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Relatório
A Reforma da Indústria de Gás na
Argentina
Rio de Janeiro, Agosto de 2004
Agência Nacional do Petróleo
Estudo para Elaboração de
um Modelo de
Desenvolvimento da
Indústria Brasileira de Gás
Natural
R. GARCIA CONSULTORES
Estudo para Elaboração de um Modelo de Desenvolvimento da Indústria Brasileira de Gás Natural
Contrato N°. 7039/03 – ANP – 008.766
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Conteúdo do Documento
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
Estudo para Elaboração de um Modelo de Desenvolvimento da Indústria Brasileira de Gás Natural
Contrato N°. 7039/03 – ANP – 008.766
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
Estudo para Elaboração de um Modelo de Desenvolvimento da Indústria Brasileira de Gás Natural
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I - SUMÁRIO EXECUTIVO
A Argentina, assim como a Holanda, é um dos países que apresenta os maiores
índices de utilização de gás natural na matriz energética. Sua participação na
mesma, como energia primária, é de aproximadamente 50%. No que se refere à
energia elétrica, a geração com base no gás natural representa 55% da potência
instalada e 27% das fontes utilizadas.
Como decorrência das reformas no setor de hidrocarbonetos, que tiveram lugar no
início da década de 90, a partir de 1998 o país passou de importador à exportador
de gás natural. O consumo interno atual do energético é de aproximadamente 86%,
enquanto o restante da produção é direcionada ao mercado externo, formado pelo
Chile (85%), Brasil (14%) e Uruguai (1%). A infra-estrutura para a exportação
permitirá à Argentina entregar, aproximadamente, 30% da sua oferta total de gás,
quase o dobro do que se faz atualmente.1
As principais reservas estão distribuídas em três bacias: Neuquina (55%), Austral
(22%) e a do Noroeste (20%). O nível atual das reservas é de 664 bilhões de m³ e a
produção anual é de 45,8 bilhões de m³. A relação reservas/produção diminuiu
significativamente nos últimos anos e é hoje igual a 14 anos.
A demanda interna é formada por usuários industriais (35%), centrais elétricas
(28%), residenciais (24%), GNC (7%), comerciais (3,5%), dentre outros. Tal
consumo apresenta um comportamento sazonal devido à demanda residencial para
aquecimento durante o inverno.
No que diz respeito à infra-estrutura de transporte, é importante distinguir a que se
refere ao transporte doméstico da que se presta à exportação. Os gasodutos de
transporte interno têm uma capacidade agregada de, aproximadamente, 120,8
milhões de m³/dia e uma extensão de 12.773 Km, sendo que cinco sub-sistemas
conectam as diversas bacias produtoras com a área da Grande Buenos Aires, que é
o principal centro consumidor. Já os gasodutos usados para exportação, que se
direcionam principalmente ao mercado chileno, têm uma capacidade de
aproximadamente 40 milhões de m3/dia.
1 A capacidade máxima total dos dutos de exportação é de aproximadamente 40 milhões de m³/dia.
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A infra-estrutura de distribuição, por sua vez, estende-se por nove áreas de
consumo com, aproximadamente, 110.000 Km de rede e seis milhões de usuários.
No começo da década de 1990, houve profundas mudanças regulatórias e
organizacionais no setor. Antes de tais reformas, o mesmo caracterizava-se por um
alto envolvimento do Estado Nacional, o qual atuava através das empresas
Yacimentos Petrolíferos Fiscales (YPF) e Gas del Estado, e uma participação
mínima do setor privado. Este último atuava, fundamentalmente, como empreiteiro
para a prestação de serviços ou produção às duas estatais.
O setor estava integrado verticalmente com escassa segmentação de atividades. A
produção estava sob a responsabilidade da YPF ou dos seus empreiteiros, enquanto
as atividades de transporte, distribuição e comercialização aos usuários finais eram
desempenhadas pela Gas del Estado. Não havia concorrência e o acesso à infra-
estrutura de transporte era fechado. Os preços não refletiam os custos totais e
relativos entre os serviços, além de serem fixados de acordo com políticas
antiinflacionárias, setoriais ou de distribuição de renda.
A organização emergente das reformas gerou mudanças no papel do Estado no
setor, passando da intervenção direta nas atividades a formulador de política
energética e de regulamentação setorial. Assim, as diversas atividades na cadeia do
gás passaram a ser desenvolvidas pelo setor privado. As empresas estatais YPF e
Gas del Estado foram privatizadas seguindo diferentes modelos, levando em
consideração a natureza das atividades.
No caso da Gas del Estado, criaram-se duas transportadoras e nove distribuidoras
regionais. As atividades foram segmentadas verticalmente e se introduziu
concorrência nos segmentos de produção e comercialização a grandes usuários. As
reformas basearam-se em um regime de acesso aberto regulado no que diz respeito
às instalações de transporte e distribuição, com a implementação de restrições às
integrações horizontal e vertical das atividades, através de limites na possibilidade
de controle acionário e de participação no mercado.
Outras providências foram: o nível e a estrutura tarifária foram modificados para que
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refletissem os custos totais e relativos entre os serviços; e se institui um órgão
regulador independente, o Ente Nacional Regulador del Gas (ENARGAS), com
amplos poderes sobre as atividades de transporte e de distribuição. As exportações
desenvolveram-se sob esquemas de menor intensidade regulatória, com o
estabelecimento de acesso aberto negociado.
Podem-se observar resultados bastante positivos da reforma. O nível de
investimento privado foi significativo, nos diversos elos da cadeia, com a entrada de
muitos novos agentes. A produção expandiu-se para satisfazer a crescente
demanda interna e externa (exportações de gás e de gás liqüefeito de petróleo ou
GLP). A infra-estrutura de transporte doméstico, de exportação e de distribuição
acompanhou essa evolução com expansões importantes. Por fim, obteve-se um
progresso na qualidade e na quantidade de serviços colocados à disposição dos
usuários.
Cabe ressaltar ainda que, os preços dos serviços residenciais aumentaram de forma
mais significativa que dos industriais, refletindo assim, os custos relativos entre os
serviços. Antes da privatização, as empresas estatais operavam com déficits
permanentes, financiados pelo Estado, e as tarifas não refletiam os custos de
prestação do serviço.
Com a reforma, o Estado, além de receber as receitas geradas pelas próprias
privatizações, deixou de financiar os déficits das estatais e aumentou a arrecadação
de diversos impostos, como o Imposto sobre os Lucros.
No final de 2001, com a crise macroeconômica, que se intensificou a partir da
segunda metade de 2000, e o fim da conversibilidade, o setor gasífero entrou em
crise. As tarifas, inicialmente fixadas em dólar, foram convertidas para pesos,
eliminando-se dessa forma a cobertura cambial. Essa medida acarretou um aumento
considerável dos custos de investimento e operação.
Nos diversos elos da cadeia, os preços passaram a apresentar fortes distorções que
podem ser atribuídas a diversos fatores:
• dificuldade de repasse das variações do preço do gás na boca de poço aos elos
a jusante na cadeia de valor do gás natural;
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• dificuldade no cumprimento de obrigações no exterior pelas empresas atuantes
nos segmentos de transporte e distribuição.
A realização de investimentos cessou de forma brusca, devido à grave insegurança
jurídica resultante da quebra das regras em vigor, bem como à falta de acesso aos
mercados de capitais para financiar as expansões e ampliações dos sistemas.
A crise generalizada no setor e a falta de definições para superá-la geraram um
estado de incerteza acerca da sua evolução futura. Vale notar que, recentemente,
iniciou-se um novo processo de renegociação dos direitos e obrigações do Estado
junto às empresas licenciadas dos segmentos de transporte e distribuição.
Apesar das conseqüências indesejáveis, ponderando-se todos resultados obtidos
com as reformas, entende-se que as transformações empreendidas foram positivas.
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
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II - CARACTERIZAÇÃO DO SETOR DE GÁS NATURAL NA ARGENTINA
Conforme o Gráfico II-1, pode-se notar o crescimento do gás natural como fonte de
energia primária e a diminuição das participações do petróleo e do carvão. O gás
natural, que representava 18% da matriz energética, em 1970, passou para 50%,
atualmente, enquanto que o petróleo e o carvão diminuíram a sua participação de
71% e 3%, para 36% e 1%, respectivamente.
Gráfico II-1 - Evolução da matriz energética primária na Argentina
Período 1970 - 2002
1.97
0
1.97
5
1.98
0
1.98
5
1.99
0
1.99
3
1.99
5
2.00
0
2.00
2Petróleo
Gás natural
Carvão e lenhaHidroeletricidade
NuclearOutros
71,4%
17,5%
6,4%4,0%
0,7%
100%(30,5 milhões de TEP)
100%(63,6 milhões de TEP)
36,0%
50,0%
6,1%1,6%1,9%4,4%
100%(47,8 milhões de TEP)
Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG
Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG (Dados de 2003)
A participação do gás natural como fonte natural de geração de energia elétrica (ver
Gráfico II-2) cresceu significativamente, passando de 6%, em 1985, para quase
30%, em 2001. Este crescimento foi devido, principalmente, à introdução das
centrais de ciclo combinado a gás, durante a última década.
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Gráfico II-2. – Geração Elétrica por Fonte
Período 1985 - 2001 1.
985
1.99
0
1.99
3
1.99
5
1.99
6
2.00
0
2.00
1
Térmica
Hidroeletricidade
Turbinas a vaporDiesel
Turbinas a gás
Ciclo combinado vapor
Ciclo combinado gás
Nuclear
37%
100%(41,5 milhões de MWh)
100%(83,0 milhões de MWh)
47%
100%(62,8 milhões de MWh)
Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG
50%
13% 8%
45%
Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG (Dados de 2002)
Com a evolução da capacidade instalada de geração, a participação do gás natural
na geração de energia elétrica ficou ainda mais importante, passando de 25%, em
1975, para 55%, em 2000.
Hoje, o país é exportador de gás natural e conta com reservas abundantes (11% do
total da América do Sul), localizadas principalmente nas bacias Neuquina, Austral e
Noroeste2 (ver Gráfico II-3). A absorção interna atual do gás natural é de,
aproximadamente, 87%, enquanto que o restante da produção destina-se ao
mercado externo (ver Tabela II-1).
Depois das reformas, no começo da década de 1990, as reservas aumentaram de
517 bilhões de m³ em 1993, para 778 bilhões de m3 em 2000. Contudo, a partir de
2 Fonte: International Energy Agency (IEA), South American Gas, OECD/IEA, Paris, 2003.
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2001, as reservas começaram a declinar e, em 2002, atingiram valores próximos de
664 bilhões de m3.
Gráfico II-3. – Evolução da distribuição das reservas provadas de gás natural na
Argentina
Período 1988 - 2002
1.98
8
1.98
9
1.99
0
1.99
1
1.99
2
1.99
3
1.99
4
1.99
5
1.99
6
1.99
7
1.99
8
1.99
9
2.00
0
2.00
1
2.00
2
Neuquina
Austral
Golfo San Jorge
Noroeste
56,0%
20,1%
4,5%
19,4%
100%(773,0 bcm) 100%
(663,5 bcm)
51,9%
22,4%
6,2%
Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG
19,5%
Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG (Dados de 2003)
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Tabela II-1. – Oferta e demanda de gás natural na Argentina
Em MMm3
1991 2002 Produção 24.643 45.769 Importações 2.041 101 Demanda interna3 26.684 40.023 Exportações - 5.846 Absorção interna 100% 87%
Fonte: Secretaria de Energia, Ano 2003
Cabe sublinhar que, nos últimos anos, a razão reservas/produção de gás apresentou
uma trajetória decrescente. Atualmente, as reservas de gás do país são
equivalentes a aproximadamente 14 anos de produção, tendo já alcançado o
patamar de 17 a 18 anos.
Em relação à demanda de gás, 80% do consumo interno é concentrado nas
províncias de Buenos Aires, Córdoba e Santa Fé. Além disso, como se pode
observar na Tabela II-2, os segmentos industrial e de gás natural comprimido (GNC)
para uso veicular são responsáveis pela absorção de 70% do volume atualmente
entregue.
Tabela II-2 – Volume de gás natural consumido por segmento
Em MMm3/dia
1993 2002 Indice Tipo de usuário Volume % Volume % 1993 = 100
Residencial 15.445 26,0 18.235 23,8 118,1
Comercial 2.375 4,0 2.694 3,5 113,4
Industrial 21.225 35,7 26.900 35,1 126,7
Centrais Elétricas 15.882 26,7 21.326 27,8 134,3
GNC 2.084 3,5 5.590 7,3 268,3
Outros 2.424 4,1 1.940 2,5 80,0
Total 59.434 100,0 76.684 100,0 129,0
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
3 A semanda interna inclui o consumo do mercado doméstico, o consumo de gás nos poços, o gás reinjetado e aquele retido em planta de processamento.
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Já foi mencionado neste documento que o comportamento da demanda é
fortemente sazonal devido ao uso para aquecimento residencial. Por exemplo,
comparando-se a demanda dos meses de julho e de janeiro, observa-se que,
durante o inverno, consome-se 4,7 vezes mais gás que durante o verão (segundo
dados da ENARGAS para 19974). A manutenção da oferta de gás natural, sem
interrupções, para os pequenos consumidores, constitui um constante desafio para o
sistema, uma vez que, por motivos físicos, não foi possível desenvolver o
armazenamento subterrâneo em regiões próximas a Buenos Aires, o principal centro
de consumo.
Este fator contribuiu para que os picos de demanda durante o inverno fossem
supridos através de contratos interruptíveis, , com utilização de armazenamento
temporal nos gasodutos5 e, com a distribuição de gás natural liqüefeito (GNL),
regaseificado em uma planta instalada na Grande Buenos Aires6.
Por fim comenta-se que, a partir de 2001, a demanda interna passou a apresentar
taxas de crescimento decrescentes. As projeções oficiais, elaboradas pela Diretoria
de Prospecção da Secretaria de Energia, indicam taxas anuais de crescimento
menores que as da década anterior.
Infra-estrutura de transporte e distribuição
A Argentina dispõe de cinco sistemas de transporte interno de alta pressão, que
conectam as diferentes bacias à Buenos Aires:
• três saem da Bacia Neuquina, quais sejam: Centro Oeste, Neuba I e Neuba
II;
• um parte da Bacia Austral (San Martín); e
• o quinto se inicia na Bacia Noroeste (Norte).
4 O mesmo pode ser verificado para outros anos. 5 Este tipo de armazenamento é conhecido como line-pack. 6 Esta planta destina-se a atender a demanda de pico no inverno. Ou seja, é uma planta dita peak-shaving - já que se armazena gás liquefeito, posteriormente regasificado e injetado na rede para abastecer o pico de consumo diário (tem capacidade máxima de 3,8 MMm3/dia durante 10 dias).
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A capacidade de transporte de gás é de 120,8 MM m³/dia e os gasodutos de alta
pressão possuem uma extensão de 12.773 Km7 (ver Gráfico II-4). Duas empresas
transportadoras privadas são as operadoras desses sistemas, a saber: a
Transportadora da Gas del Norte S.A. (TGN) e a Transportadora da Gas del Sur
S.A. (TGS). A TGN atende as regiões Norte e Centro do país (Gasodutos Norte e
Centro-Oeste), com uma capacidade de transporte de 54,4 MMm³/dia e uma
extensão de, aproximadamente, 5.400 Km. A TGS por sua vez atende as regiões
Centro e Sul do país (Gasodutos Neuba I e II e San Martín), com uma capacidade
de 66,4 MMm³/dia e, aproximadamente, 7.400 Km de comprimento.
A capacidade de transporte expandiu-se consideravelmente a partir das reformas,
aumentando 69%, no período compreendido entre 1993 e 2002. Entretanto, a partir
de 2002, houve uma estagnação desta evolução.
Gráfico II-4 – Evolução da rede básica de transporte de gás natural na Argentina
Em quilômetros – Período 1970 - 2002
6.740
8.362
7.442
10.761
12.961 12.961
10.463 10.192 10.510 10.696 10.569
10.986 11.095 11.471 11.694
12.321 12.773
1.97
0
1.97
5
1.98
0
1.98
5
1.99
0
1.99
1
1.9
92 (*
)
1.99
3
1.99
4
1.99
5
1.99
6
1.99
7
1.99
8
1.99
9
2.00
0
2.00
1
2.00
2 (*
*)Introdução
do gasoduto Centro-Oeste
Introdução do gasoduto
Neuba IIRealocaçãode redes às
distribuidoras
(*) Parte dos gasodutos foram destinados à distribuição no processo de privatização da “Gas del Estado” (**) Inclui os gasodutos de interconexão da transportadora da “Gás Del Sur” Fonte: Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG (Dados de 2003)
7 Fonte: ENARGAS / Secretaria de Energia, 2002.
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A Argentina dispõe de nove empresas que operam a rede de distribuição (ver Figura
II-1 e tabela II-3), dentre as quais destacam-se, pelos seus tamanhos e extensões
das suas redes, a Metrogas, a Gas Natural BAN e a Camuzzi Gas Pampeana.
Figura II-1 – Sistema de transporte e áreas de distribuição de gás natural para
atender ao mercado doméstico
Tabela II-3 – Quantidade de usuários e longitude da rede por distribuidora (Em quilômetros) Quantidade de usuários (em milhares) Extensão da rede (em Km)
Metrogas 1.943,6 15.774 BAN 1.214,1 20.412 Pampeana 922,5 22.786 Litoral 436,1 9.287 Sur 425,0 12.945 Centro 425,3 12.402 Cuyana 358,2 8.890 Gasnor 320,6 7.250 Gasnea 15,4 2.020 Total 6.060,8 111.766
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Quantidade de usuários (em milhares) Extensão da rede (em Km)
Fonte: ENARGAS, Ano 2003
A partir da reforma, a extensão das redes de distribuição passou de 67.412 Km, em
1992, para 111.766 Km, em 2002, um aumento de quase 66%.
Embora a expansão da rede não se tenha estagnado, em 2002, devido à crise
macroeconômica, é possível observar uma certa diminuição da sua taxa de
crescimento em relação à década passada. Em 2002, as redes de distribuição
cresceram 3%, enquanto a taxa média de crescimento anual do período 1993-2001
foi de, aproximadamente, 5%.
Exportações
As importações de gás na Argentina realizaram-se junto à Bolívia, no período de
1972 a 1999, e decaíram ao longo do tempo, passando do atendimento a 20% da
demanda interna em 1972, para 5% em 1999. Estas importações eram realizadas
pela região Norte através do Gasoduto YABOG.
A partir de 1997 os índices de exportação de gás argentino começaram a apresentar
expressividade, como se pode ver na Tabela II-4. Os principais países importadores
do gás argentino hoje são o Chile (85 %), o Brasil (14 %) e o Uruguai (1 %).
Tabela II-4 – Exportações argentinas de gás natural por destino
Em MM m³/ano – Período 1997 - 2002
Em MMm3/ano Em MMm3/dia Ao Chile Ao Uruguai Ao Brasil
1997 683 1,9 100% 0% 0% 1998 1.981 5,4 63% 0% 37% 1999 4.252 11,6 99% 1% 0% 2000 4.885 13,3 96% 1% 3% 2001 6.083 16,7 87% 1% 12% 2002 5.942 16,3 90% 1% 9%
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
Tabela II-5 - Exportações de gás natural para o Chile
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Em MM m³/ano – Período 1997 – 2002
Gás Andes
Pacífico Metanex
PA Metanex
YPF Metanex
SIP Atacama NorAndino
1997 127 554 1998 1.239 1999 2.008 105 697 592 285 540 1 2000 1.965 197 601 601 323 788 208 2001 2.011 284 700 617 402 695 597 2002 2.095 297 727 608 441 680 521
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
Tabela II-6 - Exportações de gás natural para o Uruguai
Em MM m³/ano – Período 1997 – 2002
PetroUruguay Cruz del Sur
1997 0 0 1998 2 0 1999 23 0 2000 37 0 2001 34 0 2002 21 1
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
Tabela II-7 - Exportações de gás natural para o Brasil
Em MM m³/ano – Período 1997 – 2002
Uruguaiana
1997 0 1998 740 1999 0 2000 164 2001 742 2002 550
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
O mercado chileno é abastecido através de um sistema constituído por sete
gasodutos:
• no Norte: Atacama e NorAndino;
• no Centro: GasAndes e Pacífico,
• no Sul: Patagónico, Tierra del Fuego e El Condor – Posesión.
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O mercado brasileiro é suprido através do Gasoduto Aldea Brasilera – Uruguaiana,
enquanto que o do Uruguai é abastecido através dos Gasodutos do Litoral e Cruz
del Sur.
Existem projetos que visam o aumento das exportações ao Brasil, que se considera
ainda sub aproveitada.. Estes projetos consistem na ampliação dos Gasodutos
Aldea Brasilera -Uruguaiana e Cruz del Sur até Porto Alegre.
No mapa da Figura II-1, pode-se visualizar o grau de interconexão das infra-
estruturas de transporte de gás entre os países do Cone Sul.
Quadro II-13 – Interconexões gasíferas no Cone Sul
Em operação
Em construção
Projeto
Em estudo
Capacidade de transporte
Estudo, transporte GNL
MMm3/dia
Fonte: Elaboração STRAT/RG, Ano 2003.
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I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
III - SITUAÇÃO DO SETOR ANTES DA REFORMA
Pode-se distinguir três fases da indústria de gás na Argentina i) a primeira, anterior
à reforma, se inicia no começo da década de 1990; ii) a segunda dura de 1993 até o
final de 2001; por fim, iii) a terceira dura até os dias de hoje.
No Quadro III-1, resumem-se as principais características do modelo regulatório do
setor de gás natural, antes das reformas:
Quadro III.1. – Características da indústria de gás na Argentina antes da reforma
Papel do setor público e privado
Papel do setor público e privado
– Forte intervenção estatal, com atuação direta nas atividades viaas empresas YPF e Gas del Estado;
– Mínima participação do setor privado.
– Forte intervenção estatal, com atuação direta nas atividades via as empresas YPF e Gas del Estado;
– Mínima participação do setor privado.
Integração verticalIntegração vertical – Alto grado de integração; baixa segmentação de atividades (produção: YPF; transporte, distribuição e comercialização: Gas del Estado)
– Alto grado de integração; baixa segmentação de atividades (produção: YPF; transporte, distribuição e comercialização: Gas del Estado)
Acesso à infra-estrutura de transporte
Acesso à infra-estrutura de transporte – Fechado.– Fechado.
ConcorrênciaConcorrência – Nula.– Nula.
TarifasTarifas – Em função de objetivos setoriais, inflacionários e distributivos (não refletiam custos totais e de serviços).
– Em função de objetivos setoriais, inflacionários e distributivos (não refletiam custos totais e de serviços).
Fonte: Análise STRAT/RG, 2003.
A desregulamentação e a privatização do setor de petróleo e de gás finalizaram um
período prolongado, no qual o Estado teve um papel fundamental como empresário
e planejador do setor energético, agindo diretamente por meio de empresas públicas
e, indiretamente, através do controle das decisões referentes a preços, produção,
comércio exterior, entre outras.
Antes da reforma, o setor energético funcionava sob a órbita da Secretaria de
Energia (SE), de acordo com a Lei de Hidrocarbonetos nº 17.319, de 1967. A
produção de hidrocarbonetos concentrava-se, quase totalmente, na empresa pública
YPF, através dos seus próprios recursos (produção própria) ou por meio da
celebração de contratos com terceiros, os quais lhe entregavam a sua produção.
O petróleo produzido era administrado pelo Estado, que o distribuía entre a YPF e
as refinarias do setor privado. Estas últimas dispunham de redes de postos de
gasolina, que eram regulados pela Secretaria de Energia e comercializavam os
produtos com os consumidores.
Cabe ressaltar que a principal atividade da YPF, no upstream8, relacionava-se à
produção de petróleo. O gás natural, obtido como um sub-produto do processo de
extração petrolífera (gás associado), não apresentava o mesmo interesse comercial
que a produção daquela commodity9.
O gás produzido era "transferido" (sem a celebração de contratos) a outra empresa
pública (Gas del Estado) a qual concentrava as atividades de transporte e
distribuição por todo o país, agindo como monopolista e monopsonista, uma vez que
comprava e vendia a totalidade do gás produzido ou importado, consistindo,
também, na única fornecedora do serviço e reguladora das condições para a sua
prestação.
A empresa Gas del Estado representa um exemplo típico de empresa estatal
integrada verticalmente em toda a cadeia, desde a aquisição do gás, até a sua
venda aos usuários nos diversos centros de consumo. Todas as transações,
incluindo-se a venda final ao público, realizavam-se conforme os preços fixados pelo
Estado, os quais, via de regra, eram muito inferiores ao preço dos hidrocarbonetos
nos mercados internacionais. Esta divergência obrigava o Estado a impor subsídios
e impostos nas operações de comércio exterior e a financiar os pagamentos de
royalties para as províncias, calculados com base nos preços internacionais.
Deve ser mencionado que tarifas de gás natural eram determinadas pelo Ministério
de Obras e Serviços Públicos (MOySP) e a Gas del Estado era "tomadora de
preços". Em geral, as tarifas da estatal não eram determinadas seguindo critérios
econômicos, e, sim, como instrumentos antiinflacionários ou de melhoria da
distribuição de renda. A aplicação de tais políticas tarifárias levou a que a
remuneração total recebida pela Gás de Estado deixasse, eventualmente, de cobrir
os custos de prestação do serviço.
8 Denominação que agrupa as atividades de exploração e produção de gás natural. 9 O petróleo é considerado uma commodity, uma vez que é um produto comercializado sob uma especificação uniforme em todo mercado, com seu preço determinado pela dinâmica da oferta e demanda.
Outra característica da determinação de tarifas neste período é que a estrutura não
refletia adequadamente as diferentes variáveis dos custos10. Quando as variáveis
dos custos do serviço não se refletem na estrutura tarifária, as modalidades das
tarifas - ou seja, as categorias, os níveis e a importância dos encargos - geram
dificuldades no que se refere ao cumprimento de objetivos de eficiência, conforme é
demonstrado a seguir:
• As categorias tarifárias se diferenciavam segundo o destino do gás (ex:
centrais elétricas, tarifas sazonais para as fábricas de cimento, entre outras);
• Não havia diferenciação segundo o tipo de serviço prestado (como firme ou
interruptível) o que implicava diferentes usuários pagando a mesma tarifa por
serviços com qualidades distintas;
• As tarifas refletiam apenas volumes de gás transportados, sem encargos
pela demanda de capacidade;
• A tarifa paga pelo usuário final aparecia como um valor fechado, sem a
separação dos custos de cada um dos serviços e produtos nele contidos
(como preço do gás na boca do poço e custos do transporte e da
distribuição). Tal prática dava origem a uma falta de transparência nos custos
da Gas del Estado;
• O preço do gás era uniforme para todas as bacias. Tal problema foi
transferido, mais adiante, ao processo de privatização.
Esta problemática agravava-se pelo fato da Gas del Estado não satisfazer a
demanda de gás no inverno, quando a qualidade do serviço diminuía em
conseqüência da redução da pressão na rede de gás. A crescente escassez de gás
nesse período pode ser atribuída a diversos fatores:
• A ineficiência da prestação de serviços monopolistas, pela Gas del Estado,
nas etapas de transporte e distribuição;
• A política tarifária que não cobria os custos da prestação do serviço, dando
sinais incorretos aos consumidores; e
• A falta de tarifas sazonais de "pico" e "fora de pico", o que impediu os
grandes usuários de otimizarem a utilização do gás natural.
Durante as décadas de 70 e 80, tentou-se solucionar os problemas da escassez
através da criação de uma nova infra-estrutura. Não se aplicaram mecanismos para
10 As tarifas médias dos grandes usuários, por exemplo, eram superiores às tarifas dos usuários residenciais.
a modificação dos preços, fato que poderia ter permitido o racionamento dos
recursos e a promoção do financiamento dos investimentos.
Este comportamento do Estado provocou um impacto sobre a produtividade da
economia como um todo. As obras eram comumente super-dimensionadas e os
investimentos não eram alocados corretamente para a solução dos problemas do
setor.
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
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IV - DESCRIÇÃO DO PROCESSO DE REFORMA NO SETOR
Contexto Político e Econômico da Reforma do Setor
No começo da década de 90, deu-se início a uma série de transformações na
economia argentina, em resposta à insatisfação geral da população com o Governo
Nacional que deixava o poder11, instigada pelas mudanças ocorridas no âmbito
internacional a partir da década de 80.
O descontentamento popular fundava-se principalmente::
•
• no descontrole de todas as variáveis econômicas (queda do produto interno
bruto, aumento do gasto público, hiperinflação, desemprego);
• no mal funcionamento das empresas públicas encarregadas dos serviços,
que resultou na baixa qualidade nas prestações, desinvestimento,
deterioração de ativos, e déficit crônico;
• na crença de que a reforma colocaria o país dentro do denominado "Primeiro
Mundo", sobretudo através da abertura da sua economia, estabilidade no tipo
de câmbio, atração do fluxo de investimentos, emprego e inclusão social,
crescimento do comércio exterior, inserção nos mercados globais, bens e
serviços de qualidade internacional;
A classe política exibia forte vontade em produzir a reforma (participação do Poder
Executivo Nacional, do Congresso e das Províncias) com:
o a promulgação de leis gerais (de reforma do Estado, de emergência
da economia, de desregulamentação, de estabilidade cambial) e de
leis particulares para cada setor (marco regulatório de cada setor);
o reformas em todos os setores simultaneamente;
o equipes políticas e técnicas com amplos poderes executivos;
o novas estruturas de regulação das atividades da economia, por meio
da criação de agências independentes, com perfil técnico;
11 Carlos Menem venceu ás eleições presidenciais em maio de 1989 e, devido à renúncia do Presidente Raúl Alfonsín, assumiu antecipadamente o seu mandato em julho do mesmo ano. Cabe ressaltar que a economia encontrava-se numa crise hiper inflacionária.
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o assistência integral de organismos multilaterais (Banco Mundial),
como suporte do processo de reforma econômica, técnica, entre
outras.
Se assistia:
• à adesão dos grupos econômicos locais à transformação que estava sendo
proposta, os quais buscaram alianças estratégicas com os líderes
internacionais de cada setor; e
• ao suporte internacional dos Estados Unidos, Canadá e de países da
Comunidade Européia (França, Itália, Inglaterra, Espanha, entre outros), dos
organismos multilaterais de crédito e das empresas e investidores
relacionados.
A principal mudança implicou uma redefinição ideológica que gerou alterações no
papel do Estado na economia, passando da intervenção ativa do setor público, como
prestador de serviços (entre eles, os relacionados com o setor do gás), ao papel de
regulador e fiscalizador das atividades. O modelo de um Estado investidor, gerente e
prestador direto de serviços passou para o de um Estado concentrado na definição
das regras de mercado, na atração e no fomento do investimento privado, e, no
controle da qualidade das prestações de serviços.
No setor de energia, a reforma rompeu a integração precedente entre os diferentes
elos da cadeia de produção, criando ocasião para o surgimento de novos agentes
nesses mercados. Abriram-se oportunidades para as atividades de transporte, de
distribuição e de comercialização.
Resenha das mudanças introduzidas pela Argentina no setor de
Hidrocarbonetos
Antes da reforma do setor gasífero, foram implementadas mudanças nos setores de
upstream e de energia elétrica. Convém a revisão sucinta das medidas
implementadas nestes dois setores, antes de apresentar análise detalhada da
reestruturação e da privatização da empresa Gas del Estado.
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No segundo semestre de 1989, frente a tendência à desregulamentação dos
mercados, estabeleceram-se as primeiras reformas nos setores de petróleo e gás
natural.
Determinou-se uma importante transferência ao setor privado das áreas de
exploração e produção controladas pela YPF. Foram também estabelecidas uma
série de medidas para garantir regras de concorrência nessas áreas. A seguir,
destacam-se algumas dessas providências:
• Livre disponibilidade do petróleo cru produzido;
• Livre disponibilidade das divisas;
• Preços livres;
• Eliminação de entraves ao comércio exterior;
• Liberdade de entrada para a instalação de refinarias e postos de
abastecimento
Os mecanismos de transferência de áreas de produção incluíram, entre outros, a
renegociação de contratos, a privatização de áreas produtivas marginais e centrais
(estas últimas em associação com a YPF), assim como sucessivas rodadas de
prospecção, com a participação da YPF e de companhias nacionais e estrangeiras.
Posteriormente, no período de 1991 a 1993, realizou-se a reestruturação da
empresa estatal YPF12 e a sua privatização, através da venda da maioria do capital
acionário no mercado internacional.
Apesar da importância política e financeira destas mudanças, a YPF continuou
sendo a maior empresa nos segmentos do upstream. Além disso, o nível de
concentração da indústria manteve-se alto, embora menor do que no período
anterior às reformas.
Resenha das mudanças introduzidas pela Argentina no setor elétrico
A reestruturação prévia do setor elétrico facilitou o processo posterior da reforma do
setor de gás.
12 Este processo incluiu a venda de determinados ativos nos diversos elos da cadeia de valor do petróleo.
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Em primeiro lugar, a estruturação e a privatização do setor elétrico proporcionaram
ganhos de eficiência e a atração de investimento privado, propiciando um forte
crescimento da sua infra-estrutura, principalmente no segmento de geração.
Em segundo lugar, durante o período de maior intervenção estatal, os problemas de
financiamento enfrentados pelas empresas elétricas foram significativos. Essas
dificuldades transferiram-se ao restante da cadeia devido à falta de pagamento das
faturas de óleo combustível e gás natural. Este problema endêmico da organização
estatal gerou um endividamento que era repassado na cadeia, em primeiro lugar, à
empresa Gas del Estado, e, posteriormente, à YPF seu principal controlador.
Neste sentido, cabe sublinhar que estes problemas foram contornados através da
privatização do setor, por meio da aplicação de políticas tarifárias mais realistas, da
mudança da propriedade e da implementação de incentivos comerciais.
Finalmente o tratamento tarifário particular dado ao setor de geração térmica, foi
desativado. Este fator repercutiu positivamente no funcionamento e despacho da
indústria de gás, tendo em vista que todos os usuários de maior porte passaram a se
distinguir, unicamente, pelo tipo de contrato (firme ou interruptível), e, não, pela
utilização dada ao gás.
Dentro deste contexto, é relevante ressaltar que o marco regulatório desenhado para
o setor elétrico foi bastante similar àquele do setor gasífero, no que se refere à
segmentação de atividades, papéis do setor público e privado, e princípios tarifários.
As principais diferenças se dão, sobretudo, na organização das transações e das
competências, no âmbito federal e provincial. Deve ser levado em consideração que
tanto as atividades de distribuição como de transporte do gás são desenvolvidas
como atividades de competência federal.
O novo marco regulatório do gás natural
A privatização da Gas del Estado ocorreu no final de 1992, depois da aprovação, por
meio da Lei no 24.076, do novo marco regulatório do setor para os serviços públicos
de transporte e distribuição do gás natural. O decreto no 1.738/1992 complementou
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a citada lei, regulamentando diversos aspectos do seu conteúdo. Posteriormente, o
núcleo do marco regulatório foi completado com as Regras Básicas (licenças) e o
Regulamento do Serviço, que determinaram os direitos e obrigações das
transportadoras e distribuidoras junto ao governo e aos usuários, respectivamente.
Da análise desta normativa básica emanam os elementos fundamentais subjacentes
ao modelo de reforma deste setor (ver Quadro IV-1). A seguir, destacam-se os
principais objetivos:
• A eliminação da participação do Estado como empresário, substituindo-o por
agentes do setor privado com experiência internacional;
• A reorganização da prestação do serviço, buscando eliminar os gargalos do
fornecimento de gás e, no entanto, melhorar a qualidade do serviço aos
consumidores;
• A obtenção de ganhos de eficiência no transporte e distribuição do gás
natural por meio do estabelecimento do regime de Acesso Aberto não
discriminatório;
• O aumento da produtividade do capital do setor de gás através da melhoria
dos processos de investimento, nas etapas de transporte e distribuição;
• A introdução da concorrência.
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Quadro IV-1. – Características da indústria de gás natural na Argentina, após a
reforma
Papel do setor público e privado
Papel do setor público e privado
– Setor público: definição de políticas setoriais, regulação e fiscalização das atividades (criação de agências reguladoras);
– Setor privado: prestador de serviços em toda a cadeia.
– Setor público: definição de políticas setoriais, regulação e fiscalização das atividades (criação de agências reguladoras);
– Setor privado: prestador de serviços em toda a cadeia.
Integração verticalIntegração vertical– Segmentação vertical e horizontal das atividades na cadeia;
– Restrição na integração nas atividades da cadeia e nas propriedades cruzadas dos agentes.
– Segmentação vertical e horizontal das atividades na cadeia;
– Restrição na integração nas atividades da cadeia e nas propriedades cruzadas dos agentes.
Acesso à infra-estrutura de transporte
Acesso à infra-estrutura de transporte – Acesso aberto regulado às instalações de transporte e distribuição.– Acesso aberto regulado às instalações de transporte e distribuição.
ConcorrênciaConcorrência– Atividades de transporte e distribuição altamente reguladas;– Introdução da concorrência nas atividades na produção e comercialização de
gás natural (abertura do mercado a grandes usuários).
– Atividades de transporte e distribuição altamente reguladas;– Introdução da concorrência nas atividades na produção e comercialização de
gás natural (abertura do mercado a grandes usuários).
TarifasTarifas – Em função dos princípios econômicos do custo total e do custo dos serviços.– Em função dos princípios econômicos do custo total e do custo dos serviços.
Fonte: Análise STRAT/RG, 2003.
No novo modelo da indústria, houve uma clara segmentação vertical de atividades
(produção, transporte, distribuição etc.) e o surgimento de novos agentes. Dentro
desta segmentação, algumas atividades continuam sendo reguladas, como o
transporte e a distribuição (com características de monopólio natural). Por outro
lado, é nítida a intenção de introduzir a concorrência nas atividades potencialmente
competitivas.
Nesse sentido, na Lei no 24.076/92, está subjacente o objetivo de se criar um
mercado atacadista de gás, com os produtores, distribuidores, comercializadores e
usuários finais qualificados atuando livremente.
Neste esquema de maior concorrência, o primeiro pilar constituiu a liberação, em
dezembro de 1993, do preço na boca do poço, em um contexto de livre
disponibilidade de hidrocarbonetos13. A reforma neste aspecto foi complementada
com a liberalização do preço e a diversificação da oferta promovida com as medidas
de venda de jazidas e renegociações contratuais (liberdade de disposição do
produto e maior liberdade de opções para entrar no mercado).
13 A liberação deveria acontecer, no máximo, dois anos após a privatização.
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O segundo pilar da reforma constituiu na liberação dos usuários atuais e potenciais
do gás, permitindo a livre negociação das condições de fornecimento. A
concorrência implicou na liberação de uma faixa de usuários finais com um consumo
superior a 10.000 m³/dia (para serviço firme) ou 3.000.000 m³/ano (para
interruptível).14 Estes usuários poderiam, então, ter acesso a diversas opções de
serviço segmentadas, buscando o gás e o transporte por sua conta.
O terceiro pilar da reforma se constituiu no acesso aberto e não discriminatório
regulado às instalações de transporte e distribuição, no sentido de se desenvolver a
concorrência no mercado.
Neste sentido, a Lei no 24.076 é clara ao mencionar, como um dos seus objetivos
gerais "tender ao livre acesso, à não discriminação e à utilização generalizada dos
serviços e instalações de transporte e distribuição do gás natural", ao mesmo tempo
em que determina que "os transportadores e distribuidores estão obrigados a
permitir o acesso indiscriminado de terceiros à capacidade de transporte e
distribuição dos seus correspondentes sistemas, a qual não esteja comprometida
para atender a demanda contratada”. 15
Com vistas a potencializar um ambiente competitivo e menos conflitante, as medidas
anteriores foram complementadas pela introdução de restrições verticais e
horizontais às atividades dos agentes do setor, ao longo da cadeia, fomentando o
ingresso de diversos agentes do setor privado, facilitando o objetivo de uma maior
concorrência.
Neste sentido, não se permite aos transportadores, a compra ou a venda de gás,
uma vez que tais agentes devem ser empresas ou entidades legais separadas que
se dedicam, unicamente, à prestação do serviço e venda da capacidade de
transporte. Entretanto, não se aplica esta restrição no caso das distribuidoras e,
sendo assim, estas podem comprar e vender gás para fornecer aos seus usuários
cativos ou competir no mercado.
No que se refere à aplicação de tarifas, a Lei no 24.076 é clara no sentido de que o
nível tarifário deve proporcionar, aos transportadores e distribuidores, que operam
14 Estes valores foram reduzidos, posteriormente, em uma tentativa de aumentar a concorrência.
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de forma econômica e prudente, a possibilidade de se obterem receitas suficientes
para cobrir custos totais compostos por gastos operacionais, impostos e
amortização, e rentabilidade razoáveis.
No caso da rentabilidade, determina-se que a mesma deve guardar relação com o
risco inerente à atividade. Da mesma forma, o marco regulatório dispõe que a
estrutura tarifária deve refletir os custos relativos entre os serviços. Neste sentido,
menciona-se, expressamente, que "em nenhuma hipótese, os custos atribuíveis ao
serviço prestado a um consumidor ou a um grupo de consumidores, poderão ser
recuperados através de tarifas cobradas de outros consumidores".
Assim como os outros países que estabeleceram o acesso aberto regulado, as
tarifas de transporte e distribuição são reguladas. Isto significa que as negociações
dos aspectos contratuais entre os agentes do mercado reduzem-se a questões
específicas, relacionadas, principalmente, com as características do fornecimento
em tudo o que se refere a transações no mercado interno (as tarifas de transporte
para cada serviço já estão fixadas pelo regulador).
Por outro lado, o esquema regulatório adotado (de price cap16 por classe tarifária)
introduziu fortes incentivos para a eficiência da prestação do serviço.
Finalmente, no aspecto institucional, é importante destacar a criação de um órgão
regulador com amplos poderes, o Ente Nacional Regulador do Gás (ENARGAS).
Esta foi a primeira instituição constituída, praticamente, de forma simultânea, com a
implementação da reforma, o que, certamente, facilitou as ações posteriores.
Frente ao processo de privatização, dividiu-se a Gas del Estado em dez unidades de
negócio (duas empresas transportadoras e oito distribuidoras regionais), as quais
foram licitadas de forma pública e simultânea. Na metade de 1997, concedeu-se
uma nova área de distribuição, na única região do país sem infra-estrutura nem
prestadora encarregada.
As áreas de distribuição não coincidiram com as divisões provinciais do país, e
incluiu-se um conjunto de regiões no sentido de gerar unidades de negócio auto-
15 Normativa posterior regulamentou questões de acesso aberto (Resolução nº 1.483/2000).
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sustentáveis, sem deixar de fomentar uma quantidade suficiente de prestadores do
serviço, para facilitar a regulamentação por comparação (mecanismo usualmente
denominado yardstick competition)17.
No caso do segmento de transporte, embora a competição estivesse limitada a duas
companhias (sem exclusividade territorial), também fomentou-se a concorrência na
oferta de capacidade, uma vez que ambos sistemas de escoamento partiam da
mesma bacia, a saber, a Neuquina.
O processo de reforma da indústria gasífera apresentou determinadas
complexidades relacionadas à estruturação dos negócios e à organização das
transações, a partir de uma única companhia.
A demanda de gás superava a oferta disponível nos picos de frio, durante o inverno,
implicando restrições aos grandes consumidores em geral. Portanto, no sentido de
se possibilitar a escolha dos serviços, todos os usuários de maior porte foram
alocados na categoria interruptível, a qual possuía a tarifa mais baixa. Definiu-se um
prazo (inferior a um ano) para que se formalizassem os contratos, sendo que, dentro
desse prazo, os usuários deveriam optar entre permanecerem nessa categoria ou
acordar o fornecimento de um serviço firme, a um preço maior.
A reforma do setor obteve sucesso em pouco tempo, particularmente, considerando-
se o fato de nunca ter funcionado em bases contratuais. Para esse sucesso,
contribuíram os seguintes fatores:
• modelos contratuais para a prestação de serviços de transporte e
distribuição;
• estabelecimento de tarifas máximas para os supracitados serviços (o que
possibilita a aplicação de descontos);
• a obrigação (bem desenvolvida em termos de regulamentação) de prestar o
serviço, o que limitava a possibilidade de negar o acesso;
16 Sistema de preços máximos por tipo de serviço 17 No edital de licitação determinaram-se, adicionalmente, outras restrições para a integração vertical da propriedade (emanadas das disposições da Lei do gás e da sua regulamentação), os diversos segmentos para os grupos econômicos que adquiriam as unidades de negócio; limitações à transferência dos pacotes majoritários nas sociedades investidoras; limitações horizontais ao tamanho do negócio de transporte e de distribuição (por exemplo, o mesmo grupo não podia adquirir as duas unidades de transporte ou duas unidades de distribuição como a Metrogas e Gas Natural ; por citar as principais restrições).
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• a existência prévia (nas licenças de transportadoras e distribuidores) de
obrigações e direitos, assim como de um regulamento preciso e detalhado de
prestação do serviço.
Sem dúvida, o novo processo de alocação da capacidade se mostrou mais eficiente
que o anterior. Os usuários que finalmente concordavam em pagar um serviço firme
davam mais valor à capacidade do que aqueles que escolheram o serviço
interruptível. Sendo assim, o esquema de cortes – que continuou em função das
prioridades, embora em relação inversa à tarifa – teve como resultado um
procedimento no qual efetuava-se a simples divisão pro rata entre todos os grandes
usuários, independentemente do valor que eles proporcionassem ao serviço.
As alocações da capacidade de transporte e da produção constituíram outros fatores
da estruturação que visavam fomentar a incipiente concorrência. Os contratos de
transporte foram designados às distribuidoras, o que significa que o gás revendido
por essas companhias aos seus usuários não chegava ao city gate18 via produtor.
Entendia-se que esta capacidade beneficiaria o distribuidor na compra de gás a
preços mais acessíveis. Cabe esclarecer que, embora sendo o preço do energético
um pass-through para o distribuidor, este último sempre corre o risco de que seus
grandes usuários escolham outro fornecedor caso o seu preço não seja competitivo.
Como era praticamente impossível que as alocações de capacidade coincidissem
plenamente com as necessidades de gás no pico do sistema, permitiu-se às
distribuidoras que se realocassem as capacidades iniciais. Em outras palavras,
permitiu-se o funcionamento de um mercado secundário. De fato, houve realocações
de capacidade, o que demonstra que o importante é o mercado – isto é, que se
permita a realização de transações - e não as alocações iniciais.
O detalhamento das regulamentações dos serviços de transporte e distribuição e as
interfaces entre os elos diminuem as incertezas inerentes às transações e ao
processo de investimento. O governo incluiu uma série de investimentos obrigatórios
18 Ver relatório IEA 1999. A referência bibliográfica deve mencionar: título do documento, nome do autor/es, ano, país, etc, não se deve remeter simplesmente a um documento sem título sem nada!!! Verificar normas ABNT para referência bibliográfica.Ponto em que a companhia distribuidora de gás recebe o energético da transportadora.
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nos editais de licitação, como resposta política ao eventual interesse reduzido do
setor privado na realização dos mesmos, e como resposta a eventuais riscos
apresentados pela falta de manutenção da infra-estrutura nos anos anteriores à
privatização. Estes problemas, porém, não se materializaram, e os investimentos em
expansão superaram, amplamente, os investimentos obrigatórios.
A comparação entre o modelo anterior à Reforma e o adotado posteriormente indica
mudanças fundamentais, assim como o interesse no desenvolvimento da
concorrência com regras justas, estimulando o processo de investimento. Como será
visto mais adiante, as avaliações de desempenho da reestruturação do setor do gás
foram positivas em geral19, mas ressaltam a necessidade de continuar introduzindo
mudanças de segunda geração, dirigidas fundamentalmente à introdução de uma
concorrência maior que a observada.
Comparando-se a reestruturação da Argentina com a ocorrida na Inglaterra, ou mais
recentemente, na Espanha, é possível afirmar que houve um acerto grande no que
diz respeito à configuração do setor em relação aos benefícios trazidos pela
concorrência.
O caso inglês é bastante ilustrativo quanto ao fato de que privatizar um monopólio
sem as devidas reestruturações não proporciona benefícios, e que atingir o objetivo
de uma maior concorrência exige muito mais do que os simples passos formais de
publicação e transparência de preços. De fato, transcorridos poucos anos, fez-se
necessário realizar reformas adicionais com ações concretas de separação de
negócios (produção e transmissão e depois comercialização), reestruturações
tarifárias e outras medidas corretivas.
No que concerne à Espanha, também serve de ilustração de que nos segmentos da
indústria caracterizados como monopólios naturais são necessárias
regulamentações detalhadas para o acesso de terceiros às instalações de transporte
e para as tarifas, assim como fortes restrições à participação cruzada nesses
segmentos.
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19 Ver relatório “Regulatory Reform in Argentina’s Natural Gas Sector”, OECD/IEA, Paris, 1999.
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
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V - A ESTRUTURA DO SETOR APÓS A REFORMA
Aspectos institucionais
Finalizado o processo de reforma do setor de hidrocarbonetos gasosos, o quadro de
autoridades públicas do mesmo ficou estabelecido da seguinte forma:
• O Poder Executivo Nacional (PEN) reteve o poder de concessão (outorga de
concessões ou licenças aos agentes);
• A Secretaria de Energia (SE) - dependente do anterior - conservou as
funções de promulgação de políticas energéticas, regulamentação e controle
do upstream;
• O Ente Nacional Regulador do Gás (ENARGAS), criado pela Lei no 24.076
(“Lei do Gás”), passou a ter a função de regulamentar e controlar as
atividades de transporte e distribuição como serviços públicos, e as de
armazenamento, processamento e comercialização, bem como outras
questões sujeitas à sua incumbência por motivos de segurança.
o O ENARGAS é presidido por uma diretoria formada por cinco
pessoas, sendo uma delas o presidente. Estes membros são
nomeados pelo Poder Executivo Nacional, mas o Congresso emite
opinião sobre os candidatos, antes de serem nomeados.
o Os cargos têm duração de cinco anos e são renováveis sem limites.
Cabe observar que o órgão está sujeito à auditoria externa, a qual
estabelece o regime de controladoria pública, financiada por
intermédio de uma taxa de inspeção e controle cobrada às
transportadoras, aos distribuidores, e aos comercializadores.
o Vale destacar as funções regulamentares, administrativas e de
jurisdição com as quais contou o órgão regulador do modelo
argentino. Por exemplo, como autoridade reguladora, quanto a
questões tarifárias, pode estabelecer as bases para o seu cálculo e
proceder à sua aprovação. Em matéria de segurança, dita os
regulamentos específicos sobre as características dos diversos
sistemas. Em questões de acesso, tem competência para
regulamentar as alocações de capacidade, em caso de expansões ou
sobre a base do despacho diário.
o A sua autoridade administrativa inclui a fiscalização dos serviços
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regulados, o poder de sanção e os instrutivos para a correção das
condutas prejudiciais apresentadas pelos prestadores.
Vale assinalar que, devido às crises econômica, social, política e institucional,
ocorridas no final de 2001, o esquema institucional da indústria de gás do país foi
alterado. O PEN suspendeu alguns procedimentos de ajuste tarifário nos quais o
ENARGAS dispunha de amplas autoridades. Além disso, criou uma Comissão de
Revisão de Contratos, a qual, mais tarde, passou a se denominar UNIREN -
Unidade de Renegociação e Análise de Contratos de Serviços Públicos.
Anteriormente à reforma do setor de gás, o Estado prestava o serviço e solucionava
os conflitos com o usuário (ver Quadro V-1). Ademais, o Estado e a empresa
prestadora dos serviços em análise se sobrepunham em uma única figura.
Quadro V.1. – Atividades regulatórias antes e depois da reforma da indústria
GovernoGoverno
Antes da privatização Depois da privatização
Usuários Usuários Ente regulador
Ente regulador Mercado Mercado
Usuários Usuários
Licenciadas Licenciadas
Fonte: Análise STRAT/RG
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003
No modelo resultante da reforma o setor público manteve as tarefas de
regulamentação geral, controle dos serviços e resolução dos conflitos entre os
atores do setor privado (ver Quadro V-2).
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Quadro V-2. – Funções dos organismos reguladores da indústria depois da reforma
(Antes da Lei de Emergência de 2002)
Poder Executivo Nacional Poder Executivo Nacional
Upstream (Exploração e Produção)
Lei de Hidrocarbonetos Nº 17.319 (1967)
Downstream (Transporte e Distribuição)
Lei de Gás Natural Nº 24.076 (1992) Decretos regulatórios
Ministério da Economia Ministério da Economia
Secretaria de Energia Secretaria de Energia
ENARGAS ENARGAS
• Planejamento estratégico
• Proposta e controle da execução da pol ítica nacional de hidrocarbonetos
• Estudo e análise do comportamento do mercado desregulamentado de hidrocarbonetos
• Registro de contratos
• Tarifas
• Procedimentos e regulamentos
• Audiências públicas
• Sanções
• Licenças a sub-distribuidores
• Registro de contratos
• Registro de comercializadores
• Mercado de revenda de capacidade
• Resolução de controvérsias entre os atores da indústria
• Inspeções e auditorias das licenciadas Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003
Estrutura e organização do setor do gás
A partir das reformas empreendidas, fez-se possível distinguir as diversas etapas da
indústria do gás natural (produção, transporte e distribuição), nas quais começaram
a atuar diversos agentes nacionais e estrangeiros.
Os principais aspectos da reforma são detalhados no Quadro V-3.
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Quadro V-3 – Principais aspectos da reforma da indústria de gás natural na
Argentina
ProduçãoProdução
– Preço regulamentado – Mercado altamente concentrado – Fixação de preços a cargo do Ministério da
Economia
– Preço regulamentado; – Mercado altamente concentrado; – Fixação de preços a cargo do Ministério de
Economia.
Antes da privatizaçãoAntes da reforma Depois da privatizaçãoDepois da reforma
– Preço negociado livremente (LE) – Mercado menos concentrado (ainda
poucos vendedores) – Autoridade regulatória (ENARGAS)
autoriza o repasse na tarifa das variaçõesno preço do gás (pass-through) (LE)
– Preço negociado livremente;– Mercado menos concentrado (ainda
poucos vendedores); – Autoridade regulatória (ENARGAS)
autoriza o repasse das variações no preço do gás (pass – through) à tarifa.
Transporte Transporte
– GasdelEstado – Empresa estatal – Único comprador e vendedor de gás
– Gas delEstado: – Empresa estatal; – Único comprador e vendedor de gás.
– Acesso aberto – Tarifas regulamentadas(LE) – Duas transportadoras – Transportadoras têm restrições para
comprar ou vender gás
– Acesso aberto;– Tarifas regulamentadas;– Duas transportadoras;– Transportadoras têm restrições para
comprar ou vender gás.
DistribuiçãoDistribuição
– Nove empresas de distribuição– Tarifas regulamentadas (LE) – Lucros derivados exclusivamente do
serviço de distribuição
– Nove empresas de distribuição;– Tarifas regulamentadas;– Lucros derivados exclusivamente do
serviço de distribuição.
Autoridade RegulatóriaAutoridade Regulatória
– Secretaria de Energia – GasdelEstado – Secretaria de Energia;– Gas delEstado.
– Secretaria de Energia (prospeção e produção)
– ENARGAS (transporte e distribuição) – Lei 24.076
– Secretaria de Energia (prospeção eProdução);
– ENARGAS (transporte e distribuição).
Fonte: Análise STRAT/RG
Esta nova estrutura permitiu ampliar o universo de possíveis transações no mercado
argentino de gás natural (ver Quadro V-4).
Quadro V-4 – Estrutura da indústria depois da reforma
T1 T1
ProduçãoProdução
T2 T2
D/C1 D/C1 D/C2 D/C2
Usuárioslivres (>
5.000 m3/dia)
Usuárioslivres (>
5.000 m3/dia) Mercado
cativoMercado cativo
Comercializadores Comercializadores
ExportaçõesExportações
Produção/ importaçãoYPF
Produção/ importaçãoYPF
Transporte e distribuiçãoGas del Estado
Transporte e distribuiçãoGas del Estado
Mercado cativoMercado cativo
Antes da privatização Depoisda privatização
Fonte: Análise STRAT/RG
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Como parte fundamental do novo modelo do setor, criaram-se fortes restrições
(embora parciais) à integração vertical de produtores, transportadores, distribuidores
e comercializadores. A regulamentação é muito forte neste ponto e, no entanto, é
proibido a integração vertical da cadeia através do controle societário direto, indireto
ou comum de um elo sobre o outro20.
Da mesma forma, as transportadoras de gás não detêm monopólios regionais para a
prestação do serviço, sendo apenas proprietárias de seu sistema de transporte.
Além disso, essas empresas não podem comprar nem vender gás (a não ser para
consumo próprio), de modo que seus lucros estão relacionados, unicamente, com a
prestação dos serviços de transporte. Finalmente, as transportadoras competem
com as distribuidoras e com os produtores que podem construir seus próprios
gasodutos e, ao se expandirem, assumem o risco.
As empresas distribuidoras, cuja licença de prestação do serviço é regional, não têm
exclusividade territorial (têm uma prioridade) na provisão do serviço, dado que os
sub-distribuidores podem competir pelo território sem infra-estrutura ou serviço.
Ademais, não têm exclusividade no fornecimento aos grandes usuários, porque
podem vender serviços integrados ou não – conforme escolha dos grandes usuários
que podem contratar diretamente cada trecho da prestação a terceiros com ou sem
by pass físico.
A figura do sub-distribuidor incluída no marco regulatório define-se como sendo um
operador de menor escala que presta o serviço de distribuição a um grupo de
usuários de uma determinada área, com autorização do ENARGAS e tomando o gás
20 Sendo assim, um produtor, um armazenador, um comercializador ou um usuário final que compra gás diretamente do mercado atacadista não pode ter uma participação controladora (mais de 50% do capital acionário) na companhia investidora que controla uma transportadora ou uma distribuidora. No caso dos usuários finais, esta restrição aplica-se somente a ter uma participação controladora no distribuidor da região em que está localizado. Por sua vez, um distribuidor não pode ter uma participação controladora em uma transportadora nem uma transportadora pode ter uma participação controladora em uma distribuidora. Entretanto, um grupo de produtores, armazenadores, distribuidores ou consumidores que compram o gás por conta própria podem, em conjunto, ter um poder controlador sobre uma sociedade investidora que controla uma transportadora ou uma distribuidora, se em conjunto não transportarem mais de 20% do gás que flui pelo sistema da transportadora ou distribuidora correspondente. Observe-se que as restrições de integração vertical no âmbito da propriedade são parciais. Isto faz com que os grupos econômicos possam se integrar verticalmente em alguma medida para minimizar os riscos e, por outro lado, fomenta a concorrência, proibindo participações controladoras em mais de uma etapa da cadeia. Da mesma forma, devemos observar que o modelo limita a qualquer ofertante ou demandante do gás do mercado atacadista uma participação controladora nas redes de transporte e distribuição em que se realizam as transações, precisamente para fomentar a concorrência nesse mercado. Qualquer grupo econômico que não seja ofertante ou demandante de gás pode ter uma participação controladora em uma transportadora ou distribuidora.
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geralmente de um distribuidor. Na prática, o distribuidor tem prioridade no serviço,
mas não conta, rigorosamente, com um direito exclusivo.
Sistema tarifário
O sistema tarifário adotado pela Argentina constitui o de preços máximos (price cap)
por classe de serviço, sendo permitida a concessão de descontos. Na verdade, ao
se tratar de tarifas máximas, o prestador pode diminuí-las à sua conveniência, com a
finalidade de manter ou ampliar o seu mercado, sem necessidade de autorização
por parte do ENARGAS. Entretanto, cabe assinalar que, em nenhum caso, pode
discriminar ou deixar de recuperar os seus custos.
No que se refere aos mecanismos de ajuste de tarifas, há adequações de natureza
diversa:
• Algumas são predeterminadas no tempo:
o Semestrais (geradas pela indexação automática por índice de preços
dos Estados Unidos, Producer Price Index, e/ou pela variação do
preço do gás commodity);
o Qüinqüenais (geradas pelo mecanismo da revisão tarifária);
o Extraordinárias (geradas por mudanças circunstanciais, alterações
tributárias, etc.).
• Outras são predeterminadas na forma:
o Automaticamente para o Producer Price Index (PPI) ou pela variação
sazonal do preço do gás;
o Procedimentos diversos, segundo critérios de impostos ou de taxas.
• Em outros casos, o mecanismo de ajuste foi estabelecido somente de forma
genérica e a ser determinada, como no caso das Revisões Qüinqüenais das
Tarifas (RQT), por meio das quais o órgão regulador pode definir os
procedimentos:
o para ajustar somente o nível tarifário (calculando a incidência dos
fatores de eficiência e de investimento do próximo qüinqüênio em
termos percentuais); ou
o para revisar também a estrutura das tarifas (método de revisão
global).
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Os subsídios tarifários estão permitidos sempre e quando estiverem previstos, de
forma explícita, no orçamento do governo nacional. Não acontece o mesmo com os
subsídios cruzados, os quais estão expressamente proibidos.
No transporte doméstico, as tarifas são máximas e reguladas, enquanto que no
transporte de exportação, há livre negociação das tarifas entre as partes. As tarifas
refletem o fator distância por áreas entre as zonas de entrega no mercado e de
injeção nas jazidas21.
Os tipos de serviço de transporte são basicamente firme, interruptível e de
intercâmbio e deslocamento, sendo este último de menor importância.
A modalidade tarifária para o serviço firme é de taxa por reserva de capacidade e
taxa por uso de combustível para movimentação do gás entre as zonas de injeção e
entrega do mesmo. A tarifa interruptível é por unidade de volume transportado e
também tem uma taxa por uso de combustível para movimentação do gás. Esta
tarifa equivale à tarifa firme com um fator de carga de 100%.
As tarifas de distribuição são reguladas e máximas, devendo refletir o custo de
provisão de cada serviço de acordo com as características a seguir:
• Os serviços do tipo firme são mais caros em comparação com os do tipo
interruptível, porque os primeiros impõem um custo maior;
• Os serviços conectados às redes de distribuição são mais caros que aqueles
conectados aos gasodutos da rede básica;
• A magnitude das margens de distribuição nas tarifas finais está inversamente
relacionada ao volume de gás consumido, em cada tipo de serviço;
• As tarifas para grandes usuários da modalidade firme são estruturadas sob
uma modalidade na qual é cobrada uma taxa por capacidade (mensalmente)
e uma taxa volumétrica;
• As tarifas para grandes usuários interruptíveis são estruturadas, somente em
função de uma taxa volumétrica.
O preço de venda ao consumidor final inclui os custos de aquisição do gás das
distribuidoras, constantes dos contratos de gás. As normas vigentes estabelecem
21 Para mitigar o fator distância foram estabelecidas tarifas por zona, ao invés de tarifas ponto a ponto.
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um mecanismo de pass-through implementado pela ENARGAS, por meio do qual se
repassa o custo do gás para a tarifa aplicável aos consumidores finais.
De acordo com o previsto na regulamentação, a implementação desse mecanismo
deve ser neutra em relação aos distribuidores, de tal forma que estes não sejam
beneficiados nem prejudicados pela variação do preço do insumo. O princípio
aplicável é que o usuário paga como tarifa final o resultado da soma do preço do
gás, negociado livremente por cada distribuidora no mercado atacadista, com as
tarifas pelos serviços de transporte e distribuição reguladas (máximas).
A concorrência no setor
O modelo implementado assumiu a existência de um possível desenvolvimento da
concorrência nas atividades de produção e comercialização, sendo reguladas as
tarifas dos segmentos de transporte e distribuição. Este quadro liberal complementa-
se com o quadro de livre importação. A exportação do gás, cujo preço é negociado
livremente, está sujeita à prévia autorização por parte da autoridade reguladora e da
Secretaria de Energia.
O preço do gás na boca do poço manteve-se regulado posteriormente à
privatização, até dezembro de 1993. Os produtores e os agentes autorizados do
sistema (grandes usuários, distribuidores e comercializadores) negociam livremente
as condições de fornecimento. Não há, como no caso do transporte ou da
distribuição, modelos de contrato para o fornecimento de gás.
O ENARGAS deve autorizar o repasse das variações (a maior ou a menor) do preço
na boca do poço para a tarifa final. Atenta-se para o fato de que este procedimento
somente é efetuado para aqueles usuários cujo mercado é cativo da distribuidora.
No modelo pós-reforma, os grandes usuários que pagam tarifas de distribuição
(preço de gás natural + custo de transporte + margem de distribuição) podem
realizar um by-pass comercial (pelo gás e/ou transporte) e, também, físico22, com
restrições de volume e mediante o cumprimento de determinados períodos. O
sistema de solicitação de by-pass serve para informar as partes, bem como gerar
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um ambiente de negociação para o solicitante e o prestador incumbente. A
autoridade reguladora intervém em caso de conflito.
Com a finalidade de promover o acesso a diferentes opções de serviço (unbundled),
para um maior número de usuários previamente cativos, ampliou-se, em 1997, o
mercado desregulado das transações, diminuindo-se o limite, originalmente previsto
no marco regulatório, de 10.000 m³/dia para 5.000 m³/dia, de modo a possibilitar o
by pass comercial ou físico às licenciadas.
Ademais, visando garantir a livre disponibilidade do gás por parte dos produtores,
bem como de opções por parte dos usuários de maior porte, a Lei do Gás
estabeleceu o princípio de acesso aberto não discriminatório às capacidades dos
sistemas de transporte e distribuição.
Em outras palavras, foi possível caracterizar o acesso como "contratual regulado",
considerando que:
• A cessão de capacidade realiza-se em função da melhor oferta, através de
procedimentos formais de Open Season ou Concurso Aberto; e
• Os contratos entre transportadores e carregadores devem ser padronizados,
seguindo os modelos aprovados pelo ENARGAS.
Outra medida para promover a concorrência no setor consistiu no estabelecimento
de um mercado secundário para a revenda de capacidade (transferência do direito a
um serviço de transporte firme). As vantagens derivadas deste mecanismo são:
• Alocar a capacidade firme aos carregadores que mais a valorizam;
• Reduzir o custo unitário da capacidade dos carregadores com contrato firme;
• Vender a capacidade não utilizada como um melhor serviço firme, no lugar
de um serviço interruptível;
• Aumentar o fator de carga dos gasodutos; e
• Aumentar a oferta de capacidade sem necessidade de fazer ampliações.
No que se refere à resolução de controvérsias, o marco regulatório estabeleceu um
regime de audiências públicas com o objetivo de encorajar a participação daqueles
22 Evitar a utilização de uma rede de distribuição ou de um gasoduto de transporte construindo seu próprio duto de conexão
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atores mais ativos do setor do gás que, de forma direta ou indireta, pudessem ser
afetados pelas controvérsias ou pelas decisões regulatórias a serem adotadas.
A convocação para a audiência pública pode ser realizada por mandato ou por
pedido das partes, em todos os casos que o ENARGAS considere necessária.
Entretanto, está obrigado a convocá-la em determinados casos, tal como para a
revisão tarifária.
Regras de expansão da infra-estrutura
As expansões de transporte são facultativas. Isto é, as transportadoras não estão
obrigadas a expandir a sua capacidade, mas devem permitir a interconexão com
terceiros e a medição. Por outro lado, quando lançam um projeto de expansão,
estão obrigados a realizar uma oferta pública da eventual capacidade futura.
As transportadoras podem se expandir através de ampliações ou extensões, a partir
dos seus próprios sistemas, ou por meio de interconexões com outros gasodutos, e
através de Acordos de Interconexão com conteúdo operacional e tarifário.
O financiamento da expansão do transporte foi historicamente solicitado pelas
próprias licenciadas e/ou terceiros ad-hoc vinculados a elas, com base em contratos
vendidos a longo prazo com os carregadores.
Atualmente, a crise macroeconômica argentina e a delicada situação financeira das
empresas transportadoras, as quais encontram-se em situação de mora no
cumprimento dos seus compromissos creditícios (bônus e empréstimos), resultaram
no fato das expansões serem oferecidas, somente, com base em sistemas de “pré-
pagamento de capacidade", isto é, por meio dos quais, os carregadores que devem
procurar o financiamento e não as licenciadas.
No que se refere às expansões da rede de distribuição, as distribuidoras estão
obrigadas a expandir a sua capacidade se as suas tarifas o permitirem. Caso se
neguem a fazê-lo, devem:
• Demonstrar que a expansão não é rentável, de modo que não se recuperaria
o investimento através da prestação de serviços através das novas
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instalações a serem construídas, utilizando as tarifas vigentes;
• Especificar a contribuição ou sobre-tarifa que os interessados na expansão
deveriam pagar.
As transportadoras expandiram, sem conflitos, a capacidade dos seus gasodutos,
por meio de aumento da capacidade de compressão dos gasodutos paralelos
(loops). Entretanto, as extensões laterais dos seus sistemas, para atender os
mercados externos ou novos clientes diretos não contaram com as mesmas
facilidades.
No que se refere ao transporte para a exportação, o ENARGAS interpretou que as
empresas transportadoras não podem estender os seus sistemas através de
gasodutos laterais, para atender esses mercados por conta própria (como
proprietárias e operadoras), isto é, sem a intervenção obrigatória de um "terceiro
interessado", como sócio ou terceirizado (caso líder "Gás Andes"). Nestes casos,
realiza-se um "Acordo de Expansão" com o terceiro interessado, o qual passa a agir
como terceirizado. A nova infra-estrutura, fruto da extensão, passa a integrar o
sistema de gasodutos da transportadora em questão.
No que se refere ao fornecimento e desenvolvimento de novos mercados internos
(novos clientes diretos), a autoridade reguladora interpretou que um "novo usuário"
pode instalar a sua planta, com seu próprio gasoduto, através de um by-pass até
fazer a interconexão com uma transportadora, mas estas não podem oferecer ao
"novo usuário" para construírem, serem proprietárias e operarem esse gasoduto
como uma extensão do seu sistema.
Por último, cabe esclarecer que, apesar do mecanismo de revenda estar
expressamente previsto nas regulamentações vigentes, na prática não foi gerado um
mercado secundário de revenda de capacidade de transporte.
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
VI - RESULTADOS DA REFORMA
Em geral, considera-se que os resultados da reforma foram bastante positivos. O
nível de investimento privado esperado se concretizou em todos os elos da cadeia,
com a entrada de diversos novos agentes. A produção expandiu-se para satisfazer
uma demanda crescente, tanto no mercado local como no externo. A infra-estrutura
de transporte (doméstico e de exportação), assim como a de distribuição,
acompanhou esta evolução com expansões relevantes. A qualidade e a quantidade
de serviços disponíveis para os usuários continuou se elevando.
No que se refere aos preços, houve um aumento do nível tarifário geral nos diversos
elos da cadeia e uma mudança na estrutura tarifária, tornando os serviços
residenciais mais caros que os industriais, para refletir melhor os custos relativos
entre os serviços. Este aumento dos preços foi uma demonstração do nível e da
estrutura tarifária para refletir os custos do serviço.
Destacam-se, a seguir, alguns dos efeitos das reestruturações.
Receitas fiscais
Os recursos gerados pelo governo relativos a impostos do setor privatizado foram
praticamente quintuplicados. Por exemplo, enquanto a média anual de pagamento
da Gas del Estado, no que tange a impostos sobre os lucros, durante o período
1990/1992 foi de US$ 42,7 milhões, o valor pago pelas licenciadas, durante o
período 1993/2001 foi de US$ 187,9 milhões (valores correntes).
Outro efeito sobre as receitas fiscais concerne à economia alcançada pelo Governo
Nacional por não ter que financiar os déficits das empresas estatais. Vale observar
que o último déficit operacional da Gas del Estado, antes de sua privatização, foi de
US$ 230 milhões (valores correntes).
Finalmente, houve efeitos importantes nas receitas e despesas fiscais que não se
mantiveram no decorrer do tempo, a saber: a entrada de verbas ou diminuição de
passivos do Governo Nacional, em conseqüência dos valores pagos na privatização
da Gas del Estado, que chegaram a um total de US$ 2.738 milhões; indenizações
trabalhistas por rescisão contratual de US$ 24 milhões; a assunção da dívida da Gas
del Estado de US$ 466 milhões pelo governo. O Quadro VI-1, a seguir, é um
exemplo de outros aspectos relacionados com as receitas fiscais e receitas oriundas
da privatização.
Quadro VI-1 – Receitas do Estado Nacional Argentino pela privatização do setor de
gás natural
US$ milhões
Impostos (segmento regulado) 5.352
Imposto sobre os lucros 1.691
Impostos + Dividendos 5.811
Impostos (total) 9.030
Venda de ativos 3.218
Passivos de Gas del Estado (assumidos pelas licenciadas) 2.700
Nota: US$ 5.352 milhões de impostos equivalem a 66% das receitas geradas pelo setor. Fonte: ENARGAS; Asociação de Distribuidoras de Gás Natural (ADIGAS), 2003.
Novos Agentes
Deve ser mencionado que agentes do setor privado (estrangeiros e nacionais)
entraram no setor, com um grau de integração vertical parcial na cadeia do gás.
Considerando o objetivo das reformas de segmentar a cadeia do gás e de introduzir
a concorrência através de limitações verticais e horizontais, no que se refere à
propriedade, o número de agentes do setor privado que se incorporaram foi
significativo. Atualmente, diversas novas empresas, operam no segmento de
produção, as quais apresentam-se nos Quadro VI-2 e VI-3 a seguir:
Quadro VI-2 – Participação dos principais agentes presentes na atividade de
produção de gás
Agente %
Repsol-YPF 30,6
Total Austral 18,9
Pan American Energy 11,9
Pluspetrol 11,2
Petrobras Energia (ex Pecom Energia) 7,2
Tecpetrol 7,0
Chevron 3,3
Capex 2,0
Sipetrol 1,5
Outros 6,4
Total 100,0
Fonte: Secretaria de Energia, 2002.
Quadro VI-3 – Participação dos principais agentes na oferta de gás
Agente % Repsol-YPF 45,8
Wintershall 11,4
Pan American Energy 8,7 Pecom Energía 6,6 Tecpetrol - Mobil -CGC 3,9 Coastal 3,7 Pluspetrol 3,5 Chata 2,9 Sudelektra 2,0 Tecpetrol 1,9 Tecpetrol-Ampolex-CGC-YPF 1,7 Pluspetrol - Astra 1,6 American – Wintershall 1,5 Pionner 1,0 Outros 3,7 Total 100,0
Fonte: ENARGAS, 2002.
O nível de concentração observado (medido simplesmente a partir do maior agente
ou dos quatro maiores) continua sendo importante. A Repsol-YPF tem 36% das
reservas e 31% da produção. Adicionalmente, a empresa, através de "joint-ventures"
com outros agentes e aquisições de outros produtores, controla aproximadamente
46% da oferta do mercado atacadista. Outros agentes importantes, no segmento de
produção, são a TotalFinaElf e a Pluspetrol. Estas empresas, juntamente com a
Repsol-YPF, controlam a metade das reservas e 58% da produção total.
No que se refere às atividades do downstream, em conseqüência dos requisitos do
edital de concorrência da Gas del Estado, cada grupo investidor participante devia
contar com um Operador Técnico Internacional (como acionista obrigatório) que
cumprisse determinadas exigências mínimas (quantidade de usuários, quilômetros
de infra-estrutura etc.). Foi assim que diversos agentes globais ingressaram no país,
tais como, British Gas, Grupo Gas Natural, TransCanada, Gruppo Camuzzi, Enron,
Gaz de France, Gasco , tanto no momento da licitação como, mais adiante, a partir
de vendas de participações acionárias.
Por outro lado, a própria privatização implicou a substituição da Gas del Estado por
um total de dez novas empresas (duas de transporte e oito de distribuição) às quais,
em 1997, foi acrescentada uma nona distribuidora para prestar serviços no nordeste
argentino, que era a única área em que a Gas del Estado não tinha desenvolvido
infra-estrutura.
Nas transportadoras de gás doméstico (ver Quadro VI-4), é possível destacar como
acionistas da TGN, CMS Energy, TotalFinaElf, Techint e Petronas. No caso da TGS,
os principais acionistas são ENRON e PESA (Petrobras S.A).
Quadro VI-4 – Composição acionária nas companhias de transporte de gás
Em dezembro de 2002
Licenciada Acionistas Participação
Compañía de Inversiones de Energía (CIESA) 55,30%
Pecom Energía S.A. 25,00%
Pecom Hispano Argentina S.A. 25,00%
Enron Argentina CIESA Holding S.A. 16,67%
Enron Pipeline CO. Arg. S.A. 33,33%
Pecom Hispano Argentina S.A. 1,67%
Pecom Energía S.A. 3,31%
Enron de Inversiones de Energía S.C.A. 10,00%
TR
AN
SP
OR
TA
DO
RA
DE
GA
S
DE
L S
UR
S.A
.
Oferta Pública 29,73%
Gasinvest S.A. 70,44%
Tecgas N.V. 27,24%
TotalFinaElf Gas Transmission Argentina S.A. 20,61%
TotalFinaElf S.A. 6,63%
Transcogas Inversora S.A. 22,28%
Compañía General de Combustibles S.A. 4,96%
Petronas Argentina S.A. 18,29%
CMS Gas Argentina Company 29,42%
Transcogas Inversora S.A. 0,03%
Compañía General de Combustibles S.A. 0,01%
TotalFinaElf Gas Transmission Argentina S.A. 0,03%
TotalFinaElf S.A. 0,01%
Petronas Argentina S.A. 0,03% TR
AN
SP
OR
TA
DO
RA
DE
GA
S D
EL
NO
RT
E S
.A.
Tecgas N.V. 0,04%
Fonte: ENARGAS, 2003.
No caso das distribuidoras (Ver Quadro VI-5), os principais acionistas são BG
(Metrogas), Gas Natural (BAN), Camuzzi (Pampeana e Sur), Tractebel (LitoralGas),
Sociedad Italiana per il Gas (ECOGAS y Cuyana). No caso da distribuidora BAN,
cabe destacar que a Repsol-YPF tem 47% da Gas Natural e, portanto, controla 20%
dessa empresa.
Quadro VI.5. – Composição acionária nas companhias de distribuição de gás, em
dezembro de 2002
Licenciada Acionistas Participação
Gas Argentino S.A. 70,00%
British Gas International B.V. 54,67%
YPF S.A. 45,33%
Oferta pública de ações 20,00% M
ET
RO
GA
S S
.A.
Programa de Propriedade Participada (PPP) 10,00%
Invergas S.A. 51,00%
Gas Natural Internacional SDG S.A. 51,00%
LGE Power Argentina III L.L.C. 28,00%
Manra S.A. 21,00%
Gas Natural SDG Argentina S.A. 19,00%
AFJPs (fundos de pensão argentinos) 25,90%
GA
S N
AT
UR
AL
BA
N S
.A.
Outros 4,10%
TIBSA Inversora S.A. 90,00%
Tractebel S.A. 70,0%
LITO
RA
L G
AS
S.A
.
Tecgas N.V. 30,0%
Gascart S.A. 100,00%
José Cartellone Construcciones Civiles S.A. 50,0%
GA
SN
OR
S
.A.
GASCO S.A. 50,0%
Inversora de Gas del Centro S.A. 51,0%
LG&E Internacional Inc. 75,00%
Societá Italiana per il Gas per Azioni 25,00%
Societá Italiana per il Gas per Azioni 31,3%
LG&E Internacional Inc. 7,6%
DIS
TR
IBU
IDO
RA
DE
G
AS
DE
L C
EN
TR
O
S.A
.
Programa de Propriedade Participada (PPP) 10,0%
Inversora de Gas Cuyana S.A. 51,00%
LG&E Power Argentina III LLC 23,93%
Societá Italiana per il Gas per Azioni 76,07%
Societá Italiana per il Gas per Azioni 6,84%
LG&E Power Argentina III LLC 2,16%
Oferta pública de ações 30,00%
DIS
TR
IBU
IDO
RA
DE
G
AS
CU
YA
NA
S.A
.
Programa de Propriedade Participada (PPP) 10,00%
Sodigas Sur S.A. 90,0%
Camuzzi Argentina S.A. 56,91%
Sempra Energy (Denmark-1) ApS 43,09%
CA
MU
ZZ
I G
AS
DE
L
SU
R S
.A.
Programa de Propriedade Participada (PPP) 10,0%
Licenciada Acionistas Participação
Sodigas Pampeana S.A. 86,09%
Camuzzi Argentina S.A. 56,91%
Sempra Energy (Denmark-1) ApS 43,09%
AFJPs (fundos de pensão argentinos) 13,65%
CA
MU
ZZ
I GA
S
PA
MP
EA
NA
S.A
.
Outros 0,26%
Licenciada Acionistas Participação
Consulyf S.A. 41,0%
Gaseba S.A. 15,0%
Servicios del Centro S.A. 12,0%
Pan American Energy Holdings Ltd. 12,0%
GA
S N
EA
S.A
.
Provincia de Entre Ríos 20,0%
Fonte: ENARGAS, 2003.
Vale destacar que, na área de transporte, também continuou vigente a Lei de
Hidrocarbonetos (Lei Nº 17.319), segundo a qual os produtores podem se
transformar em concessionários de transporte e construir seus próprios gasodutos,
permitindo-se, assim, algum grau de integração vertical de produção com o
transporte.
A partir desta alternativa, diversos projetos foram lançados, alguns de grande porte,
para os mercados de exportação (Methanex, Gas al Pacífico, Atacama). Cabe
ressaltar que, em muitos casos, tais projetos competiam com as próprias licenciadas
de transporte pela Lei do Gás (TGS e TGN).
Alguns agentes que se destacam no segmento de transporte de exportação são
TotalFinaElf (em GasAndes); TotalFinaElf, El Paso e Repsol-YPF (no Gas al
Pacífico); CMS, Endesa, Pluspetrol e Repsol-YPF (em Atacama); Tractebel (em
NorAndino); TotalFinaElf, Techint, CMS (em Paraná - Uruguaiana); BG,
PanAmerican Energy, Wintershall (em Cruz del Sur).
De forma similar, na área de distribuição, as licenciadas regionais também entraram
em mercados em que havia pequenos sub-distribuidores ou nos quais se
desenvolveram, mais adiante, em concorrência com elas.
A regulamentação previu, também, a existência de comercializadores de gás ou de
transporte que podem atuar por sua conta ou por conta de terceiros. Tais agentes
não se desenvolveram da forma esperada, já que o processo de abertura dos
mercados e de desregulamentação foi interrompido pelas contingências derivadas
da crise macroeconômica, no fim de 2001. É possível destacar que os únicos que
perduram nesta atividade estão vinculados às distribuidoras e atuam como um
apêndice delas, embora sem desafiar o território das demais licenciadas.
Finalmente, é importante mencionar que diversos agentes, também, participam em
mercados relacionados, tais como o da eletricidade, atuando como grandes usuários
de gás natural. Por exemplo, a Repsol-YPF possui parte do capital acionário da
geradora Dock Sud, de 845 MW (36%), e da Pluspetrol Energy, de 600 MW (45%).
Da mesma forma, a TotalFinaElf tem 60% do capital acionário da Central Puerto, de
2.166 MW.
Os Contratos em uma indústria segmentada
Passar de uma indústria integrada verticalmente para outra segmentada, com
múltiplos agentes com funções específicas e fortes restrições de integração, implica
que o setor deve, certamente, ser "reintegrado por meio de regulamentações
precisas" caso se deseje a produção de resultados positivos na cadeia.
Neste setor, nenhum agente estaria em condições de assinar contratos com duração
superior a um ano (ainda mais se forem de natureza firme e para cada um dos
serviços - fornecimento de gás, transporte e distribuição) se não existir algum tipo de
certeza sobre os mecanismos de determinação de preços, qualidade e
disponibilidade do produto.
O crescimento do número de contratos, tanto no segmento atendido pelos
distribuidores verticalmente integrados, (bundled, ou seja, o distribuidor provê o gás,
o transporte e a distribuição) como no de serviços separados (unbundled), teve um
crescimento constante. Na reforma, o fato de vencer a inércia não contratual que
existia no setor representou um mérito importante porque, em pouco tempo, a maior
parte dos contratos foram assinados, conforme era exigido dos prestadores de
serviços de transporte e distribuição, produtores e grandes usuários (ver Quadros
VI-6 e VI-7).
Quadro VI-6 – Evolução dos contratos de distribuição assinados
Período 1993 - 2002
Distribuidora 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Metrogas 57 68 74 80 178 231 324 336 334 341 Gas Natural Ban 106 110 138 206 192 217 247 270 302 302 Centro 48 68 80 111 126 140 169 194 204 210 Cuyana 34 51 71 83 95 117 132 153 146 155 Gasnor 47 65 84 109 95 107 105 123 134 137
Pampeana 12 37 53 64 100 116 137 153 178 193 Sur 1 15 32 35 59 54 53 65 66 66
Litoral 56 75 90 95 142 133 145 167 157 163
TOTAL 361 489 622 783 987 1.115 1.312 1.461 1.521 1.567
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
Quadro VI-7 – Evolução dos contratos de transporte assinados
Período 1993 - 2002
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 TOTAL 25 47 75 104 120 146 183 237 283 280
Firme 17 26 34 45 55 66 89 114 132 138 Interruptível 6 16 30 42 48 54 60 77 86 80 Deslocamento 2 5 11 17 17 26 34 46 65 62
TGS 17 27 43 60 68 81 104 121 151 150 Firme 11 12 13 15 17 22 33 41 58 61 Interruptível 5 10 22 33 38 40 46 53 59 56 Deslocamento 1 5 8 12 13 19 25 27 34 33
TGN 8 20 32 44 52 65 79 116 132 130 Firme 6 14 21 30 38 44 56 73 74 77 Interruptível 1 6 8 9 10 14 14 24 27 24 Deslocamento 1 0 3 5 4 7 9 19 31 29
Fonte: ENARGAS, ano 2003.
Investimentos
Os investimentos nos segmentos de transporte e distribuição de gás aumentaram
consideravelmente. Neste sentido, as transportadoras e distribuidoras de gás
investiram US$ 4.119 bilhões no período de 1993-2001 (ver Quadro VI-8). A preços
de dezembro de 2001 (moeda constante), esse valor equivale a US$ 408 milhões ao
ano versus um valor de US$ 259 milhões originados na época de gestão estatal da
Gas del Estado, no período 1970-1991 (57% de aumento).
Quadro VI-8 – Investimento em transporte e distribuição depois da privatização
Em milhões de US$ correntes – período 1993 - 2002
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Total Transporte 62,2 271,5 203,1 206,9 347,1 371,3 284,1 215,7 228 128,1 Total Distribuição 175,9 370 285,5 176,4 179,8 217,1 194,8 164,5 165,2 71,7 Total 238,1 641,5 488,6 383,3 526,9 588,4 478,9 380,2 393,2 199,8
Fonte: ENARGAS, ano 2003.
Este maior valor nos investimentos deve-se aos seguintes motivos:
• A obrigação das licenciadas de conseguir padrões internacionais de
segurança e qualidade de serviço (investimentos obrigatórios que foram
totalmente cumpridos); e
• Investimentos voluntários (relacionados com as perspectivas do mercado)
realizados pelo setor privado.
A crise macroeconômica, a partir de 2001, a conversão das tarifas em pesos, e o
ambiente de incerteza em relação às características da renegociação das licenças
causaram, em 2002, uma diminuição de 56%, em valores correntes, nos
investimentos nos setores de transporte e distribuição, em comparação com a média
do período 1993-2001. Esta queda pode ser considerada ainda maior em termos de
obras realizadas, considerando-se a variação dos preços internos desde a
desvalorização. Neste sentido, o IPIM (índice de preços atacadista interno),
normalmente utilizado para indexar a base de ativos físicos em termos contábeis,
teve um crescimento médio, em 2002, de, aproximadamente, 77%. Deste modo, a
queda, em valores constantes, dos investimentos é ainda maior, a saber, 75%.
Capacidade de Transporte
Um dos principais problemas da Gas del Estado foi a sua falta de capacidade para
satisfazer a demanda do gás natural em regiões nas quais o serviço era oferecido,
apenas, a alguns clientes (problemas com a interface de distribuição), bem como a
determinadas regiões não servidas pelos gasodutos (problemas de transporte).
Da mesma forma, durante o inverno, era comum a falta de pressão do gás – fator
que afetava negativamente a qualidade do serviço prestado aos usuários (ex: cortes
a usuários industriais para fornecer para os usuários residenciais, comerciais ou
pequenas indústrias, sem alternativas de fornecimento de energia).
No que se refere a expansões, a partir de 1993, realizaram-se investimentos
significativos e seus riscos foram assumidos pelas licenciadas, tanto para o
fornecimento do mercado doméstico como para o transporte para a exportação. No
período de 1993-2001, a capacidade de transporte doméstico cresceu 68,5% (ver
Quadros VI-9 e VI-10).
No caso do transporte de exportação que não existia antes da reforma da indústria,
acrescentou-se uma capacidade de, aproximadamente, 40 MM m³/dia que vincula a
Argentina com o Chile, o Brasil e o Uruguai.
Quadro VI-9 – Evolução da capacidade de transporte para o mercado doméstico de
gás
Em MM m³/dia
Gasoduto 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Indice (Dez. 1992=100)
Norte 13,4 13,4 14,6 16,9 17,1 17,1 19,9 20,4 22,5 22,5 167,9
Centro Oeste 11,2 14,8 15,7 16,3 20,2 25,4 27,8 31,9 31,9 31,9 284,8
Total TGN 24,6 28,2 30,3 33,2 37,3 42,5 47,7 52,3 54,4 54,4 221,1
Neuba I 11,0 11,2 11,2 13,5 13,5 13,5 13,5 13,5 13,5 13,5 122,7
Neuba II 18,5 26,0 26,6 26,6 27,6 27,6 27,6 27,6 28,4 28,4 153,5
San Martin 15,4 15,8 16,9 16,9 16,9 17,3 18,0 20,9 22,3 22,3 144,8
Total TGS 47,1 55,2 56,9 59,2 60,2 60,6 61,3 64,2 66,4 66,4 141,0
TOTAL 71,7 83,4 87,2 92,4 97,5 3,1 109,0 116,5 120,8 120,8 168,5
Fonte: ENARGAS. Ano 2003.
Quadro VI-10 – Evolução da utilização da capacidade de transporte
Injeção / Capacidade nominal
96%
87%90%
93%90% 88%
91% 92%
85%79%
72%69% 70% 69% 68%
73% 71%68%
86%
79% 78% 79% 78% 76%81% 80%
75%
1.99
3
1.99
4
1.99
5
1.99
6
1.99
7
1.99
8
1.99
9
2.00
0
2.00
1
InvernoVerãoMédia anual
Fonte: ENARGAS/Análise STRAT/RG. Ano 2002.
Qualidade do Serviço
As ampliações de capacidade de transporte, no mercado doméstico, reduziram,
significativamente, as restrições de gás aos grandes usuários (indústrias e centrais
elétricas), durante o período do inverno, melhorando, consideravelmente, o nível de
pressão na região de Buenos Aires e a qualidade de fornecimento aos usuários
residenciais (ver Quadro VI-11).
Quadro VI-11 – Evolução das restrições de gás natural
Período 1993 - 2002
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Volume (MM M3/d) (1) 21,4 2,2 5,1 8,1 2,4 0,9 8,4 7,1 1,5 4,3
Índice (1993=100) 100 10 24 38 12 4 39 33 7 20
Restriç./ Gás fornecido (em %) 35,9 3,6 7,9 12,2 3,5 1,3 10,7 8,8 2,0 5,8
Temperatura Média Buenos Aires (em ºC) 12,2 13,1 11,5 10,1 10,5 11,0 12,0 11,4 12,9 10,9
(1) Volume médio das restrições a Grandes Usuários de gás no trimestre Junho-Agosto Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
Não há dúvidas de que o cenário favorável descrito alterou-se devido às mudanças
macroeconômicas ocorridas no fim de 2001 e começo de 2002. Na verdade, essas
modificações institucionais e econômicas repercutiram imediatamente sobre o setor.
Cabe ressaltar, nesse sentido, como a capacidade de transporte doméstico
permaneceu estagnada em 2002, e, também, durante 2003.
Capacidade de distribuição
Acompanhando o crescimento da demanda e levando o fornecimento a áreas até
então não servidas, desenvolveram-se, de forma sustentável, novas infra-estruturas
de gasodutos regionais, redes e conexões residenciais. Desta forma, as
distribuidoras, que se consolidaram como sendo as principais carregadoras da
capacidade de transporte ampliada anteriormente citada, aumentaram a capacidade
dos seus sistemas e os volumes de gás transportados.
Também, registraram-se ganhos de eficiência na utilização da capacidade existente
administrada pelas distribuidoras (capacidade sobre os gasodutos da rede básica e
dentro das redes). Sobre este ponto, cabe destacar que, no sistema pós-reforma, as
restrições aos grandes usuários, em períodos críticos, foi-se articulando através de
acordos voluntários, expressos nos contratos entre as distribuidoras e seus clientes,
de tal forma que a prioridade de corte seja inversa ao preço do serviço ou à
disposição de pagamento.
Em termos de penetração do gás (ver Quadro VI-12), vale destacar que, durante o
período pós-privatização, as entregas de gás aos consumidores cresceram
anualmente de forma acumulativa a uma média de 5,3%, até o ano 2000, em
concordância com aumentos significativos no número de novos usuários e na
extensão da rede. A partir desse ano, a taxa de crescimento da penetração do gás
caiu, provavelmente devido à crise macroeconômica que já se manifestava.
Quadro VI-12 – Evolução da rede, quantidade de usuários e volume entregue
Período 1992 - 2002
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Km rede (milhares) 67,4 74,2 79,1 83,6 86,9 89,7 93,8 98,8 103,0 108,5 111,8
Usuários (milhares) 4.351 4.522 4.717 4.842 4.998 5.151 5.340 5.505 5.647 5.754 5.796
MMm3/d fornecidos 53.966 59.434 61.607 67.227 72.186 73.781 74.671 82.671 85.351 79.058 76.684
Fonte: ENARGAS, Ano 2003.
No momento da privatização (dezembro de 1992), o nível de penetração do gás na
matriz energética era de 40%, aproximadamente, o que implica a existência de uma
infra-estrutura importante de transporte e distribuição, a qual havia sido
desenvolvida, principalmente, durante a época em que a gestão tanto da YPF como
da Gas del Estado era estatal23. Durante a década de 80, depois da construção do
Gasoduto Neuba, houve uma significativa substituição de outros combustíveis pelo
gás natural.
A não ser por questões de localização, que tornam anti-econômica a extensão de
um gasoduto para o fornecimento de plantas industriais, o nível de utilização do gás
natural na indústria já é bastante alto, considerando os locais onde o energético está
disponível devido à existência de infra-estrutura.
Um fenômeno similar acontece no segmento residencial, no sentido de que o grau
de penetração é elevado nas grandes cidades, permanecendo sem atender usuários
de municípios distantes da rede básica de transporte ou devido a escassos recursos
econômicos.
Entretanto, de acordo com o Quadro VI-13 abaixo, o diferencial entre o preço do gás
liquefeito e do gás natural residencial (sem incluir o custo de extensões, ligações e
medidores) é bastante favorável à introdução deste último.
Devido, também, à desvalorização do princípio de 2002, à conversão em pesos e ao
congelamento das tarifas, o preço do gás liqüefeito (commodity exportável) foi mais
de 80% superior àquele do gás natural residencial. O resultado foi o surgimento de
23 O Decreto Nº 22.389/1945 cria a Diretoria Geral de Gás do Estado, encarregada da produção e distribuição de combustíveis gasosos. Através do Decreto No. 144/1979 transforma-se Gas del Estado Empresa do Estado em Sociedade do Estado. A Sociedade foi declarada constituída em 18/07/1978.
pedidos de novas conexões e extensões às distribuidoras de gás, os quais têm sido
negados, principalmente, por falta de capacidade na rede para atender tais
solicitações.
Esta situação de distorção de preços relativos não constitui um bom sinal econômico
para o setor.
Quadro VI.13. – Preços relativos entre gás natural e dos principais combustíveis
concorrentes
30% 32%
81%
15%
25%20%
GN / GLP residencial GNC / Nafta super GN / FO industrial
Pré-desvalorização
Atual
Referências: Nafta super (gasolina 95 RON), FO (fuel oil ou óleo combustível).
Fonte Análise STRAT/RG, a partir de dados da CAMMESA, ENARGAS e mapeamento GBA. Ano 2003.
No Quadro VI-14 a seguir, pode-se observar a evolução dos preços do gás natural e
de seus energéticos concorrentes no período 1993 – 2003, com destaque para a
distorção gerada pela desvalorização do peso e congelamento dos preços e tarifas
do gás natural a partir de janeiro de 2002.
Quadro VI-14 – Evolução de preços do gás natural e dos principais combustíveis
concorrentes
Período janeiro 1993 – outubro 2003
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
01-0
1-93
01-0
5-94
01-0
1-95
01-1
0-95
01-0
7-96
01-0
5-97
01-0
7-98
01-1
2-99
01-0
1-01
01-0
4-01
01-0
7-01
01-1
0-01
01-0
1-02
01-0
4-02
01-0
7-02
01-1
0-02
01-0
1-03
01-0
4-03
01-0
7-03
01-1
0-03
US
$/M
3 G
N
Fuel Oil
GN City Gate GBA
Petróleo
Tarifa Interrumpible
Notas: - O preço do óleo combustível corresponde ao Preço de Referência CAMESSA para centrais elétricas
“Puerto Nuevo” e “Nuevo Puerto Costanera-Capital Federal”; - O preço city gate do gás natural corresponde ao preço médio do gás na Bacia Neuquina mais o custo
de transporte (TGS) até Buenos Aires; - O preço do petróleo cru é aquele do WTI (Western Texas Intermediate); - A tarifa interruptível corresponde ao serviço ID Capital Federal (Metrogas). Fonte: CAMMESSA / ENARGAS. Ano 2003.
Além do próprio crescimento da população e da atividade econômica em geral, as
principais opções de crescimento do consumo do gás natural estiveram relacionadas
à geração elétrica e aos mercados de exportação (também impulsionado pelos
investimentos no setor elétrico).
Em resumo, apesar da existência de uma infra-estrutura relativamente desenvolvida
no mercado interno e de níveis de penetração já elevados no mercado industrial, a
participação do gás na matriz energética continuou aumentando.
Contratos e opções de fornecimento - Grau de abertura à concorrência
Na estrutura e organização do setor, antes da reforma, não era possível, em termos
práticos, que o usuário escolhesse o tipo de serviço e, conseqüentemente, a
concretização dos contratos era praticamente desnecessária.
Na organização do setor após a reforma, (acesso aberto contratual e abertura para a
escolha dos usuários de consumo superior a 5000 m3/dia) no qual as partes
interagem livremente, dentro das pautas determinadas no marco regulatório,
concretizaram-se acordos sobre as condições de prestação do serviço (ex.: firme /
interruptível e variações ou combinações de ambos), a modalidade ou valor (nível de
descontos) da tarifa e outros elementos. No Quadro VI-15 a seguir, apresentam-se
os descontos outorgados aos grandes usuários.
Quadro VI-15 – Descontos da tarifa para grandes usuários (média total - licenciadas)
Tipo Usuário 1997 1998 1999 Sem By Pass 15,8% 13,7% 11,9% Centrais Térmicas 21,9% 11,2% 19,2% Indústrias 12,5% 9,5% 15,3% Com By Pass 36,0% 17,1% 16,1% Centrais Térmicas 37,6% 18,5% 18,2% Indústrias 32,8% 15,5% 17,0% TOTAL 26,8% 15,6% 12,7% Centrais Térmicas 33,1% 15,3% 14,2% Indústrias 19,5% 12,8% 15,5%
Nota: Desconto calculado em relação a despesa total a ser feita pelos usuários segundo tarifas
máximas de licença (no caso dos usuários com by pass acrescentou-se o valor do gás)
Fonte: ENARGAS, Ano 2000.
Da mesma forma, ficou patente a existência de maior concorrência no setor, dentre
outras coisas, pelo número cada vez maior de grandes usuários que foram
decidindo, ano após ano, comprar o gás e/ou contratar o serviço de transporte
diretamente de fornecedores que não eram os distribuidores (isto é, transportadoras,
comercializadores ou produtores).
O número de contratos aumentou, no decorrer dos anos, e, obviamente, superaram
os que inicialmente faziam parte do sistema privatizado, quais sejam, os contratos
de transporte entre distribuidores e transportadoras e entre os primeiros e seu
produtor YPF, principalmente.
Todos os grandes usuários alocados à tarifa interruptível (que era a mais baixa em
termos de fator de carga menor de 100%) paulatinamente, celebraram contratos
firmes e interruptíveis com as distribuidoras e, mais adiante, assinaram contratos
que segmentavam o serviço completo que recebiam da distribuidora (gás, transporte
e distribuição).
Desta forma, ao longo dos anos, ficou patente o aumento no exercício, por parte dos
usuários, do direito de by-pass comercial (compra direta de gás e, com as
distribuidoras, contratação do serviço de distribuição e, eventualmente, do serviço de
transporte), passando de 1,5% do total do gás entregue em 1993, para 34,1% em
2002 e, em menor medida, do by-pass físico (conexão direta com o gasoduto de
transporte ou produção segundo sua proximidade da jazida), de 0,8% para 10% do
total (ver Quadro VI-16).
Quadro VI-16 – Volume de gás entregue, por modalidade de comercialização
Em MM m³/dia – período 1993 - 2002
Modalidade de comercialização 1993 % 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 %
Revenda de Gás Us. Distribuidoras 54,8 92 52,2 50,3 46,2 42,6 43,6 46,7 43,6 39,2 36,6 48
By Pass comerciais 0,9 2 3,8 8,3 14,9 20,3 19,5 21,0 26,2 26,1 26,2 34
By pass físicos 0,5 1 1,1 1,4 1,9 3,1 3,6 6,2 7,0 7,4 7,6 10
RTP Cerri 3,2 5 3,2 3,8 4,0 3,8 3,5 4,2 4,1 3,6 3,9 5
Usuários em boca de poço 0,0 0 1,4 3,4 5,1 3,9 4,4 4,5 4,3 2,6 2,3 3
TOTAL 59,4 100 61,7 67,2 72,2 73,7 74,6 82,6 85,3 79,0 76,7 100
Fonte: ENARGAS. Ano 2003.
Finalmente, é importante ressaltar que, embora historicamente e como
conseqüência da maior capacidade disponível e da menor quantidade de restrições
registradas, os usuários com serviço interruptível puderam dispor de um combustível
mais econômico (obtendo um menor custo energético médio).
Impacto nas tarifas e na economicidade do serviço
Podem-se distinguir, claramente, três períodos de evolução das tarifas do setor
gasífero:
• O de implementação da reestruturação, de 1990 até dezembro de 1992 (a
privatização da Gas del Estado), e que, fundamentalmente, causou um
reequilíbrio entre as categorias de pequenos consumidores (residenciais,
comerciais e pequenas indústrias) e os grandes usuários;
• O período de após as privatizações até a crise macroeconômica e a
desvalorização (dezembro de 2001), que inclui os ajustes tarifários do gás
(após a desregulamentação e por pass-through) e os ajustes por indexação
das margens de transporte e distribuição;
• O período de após a desvalorização até o presente, no qual se mantiveram
as tarifas congeladas no mercado doméstico (não assim os preços do gás
entre produtores e grandes usuários) e foram segmentadas as tarifas de
transporte, segundo o destino, a saber, em dólares para o transporte
destinado ao mercado externo, e em pesos para o mercado interno.
A seguir, detalham-se todas as mudanças no que se refere aos níveis e estruturas
tarifárias.
Em linhas gerais, incluindo-se, na análise, o período do processo de privatização até
o surgimento da crise macroeconômica, em dezembro de 2001, houve um aumento
do nível tarifário e um reequilíbrio tarifário que implicou um aumento maior para os
usuários residenciais do que para os grandes usuários (ver Quadros VI-17 e VI-18).
Esta constitui uma transparência necessária da estrutura das tarifas haja vista que
as mesmas não refletiam os custos dos serviços, não só no que se refere aos custos
da empresa como, também, das melhores práticas internacionais em matéria de
determinação tarifária.
Quadro VI-17 – Evolução dos preços de gás natural por segmento da demanda
Em AR$ correntes / MMBTU24 – Em Capital Federal – Com impostos
Segmento Fev.91 Abr.91 Fev.92 Mar.92 Dez.92 Dez.01 Atual (*)
Residencial (250 m3/mes) 3,14 3,46 4,92 4,91 5,30 5,89 6,05
Industrial (200 m3-dia) 3,81 3,88 3,88 3,88 4,18 4,59 4,75
Industrial (1.000 m3-dia) 3,51 3,15 3,15 3,20 3,87 4,29 4,45
Industrial (10.000 m3-dia) 3,44 2,99 2,99 3,04 2,51 2,39 2,53
Centrais Elétricas 2,08 2,34 2,53 2,53 2,51 2,28 2,41
Grande Usuário Firme (10.000 m3/dia) - - - - 3,26 3,02 3,16
(*) TC (AR$/US$) = 2,80
Fonte: Análise STRAT/RG, Ano 2003.
Quadro VI-18 – Evolução dos preços de gás natural por segmento da demanda
Em AR$ constantes de outubro 2003 / MMBTU – Em Capital Federal – Com
impostos
Segmento Fev.91 Abr.91 Fev.92 Mar.92 Dez.92 Dez.01 Atual (*)
Residencial (250 m3/mes) 7,94 7,45 8,77 8,59 8,47 8,57 6,05
Industrial (200 m3-dia) 9,34 8,83 8,03 7,89 8,10 8,33 4,75
Industrial (1.000 m3-dia) 8,60 7,18 6,52 6,51 7,51 7,77 4,45
Industrial (10.000 m3-dia) 8,44 6,80 6,18 6,17 4,88 4,34 2,53
Centrais Elétricas 5,00 5,54 5,83 5,75 5,67 4,94 2,41
Grande Usuário Firme (10.000 m3/dia) - - - - 7,36 6,53 3,16
(*) TC ($/US$)=2.8
Fonte: Análise STRAT/RG, Ano 2003.
Em pesos correntes, as tarifas residenciais aumentaram 87%, enquanto que as
centrais elétricas interruptíveis aumentaram, apenas, 10% até a deflagração da crise
macroeconômica, caso sejam utilizadas na comparação as tarifas máximas
aprovadas.
Entretanto, em pesos constantes, o aumento tarifário foi menor, pelo significativo
aumento que tiveram os índices de preços domésticos, na primeira etapa da
conversibilidade (índice de preços ao consumidor +74 % entre fevereiro de 1991 e
dezembro de 2001).
Sob este tipo de análise, o aumento da taxa de crescimento dos índices domésticos
de preços reduz-se para, apenas, 8% nos residenciais, e para uma variação de
quase 0% para as centrais elétricas interruptíveis.
Em dólares constantes, o aumento das tarifas é mais importante porque a inflação
americana foi menor, até a deflagração da crise macroeconômica, desde o início da
conversibilidade. Neste esquema de análise, o aumento tarifário foi de 70% para o
setor residencial, por exemplo.
As tarifas foram sendo ajustadas previamente à privatização, com exceção dos
preços da commodity. Vale observar que o reequilíbrio foi claro, porque as tarifas
24 British Thermal Unit (unidade de medida de energia).
dos grandes usuários são menores do que aquelas que vigoravam na época da Gas
del Estado (ver Quadro VI-19).
As vantagens da privatização, para o setor industrial de grandes usuários, foram,
apenas, tarifas menores e disponibilidade do serviço. Além disso, o aumento da
capacidade de transporte disponível teve como conseqüência o fato do serviço
interruptível não ser tão interrompido durante o inverno e, assim, os industriais
receberam em forma volumétrica (com menos risco) capacidade e gás25. Neste
sentido, houve, claramente, um aumento da qualidade de prestação do serviço com
uma significativa diminuição do seu custo.
Quadro VI-19 – Comparação da estrutura tarifária antes e depois da reforma da
indústria
25 O aumento da capacidade de transporte eliminou os gargalos nesse setor que não existiam na infra-estrutura de distribuição. Esta situação criou um novo conflito: as distribuidoras tentavam vender um serviço firme (transporte e distribuição) através de uma estrutura tarifária com cargas por capacidade (e em conseqüência o consumidor corria o risco por um fator de carga menor de 100%) enquanto o usuário queria pagar um serviço interruptível com uma alta probabilidade de que o corte por falta de capacidade fosse um fato pouco provável. Esta foi a origem de diversos conflitos com a distribuição do gás no Norte.
100 100 100 100 100 100 100
121
112
79 79 79 78 79
112
91
64 65
73 73 74
109
87
61 62
47
41 42
66 68
51 51 47
39 40
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Residencial (250 m3/mes) Industrial (200 m3/dia)
Industrial (1000m3/dia) Industrial (10000m3/dia)
Centrais elétricas
Antes da privatização Depois da privatização
Nota: Indice Base: Tarifa Residencial = 100 Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Os Quadros VI-20 e VI-21 a seguir permitem analisar a evolução das tarifas finais
dos segmentos residencial e industrial, bem como sua composição.
Quadro VI-20 – Evolução da composição da tarifa residencial Em US$ constantes de outubro 2003/MMBTU
1,10 1,19 1,18 1,18 1,15 1,35
0,48
1,461,78
3,28 3,20
4,16 3,92
1,27
1,19
1,28
1,50 1,58
0,96 1,11
0,37
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Impostos Nacionais
Transporte e Distribuição
Preço gás boca de poço
Antes da privatização Depois da privatização
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003
Quadro VI-21 – Evolução da composição da tarifa industrial para grandes usuários
Em US$ constantes de outubro 2003/MMBTU
1,10 1,19 1,18 1,18 1,15 1,35
0,48
2,441,75 1,72 1,72
1,19 0,69
0,22
0,57
0,74 0,72 0,78
0,63
0,55
0,19
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Impostos nacionais
Transporte e distribuição
Preço gás boca do poço
Antes da privatização Depois da privatização
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003
Observando os Quadros VI-20 e VI-21, é importante também atentar para a
evolução dos diversos componentes da tarifa final, isto é, o preço da commodity gás,
a margem de transporte e de distribuição e os impostos nacionais.
Em primeiro lugar, há uma questão na reestruturação das margens no momento da
privatização que está pouco relacionada com o preço do gás. Segundo, o aumento
do gás ocorre porque não foram readequados os preços de bacia (que eram iguais
em todo o país, 0,97 US$/MMBTU), quando as tarifas são calculadas com base na
distância. As projeções que já se realizavam no momento da privatização eram:
Bacia Neuquina: 1,36 US$/MMBTU (aumento de 40%), Bacia Austral: 1,0
US$/MMBTU (+3%), e Bacia Noroeste, 1,23 US$/MMBTU (+27%). As projeções do
preço médio do gás em todo o país eram de 1,25 US$/MBTU, isto é, um aumento
médio de 29% em dólares nominais. Note-se que a projeção de maior aumento –
confirmada posteriormente quando foram liberados os preços do gás - era para o
gás da Bacia de Neuquén, a mais próxima do principal centro de consumo, Buenos
Aires – com menor custo de transporte.
Como é possível observar, as projeções não estiveram longe da realidade. O preço
do gás aumentou, principalmente, no período após a privatização, acumulando um
aumento em dólares constantes de 22%. A margem de transporte e distribuição, por
sua vez, teve uma variação importante, durante o processo de privatização
propriamente dito, apresentando uma tendência decrescente depois da privatização,
acumulando um crescimento de 268% para os consumidores residenciais e uma
queda de 72% para os grandes usuários industriais. É possível, também, verificar
como a queda dos impostos nacionais, depois do processo de privatização, diminuiu
o impacto do crescimento de outros componentes da tarifa.
Finalmente, é possível observar como depois da desvalorização, em 2002, e do
processo inflacionário posterior, as tarifas diminuíram em moeda constante (72% em
dólares constantes e 40% em pesos constantes, aproximadamente, em média para
todas as categorias). Esta diferença deve-se ao fato das tarifas em pesos manterem-
se inalteradas e a taxa de desvalorização ser superior à taxa de crescimento dos
índices dos preços domésticos.
Complementaridade com o setor elétrico (expansão térmica)
Com a reestruturação e privatização nos dois setores, houve uma crescente
participação do gás como fonte de geração elétrica (a potência instalada térmica
passou de 49%, em 1992, para 55%, em 2000, e o consumo de gás de 7%, em
1993, para 27%, em 2001). Isto ocorreu graças às próprias forças do mercado, que
privilegiaram a ampliação da capacidade térmica pelas suas vantagens
comparativas em relação a outras fontes que tinham recebido maior ênfase do
governo no passado, como a nuclear ou a hidroeletricidade26.
O preço da eletricidade no mercado atacadista de geração mostrou uma queda de
62% em moeda corrente, entre agosto de 1992 e dezembro de 2001. A utilização em
maior proporção de uma fonte barata de geração como o gás natural foi um dos
fatores que explicaram este comportamento, além de outros como a forte
concorrência que houve na oferta, como resultado da atomização durante a
privatização de unidades de negócio geradoras e da diminuição do custo de
investimento em térmicas de ciclo combinado.
26 Paralelamente à transformação do setor de hidrocarbonetos, o Estado também deu impulso para a transformação do setor elétrico, estabelecendo-se através da Lei No. 24.065/92 um novo marco regulatório. Depois do processo de privatização e transformação a que foram submetidas diversas empresas estatais nacionais e provinciais, prestadoras dos serviços de energia elétrica, o mercado elétrico ficou claramente dividido nas atividades de: (i) geração; (ii) transporte e; (iii) distribuição de energia elétrica. Neste sentido, da mesma forma que no caso da reestruturação da indústria do gás natural, o setor elétrico segmentou-se e foi introduzida a concorrência em atividades tais como a geração e a comercialização para os grandes usuários. Criou-se um mercado atacadista do gás administrado pela CAMMESA, uma sociedade anônima com participação de todos os agentes deste mercado e da Secretaria de Energia. Além disso, houve um processo de liberação crescente de usuários finais no decorrer do tempo que aumentou a dimensão do mercado aberto à concorrência. O papel do Estado ficou limitado à regulamentação das diversas atividades relacionadas ao setor de energia elétrica e ao controle das empresas privatizadas. Tudo isso através dos diferentes organismos criados para tal efeito como o ENRE (Ente Nacional Regulador Elétrico).
Vale, também, destacar o aproveitamento da característica sazonal da demanda
residencial do gás, que causa uma sobra de capacidade de transporte de gás não
utilizada durante o verão. As tarifas interruptíveis do gás e outras modalidades
contratuais negociadas com os carregadores elétricos (serviços de pico) permitiu o
aproveitamento pleno deste excesso de capacidade sazonal com um custo
relativamente baixo em relação a outras fontes de geração, fato que causou um
impacto sobre o custo de geração elétrica.
O desenvolvimento do mercado do gás e seu grau de concentração no
upstream
Ressaltou-se, nas condições de contexto da transformação da indústria do gás, a
necessidade de conceder participação ao capital privado na prospecção e produção,
atividades que eram desenvolvidas, principalmente, pela YPF ou, por meio de
contratos celebrados com terceiros.
A importância da YPF como operadora e comercializadora, nos primeiros anos de
operação do setor privatizado, ainda, era elevada (ver Quadro VI-22), e somando
todas as participações das três empresas seguintes em termos de tamanho chega-
se a um valor aproximado de 92%. Esta configuração do upstream e as próprias
características físicas de localização e do tipo de atividade fazem com que esta
indústria não tenha uma conformação de um mercado de competitivo, considerando
a característica configuração de oligopólio neste tipo de atividade.
Quadro VI-22 – Participação da companhia Repsol-YPF nas atividades de upstream
64%58% 60% 62% 59%
44%51% 51%
46%
37%42% 40% 38% 41%
56%49% 49%
54%
1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002
YPF Outros
Fonte: ENARGAS e Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Este alto grau de concentração foi uma das principais razões utilizadas em diversas
ocasiões, sobretudo, pelos grandes usuários e suas associações27, para alegar que
o aumento de preços observado no upstream resultou de um comportamento
prejudicial por parte dos produtores.
Entretanto, faz-se importante notar que a elevação de preços era previsível na
passagem de um regime de mesmo preço de gás na boca do poço para outro com
tarifas de transporte por distancia. Em qualquer caso, o preço do energético
aumentou depois da sua desregulamentação, com alguma diferenciação entre os
preços de verão e inverno, e mostrando uma escassa volatilidade no decorrer do
tempo, caso se compare com o preço do petróleo.
A regulamentação do pass-through do preço do gás permitia (não de maneira
automática) o repasse das variações do preço do gás para as tarifas. Isto, a princípio
(diferentemente da regulamentação price cap para o serviço de transporte e
distribuição), não foi um fator que privilegiasse uma atitude mais negociadora na
27 Assim como também das associações dos pequenos consumidores (com apresentações em audiências públicas, reclamações apresentadas à Autoridade Regulatória e à Autoridade de Defesa da Concorrência, entre outros)
fixação dos preços. Os contratos, por sua vez, dispunham de uma série de cláusulas
restritivas as quais, da mesma maneira, não ajudavam a promover a concorrência.
O funcionamento do mercado ficou aquém do esperado pelas autoridades e
medidas corretivas foram aplicadas em vários sentidos:
• Permitir uma maior transparência dos preços: para tanto, foram publicados
preços de referência do gás por bacia, tanto por parte da ENARGAS como
por parte da Secretaria de Energia;
• Utilizar os contratos de grandes usuários (não integrados horizontalmente)
com produtores como preços máximos para autorizar os pass-through;
• Introduzir um mercado spot28 de gás, por meio da outorga de um incentivo
para que as companhias distribuidoras melhorassem as suas práticas
comerciais e pudessem ficar com uma porcentagem da diferença de preço
que conseguissem abaixo dos preços de referência por bacia.
Estas foram as medidas iniciais, posteriormente complementadas por outras que
surgiram das negociações mantidas com a principal produtora, a YPF, e estiveram
relacionadas a:
• A remoção das cláusulas de preços consideradas anticompetitivas para o
mercado interno e externo;
• O compromisso da YPF de não renovação dos contratos através dos quais
os terceiros cediam a comercialização dos volumes produzidos àquela
empresa;
• A geração de um mecanismo de comparação de contratos de gás com a
finalidade de proceder a autorizar as mudanças de preços no pass-through.
Cabe esclarecer que, da mesma forma que as negociações ocorridas no mercado
de gás nunca satisfizeram as autoridades, também, as razões apresentadas e os
mecanismos de comparação utilizados por elas não foram suficientemente claras
para os demais atores.
É relevante observar que a presença da Repsol-YPF29 no mercado vem diminuindo
consideravelmente o que, em conseqüência, diminui o grau de concentração. De um
28 Diz-se spot o mercado de comercialização de um bem com uma variação do preço em função da dinâmica entre oferta e demanda naquele mercado. 29 A YPF S.A. foi adquirida em 1998 pelo Grupo Espanhol Repsol, formando a Repsol-YPF. Dados anteriores a 1998 referem-se à YPF S.A.
lado, enquanto a produção do gás próprio se manteve em, aproximadamente, 40%,
no período de 1994-1999, o gás próprio, além do comercializado a terceiros, teve
uma redução passando de 63% para 61%, no mesmo período. Esta diminuição foi
causada pelo compromisso - já citado – da Repsol-YPF, de diminuir a venda de gás
de terceiros, compromisso concluído em 2003.
Uma medida geralmente utilizada para quantificar o grau de concentração é o índice
HHI30. Este indicador, no fim de 1998, para a variável produção e para o conjunto
das bacias proporcionava um valor de 3.725, sendo que, em 1999, diminuiu para
2.841. Segundo os padrões utilizados nos Estados Unidos31, ainda se trata de um
setor concentrado apesar da forte diminuição observada no índice.
30 Este indicador (Herfindahl – Hirschman) para um mercado em particular se mede como a soma das participações relativas e um valor de 1.000 representa 10 empresas, tendo cada uma delas uma participação de 10%. 31 Segundo o Departamento de Justiça e a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos, um setor relativamente desconcentrado tem um HHI menor do que 1000. Um setor de concentração média, presenta valores HHI entre 1.000 e 1.800, enquanto um setor muito concentrado tem valores superiores a 1.800.
Estudo para Elaboração de um Modelo de Desenvolvimento da Indústria Brasileira de Gás Natural
Contrato N°. 7039/03 – ANP – 008.766
78
CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor do Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Transformação
IV. Descrição do Processo de Transformação no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Transformação
VI. Resultados da Reforma
VII. Impacto da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
VII - IMPACTO DA CRISE MACROECONÔMICA SOBRE O SETOR
A crise macroeconômica Argentina, a partir do fim do ano 2001, gerou múltiplas
interrogações sobre quais seriam os seus impactos sobre a prestação do serviço e
sobre o tipo de reorganização necessária na indústria do gás.
A promulgação da Lei de Emergência Pública (LEP), no começo de 2002 (houve
outras normas complementares), por meio da qual se modificaram as regras do
setor, submeteu à renegociação todos os Contratos de Licença celebrados entre o
Estado Argentino e as empresas prestadoras dos Serviços Públicos de Transporte e
de Distribuição de gás.
Vale destacar que até o fim do ano de 2001, as empresas prestadoras dos serviços
de transporte e distribuição de gás natural contavam com uma série de direitos e
garantias contempladas no conjunto normativo em vigor, tais como:
• Cálculo de tarifas em dólares;
• Cálculo de ajustes semestrais pelo Producer Price Index (PPI) dos Estados
Unidos;
• Conversão das tarifas de Transporte e Distribuição de dólares para pesos no
momento do faturamento (nos termos da paridade $1 peso = 1US$, prevista
pela Lei da Conversibilidade);
• Direito a uma rentabilidade razoável sobre os investimentos, medida em
termos de dólares norte-americanos;
Direito à compensação por menor nível de receitas pela aplicação de medidas de
controle de preços sobre a tarifa.
Porém, a partir da entrada em vigor da LEP e até a renegociação dos contratos de
serviços públicos (que ainda não aconteceu), surgiu um novo cenário no qual cabe
ressaltar as situações a seguir:
• a conversão em pesos dos contratos em moeda estrangeira (preço do gás na
boca do poço, a temática do seu pass-through ao mercado doméstico, e as
tarifas de transporte e distribuição) causou um impacto sobre toda a cadeia,
gerando uma falta de investimento em prospecção e produção devido à falta
de incentivos, políticas de manutenção mínima relacionadas com a
segurança, assim como um desajuste cada vez maior entre a evolução da
demanda e a oferta de gás e transporte;
• A proibição de indexar os contratos para ajustá-los pelas variações no tipo de
câmbio ou pela inflação;
• O bloqueio dos depósitos bancários e o seu efeito sobre a restrição do
crédito com um impacto direto sobre as expansões da infra-estrutura;
• A combinação de tarifas convertidas em pesos com um alto endividamento
em dólares causou o default32 da dívida do setor privado;
• A distorção dos preços relativos entre o gás natural e os energéticos
concorrentes, cujos preços haviam sido ajustados em função da
desvalorização da moeda;
• O subsídio implícito dos setores industriais usuários do gás natural e dos
setores exportadores, que haviam sido beneficiados pela forte redução do
custo do energético;
• As pautas do marco regulatório foram insuficientes para permitir a retomada
das atividades do setor (a ruptura das regras do jogo por parte do Governo
transformaram em "letra morta" diversas disposições da regulamentação
que, atualmente, devem ser renegociadas). Da mesma forma, a revisão
qüinqüenal de tarifas que deveria estabelecer novos preços, a partir de 2003,
permanece suspensa até o presente momento.
De fato, apesar dos recentes atrasos e entraves percebidos atualmente, o direito
argentino conta com diversos Institutos jurídicos para canalizar a reestruturação do
setor (Doutrina do Fato do Príncipe, Teoria da Imprevisão; os Princípios do Equilíbrio
Econômico e Financeiro dos Contratos, do Custo Compartilhado, da repartição
eqüitativa dos encargos públicos; etc).
Ainda que até o presente momento as soluções para os setores de serviços públicos
regulados (dentre eles o transporte e distribuição de gás) foram retardadas por
diversas razões, parece claro que grande parte deve-se às falta de vontade política
do Governo, originada por:
• Mudança de Autoridades (quatro Presidentes, três provisórios e o atual eleito
recentemente) e a integração das Comissões de Renegociação dos
Contratos;
32 Termo utilizado para denominar o não cumprimento das obrigações financeiras.
• Direções contraditórias nas medidas adotadas e nas declarações públicas de
funcionários (deve-se levar em conta a forte repercussão social e política do
tema);
• Questionamentos jurídicos nas recomposições tarifárias tentadas, que não
seguiram os procedimentos previstos (ajuste de tarifas sem a revisão global
dos direitos e obrigações das empresas, ausência de Audiências Públicas);
• Judicialização parcial dos processos de renegociação ou recomposição
(suspensão dos ajustes por PPI, anulação de decretos com ajustes
tarifários);
• Priorização governamental de outros temas (supondo que os parâmetros de
qualidade antes estabelecidos dos serviços garantiriam o suprimento ainda
com o atraso em sua recomposição);
• Mudança na compreensão do papel do Estado e dos agentes privados na
produção de bens e serviços (este é o único ponto que pode induzir à
modificação no modelo efetivo, embora não devido a defeitos internos no
esquema regulatório – que podem ser superados sem maiores
inconvenientes – mas sim por uma caracterização ideológica distinta acerca
do setor).
A situação anteriormente descrita, paralelamente à demora na resolução da
problemática do setor, gerou prejuízos às empresas prestadoras de serviços, como
resultado dos fatores a seguir:
• Receitas em moeda nacional inalteradas pela conversão em pesos, e
inclusive reduzidas pelo aumento da falta de pagamento das faturas (dada a
impossibilidade de cobrança);
• Aumento no custo dos insumos e no custo operacional em moeda doméstica
pelo efeito inflacionário da desvalorização;
• Aumento considerável nos custos financeiros das companhias pelas
consideráveis dívidas em dólar assumidas durante a Convertibilidade (que
em alguns casos caíram em default);
• Encarecimento e dificuldade de acesso ao crédito;
• Suspensão dos planos de investimento em expansões pela ruptura do
equilíbrio econômico financeiro e às arriscadas previsões dos investidores;
• Diminuição da qualidade do serviço devido ao aumento dos contratos
sujeitos à interrupção e à elevação do custo esperado da energia.
Os impactos produzidos no setor pela quebra da convertibilidade e a conseqüente
mudança nas regras pode ser observado nos diversos aspectos apresentados a
seguir:
1) No upstream, a partir da sanção da LEP, o ENARGAS suspendeu o pass-
through do maior custo do gás ao mercado cativo das distribuidoras. Como é
possível observar no Quadro VII-1, essa situação criou uma defasagem entre os
preços do gás na boca do poço para o mercado interno e externo. Atualmente
os preços médios das bacias Neuquina, Noroeste e Austral, estabelecidos pelo
ENARGAS, para o mercado doméstico, estão em, aproximadamente, 0,50
US$/MBTU, 0,39 US$/MBTU e 0,36 US$/MBTU respectivamente, enquanto os
preços externos são, aproximadamente, três vezes mais altos.
Quadro VII-1 – Preços de gás por região produtora
Em US$ / MMBTU
Convertibilidade Pós-Desvalorização (*)
Inverno 01 Verão 01 Verão 02 Inverno 02 Atual
Bacia Neuquina Preço para grande usuário 1,50 1,31 0,37 0,41 0,51 Preço médio da bacia 1,53 1,37 0,39 0,43 0,53 Preço de exportação 1,57 1,41 1,41 1,49 1,49 Ratio Exp/Preço médio da bacia 1,02 1,03 3,61 3,50 2,80
Bacia Noroeste Preço para grande usuário 1,22 1,15 0,33 0,32 0,40 Preço médio da bacia 1,24 1,19 0,34 0,35 0,43 Preço de exportação 1,24 1,27 1,27 1,26 1,26 Ratio Exp/Preço médio da bacia 1,00 1,06 3,71 3,64 2,92 Bacia Austral Preço para grande usuário 1,03 0,95 0,27 0,28 0,35 Preço médio da bacia 1,06 1,00 0,29 0,30 0,37 Preço de exportação - - - - -
(*) Considerando um tipo de câmbio de 3,50 AR$/US$ para os períodos Verão 2002 e Inverno 2002 e
2,80 AR$/US$ para o período atual.
Fonte: Análise STRAT/RG com base dados ENARGAS, Ano 2003.
As conseqüências negativas destes sinais inadequados de preços no upstream
tiveram como resultado menores investimentos em prospecção, como é possível ver
no Quadro VII-2. Neste sentido, a inexistência de poços terminados em prospecção
durante o ano de 2002, poderia afetar, a médio prazo, a capacidade de produção
das diversas bacias.
Quadro VII-2 – Evolução dos poços totais
3 1119 14 12 10 3 11 7 0
11
40
53
3828 38
63
83 94
50
1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002
Resto
Poços terminados em prospeção
Fonte: Secretaria de Energia; Análise STRAT/RG. Ano 2003
2) Os efeitos da conversão das tarifas em pesos, no âmbito do mercado das
distribuidoras, juntamente com a desvalorização da moeda argentina, causou a
erosão dos níveis tarifários em termos de dólares. Esses níveis tarifários são
inadequados para manter a sustentabilidade de um negócio e com crescimento a
longo prazo.
3) No que se refere a expansões de transporte e distribuição, a atual condição
macroeconômica, a conversão das tarifas em pesos, e a falta de recomposição
da equação econômico financeira vêm dificultando a realização de ampliações
nos sistemas. No ano de 2002, não houve aumento da capacidade do sistema
de transporte e o crescimento das redes de distribuição foi quase nulo.
Os investimentos nestes segmentos foram limitados à manutenção da segurança
do sistema. No Quadro VII-3 a seguir é apresentada uma comparação dos
valores investidos pelas transportadoras e pelas distribuidoras durante os anos
2002, 2001, e a média do período 1993-2001. Em termos gerais, é possível
observar quedas nos valores investidos em dólares: no transporte, os
investimentos se reduziram em 44% entre 2001 e 2002, valor que chega a 48%
se comparado à média dos anos de 1993-2001; para o segmento de distribuição
a queda é mais acentuada, chegando a uma redução de 67% em 2002 (em
relação à média).
Quadro VII-3 – Investimento em transporte e distribuição
Anos 2001 e 2002
2001 2002 Média 1993
- 2001 Taxa Var.
2002 / 2001 Taxa Var.
2002 / Média
Transporte (MM US$) 228,0 128,1 243,5 -43,8% -47,4%
Distribuição (MM US$) 165,2 71,7 214,4 -56,6% -66,6%
Total 393,2 199,8 457,9 -49,2% -56,4%
Fonte: Análise STRAT/RG com base dados ENARGAS, ano 2003.
4) Outro efeito da LEP foi a clara diferenciação entre setores de bens
transacionáveis e não transacionáveis . Os aumentos de preços por setores da
economia não foram muito diferentes, desde o fim da convertibilidade, fato
refletido numa distorção significativa dos preços relativos da economia. Neste
sentido, o Quadro VII-4, a seguir, apresenta os aumentos registrados em
diferentes variáveis relacionadas com a evolução de preços, comparados à
variação em alguns energéticos. No caso dos preços dos energéticos, observa-
se uma importante diferenciação entre os mercados regulados (como o gás
natural) e os desregulados (como o de derivados de petróleo).
Quadro VII-4 – Comparação de aumento dos preços de energéticos e índices
médios
46%
118%
188%
79%
128%110%
333%
3%
IPC IPIM TC Gásnatural
Gasolinasuper
Gas oil GLP Fuel oil
Nota: Os preços incluem impostos. Fonte: INDEC / ENARGAS / CAMMESA / Secretaria de Energia / Análise STRAT/RG. Ano 2003. 5) A tendência de adquirir serviços segmentados (unbundled), apresentada pelo
setor de gás até o fim de 2001, se viu afetada pela conversão das tarifas em
pesos e pelo conflito na renegociação do preço de gás, que fizeram com que,
durante a transição, o serviço mais econômico e confiável fosse o totalmente
verticalizado.
6) Por outro lado, a conversão das tarifas em pesos e os aumentos de custos no
setor do transporte e de distribuição afetaram seriamente o fluxo de caixa das
companhias, embora, durante 2002, tivessem sido notáveis as quedas nos níveis
de investimento. O fluxo de caixa do acionista (sem considerar o pagamento do
principal da dívida) caiu de US$ 287 milhões, em 2001, para US$ 116 milhões,
em 2002. Isto representou uma diminuição de 7% para 3% em termos de
rentabilidade do acionista sobre o patrimônio líquido total do setor. O Quadro
VII-5, a seguir, apresenta o fluxo de caixa para o total do setor de transporte e
distribuição.
Quadro VII.5. – Economia das atividades de transporte e distribuição de gás
( Em milhões de US$)
2002 2001 Var. 2002/2001
Vendas (*) 1057,9 2715,3 -61% Compras de gás e transporte -445,2 -1278,6 -65%
Margem 612,7 1436,7 -57% Custos O&M - A&C (**) -252,2 -546,9 -54% Resultados financeiros (***) -176,2 -190,7 -8% Impostos -5,1 -65,6 -92% Investimentos (****) -63,1 -346,4 -82%
Fluxo de caixa (US$) 116,1 287,1 -60% Rentabilidade (Fluxo Caixa / PN início) 2,8% 6,9%
(*) As Vendas no ano de 2001 não incluem ajustes por PPI (Producer Price Index, o índice de ajuste
tarifario). (**) Custos líquidos de amortizações. Inclui outras despesas líquidas.
(***) Consideram-se somente os juros.
Nota: TGS somente segmento regulado.
Fonte: Análise STRAT/RG com base nas Demonstrações Financeiras das Licenciadas, anos
2001/2002.
7) Finalmente, o Quadro VII-6 apresenta a diminuição das receitas e as
transferências entre setores derivados da crise de dezembro de 2001, o fim da
convertibilidade e a conversão em pesos das tarifas do setor.
Quadro VII.6. – Diminuição de receitas e transferências entre agentes da industria
após a crise econômica argentina – Em milhões de US$
Setor externo Setor externo
Transporte e distribuição
Transporte e distribuição
UsuáriosUsuários
Estado Estado
ProdutoresProdutores
Transferência = U$S 80 MM (por default juros dívida)
Margem = U$S 824 MM (por queda das receitas por vendas: conversão em pesos, congelamento das tarifas e aumento dos custos)
Transferência = U$S 171 MM (por diminuição de margem)
Receitas = U$S 954 MM (por queda das receitas das vendas no mercado doméstico: conversão em pesos e congelamento do preço na boca do poço)
Receitas = U$S 177 MM (por queda da arrecadação do Imposto sobre os Lucros)
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Devido à conversão em pesos e ao congelamento do preço do gás na boca do poço,
para as vendas ao mercado doméstico, as receitas de vendas neste mercado
reduziram-se em, aproximadamente, US$ 954 milhões por ano. As mesmas causas,
somadas ao aumento dos custos, fizeram com que a margem dos setores de
transporte e distribuição diminuísse em, aproximadamente, US$ 824 milhões por
ano. Da mesma forma, em conseqüência da diminuição de receitas do setor de
Transporte e Distribuição, o Estado deixou de receber receitas de,
aproximadamente, US$ 177 milhões por ano. Este valor representa a diferença
entre a quantia que as licenciadas deveriam ter pago com uma recomposição
tarifária que levasse a sua rentabilidade aos valores pré desvalorização e a que
efetivamente pagaram durante 2002.
Da mesma forma, no mesmo esquema, é apresentada uma série de transferências
entre os diversos atores do setor:
• Transferência dos segmentos de transporte e distribuição aos usuários:
comparando a margem obtida pelas licenciadas, em 2002, com a que
deveriam ter sido alcançadas para não alterar a sua rentabilidade pré
desvalorização, é possível ver que os setores de transporte e distribuição
"repassaram" aos usuários, aproximadamente, US$ 171 milhões ao ano.
Este valor representa a recomposição tarifária que as margens das
licenciadas correspondentes a 2002 deveriam ter para obter a rentabilidade
pré desvalorização;
• Transferência do Setor Externo aos Segmentos de Transporte e Distribuição:
para o ano 2002, as licenciadas tinham programado vencimentos de capital
de, aproximadamente, US$ 807 milhões. O valor estimado de US$ 80
milhões ao ano representa uma espécie de empréstimo que as licenciadas
receberam do setor externo ao não efetuarem a amortização do principal da
sua dívida. Essa quantia foi estimada considerando-se juros de 10% para
esse empréstimo hipotético.
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor do Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Transformação
IV. Descrição do Processo de Transformação no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Transformação
VI. Resultados da Transformação
VII. Impacto da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
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VIII - POSSÍVEL REVISÃO DO MODELO FACE AO FUTURO
No fim de novembro de 2003, teve início um novo período de renegociação dos
direitos e obrigações do Governo com as licenciadas de transporte e distribuição
cuja conclusão é esperada para dezembro de 2004. Isto leva a pensar quais são os
ajustes ao modelo regulatório argentino que deveriam ser implementados. Da
mesma forma, questiona-se se a sustentabilidade do modelo regulatório argentino
ocorre somente em um ambiente de estabilidade macroeconômica, ou se apenas
seriam necessárias mudanças marginais no mesmo para sanar os problemas atuais.
Um aspecto que é necessário discutir é aquele das tarifas dolarizadas, bem como o
ajuste automático semestral pela variação dos índices de preços externos (o PPI
para Industrial Commodities) dos Estados Unidos. Esta característica do modelo
regulatório argentino começou a indicar uma certa inconsistência, ainda durante o
último período da convertibilidade. Com a recessão interna deflagrada, a partir de
1998, o nível de preços domésticos e os salários apresentaram uma tendência ao
declínio. Ao contrário, o PPI apresentava crescimento. Esta divergência levou a uma
disputa distributiva que obrigou as autoridades a suspenderem o ajuste, afetando
negativamente o ambiente favorável ao investimento no setor.
Com a desvalorização, a disputa distributiva ficou ainda maior, tendo em vista que a
taxa de desvalorização atingiu níveis consideráveis, em um cenário de recessão
profunda. A cobertura cambial tornou-se impraticável na realidade.
Não se deveriam recuperar, necessariamente, todo o capital não amortizado ou a
base de capital no curto prazo, porque as tarifas não podem aumentar
consideravelmente por razões distributivas. Certamente, entretanto, o ajuste em
decorrência do incremento dos custos de serviço deverá ser estruturado por meio de
algum mecanismo admissível pela Lei.
Finalmente, a proposta de recuperar o nível tarifário aumentando os preços dos
grandes usuários e deixando inalteradas as tarifas dos usuários menores (tarifas
sociais) aparece como uma solução de compromisso considerando todas as
restrições políticas e sociais existentes atualmente.
Considerando que algumas tarifas não podem aumentar por razões distributivas
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(ex.: o segmento residencial de baixo consumo), a elevação das tarifas seria
conseguida através do aumento aos usuários industriais. Estas medidas paliativas,
as quais estão sendo consideradas nas esferas governamentais, são o anúncio de
que há outras mudanças no horizonte.
O Quadro VIII-1 exemplifica algumas das opções de reestruturação que estão sendo
estudadas, atualmente, em algumas esferas do governo. O que será descrito, a
seguir, é um tipo de modelo híbrido para se atingirem objetivos de eficiência e de
distribuição de renda. O objetivo de eficiência seria conseguido por meio da
introdução de maior concorrência e transparência através da reorganização das
funções de alguns atores e da estruturação das transações de gás e capacidade. A
distribuição de renda, por sua vez, seria atingida através de preços diferenciais, de
acordo com os tipos de usuários.
Quadro VIII.1. – Comparação dos cenários regulatórios antes e depois da crise
argentina
– Preço do gás negociado livremente – Mercado concentrado e pouco segmentado – Pash-throughENARGAS:
– Preço do gás únicopara todas as tarifas – Repasse não automático
– Comparações de contratos – Otimização do despacho
– Mecanismo de incentivos de compras spot – Procedimento em caso de conflitos
– Mercado a termo com contratos entre partes confidenciais
– Mercado spot pouco desenvolvido – Mecanismo de revenda de capacidade de
transporte – Escassa utilização– Preço máximo
– Estrutura tarifária de distribuição– Tarifas por categoria de serviço, em função
de custos e tipo de demanda – Margem de distribuição interrompível (DI)
muito menos firme: o corte do serviço depende da disponibilidade de transporte, que age como um incentivo para os usuários diretos com serviço firme a pagar DI
– Preço do gás negociado livremente; – Mercado concentrado e pouco segmentado; – Pash-throughENARGAS:
– Preço do gás único para todas as tarifas; – Repasse não automático:
– Comparações de contratos; – Otimização do despacho;
– Mecanismo de incentivos de compras spot; – Procedimento em caso de conflitos.
– Mercado a termo com contratos entre partes Confidenciais;
– Mercado spot pouco desenvolvido; – Mecanismo de revenda de capacidade de
Transporte: – Escassa utilização;– Preço máXimo.
– Estrutura tarifária de distribuição: – Tarifas por categoria de serviço, em função
de custos e tipo de demanda; – Margem de distribuição interrompível (DI)
muito menos firme: o corte do serviço depende da disponibilidade de transporte, que age como um incentivo para os usuários diretos com serviço firme a pagar DI.
Antes da emergência Antes da Lei de Emergência Cenário regulatório estimado Cenário regulatórioestimado
– Preço do gás negociado entre os produtores e o Estado – Mercado segmentado pelo Estado
– Ajustes limitados para as distribuidoras (volumes usuários cativos)
– Trajetória de preços de 19 meses para grandes usuários com by -pass
– Preços de exportações livres e em dólares – Pass -throughSecretaria de Energia – ENARGAS
– Preço do gás segmentado por tipo de cliente – Repasse automático dos preços negociados perante
AIMG – Sistema pass-throughanterior para contratos fora do
AIMG – AIMG
– Divulgação de informação sobre contratos e despacho – Mercado spot diário “obrigatório” de gás e transporte– “Garantir interação” entre e demandantes
– Revenda de capacidade AIMG – Oferta compulsória da capacidade não nominada cada dia – Preço livre
– Estrutura tarifária de distribuição– Segmentação de ajustes por capacidade de pagamento – Aumento da margem DI: para diminuir o incentivo para
que os usuários firmes utilizem serviço interrompível (freeriding)
– Preço do gás negociado entre os produtores e o Estado; – Mercado segmentado pelo Estado:
– Ajustes limitados para as distribuidoras (volumes usuários cativos);
– Trajetória de preços de 19 meses para grandes usuários com by-pass;
– Preços de exportações livres e em dólares. – Pass-throughSecretaria de Energia – ENARGAS:
– Preço do gás segmentado por tipo de cliente; – Repasse automático dos preços negociados perante
MEG (Mercado Eletrónicode Gás); – Sistema pass-throughanterior para contratos fora do
MEG; – MEG:
– Divulgação de informação sobre contratos e despacho; – Mercado spot diário “obrigatório” de gás e transporte;– Garantir interação entre demandantes e oferentes.
– Revenda de capacidade MEG: – Oferta compulsória da capacidade não nominadacada dia; – Preço livre.
– Estrutura tarifária de distribuição: – Segmentação de ajustes por capacidade de pagamento; – Aumento da margem DI: para diminuir o incentivo para
que os usuários firmes utilizem serviço interrompível(freeriding).)
FFonte: Análise STRAT/RG
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor do Gás natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Transformação
IV. Descrição do Processo de Transformação no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Transformação
VI. Resultados da transformação
VII. Impacto da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
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IX. LIÇÕES
A seguir, detalham-se as lições a serem extraídas da experiência argentina, e que
podem ser úteis para o desenvolvimento de um modelo da indústria do gás no
Brasil.
Sentido da oportunidade
Em primeiro lugar, vale destacar que a Argentina começou a reforma da sua
indústria do gás com um grande sentido da oportunidade já que muitos fatores
contribuíram para o consenso necessário à aceitação da mudança, entre eles o forte
descontentamento em relação ao Governo que deixava o poder.
Consenso político interno
Paralelamente ao consenso popular que existia em favor da mudança, a classe
dirigente do país liderou ou aderiu à transformação em vias de realização. Este
apoio se manteve de forma crescente e sustentável, pelo menos, até o fim de 1997:
• Participação do Poder Executivo Nacional e do Congresso da Nação;
• Reprodução das reformas no âmbito da maioria das Províncias (com a
intervenção dos seus correspondentes Governadores e Legislaturas);
• Adesão dos setores mais representativos da atividade econômica local que
buscaram alianças estratégicas com empresas internacionais relevantes de
cada setor;
• A maior parte da classe dirigente sindical, também, ofereceu o seu apoio às
medidas quando o Governo garantiu:
o Planos de saída voluntária para empregados excedentes das
empresas públicas em transformação;
o Planos de distribuição de ações das novas empresas prestadoras aos
seus funcionários.
Consenso político internacional
As mudanças ocorridas na Argentina contaram, também, com um amplo suporte da
comunidade internacional, dos organismos multilaterais de crédito e das principais
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empresas e investidores relacionados com o setor, tais como agentes globais. O
referido apoio consistiu no financiamento das consultorias para elaborar os marcos
regulatórios e os Editais de Licitação para a transformação do setor, assim como da
disponibilização de técnicos e de relatórios de diagnóstico de cada indústria a ser
reformada.
Ao mesmo tempo, a Argentina deu início à assinatura de Tratados de Proteção
Recíproca de Investimentos Estrangeiros com diversos países (38 no total), sendo
que a maior parte deles foram ratificados, posteriormente, por meio da publicação de
Leis Nacionais (25 no total).
Promulgação de conjuntos regulatórios prévios
Constitui, ainda, uma lição significativa da experiência argentina a oportuna
promulgação de diversas leis gerais (de Reforma do Estado, de Emergência da
Economia, de Estabilidade Cambial) e de leis particulares para alguns dos setores a
serem transformados (Marco Regulatório do Gás, da Eletricidade, etc), previamente
à execução das mudanças. Na verdade, embora a Argentina iniciasse diversas
reformas simultaneamente, não foi em todos os setores que houve, um conjunto
regulatório integral e prévio suportado por uma Lei Nacional especial que desse a
suficiente segurança jurídica aos investidores (regras do jogo completas, claras e
prévias à abertura) sobre o futuro desenvolvimento das atividades.
Executores da transformação
Apesar de ser um país organizado como uma federação, uma vez aprovadas as leis
gerais ou particulares que atribuíram competências centralizadas ao PEN para dar
início às reformas, os referidos poderes são delegados pelo Presidente e Ministro
correspondente (Economia e/ou Obras e Serviços Públicos, segundo o caso) aos
denominados Comitês de Privatização ou Comitês de Reforma.
Os supracitados Comitês encarregaram-se de executar as transformações,
conforme segue:
• Assessorando o PEN;
• Diagnosticando o setor correspondente;
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• Formulando a proposta da mudança;
• Elaborando os projetos de normas/regulamentações;
• Definindo unidades de negócio sustentáveis;
• Elaborando os editais de licitação;
• Contratando consultorias de suporte para o desenvolvimento de tais tarefas;
• Cumprindo os cronogramas e processos de privatização;
• Levando à consideração do PEN, ou do Ministro, o produto do seu trabalho
diário para que seja referendado como Regulamentos ou Disposições
Administrativas;
• Controlando o avanço das reformas até que as Agências Reguladoras de
cada setor assumam essas tarefas.
Por último, dentro das novas estruturas de regulamentação e controle, cada setor
reformado contou com uma Agência setorial independente, com perfil profissional e
claras faculdades regulamentares, jurisdicionais e de fiscalização, atribuídas por lei
(desnecessário).
Nos casos da indústria do gás (ENARGAS) e da Eletricidade (ENRE), a constituição
dessas agências, de forma simultânea ao repasse da prestação dos serviços às
mãos do setor privado, pode ser considerado um dos fatores mais significativos para
o sucesso no seu desempenho, considerando o suporte legal das suas atribuições e
o amplo escopo dos seus poderes.
Abertura dos mercados ao capital privado
A saída do Estado de seu papel de empresário de setores durante anos
considerados estratégicos e de sua exclusividade, paralelamente à entrada de
diversos agentes globais do setor privado, geraram um ambiente de negócios locais
e regionais mais competitivo, o qual deu suporte ao crescimento da infra-estrutura e
produziu significativas melhorias na qualidade dos serviços.
Uma combinação razoável entre livre iniciativa e regulamentação
Tal conclusão decorre da observação do conjunto de medidas liberalizantes
outorgadas aos agentes do mercado, em combinação com a forte regulamentação
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de certos aspectos (acesso à infra-estrutura, limitações à integração vertical, etc).
• No caso dos produtores, a liberdade concedida na venda e nos preços do
gás e a livre transferência de divisas ao exterior foi combinada com restrições
que funcionaram positivamente (limitações à integração vertical,
especificação da qualidade do gás, regras de despacho, etc.);
• Nos segmentos de transporte e distribuição, a intensa regulamentação de
aspectos relativos ao acesso (alocação de capacidade, expansões, tipos de
serviço, metodologias tarifárias, modelização dos termos e condições de
fornecimento especificadas nos contratos) foi acompanhada de uma dose de
flexibilidade permitida pela regulamentação e pela Agência reguladora, o que
foi suficiente para o desenvolvimento bem sucedido das atividades.
Multiplicidade de agentes
O modelo argentino também apresenta como lição o fato de se constituírem como
agentes uma série de companhias do setor privado (participando como licenciadas
ou concessionárias, ou ainda como suas investidoras ou acionistas).
Cabe lembrar que quanto à atividade de distribuição, os editais de concorrência
impediram a compra conjunta (ou a posterior aquisição ou fusão) de determinadas
Unidades de Negócio (o serviço de distribuição na Capital Federal e na parte norte
de Buenos Aires). No que toca ao segmento de transporte, a regulamentação exige
que as licenciadas de transporte (TGS e TGN) se mantenham independentes uma
da outra.
Por outro lado, a entrada destes agentes em tais mercados produtores /
transportadores, de distribuidores (atividades reguladas) e de comercializadores
(como atividade não regulada), consolidou um modelo de diversificação de
participantes independentes concorrendo entre eles, tendo como resultado um
ambiente de negócios mais maduro, eficiente e facilitador da tarefa de regulação e
controle.
Segmentação de atividades e introdução da concorrência
Neste sentido, realizou-se uma segmentação vertical das atividades bem como
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introduziu-se a concorrência em atividades potencialmente competitivas.
Utilizaram-se diversos instrumentos no sentido de fomentar a concorrência, tais
como o acesso aberto contratual regulado às instalações de transporte e distribuição
e a introdução de restrições às participações cruzadas.
A segmentação das atividades em si também permitiu a concorrência por
comparação (yardstick competition) entre as unidades de negócio com serviços
similares, permitindo melhorar a atividade de regulamentação e beneficiar os
usuários com os ganhos de produtividade através de menores tarifas. Um exemplo
no qual a estrutura segmentada foi claramente benéfica está relacionado à
concorrência entre as próprias distribuidoras para a captação de projetos de geração
térmica. Esses projetos proporcionam às distribuidoras, como já foi apresentado
anteriormente, o acesso a formas diversificadas de contratação (serviços de pico) os
quais reduzem os custos de capacidade, melhorando seu nível de utilização.
Transparência econômica do valor dos energéticos
Outra lição obtida do modelo argentino trata-se da utilização de critérios, princípios e
metodologias homogêneos à fixação de preços e das tarifas dos segmentos
regulados (transporte e distribuição) da indústria, evitando os subsídios cruzados
que, em geral, geram discriminações indevidas entre os usuários do serviço.
De forma correspondente, a simultânea eliminação de todos os subsídios aos
combustíveis alternativos ao gás natural atuou no mesmo sentido, potencializando o
direito de escolha dos consumidores finais, de acordo com as suas necessidades,
como elemento de definição do produto energético, seu preço e seu fornecedor.
Ajustes ao modelo de transformação
A recente crise econômica argentina, que teve início no fim de 2001, impacto,
fortemente, sobre o setor, colocando um freio nos investimentos do setor privado.
Esta crise demonstra a necessidade de analisar se o modelo argentino era
sustentável, apenas, em um ambiente de estabilidade macroeconômica.
A observação dos resultados das reformas no setor faz com que se reconheça que
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as mudanças empreendidas foram muito positivas e que, assim sendo, faz-se
necessário, apenas, modificações marginais no marco regulatório.
Recentemente, iniciou-se um processo de renegociação contratual, no âmbito do
qual, certamente, constará a questão da definição de tarifas em dólares ou em
moeda nacional, bem como o ajuste periódico das mesmas por índices de preços
externos ou domésticos.
Observou-se que a cobertura cambial e a indexação por índices externos
mostraram-se impraticáveis em um cenário de crise macroeconômica, com forte
desvalorização da moeda.
A exportação e a integração dos mercados regionais
O modelo argentino facilitou a integração dos mercados. Como prova, é possível
citar os Protocolos de Integração Energética celebrados entre a Argentina e todos os
seus vizinhos, nos quais as partes comprometem-se a retirar as barreiras e
assimetrias regulatórias e fiscais que pudessem dificultar o livre fluxo das
transações.
A fecundidade desse comportamento permitiu o desenvolvimento de uma nova infra-
estrutura de interconexão (com Chile, Bolívia, Brasil e Uruguai) e a monetização das
reservas de gás.
Em muitos casos, os projetos para o transporte de exportação de gás tornaram
possível a solução de problemas de capacidade doméstica, permitindo expansões
que, de outra forma, teriam demorado a realizarem-se.
As condições iniciais e uma visão abrangente das reformas (setores de
hidrocarbonetos, eletricidade, dentre outros)
Criar condições propícias para o desenvolvimento do setor gasífero pode significar
que, simultaneamente, ou de forma prévia, sejam tomadas decisões de estruturação
em outras áreas, as quais têm uma interface com o mesmo.
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A liberação de preços em toda a cadeia do petróleo e seus derivados (excetuando-
se o transporte por dutos) e a eliminação de subsídios constituíram um passo
significativo para a consolidação da economia de mercado e continuou melhorando
a competitividade do gás. Acrescenta-se a tais aspectos, a livre disponibilidade do
gás, complementada pela abertura do mercado e pelo acesso aberto regulado.
A reestruturação do setor elétrico obteve sucesso singular, tendo atingido, também,
a indústria gasífera, criando-se, assim, uma sinergia importante entre tais setores.
Os resultados foram nítidos em termos de preços e de crescimento da demanda do
gás por meio da expansão do número e tamanho das plantas térmicas.
O fato das reestruturações dos dois setores terem semelhanças significativas no que
se refere aos objetivos, à segmentação das atividades e à abordagem regulatória,
ajudou a consolidar as reformas implantadas, apesar das diferenças importantes no
que se refere à organização das transações.
Apesar da ação regulatória ter sido exercida por entidades regulatórias setoriais, foi
possível manter uma interação produtiva entre as duas instituições em matéria de
informação e de resolução dos problemas comuns.
O processo de investimento e o grau de integração da cadeia
A segmentação horizontal e vertical da empresa Gas del Estado foi, provavelmente,
o maior desafio do modelo. Este desafio superava o problema físico de introdução
de novas estações de medição para separar os fluxos de gás através dos ativos de
transporte e distribuição, e incluía os seguintes aspectos:
1) Coordenação das atividades de despacho entre os agentes da cadeia, tarefa
que foi se aperfeiçoando em poucos anos, quando foram aprovadas as
regras de despacho (não centralizado, em oposição ao setor elétrico), a partir
da discussão contínua entre os agentes da indústria e a autoridade
regulatória;
2) Necessidade de adoção de regulamentações que outorgassem clareza nas
interfaces entre os distintos elos da cadeia, de forma de possibilitar o
desenvolvimento de transações baseadas em contratos padronizados (para
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venda de gás e de serviços de transporte e distribuição).
Os sinais de expansão, impulsionados, também, pelo estabelecimento de tarifas
razoáveis, foram repassadas por toda a cadeia com custos de transação certamente
menores que os benefícios, uma vez que as expansões foram se concentradas em
cada um dos segmentos, e superados os gargalos existentes
Os resultados obtidos ajudaram a desmistificar a afirmação de que a integração
vertical das atividades (e das propriedades na cadeia) é a forma de facilitar os
processos de investimento. Na medida em que as regulamentações sejam claras e
não se diluam as responsabilidades dos agentes, é possível gerar uma nova infra-
estrutura sobre uma base econômica.
Funcionamento do acesso aberto
A escolha do acesso aberto regulado contratual, em conjunto com procedimentos
transparentes de alocação de capacidade e de modelos de contrato para ter acesso
aos serviços, demonstrou ser um bom sistema complementar para dar opções aos
usuários.
O processo de concurso aberto a que atualmente estão sujeiras as transportadoras,
no que diz respeito a alocação de capacidades de transporte, evoluiu conforme as
exigências de maior transparência – o que não constitui um empecilho para a sua
plena realização, uma vez que foram negociados aspectos específicos que os
carregadores requeriam para o fornecimento. Este procedimento foi utilizado tanto
para as expansões de transporte (sejam dutos paralelos ou de maior compressão)
para atender o mercado doméstico, ou para criar uma nova estrutura de transporte
para atender o mercado externo. Algumas delas (ex.: Gas Andes) precisavam de
expansões na infra-estrutura já existente e no duto de conexão com o mercado
externo.
No segmento de distribuição, o acesso à capacidade resultou em maiores conflitos,
particularmente, na medida em que aumentou o conhecimento dos usuários sobre
as alternativas de segmentar a sua provisão via by pass e das regras tarifárias que,
embora em princípio parecessem claras, admitiram interpretações que foram
prejudiciais, principalmente, para as distribuidoras. Aqui é provável que a
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problemática do acesso passe por uma reavaliação para futuras mudanças.
Efetividade da ação regulatória
A efetividade da ação regulatória não deve ser avaliada somente no contexto das
competências outorgadas à Autoridade Regulatória, devendo incluir, também, uma
série de fatores relacionados à organização institucional, à estruturação e à
organização do setor, bem como ao tipo de regulamentação econômica aplicada.
Por outro lado, embora seja comum a afirmação de que a ação regulatória sempre é
regida pela aplicação de determinados princípios, tais como a transparência e a
objetividade nas decisões, o ambiente em que tais decisões são tomadas pode
condicionar a sua qualificação e o cumprimento dos mencionados princípios.
São várias as lições emanadas do caso argentino. Todo o processo de estruturação
do setor contribuiu para que a ação regulatória fosse mais efetiva nos primeiros anos
pós-privatização. De um lado, as funções e competências eram amplas nas áreas
normativa, jurisdicional e de fiscalização, facilitando assim a resolução de conflitos e
seu tratamento isonômico. Da mesma forma, as regulamentações foram
suficientemente claras e detalhadas, e o Estado Nacional abandonou seu papel de
prestador do serviço, mantendo o papel de formulação de políticas, deixando,
obviamente, a atividade regulatória, diminuindo assim os possíveis conflitos de
interesse. Além disso, o processo de nomeação de diretores (embora em forma de
concursos, que foram, no decorrer do tempo, suspensos em diversas oportunidades)
não parece ter sido conduzido com a devida transparência e equanimidade para a
escolha dos candidatos. Finalmente, a organização interna das atividades da
agência e um orçamento razoável também proporcionaram, nos primeiros anos, uma
atuação menos burocrática e mais profissional.
A forma como se configura cada um destes fatores e a sua dinâmica no tempo
apresentam resultados a partir dos quais é possível afirmar se é viável esperar uma
ação regulatória mais ou menos efetiva, e qual seria o grau de efetividade.
Um fator que, sem dúvida, prejudicou a ação regulatória independente e eficaz foi a
crescente intervenção política nos processos de decisão e nos mecanismos de
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nomeação anteriormente citados. Sem dúvida, as crises macroeconômicas e a Lei
de Emergência Econômica também contribuíram para a perda de efetividade,
suspendendo faculdades e procedimentos de revisão que o próprio órgão regulador
poderia ter iniciado, em conformidade com o marco regulatório.
Como resultado deste cenário, a ação regulatória tornou-se mais burocrática, menos
transparente e mais dependente das decisões da política do país. Atualmente, o
papel que ela pode exercer com maior grau de independência limita-se,
principalmente, à fiscalização do cumprimento do serviço, sem deixar de levar em
consideração os problemas de financiamento orçamentário.
O desenvolvimento do mercado do gás e seu grau de concentração
A avaliação do desempenho da oferta do gás apresentou diversas facetas, assim
como as lições obtidas. De um lado, introduzir forças de mercado nas relações
entre os agentes constituiu um fator muito positivo. A livre disponibilidade e a
estruturação de todo o sistema do gás abriram novas perspectivas de demanda no
mercado interno e externo, o que possibilitou a auto-suficiência e a exportação aos
países vizinhos.
Os aumentos de preço da commodity, depois da privatização, estiveram marcados
pela suspeita de acordo de preços como resultado do alto grau de concentração na
oferta, o que derivou do processo de reestruturação no upstream do setor de
hidrocarbonetos. As ações reguladoras implementadas depois da privatização, tanto
em questões de autorização de pass-through de preços de gás como de denúncias
às Autoridades de Defesa da Concorrência, demonstram a insatisfação no que se
refere a opções e preços aos usuários.
Desde o início, a ação regulatória esteve focada em criar condições de maior
transparência para a aprovação das mudanças de preços, solicitar a exclusão de
determinadas cláusulas contratuais e conseguir que a Repsol-YPF não fosse
autorizada a renovar a comercialização de gás de terceiros (quando da expiração
dos contratos), entre outros pontos. Ações deste tipo serviram para atingir o objetivo
de nivelar forças, mas tiveram seus custos, porque, por exemplo, o próprio
procedimento de pass-through também não apresentou a transparência exigida
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pelos atores.
Não é possível afirmar que os aumentos de preços foram altos ou que não tivessem
sido previstos. Houve aumentos, o que, todavia, nunca significou que os preços do
gás estivessem, praticamente, no mesmo patamar de preços do energético
substituto, apesar das intenções dos produtores apresentadas em diversas
audiências públicas. Na realidade, nem mesmo acompanharam as flutuações dos
preços do petróleo.
É possível extrair lições e questionamentos de toda esta experiência de abertura de
setor do upstream (que apresenta particularidades no que se refere à distribuição do
recurso natural e a sua proximidade com o mercado, assim como significativas
barreiras à entrada).
Por um lado, a estruturação do downstream e a introdução de forças de mercado
(negociação do preço e livre disponibilidade do produto) mostraram ser ferramentas
complementares no desenvolvimento do mercado.
Pode ser que uma maior desconcentração inicial tivesse ajudado a gerar condições
mais competitivas, sem a necessidade de uma maior intervenção regulatória que
teve de se apoiar na geração de diversas pressões para desencorajar os aumentos
de preços apresentados pelos produtores.
Finalmente, é importante considerar: o fato de que o grau de concentração está
relacionado com o tamanho; os mercados que se devem atender; as barreiras à
entrada; e, as distâncias para o fornecimento. A dinâmica desta relação no decorrer
do tempo é muito complexa, e não é possível esperar que se alcance um nível de
desconcentração aceitável em mercados como o argentino, como o observado em
mercados mais desenvolvidos (Ex.: Estados Unidos e Inglaterra).
Tudo isto mostra que, embora o objetivo de uma maior concorrência ainda faça parte
da agenda política, os desenhos do sistema, assim como as ferramentas
regulatórias e de defesa da concorrência, devem permitir o alcance desse objetivo
de maneira eficaz e sem custos elevados de transição.
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As crises macroeconômicas e a incerteza das regras regulatórias
A crise macroeconômica, em conjunto com os escassos e pouco oportunos sinais
em favor da renegociação das condições de prestação do serviço, enfraqueceu o
sistema segmentado de prestação do serviço.
Deve-se esperar que os sinais emitidos pelo governo sejam enviados de forma
simultânea a todos os elos da cadeia. Caso contrário, acabaria o interesse em
investir ou em contratar, uma vez que se eleva a exposição ao risco dos atores
envolvidos.
Os efeitos colaterais são: a perda do impulso investidor; a diminuição da qualidade e
das opções de fornecimento; e, a negação de conexões com as redes de infra-
estrutura, como forma de diminuir o grau de responsabilidade nas obrigações de
fornecimento, no futuro.
Paralelamente, esta falta de definições também afeta a efetividade regulatória,
porque o poder de concessão pertence ao Estado Nacional, assim como, também, a
capacidade para a renegociação das condições de prestação.
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CONTEÚDO DO DOCUMENTO
I. Sumário Executivo
II. Caracterização do Setor de Gás Natural na Argentina
III. Status da Situação do Setor Antes da Reforma
IV. Descrição do Processo de Reforma no Setor
V. A Estrutura do Setor Depois da Reforma
VI. Resultados da Reforma
VII. Impactos da Crise Macroeconômica Sobre o Setor
VIII. Possível Revisão do Modelo Face ao Futuro
IX. Lições
X. Anexo
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X - ANEXO A
Contexto histórico da reforma
A partir de 1989, houve uma profunda mudança estrutural na economia argentina,
através de ações de impacto social num deteriorado contexto econômico e social. O
marco jurídico inicial dessas ações foi composto pelas Leis de Reforma do Estado nº
23.696 (LRE) e de Emergência Econômica nº 23.687 (LEE), promulgadas naquele
ano. A primeira autorizou o Poder Executivo a decidir quais seriam as empresas
públicas a serem privatizadas e as diversas formas de realizar tais processos,
enquanto que a segunda eliminou os subsídios existentes.
Os objetivos gerais da política do governo naquele momento poderiam se resumir
nos pontos a seguir:
• Reinserção da Argentina nos mercados mundiais:
o Este objetivo tentou contrabalançar os efeitos causados sobre a
economia pelo excessivo protecionismo em matéria de comércio
exterior. Para tanto, foram implementadas políticas de abertura
econômica tais como:
§ A redução de barreiras alfandegárias;
§ A eliminação de restrições para a participação de investidores
nacionais e estrangeiros nos setores denominados
estratégicos; e
§ A supressão do Programa "Compre Nacional" para as
empresas públicas.
• Plano de estabilização:
o A estabilização da economia constituiu outro dos pilares que serviu de
base à nova ordem da economia. Dentro desse marco, foi aprovada a
Lei da Convertibilidade nº 23.928 (LC), por meio da qual estabeleceu-
se uma paridade fixa entre o peso e o dólar; promoveu-se a redução
do déficit público mediante diversas medidas; e, promoveu-se a
liberdade de mercados através de políticas de desregulamentação
aplicadas a diversos setores.
Progressivamente, foram sendo introduzidas novas regras do jogo, entre as quais
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cabe destacar as seguintes:
• Desregulamentação e liberalização dos mercados;
• Abertura e globalização da economia;
• Redefinição do papel do Estado;
• Modificação da função dos preços na alocação dos recursos da economia;
• Redução do déficit do setor público;
• Desregulamentação e liberalização dos mercados.
O objetivo foi promover e induzir condições de concorrência em mercados que, até
aquele momento, estavam fortemente regulados (ex.: hidrocarbonetos, geração de
eletricidade etc.). No setor de hidrocarbonetos, isto significou a liberalização de
preços para o petróleo e seus derivados (o setor de gás permaneceu regulado até
abril de 1994), e abertura à entrada do capital privado nas etapas de produção,
transporte, refino e comercialização.
Entre os diversos decretos emitidos pelo governo no processo de transformação do
setor, vale destacar aquele que vinculou o pricing do gás ao do óleo combustível,
com o objetivo de proporcionar maior racionalidade à política de preços do governo.
Os Decretos de Desregulamentação (1.055/89, 1.212/89 e 1.589/89) constituíram,
sem dúvida, o marco de referência de todo o processo de transformação do setor do
petróleo, mas foram insuficientes para a indústria do gás, que exigiu outros fatores
de estruturação e organização, os quais não constavam do referido marco regulador,
tornando necessária a promulgação posterior de um conjunto normativo (Lei do no
Gás 24.076, regulamentação pelos Decretos no 1.738/92 e no 2.255/92).
O sucesso da transformação do setor petrolífero estendeu-se durante toda a década
de 90, sendo acompanhado pelo investimento em infra-estrutura e na modernização
tecnológica de todos os segmentos (exploração, produção, refinação,
comercialização etc.), bem como pela atração do capital privado e de novos
operadores.
Como resultado, o setor petróleo alcançou níveis de maior eficiência, servindo de
exemplo à passagem do país da condição de importador à de exportador de petróleo
egás. Esta atividade passou a ocupar o primeiro lugar na pauta de exportação do
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país, em substituição ao setor agropecuário, que tradicionalmente caracterizava a
economia argentina nas décadas anteriores.
Este processo de reforma esteve caracterizado pela rapidez, mas descuidou de
certos aspectos estruturais, os quais, mais tarde, influenciaram o comportamento
dos mercados. De um lado, a não intervenção do Estado no setor foi além do
aconselhável, produzindo-se perdas de informações técnicas e comerciais, as quais
foram disponibilizadas, somente, aos prestadores de serviços privados que
adentraram o mercado. Por outro lado, a abertura do setor aos mercados externos
(que através da arbitragem de preços deveria trazer preços competitivos) acabou
sendo alvo de críticas tanto no meio político como das organizações de
consumidores. A conformação oligopolista do setor, com a presença dominante da
YPF como resultado das condições iniciais em que foi realizada a transformação
constituiu outro dos aspectos que nunca deixou de ser alvo de críticas, assim como
aquelas referentes aos supostos "acordos de preços ou de divisão de mercado".
Esta transformação do upstream, assim como a ocorrida no âmbito de outros
serviços (ex.: telecomunicações), trouxe como ensinamentos a necessidade de
gerar marcos regulatórios especiais e prévios ao processo de mudança, assim como
a alocação ao Estado (através de agências regulatórias) de um novo papel
relevante. Todas essas lições foram assimiladas para o posterior processo de
transformação da indústria do gás.
O fato da desregulamentação da indústria petrolífera ter acontecido em primeiro
lugar, facilitou, sem dúvida, o processo de privatização e reorganização tanto do
setor elétrico como do gasífero. A liberdade de preços implicou a remoção de alguns
subsídios e obstáculos para a penetração do gás e fomentou o ingresso de novos
agentes no mercado. Ao mesmo tempo, a penetração do energético continuou
afastando combustíveis substitutivos: gás liqüefeito, óleo combustível, e gasolinas
no setor de transporte, mediante a entrada do gás natural comprimido.
Um dos principais problemas enfrentados pela penetração do gás, nos mercados
residenciais (onde a concorrência se dá, principalmente, frente a eletricidade e ao
gás liqüefeito em diversas utilizações, como: aquecimento, cocção e calefação), e,
nos mercados industriais, é a existência de preços políticos que perseguem
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objetivos de distribuição de renda, antiinflacionários e setoriais. A retirada destes
subsídios (que representam um custo social para o conjunto da economia) significou
um passo importante nas áreas política e econômica, facilitada pela própria crise de
financiamento e desinvestimento no setor público, tendo como resultado o processo
hiperinflacionário do fim da década de 80 e começo dos anos 90.
Nesse sentido, a eliminação de controles de preços e de subsídios foi uma das
condições iniciais básicas para promover tanto a atração dos investimentos para o
setor dos hidrocarbonetos, no seu conjunto, quanto a continuação da penetração do
gás. Além disso, foram limitados no tempo (ou ficaram sem efeito) contratos com
preços ou tarifas diferenciais para determinados usos.
• Abertura e globalização da economia
A globalização dos mercados observada no âmbito internacional impôs o impulso
para a livre entrada e saída de bens e capitais.
Neste sentido, foram eliminadas barreiras alfandegárias e restrições à entrada de
capitais estrangeiros e, durante os primeiros anos da década de 90, firmaram-se
protocolos de proteção dos investimentos. De fato, a abertura facilitou o acesso ao
crédito externo, a redução de restrições para a remessa de dividendos e o
pagamento de juros e de capital produto do endividamento.
A liberdade de entrada e saída de capitais, retro-alimentada pelo próprio sistema
monetário cambial da conversibilidade, dava garantias ao investimento estrangeiro
(financeiro e de capital), apesar da existência de um valor significativo de medição
no risco país.
• Redefinição do papel do Estado
A nova ordem institucional estabelecida determinou a limitação do papel do Estado
aos aspectos a seguir:
• Serviços essenciais para a sociedade (ex.: justiça, educação, saúde,
segurança etc.);
• Regulamentação dos mercados imperfeitos (ex.: monopólios naturais como
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os serviços de eletricidade, gás e água); e
• Concessão de subsídios a diversos setores da sociedade, através de
alocações específicas do orçamento nacional.
Conseqüentemente, transferiram-se para o setor privado atividades econômicas
que, até esse momento, estavam sob o controle do Estado, definindo-se,
previamente, os marcos jurídicos correspondentes.
Para os serviços que funcionavam em condições de monopólio natural, foram
criados organismos de regulamentação para o controle da sua prestação por parte
do setor privado. Desta forma, o Estado separou a prestação de serviços
(terceirizada aos investidores), as definições de política do setor (que manteve
dentro do seu âmbito), o controle da prestação, e a resolução de conflitos (através
das agências reguladoras).
• Modificação da função dos preços na alocação dos recursos da economia
Modificou-se a função atribuída aos preços na alocação dos recursos, retirando
deles os objetivos de subsídio e de redistribuição de renda. Da mesma forma, nos
setores em que o Estado continuaria determinando preços (como por exemplo, no
setor de serviços públicos), objetivou-se que eles refletissem os custos econômicos
da sua prestação.
A partir desse ponto, buscou-se a transparência das políticas de subsídio tornando-
as explícitas.
No caso do marco regulatório do gás, os subsídios orçamentários estiveram
limitados ao setor residencial de usuários da Patagônia e a aposentados e
pensionistas, com renda mínima em qualquer local de residência. Estes últimos
foram mais tarde eliminados, depois de um aumento no pagamento das
aposentadorias para que pudessem atender os serviços básicos (inclusive o gás).
• Redução do déficit do setor público
A privatização das empresas públicas tentou eliminar o déficit que elas geravam e
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que era pago pela sociedade através do imposto inflacionário. Este objetivo foi
atingido, em parte, graças às reestruturações tarifárias anteriores às privatizações,
às vendas das empresas ao setor privado, ou aos investimentos em infra-estrutura.
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ANEXO B
Apêndice estatístico
Quadro X-1 – Evolução da relação Reservas / Produção de gás natural
Período 1988 - 2002
Ano Reservas
(bilhões de metros cúbicos:)
Produção (bilhõnes de
metros cúbicos )
Reservas / Produção (anos)
1988 773,0 22,7 34,0 1989 743,9 24,2 30,7 1990 579,1 23,0 25,2 1991 592,9 24,6 24,1 1992 540,4 25,0 21,6 1993 516,7 26,7 19,4 1994 535,5 27,7 19,3 1995 619,3 30,4 20,3 1996 685,6 34,7 19,8 1997 683,8 37,1 18,4 1998 686,6 38,6 17,8 1999 748,1 42,4 17,6 2000 777,6 44,9 17,3 2001 763,5 45,9 16,6 2002 663,5 45,8 14,5
Fonte: Análise STRAT/RG com base nos dados da Secretaria de Energia, ano 2003.
Quadro X-2 – Evolução da capacidade de transporte de gás natural na Argentina
Anos 1993 e 2002
1993 Extensão (Km) Cap. Nom.
Troncais Paralelos Total (MM M3/d) TGN 3.299,9 864,4 4.164,3 24,8
Norte 1.458,2 623 2.081,2 13,4 Centro Oeste 1.257,8 52,7 1.310,5 11,4 Trechos Finais 583,9 188,7 772,6
TGS 5.609,1 418,6 6.027,7 46,6 Neuba I 592,0 - 592,0 18,5 Neuba II 573,5 69,9 643,4 11 San Martín 1.963,7 348,7 2.312,4 15,4 Trechos Finais (*) 1.841,0 - 1.841,0 Anel Bs As 82,1 - 82,1
Regionais
Cordillerano 243,7 - 243,7 1,2 Plaza Huincul-Senillosa 67,1 - 67,1 0,5 Mainque-Conesa 246,0 - 246,0
Interconexão e Derivação - - - TOTAL SISTEMA TRANSPORTE 8.909,0 1.283,0 10.192,0 71,4
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2002 Extensão(Km) Cap. Nom. Troncais Paralelos Total (MM M3/d) TGN 3.007,6 2.386,3 5.393,9 54,4
Norte 1.454,8 1016,8 2.471,6 22,5 Centro Oeste 1.257,8 884,3 2.142,1 31,9 Trechos Finais 295,0 485,2 780,2
TGS 6.193,5 1.186,2 7.379,7 66,35 Neuba I 590,4 92 682,4 28,4 Neuba II 573,5 69,9 643,4 13,5 San Martín 1.969,4 721 2.690,4 22,3 Trechos Finais (*) 1.903,1 234,4 2.137,5 Anel Bs As 82,6 - 82,6
Regionais Cordillerano 243,9 68,9 312,8 1,2 Plaza Huincul-Senillosa 67,3 - 67,3 0,45 Mainque-Conesa 219,6 - 219,6 0,5
Interconexão e Derivação 543,7 - - TOTAL SISTEMA TRANSPORTE 9.201,1 3.572,5 12.773,6 120,75 (*) Rede básica e Paralelo. Fonte: ENARGAS, ano 2003.
Quadro X-3 – Gasodutos de integração
Comprimento (em Km) Gasodutos em operação
Em cada país Total Investimento (em MM US$)
ARGENTINA - CHILE Argentina Chile Total NorAndino 380 680 1.060 400 GasAtacama 531 410 941 450 GasAndes 313 154 467 325 Pacífico 296 342 638 430 Metanex Vários (a) 61 36 97 8,5 (b)
ARGENTINA - BRASIL Argentina Brasil Total TGM 615 (c) 615 250 (d)
ARGENTINA - URUGUAI Argentina Uruguai Total Petrouruguay 15 11 26 n.d. Cruz del Sur 13 130 208 120 (65 Km sob o rio)
BOLIVIA - BRASIL Bolívia Brasil Total Gasbol 557 2.583 3.140 1.719 Lateral Cuiabá 360 273 633 216 Gasyrg (e) 431 0 431 400
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Comprimento (em Km) Gasodutos em operação
Em cada país Total Investimento (em MM US$)
BOLÍVIA - ARGENTINA Bolívia Argentina Total Madrejones - Campo Durán 9 34 43 n.d.
Bermejo-Ramos 4 24 28 n.d. TOTAIS 8.327 4.319 (a) Inclui Metanex PA, YPF e SIP. (b) Somente do lado argentino. (c) Trecho I e II, de 25 Km c/u, já foram construídos. Trecho III: mais de 565 Km em construção. (d) Somente do lado boliviano.
(e) Atualmente estão se movimentando 2,5 MMm3. Para o fim do ano está previsto o início de operações da estação de compressão De Villa Montes que permitirá a ampliação da capacidade de transporte do gasoduto de 11 a 17 MMm3/dia.
Fontes: ENARGAS, Superintendencia de Hidrocarbonetos (Bolívia), CNE (Chile) e ANP (Brasil).
Quadro X-4 – Evolução da tarifa residencial
Índice base 100 = fevereiro 1991
Antes da privatização Depois da privatização
100110
156 156
169
187192
10094
110 108 107 108
76
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Em pesos correntes
Em pesos constantes
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
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Quadro X-5 – Evolução da tarifa industrial 200 m3/dia
Índice base 100 = fevereiro 1991
Antes da privatização Depois da privatização
100 102 102 102
110
121125
10095
86 8487 89
51
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Em pesos correntes
Em pesos constantes
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Quadro X-6 – Evolução da tarifa industrial 1.000 m3/dia firme
Índice base 100 = fevereiro 1991
Antes da privatização Depois da privatização
100
90 90 91
110
122127
100
83
76 76
8790
52
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Em pesos correntes
Em pesos constantes
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
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Quadro X-7 – Evolução da tarifa industrial 1.000 m3/dia interrompível
Índice base 100 = fevereiro 1991
Antes da privatização Depois da privatização
100
87 87 88
7370
74
100
81
73 73
58
51
30
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Em pesos correntes
Em pesos constantes
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Quadro X-8 – Evolução da tarifa geração elétrica interrompível
Índice base 100 = fevereiro 1991
Antes da privatização Depois da privatização
100
113
121 121 121
110116
100
111117 115 113
99
48
01-02-91 01-04-91 01-02-92 01-03-92 01-12-92 01-12-01 Atual
Em pesos correntes
Em pesos constantes
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
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Quadro X-9 – Evolução da tarifa de gás natural na Capital Federal com impostos
Índice base 100 = fevereiro 1991
Segmento Fev.91 Abr.91 Fev.92 Mar.92 Dez.92 Dez.01 Atual (*) Residencial (250 m3/mes) 100 113 159 159 167 170 56 Industrial (200 m3-dia) 100 105 103 104 109 109 37 Industrial (1.000 m3-dia) 100 93 91 93 109 111 37 Industrial (10.000 m3-dia) 100 90 88 90 72 63 22 Centrais Elétricas 100 116 123 123 120 99 34
(*) TC (AR$/US$) = 2,80
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Quadro X-10 – Evolução da composição da tarifa residencial
Índice base 100 = fevereiro 1991
Componente Fev.91 Abr.91 Fev.92 Mar.92 Dez.92 Dez.01 Atual
Tarifa final com impostos 100 113 159 159 167 170 56 Preço gás boca poço 100 109 107 107 104 122 44 Transporte e distribuição 100 121 224 219 284 268 87 Impostos nacionais 100 107 126 133 80 93 31
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
Quadro X-11 – Evolução da composição da tarifa industrial para grandes usuários
Índice base 100 = fevereiro 1991
Componente Fev.91 Abr.91 Fev.92 Mar.92 Dez.92 Dez.01 Atual
Tarifa final com impostos 100 90 88 90 72 63 22 Preço gás boca de poço 100 109 107 107 104 122 44 Transporte e distribuição 100 72 71 71 49 28 9 Impostos nacionais 100 130 128 138 111 97 33
Fonte: Análise STRAT/RG. Ano 2003.
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ANEXO C – BIBLIOGRAFIA
1. ASOCIACIÓN DE DISTRIBUIDORAS DE GAS NATURAL (ADIGAS). Sección
Industria del Gas. Buenos Aires: 2003;
2. COMPANÍA ADMINISTRADORA DEL MERCADO MAYORISTA ELÉCTRICO
S.A. (CAMMESA). MEMNet. Buenos Aires: 2003;
3. ENTE NACIONAL REGULADOR DEL GAS (ENARGAS). Sección Operación del
Sistema. Buenos Aires: 2003;
4. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). Regulatory Reform in Argentina’s
Natural Gas Sector. Paris: 1999. 142 p;
5. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). South American Gas: Daring to Tap
the Bounty. Paris: 2002. 248 p;
6. INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICAS Y CENSOS (INDEC). Sección
Índices de Precios. Buenos Aires: 2003;
7. SECRETARÍA DE ENERGÍA DE LA REPÚBLICA ARGENTINA. Sección
Información Mercado de Hidrocarburos. Buenos Aires: 2003.