    3. Associao Brasileira de Escritores (ABDE)Fundada em 1942, a ABDE, visava, ostensivamente, a defender os interessesprofissionais dos escritores, sobretudo os direitos autorais. Mas outro objetivoda ABDEera lutar, na medida do possvel, como lutou, pela volta das liberdades democrticas.Srgio foi eleito Presidente da Seo do Rio de Janeiro, em 1945, sucedendo Manuel

    Bandeira, Otvio Tarqunio de Sousa e Anbal Machado. Exerceu a presidncia da seopaulista por duas vezes, em 1947 e em 1950.

    O I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em So Paulo, de 22 a 27 dejaneiro de 1945, contou com a participao ativa de Srgio. A declarao deprincpios, aprovada em pleno Estado Novo, e lida no Teatro Municipal de So Pauloem janeiro de 1945, reclamava a liberdade democrtica como garantia da completaliberdade de expresso do pensamento, da liberdade de culto, da segurana contra otemor da violncia e do direito a uma existncia digna351. Constituiu-se na primeirmanifestao coletiva contra a ditadura do Estado Novo. A abertura e o encerramentoforam no Teatro Municipal de So Paulo, e as plenrias, no Centro do ProfessoradoPaulista. Coube a Dionlio Machado a leitura da declarao, que dizia:

    Os escritores brasileiros, conscientes de sua responsabilidade nainterpretao e defesa das aspiraes do povo brasileiro, e considerando

    350 DIAS, Maria Odila Leite Silva. Srgio Buarque de Holanda na USP. Estudos Avanados, So Paulo,v.8, n.22, set/dez. 1994.

    351 BARBOSA, Francisco de Assis. Srgio, o homem poltico. Revista do Brasil, Rio deJaneiro, v. 3, n.6, 1987.

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    necessria uma definio do seu pensamento e de sua atitude em relao squestes bsicas do Brasil, neste momento histrico declaram e adotam osseguintes princpios:Primeiro A legalidade democrtica como garantia da completa liberdadede expresso do pensamento, da liberdade de culto, da segurana contra otemor da violncia e do direito de uma existncia digna.Segundo O sistema de governo eleito pelo povo mediante sufrgiouniversal, direto e secreto.Terceiro S o pleno exerccio da soberania popular em todas as naes,torna possvel a paz e a cooperao internacionais, assim como a

    independncia econmica dos povos.Concluso O Congresso considera urgente a necessidade de ajustar-se aorganizao poltica do Brasil aos princpios aqui enunciados, que soaqueles pelos quais se batem as foras armadas do Brasil e das NaesUnidas352 .

    Durante o Estado Novo, a ABDE conseguiu o congraamento das diversas

    correntes polticas: liberais, socialistas democrticos, stalinistas, trotskistas. Aps o fim

    do Estado Novo, a ABDE tomou um outro rumo: defender os interessados na literatura

    e nos direitos da inteligncia, sem prejuzo da dimenso poltica, mas sem subordina

    a ela. No 2 Congresso Paulista de Escritores, realizado na cidade de Ja, em 1949,

    Antonio Candido preparou uma declarao de princpios que ratifica essas idias.

    Embora houvesse vrios embates a essa proposta, o seu ponto de vista prevaleceu efoi

    pensado por Srgio Milliet, Lourival Gomes Machado e o prprio Antonio Candido,

    ficando a redao final a cargo de Srgio Buarque de Holanda. Candido destaca a

    atuao de Srgio Buarque de Holanda neste episdio, tendo ele uma atuao de

    poltica literria353 .

    O Congresso de Escritores simbolizou a passagem a uma nova poca, e atestou

    que os intelectuais detinham, poca da fundao, a autoridade a qual aspiravam ant

    de 1930.

    4. Esquerda DemocrticaSrgio Buarque de Holanda revela, numa entrevista354 , que foi procurar

    Octvio Brando, do Partido Comunista, pois desejava entrar para esse partido. Srgi

    Buarque de Holanda diz que Brando era dogmtico e bitolado. Essa conversa tediosa

    352 Ibidem, p. 45.353 BARBOSA, Francisco de Assis. Srgio, o homem poltico. Revista do Brasil, Rio deJaneiro, v. 3, n.6, 1987.354 HOLANDA, S. B. de. Corpo e alma do Brasil entrevista de Srgio Buarque de Hola

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    nda. NovosEstudos CEBRAP, n. 69, 2004, p. 03-14.

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    com Octvio Brando, publicada no Prefcio de seu livro Tentativas de Mitologia, foi causa de sua iniciao frustrada no marxismo. Ele dizia, ainda, que tinha uma inclinaopara a esquerda, mas ainda no conhecia Marx. S depois foi ler de fato, em alemo, Aideologia alem. Diz que Marx tem um alemo difcil.

    Tornou-se membro da Esquerda Democrtica em 1945. Nesse movimentoconheceu Castro Rabelo, Hermes Lima, Alceu Marinho do Rego, Octvio Tarqunio,Gasto Cruls, Manoel Bandeira, Guilherme Figueiredo e Arnaldo Pedroso Horta. Mais

    tarde, em 1947, a Esquerda Democrtica tornou-se Partido Socialista Brasileiro, eSrgio Buarque de Holanda candidatou-se a vereador para compor o nmero mnimoexigido por lei para a apresentao da chapa355. Srgio Buarque de Holanda concordouem se candidatar, exclusivamente, para completar o nmero exigido de candidatos paraa apresentao da chapa, pois no reunia condies de uma atuao pessoal no campopoltico: Naquela eleio fui derrotado, vergonhosamente, preciso enfatizar. Eu ntinha jeito para pedir votos, direta ou indiretamente. Com o fim do Estado Novo,a nicacoisa que queramos era fundar um Partido, o que, afinal, conseguimos356 .

    No Manifesto da Esquerda Democrtica357, publicado em 24 de agosto de1945, lem-se as linhas ideolgicas fundamentais que nortearam o pensamento poltico

    de seus membros, que se baseou nos seguintes princpios democrticos: regimerepresentativo, de origem popular, atravs do sufrgio universal, direto e secreto,comrepresentao proporcional; liberdade de manifestao de pensamento pela palavraescrita, falada e irradiada; liberdade de organizao partidria, liberdade de assocliberdade de reunio, liberdade de ctedra; liberdade de crena e de cultos, de modouenenhum deles tenha com o governo da Unio ou dos Estados relaes de dependnciaou aliana; autonomia sindical e direito de greve. Assim, o objetivo poltico daEsquerda Democrtica conciliar o processo das transformaes sociais com asexigncias da mais ampla liberdade civil e poltica, utilizar na realizao dessepropsito os postulados da democracia e suas instituies358 . Por fim, conclamam:

    Um partido ou uma corrente poltica vale pelo nome que tenha ou pelo programa que

    355 No foi a primeira vez que Holanda convidado a se candidatar a vereador. Em 1928, foi convidadopara ser candidato a vereador no Rio de Janeiro pelo Bloco Operrio Campons, agrupamento de frentenica orientado pelo Partido Comunista, mas recusou.356 Ibidem, 2004.357A ntegra deste manifesto pode ser lido em BARBOSA, op. cit.358 BARBOSA, Francisco de Assis. Srgio, o homem poltico. Revista do Brasil, Rio deJaneiro, v. 3, n.6, 1987.

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    adote; mas vale tambm pelos homens que o compem e, sobretudo, o dirigem. Eainda, o tempo urge. O mundo se transforma. E os privilgios esto a ruir359 .

    Segundo Srgio Buarque de Holanda, a linguagem do partido no atingiu agrande massa. Era a chamada esquerda democrtica, era um partido cheio deintelectuais. Talvez, fosse organizado hoje, teria maior sucesso360 .

    5. Centro Brasil DemocrticoCriado por Oscar Niemeyer, Srgio Buarque de Holanda tornou-se vicepresidenteem 1977. No Manifesto de Fundao do Centro Brasil Democrtico361 ,

    publicado em 14 de agosto de 1978, os signatrios declararam que, embora pessoas dediferentes convices e religies tenham em comum a crena na necessidade de lutarpela democracia e pelos direitos humanos fundamentais em nosso Pas, para concretizaros iderios democrticos, necessria a supresso de todas as formas autoritrias ddominao do Estado, tais como o AI-5 e a Lei de Segurana Nacional, alm daformao de uma Assemblia Constituinte soberana e livremente eleita. Por fim,convocam todos os brasileiros a se associarem ao Centro, com vistas democratizada vida brasileira.

    por tudo isso que se justifica, segundo o historiador, a existncia do CentroBrasil Democrtico, entidade que vai em direo ao povo, criando um ambiente

    intelectual que dificulte as perseguies polticas e os abusos integridade fsica cidado. 362

    6. Partido dos Trabalhadores (PT)Na sesso de 22 de maro de 1980, em seu Manifesto Inicial363, realada aimportncia da luta pela democracia que, ou se constri pelas mos do povo, ou novir. O PT nasce da vontade de emancipao das massas populares [...] pretende ser

    359 Ibidem360 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda ao Dirio do Grande ABC, Santo Andr, 22, n.4257, de 13 maio 1980.361 A ntegra deste manifesto pode ser lida em BARBOSA, op. cit.

    362 CF. entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda ao Folhetim, de 26 de junho de 1977.(Fonte: Siarq/Unicamp).363 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda ao Dirio do Grande ABC, Santo Andr, 22, n.4257, de 13 maio 1980.

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    uma real expresso poltica de todos os explorados. E continua: O PT afirma seucompromisso com a democracia plena exercida diretamente pelas massas.

    O historiador, na poca, via a tese do PT com muito interesse, por uma razosimples: porque o trabalhador uma massa que no tem voz no Pas: Mas ele adverteque o sucesso do PT est condicionado proporcionalmente ao sucesso de suaslideranas, porque o partido ser aceito junto s massas operrias na medida em queseus lderes souberem impor-se estas mesmas massas364 . Profundo conhecedor dahistria, parecia que Srgio Buarque de Holanda havia previstoa crise por que o Patravessou aps alcanar o poder, em 2002: o distanciamento entre a cpula e a base.

    7. A viso democrtica de Srgio Buarque de HolandaSrgio Buarque de Holanda dizia, em referncia sua educao familiar: Oque sou hoje acho que uma reao contra a lembrana deste autoritarismo365. Comovimos, Srgio Buarque de Holanda sempre se posicionou contrrio a qualquer forma deautoritarismo que cerceasse a liberdade das pessoas ou implicasse um retrocessonofortalecimento das instituies republicanas. Em Razes do Brasil, ele dizia que ademocracia brasileira sempre foi um lamentvel mal-entendido. Srgio Buarque deHolanda explica que, historicamente, a construo das instituies republicanas sempveio de cima para baixo. Esse modelo autoritrio de organizao j existia em Portuge foi apenas transportado para o Brasil e intensificado devido escravido. A confuso

    entre o pblico e o privado, chamado por ele de personalismo, contribuiu para a nseparao entre as coisas pblicas e os negcios privados, dando origem corrupo,uma das possveis conseqncias desse problema. A preocupao quanto questodemocrtica discutida em outro livro de Srgio Buarque de Holanda: Do Imprio Repblica, da coleo Histria Geral da Civilizao Brasileira. Nesse texto, ademocracia aparece associada a uma anlise do funcionamento do sistemarepresentativo do Imprio. Baseado em dados estatsticos, nosso autor procura pintaroquadro de nossa democracia improvisada, ttulo de um dos captulos do livro, econstata que apenas 1% da populao tinha direito a votar naquela poca.

    364 Ibidem365 ANDRADE, Jorge. Labirinto. Rio de Janero: Paz e Terra, 1978. p. 77.

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    Embora o conceito de democracia no tenha sido objeto central de seus

    escritos, toda a sua anlise sobre a histria brasileira configura a dificuldade do

    estabelecimento de uma sociedade democrtica, baseada em valores como justia e

    liberdade. Segundo Sanches366 ,

    A democracia para Holanda tem de ser entendida como uma forma desociedade, ou seja, baseada em uma forma de comportamento poltico de

    origem cultural. A noo comum de democracia no s na dcada de 30,mas at hoje, a noo poltica de democracia, associada ao tipo liberal.Alis, Sartori diz que, quando a palavra democracia aparece destituda deadjetivo, est se falando em democracia liberal. nesse sentido queacreditamos ser sua contribuio para o debate da democracia no Brasil.Vimos que Holanda no descarta a importncia das instituiesparlamentares para a formao de uma base que sustente a sociedade. S queno somente atravs de reformas eleitorais que se consegue consolidar ademocracia em uma sociedade. necessria uma mudana na culturapoltica brasileira que contribua na transformao das instituies sociais,como a famlia. Para que isso acontea, necessria uma revoluovertical, ou seja, uma revoluo vinda de baixo para cima, que alterecompletamente a sociedade.

    Ao buscar em nosso passado os motivos de nosso entrave formaodemocrtica no Brasil, Razes do Brasil traa o perfil de nosso comportamento polticalcado em valores personalistas e cordiais, que facilitaram o sucesso do positivismo edo liberalismo entre ns, bem como a adoo de solues autoritrias. Tambm aoanalisar nossa poltica em Do Imprio Repblica, Holanda destaca como as reformaseleitorais, ao invs de ampliar em direitos, restringiram-nos, deixando 99% dapopulao de fora das decises polticas. A democracia no Brasil deixar de ser umlamentvel mal-entendido, quando conseguirmos superar os valores personalistas ecordiais (razes ibricas) responsveis pela indistino entre as esferas pblica e pto prejudicial nossa formao e que tem sido um dos entraves democratizao da

    nossa sociedade. Para Srgio Buarque de Holanda, devemos inventar uma democracia,diferente das outrasdemocracias, europia ou americana, calcadas em valoresimpessoais e racionais, associados civilidade e polidez367 .

    Em Razes do Brasil, Srgio Buarque de Holanda procura em nossas razesas razes para o lamentvel mal-entendidode nossa democracia. Assim, o homemcordial aparece como figura central na formao do carter de nossa elite, maispreocupada com seus prprios interesses do que com o destino da nao. por isso qu

    366 SANCHES, Rodrigo Ruiz. A questo da democracia em Srgio Buarque de Holanda. Araraquara. 136

    f. Dissertao (Mestrado) -Faculdade de Cincias e Letras, Unesp, 2001. p. 116.

    367 SANCHES, Rodrigo Ruiz. A questo da democracia em Srgio Buarque de Holanda. Araraquara. 136f. Dissertao (Mestrado) -Faculdade de Cincias e Letras, Unesp, 2001. p. 116.

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    Srgio destaca as crticas feitas aos intelectuais, encobertos de idias vindas de muitas vezes incompatveis com nossa realidade, para no dizer completamenteanacrnicas. Srgio Buarque de Holanda ataca os liberais, j que esses estariam muimais preocupados com a perfeio de suas leis, e integrao dessas, do que interessanas caractersticas da sociedade nacional, em pesquis-la, levando-a em conta naelaborao de suas propostas368 . Os liberais acreditavam no poder das leis semperceber que havia uma diferena entre a lei que feita e a lei que seguida: Todpensamento liberal-democrtico pode resumir-se na frase clebre de Bentham: 'a maior

    felicidade para o maior nmero' [...] essa idia est em contraste direto com qualquforma de convvio humano baseado nos valores cordiais369 .

    A preocupao com os estudos sobre democracia levou Srgio a participar, em1949, de um comit organizado pela Unesco, onde elaborou, juntamente com mais oitoestudiosos, um meticuloso questionrio envolvendo parte considervel dos diferentestpicos que gravitam em torno da expresso democracia. A primeira etapa dessecomit constitui-se de um questionrio distribudo a vrios estudiosos do mundo todocujas 83 respostas recebidas deveriam fornecer a maior variedade possvel de pontos devista acerca do conceito de democracia, de natureza varivel e capaz de assumir

    aspectos diversos ou mesmo contrastantes. Desse debate, originaram-se trs artigos: Osproblemas da democracia mundial370 , A Democracia e a tradio humanista371 eIntroduo democracia372 .

    No primeiro artigo, publicado em 1949, num momento de discusso sobre osrumos que a democracia tomaria aps a Segunda Guerra Mundial, Srgio Buarque deHolanda colocou uma questo central sobre que tipo de democracia as diferentes naeestavam discutindo. De um lado, a democracia liberal ou formal, representada poraqueles que professam confiana ilimitada nos princpios defendidos pela RevoluoNorte-Americana e pela Revoluo Francesae, por outro lado, a democracia polticosocial, representada por aqueles que aceitaram sem reservas os postulados domarxismo e o processo de sua realizao prtica nas repblicas soviticas. Essa

    368 HOLANDA, S. B. de. Razes do Brasil. So Paulo: Cia. das Letras, 1995. p.183.369 HOLANDA, S. B. de. Viso do Paraso. So Paulo: Brasiliense, 1985. p. 185.370 Originalmente publicados no Dirios de Notcias, em 19-06-1949, compem a coletde textoshistricos organizado por Costa (COSTA, Marcos. Para uma nova histria: textos de Sio Buarque deHolanda. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2004).371 Ibidem.372 Ibidem.

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    dualidade considerada por Srgio Buarque de Holanda como um dos mais graves

    problemas de nossa poca. Por isso foi evitado utilizar termos como democracia

    ocidentale democracia oriental, considerados incompletos e inadequados. Neste

    artigo, Srgio Buarque de Holanda menciona as principais questes levantadas por esse

    Comit da Unesco, a saber:

    Em que medida se pode admitir que o termo democracia ambguo? Emque condies se justifica eventualmente a denncia de abuso do mesmotermo, lanada contra este ou aquele argumento ideolgico? Cabe dizerque a palavra em apreo hoje empregada em acepes verdadeiramentenovas, comparadas s do sculo XIX ou s de antes da Guerra Mundial? Entre essas diferentes espcies de democracia existem caracteres comuns? possvel admitir-se hoje que a clebre frmula governo do povo, pelopovo, para o povoserve para determinar os critrios essenciais dademocracia? Problema terminolgico: a palavra democraciadeve serusada para exprimir uma noo estreita, noo poltica, designando osmtodos que dirigem a tomada de decises, ou h de ser empregada paraexprimir um conceito largo, conceito poltico-social, designando no apenas

    as condies e mtodos da tomada de decises, mas tambm os seusresultados? Problema psicolgico e social: uma democracia, na acepoestreita da palavra, poderiam funcionar como tal se nada fosse feito paratorn-la democraciano sentido lato da palavra? Problema poltico,problema das prioridades, das relaes entre os fins e os meios: ademocracia polticarepresentaria o melhor meio para atingir o objetivo dademocracia social? A democracia socialseria o melhor meio de sealcanar o objetivo da democracia poltica? A democracia polticaseria omelhor meio de se chegar a algum objetivo particular, fosse qual fosse?Existe entre esses dois conceitos uma relao meio e fim? H situaes, eem caso afirmativo quais seriam elas, em que a um governo democrticocompete reprimir em tempo de paz uma propaganda tendente mudana deregime? admissvel que um sistema poltico de partido nico seja

    concilivel com um forma democrtica de governo? Qual a natureza,terminolgica, de fato, ou normativa, do desacordo entre os tericos adeptosda prioridade da democracia polticaconsiderada como o meio de serealizar a democracia social e aqueles que preconizam a democracia socialcomo meio de realizar a democracia poltica373 .

    A dificuldade em responder a tais questes, juntamente com toda ambigidade

    decorrente do sentido etimolgico do termo democracia, o tema do segundo artigo

    escrito por Srgio Buarque de Holanda, no mesmo ano de 1949, intitulado: A

    Democracia e a tradio humanista. Nesse artigo, Srgio Buarque de Holanda descreve

    a fala dos diversos participantes do mesmo Comit da Unesco que apresentaram seus

    argumentos, amparados no contexto histrico, mas visivelmente antagnicos. Mais uma

    vez transparece a polarizao entre democracia burguesa(capitalista) e democraci

    de massas(socialista), alm das discusses em torno dos regimes fascistas e nazist.

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    373 COSTA, Marcos. Para uma nova histria: textos de Srgio Buarque de Holanda. So ulo:Fundao Perseu Abramo, 2004. p. 23.

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    Mas existe ao menos um elemento comum e de importncia essencial acentuado nasconcluses a que chegou o comit: relaciona-se intimamente com a histria dastradies em que se apiam esses pontos de vista. Todas as formas de democracia,conforme se l nessas concluses apresentadas por Srgio Buarque de Holanda,

    (...) participam de uma tradio comum de humanismo. Tanto as formascoletivistas como as instituies liberal-democrticas buscam igualmente ajustia, a igualdade, a liberdade, a liberao do homem para o amplodesenvolvimento de suas faculdades, o igual acesso aos benefcios dacivilizao e a livre participao nas funes pblicas. Nenhuma delas

    professa a doutrina da dignidade superior de uma raa ou a prioridadedefinitiva do Estado sobre o indivduo374 .

    Por fim, conclui Srgio Buarque de Holanda de modo aparentemente otimista:Seria lcito, talvez, objetivar que, na prtica atual, nenhum desses princpios universalmente respeitado. Contudo, a simples circunstncia de existir sobre elesumacordo geral basta para que se considere sem pessimismo a possibilidade de umauspicioso entendimento375 .

    No terceiro artigo sobre esse tema, intitulado Introduo democracia,Srgio Buarque de Holanda revela que somente um autor brasileiro respondeu aosquestionrios que formaram a base dos debates desse comit: Wilson Martins376. Esse

    abstencionismodos nossos estudiosos foi observado por Srgio Buarque de Holandaem outras naes, pois somente o historiador mexicano Slvio Zavala e o filsofoargentino Francisco Romero se dignaram a atender aos apelos formulados pela direoda Unesco377 . No caso do Brasil, diz Srgio Buarque de Holanda, as definiesunicamente polticas de democracia j passaram um pouco da moda ou, ao menos, jno se fazem escutar com demasiada freqncia. A partir desse momento, SrgioBuarque de Holanda analisa criticamente o livro de Wilson Martins. A principal falhana argumentao de Martins, segundo Srgio Buarque de Holanda, ter separado apreposio parada famosa declarao de Lincoln, em Gettysburg: governo do povo,pelo povo e para o povo. Martins s reconhece as duas primeiras proposies. A

    374 JOHSON, Paul. Os intelectuais. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

    375 COSTA, Marcos. Para uma nova histria: textos de Srgio Buarque de Holanda. So ulo:Fundao Perseu Abramo, 2004. p. 35.376 Segundo Srgio Buarque de Holanda, no seu artigo Introduo democracia(Ibid), oncleo dessa anlise foi publicado por Martins sob o ttulo Introduo democracia ra. PortoAlegre: Editora Globo, 1951.

    377 COSTA, op. cit., p. 25.

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    proposio para o povoimplica uma natureza puramente tcnica e administrativa, eno poltica. Srgio Buarque de Holanda diz que nenhum governo democrtico podeexistir ou subsistir sem que inclua entre suas atribuies essenciaisa de promovebem pblico. Portanto, diz Srgio Buarque de Holanda, o erro de Martins foi separargoverno para o povodo resto da frmula.

    Esses trs artigos revelam o interesse pela discusso mais elaborada da questoda democracia que, embora no apresentada de forma sistemtica em seus livros, foi umtema que Srgio Buarque de Holanda pde analisar de maneira mais reflexiva em seus

    artigos cientficos. Esse debate exclusivamente sobre o temademocracia

    ocorreutambm no intervalo de quarenta anos entre a publicao de Razes do Brasil e Do

    Imprio Repblica.

    Numa entrevista378 , Srgio Buarque de Holanda reitera sua viso sobre adificuldade de fortalecimento da democracia brasileira. No Brasil, diz Srgio Buarede Holanda, sempre foi uma camada mida e muita exgua que decidiu. O povo sempreest inteiramente fora disso. As lutas, ou mudanas, so executadas por essa elite e mbenefcio dela, bvio. A grande massa navega adormecida num estado letrgico, mas,em certos momentos, de repente, pode irromper brutalmente. Srgio Buarque deHolanda no diz claramente que acredita numa revoluo popular, embora a nossa

    revoluofoi tema do ltimo captulo de Razes do Brasil, mas parece que ele nuncadeixou de acreditar nisso. Ainda nessa entrevista ele diz: At agora, todas asrevolues dentro da histria do Brasil foram das elites, civis ou militares, mas sereelites379 .

    Embora crente de que no havia democracia ideal, esse tema volta a fazerparte de suas anlises, agora amparada historicamente e exemplificada. Sobre ademocracia no Brasil, ele afirma:

    Por exemplo, no Imprio havia pouca ocasio de haver essa afirmao dopoder militar. No que todos os militares pensassem assim, mas atualmentechegam a formar um bloco que sugere a existncia de um terceiro partido.

    Na verdade, nunca houve democracia ideal. At na Sua existem abusos aosdireitos do cidado, se bem que em menor escala. Mas no possvel que oabuso passe a vigorar como lei. Ora, preciso que exista pelo menos um

    378 HOLANDA, S. B. A democracia difcil. Revista Veja, So Paulo, 28 jan. 1976379 Ibidem

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    paradigma, como um ideal democrtico a ser atingido, para orientar aopinio do governo380 .

    Em 1977, Srgio Buarque de Holanda reiterou a sua tese de que no haviademocracia nem no Imprio, nem na nova Repblica: Democracia significa que opoder emana do povo. Uma vez que o povo no vota, no h democracia! O que havia[no Imprio] era o ideal democrtico, uma musa. No Brasil, nunca houve democracia.[...] Democracia relativa no tem sentido381. Quando perguntado se havia democraciaentre 1946 e 1964, Srgio disse que democracia real no havia, mas havia, pelo meno

    condies de eleies mais livres. O povo chegava mais perto de seus dirigentes.

    Quando indagado sobre o ingresso de intelectuais no MDB, Srgio Buarque deHolanda responde que no h alternativa, se eu tivesse intenes ou veleidadespolticas, entraria para o MDB382 .

    J no final da vida, depois de ter atravessado duas ditaduras (Vargas e militar),Srgio Buarque de Holanda parece estar um pouco pessimista quanto aos rumos dapoltica brasileira, que foi incapaz de concretizar os valores democrticos no Brasil. Em1980, diz Srgio Buarque de Holanda, o analfabeto deve votar, porque se aguardar que

    todos os analfabetos aprendam a ler e escrever, a participao poltica das massasdemorar muito no Brasil383 . Porm ele no v alternativas polticas viveis nospartidos de esquerda: A melhor forma de acabar com o Partido Comunista atravs desua legalizao: ele mostraria que no tem fora alguma. A exemplo do que j ocorreudepois de 1945384 . O partido, garante o historiador, acabou servindo no Pas debode expiatrio para todos os males: Certamente [hoje] no seria uma fora polticaimportante. Mas, mesmo assim, revela uma ponta de esperana quando diz que aparticipao popular no Brasil muito pequena e sempre foi assim... O povo nuncatoma parte nas grandes decises. E isso que precisa mudar385 .

    Vimos que, na noo de democracia para Srgio Buarque de Holanda, no hdesprezo pelo papel das instituies sociais e, sim, uma relao de complementaridad

    380 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda para o jornal Folhetim, 26jun. 1977 (Fonte:Siarq/Unicamp)381 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda para o Jornal ltima Hora, SPaulo, 20 abr.1978.382 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda para o jornal Folhetim, 26jun. 1977 (Fonte:Siarq/Unicamp).383 Entrevista concedida por Srgio Buarque de Holanda ao Dirio do Grande ABC, Santo Andr, 22, n.4257, de 13 maio 1980384 Ibidem

    385 Ibidem

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    entre as bases polticas e as bases culturais. A partir de uma mudana ao nossocomportamento poltico que poderemos falar em uma revoluo das instituiessociais e parlamentares, a qual preparar o terreno para a realizao de uma democraaplena. S h democracia quando h vida democrtica386 .

    8. ConclusoNeste artigo, procuramos realizar uma discusso sobre a viso polticadeSrgio Buarque de Holanda. Essa viso poltica est calcada em princpios democrtice na crena da maior participao do povo nos destinos da nao. Como conseqncia

    disso, Srgio Buarque de Holanda sempre denunciou, em seus escritos,pronunciamentos e aes contra a tradio autoritria, presente nas entranhas daformao do Estado e da sociedade brasileira. nesse sentido que vemos que oposicionamento democrtico de Srgio Buarque de Holanda, em muito, se destaca nahistria dos intelectuais no Brasil, em sua maioria, predispostos a se aproximaremepermanecerem nas franjas do poder.

    Ao participar de alguns movimentos sociais, podemos perceber, claramente,a coerncia entre seus escritos e suas aes, que mantiveram sempre a independnciaintelectual na interpretao do Brasil e a crena absoluta nos valores democrticos, da real percepo da ausncia desses valores em terras brasileiras. Chamamos isso deengajamento poltico, nos moldes escritos e vividos por Sartre.

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    386 SANCHES, Rodrigo Ruiz. (2001). A questo da democracia em Srgio Buarque de Holanda.Araraquara. 136 f. Dissertao (Mestrado) -Faculdade de Cincias e Letras, Unesp.

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