A UTILIZAÇÃO DO BASTÃO NA DESCOBERTA E APLICAÇÃO … · se nós tivéssemos o mesmo número de...
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A UTILIZAÇÃO DO BASTÃO NA DESCOBERTA E APLICAÇÃO DAS FRAÇÕES
Celso Paulo Müller1 E-mail: [email protected]
Reinaldo Francisco2 E-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta as frações, através do bastão, como estratégia para conduzir os alunos à consecução dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais a fim de se constituir relações, elevar a auto-estima, dar impulso ao aproveitamento escolar e assegurar a permanência do educando na escola. As ações sustentadoras deste processo utilizarão o bastão, para com ele, resgatar a história e o ensino-aprendizagem dos números racionais, assim como, pela pesquisa-ação crítica, imergir no contexto dos alunos e emergir, após as reflexões necessárias, para uma prática de participação emancipatória pessoal e coletiva. Os dados sobre os quais se consolidam o presente trabalho são provenientes do relatório diário da implementação da proposta nas quintas séries do Colégio Estadual de Dois Vizinhos, no primeiro semestre de 2008. Os esforços empreendidos nesta direção, conscienciosos da função social do ensino, do papel do educador e do tipo de cidadão que se deve promover, evidenciam que o planejamento, pormenorizado, de cada conteúdo estruturante, bem como, dos específicos, é o fator decisivo na sala de aula.
Palavras-chave: frações; bastão; planejamento; conceitos; procedimentos; atitudes.
Abstract
This article presents the fractions through the bat, as a strategy to lead the students to achieve the conceptual content, procedural and attitudinal in order to form relationships, raise self-esteem, give impulse to use school and ensure the permanence of the educating in the school. The sustainability of this process will use the stick to, with it, redeem history and teaching-learning of rational numbers, as well as the critical search-action, immerge in the context of students and emerge after the discussions needed to establish a personal and collective emancipatory participation. The data on which they consolidate this work are from the daily report of the implementation of the proposal in the fifth grade of the Colégio estadual de Dois Vizinhos in the first half of 2008. The efforts in this direction, aware of the social function of education, the role of educator and the kind of citizen that we should promote, show that the planning, detailed, of each structuring content and, in particular, is the decisive factor in classroom.
Keywords: fractions; bat; planning; concepts; procedures; attitudes.
1. INTRODUÇÃO
11Professor de matemática do Colégio Estadual de Dois Vizinhos. Núcleo Regional de Dois Vizinhos. Dois Vizinhos – PR. Secretaria de Estado da Educação – SEED. 2 Professor do Departamento de Matemática da UNICENTRO – Guarapuava – PR.
Como é interessante ouvir-se nos intervalos, no planejamento semestral,
durante a hora-atividade, no Conselho de Classe e em outras conversas e
discussões, os professores a reclamar que seus alunos não aprendem! É comum o
professor gesticular e dizer com espanto: “já falei trezentas vezes e não tem jeito!”. É
interessante como a força do corporativismo reforça o mito de que o professor (uma
vez que tenha dado a sua aula) não tenha maiores responsabilidades sobre a
aprendizagem daquele conteúdo ou daquela aula! É interessante como o professor
se situa além das quatro paredes da sala de aula e, acolá, da disciplina específica:
“terminou a minha aula, meu conteúdo, idem, a minha co-relação”. Como é
interessante, quando professores, em conversa com os pais, acabam por convencê-
los de que os culpados pela não aprendizagem reside sobre o aluno e a absoluta
falta de atenção e estrutura da família e da sociedade! É, também, interessante,
como outros mitos (sala cheia, material didático,...) permanecem a justificar o não
rendimento da turma! Como pode ser interessante para o aluno que o professor,
durante o ano inteiro, tenha sempre a mesma metodologia, use somente o livro
didático! Como poderá ser interessante a aula se esta não foi, devidamente,
planejada e se a anterior não foi avaliada? Nem será interessante a aula onde os
procedimentos (manusear materiais, pesquisar, para exemplificar) são apenas
descritos ou permanecem na teoria! Como poderão ser interessantes os alunos
depois de tantos “interessantes” que não interessam ao professor e, portanto, muito
menos poderiam ser interessantes para o aluno! Por fim, é interessante observar
que, apesar de tudo, existem professores muito capazes, comprometidos,
interessantes, e em constante aperfeiçoamento por meio da formação continuada!
Esse quadro (sem pretensões exaustivas) revela, “torna mais necessário que
[...] disponhamos e utilizemos referenciais que nos ajudem a interpretar o que
acontece em aula” (ZABALA, 1998, p. 15); não está clara a “função social do ensino
e o conhecimento do como se aprende” (ZABALA, 1998, p. 16) e a avaliação é
apenas um nome “elegante” que substituiu o termo “teste/prova” e, portanto, não está
atrelada ao planejamento, quando, na verdade, deveriam ser inseparáveis na
atuação do professor.
Ora, dá para imaginar como seria tratado o tema “frações”, desprovido das
idéias de que podem ser as “partes iguais de um conjunto de elementos” (DANTE,
2005, p. 95); de que pode ser, também, a razão “quatro está para cinco” (por
exemplo); de que representa, igualmente, o quociente (0,8 por exemplo); de que
pode estar representando uma grandeza discreta ou contínua; de que pode
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representar uma medida. “... a aritmética fracionária envolve elementos de medida e
não somente as partições da unidade” (LINS, 2005, p. 42); de que pode ser “parte de
um número” (DANTE, 2005, p. 96); de que pode ser um “operador” (DANTE, 2005, p.
96); pode estar indicando uma porcentagem (80% por exemplo); pode ser a
probabilidade de sair, por exemplo, o 5, quando se joga o dado e, ainda, pode
expressar proporcionalidade (quando se manuseia a planta de uma edificação,
quando se trabalha com a culinária,...).
Para entender melhor o que se está a dizer, basta acompanhar o trocar de
idéias dos alunos: a conversa de duas crianças da 5ª série, na manhã de um sábado
sim outro não, como presente cedido pelos pais pela boa semana de estudos, na
casa do primo, faz, às vezes, arrepiar. No café da manhã daquele dia, um primo
relatava ao outro as aulas de matemática da semana. Por coincidência, os dois
haviam estudado os números decimais. Um dizia que o professor falava dos números
decimais, apenas, como aqueles que têm uma vírgula. O outro dizia que o professor
também confirmou a vírgula no número decimal, mas depois de uma discussão com
toda a classe: “o professor nos colocou em duplas e distribuiu entre elas inúmeras
barras e placas do material dourado. Pediu pra gente observar com quantas barras
se fazia uma placa. Logo chegamos à conclusão de que com dez barras podemos
fazer uma placa ou o inteiro. A gente já conhecia o inteiro. Uma placa se escreve com
o número natural um. Duas placas se escrevem com o número dois. Dez barras
formam uma placa, portanto, igualmente, um inteiro. Vinte barras formam duas
placas ou dois inteiros. Aí veio o desafio: como escrever, somente, seis barras?
Como registrar duas barras? Como anotar uma placa e três barras? E, sabe quem
que apareceu nessa história? A vírgula. Tivemos que pôr a vírgula entre o um e o três
para separar quem é o inteiro e quem são os pedaços. Se você deixar o um e o três
sem a vírgula fica treze. Não era treze que a gente tinha na nossa frente. Seria treze
se nós tivéssemos o mesmo número de barras. Era uma placa e três barras. Era um
inteiro e três pedaços desse inteiro. Um número assim requer uma vírgula.
Entendeu?” O primeiro primo ao perceber que havia relatado tão pouco sobre os
números decimais estudados na semana acrescentou que, logo em seguida, fizeram
algumas continhas de adição e que o importante era posicionar um número debaixo
do outro a respeitar, exatamente, a vírgula debaixo da vírgula. O segundo primo
relatou que não houve tempo para mais nada porque havia acontecido muita
discussão: “O professor faz a gente participar, tem que pensar e que se escute quem
está a falar!”.
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A prática que envolve essas ações é questionável. Se o que se busca é o
conhecimento, as ações descritas acima contêm fragilidades. Se cotejadas trarão à
tona aspectos que não vislumbram os apontamentos de Luckesi, quando define o
significado da educação escolar como “o desenvolvimento das diversas facetas do
seu ser humano: a cognição, a afetividade, a psicomotricidade e o modo de viver”
(Luckesi, 2005, p. 126). Se o conteúdo da envergadura acima foi trabalhado com
tantas diferenças, pode-se imaginar como se daria o desvelar das frações,
“aparentemente”, um tema trivial.
Considerar a ação educativa complexa, mas plena das possibilidades de
superação, assume o tema frações como um desafio a ser passado a limpo. Desde a
antiguidade o ser humano se utiliza das frações para se comunicar e para
comercializar. O bastão, por exemplo, foi um dos instrumentos de medida de
comprimento que colaborou na utilização e disseminação das frações. As pessoas
trocavam ou compravam um bastão, dois bastões, três bastões inteiros de tecido, por
exemplo. Com o tempo, surgiu a necessidade de acrescentar-se ao padrão inteiro, o
“meio” (½), ou seja, meio bastão, um bastão e meio e etc. A evolução de cada época,
de cada comunidade e do trabalho, originou novas frações e um bastão cada vez
mais adaptado, trazendo consigo o ¼, ¾, 81 ,
85 ,
163 e assim por diante. Houve
quem tivesse que juntar ¼ de bastão do tecido vermelho com 87 do bastão de tecido
azul (sinalizando para a soma de frações com denominadores diferentes) e, assim,
sucessivamente.
A reconstrução dessa prática dos antigos em sala de aula, onde cada aluno
manuseia o seu bastão, faz deste tema, uma oportunidade para se extrair alguns
aspectos da história da matemática, os números racionais e todos os aspectos
abrangentes.
O êxito sobre o tema reside, justamente, sobre a ação do professor de
matemática e é por isso que se está a buscar uma resposta à pergunta: como
planejar as aulas com atividades que contemplem os aspectos conceituais (saber),
procedimentais (saber fazer) e atitudinais (ser)?
Os impulsos que sustentam a escalada nesta tarefa de traçar um equilíbrio
entre as aprendizagens conceituais, procedimentais e atitudinais, sem sobrepor um
dos aspectos, mas certo de que a relevância sobre o aspecto atitudinal faz a
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diferença e a busca por uma prática que contemple, cuidadosamente, a trilogia
(conceitos, procedimentos e atitudes), levam a diversas hipóteses:
• os educadores planejam suficientemente as suas aulas?
• os educadores têm conhecimento metodológico capaz de garantir em suas
aulas atividades conceituais, procedimentais e atitudinais?
• onde se apóia, o educador, para organizar as suas aulas?
• O educador tem noção das dimensões da sua ação em sala de aula?
Por isso, ressaltar o conhecimento atitudinal como meio eficaz na construção
de relações, capaz de elevar a auto-estima, dar impulso a um bom aproveitamento
escolar e assegurar a permanência do educando na escola, vem a ser o objetivo
principal deste trabalho. Além disto, tem por fim esta compilação, demonstrar, através
de uma versão dinâmica dos conteúdos, que “o ato de planejar é a atividade
intencional pela qual se projetam fins e se estabelecem meios para atingi-los”
(LUCKESI, 2005, p. 105); garantir, através dos meios planejados, a aprendizagem
conceitual, procedimental e atitudinal; propor atividades de cunho interativo,
experimental, investigativo, reflexivo e dedutivo e contemplar, com intencionalidade,
valores, hábitos, convicções, modos, enfim, conhecimentos atitudinais.
Pelo exposto, percebe o leitor, que o desenvolvimento a seguir, tem como
principal fonte inspiradora os autores Antoni Zabala (1998) e Carlos Cipriano Luckesi
(2005). O primeiro é espanhol e há muito escreve sobre a prática docente na sala de
aula e o segundo é brasileiro, conhecido pela forma como trata a avaliação escolar.
A seguir, a forma como as frações são apresentadas nos livros didáticos, a
metodologia utilizada, ou seja, a pesquisa-ação crítica, a contra-proposta, a análise
dos dados e as considerações finais.
2. DESENVOLVIMENTO
Explicitar uma proposta segundo os critérios estabelecidos anteriormente,
tendo como tema as frações, pode parecer uma utopia, já que, o que se vê nos livros
didáticos, o que se apresenta nas salas de aula, com pequenas exceções, jamais
saiu daqueles desenhos, mais precisamente, daqueles retângulos, quadrados ou
círculos divididos em partes, segundo os interesses dos exercícios, com uma quantia
das partes do inteiro pintadas. As atividades não passam muito distante daquilo que
se observa na Figura 01:
5
A B C
Figura 01
Os livros didáticos, a partir desses desenhos, com o auxílio do professor,
induzem os alunos a entender, a ler e a escrever quanto do inteiro (mirando os
exemplos acima), está colorido de amarelo (31 na Figura 01 - A), quanto está
colorido de verde (21 na Figura 01 - B) e, assim por diante. Geralmente, depois
deste pequeno desenvolvimento, os alunos são orientados a colorir, em folhas
prescritas, alguns valores, como, por exemplo: “Escreva em fração a parte pintada da
figura.” Ou, vice-versa: “Pinte a figura de acordo com a fração abaixo.” Baseados
nessa concepção, os demais fundamentos inerentes aos números fracionários,
como, também, a forma como o assunto é cobrado e quase sempre sem uma
interatividade (professor-aluno), vão tomando corpo.
Qual seria, então, essa proposta que se poderia empreender nas frações, na
tentativa de corresponder com a pergunta fundamental deste projeto, ou seja, como
planejar as aulas de matemática (as frações) com atividades que contemplem os
aspectos conceituais (saber), procedimentais (saber fazer) e atitudinais (ser)?
Como foi anunciado anteriormente, o método da pesquisa-ação crítica, melhor
concatenará a transformação almejada. Trata-se, segundo as pesquisas de Franco3,
de buscar a transformação que
é percebida como necessária a partir dos trabalhos iniciais do pesquisador com o grupo, decorrente de um processo que valoriza a construção cognitiva da experiência, sustentada por reflexão crítica coletiva, com vistas à emancipação dos sujeitos e das condições que o coletivo considera opressivas.
Em outras palavras, a ação do professor é de perspicácia. Caberá a ele
embrenhar-se na e da realidade do aluno a fim de não somente descrevê-la e
compreendê-la, mas intervir e, portanto, elevá-la. A fazer parte dessa realidade, o
professor terá as condições legítimas e, a partir das suas minuciosas anotações, terá
condições de analisar, retomar e aperfeiçoar (com os alunos) o processo. Ressalte-
3 Maria Amélia Santoro Franco. Pedagogia da Pesquisa-ação. Universidade Católica de Santos. http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a11v31n3.pdf Acesso 16 maio 2008.
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se, por isso, o caráter da pesquisa-ação crítica: suscitar uma praxis4 reflexiva,
coletiva, formativa e emancipatória.
Que tal, portanto, um bastão5 nas mãos da criançada da 5ª série!
Figura 02
Isto mesmo! Não precisa ser tão grande. Esse tipo de material – madeira -
encontra-se nas marcenarias ou nas fábricas de móveis. Para especificar melhor: é
interessante que os bastões tenham comprimentos totalmente diferentes, maiores de
30 cm e que sejam um prisma de base quadrada, medindo 1 cm de aresta. Será
aconselhável que o professor providencie o material, emprestando um bastão para
cada aluno. Cada aluno colocará o nome no “seu” bastão. Ao término de cada aula
os bastões serão recolhidos e guardados num local adequado. No final de toda a
atividade os bastões serão pintados com uma cor clara por alguém, algum voluntário
ou pelo professor e estarão prontos para o novo ano, para novos alunos.
Organizados os bastões, faz-se a sala inteira, medir. Anotam-se no caderno
alguns itens para tanto:
1. O comprimento do quadro-escolar: (não vale usar o dedo para marcar os
bastões. Utiliza-se o lápis. Não faz mal rabiscar o quadro-escolar, a janela, a porta e
etc. Existem sujeiras muito piores);
2. O comprimento da carteira: (haverá aquele aluno que confundirá o
comprimento com a largura: “professor, como é o comprimento da carteira?”);
3. A altura da porta: (Nesta altura haverá alguém que poderá levantar esta
situação: “como vou registrar o comprimento da carteira?” Foi o aluno que teve um
tempinho para fazer a experiência na sua carteira. Com o quadro-escolar não dava
para fazer o mesmo, pois estava distante dele. “Como vou medir se o bastão não tem
4 De acordo com o senso comum, se refere ao prático. Segundo as pesquisas de Vasquéz, o próprio ‘prático’ está carregado de inúmeras versões. Dentre elas, prático sinaliza o “utilitário: o ato ou objeto que produz uma utilidade material, uma vantagem, um benefício” (1977, p. 12). Não é sensato permanecer (com o conceito de práxis) sob esse aspecto. Corre-se o risco de, segundo Vasquéz, não
percebê-la, sobretudo em algumas de suas formas – o trabalho, a atividade política, etc. – em toda sua dimensão antropológica, gnoseológica e social. Ou seja, não consegue ver até que ponto, com seus atos práticos, está contribuindo para escrever a história humana – como processo de formação e auto-criação do homem – nem pode compreender até que grau a práxis necessita da teoria, ou até que ponto sua atividade prática se insere numa práxis humana social, o que faz com que seus atos individuais influam nos dos demais, assim como, por sua vez, os destes se reflitam em sua própria atividade (Vasquéz, 1977, p. 15).
5 Segundo a Enciclopédia e dicionário, editado pelas Edições Delta, bastão é um longo pedaço de pau redondo, que se pode segurar na mão e que serve para diferentes usos.
7
as marcas dos centímetros e dos milímetros?” Mais um detalhe: esse aluno teve a
coragem de perguntar. Os alunos mais tímidos, mas que têm certa afinidade com os
procedimentos matemáticos, já terão rabiscado o bastão, colocando nele os
centímetros);
4. A largura de um vidro da janela: (geralmente, menor que o bastão).
Por enquanto, quatro situações, bem díspares, são suficientes. São ações
planejadas na qual eles encontrarão “dificuldades” no registro, ou seja, com este
instrumento (o bastão), como escrever o comprimento do quadro-escolar? A lousa é
grande e, por isso, cabem nele diversos bastões; a carteira exigirá apenas um
bastão; a altura da porta e o vidro (tomado no sentido vertical) querem imprimir mais
crise na ação. O problema está em “como registrar essas medidas?”
Será a hora de incentivá-los a terminar a tarefa. Se necessário, será prudente
dizer algo como: “se deu um bastão e alguma coisa”, escrever, exatamente, “isto que
você observou!” “Mas, para mim, não deu nenhum bastão inteiro, ocupou somente
um pedaço do bastão”, dirá alguém! Simplesmente, responda, “escreva isto que você
coletou!” Aquele que já domina, sensatamente, a régua insistirá em dizer que “será
preciso colocar no bastão os centímetros e os milímetros”.
Mesmo diante de tantas dúvidas e certa ansiedade, colhem-se algumas
respostas. Organiza-se o quadro-escolar em quatro partes (por causa das quatro
atividades) e registre-se (de preferência, através dos alunos) as suas respostas.
“Quanto mediu o comprimento do quadro-escolar?” As possíveis respostas serão: “14
bastões e um ‘tanto’” (O problema é esse um ‘tanto’); “12 b e um pedacinho do
bastão” (alguns escreverão a palavra bastão somente com o “b”, assim como se
convenciona escrever metro somente com “m”. Incentiva-se esse procedimento); “15
bastões e três dedos”; “16 bastões e meio”. Dá-se muita importância a este “meio”,
pois, é através dele que o conteúdo tomará sentido. Observe que as possíveis
respostas abrangendo o “meio” serão: “13 b e meio”; “14,5 b” (muitos alunos já
dominam os números decimais e, portanto, sabem que meio se escreve assim); “15 b
e ½” (alguns alunos têm noção de como se escreve meio utilizando uma fração) e
poderá aparecer a dimensão registrada corretamente: “14 ½ b”. O suspense continua
no ar, mas frisa-se que alguns conseguiram registrar a medida solicitada. Não se
apaga o quadro para que, na seqüência, se discuta a forma correta de registro e se
conclua o assunto.
Tomam-se algumas respostas quanto ao comprimento da carteira. Será mais
fácil que nessa atividade surja a medida “meio”. Verifica-se a possibilidade de alguém
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ter um registro diferente daqueles que já apareceram na atividade anterior. Se isso
ocorrer será interessante que ela seja colocada no quadro para posteriores
discussões.
Ao se verificar as medidas da altura da porta será interessante ressaltar a
diferença entre as medidas. Por que as medidas da altura da porta são tão diferentes
se a porta é a mesma? Qual será a razão dessa diferença? Imediatamente, os
alunos concluirão que o motivo está na diferença entre os bastões. O professor fará
novas perguntas: um sistema de medidas como esse vingaria na sociedade atual?
Existem sistemas de medidas diferentes? Depois dessa experiência tão rudimentar
de medir, quais aspectos distinguem as sociedades antigas e a atual?
Uma vez terminada a aferição das ‘dimensões’ (esse termo, também, deverá
ser utilizado pelo professor) da largura do vidro, deverá ser a hora de parar a aula
para contar o “segredo” do que aconteceu até o momento. Com certeza, se o
processo for conduzido com serenidade, apesar da ansiedade, os alunos, nesse
instante, estarão dispostos a ouvir. Não é hora para se falar muito. Sucintamente, o
professor dirá para a turma que “essa aula foi a reprodução de um dos momentos
dos primórdios da humanidade”, quando os indivíduos já viviam em grupos e tinham
a necessidade de medir, passar essa informação para uma pessoa, vizinho,
comerciante e tinham que registrar a medida. Certamente, “dessa forma, com um
bastão muito rudimentar, não tão bonito como esse, os homens mediam as suas
terras, as cordas, os tecidos, as edificações e etc”. Atenção: os homens tiveram,
também, outros instrumentos para medir como, por exemplo, pé6, braça7, côvado8,
vara9, palmo10, légua11, milha12. Pesquisar sobre todas essas e outras medidas, de
apenas uma dimensão, é estimulante. Somente com essas sete medidas citadas, dá
para formar 7 grupos e cada um terá um dia, com minutos determinados, para
apresentar, de forma mais original possível, o seu instrumento de medida.
Retomando-se o “bastão”, conversa-se com os alunos, como deverá ter sido
atrapalhada a convivência dos antigos, quando esses tinham que negociar, enfim, se
relacionar com alguém, utilizando o bastão e, acrescentar, que os bastões não eram
iguais. Vários eram os fatores dessa discrepância. A maioria vivia em conflito por
6 Unidade de medida linear anglo-saxônica, equivalente a cerca de 30, 48 cm do sistema métrico decimal. 7 Antiga medida de comprimento, equivalente a 2,2m. 8 Antiga medida de comprimento correspondente a 66 cm. 9 Antiga medida de comprimento, equivalente a 1,10m10 Medida de distância que vai da ponta do polegar à do mínimo, estando a mão estendida. Medida correspondente a 22cm.11 Medida de extensão equivalente a 6km.12 Medida com duas versões: terrestre, equivalente a 1609m e marítima, de igual valor a 1852m.
9
causa da terra. Terra significava morada, pastagem, comida, água, e assim por
diante. (O que não é e não será muito diferente no mundo atual.) Em conversa com
professores de outras disciplinas, alguns alunos poderiam trazer para um momento
determinado da aula, diferentes conflitos que existem e existirão na face da terra.
Como o objetivo dessa proposta será tratar com atividades que contemplem
os aspectos conceituais (saber), procedimentais (saber fazer) e atitudinais (ser), já se
está num momento em que dá para extrair os três aspectos, conforme a Tabela 01, a
seguir:
Tabela 01: Tratamento dos três aspectos num primeiro momento
Aspectos
conceituais
(saber)
Procedimentais (saber fazer) Atitudinais (ser)
Resgatar a
história
das
medidas;
Descobrir
e
confrontar
padrões
de
medidas
diferentes.
Manusear, medir (mesmo de forma
rudimentar) com o bastão;
Registrar no quadro-escolar as
diferentes respostas;
Refletir sobre as dificuldades vividas
pelos antigos quando se tratava de
medir, registrar a dimensão e passá-la
adiante;
Comparar, de forma intrínseca, o
sistema métrico com os diversos
padrões da antiguidade.
Retomar, respeitar os
“combinados” da turma;
Provocar ansiedades,
conflitos;
Desenvolver mecanismos
para controlar a ansiedade;
Saber colocar-se diante de
uma leitura da história, da
evolução, das conquistas
dos antigos;
Experimentar, conhecer,
conviver com o
desconhecido.
Ter preenchido tão rapidamente os elementos que contemplam os aspectos da
proposta, parece tão elementar! O problema é que, nem sempre se dá o devido valor
para cada um dos aspectos, ou seja, geralmente, valoriza-se, tão somente, o
conceitual e perdem-se oportunidades para suscitar “procedimentos”, pois, “há
inteligência ali onde cada um age, narra o que ele fez e fornece os meios de
verificação da realidade de sua ação” (RANCIÈRE, 2005, p. 55). E, por fim, muito
importante diante dos quadros atuais de violência, indisciplina, motivação, auto-
estima, o aspecto atitudinal. Este último, sem dúvidas, o mais difícil, mas o mais
1
compensador, de resultados surpreendentes para o professor, aluno, escola, enfim,
para a sociedade.
Voltando-se à sala de aula, os bastões continuaram diferentes no
comprimento, por muitos anos. Os povos evoluíram, fizeram novas descobertas e o
bastão não ficou para traz. Para continuar, desafia-se a turma com a seguinte
indagação: como os antigos escreviam catorze bastões e meio? Atenção: ainda não
existiam os números decimais, portanto, estava descartada a possibilidade de isso
ser escrito como 14,5b. Caberá, aqui, se já não foi feito, uma pesquisa sobre os
números decimais. Ou, pelo menos, fazer uma pequena observação sobre os
mesmos para que não permaneçam dúvidas. Nesse momento o professor agradece
aos alunos que expressaram (que escreveram no quadro-escolar) a escrita dessa
forma (14,5b), ressalta estar correta, mas que nesse momento interessa saber como
eles (os antigos) escreviam essa medida. Outro detalhe: escrever por extenso
poderia ser uma forma, mas, se os povos evoluíram, eles não permaneceram
escrevendo, por exemplo, vinte e três. Todas as culturas criaram símbolos para
expressar seus valores e isso não foi diferente com a história do bastão. E então,
como escrever catorze bastões e meio ou, mais simples, “um bastão e meio”? (A
carteira do aluno A mede, por exemplo, “um bastão e meio” de comprimento)
Aluno “Q” nº 28
um bastão inteiro
Figura 03
Aluno “Q” nº 28
e meio
Figura 04
Percebe-se que o “meio” que se quer saber como se escreve, não está
marcado no bastão (conforme a Figura 04). Está-se diante de duas novidades que
precisam emergir e serem compartilhados com a turma.
Com certeza, alguém terá escrito o “meio” da forma correta nas respostas das
atividades que já foram discutidas e escritas, inclusive, no quadro-escolar. É hora de
retomar as respostas que já estão no quadro-negro. E, se a resposta não saiu ainda?
É preciso desafiá-los novamente, através de algumas pistas, sobretudo, porque eles
já tiveram noções das frações nas primeiras séries do Ensino Fundamental.
1
As respostas por extenso que foram escritas no quadro-escolar estão
descartadas. As respostas com números decimais, também, já foram discutidas.
Restam poucas alternativas. O aluno que escreveu de forma correta (½) vai se
manifestar e a sala inteira estará muito atenta para ouvir o seu depoimento, os seus
argumentos. O aluno já sabe, também, que o professor vai lhe perguntar, por que,
com símbolos, “meio” se registra dessa forma. Caso a ansiedade deixe o colega
embaraçado, é conveniente que seus colegas, em ordem, também dêem a sua
opinião: “se o bastão for dividido em duas partes e a gente necessitar de uma, isso é
registrado dessa forma: ½”. “O número de baixo sempre nos dirá em quantas partes
o inteiro foi dividido e o número de cima, quantas partes do inteiro a gente pegou”,
acrescentará o coleguinha.
Sempre desafiando os alunos, o professor perguntará, agora: como este
número é denominado? A maioria lembrará que são as frações. Sem pestanejar, vai
outra pergunta direta: “por que frações?” “Porque ‘parte’ de um todo; parte significa
fração; é um número que representa uma ou mais partes da unidade, do inteiro que
foi dividido em partes iguais”, dirá o colega B. Não é interessante somente ouvir
esses conceitos dos alunos. Deve-se dar muito valor, mandá-los repetir diversas
vezes e de maneiras diferentes, esse conceito. Solicitar que vários colegas refaçam o
mesmo raciocínio, reforça a clareza com que os conceitos devem surgir e se
confirmar na sala. Do contrário poderão surgir dubiedades que depois são difíceis de
serem erradicadas como, por exemplo, o que Silva13 na sua dissertação de mestrado
prevê,
devido ao fato de o número fracionário ser de natureza diferente da dos números naturais. Ele não surge simplesmente de um processo de contagem, mas sim de um ato de partição de ‘algo’ que se toma como um inteiro, o que leva as crianças a interpretarem as frações como um par de números naturais e não como um único número que também representa uma quantidade.
É preciso resumir, sintetizar, parar durante a aula para dizer: “assim
nasceram/surgiram as frações!” Pelo menos, essa pode ser uma das versões sobre o
surgimento das frações. Silva quando trata dos obstáculos epistemológicos quanto a
representação simbólica das frações destaca que “a representação usada hoje foi
conquistada depois de séculos e a partir das representações individuais de cada
povo. Chegar a uma única representação, que não fosse ambígua, não foi uma
conquista simples.”14 Ao fazer esta breve análise epistemológica “procurando 13 Maria José Ferreira da Silva. http://www.pucsp.br/pos/edmat/ma/dissertacao_maria_jose.pdf Acesso em: 10 jun 2007.14 Maria José Ferreira da Silva. http://www.pucsp.br/pos/edmat/ma/dissertacao_maria_jose.pdf Acesso em: 10 jun 2007.
1
detectar os momentos da história que foram representativos no desenvolvimento
geral desse conceito”15, Silva afirma: “Com certeza, a metrologia, a divisão de bens e
o quociente entre inteiros utilizado por diferentes povos originaram e provocaram o
desenvolvimento das frações em diferentes épocas.”16 Foi pela necessidade de se
expressar através de símbolos, que surgiram as frações. “Eis a história das frações”;
“acaba-se de representar o surgimento das frações,” dirá o professor.
Caberá ao professor convocá-los para registrarem, nos seus cadernos, esta
importante redescoberta e salientar que, não terá sido de uma hora para a outra que
os antigos começaram a registrar “meio” como ½. Nem se pense que os antigos
sabiam que estavam inventando as frações. O termo frações surgiu... Bem, estaria aí
mais uma oportunidade para se fazer uma nova pesquisa: “quando surgiu o termo
‘frações’”? Dá-se um tempo, alguns minutos, para que os alunos elaborem um
pequeno texto, registrando o que foi visto até o momento. Depois, solicita-se que
pelo menos dois colegas exponham para a classe inteira, o que anotaram. Incentiva-
se os alunos para relatarem toda a experiência aos seus pais a fim de envolvê-los na
caminhada.
E, o que deverá ter acontecido com o bastão? Os alunos, diante da
possibilidade de poderem participar, dirão que o “meio” não foi escrito no bastão, mas
foi marcado. O bastão recebeu uma primeira alteração. Imagina-se que esta marca
foi feita com as espadas, com os instrumentos cortantes, já bem evoluídos, daquela
época. Um pequeno sulco, mais ou menos no meio, marcava o “meio” do bastão.
Mais ou menos no meio, porque não havia nenhum instrumento preciso naquela
época. Dir-se-á, que a marca foi feita na base do “olhômetro”.
Solicita-se aos alunos que façam a mesma marca no bastão de cada um. Para
atingir, exatamente, o meio (conforme a Figura 05), que seja utilizada a régua, afinal,
os tempos são outros. Será aconselhável que essa marca não seja feita com caneta.
A tinta clara, que no final das atividades cobrirá os trabalhos do ano, não cobre as
marcas da caneta. A grafite não causa problemas.
Aluno “Q” nº 28
Figura 05
Será conveniente, também, que os alunos escrevam no próprio bastão ½
(conforme a Figura 06).
15 Ibid.16 Ibidem.
1
Aluno “Q” nº 28 ½
Figura 06
Escrever ½ no bastão não pode ser em qualquer lugar. O bastão sofrerá
diversos acréscimos. Portanto, será adequado que ele seja escrito junto à linha que
determina o meio do bastão. Sugere-se, ainda, que seja do lado esquerdo e,
justamente, do mesmo lado onde o aluno escreveu o seu nome, por causa dos
registros que virão.
Proponha-se, da mesma forma, que se discuta a leitura da fração ½ . Afinal,
lê-se “meio”, “um meio” ou “um e meio”?
“Meio” e “um meio” se referem à mesma quantia ou à mesma fração: ½. “Um e
meio” (1 ½ ) não tem o mesmo significado de “meio” ou “um meio” (½).
Com o bastão prontinho, superada esta primeira etapa (atenção: já surgiu uma
outra novidade, que não foi falada ainda, 1 ½ é um número misto. Ver-se-á isto
depois.) solicita-se uma nova atividade aos alunos. Eles, agora, terão que medir
outros quatro objetos da sala para confirmar, ou não, o grande avanço que se
estabeleceu sobre o bastão. Pede-se aos alunos que novamente anotem as
atividades:
l. A altura do quadro-escolar:
2. O comprimento de um vidro da janela:
3. A largura da mesa do professor:
4. A largura do livro de matemática17:
Desde já, será natural que, para alguns alunos, a divisão do bastão ao meio
terá resolvido pouco. Mais especificamente, será difícil que alguma dessas tarefinhas
acima tenha se encontrado dentro do padrão de algum bastão. A maioria chegará
próximo, não mais do que isso. Será importante que o professor tome, rapidamente,
as medidas dos itens acima, para valorizar o que eles fizeram. Eles serão unânimes
em afirmar que pouco terá resolvido, para os dias de hoje, a evolução dos antigos.
Para a época, terá sido um significativo avanço. Valoriza-se as medidas dos alunos
em que o bastão serviu como padrão de medida. Registra-se no quadro as suas
respostas para futuras discussões.
17 Esses itens que compõem a atividade devem ser de acordo com a realidade de cada escola.
1
O professor, também, deve fazer uma pausa e verificar como está a acontecer
o seu trabalho. Os objetivos que foram predeterminados para as atividades até esse
patamar foram atingidos? Analise-se a Tabela 02:
Tabela 02: Aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais num segundo momento
Aspectos conceituais (saber) Procedimentais
(saber fazer)
Atitudinais (ser)
Perceber a lenta, mas
contínua evolução do bastão;
Ressaltar a descoberta do
“meio” ou ½ para expressar
uma quantidade e/ou uma
medida;
Registrar “meio” utilizando os
símbolos “½”;
Diferenciar ½ (fração) de 0,5
(decimal);
Revisar os números decimais;
Valorizar os registros
colocados no quadro-escolar;
Definir ½ como uma fração:
parte do todo;
Relacionar o termo “parte” ao
termo “fração”;
Conduzir com clareza cada
etapa das descobertas dos
números fracionários como,
por exemplo, ¾ é um numeral
formado por dois números
naturais (3 e 4), mas
representa apenas um valor,
uma medida, uma quantidade,
um quociente, uma razão;
Proporcionar uma versão da
origem das frações;
Posicionar os
símbolos (os
algarismos) para
que eles
expressem o termo
“meio”;
Escrever “meio” ou
“um meio” diferente
de “um e meio” (1/2
≠ 1 ½);
Utilizar a régua,
instrumento do
sistema métrico,
para encontrar o
“meio”;
Sinalizar no bastão
“meio” ou “um
meio”;
Escrever no bastão
½;
Fazer anotações,
registrar as
descobertas, os
avanços e as
dificuldades no
decorrer do
processo;
Refazer raciocínios,
Saber ouvir: deixar os
colegas manifestarem, com
liberdade, a resposta, a
concepção que têm sobre o
assunto;
Respeitar os mais diferentes
resultados das atividades
traçadas;
Valorizar a lógica, o óbvio
nas conclusões, no
encaminhamento das aulas;
Criar na sala um “clima de
desafio”, isto é, provocar,
instigar;
Auxiliar o colega na
exposição dos argumentos,
das opiniões pessoais e nas
explicações necessárias;
Incentivar reelaborações e a
conseqüente partilha dos
assuntos em pauta;
Aplaudir, parabenizar, apoiar
as manifestações dos
colegas;
Elevar a auto-estima dos
alunos através de elogios,
desafios, novos objetivos,
novas descobertas,
1
Instigar a busca pela origem
do termo “frações”;
Elaborar um texto para que
seja partilhado entre os
colegas e a família,
descrevendo as descobertas
do conteúdo até o presente;
Determinar e escrever ½ no
bastão;
Adicionar ao termo “meio” a
expressão “um meio”;
Diferenciar “meio” ou “um
meio” de “um e meio”;
reelaborar
conceitos e expô-
los ao grande
grupo;
Elaborar registros
teóricos que
possam ser
compartilhados
com a família;
Utilizar o bastão
para novas
medições visando
verificar e comparar
a evolução dos
antigos.
continuada participação, etc.;
Utilizar o bastão sem malícia,
sem causar constrangimento
a nenhum colega;
Colher, através dos alunos,
as diferentes reações da
família quanto a elaboração
e partilhamento dos textos
sobre as atividades
desenvolvidas até o
presente;
Buscar novas informações
sobre as frações através dos
meios disponíveis.
Ter consciência de que se pode controlar os fatores que se elegeu para
fundamentar o processo ensino-aprendizagem é de suma importância. Afirmar que a
trajetória deve ser avaliada constantemente é outro elemento básico. Quando se
deve parar para analisar o viés escolhido é uma questão pessoal. Quando alguns
aspectos não estão de acordo, retomar é a medida mais segura, a fim de se
permanecer nos objetivos estabelecidos. O equilíbrio, portanto, dos elementos que
compõem a trilogia proposta por esta intervenção acontecerá de acordo com o grau
de perspicácia do proponente.
Pelo processo que já aconteceu – de repartir o bastão – não será difícil que a
sala logo conclua que a próxima inovação tenha se dado na divisão do bastão em
quatro partes. Assim, convida-se a turma para dividir o bastão em quatro partes
iguais (conforme a Figura 07), ou seja, dividir os dois “meios” no meio:
Aluna “Q” nº 28 ½
Figura 07
Por ora, já dá para perceber a dinâmica da proposta. Não será difícil imaginar
quanta criatividade se desencadeia a partir da utilização do bastão como meio para
as diversas aplicações dos números racionais.
1
Encarar o ensino-aprendizagem das frações dessa maneira é muito mais que
pensá-lo como um simples conteúdo. De acordo com os escritos de Zabala,
“devemos nos desprender dessa leitura restrita do termo ‘conteúdo’ e entendê-lo
como tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que
não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais
capacidades” (Zabala, 1998, p. 30). Trata-se de se explicitar, também, o que se
costuma chamar de currículo oculto. Portanto, na concepção de Zabala, “também
serão conteúdos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o
desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relação interpessoal e de
inserção social” (Ibidem).
Essa clareza manifestada anteriormente remete a uma avaliação pertinente.
Não têm lugar nesse contexto as provas contendo uma série de puros exercícios e o
conceito bimestral não se limita a uma média aritmética dos resultados de algumas
atividades escritas. Trata-se de conceber a avaliação conforme as afirmações de
Luckesi, “um constante olhar crítico sobre o que se está fazendo” (2005, p. 117). Se a
proposta denota uma praxis abrangente e bem planejada, seus resultados deverão
conter todos os aspectos do mesmo viés.
3. ANÁLISE DOS DADOS
Trabalhar com as quintas séries para alguns professores é um, verdadeiro,
desafio. A maioria dos alunos terá passado diversos anos ou desde o prezinho na
mesma escola, assim como, terá tido uma única professora em cada série. Quando
ingressa na quinta série, logo percebe que terá de conquistar, se adaptar a, pelo
menos, nove professores, de características afetivas e profissionais bem diferentes.
Se granjear uma professora já representou uma dificuldade, imagine-se, em poucos
dias, ter que iniciar uma relação ‘estável’ com um plantel de profissionais! Sem
esquecer que está tendo que enfrentar, desde o novo período, um itinerário diferente
até a escola; não é mais o foco das atenções quando era o maior da turma na última
série; agora pertence aos recém-chegados e que muitos colegas já não são mais os
mesmos. Esses aspectos, do ponto de vista da pesquisa-ação, são fundamentais,
pois requer reciprocidade. Até que ponto passou pela cabeça do professor olhar esse
aluno com todos esses atributos? Que ações estarão reservadas aos “pequeninos”, a
pensar-se no assentamento dos mesmos, a fim de que possam iniciar o processo de
1
lançamento das suas raízes e de reencontrar as suas formas de ligar os
acontecimentos da nova série com as bases lançadas nas séries anteriores?
Assim sendo, o ano começou com atividades que favorecessem a
aproximação dos alunos com os alunos, assim como, dos alunos com o professor ou
vice-versa. A estratégia utilizada contou com a presença, constante, de ações muito
práticas e reflexivas, tais como, o reconhecimento das formas geométricas espaciais,
planas e o contorno/perímetro, numa perspectiva de evolução. Não demorou muito
para aparecerem algumas lacunas: com facilidade os alunos se atropelavam nas
atividades que instigavam a participação. Todos queriam falar ao mesmo tempo. E,
mesmo que alguém estivesse com a palavra, a intromissão de algum colega era
constante. A polarização das discussões também se fez sentir: os mais extrovertidos
participavam em todos os momentos. Quando não participavam, estavam envolvidos
com alguma atividade que não fosse da disciplina. Os introvertidos permaneciam
calados: alguns por negligência (?), outros por timidez e outros acometidos pelo
devaneio. A necessidade de negociar limites e atitudes foi uma constante.
Especificamente, a descoberta das frações através do bastão foi algo inédito
para os alunos participantes dessa intervenção. Na verdade, constata-se que eles
tinham poucos conhecimentos sobre algum instrumento que fosse utilizado pela
humanidade como meio para manifestar uma dimensão. Ou, será que haviam sido
despertados para a necessidade de que nas relações entre os seres humanos eles
haveriam de ter que comercializar, definir fronteiras e etc? As poucas manifestações
a respeito de possíveis instrumentos de medidas recaem sobre a milha e a légua (em
função dos filmes), o metro e alguns citam (mesmo sem nada entender) a polegada
(“meu pai comprou uma TV de ‘tantas’ polegadas). O bastão serviu não apenas para
o entendimento de como a fração surgiu como abriram-se os entendimentos de como
os primeiros instrumentos de medir se originaram, quais foram as causas, como se
distinguiram entre os demais, por quem foram utilizados, até que período da história
permaneceram em vigor e etc. Em outras palavras, manusear o bastão, redescobrir
a sua história, recompor os passos dos antigos, trouxe uma visão interessante da
‘futura’ polegada, assim como, das aplicações das frações.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o princípio dessas anotações averigua-se os efeitos da adoção de uma
dimensão aplicada, atraente, significativa, planejada, conceitual, procedimental e
1
atitudinal para com as frações. Por causa da pesquisa-ação crítica, da imersão no
campo real dos alunos, a fim de emergir com eles, os resultados começam a
manifestar as transformações planejadas. Frações e especificamente os algarismos
½ (meio), despertados por procedimentos determinados, assumem características de
um conceito ‘interessante’, extraídos de uma ‘experiência’ e de uma ‘discussão’
coletiva, cujas conclusões não foram colocadas no quadro-escolar, nem tão pouco
‘faladas’ pela coordenação do processo, mas oriundas dos alunos, agora,
interessados na sua nova concepção. Meio ( 21 ) é meio, metade ou ‘um meio’ não
porque se tinha que pintar essa quantia de um retângulo, mas porque manifesta as
partes iguais de um conjunto (nesse caso) com dois elementos; porque pode ser uma
razão, “um está para dois”; porque representa um quociente (0,5); porque denota
uma grandeza contínua; porque reproduz uma medida (foi utilizado meio quadro-
escolar); porque pode ser parte de um número (1/4 de hora, ou seja ¼ de 60
minutos); porque pode indicar uma porcentagem (50%); porque pode ser a
probabilidade de se obter um dos lados de uma moeda (cara e coroa) e está
presente no cotidiano das proporcionalidades, principalmente, da culinária. Todos
esses aspectos, porém, tomaram sentido, em virtude da forma como foram
planejados e sob o olhar atento para uma constante retomada das atitudes: tudo
pode ser quando o coletivo entende ser possível questionar para mudar, para
acrescentar, para “ser” melhor.
A descoberta final de que a polegada (apesar de ser uma medida muito mais
utilizada pelos americanos) sintetiza o bastão e de que todos os aspectos inerentes
aos algarismos ½ (um e dois) deram às turmas novas possibilidades, novas luzes,
sobre como a humanidade constrói e organiza o seu conhecimento e a sua ampla
aplicação na sociedade, determinou diferentes e novos estímulos na busca por
leituras e maior empenho nas demais disciplinas.
A opção por um trabalho desenvolvido dessa maneira evidencia a pouca
quantidade de horas-aulas da matemática na grade curricular. Se a escola oferece
25 aulas semanais, em 92% delas a língua portuguesa estará, automaticamente,
presente. A matemática possui uma linguagem própria. Não será justo que seja
revisto o seu espaço, o seu tempo, a sua dimensão, visto a sua imensurável
importância?
Os livros didáticos são interessantes, mas não têm alma. Dependem da vida
que lhe será dada pelas faculdades do professor. Em outras palavras, é necessário
1
um planejamento muito além das linhas traçadas pelos manuais e que garanta o
dinamismo e a efervescência da geração atual. Será que os educadores planejam
suficientemente as suas aulas?
O planejamento minucioso das aulas, o que soa um paradoxo, é comparável
aos cuidados e as execuções de uma grande orquestra sinfônica. Qualquer tema, em
sala de aula, deve merecer, igualmente, todos os cuidados, deve estar bem afinado e
irradiar toda a harmonia. Caberá, portanto, ao professor, saber onde deve chegar,
pois topará com o imprevisível, com as mais diferentes perguntas, desafios, apatias e
resistências dos alunos. Deverá, igualmente, surpreender, além de, estar preparado
para as adversidades da aula. Será que os educadores têm conhecimento
metodológico capaz de garantir em suas aulas atividades conceituais,
procedimentais e atitudinais?
A formação continuada é, realmente, o pano de fundo de toda a dinâmica que,
cotidianamente, acontece em sala. Ela garante (teoricamente) novas leituras, novas
bases disciplinares, intercâmbios, enfim, uma gama de opções, de onde emergirão
as melhores possibilidades de relação com o conhecimento e, por conseqüência,
com os alunos. Até onde essa clareza reside no âmago dos responsáveis pela
educação ou onde se apóia o educador para organizar as suas aulas?
Ao se propor um viés alternativo, as expectativas de todos se elevam. A partir
de uma pesquisa-ação crítica, elevar é, justamente, o objetivo maior de todo o
processo. Significa executar a trilogia que embasa qualquer conteúdo: busca-se, no
coletivo, um conceito, intermediado por procedimentos significativos e uma constante
discussão/análise das atitudes oriundas de todas as manifestações, sejam elas
individuais ou coletivas. Diante da grandeza dessa mudança, o educador tem noção
das dimensões da sua ação em sala de aula?
O professor, ao sentir-se membro coadjuvante das transformações que são
possíveis (nem sempre é interessante que seja protagonista), poderá, diante de
séries diferentes, a fim de melhor quantificar as hipóteses levantadas, experimentar
duas linhas de ação: uma de acordo com um planejamento perspicaz e outra, linear,
de acordo com as instruções dos manuais didáticos impressos pelas editoras do
país.
Bem, ao que tudo indica, um longo caminho se descortina. Não para que o
dia-a-dia confunda ainda mais a trajetória do educador, escondendo-se entre as
dobras da própria cortina, mas porque, novamente, os atores (educadores) são
seres, que juntamente com os demais, constroem a si e aos outros.
2
6. REFERÊNCIAS
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2
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2