A REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA DO PODER … pesquisador defende a ideia de que a imagem pode nos...
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A REPRESENTAÇÃO IMAGÉTICA DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPRENSA REPUBLICANA BRASILEIRA
(1889-1930)
Khyara Gabrielly Mendes Fontanini1; Alberto Gawryszewski2
Resumo: As imagens são novos meios pelos quais os historiadores pesquisam sobre determinados assuntos, em épocas definidas. Essas representações durante um bom tempo foram rarefeitas fontes historiográficas, devido a não atribuição de caráter oficial. Contudo, hoje, essas análises podem nos revelar novos aspectos sobre os objetos de estudo, construindo ou desconstruindo noções e identidades. A partir deste pressuposto, buscaram-se diversas revistas e jornais brasileiros, publicados entre os anos de 1889 a 1930, no intuito de encontrar imagens que revelassem a noção imagética da representação do Poder Judiciário. As revistas, semanários e jornais pertencem ao período republicano. Alguns desses periódicos foram publicados por mais tempo do que o estabelecido no recorte, já outros foram mais efêmeros. A principal imagem encontrada foi da deusa Themis (importante figura simbólica), além de figuras de tribunais, juízes e afins. As imagens foram destacadas e contextualizadas, para que ocorresse a comparação entre as fontes editoriais. Para tal trabalho, foi necessário compreender mais sobre as imagens e sobre o humor gráfico, diferenciando o que é cartum, charge e caricatura. Como referenciais teóricos foram utilizados Burke (2004) e Gawryszewski (2015). Palavras-chave: Imagem; Justiça; Humor Gráfico. Financiamento: Fundação Araucária
Introdução
Este trabalho foi desenvolvido no intuito de discutir a representação imagética do
Poder Judiciário na imprensa, no período compreendido entre 1889 a 1930. Para tanto,
foram utilizadas diversas revistas, jornais e semanários, nos quais se coletou as
1 Aluna do 3º ano de Graduação em História/UEL (período matutino) e Bolsista do Programa de Iniciação Científica – Área de Ciências Humanas: História - Instituição Financeira: Fundação Araucária (2014-2015). 2 Orientador: Dr. Alberto Gawryszewski – UEL/Professor do Departamento de História.
imagens em que houvesse representações sobre a “Justiça” como: a Themis, o
Supremo Tribunal Federal, o juiz, a balança, entre outros. O trabalho envolveu além do
processo de pesquisa e coleta de dados, o conhecimento sobre a imagem como fonte
histórica e as formas de serem analisadas. Uma discussão sobre a diferenciação entre
os conceitos de cartum, charge, caricatura e humor gráfico embasaram a investigação
realizada.
Entre as revistas pesquisadas, destaca-se “O Malho”, “O Gato” e “O Riso”. As
duas primeiras foram fonte de 71 (setenta e uma) imagens, já a terceira (O Riso) não
possuía conteúdos sobre o Judiciário, entretanto seu riquíssimo acervo foi fonte para
uma pesquisa paralela3 sobre a questão do riso, da sexualidade e dos costumes.
Objetivos
Relacionar o ideal do periódico consultado com as imagens produzidas;
Verificar se existe diferença na linguagem visual utilizada pelos periódicos;
Compreender como a Justiça (Poder Judiciário) foi representada nas imagens
com o decorrer do tempo e quais as formas usadas;
Verificar a importância do cartum, da charge e da caricatura como evidências
históricas;
Demonstrar as separações possíveis entre as diferentes caricaturas e charges
(cômica, política, ideológica, social etc.) frente à produção referente ao Poder
Judiciário;
Compreender e verificar a relação imagem/texto nas imagens consultadas.
3 FONTANINI, K. G. M. Uma Revista “Gozada”. Anais do V Eneimagem e II Eieimagem. Corpo e Sexualidades, volume 2, p. 65. Londrina, UEL, 2015.
Resultados
As imagens sobre a representação da “Justiça” foram buscadas por meio de
técnicas de pesquisa documental (não oficial). O uso da imagem como fonte histórica
tem sido um campo novo e abrangente de pesquisa, tendo como um dos principais
teóricos Peter Burke. Esse pesquisador defende a ideia de que a imagem pode nos
mostrar avanços na história das mentalidades e da vida cotidiana, por exemplo.
Os exemplares das revistas foram folheados online, por meio do acervo digital
dos periódicos que se encontra disponível no site da Fundação Casa de Rui Barbosa
(http://www.casaruibarbosa.gov.br) e no site da Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional (http://www.hemeroteca.bn.br), durante os anos de 2014 e 2015.
1 Conceitos de Caricatura e Charge
Segundo Gawryszewski pouco existe, ainda, de diferenciação teórica sobre os
tipos de humores gráficos, como: cartum, charge e caricatura. Pesquisadores de
diversas áreas preferem apenas descrever os conteúdos existentes nestes textos ou
discutir o riso e o humor, sem, contudo, discutir a diferença entre eles.
Ora podem existir diversos tipos de caricatura como a política, social, político-
social, de costumes, simbólica, entre outras. Um conceito único poderia correr o risco
de tornar-se muito restritivo em relação a esse universo de possibilidades ou
meramente generalizante caso não sejam feitas distinções.
A caricatura não deve ter como premissa unicamente o cômico visto que em uma
charge política esta questão esta mais centrada no autor e no leitor e a exibição de um
senso crítico talvez não sejam simpáticas a este último. Pode haver até mesmo certo
grau de agressividade. Também não deve prender-se a todo desenho em cujos traços
aja algum exagero visto que nem todo desenho em que há uma deformação seja uma
caricatura. Por fim também não podemos tomar como premissa que a caricatura seja
apenas feita a partir de figuras humanas, ela pode também basear-se em símbolos ou
naquilo que tomar por objeto, veja que nos casos que serão apresentados aqui a
caricatura é feita a partir da simbologia de uma deusa, portanto não é uma figura
humana (mesmo se assemelhando a uma) o que vale é a forma como serão
apresentados seus valores simbólicos.
Então como já dito nosso foco são nas charges em relação à justiça onde
podemos encontrar charges e caricaturas com figura da Themis. As charges não são
compostas apenas pela imagem em si, possuem também a parte escrita como
complemento que viabiliza um melhor entendimento da imagem. Como por exemplo, se
a Themis aparece desolada a legenda explica o porquê desta situação, se aparece
maltrapilha. O nosso imaginário já nos leva a ter uma ideia do que se trata, porém os
diálogos ou legenda tornam a imagem mais específica, reduzindo as possibilidades de
leitura ou não.
A Themis foi a imagem mais recorrente encontrada, tal figura pertence à
mitologia grega e é considerada a deusa da justiça, em sua mão direita aparece a
balança que representa a equidade nas decisões, já na esquerda encontra-se a espada
que significa a ordem ou a imposição daquilo que o direito deve garantir. Os olhos
vendados querem dizer que ela é imparcial tratando a todos como iguais. Nas charges,
toda essa representatividade é deturpada causando um efeito humor-crítico.
2 “O Malho” e “O Gato”
O Malho e O Gato foram os principais periódicos utilizados na pesquisa, os quais
contribuíram com um total de 71 (setenta e uma) imagens. Sobre “O Gato” foram
encontrados menos exemplares, porém nas edições dos anos de 1911 e 1912
encontram-se 17 (dezessete) figuras, sendo que em 9 (nove) estão presentes a figura
da Themis.
Segundo o site Fundação Casa Rui Barbosa, a revista “O Malho” teve sua
primeira edição publicada em 20 de setembro de 1902 e seu último exemplar em 1954.
O periódico foi fundado por Luís Bartolomeu de Souza e Silva e contou com uma
equipe de jornalistas, cartunistas e desenhistas. O Malho apresentava elementos da
cultura e dos costumes muito bem ilustrados, com imagens, fotos e charges. Quase
todas as edições apresentavam uma tablatura para piano e uma quantidade maciça de
propagandas. No entanto, o principal destaque era para a política, recheada por
charges e apresentada nas capas ou quadros específicos. Foram encontradas 54
(cinquenta e quatro) imagens, sendo que em 27 (vinte e sete) estavam presentes a
figura da Themis.
A maioria das charges apresentava questões judiciais entre os Estados ou
crimes e escândalos a serem resolvidos, além da representação da ineficácia ou
corrupção da justiça. Aqui destacamos algumas imagens referentes a este último caso.4
Imagem 1 - Ação Civil
5
Na imagem 1 “Ação Civil” encontrada na revista “O Gato”, observa-se um
cidadão sendo picado por uma serpente. Ele requisita à deusa Themis alguma
providência, contudo esta não se manifesta. Então, ele pega sua espada que é a
função a imposição daquilo que o direito deve garantir e corta a serpente. Despertando
para o caso, a Themis se levanta e reclama: “Mas quem foi que te encomendou o
sermão? E eu para que sirvo, e eu para que sirvo?!”. Assim, interpreta-se que, pela
lentidão da justiça, o cidadão passa a agir por conta e esta se faz, depois, de vítima da
situação. O cidadão sente-se na obrigação ou no direito de impor a ordem com as
próprias mãos. A Deusa por sua primeira negligência agora tem de se preocupar com
4 A titulação dada nas imagens é mera obrigatoriedade não sendo encontradas nas fontes originais, foram nomeadas de acordo com aquilo que é passível de ser entendido. 5 O Gato, 1912. Revista 31, p. 16.
duas questões a do próprio fato acontecido com o homem (ser picado pela cobra) e
agora a do roubo de sua espada, o que faze com o cidadão que encomenda o direito a
si mesmo usando a espada que na verdade não lhe cabe dispor.
Imagem 2 - Uma Themis de verdade
6
Em “Uma Themis de Verdade”, pertencente à revista “O Malho”, lê-se logo
abaixo da imagem: “Fazer da imparcialidade da Justiça uma verdade para grandes e
pequenos”. Na espada lê-se “Dura Lex Sed Lex” expressão em latim que significa “A lei
é dura, mas é a lei”. E em relação à balança na pedra menor está inscrito “nação” e na
maior7 “partidarismo”. Ora como poderia ser imparcial uma justiça que se apropria até
mesmo das medidas erradas, as formas de exclusão da opinião da nação faz com que
ela seja bem menor que o partidarismo. A política dos governadores controlava quem
chegava ao poder e tomava as decisões, as próprias fraudes na justiça eleitoral do
período faziam com que a nação fosse tão representativamente menor.
6 O Malho, 1906. Revista 206, p. 25. 7 “Partidarismo” é a segunda palavra, a que esta acima é ilegível.
Quanto à aplicação das leis “A lei é dura, mas é a lei” a de se considerar que tais
leis foram escritas a fim de legitimar a continuidade da ocorrência da alternação de
políticos escolhidos no poder, 1906 é o ano de transição do mandato de Rodrigues
Alves (1902-1906) para Affonso Penna (1906-1909) apoiado pelo sistema da política
dos Governadores.
O quadro todo de onde esta imagem foi destacada trata de dicas para o novo
presidente, sendo este o destaque para o caso da justiça, que ela trabalha-se
imparcialmente para grandes (políticos) e pequenos (a nação).
Esta é a charge completa encontrada8:
Imagem 3- Ao futuro presidente
Ainda na revista O Malho agora no ano de 1908 (imagem 4, logo a baixo) ainda
durante o governo de Affonso Penna foi destaque a imagem da Themis, ou seja, da
própria justiça em “maus lençóis”, sendo controlada pela politicagem, perdendo assim
seu senso. O Zé Povo, figura criada para representar a opinião pública, olha espantado.
Logo abaixo da imagem está escrito: “Descrição: Zé Povo manifesta seu espanto e o
seu horror ao ver a Vestal zarolha, que, embriagada pela cachaça da política, mette os
8 O Malho, 1906. Revista 206, p. 25.
pés na Lei, inconsciente do seu estado andrajoso e da sua espada corroída...”. A
política é o entorpecente da deusa, é o que a torna inconsciente de seu próprio estado
e cria uma dependência, a justiça embriagada pela política comete atos ínfimos que
revoltam a população.
Imagem 4 - Ilusão ou realidade artística9
10
Na imagem 5 da revista “O Gato”, esta talvez a mais vexaminosa, exibe uma
Themis prostituída, doente, sem fiscalização, bebendo e fumando nua à mesa. Talvez
por ser um dos estados mais distantes da fiscalização central, a tal senhora encontra-se
degenerada desta forma.
9 Não foi possível achar o quadro original 10 O Malho, 1908. Revista 311, p. 42.
Imagem 5 - Themis prostituída
11
A fala logo abaixo da imagem pertence à Themis, a qual diz: “Felizmente aqui,
meu caro amigo, não há quem possa metter o escalpelo nas minhas podridões
siphyliticas”.
Veja que a deusa é do sexo feminino, e não se espera de uma mulher “íntegra”
que esteja sentada à mesa do bar, bêbada e nua. Ela esta doente, doente de sífilis
nada nobre para uma mulher, mas ainda assim por meio de sua fala é possível
sustentar que em algum lugar alguém ainda trabalha por salvá-la. A imagem data de
1912, período que compreende o meio do mandato de Hermes da Fonseca.
Considerações Finais
11 O Gato, 1912. Revista 33, p. 21.
Raramente a Themis apareceu representada de forma íntegra ou realmente
praticando a imparcialidade, sua representatividade simbólica é como uma metáfora
que nos ilustra a imagem pouco motivadora da justiça neste período da República
Velha – lenta, imparcial, bêbada e prostituída e doente. Além disso, nas diversas outras
charges encontradas, pode-se destacar outros assuntos como conflitos entre os
Estados, além dos crimes não desvendados, o custo da máquina judiciária e da
corrupção. Tais assuntos, mesmo após cerca de um século, parecem funcionar da
mesma forma atualmente.
A charge possuiu suas facetas para promover essas críticas e simultaneamente
pode também promover o riso, a crítica, observações e figurações do imaginário da
época que dificilmente seria bem exprimido por outras formas. O desenho permite ao
chargista criar elementos e figuras que não são reais, mas que servem para representar
subjetividades, assim a charge encontra como seu principal efeito tratar de algo que só
pode ser constatado dentro do mundo dos fatos e não visto como algo palpável, é a
representação de criticas e ideias, tornam a inconformidade ao alcance dos olhos.
Referências
ALBERTI, Verena. O riso e o risível: na história do pensamento. Jorge Zhar Ed.2002. BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru: Edusc, 2004.
GAWRYSZEWSKI, Alberto. A representação imagética do judiciário na imprensa
republicana brasileira (1889-1930). Projeto de Pesquisa, 2014.
GAWRYSZEWSKI, Alberto. Conceito de caricatura: não tem graça nenhuma*.Domíneos da Imagem, Londrina, Ano I, N.2, P.7-26, Maio 2008.
KOSSOY, Boris. Fotografia e história, São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
SABILA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira: da Bellé Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Revista O Malho - http://www.casaruibarbosa.gov.br/omalho/?lk=15
Revista O Gato - http://www.hemeroteca.bn.br